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A COISA JULGADA E SUA RELATIVIZAÇÃO NO AMBITO DO STJ Por Gil Luiz de Rezende Tese apresentada em cumprimento das exigências para o título de especialista em Direito do curso de Pós-graduação em Direito Lato Sensu Curso Sui Juris/Uniplac 2008

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A COISA JULGADA E SUA RELATIVIZAÇÃO NO AMBITO DO STJ

Por

Gil Luiz de Rezende

Tese apresentada em cumprimento das exigências para o título de

especialista em Direito do curso de Pós-graduação em Direito Lato Sensu

Curso Sui Juris/Uniplac

2008

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A COISA JULGADA E SUA RELATIVIZAÇÃO NO

AMBITO DO STJ

Por

Gil Luiz de Rezende

Mat.07101184

Orientador

Marlon Eduardo Barreto

Resumo

Trata-se de pesquisa visando sintetizar o entendimento

do Superior Tribunal de Justiça a respeito da evolução

da Jurisprudência no sentido de possibilitar a

relativização da coisa julgada consubstanciando o

pensamento individual de seus membros respeitando e

fazendo cumprir sua missão constitucional de

uniformizar a jurisprudência nacional a respeito do

tema.

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AGRADECIMENTOS

O autor deseja agradecer a todos

por tudo,Todavia, sobretudo ao

professor Marlon,pela paciência, ao

Dr. Paulo, pela oportunidade.

Os Dez Mandamentos do Advogado, de Eduardo J. Couture

1) ESTUDA - O Direito se transforma constantemente. Se não seguires seus passos, serás a cada dia um pouco menos advogado.

2) PENSA - O Direito se aprende estudando, mas se exerce pensando.

3) TRABALHA - A advocacia é uma árdua fadiga posta a serviço da justiça.

4) LUTA - Teu dever é lutar pelo Direito, mas o dia em que encontrares em conflito o direito e a justiça, luta pela justiça.

5) SÊ LEAL- Leal para com o teu cliente, a que não deves abandonar até que compreendas que é indigno de ti. Leal para com o adversário, ainda que ele seja desleal contigo. Leal para com o juiz, que ignora os fatos e deve confiar no que tu lhe dizes; e que quanto ao direito, alguma outra vez, deve confiar no que tu lhe invocas.

6) TOLERA - Tolera a verdade alheia na mesma medida em que queres que seja tolerada a tua.

7) TEM PACIÊNCIA - O tempo se vinga das coisas que se fazem sem a sua colaboração.

8) TEM FÉ - Tem fé no Direito, como o melhor instrumento para a convivência humana, na Justiça, como destino normal do Direito, na Paz, como substituto bondoso da Justiça e, sobretudo, tem fé na Liberdade, sem a qual não há Direito, nem Justiça, nem Paz.

9) OLVIDA - A advocacia é uma luta de paixões. Se em cada batalha fores carregando tua alma de rancor, chegará um dia em que a vida será impossível para ti. Concluído o combate, olvida tão prontamente tua vitória como tua derrota.

10) AMA A TUA PROFISSÃO - Trata de considerar a advocacia de tal maneira que o dia em que teu filho te pedir conselho sobre seu destino, consideres um honra para ti propor-lhe que se faça advogado.

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ÍNDICE ANALÍTICO

1- Prolegômenos ................................................................................................... 06

2- A Coisa Julgada................................................................................................ 09

3- A relativização da Coisa Julgada ..................................................................... 14

4- Cenário Contemporâneo da flexibilização da res judicata........................... 18

5- O ambiente desenhado pela Lei 11.232/05................................................... 26

6- A execução de sentenças inconstitucionais..................................................... 39

7- Interpretações constitucionais...................................................................... ... 42

8- A relativização no âmbito do Superior Tribunal de Justiça......................... ... 51

9- Três Acórdãos................................................................................................... 61

10- Notas conclusivas............................................................................................ 119

11- Bibliografia...................................................................................................... 122

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P R O L E G O M E N O S

Uma das revoluções científicas ocorridas na mecânica quântica diz respeito

à queda da física do fim-de-século e ao advento da física contemporânea, esta última

empenhada em provar a formulação da teoria da relatividade por Einsten e pelo princípio da

incerteza de Heisenberg.

Nesse novo paradigma, o tempo e o espaço absolutos de Newton sofrem um

violento impacto ao ponto de alguns vaticinarem o fim de sua teoria. Argumentando que as

próprias leis da física passam a ser vistas como probabilísticas, não podendo se encurvar

diante de noções deterministas e absolutas.

Com essa menção à revolução científica, que se no campo das ciências

exatas, onde as noções absolutas e deterministas sempre pareceram inquestionáveis, ocorreu

um reconhecimento de que não podem prevalecer cânones absolutos, porque não condizentes

à realidade das coisas, com muito maior razão merece especial consideração as noções de

índole relativizadora no campo das ciências humanas, onde as volatilidades da dinâmica

humana tendem a afastar propostas mecânicas e absolutas.

O Direito, ciência humana que é, deve mostrar-se receptivo, na atualidade,

em alguns de seus institutos tradicionais1, a processos semelhantes ao que Kuhn denominou

de revolução científica. No caso, a referência aí se dá em relação à noção de coisa julgada,

que, foi levada muito longe, “chegando-se ao absurdo de querê-la capaz de criar uma outra

realidade, fazer de albo nigrum e mudar falsum in verum’ (Pontes de Miranda)”2.

O tema explorado no presente trabalho é realmente profundo e desperta os

ânimos de qualquer estudante e operador do Direito dificultando sua delimitação. Algumas

noções preliminares, aqui colocadas a fim de traçar um caminho para o desenvolvimento

desta explanação, serão melhor explicitadas no decorrer do trabalho.

Uma pequena regressão no tempo em respeito da formação do contrato

social que após o escoamento de longos anos de embates, em meio a revoluções, a guerras e

outros movimentos insurrecionais, trouxe a humanidade o modelo atual de Estado. Havia uma

necessidade de abandonar o modelo pré-moderno de Estado cuja ordem jurídica consistia

numa mescla de religião, direito, moral, tradição e costumes transcendentalmente justificados

para estrear um arranjo político e jurídico estribado em um direito racionalmente edificado

sobre normas abstratas, gerais e defensoras da dignidade humana.

1 Isso para não falar que todos os institutos jurídicos devem passar por um processo constante de revisão, uma vez que o direito

deve estar consentâneo às ininterruptas mudanças sociais, políticas e culturais deflagradas ao longo da história. 2 DINAMARCO, 2002:40

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Nesse diapasão, surgem os Estados de Direito, que, no magistério de

MENELICK DE CARVALHO NETTO: resultam da conformação da organização política à necessidade de que essas

idéias3 tidas como direito natural de cunho racional, verdades matemáticas

absolutas e inquestionáveis (caracterizadoras do indivíduo – essa outra

invenção da modernidade) pudessem encontrar livre curso e se impor.4

Os Estados de Direito sustentam a separação dos poderes, a existência de

uma Constituição e a observância da lei por parte dos cidadãos e do próprio Estado. A

propósito, assinale-se que todas as manifestações estatais devem estar em sincronia com a lei

e, principalmente, com a Norma que fundou o Estado, a saber, a Constituição. Nesse

particular, oportuna a lição de CARLOS VALDES DO NASCIMENTO, in litteris: O sistema jurídico positivo fornece os elementos essenciais à compreensão

do exame do controle das atividades que envolvem o exercício das funções

típicas do Estado: administrativa, legislativa e jurisdicional, cujos atos dele

emanados devem guardar absoluta fidelidade ao Texto Magno, sob pena de

invalidade. Essa submissão ao princípio da constitucionalidade é o traço

revelador do Estado de Direito Democrático, que se assenta no Direito

Constitucional.5

Dessa forma, a exemplo dos Poderes Executivo e Legislativo, o Judiciário,

enquanto expressão do Estado Democrático de Direito, deve obediência à Lei Maior. No dizer

do supracitado processualista, “sendo certo que as decisões jurisdicionais configuram atos

jurídicos estatais, posto reproduzir a manifestação da vontade do Estado, sua validade

pressupõe estejam elas em consonância com os ditames constitucionais”6.

Além dessa necessidade de acoplamento do exercício jurisdicional às

prescrições constitucionais, preleciona MENELICK que, no Estado de Direito, a norma

formal deve ser internalizada socialmente (ainda que de maneira mínima) para que possa

existir, processo esse que se torna possível quando, além de alguns outros fatores, o Judiciário

cumpre a sua tarefa fundamental de “promover não somente a segurança jurídica, mas a

crença no próprio direito, na justiça”7. Assim, não basta propiciar segurança jurídica. O

Judiciário tem o dever também de fornecer soluções jurisdicionais justas e compatíveis com a

Constituição Federal, sob pena de desvanecer o sentimento de crença no direito existente na

sociedade.

3 Referindo-se às idéias de normas gerais, abstratas e protetivas dos direitos humanos. 4 NETTO, 1998:239 5 NASCIMENTO, 2002:02 6 NASCIMENTO, 2002:03 7 NETTO, 1998:235

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Nesta visão pretenderemos chegar na analise da coisa julgada material e sua

relativização, ao depois juntaremos as diversas opiniões de doutrinadores chegando por fim à

jurisprudência limitando o tema ao âmbito do STJ e seus pensadores.

Os arts. 475-L, § 1º, e 741, parágrafo único, do Código de Processo

Civil,(tema ao qual retornaremos), constituem parte de um fenômeno moderno da

relativização da coisa julgada, o qual pode ser melhor compreendido a partir do conceito de

transição paradigmática da teoria científica de Thomas Kuhn.

Sob uma ótica do Estado de Direito, resta demonstrado que tal relativização,

a despeito do status constitucional do instituto da coisa julgada, não contraria a Lei Maior. Ao

contrário, é com ela inteiramente compatível na medida em que laureia o princípio da

supremacia da Constituição e da Justiça.

Com efeito, é forçoso que se faça um equilíbrio entre os valores de

“segurança jurídica” e de “supremacia da Constituição/justiça” para evitar ofensa ao núcleo

essencial do princípio da inatingibilidade da coisa julgada.

Procuraremos demonstrar que devem ser rechaçadas teses no sentido de só

admitirem esses dispositivos como constitucionais se atenderem o prazo bienal previsto para a

ação rescisória. É que há autores de escol a sustentar que, após o transcurso de 2 anos a partir

do trânsito em julgado, a sentença adquiriria uma imutabilidade absoluta. Ocorre que (i) essa

restrição temporal não foi prevista na redação dos arts. 475-L, § 1º, e 741, parágrafo único, do

Código de Processo Civil; (ii) o ordenamento já convive harmonicamente com a querela

nullitatis, a qual detém o condão de obstar a eficácia de sentenças inexistentes

independentemente de qualquer limite temporal; (iii) a própria ação rescisória é uma hipótese

de relativização da coisa julgada, de maneira que defender a inconstitucionalidade dos

mencionados artigos é também perfilha a já superada tese de que a ação rescisória é também

inconstitucional.

Com essas noções, a presente obra destina-se a contribuir para a necessária e

futura formação de um consenso na comunidade jurídica a respeito da relativização da coisa

julgada, tudo com vistas a propiciar à sociedade uma prestação jurisdicional que realmente

espelhe a virtude maior buscada pelos indivíduos, a Justiça. No dizer de certo autor, “a busca

do homem pela justiça é a sua ânsia por encontrar a felicidade”8,sem descurar, é claro, da

segurança jurídica que pode ser muito afetada se não for preservada as bases da coisa julgada.

8 Autor não identificado.

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A COISA JULGADA

Coisa julgada é a qualidade conferida à sentença judicial contra a qual não

cabem mais recursos, tornando-a imutável e indiscutível. Sua origem remonta ao direito

romano (res judicata), onde era justificada principalmente por razões de ordem prática:

pacificação social e certeza do final do processo. Atualmente tem por objetivos a segurança

jurídica e impedir a perpetuação dos litígios. O instituto da coisa julgada está presente em

praticamente todos os sistemas de direito ocidentais.

Aspectos técnicos fizeram criar duas espécies de coisa julgada: a formal

visando permitir que a causa pudesse ser realvitrada, desde que não se tivesse a sentença

adentrado no meritum causae por dificuldades processuais como, por exemplo, a extinção do

processo por incapacidade postulatória, desde que sanadas as dificuldades apontadas na

sentença extintiva e a material que é a impossibilidade de modificação da sentença naquele

mesmo processo ou em qualquer outro, posto que a matéria em análise cumpriu todos os

trâmites procedimentais que permitem ao Judiciário decidir a questão em definitivo.

Coisa julgada formal é a impossibilidade de modificação da sentença no

mesmo processo, como conseqüência da preclusão dos recursos. Depois de formada a coisa

julgada, o juiz não pode mais modificar sua decisão, ainda que se convença de posição contrária

à que tinha anteriormente adotado. Só tem eficácia dentro do processo em que surgiu e, por isso,

não impede que o tema volte a ser agitado em nova relação processual. É o que se denomina

Princípio da inalterabilidade do julgamento. Todas as sentenças fazem coisa julgada formal,

mesmo que não tenham decidido a disputa existente entre as partes.

Em nosso mundo jurídico, construído pelos homens para a solução dos

conflitos sociais, busca-se o ideal de dar a cada um o seu direito com a garantia da força

exercida pelo estado para garantir a segurança dos atos jurisdicionais, combinado com a idéia de

que não se podem eternizar os dissídios sob o risco de criar um “gatilho”, capaz de

desestabilizar o contrato social, jogando por terra as construções feitas em prol da paz e do bem

viver de uma sociedade organizada, regredindo a uma pré-história jurídica onde a lei do mais

forte prevalece. Criou-se assim o instituto da coisa julgada absoluta, ou seja, uma vez julgada a

causa e transitada em julgado a decisão, tal sentença se torna imutável, absoluta, mesmo que

injusta.

Todavia, essa concepção absoluta da coisa julgada vem, em tempos

recentes, sendo mitigada ante uma progressiva onda de relativização. Ao que parece, a

situação atual é de uma crise do paradigma anterior que conferia uma intangibilidade absoluta

à res judicata e a assunção de um novo paradigma, prenhe de retoques relativizadores.

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Noutro giro, terreno fértil se tem para discorrer a respeito da clássica

diferenciação entre coisa julgada formal e coisa julgada material.A primeira diz respeito à

imutabilidade da sentença, assim entendida no seu valor estritamente jurídico-processual. Em

outras palavras, corresponde à impossibilidade de alteração da sentença9 por ter-se tornado

irrecorrível. Como luvas, o escólio de JOSÉ MARIA TESHEINER, in litteris: A sentença, não mais sujeita ao recurso ordinário ou extraordinário, transita

formalmente em julgado. Há imutabilidade restrita ao processo em que se

proferiu a sentença. Se não foi interposto o recurso cabível, a sentença

transita formalmente em julgado e não mais pode ser modificada no mesmo

processo (...)10

A coisa julgada formal também é designada pela doutrina de praeclusio

maxima11. Enquanto, “no sentido técnico ou substantivo, a preclusão exprime a idéia de: a)

extinção de um poder, para o juiz ou o tribunal; e b) perda de uma faculdade, para a parte’ (E.

D. Moniz de Aragão)” (grifo nosso)12, a coisa julgada formal corresponde à completa

extinção de poderes do julgador e à integral perda de faculdades das partes, não havendo

qualquer expediente hábil a modificar a sentença13. Como se vê, com o trânsito em julgado,

ocorre, por assim dizer, a preclusão máxima.

A coisa julgada material concerne à imutabilidade dos efeitos da sentença de

mérito. Ab ovo, de recordar-se que julgar o mérito da lide não é senão decidir a procedência

ou não da pretensão deduzida pelo autor em juízo. Assim, quando se transita em julgado uma

sentença de mérito, o Judiciário estabeleceu, “entre as partes e em relação ao litígio julgado,

uma situação de absoluta firmeza quanto aos direitos e obrigações que os envolvem, ou que

não os envolvem”14.

A coisa julgada material sobrepuja as dimensões do direito processual para

galgar uma significação político-social demasiadamente relevante, desenhando, de forma

indelével, a realidade jurídica e material que deve orquestrar a vida das partes litigantes e da

própria sociedade.

Em síntese, enquanto, na coisa julgada formal, a imutabilidade possui uma

projeção interna ao processo, a coisa julgada material lança raízes para o exterior do processo,

atingindo, também, a vida social.

9 Reprise-se que o termo sentença está sendo utilizado em sentido amplo, abarcando também os acórdãos dos tribunais. 10 TESHEINER, 2001:72-73 11 DINAMARCO, 2003:298 12 TESHEINER, 2001:66 13 Salvo os veículos processuais sobre os quais deitaremos luzes mais a frente, a exemplo da ação rescisória, da querela

nullitatis, os arts. 475-L, § 1º, e 741, parágrafo único, do Código de Processo Civil. 14 DINAMARCO, 2003:301

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A respeito dessa dicotomia, assim esgrime o escólio de NELSON NERY

JÚNIOR, a saber: Há, portanto, duas espécies básicas de efeitos da coisa julgada: I – efeitos

endoprocessuais: a) tornar inimpugnável e indiscutível a sentença de mérito

transitada em julgado, impedindo o juiz de redecidir a pretensão (art. 467 e

471, CPC); b) torna obrigatório o comando que emerge da parte dispositiva

da sentença; II – efeitos extraprocessuais: a) vincular as partes e o juízo de

qualquer processo (salvo quanto à independência das responsabilidades civil

e penal, nas circunstâncias determinadas pela lei; art. 935, CC) que se lhe

seguir como, por exemplo, para a execução da sentença de mérito transitada

em julgado (v.g. art. 610, CPC); b) impossibilidade de a lide (mérito,

pretensão), já atingida pela autoritas rei iudicatae, ser rediscutida em ação

judicial posterior, o que implica a proibição de a mesma ação – com os

elementos idênticos: partes, causa de pedir e pedido – ser reproposta (arts.

267, n. V; 301, n. VI e §§ 1.º a 3.º, CPC). Neste último caso, constitui a

finalidade mesma da coisa julgada material opor-se a que se profira nova

decisão sobre a matéria, no caso de haver sido ajuizada uma segunda ação.15

Forçoso ainda fazer coro das lições do ilustre processualista DINAMARCO

para salientar que “toda sentença é suscetível de coisa julgada formal, bastando que se torne

irrecorrível”16.

A título de ilustração, diga-se que uma sentença que extingue o processo

sem julgamento do mérito (sentença terminativa), quando ocorre o trânsito em julgado, é

acobertada apenas pela coisa julgada formal, visto que, malgrado nada mais se possa fazer

internamente ao processo, a parte autora pode buscar seu pretenso direito mediante o

ajuizamento de outra ação, a teor do art. 268 do CPC.

Já uma sentença que apreciou o mérito da causa, ao passar em julgado,

reveste-se do manto da coisa julgada material, de maneira que os direitos e obrigações das

partes restam definitivamente delineados.

Todavia, esse pendor de perpetuidade dos julgados, trazido pela coisa

julgada material deve ser acolhido pelos interpretadores do direito de forma sistêmica, vale

dizer, tendo em vista todo o conjunto normativo e valorativo da sociedade e da legislação, a

fim de impedir que situações absurdas, teratológicas e alheias ao espírito moral e normativo

do ordenamento doméstico sejam gravadas pela cláusula de perenidade. Nesse particular,

outra vez, assaz lúcidas as considerações do homenageado CÂNDIDO RANGEL

DINAMARCO, in verbis:

15 JÚNIOR, 2004:40 16 DINAMARCO, 2003:305

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Pelo que significa na vida das pessoas em suas relações com os bens da vida

ou com outras pessoas, a coisa julgada material tem por substrato ético-

político o valor da segurança jurídica, que universalmente se proclama como

indispensável à paz entre os homens ou grupos. Esse valor de primeira

grandeza, alçado à dignidade constitucional mediante a garantia do respeito à

coisa julgada, só não pode prevalecer quando a estabilidade do julgado

significar imutabilidade de situações de contrariedade a outros valores

humanos, ético ou políticos de igual ou maior porte.17

De fato, na linha de pensamento do aludido processualista, há sentenças que,

conquanto tenham apreciado o mérito da causa, não podem ser gravadas pela cláusula da

coisa julgada material. Assim ocorre, v.g., com as sentenças cujo comando consista em uma

determinação material ou juridicamente impossível de ser atendida. Ilustrem-se essas

hipóteses com os seguintes exemplos:

(a) quanto à impossibilidade material, desarrazoado seria cogitar da

perpetuação dos efeitos de uma sentença que imponha um resultado humanamente inatingível,

“como o tirar coelhos de uma cartola sem que jamais eles hajam sido postos lá, ou como o

caminhar a pé sobre as águas de um rio, sem qualquer embarcação e sem ajuda de qualquer

instrumento ou apoio”18;

(b) por outro lado, “existiria impossibilidade jurídica, p. ex., na sentença

que autorizasse um Estado a desligar-se da Federação ou que pretendesse impor uma

obrigação de fazer repudiada pela moral”19.

A relativização da coisa julgada é tema que vem sendo muito discutido dentro

do Direito e tem gerado opiniões conflitantes de diversos renomados autores. Hoje em dia, têm-

se travado grandes debates sobre a possibilidade de relativização da coisa julgada material, o

que está intimamente ligado ao princípio da segurança dos atos jurisdicionais.

A verdade é que, atualmente, não há um consenso na comunidade científica

do direito com respeito ao tema, o que corrobora a constatação de uma espécie de transição

paradigmática na concepção de coisa julgada. De fato, os juristas parecem estar em um

“período de acentuada insegurança profissional”20,

Alguns doutrinadores pregam que depois de formada a coisa julgada, nenhum

juiz poderá concluir de forma diversa, por qualquer motivo. Em princípio, apenas as sentenças

que tenham decidido a disputa existente entre as partes (mérito), fazem coisa julgada material.

17 DINAMARCO, 2003:303 18 DINAMARCO, 2003:307 19 DINAMARCO, 2003:683-684 20 CHALMERS, 1993:132

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Estas sentenças não poderiam ser modificadas, nem se poderia iniciar um novo processo com o

mesmo objetivo, em virtude da necessidade de promover a segurança jurídica, para que não se

possa discutir eternamente questões que já foram suficientemente analisadas. Assim sendo a

coisa julgada tem previsão constitucional no art. 5º, XXXVI e nada mais é do que uma das

vigas mestras do Estado Democrático de Direito.

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A RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA

É nessa intrigada seara de subordinação da atividade jurisdicional à Lex Mater e

de contrabalanço entre os valores de segurança jurídica e de justiça que reside o âmago da discussão

a respeito da relativização da coisa julgada. Mas, a busca progressiva por conciliar o Direito com a

Justiça, trouxe a Ação Rescisória, a Querela Nullitatis através da chamada por alguns de ação

declaratória de nulidades, a Revisão de pensão alimentícia, a revisão criminal (pro réu). e as várias

formas de relativização da Coisa Julgada onde se procura expurgar do meio jurídico a sentença nula

ou de impossível execução, extravagante, com defeitos insanáveis e até mesmo as injustas.

Algum tempo atrás se acreditava que ao permitir a mutabilidade da sentença de

mérito estar-se-ia minando o instituto da segurança jurídica e em conseqüência impedindo a

subsistência do estado, mas com o passar dos dias e algumas sentenças que desafiavam a paz social

optou-se por permitir a rescisão de sentenças esdrúxulas, inexecutáveis, mudando assim a

absolutividade das sentenças através da Ação Rescisória.

Os motivos que permitem a propositura da Ação Rescisória estão taxativamente

elencados no art. 485 do Código de Processo Civil Brasileiro, quais sejam: 1. Se verificar que foi dada por prevaricação, concussão ou corrupção do juiz;

2. Proferida por juiz impedido ou absolutamente incompetente;

3. Resultar de dolo da parte vencedora em detrimento da parte vencida, ou de

colusão entre as partes, a fim de fraudar a lei;

4. Ofender a coisa julgada;

5. Violar literal disposição de lei;

6. Se fundar em prova, cuja falsidade tenha sido apurada em processo criminal

ou seja provada na própria ação rescisória;

7. Depois da sentença, o autor obtiver documento novo, cuja existência

ignorava, ou de que não pôde fazer uso, capaz, por si só, de lhe assegurar

pronunciamento favorável;

8. Houver fundamento para invalidar confissão, desistência ou transação, em

que se baseou a sentença;

9. Fundada em erro de fato, resultante de atos ou de documentos da causa.

O prazo de decadência para a ação rescisoria é de até dois anos após o

trânsito em julgado da decisão que se deseja rescindir (art. 495 do Código de Processo Civil),

impedindo que se propague no tempo a insegurança jurídica

A exemplo da criação da Ação Rescisória, mister é recordar que, no

paradigma referente à noção absoluta de res judicata, surgiu a necessidade de sanar algumas

anomalias21. A Ação Declaratória de Nulidade de Sentença é ação autônoma (ou remédio),

21 Na teoria de Kuhn, um paradigma começa a ser derruído quando surgem muitas anomalias, isto é, muitas contradições

insolúveis à luz do paradigma então vigente. O paradigma relativo à noção absoluta da res judicata passou a ter anomalias. Daí se criarem a ação rescisória com o fito de resolver algumas incongruências da noção então vigente.

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que tem como objetivo desfazer os efeitos de sentença já transitada em julgado, ou seja, da

qual já não caiba mais qualquer recurso, tendo em vista vício existente que a torne anulável.

Tem a natureza desconstitutiva (ou seja, tirar os efeitos de outra decisão que está em vigor),

ou seja, para alguns autores é reconhecer que a sentença não pode gerar efeitos por possuir

vícios. Todavia, nos tempos atuais, o que se torna palmar é que pululam as anomalias daquele

antigo paradigma, fato que, somado à inexistência de unanimidade consensual na comunidade

jurídica, confirma os ares revolucionários em favor da relativização da coisa julgada.

O ato nulo ou inexistente macula a sentença como nos casos de falta de

citação. “A falta ou nulidade de citação para o processo de conhecimento contamina de nulidade

todos os seus atos, inclusive a sentença nele proferida. E por impedir a regular formação da

relação jurídica processual, tal nulidade frustra a formação da coisa julgada, pelo que pode ser

alegada em embargos à execução ou em ação autônoma direta da querela nullitatis insanabilis,

de caráter perpétuo, não prejudicada pelo biênio da ação rescisória, porque o que nunca existiu

não passa, com o tempo, a existir.

As recentes reformas no CPC trouxeram algumas mudanças nos arts. 475-L, §

1º; e 741, modificados pela Lei 11.232/2005 esquentando ainda mais os já calorosos debates a

respeito da relativização da coisa julgada: Art. 475-L. A impugnação somente poderá versar sobre: (Acrescentado pela

Lei 11.232/2005)

I – falta ou nulidade da citação, se o processo correu à revelia;

II – inexigibilidade do título;

III – penhora incorreta ou avaliação errônea;

IV – ilegitimidade das partes;

V – excesso de execução;

VI – qualquer causa impeditiva, modificativa ou extintiva da

obrigação, como pagamento, novação, compensação, transação ou

prescrição, desde que superveniente à sentença.

§ 1º Para efeito do disposto no inciso II do caput deste artigo, considera-se

também inexigível o título judicial fundado em lei ou ato normativo declarados

inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou

interpretação da lei ou ato normativo tidas pelo Supremo Tribunal Federal

como incompatíveis com a Constituição Federal.

Art. 741 - Na execução contra a Fazenda Pública, os embargos só poderão

versar sobre: (Alterado pela Lei-11.232/2005)

I - falta ou nulidade da citação, se o processo correu à revelia;

(Alterado pela Lei-11.232/2005)

II - inexigibilidade do título;

III - ilegitimidade das partes;

IV - cumulação indevida de execuções;

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16

V - excesso de execução; (Alterado pela Lei-11.232/2005)

VI - qualquer causa impeditiva, modificativa ou extintiva da

obrigação, como pagamento, novação, compensação, transação ou

prescrição, desde que superveniente à sentença; (Alterado pela Lei-

11.232/2005)

VII - incompetência do juízo da execução, bem como suspeição ou

impedimento do juiz.

Parágrafo único. Para efeito do disposto no inciso II do caput deste artigo,

considera-se também inexigível o título judicial fundado em lei ou ato

normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal, ou

fundado em aplicação ou interpretação da lei ou ato normativo tidas pelo

Supremo Tribunal Federal como incompatíveis com a Constituição Federal.

(Alterado pela Lei-11.232/2005)

Estes artigos ao preverem hipóteses de relativização da coisa julgada

inconstitucional durante o período de execução ou de cumprimento de sentenças, visam

colaborar para desafogar o Judiciário de processos, poupando-lhe de se submeter às ações de

execução em que os detentores do poder (a Fazenda Pública) teriam de se suportar os

demorados tramites processuais para declarar inconstitucional o titulo executivo (sentença ),ou

de ver o pobre contribuinte aguardar alguns anos a mais para se livrar de dividas já declaradas

inconsistentes.

A propósito dessa inserção dos dispositivos na esteira de efetividade do

processo, as anotações de TERESA ARRUDA ALVIM WAMBIER e JOSÉ MIGUEL GARCIA

MEDINA, in verbis: Tamanha é a relevância que se atribuía à coisa julgada, que habitualmente se

dizia que se tratava de instituto capaz de transformar o preto no branco, e o

quadrado no redondo.

Hoje se tem consciência mais nítida da função instrumental do processo e

não se deseja que haja um fosso, uma distância exagerada, entre a realidade

real e aquela criada pelo processo. Este deve, sempre que possível, caminhar

rente àquela.

Nota-se na comunidade jurídica certa dose significativa de inconformismo e

uma disposição digna de nota em abrir mão do valor segurança, em certa

medida, em função da perspectiva de obtenção de maior efetividade.

Sintomas, que nos parecem evidentes, desta disposição são o instituto da

antecipação da tutela, a tutela específica e também, talvez principalmente, a

possibilidade de haver atos de alienação em execução provisória.

Nesse contexto é que nasceu, no seio da comunidade dos processualistas, a

inquietação relativamente à situação de se eternizarem efeitos de sentenças

que talvez nunca devessem ter sido proferidas. E se começou a pensar que o

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valor que tradicionalmente sempre se deu à coisa julgada deveria ser

mitigado.22

Por conseguinte, associando essa tendência de valorizar a efetividade do

processo com a chamada “Crise do Judiciário” nos termos acima, resta razoável concluir que

há fatores sociais a concorrerem, para a mencionada transição paradigmática em curso quanto

à visão do instituto da coisa julgada.

A transformação social e cultural,que hoje se opera, tem retirado da sociedade

o direito de se referir a algo como “absoluto” desde Albert Einstein defende-se a teoria de que o

absoluto e inalcançável sendo por conseqüência tudo relativo.

Em que pese haja entendimentos divergentes, predomina o posicionamento

no sentido de ser a coisa julgada uma garantia constitucional e tendo como instrumento

principal de ataque, se a sentença for inconstitucional, a Ação Rescisória, nos moldes do art.

485 do CPC.

Para Nelson Nery Jr., Sérgio Gilberto Porto e outros, a coisa julgada tem

fundamento constitucional (art. 5.º, XXXVI, e art. 1.º, CF), é cláusula pétrea, e, pois, não pode

ser alterada nem por emenda constitucional (art. 60, § 4.º, I e IV, CF). Já para Humberto

Theodoro Jr., Teresa A. A. Wambier, José Miguel Garcia Medina e outros, ela tem fundamento

infraconstitucional, é fenômeno processual e a Constituição Federal só fixa o entendimento de

irretroatividade de lei.

A pergunta que se faz e que será objeto de estudos neste trabalho, está em

saber em que limites pode o STJ relativizar a coisa julgada material a ponto de não trazer

insegurança jurídica nem de se permitir que o injusto seja eternamente acobertado pela

imutabilidade da sentença de mérito transitada em julgado?

22 WAMBIER E MEDINA, 2005:535

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CENÁRIO CONTEMPORÂNEO DA FLEXIBILIZAÇÃO DA RES JUDICATA

A percepção atual a respeito do processo civil vem abrindo alas à

reformulação de bases teóricas até então intangíveis. Não é diferente com o instituto da coisa

julgada, o qual não parece mais ser passível de uma leitura sob os óculos de concepções

absolutistas. É que o bom tino desautoriza que sentenças com comandos infactíveis ou

absurdos, quer sob uma óptica material, quer à luz de um enfoque jurídico-constitucional,

sejam acobertadas por essa garantia de perenidade23.

Logo de estréia, impõe-se asserir que a temática vem repercutindo-se nas

mais balizadas cortes nacionais e alienígenas. Disso dá nota CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO,

com o brilhantismo que lhe é peculiar, in verbis: O Supremo Tribunal Federal aplicou a regra da mitigação dos rigores da

coisa julgada material, ao enunciar que ‘não ofende a coisa julgada a decisão

que, na execução, determina nova avaliação para atualizar o valor do imóvel,

constante de laudo antigo, tendo em vista atender à garantia constitucional da

justa indenização’. Em outro caso, o Superior Tribunal de Justiça admitiu a

superação da coisa julgada em um caso no qual a Fazenda do Estado de São

Paulo fora condenada (ação de desapropriação indireta), em razão de fraude

na perícia, a prestar indenização por haver-se apossado de área que depois se

evidenciou ser de propriedade dela própria (Min. José Delgado). No Uruguai

deu-se o caso de um fazendeiro que, havendo gerado um filho adulterino,

obteve da pobre mãe da criança, sua empregada, a assinatura em um papel

que outra coisa não era senão a procuração a um advogado, da confiança

dele, para promover-lhe uma ação de investigação de paternidade; a

demanda foi proposta, o fazendeiro defendeu-se muito bem, o advogado do

autor nada provou, o juiz julgou improcedente a demanda e a sentença

passou em julgado. Anos depois, havendo atingido a maioridade, o próprio

filho voltou à carga com nova ação investigatória mas, como era de esperar,

o réu invocou a autoridade da coisa julgada material; com lucidez, Eduardo

Couture demonstrou que essa autoridade não poderia prevalecer para

coonestar uma fraude tão evidente e suplantar os valores da dignidade

humana, expressos no direito à paternidade.

Mas a tese da relativização da coisa julgada ainda é muito nova e tem diante

de si a barreira construída ao longo de dois mil anos em torno da coisa

julgada como um dogma que deve prevalecer a todo custo, não importa a

magnitude do direito transgredido. Uma das Turmas do Superior Tribunal de

Justiça disse, enfaticamente, em um processo no qual fora feito o exame de

DNA e ficou terminantemente afastada a relação de paternidade entre autor e

23 DINAMARCO, 2003:307

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réu, antes afirmada em sentença passada em julgado: “seria terificante24 para

o exercício da jurisdição que fosse abandonada a regra absoluta da coisa

julgada que confere ao processo judicial força para garantir a convivência

social, dirimindo conflitos existente” (Min. Menezes de Direito). Mais

recentemente, nesse mesmo tribunal, vem sendo afirmada a admissibilidade

de nova demanda de investigação de paternidade, não obstante a existência

de julgado anterior negando a relação de filiação antes das novas conquistas

da ciência (Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira).25

Além desses casos jurisprudenciais, outros lampejos de relativização da

coisa julgada têm espocado na legislação e na jurisprudência. É o que registram TERESA

ARRUDA ALVIM WAMBIER e JOSÉ MIGUEL MEDINA, in litteris: Um primeiro sintoma deste fenômeno pode ser identificado na criação do

instituto do julgamento antecipado da lide, pelo legislador de 1973.

Recentemente, observam-se tendências ao afastamento da regra do pacta sunt

servanda, tanto no plano da jurisprudência, quanto no do direito positivo e

uma maior freqüência de decisões em que se aplica a casos concretos a teoria

da imprevisão. A possibilidade generalizada de se adiantarem à parte os efeitos

ou parte dos efeitos da tutela pretendida (art. 273 do CPC), bem como o novo

regime da execução provisória, em que se permitem atos de alienação,

demonstram de forma absolutamente inequívoca que esta tendência se tem

refletido tanto nos rumos da jurisprudências quanto na conduta do legislador.

Estas duas últimas recentíssimas alterações introduzidas no Código de

Processo Civil envolvem uma valorização evidentemente mais intensa da

efetividade do processo em detrimento da segurança.

Nesse contexto de tendências, que revelam certa dose significativa de

inconformismo social, que acaba por se refletir no direito e, evidentemente, no

processo, é perfeitamente compreensível que não se aceite tranquilamente ser a

coisa julgada capaz de fazer do branco, preto; do quadrado, redondo.

De fato, vêm-se tornando cada vez mais numerosos os artigos de doutrina a

respeito do assunto, e em todos eles se observa a preocupação de se traçarem

limites ou parâmetros para o que se poderia compreender como sendo certa

“vulnerabilidade” do instituto da coisa julgada. Escreveram sobre o assunto,

além de outros autores já citados, José Augusto Delgado, Carlos Valder do

Nascimento, Octávio Campos Fischer, Francisco de Barros Dias e outros.26

O assunto, portanto, permeia as discussões em todos os meandros do direito,

dividindo processualistas de escol com respeito à relativização da coisa julgada.

24 sic 25 DINAMARCO, 2003:307-308 26 WAMBIER, 2003:12

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Sucede, como registrado acima, que os estudos e a dinâmica jurisprudencial

estão canalizando-se rumo à tendência de desmantelamento do ascético absolutismo da coisa

julgada. Isso é um fato.

É com fulcro nessa constatação que não estranha a afirmação de que o

fenômeno da relativização da coisa julgada é um tufão violento, a cujo sopro tentam subtrair-

se, cada vez mais sem sucesso, alguns abrilhantados juristas.

NELSON NERY JÚNIOR, por exemplo, confere alto prestígio à coisa julgada

no ambiente do Estado Democrático de Direito, mostrando certa apreensão em relação à

corrente de flexibilização desse cânone. Chega até a aproximar essa propensão moderna ao

falido nazismo germânico. A propósito, brada o ilustre catedrático da PUC-SP, preocupado

com as conseqüências que poderiam advir , in verbis: Relativização da coisa julgada e nazismo

Adolf Hitler assinou, em 15.07.1941, a lei para a intervenção do Ministério

Público no processo civil, dando poderes ao parquet para dizer se a sentença

seria justa ou não, se atendia aos fundamentos do Reich e aos anseios do

povo alemão (art. 2º da Gesetz über die Mitwirkung des Staatsanwalts in

bürgerlichen Rechtssachen [StAMG] – RGBI I, p. 383)27. Se o Ministério

Público entendesse que a sentença era injusta, poderia propor ação rescisória

(Wiederaufnahme des Verfahrens) para tornar tal fato reconhecido. A

injustiça da sentença era, pois, uma das causas de sua rescindibilidade pela

ação rescisória nazista28.

Interpretar a coisa julgada, se justa ou injusta, se ocorreu ou não, é

instrumento do totalitarismo, de esquerda ou de direita, sem qualquer ligação

com a democracia, com o Estado Democrático de Direito. Desconsiderar-se

a coisa julgada é ofender a Carta Magna, deixando de aplicar o princípio

fundamental do Estado Democrático de Direito (art. 1º, caput, da CF).

De nada adianta a doutrina que defende essa tese pregar que seria de

aplicação excepcional, pois, uma vez aceita, a cultura jurídica brasileira vai,

seguramente, alargar os seus espectros – vide mandado de segurança para dar

efeito suspensivo a recurso que legalmente não o tinha, que, de medida

excepcional, tornou-se regra, como demonstra o passado recente da história

27 Foi conferido ao “Procurador-Geral do Reich (Oberreichsanwalt) o poder de requerer, até um ano após o trânsito em julgado,

a revisão de qualquer sentença civil, quando houvesse ‘especial importância que a decisão apresente para a comunidade e para o povo’ (ZANETI JÚNIOR E MAZZEI, 2006:268).

28 A propósito, HERMES ZANETI JÚNIOR E RODRIGO MAZZEI sustenta que esse fenômeno totalitário de agressão à coisa julgada se repetiu com vestes de semelhança no Brasil. Asserem, “apenas para exemplificar e contextualizar em nossa realidade nacional, a Constituição Federal de 10 de novembro de 1937, denominada pejorativamente “Polaca”, carta outorgada pela ditadura do Estado Novo, diminuindo o papel do Supremo Tribunal Federal, previu, no art. 96, parágrafo único, a possibilidade de a lei, após ser decretada inconstitucional pelo STF, ser reapreciada nessa inconstitucionalidade pelo exame do Parlamento, a pedido do Presidente da República e no interesse do povo. Tudo ocorreria somente quando a promoção ou defesa do interesse nacional de ‘alta monta’ exigisse, ou seja, o Congresso, por dois terços dos votos de cada uma das Câmaras, poderia tornar sem efeito a decisão da Suprema Corte” (ZANETI JÚNIOR E MAZZEI, 2006:268).

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do processo civil brasileiro –, de modo que amanhã poderemos ter, como

regra, a inexistência da coisa julgada e, como exceção, para pobres e não-

poderosos, a intangibilidade da coisa julgada. A inversão dos valores, em

detrimento do Estado Democrático de Direito, não é providência que se deva

prestigiar.

Anote-se, por oportuno, que, mesmo com a ditadura totalitária no nacional-

socialismo alemão, que não era fundada no Estado Democrático de Direito,

como é curial, os nazistas não ousaram “desconsiderar” a coisa julgada.

Criaram uma nova causa de rescindibilidade da sentença para atacar a coisa

julgada. Mas, repita-se, respeitaram-na e, não a desconsideraram. No Brasil,

que é república fundada no Estado Democrático de Direito, o intérprete quer

desconsiderar a coisa julgada nos casos em que ele acha que deve fazê-lo; o

intérprete quer ser pior do que os nazistas. Isso é intolerável. O processo é

instrumento da democracia, e não o seu algoz.29

Sua insatisfação com a defesa de um relativismo da coisa julgada não ficou

apenas registrado em seus célebres livros. Em recente palestra promovida pelo Instituto

Brasileiro de Direito Processual (IBDP), em Brasília, sob o título “As Novas Reformas do

Processo Civil explicada pelos próprios autores – Homenagem a Athos Gusmão Carneiro e

Sálvio de Figueiredo Teixeira”, NELSON NERY, forçado a se manifestar a respeito do

fenômeno da relativização da coisa julgada estampado nos dispositivos que ora inspiram esse

trabalho30, assim se pronunciou: “Sou frontalmente contra a relativização da coisa julgada,

porque apóio o Estado de Direito. Não posso apoiar teses nazistas como estas”31.

De qualquer sorte, a temática sobre a relativização da coisa julgada é um

fato cada vez mais presente na realidade forense e doutrinária, no que se divisa uma ingente

necessidade de a comunidade jurídica mergulhar em profundas lucubrações hábeis a formar

um novo paradigma ao redor do qual a maior parte dos juristas estejam em consenso.

É preciso salientar que, no quadro da arte atual, a coisa julgada material

possui algumas mitigações incontroversas. A merecer destaque, por exemplo, a possibilidade

de se ajuizar ação rescisória para desconstituir sentença transitada em julgado com certos

vícios apontados na lei processual. Quanto a esse instrumento processual, reza o art. 485 do

CPC: Art.485. A sentença de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida

quando:

29 JUNIOR, 2005:716-717 30 Não é demais recordar: arts. 475-L, § 1º, e 741, parágrafo único, do Código de Processo Civil 31 Informação oral colhida na palestra “AS NOVAS REFORMAS DO PROCESSO CIVIL explicada pelos próprios autores –

Homenagem a Athos Gusmão Carneiro e Sálvio Figueiredo Teixeira”, promovida pelo Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP) e realizada em Brasília, no Centro de Convenções Ulisses Guimarães, no período de 03 a 05 de abril de 2006.

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I – se verificar que foi dada por prevenção, concussão ou corrupção do juiz;

II – proferida por juiz impedido ou absolutamente incompetente;

III – resultar de dolo da parte vencedora em detrimento da parte vencida, ou

de colusão entre as partes, a fim de fraudar a lei;

IV – ofender a coisa julgada;

V – violar literal disposição de lei;

VI – se fundar em prova, cuja falsidade tenha sido apurada em processo

criminal ou seja provada na própria ação rescisória;

VII – depois de sentença, o autor obtiver documento novo, cuja existência

ignorava, ou de que não pôde fazer uso, capaz, por si só, de lhe assegurar

pronunciamento favorável;

VIII – houver fundamento para invalidar confissão, desistência ou transação,

em que se baseou a sentença;

IX – fundada em erro de fato, resultante de atos ou de documentos da

causa.32

Ocorre que “o direito de propor ação rescisória se extingue em 2 (dois) anos,

contados do trânsito em julgado da decisão”33. Em outras palavras, a sentença transitada em

julgada, ainda que eivada dos supracitados vícios, não poderá ser desconstituída via ação

rescisória após esse lapso temporal.

É com espeque nessa constatação que a doutrina passou a falar em coisa

relativamente julgada para as sentenças ainda suscetíveis de serem rescindidas por meio da

ação rescisória, ao passo que, quando escoados o biênio da rescisória, ter-se-ia uma coisa

soberanamente julgada34.

A propósito, NELSON NERY JÚNIOR, nada obstante sua aversão à

relativização da coisa julgada, reconhece que é preciso ler o instituto da coisa julgada com

uma certa razoabilidade. Sugere que as hipóteses de relativização devem ser incluídas no rol

de possibilidades de ação rescisória e, via de conseqüência, obedecer ao prazo máximo de

rescisão, conforme se verificou em recente palestra proferida na capital federal, in verbis: Estamos em um divisor de águas no processo civil35.

(...)

Eduardo Talamini, que recentemente lançou fantástico livro sobre a

Relativização da Coisa Julgada, concluiu que é possível relativizar a coisa

julgada, desde que por ação rescisória. Aí, deveríamos aumentar os casos de

rescisórias e o tempo de rescisão para alguns casos.

32 Art. 485 do Código de Processo Civil. 33 Art. 495 do Código de Processo Civil. 34 JÚNIOR, 2003:793 35 Referindo-se à tendência hodierna de relativização da coisa julgada.

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Conclui bem, embora orientando de Cândido Dinamarco, que defende a

relativização da coisa julgada.36

Com efeito, até o aludido processualista reconhece que não ofendem a

garantia constitucional da coisa julgada os sabores atuais de relativização da coisa julgada,

desde que não desconstituam a mencionada coisa soberanamente julgada, isto é, desde que

aplicáveis dentro do período de rescindibilidade da sentença passada em julgado. Como bem

discorreu em sua palestra, “ora, até a rescisória seria inconstitucional, se não entendêssemos

que se trata de razoabilidade”37.

Mestres J. E. CARREIRA ALVIM e LUCIANA GONTIJO CARREIRA ALVIM

CABRAL, ao símile do entendimento de NELSON NERY, demonstram pouca hospitalidade à

corrente da relativização da coisa julgada, admitindo, quando muito, que as hipóteses de

flexibilização ocorram dentro do biênio previsto para a ação rescisória. Assim o seu escólio: Se apenas as ‘ações constitutivas não sujeitas a limitação do prazo’ ensejam a

decadência, é difícil admitir a sobrevivência da ação declaratória de nulidade

(querela nullitatis) tendente à desconstituição da sentença, além do prazo

assinalado por lei, com o mesmo objetivo que em sede rescisória. O máximo

que se poderia admitir, em tais casos, seria a desconstituição da sentença fora

dos casos previstos no art. 485 do CPC – por exemplo, por afronta aos

princípios da legalidade, da moralidade e da razoabilidade, de fundo

constitucional –, mas, desde que observado o lapso de dois anos. Mesmo

assim, essa abertura seria pouco recomendável, dada a fluidez desses

princípios, sujeitos a um subjetivismo tal, que mais não faria do que permitir

a substituição do juízo de juiz (o da sentença anulada) pelo de outro (o da

sentença anulanda), isso, sem se falar na instabilidade que causaria no

princípio da segurança jurídica, que seria terrivelmente afetado, porquanto,

mesmo a sentença anulada poderia ser, por sua vez, também anulada, e,

assim, sucessivamente, per omnia saecula saeculorum.

(...)

No particular, e até que seja convencido do contrário, penso ter razão Ovídio

Baptista da Silva, que, a respeito, fala numa “era da incerteza”,

protagonizada pela relativização da coisa julgada. (grifo nosso)38

36 Informação oral colhida na palestra “AS NOVAS REFORMAS DO PROCESSO CIVIL explicada pelos próprios autores –

Homenagem a Athos Gusmão Carneiro e Sálvio Figueiredo Teixeira”, promovida pelo Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP) e realizada em Brasília, no Centro de Convenções Ulisses Guimarães, no período de 03 a 05 de abril de 2006.

37 Informação oral colhida na palestra “AS NOVAS REFORMAS DO PROCESSO CIVIL explicada pelos próprios autores – Homenagem a Athos Gusmão Carneiro e Sálvio Figueiredo Teixeira”, promovida pelo Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP) e realizada em Brasília, no Centro de Convenções Ulisses Guimarães, no período de 03 a 05 de abril de 2006.

38 ALVIM E CABRAL, 2006:88-89

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Por outro lado, forçoso é anotar que existem sentenças que sequer podem

ser acobertadas pelo manto da coisa julgada material. São as chamadas “sentenças

juridicamente inexistentes”39.

Nesses casos, a inexistência da sentença e, portanto, da coisa julgada

decorre da própria inexistência de processo. NELSON NERY JÚNIOR cataloga alguns exemplos,

senão vejamos: Exemplos de inexistência de sentença e, portanto, de inexistência de coisa

julgada material: a) sentença extra petita (falta “petição inicial” – pedido); b)

sentença infra petita (falta “sentença de mérito” – o juiz não julgou parte do

pedido); c) sentença dada em processo em que não houve citação (falta

“citação”); d) sentença processual de carência de ação (art. 267, n. VI, CPC)

ou de extinção do processo sob qualquer dos fundamentos do art. 267 do

CPC (falta “sentença de mérito”); e) sentença dada por quem não se encontra

investido da atividade jurisdicional, como a proferida pelo escrivão ou por

juiz aposentado ou exonerado (falta “jurisdição”) etc.40

Para esses casos de sentenças juridicamente inexistentes, em que não se

forma a coisa julgada, pode-se ajuizar, a qualquer tempo, a ação declaratória de inexistência

jurídica, que “aparece na jurisprudência sob a denominação de actio ou querela nullitatis”41.

Em outras palavras, não há, nesses casos, a formação da coisa soberanamente julgada, pois a

sentença pode ser declarada inexistente independentemente do tempo decorrido desde sua

prolação42.

Assim, em casos de sentença proferida em processo em que estavam

ausentes alguma das condições da ação, ou algum pressuposto de existência, ter-se-ia uma

sentença inexistente e, portanto, insuscetível de formar coisa julgada. Em hipóteses assim, de

invulgar brilhantismo estão revestidas as palavras de TERESA ARRUDA ALVIM WAMBIER e

JOSÉ MIGUEL GARCIA MEDINA, in litteris: (...) já que se trata de sentença juridicamente inexistente, que não tem a

aptidão para transitar em julgado, nada há a desconstituir-se. Há, isto sim,

única e exclusivamente uma situação de inexistência jurídica a declarar-se,

por meio de ação que não fica sujeita a um lapso temporal pré-definido para

ser movida.

Para nós, como se verá mais à frente, estas são as “roupagens”

contemporâneas da figura que na jurisprudência ainda aparece com a

39 WAMBIER E MEDINA, 2003:26 40 JÚNIOR, 2004:42 41 WAMBIER E MEDINA, 2003:34 42 Registre-se que há vozes dissidentes nesse particular. Como foi citado acima, J. E Carreira Alvim e Luciana Gontijo Carreira

Alvim Cabral entendem que a querela nullitatis só podem ser ajuizadas dentro do prazo bienal da ação rescisória.

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designação latina, querela nullitatis. Trata-se de resquícios do direito

canônico antigo, que remonta à exceptio nullitatis das Decretais e à actio

nullitatis do direito processual medieval.

Além da ação rescisória e da querela nullitatis, é preciso discorrer a respeito

das possibilidades de desconstituição de sentença que esteja sendo executada ou cumprida.

Tal missão será desincumbida nos capítulos e sub-capítulos subseqüentes desse trabalho,

quando analisará as implicações jurídicas e interpretativas dos arts. 475-L, § 1º, e 741,

parágrafo único, do Código de Processo Civil.

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O AMBIENTE DESENHADO PELA LEI 11.232/05

Recentemente, foi publicada a Lei 11.232/05, trazendo, em seu bojo, uma

profunda reforma no processo de execução de sentenças judiciais transitadas em julgado.

Agora, descabido resta falar em um processo autônomo de execução destinado à satisfação de

direito reconhecido em um anterior processo de conhecimento43. A propósito, esclarece a

exposição de motivos do mencionado diploma: 4. Lembremos que Alcalá-Zamora combate o tecnicismo da dualidade,

artificialmente criada no direito processual, entre processo de conhecimento

e processo de execução. Sustenta ser mais exato falar apenas de fase

processual de conhecimento e fase processual de execução, que de processo

de uma e outra classe. Isso porque “a unidade da relação jurídica e da função

processual se estende ao longo de todo o procedimento, em vez de romper-se

em dado momento” (Proceso, autocomposición y autodefensa, UNAM, 2ª

ed., 1970, n. 91, p. 149).

Lopes da Costa afirmava que a intervenção do juiz era não só para

restabelecer o império da lei, mas para satisfazer o direito subjetivo material.

E concluía: “o que o autor mediante o processo pretende é que seja declarado

titular de um direito subjetivo e, sendo o caso, que esse direito se realize pela

execução forçada” (Direito Processual Civil Brasileiro, 2ª ed., v. I, n. 72).

As teorias são importantes, mas não podem transformar-se em embaraço a

que se atenda às exigências naturais dos objetivos visados pelo processo, só

por apego a tecnicismo formal. A velha tendência de restringir a jurisdição ao

processo de conhecimento é hoje idéia do passado, de sorte que a verdade

por todos aceita é a da completa e indispensável integração das atividades

cognitivas e executivas. Conhecimento e declaração sem execução –

proclamou COUTURE, é academia e não processo (apud HUMBERTO

THEODORO JÚNIOR, A execução de sentença e garantia do devido processo

legal, Ed. Aide, 1987, p. 74).

A dicotomia atualmente existente, adverte a doutrina, importa a paralisação

da prestação jurisdicional logo após a sentença e a complicada instauração de

um novo procedimento, para que o vencedor possa finalmente tentar impor

ao vencido o comando soberano contido no decisório judicial. Há, destarte,

um longo intervalo entre a definição do direito subjetivo lesado e sua

necessária restauração, isso por pura imposição do sistema procedimental,

sem nenhuma justificativa, quer que de ordem lógica, quer teórica, quer de

ordem prática (ob. Cit., p. 149 e passim).

(...)

As posições fundamentais definidas são as seguintes:

43 Dada a necessidade de evitar evasões ao tema objeto desse trabalho, deixa-se de lado aqui um estudo pormenorizado das teses

relativas à mudança trazida pela Lei 11.232/05. Há até quem diga que, na verdade, nada mudou, porque, na prática, continua existindo um processo autônomo de execução (camuflado).

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27

(...)

b) a ‘efetivação’ forçada da sentença condenatória será feita como etapa final

do processo de conhecimento, após um ‘tempus iudicati’, sem necessidade de

um ‘processo autônomo’ de execução (afastam-se princípios teóricos em

homenagem à eficiência e brevidade); processo ‘sincrético’, no dizer de

autorizado processualista. Assim, no plano doutrinário, são alteradas as

‘cargas de eficácia’ da sentença condenatória, cuja ‘executividade’ passa a

um primeiro plano; em decorrência, ‘sentença’ passa a ser ato “de

julgamento da causa, com ou sem apreciação do mérito”

(...)

d) não haverá “embargos do executado” na etapa de cumprimento da

sentença, devendo qualquer objeção do réu ser veiculada mediante mero

incidente de ‘impugnação’, à cuja decisão será oponível agravo de

instrumento;

e) o Livro II passa a regrar somente as execuções por título extrajudicial,

cujas normas, todavia, se aplicam subsidiariamente ao procedimento de

‘cumprimento’ da sentença44

Essa nova cosmovisão do processo de execução se amolda à tese sempre

sustentada por Niceto Alcalá-Zamora y Castilho, em cujas palavras, in litteris: Definitivamente, creio mais exato falar em fase processual de conhecimento e

fase processual e de fase processual de execução (ou execução processual),

em vez de processo de uma e outra classe, porque desse modo, segundo

expusemos ao nos referirmos ao pseudo-processo impugnativo, a unidade da

relação jurídica e da função processual se estende a todo o curso do feito, em

vez de romper-se em um dado momento.45

Portanto, com a Lei 11.232/05, “abandona-se o modelo liebmaniano e se

passa a um sistema em que a execução é mero prolongamento do processo em que tal

sentença tenha sido proferida”46.

É de bom alvitre ressaltar que, apesar da grandeza das reformas operadas

por esse novo modelo processual, permanece o processo de execução como expediente

autônomo em, pelo menos, quatro situações: a) em se tratando de título executivo extrajudicial;

b) quando a execução por quantia certa da sentença for aparelhada contra a

Fazenda Pública (art. 730 do CPC);

c) na execução de sentença arbitral, de sentença penal condenatória e

sentença estrangeira homologada pelo Superior Tribunal de Justiça, tendo em

44 Exposição de Motivos da Lei 11.232, de 22 de dezembro de 2005. 45 Apud CÂMARA, 2006:05 46 CÂMARA, 2006:08

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vista a redação do art. 475-N, parágrafo único, do CPC, o qual prevê, nesses

casos, a realização de citação47, e não de intimação, do executado;

d) para os executivos fiscais da Lei 6.830/1980.

Quanto à execução fundada em título extrajudicial (item “a” do esquema

supracitado), serão os arts. 744 e 745 do CPC que a orquestrarão. Em suma, a defesa do

executado, (i) ou será por meio dos embargos de retenção por benfeitoria se se cuidar de

execução para entregar coisa, (ii) ou consistirá na oposição dos embargos do devedor,

alegando as matérias previstas no art. 741 do CPC ou “qualquer outra que lhe seria lícito

deduzir como defesa no processo de conhecimento”48.

De outra parte, particularmente quanto às execuções por quantia certa contra

a Fazenda Pública (item “b” do esquema), a precoce e escassa doutrina já ensaia uma

expressiva divergência de interpretação.

ALEXANDRE FREITAS CÂMARA, a seu turno, sustenta que a execução por

quantia certa contra a Fazenda Pública ocorrerá pela sistemática do cumprimento de sentença,

e não por meio de um processo autônomo. Todavia, o meio de defesa será consubstanciado

nos embargos do devedor, dada a previsão do art. 741 do CPC. É de bom alvitre aduzir suas

palavras, in litteris: A nova redação do inciso I do art. 741 prevê, entre as matérias alegáveis pela

Fazenda Pública em seus embargos, “falta ou nulidade da citação, se o

processo correu à revelia”. Desse novo texto resulta claro que a execução de

sentença contra a Fazenda Pública segue o modelo teórico adotado a partir da

Lei nº 11.232/058, deixando de ser processo autônomo para ser fase do

mesmo processo em que a sentença foi proferida. A não ser assim, não se

justificaria a supressão, no texto da lei, da locução “de conhecimento”, que

qualificava o vocábulo processo. Agora, como parece claro, há que se falar

em um só processo, sendo certo que a (única) citação para o mesmo ocorre na

fase de conhecimento.

Conseqüência disso é que surge mais um motivo para criticar o legislador da

Lei nº 11.232/05. É que ele se esqueceu de modificar o texto do art. 730 do

Código de Processo Civil, que prevê a citação da Fazenda Pública para a

execução. Deveria esse artigo ser alterado para que fique claro que haverá

citação ou intimação, conforme o caso. (grifo nosso)49

Todavia, data maxima venia, a interpretação mais consentânea com a

realidade processual civil foi oferecida, nesse particular, por HUMBERTO THEODORO JÚNIOR.

47 “é expresso o art. 475-N, parágrafo único, do CPC, em afirmar que o executado será citado quando o título executivo for

sentença penal condenatória, sentença arbitral ou decisão homologatória de sentença estrangeira” (CÂMARA, 2006:57) 48 Art. 745 do CPC 49 CÂMARA, 2006:137

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Sustenta esse prestigiado jurista que foi proposital a inserção da execução por quantia certa

contra a Fazenda Pública dentro do modelo de processo autônomo de execução. Justifica-se

esse tratamento especial ante o fato de que os bens públicos são impenhoráveis, de maneira

que as manobras executivas dirigidas contra o Poder Público não podem ser feitas por meio

das usuais figuras da penhora ou da arrematação de bens50. Dessa forma, haja título judicial

ou extrajudicial, a execução contra a Fazenda Pública se dará por intermédio de um processo

autônomo. Nessa esteira, de transcrever-se: A Lei nº 11.232, de 22.12.2005, substituiu a ação de execução de sentença

condenatória a prestação de quantia certa por um procedimento

complementar incidental denominado “cumprimento de sentença”, que se

realiza dentro da mesma relação processual em que se pronunciou a

condenação (art. 475-I a 475-R).

Embora a abolição da ação de execução de sentença separada da ação

condenatória tenha sido adotada como regra para o sistema renovado do

Código de Processo Civil, o antigo sistema dual foi preservado para as ações

que busquem impor o adimplemento de prestações de quantia certa ao Poder

Público.

Quer isto dizer que, em tais ações, a sentença de mérito continua sendo o ato

pelo qual o órgão judicial “cumpre e acaba o ofício jurisdicional”, no

processo de conhecimento, tal como dispunha o art. 463, em sua redação

anterior à Lei nº 11.232/2005.

Publicada a sentença condenatória contra a Fazenda Pública, finda está a

prestação jurisdicional a que se destinava o processo, de modo que para

alcançar medidas concretas de coerção da devedora, com vistas à satisfação

do direito reconhecido em juízo, em favor do credor, necessário se torna a

propositura de uma nova ação – a ação de execução da sentença (actio

iudicati). Nova petição inicial terá de ser deduzida em juízo, nova citação

será promovida, e a eventual resposta da Fazenda executada dar-se-á por

embargos à execução, e não por contestação nem por simples impugnação

(art. 730).51

Ainda com respeito àqueles quatro casos de execução por meio de processo

autônomo de execução, impende bosquejar algumas considerações quanto à hipótese descrita

no item “c”, repita-se, quanto ao processo autônomo de execução de sentença arbitral, de

sentença estrangeira homologada pelo Superior Tribunal de Justiça ou de sentença penal

condenatória. É que, na espécie, conquanto se tenha um processo de execução autônomo, será

o Livro I do CPC que regulará o procedimento, e não o Livro II. Outro não é o escólio de

ALEXANDRE FREITAS CÂMARA, in litteris: 50 THEODORO JÚNIOR, 2006:356 51 THEODORO JÚNIOR, 2006:359

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Ter-se-á, pois nesses casos, um processo executivo para o qual o executado

será citado. Esse processo, porém, não observará as disposições do Livro II

do CPC, senão em caráter subsidiário. O que ser verá, in casu, será um

processo de execução regido pelas disposições do Livro I do CPC, em que a

defesa do executado se dá por impugnação (e não por embargos), e no qual

se aplicam as disposições do art. 461-A e dos arts. 475-I a 475-R do CPC.52

Igual entendimento é esposado por HUMBERTO THEODORO JÚNIOR53.

Indeclinável, outrossim, é alinhavar algumas considerações a propósito do

item “d” daquele quarteto de hipóteses de processo autônomos de execução, a saber, os

executivos fiscais da Lei 6.830/80.

Nessa seara, é demais evidente que as execuções fiscais continuam sendo

regidas pela Lei 6.830/80 e, portanto, fluem por meio de um processo autônomo de execução.

A esse procedimento especial, todavia, incidem, subsidiariamente, os

ditames do CPC, à luz do disposto no art. 1º da Lei de Execução Fiscal54. Quanto à defesa do

executado, mencionado estatuto especial apenas prescreve, em linhas gerais, que “o executado

oferecerá embargos, no prazo de 30 (trinta) dias (...)”55, deixando, via de conseqüência, a

cargo do CPC a tarefa de delinear o conteúdo de defesa passível de ser veiculado nos

embargos à execução.

Por essa razão, às execuções fiscais, aplica-se o art. 741 do CPC, o qual,

reitere-se, discrimina as matérias dos embargos do devedor.

Aduzidas as situações principais em que a execução continua se deslizando

sobre um processo autônomo, impõe-se apontar os casos em que a execução se dá por meio

do instituto do cumprimento de sentença, entendido esse como uma continuação derradeira da

fase cognitiva anterior. São estes os casos: a) sentença que prescreveu obrigação de pagar quantia certa (arts. 475-I e

seguintes do CPC);

b) sentença que estabeleceu obrigação de entregar coisa (arts. 475-I c.c. 461-

A do CPC);

c) sentença que fixa obrigação de fazer ou não fazer (arts. 475-I c.c. 461 do

CPC).

52 CÂMARA, 2006:76 53 Afirma esse autor que “a execução dos títulos mencionados nos incisos II, IV e VI reclama a abertura de um processo novo,

como petição inicial e citação (...) De qualquer maneira, não haverá embargos à execução, e qualquer objeção que tenha de produzir o devedor, constará de simples impugnação, nos moldes dos arts. 475-J, § 1º, e 475-L” (THEODORO JÚNIOR, 2006:65)

54 Art. 1º da Lei 6.830/80. A execução judicial para cobrança da Dívida Ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e respectivas autarquias será regida por esta Lei e, subsidiariamente, pelo Código de Processo Civil.

55 Art. 16, caput, da Lei 6.830/80

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Não se pode olvidar, nesse ponto, que até o conceito de sentença não pode

mais ser delineado como “o ato pelo qual o juiz põe termo ao processo, decidindo ou não o

mérito”56. Tampouco se pode considerar que “ao publicar a sentença de mérito, o juiz cumpre

e acaba o ofício jurisdicional, só podendo alterá-la”57 em duas hipóteses indicadas nos

incisos I e II do art. 463 do CPC.

É que, à luz da nova configuração procedimental da execução de sentença, a

fase cognitiva e a fase executiva se satisfazem em um único processo, de sorte que a sentença,

embora ultime aquela primeira etapa, afigura-se como o marco inaugural de um novo estágio

dentro do mesmo processo, a saber, o estágio de cumprimento de sentença58.

Assim, a sentença que resolve o mérito não mais extingue o processo, mas

apenas dá azo a que se inicie a conseguinte fase de cumprimento de sentença num eventual

inadimplemento da parte vencida. Dessa forma, a Lei 11.232/95 vestiu de letras novas os arts.

162, § 1º, 267, caput, 269, caput, e 463 do CPC, cujas dicções merecem ser reproduzidas, a

saber: Código de Processo Civil

Art. 162. Os atos do juiz consistirão em sentenças, decisões interlocutórias e

despachos.

§1º Sentença é o ato do juiz que implica alguma das situações previstas nos

arts. 267 e 268 desta Lei.59

(...)

Art. 267. Extingue-se o processo, sem resolução do mérito:

I – quando o juiz indeferir a petição inicial;

II – quando ficar parado por mais de 1 (um) ano por negligência das partes;

III – quando, por não promover os atos e diligências que lhe competir, o autor

abandonar a causa por mais de 30 (trinta) dias;

IV – quando se verificar a ausência de pressupostos de constituição e de

desenvolvimento válido e regular do processo;

V – quando o juiz acolher a alegação de perempção, litispendência ou coisa

julgada;

VI – quando não concorrer qualquer das condições da ação, como a

possibilidade jurídica, a legitimidade das partes e o interesse processual;

VII – pela convenção de arbitragem;

VIII – quando o autor desistir da ação;

IX – quando a ação for considerada intransmissível por disposição legal; 56 (grifo nosso). Redação do art. 162, § 1º, do CPC antes da nova redação dada pela Lei 11.232/05. 57 (grifo nosso). Redação do art. 463, caput, do CPC antes da nova redação dada pela Lei 11.232/05.

58 Considerando, na hipótese, que não é necessário haver a liquidação da sentença. 59 Perceba-se que mudou a definição de sentença.

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X – quando ocorrer confusão entre autor e réu;

XI – nos demais casos prescritos neste Código.

(...)

Art. 269. Haverá resolução de mérito60:

I – quando o juiz acolher ou rejeitar o pedido do autor;

II – quando o réu reconhecer a procedência do pedido;

III – quando as partes transigirem;

IV – quando o juiz pronunciar a decadência ou a prescrição;

V – quando o autor renunciar ao direito sobre que se funda a ação.

Art. 463. Publicada a sentença, o juiz só poderá alterá-la61:

I – para lhe corrigir, de ofício ou a requerimento da parte, inexatidões

materiais, ou lhe retificar erros de cálculo;

II – por meio de embargos de declaração. Como se vê, a sentença, tirante o caso das que não resolvem o mérito

(sentenças terminativas), não mais extinguem o processo62.

De passagem, frise-se que – embora o Codex Adjetivo Civil considere que a

sentença terminativa é capaz de extinguir o processo – forçoso é observar que tal constatação

não pode ser acolhida de forma integral. É que casos há em que mesmo a sentença terminativa

se sujeitará à fase de cumprimento. Com efeito, a advertência é de ALEXANDRE FREITAS

CÂMARA, in litteris: Ocorre que, a rigor, se a transformação da execução em fase complementar

do processo que produziu a sentença levou à modificação da definição legal

de sentença definitiva, deveria ter produzido o mesmo em relação à sentença

terminativa, eis que pelo menos a execução do capítulo daquela sentença que

condene ao pagamento de despesas processuais e honorários advocatícios se

dará no mesmo processo em que a sentença foi proferida.63

Não quer isto dizer senão que também a sentença terminativa, ao prever

condenação em ônus de sucumbência e em verbas honorárias, não extingue o processo, e sim

abre alas a que se desponte uma posterior fase de cumprimento de sentença em havendo

inadimplemento da parte sucumbente.

De qualquer sorte, fato é que, nesse novo ambiente posterior à Lei

11.232/05, não mais existe, salvo aqueles casos supracitados, um processo autônomo de

execução de sentenças. 60 Note-se que não se fala mais em extinção do processo por julgamento do mérito. 61 Proscreveu-se desse dispositivo a idéia de que, com a sentença, o juiz cumpre e acaba o ofício jurisdicional. 62 O sistema processual admite ainda outras hipóteses em que a sentença continua extinguindo o processo. É o caso, por

exemplo, da sentença que imponha obrigação de pagar quantia certa contra a Fazenda Pública. Nessa hipótese, na linha do que já foi supramencionado nesse trabalho com apoio em HUMBERTO THEODORO JÚNIOR, há extinção do processo de conhecimento para que se possa ajuizar um processo autônomo de execução.

63 CÂMARA, 2006:20

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Dessa forma, à prolação da sentença segue-se, no caso de inadimplemento

da parte vencida, uma fase de cumprimento do julgado.

Em se tratando de sentença que estabeleceu uma obrigação de pagar quantia,

duas são as conseqüências, quais sejam, (i) ou se procederá à liquidação do decisório para

apuração do quantum debeatur64, (ii) ou, se este já estiver quantificado, encetar-se-á a fase de

cumprimento da sentença.

Observação evidente a ser aduzida é que a execução forçada do julgado só

se iniciará em havendo recusa voluntária da parte vencida ao pagamento de seu débito. Aliás,

a Lei 11.232/05 foi rigorosa para com esse jaez de conduta contumaz, na medida em que

cominou expressiva multa em desfavor do devedor que se recusa a efetuar o pagamento de

forma voluntária, nos termos do art. 475-J, caput, do CPC, in litteris: Art. 475-J. Caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa ou já

fixada em liquidação, não o efetue no prazo de quinze dias, o montante da

condenação será acrescido de multa no percentual de dez por cento e, a

requerimento do credor e observado o disposto no art. 614, iniciso II, desta

Lei, expedir-se-á mandado de penhora e avaliação. (grifo nosso)

A propósito, frise-se que esse requerimento do credor – de que fala o art.

475-J, in fine, do CPC – é que dá efetivo início à fase de cumprimento de sentença. J. E.

CARREIRA ALVIM e LUCIANA GONTIJO CARREIRA ALVIM CABRAL referem-se à necessidade

de o credor postular um “requerimento executório”65 para que se dê seguimento ao processo,

agora, no seu módulo executivo.

Com esse requerimento executório, expedir-se-á o mandado de penhora e

avaliação em desfavor do devedor66. Aí se tem mais uma novidade processual, a respeito da

qual discorreu ATHOS GUSMÃO CARNEIRO com a invulgar clareza que lhe é peculiar: Não há mais aquela história de o devedor nomear bem à penhora, e o devedor

impugnar. Agora, o devedor não mais nomeia bens à penhora. Quando o

credor entra com o requerimento de expedição do mandado de penhora e

avaliação, ele já indica o bem. Se não indicar, o oficial vai atrás.67

64 Art. 475-A do CPC 65 ALVIM e CABRAL, 2006:66 66 De passagem, reitere-se que, no tocante à execução contra a Fazenda Pública, é inviável, do ponto de vista jurídico, que se observe o procedimento executivo comum mediante penhora e expropriação, pois que os bens da União, dos Estado e dos Municípios são legalmente impenhoráveis. Daí o porquê de, nesses casos, observar-se o procedimento previsto a partir do art. 730 do CPC. 67 Informações orais colhidas na palestra do profº Athos Gusmão Carneiro no dia 29 de maio de 2006 no auditório Joaquim

Nabuco, situado na Universidade de Brasília – UnB.

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O devedor, então, após ser intimado do auto de penhora e avaliação na

forma do art. 475-J, § 1º, do CPC68, poderá oferecer impugnação em até quinze dias.

Essa impugnação é a figura contestatória que sucedeu os antigos embargos à

execução de título judicial e está disciplinada pelo art. 475-L do CPC, cuja redação se

transcreve: Art. 475-L. A impugnação somente poderá versar sobre:

I – falta ou nulidade da citação, se o processo correu à revelia;

II – inexigibilidade do título;

III – penhora incorreta ou avaliação errônea;

IV – ilegitimidade das partes;

V – excesso de execução;

VI – qualquer causa impeditiva, modificativa ou extintiva da obrigação,

como pagamento, novação, compensação, transação ou prescrição, desde que

superveniente à sentença;

§ 1º. Para efeito do disposto no inciso II do caput deste artigo, considera-se

também inexigível o título judicial fundado em lei ou ato normativo

declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em

aplicação ou interpretação da lei ou ato normativo tidas pelo Supremo

Tribunal Federal como incompatíveis com a Constituição Federal.

§ 2º. Quando o executado alegar que o exeqüente, em excesso de execução,

pleiteia quantia superior à resultante da sentença, cumprir-lhe-á declarar de

imediato o valor que entende correto, sob pena de rejeição liminar dessa

impugnação. Anotam, a propósito, J. E. CARREIRA ALVIM e LUCIANA GONTIJO CARREIRA

ALVIM CABRAL, in verbis: A extinção dos embargos do devedor, na execução de obrigação resultante

de título judicial, fez com que fossem eles substituídos pela impugnação ao

requerimento executivo, o qual, por sua vez, veio substituir a ação de

execução, que deixou de existir; e, assim, também, o processo de execução,

havendo agora simples procedimento executivo.69

De ver-se que, em se tratando de cumprimento de sentença, o executado

dispõe da impugnação, ao passo que os embargos do devedor será a defesa do executado em

processos de execução autônomo.

Mas tal regra já está minada com exceções. É ALEXANDRE FREITAS

CÂMARA quem alerta para as situações em que a defesa do executado consistirá no

oferecimento de impugnação, mesmo ante um processo de execução ex intervallo, a saber: 68 Art. 475-J, §1º, do CPC. “Do auto de penhora e de avaliação será de imediato intimado o executado, na pessoa de seu

advogado (arts. 236 e 237), ou, na falta deste, o seu representante legal, ou pessoalmente, por mandado ou pelo correio, podendo oferecer impugnação, querendo, no prazo de quinze dias.”

69 ALVIM e CABRAL, 2006:74

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Não é absoluta a regra segundo a qual a execução de título judicial que

condena a fazer ou não fazer se dará no mesmo processo em que a sentença

tenha sido proferida. Hipóteses há em que o módulo processual executivo se

desenvolverá de forma autônoma, e nesses casos poder-se-á falar em um

verdadeiro processo de execução. A respeito do tema, aliás, é expresso o art.

475-N, parágrafo único, do CPC, em afirmar que o executado será citado

quando o título executivo for sentença penal condenatória, sentença arbitral

ou decisão homologatória de sentença estrangeira.

(...)

Não se pense, porém, que o processo de execução de título judicial seguirá

as mesmas regras do processo de execução fundado em título extrajudicial.

Sendo judicial o título e havendo necessidade de instauração de processo

executivo, será o demandado citado, para que se observe o disposto no art.

214 do Código de Processo Civil. A partir daí, porém, serão observadas as

regras do Livro I do CPC, e não as do Livro II. Assim, por exemplo, a defesa

do executado não se dará por meio de embargos, mas através da

impugnação prevista no art. 475-L. Observar-se-ão, pois, em primeiro

lugar, as disposições do Livro I do Código de Processo Civil e,

posteriormente, e para suprimento de eventual lacuna, as regras constantes

do Livro II. (grifo nosso)70 Seja como for, o fato é que o Estatuto Processual Civil foi brindado com um

novo instrumento de defesa, qual seja, a impugnação.

Resta, ainda, esclarecer os mecanismos de defesa do executado em se

tratando de execução de sentença que determine obrigação de fazer, não-fazer ou entregar

coisa certa.

Quanto a essas execuções, pontue-se que a Lei 10.444/02 lhes conferiu um

módulo executivo aos moldes do procedimento especial verificado nas ações de despejo, de

reintegração de posse, de restituição da coisa objeto de contrato de depósito, etc.

Em outras palavras, aludidas sentenças deverão ser cumpridas de forma

imediata, “sine intervallo” 71.

A leitura conjugada dos seguintes dispositivos conduzem a essa constatação: Art. 475-I. O cumprimento da sentença far-se-á conforme os arts. 461 e

461-A desta Lei ou, tratando-se de obrigação por quantia certa, por

execução, nos termos dos demais artigos deste Capítulo. (grifo nosso)

Art. 461. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer

ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se

70 CÂMARA, 2006:57-58 71 CÂMARA, 2006:43

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procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado

prático equivalente ao do adimplemento.

(...) Art. 461-A. Na ação que tenha por objeto a entrega de coisa, o juiz, ao

conceder a tutela específica, fixará o prazo para o cumprimento da obrigação.

Como se vê, o cumprimento de sentenças estabelecedoras de obrigação de

fazer, não fazer ou dar coisa certa ocorre dentro do mesmo processo, e não em um processo

autônomo de execução, ressalvados alguns poucos casos72.

De fato, em não possuindo um título executivo extrajudicial, o pretenso

credor deverá ajuizar uma ação em que, primeiramente, reste o devedor condenado ao

adimplemento de uma obrigação de fazer, não fazer ou entregar coisa certa.

Exarada a sentença condenatória, as partes serão intimadas. Tal intimação, à

obviedade, não se destina ao cumprimento do comando decisório, mas à abertura de um

interstício durante o qual as partes, se inconformadas, poderão manifestar sua irresignação

pela via recursal.

Quando, porém, restar transitada em julgado a sentença ou recebido o

recurso apenas no efeito devolutivo, a parte condenada à obrigação de fazer, não fazer ou

entregar coisa certa deverá ser – incontinenti, de ofício, sob o impulso oficial a que alude o

art. 262 do CPC – intimada “para cumprir o comando contido no provimento jurisdicional, no

prazo que lhe tenha sido fixado, sob pena de se usarem as medidas sub-rogatórias e

coercitivas necessárias à efetivação da sentença” 73.

Não é demais fazer ligeiro aparte no sentido de ressaltar que esse

procedimento também vale para os cumprimentos provisórios de sentenças iniciados com a

concessão da antecipação da tutela74.

De qualquer forma, com a mencionada intimação da parte, enceta-se a fase

de cumprimento de sentença, dada a existência de título executivo judicial75.

A parte executada, porém, não fica desprotegida, como se inferiria de uma

leitura açodada da legislação. Há, sim, defesas para o executado em cumprimento de sentença

72 Preleciona ALEXANDRE FREITAS CÂMARA que se terá processo de execução autônomo quando se falar em execução (i)

de título extrajudicial, (ii) de sentença arbitral e (iii) “decisão homologatória de sentença estrangeira. Não se cita a sentença penal condenatória como exemplo de execução de obrigação de fazer ou não fazer, “uma vez que tal título só serve como base para a execução da indenização devida em função dos danos causados pela prática da infração penal” (CÂMARA, 2006:57).

73 CÂMARA, 2006:48 74 “Art. 273. omissis

(...)

§ 3º. A efetivação da tutela antecipada observará, no que couber e conforme a sua natureza, as normas previstas nos arts. 588, 461, §§ 4º e 5º. E 461-A” (grifos nossos)

75 CÂMARA, 2006:46

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que estabelece obrigação de fazer, não fazer ou entregar coisa certa, “até porque uma absoluta

vedação à defesa seria flagrantemente inconstitucional”76. Sobre essa matéria, brilhante é a

anotação de ALEXANDRE FREITAS CÂMARA: Nessa fase executiva (ou seja, no módulo processual destinado ao

cumprimento da sentença), não poderá o devedor defender-se através do

oferecimento de embargos do executado. Poderá, todavia, defender-se o que

fará através de oferecimento de petição simples, avulsa, em que poderá alegar

suas defesas processuais ou de mérito, sempre respeitadas as preclusões e a

coisa julgada que já se tenham formado no módulo processual de

conhecimento. Essa defesa, registre-se, nada mais é do que a impugnação a

que se refere o art. 475-L do Código de Processo Civil, que não é aplicável só

às execuções por quantia certa (como pode parecer pela leitura do art. 475-

I.77

No mesmo sentido, fulgurante é o ensinamento do atual Ministro do

Superior Tribunal de Justiça Teori Albino Zavascki, o qual, referindo-se à atual reforma do

processo de execução, prelecionou, in verbis: Penso que, se olharmos as reformas do processo de execução com esse olhar

reformador, veríamos que a mudança foi além do que aparenta. Se olharmos

os paradigmas dos novos modelos de execução de sentença, veremos a

vontade de concentrar várias formas de cumprimento da execução.

Concentrar toda atividade cognitiva e executória em uma única relação

processual.

Isso começou com o art. 461, formando a ação executiva lato sensu

(cognição e execução). Esse modelo se aprofundou com o art. 461-A. Agora,

com a Lei 11.232/05, isso se consolida. A estratificação da relação processual

é abandonada. Ação de conhecimento, liquidação, ação de execução e ação

de embargos forma concentradas em uma única ação. São 4 relações

processuais em uma.

As conseqüência disso só serão apreendidas daqui a 2 ou 4 gerações. Mas eu

diria que uma das partes que terá mudanças significativas está na defesa

do executado. As modificações dos arts. 461 e 461-A não fazem

referência à defesa do executado. Não quer isto dizer que o executado ficou desprotegido. Entendo que a

diferença é que, agora, aquelas matérias que poderiam ser objeto de

embargos de execução serão oponíveis por uma mera petição. A defesa

do executado é feita por meio de petição e o conteúdo é o mesmo dos

76 CÂMARA, 2006:70 77 CÂMARA, 2006:49-50

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embargos à execução. A mudança foi na forma, e não no conteúdo. (grifo

nosso)78

Portanto, o executado possui defesa no caso de cumprimento de sentença

que envolva obrigação de fazer, de não fazer ou de entregar coisa certa. Tal defesa se

materializa numa simples petição em que o executado poderá apontar qualquer das matérias

respeitantes à impugnação, quais sejam, as catalogadas no art. 475-L do CPC79.

78 Informação oral colhida na palestra “AS NOVAS REFORMAS DO PROCESSO CIVIL explicada pelos próprios autores –

Homenagem a Athos Gusmão Carneiro e Sálvio Figueiredo Teixeira”, promovida pelo Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP) e realizada em Brasília, no Centro de Convenções Ulysses Guimarães, no período de 03 a 05 de abril de 2006.

79 Esclareça-se, por oportuno, que o conteúdo da impugnação (art. 475-L do CPC) é praticamente o mesmo dos embargos do devedor, donde não ser desdourado o aludido ensinamento dimanado do Ministro Teori Albino Zavascki no sentido de que as matérias oponíveis em sede de execução de obrigação de fazer, não fazer ou entregar coisa certa correspondem às dos embargos do devedor.

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EXECUÇÃO DE SENTENÇAS INCONSTITUCIONAIS

Canalizando-se os esforços à compreensão do tema sobre o qual se deitam

luzes nesse presente trabalho, indeclinável é ressaltar que o § 1º do art. 475-L do CPC previu

a possibilidade de oferecimento de impugnação ao cumprimento de sentença, à alegação de

que o decisório exeqüendo se assentou em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais

pelo Supremo Tribunal Federal ou “em interpretação de lei ou ato normativo tidas pelo

Supremo Tribunal Federal como incompatíveis com a Constituição Federal”80.

Curioso que esse novel comando introduz nova hipótese de obstar execução

em face de vício eclodido anteriormente ao trânsito em julgado. Tal é a anotação de HERMES

ZANETI JÚNIOR E RODRIGO MAZZEI, in verbis: “Conforme se percebe da leitura perfunctória da extensão completa do art. 74181, a

norma em exame inovou ao possibilitar que a matéria veiculável em embargos ou

impugnação à execução de título judicial seja decorrente de estabilização do

entendimento constitucional pelo STF ou Senado em momento anterior ao

trânsito em julgado do título embargado (hipótese antes somente prevista no

caso de inexistência ou falta de citação, se o processo correu à revelia – inciso I,

art. 741). (grifo nosso)”82 Com o art. 475-L, § 1º, e 741, parágrafo único, do Código de Processo Civil,

sentenças inconstitucionais, mesmo que transitadas em julgado, podem ser desconstituídas por

outros meios que não a ação rescisória ou a querela nullitatis. A referência aí é à possibilidade

de relativização da coisa julgada material durante a fase de cumprimento de sentença.

Essa vanguardista posição de flexibilização da res judicata na execução

também foi expressamente mencionada no CPC para o caso de embargos à execução contra a

Fazenda Publica, na linha do que dispõe o art. 741, parágrafo único, do CPC, in litteris: Art. 741. Na execução contra a Fazenda Pública, os embargos só poderão

versar sobre:

(...)

II – inexigibilidade do título;

(...)

Parágrafo único. Para efeito do disposto no inciso II do caput deste artigo,

considera-se também inexigível o título judicial fundado em lei ou ato

normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal, ou

fundado em aplicação ou interpretação da lei ou ato normativo tidas pelo

Supremo Tribunal Federal como incompatíveis com a Constituição Federal.

80 Art. 475-L, § 1º, do CPC. 81 Embora os autores mencionem o art. 741 do CPC, suas anotações são perfeitamente válidas para o art. 475-L do CPC, dada a

identidade quase que cabal do conteúdo de suas disposições. 82 ZANETI JÚNIOR E MAZZEI, 2006:247

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Portanto, a simples leitura do CPC conduz à ilação de que é possível a

relativização da coisa julgada material em sede de execução de sentença em duas hipóteses:

(i) em oferecimento de impugnação ao cumprimento de sentença ou (ii) em oposição de

embargos do devedor no curso de execução contra a Fazenda Pública.

Todavia, é de bom alvitre ressaltar que essa hipótese de relativização da

coisa julgada se estende a outras situações, além dessas duas. À guisa de uma sistematização,

impõe-se discriminar os casos principais em que se pode cogitar da aplicação desse

revolucionário dispositivo de relativização.

Quanto aos processos autônomos de execução, de arrolarem-se 4 (quatro)

hipóteses, a saber:

a) Execução de título extrajudicial;

b) b) execução por quantia certa contra a Fazenda Pública;

c) c) execução fiscal;

d) d) execução de sentença arbitral, de sentença penal condenatória ou de

sentença estrangeira homologada pelo Superior Tribunal de Justiça.

Nas execuções de títulos extrajudiciais, escusado é frisar que não há a

aplicação dos arts. 475-L, § 1º, e 741, parágrafo único, do Código de Processo Civil, uma vez

que mencionados dispositivos apenas se referem à inexigibilidade de título judicial, e não de

títulos extrajudiciais.

Já a execução por quantia certa contra a Fazenda Pública – que se

operacionaliza pela via de um processo autônomo de execução, conforme doutrina sufragada

nesse trabalho83 – enverga-se aos ditames do art. 741, parágrafo único, do Código de Processo

Civil, oferecendo à Fazenda Pública a possibilidade de esquivar-se a uma execução lastreada

em sentença inconstitucional.

Não é diferente o palco procedimental dos executivos fiscais. Nesse

particular, já foi ressaltado no item anterior que as hipóteses de embargos à execução fiscal

são ditadas pelo Código de Processo Civil, dada a sua qualidade de fonte normativa

subsidiária à Lei de Execuções Fiscais. Dessa forma, também o executado poderá esbarrar

uma execução fiscal arrimada em título judicial inconstitucional.

Outrossim, em se tratando de execução de sentença arbitral, de sentença

penal condenatória ou sentença estrangeira homologada pelo Superior Tribunal de Justiça, a

ainda neófita doutrina, conforme se registrou no item anterior, entende que, nesses casos, tem-

se um processo autônomo de execução, no qual, porém, a defesa do executado consistirá em

83 Vide item anterior.

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“simples impugnação, nos moldes dos arts. 475-J, § 1º, e 475-L”84. Resta, então, tácito, nessa

horda doutrinária pueril, que o art. 475-L, § 1º, do Código de Processo Civil se aplica também

à execução desses insólitos títulos judiciais. Todavia, tal conclusão parece ser passível de

futuras controvérsias, dada, por exemplo, a perplexidade que poderá ser deflagrada por uma

desconstituição de uma sentença penal condenatória por um juízo cível. Nesse tópico, porém,

como há ainda um aparente silêncio sepulcral na doutrina, o melhor será aguardar o transcurso

do tempo para melhor entender o fenômeno. A propósito, bem lançadas foram as seguintes

colocações do eminente Ministro Teori Albino Zavascki, que, referindo-se às recentes

reformas do processo civil, prelecionou que “as conseqüências disso só serão apreendidas

daqui 2 ou 4 gerações”85.

Alumiada a incidência dos arts. 475-L, § 1º, e 741, parágrafo único, do

Código de Processo Civil no processo autônomo de execução, impende divisar como foi

pincelado o quadro das execuções consubstanciadas na fase de cumprimento de sentença. Por

oportuno, é de destacar-se, na espécie, a inexigibilidade de sentenças inconstitucionais em

sede de cumprimento de sentença que impõe (a) obrigação de pagar quantia certa ou (b)

obrigação de fazer, não fazer ou entregar coisa certa.

No tocante à primeira hipótese, a localização tópica do art. 475-L, § 1º, do

CPC já deixa estreme de dúvidas que o executado pode argüir que o supedâneo legal ou

normativo da sentença cumprida foi timbrado com a pecha de inconstitucionalidade pelo

Supremo Tribunal Federal.

Entretanto, em se tratando de execuções de fazer, não fazer ou entregar

coisa certa, uma leitura azafamada do Estatuto Adjetivo Civil canalizará para uma ilação

desaconselhada de que o executado está desguarnecido. Ledo engano! Já foi assentado no

item anterior, com espeque em processualistas de escol, que a defesa do executado nesses

casos se dá meio da impugnação de que trata o art. 475-L do CPC. Assim, deságua-se no

entendimento lógico de que se aplica a esses tipos de cumprimento de sentença o disposto no

§ 1º do art. 475-L do CPC.

84 THEODORO JÚNIOR, 2006:65 85 Informação oral colhida na palestra “AS NOVAS REFORMAS DO PROCESSO CIVIL explicada pelos próprios autores –

Homenagem a Athos Gusmão Carneiro e Sálvio Figueiredo Teixeira”, promovida pelo Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP) e realizada em Brasília, no Centro de Convenções Ulisses Guimarães, no período de 03 a 05 de abril de 2006.

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INTERPRETAÇÕES CONSTITUCIONAIS

Diversas posições vêm erigindo-se na doutrina no que diz respeito à

constitucionalidade dos arts. 475-L, § 1º, e 741, parágrafo único, do Código de Processo

Civil.

De um lado, há autores que se mostram arquiinimigos dos arts. 475-L, § 1º,

e 741, parágrafo único, do Código de Processo Civil, por concebê-los contrários à garantia

constitucional da coisa julgada. Tal tese extremista, porém, não merece guarida. A propósito,

esclarecedoras são as notas do provecto TEORI ALBINO ZAVASCKI, in verbis: (...) há os que simplesmente o86 consideram inconstitucional por ofensa ao

princípio da coisa julgada87. É posicionamento que tem como pressuposto

lógico – expresso ou implícito – a sobrevalorização do princípio da coisa

julgada, que estaria hierarquicamente acima de outros princípios

constitucionais, inclusive o da supremacia da Constituição, o que não é

verdadeiro. Se o fosse, ter-se-ia de negar a constitucionalidade da própria

ação rescisória, instituto que evidencia claramente que a coisa julgada não

tem caráter absoluto, comportando limitações, especialmente quando

estabelecidas, como no caso, por via de legislação ordinária.88

A propósito, o ilustre ministro do STJ, antes do advento da Lei 11.232/05,

discorrendo acerca do art. 741, parágrafo único, do CPC, cuja redação em pouco se modificou

com aquele novel diploma, faz relevante defesa da constitucionalidade desse novo mecanismo

de flexibilização da coisa julgada, in litteris: A constitucionalidade do parágrafo único do art. 741 do CPC decorre do seu

significado e da sua função. Trata-se de preceito normativo que, buscando

harmonizar a garantia da coisa julgada com o primado da Constituição, veio

apenas agregar ao sistema um mecanismo processual com eficácia rescisória

de certas sentenças inconstitucionais. Até o seu advento, o meio apropriado

para rescindir tais sentenças era o da ação rescisória (art. 485, V). Agora, para

hipóteses especialmente selecionadas pelo legislador, conferiu-se força

rescisória também aos embargos à execução. Não há inconstitucionalidade

alguma nisso.89

Em outras palavras, se os arts. 475-L, § 1º, e 741, parágrafo único, do

Código de Processo Civil são inconstitucionais por introduzirem mais uma hipótese de 86 A referência desse pronome é ao art. 741, parágrafo único, do CPC no período anterior ao advento da Lei 11.232/05. Todavia,

o entendimento aí reproduzido pode ser perfeitamente aplicável à nova redação desse dispositivo e ao art. 475, § 1º, do CPC, dada a identidade de redação desses dispositivos.

87 Ressalta o ministro que, nesse sentido, pode-se consultar as seguintes fontes: “NERY JÚNIOR, Nelson e NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado, 8ª ed., SP, RT, 2004, p. 1156; DALLAZEM, Dalton Luiz. Execução de título judicial fundado em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo STF, Revista Dialética de Direito Processual – RDDP, 14:21” (ZAVASCKI, 2005:79)

88 ZAVASCKI, 2005:79 89 ZAVASCKI, 2005:81-82

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desconstituição de sentenças, também a ação rescisória deve ser havida por contrária à

Constituição Federal.

Outra posição a respeito da constitucionalidade dos dispositivos sob vértice

nesse trabalho pode ser tida por capitaneada por NELSON NERY JÚNIOR. Recorde-se que

aludido processualista90 faz menção a dois jaezes de coisa julgada: (a) quando ainda não

escoados o tempo de 2 anos após o trânsito em julgado da sentença, deve-se falar em coisa

relativamente julgada, porque ainda potencialmente vulnerável aos efeitos deletérios da ação

rescisória; (b) encerrados esse biênio, espoca a coisa soberanamente julgada, essa, sim,

capaz de, irreversível e definitivamente, transformar o preto em branco, o quadrado em

círculo.

E é com base nessa classificação e no cânone da segurança jurídica que o

abalizado catedrático da PUC/SP chancela a tese de que as hipóteses de relativização da coisa

julgada só podem ocorrer dentro do interstício bienal da ação rescisória91. Dessa forma, a

regra dos arts. 475-L, § 1º, e 741, parágrafo único, do Código de Processo Civil não teriam o

condão de desaparelhar execução baseada em sentença inconstitucional transitada em julgado

há mais de 2 anos, porque aí já se teria uma coisa soberamente julgada.

A essa tese, doutrinadores de escol tem emprestado expressiva aderência, a

exemplo de J. E. CARREIRA ALVIM e LUCINA GONTIJO CARREIRA ALVIM CABRAL, para quem,

in verbis: Com a nova redação dada ao § 1º do art. 475-L, tais sentenças ou acórdãos

são inexeqüíveis, podendo o executado impugnar eventual requerimento

executório com base na inexeqüibilidade do título. No entanto, essa norma,

de duvidosa constitucionalidade, em face do disposto no art. 5º, XXXVI, da

Constituição, vem sendo prestigiada pelo Superior Tribunal de Justiça.

Para nós, a sentença de mérito passada em julgado só pode ser

desconstituída por ação rescisória, nos termos do art. 485 do CPC, e,

mesmo assim, no lapso (decadencial) de dois anos, findo os quais forra-

se a toda tentativa de ataque, com o objetivo de desconstituí-la, por

motivo de inconstitucionalidade. (grifo nosso)92 Quanto à constitucionalidade dos dispositivos ora enfocados nesse trabalho,

esses últimos autores sugerem a sua incompatibilidade com a Lei Maior, ao asseverarem, in

litteris: Se a Constituição tutela a coisa julgada (art. 5º, XXXVI), e coisa julgada é

qualidade – não eficácia, como soa o art. 467 do CPC - que torna imutável e

90 Vide item 2.2 91 Ver item 2.2 do presente trabalho. 92 ALVIM e CABRAL, 2006:90

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indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou

extraordinário, soa destoante de todo o sistema jurídico brasileiro que,

mediante a alegação de que uma sentença é inconstitucional, se possa abrir,

de novo, a qualquer tempo, a discussão sobre a validade da sentença.93

Curioso é destacar que, malgrado esse prestigiado casal de processualistas

aceite, no máximo, que a aplicação dos arts. 475-L, § 1º, e 741, parágrafo único, do Código de

Processo Civil se dêem dentro do biênio seguinte ao trânsito em julgado, terminam eles

reconhecendo que o legislador concebeu esses dispositivos a partir de um ideologia

relativizadora muito além de uma mera restrição temporal de 2 anos. De conferir suas

anotações: Sob o aspecto prático, essa norma teve por objetivo resolver situações

concretas que vinham atormentando a doutrina e a jurisprudência, pois,

muitas vezes, a sentença condenatória transitava em julgado – especialmente

no campo tributário e administrativo – expirava-se o prazo para a ação

rescisória, e, após, vinha o Supremo Tribunal Federal a “declarar

inconstitucional a lei ou ato normativo”, ou incompatível com a

Constituição “a aplicação ou interpretação da lei ou ato normativo” em que

se fundara a decisão (sentença ou acórdão).94

Nada obstante, para esses autores, só seriam constitucionais os arts. 475-L, §

1º, e 741, parágrafo único, do Código de Processo Civil se respeitado o prazo bienal da ação

rescisória, em atenção ao princípio constitucional da coisa julgada.

Igual entendimento adotou FREDDIE DIDIER JR., contra cujo entendimento se

posicionaram HERMES ZANETI JÚNIOR E RODRIGO MAZZEI. Com efeito, estes últimos autores

anotam, referindo-se àquele jurista baiano, in verbis: (...) Outro limite imposto pelo jovem e notável processualista baiano refere-se

ao prazo de interposição dos embargos, restrito aos dois anos previstos para a

ação rescisória. Desta hipótese, na falta de lei que assim determine, devemos

discordar, embora reconheçamos a necessidade de limitação temporal.95

TERESA ARRUDA ALVIM WAMBIER e JOSÉ MIGUEL GARCIA MEDINA

também se opõe a essa restrição temporal. É o que se infere de sua defesa à inexistência de

sentenças inconstitucionais, in litteris: Portanto, segundo o que nos parece seria rigorosamente desnecessária a

propositura de ação rescisória, já que a decisão que seria alvo de impugnação

seria juridicamente inexistente, pois que baseada em “lei” que não é lei (“lei”

inexistente). Portanto, em nosso entender, a parte interessada deveria, sem

93 ALVIM e CABRAL, 2006:88 94 ALVIM E CABRAL, 2006:89 95 ZANETI JÚNIOR E MAZZEI, 2006:248

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necessidade de se submeter ao prazo do art. 495 do CPC, intentar ação

declaratória, com o único objetivo de gerar maior grau de segurança jurídica

à situação.96

Por outro lado, conforme já foi registrado no item anterior, o eminente ex-

Ministro ATHOS GUSMÃO CARNEIRO, um dos criadores da Lei 11.232/05, com autoridade,

esclareceu, em palestra proferida na Universidade de Brasília, que o comando contido nos

arts. 475-L, § 1º, e 741, parágrafo único, do Código de Processo Civil prevêem, na verdade, a

inexeqüibilidade de uma sentença que “estará baseada em uma norma que não existe no

direito, porque declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal”97.

Assim é que o objetivo do legislador, ao estabelecer essa hipótese de

inexigibilidade do título executivo judicial, pretendeu, na verdade, considerar que o devedor,

quando do oferecimento de sua impugnação ou dos seus embargos à execução, poderá argüir

que o título judicial exeqüendo é inexigível, porque baseado em lei ou ato normativo

declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, independentemente do

transcurso de um biênio após o trânsito em julgado da sentença exeqüenda.

À luz dessa novel hipótese de relativização da coisa julgada, no dizer de

autorizados autores, a sentença que lastreia a execução, “podendo ser impugnada a qualquer

tempo, equipara-se à situação jurídica das ‘sentenças inexistente’”98. Recorde-se que as

sentenças inexistentes não são acobertadas pela estola da coisa julgada matéria, de maneira

que, a qualquer tempo, poderá ser reconhecida sua inexistência mediante a querella

nullitatis99.

Quanto ao tema, valorosos são os escólios de HUMBERTO THEODORO JÚNIOR, in

litteris: A sentença que afronta a Constituição contamina-se de nulidade absoluta.

Para Cândido Rangel Dinamarco, o seu objeto incorre em impossibilidade

jurídica, pelo que, na realidade, nem mesmo chegar-se-ia a atingir a

autoridade da coisa julgada material. Com efeito, no Estado Democrático de

Direito, não apenas a lei, mas todos os atos de poder devem adequar-se aos

padrões da ordem constitucional, de sorte que a inconstitucionalidade pode

acontecer também no âmbito dos provimentos jurisdicionais (...)

Sendo, pois, caso de nulidade, a coisa julgada não tem o condão de eliminar

a profunda ineficácia da sentença, que, por isso mesmo, será insanável e

argüível a qualquer tempo. Assim, como a lei inconstitucional é

96 WAMBIER E MEDINA, 2003:43 97 Informação oral colhida na palestra do profº Athos Gusmão Carneiro no dia 29 de maio de 2006 no auditório Joaquim Nabuco,

situado na Universidade de Brasília – UnB. 98 ALVIM e CABRAL, 2006:89 99 Ver item 2.2 desse trabalho.

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irremediavelmente nula, também a sentença formalmente transitada em

julgado não tem força para se manter, quando prolatada contra a vontade

soberana da Constituição.

É a luz dessa concepção que o § 1º do art. 475-L considera “inexigível o

título judicial fundado em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais

pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou interpretação

de lei ou ato normativo tidas pelo Supremo Tribunal Federal como

incompatíveis com a Constituição Federal100 E completa o eminente doutrinador:

O reconhecimento da nulidade de sentença inconstitucional, portanto não

depende de rescisória e pode verificar-se a qualquer tempo e em qualquer

processo, inclusive na via incidental da impugnação ao pedido de

cumprimento de sentença.101

Na verdade, o nobre processualista em tela sustentava, à época da existência

apenas do art. 741, parágrafo único, do CPC antes da edição da Lei 11.232/05, que a

declaração de inconstitucionalidade que ensejava a inexigibilidade do título judicial podia ser

feita não apenas pelo STF, mas também pelo próprio juiz de execução102. A propósito, assim

eram suas palavras: “o juiz, mesmo sem prévio pronunciamento do Supremo Tribunal

Federal, está credenciado a recusar a execução à sentença que contraria preceito

constitucional, ainda que o trânsito em julgado já se tenha verificado”103.

Nessa esteira, ter-se-ia um coroamento do valor de Justiça e do princípio da

supremacia da Constituição em detrimento do princípio da segurança jurídica defluído da

garantia constitucional da coisa julgada.

Ocorre que o entendimento de HUMBERTO THEODORO JÚNIOR, com a

amplitude acima aduzida, parece extrapolar os limites constitucionais. Com razão, preleciona

TEORI ALBINO ZAVASCKI, in verbis: Também essa corrente merece críticas. Ela confere aos embargos à execução

uma eficácia rescisória muito maior que a prevista no parágrafo único do art.

741 do CPC, eficácia essa que, para sustentar-se, haveria de buscar apoio,

portanto, não nesse dispositivo infraconstitucional, mas diretamente na

Constituição. Ademais, a se admitir a ineficácia das sentenças em tão

amplos domínios, restaria eliminado, de modo completo, pelo menos em

100 THEODORO JÚNIOR, 2006:59 101 THEODORO JÚNIOR, 2006:59 102 Tal entendimento foi reformulado por HUMBERTO THEODORO, conforme se aduzirá no posteriormente. Agora, após a

edição da Lei 11.232/05, adiante-se que o mencionado autor entende que somente a hipótese do CPC de relativização da coisa julgada em sede de execução somente se refere a declarações de inconstitucionalidades do Supremo Tribunal Federal. Propõe, porém, que o Judiciário deve criar mecanismo para que essa hipótese independa da manifestação do STF (THEODORO JÚNIOR, 2006:59-60). Sobre o tema, melhor se pronunciará alhures.

103 THEODORO JÚNIOR apud ZAVASCKI, 2005:80

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matéria constitucional, o princípio da coisa julgada, que também tem

assento na Constituição. Além desse princípio, comprometer-se-ia um dos

escopos primordiais do processo, o da pacificação social mediante eliminação

da controvérsia, eis que se daria oportunidade à permanente renovação do

questionamento judicial de lides já decididas. Ensejar-se-ia que qualquer juiz,

simplesmente invocando a inconstitucionalidade, negasse execução a

qualquer sentença, inclusive as proferidas por órgãos judiciários

hierarquicamente superiores (tribunais de apelação e mesmo tribunais

superiores). Em suma, propiciar-se-ia, em matéria constitucional, a

perene instabilidade do julgado (...). (grifo nosso)104

Destarte, delegar ao juízo da execução o condão de declarar a

inconstitucionalidade do esteio legal da sentença exeqüenda para fins de obstar um

cumprimento de sentença ou uma execução autônoma parece afrontar a Constituição Federal.

Não pode, por conseguinte, os arts. 475-L, § 1º, e 741, parágrafo único, do Código de

Processo Civil sofrerem uma interpretação tão expansiva assim, sob pena de violar o princípio

constitucional da coisa julgada. A propósito, por se estarem em jogo direitos fundamentais, a

interpretação dos aludidos dispositivos devem ser restritivas. O magistério é de HERMES

ZANETI JÚNIOR e RODRIGO MAZZEI, para quem a mencionada hipótese de relativização da res

judicata previstas nos sobreditos dispositivos, ao restringirem a garantia da coisa julgada,

“deverá ter interpretação restritiva, como todas as normas estatuídas contra direitos

fundamentais”105.

Assim é que há a necessidade de encontrar uma exegese dos arts. 475-L, §

1º, e 741, parágrafo único, do Código de Processo Civil que não comprometa o núcleo

essencial dos princípios constitucionais da supremacia da Constituição e da coisa julgada.

Para tanto, impõe-se afastar teses extremadas que, de um lado, repugnem

totalmente a tese de constitucionalidade dos arts. 475-L, § 1º, e 741, parágrafo único, do

Código de Processo Civil ou que, por outro lado, atribuam aplicação irrestrita desses

dispositivos, conferindo, por exemplo, ao juiz da execução a atribuição de declarar, sem

prévio precedente do Supremo Tribunal Federal, a inconstitucionalidade de norma sobre a

qual se estribe a sentença exeqüenda.

Todavia, nessa busca por um posicionamento mediano consentâneo com a

Constituição Federal, há diversos doutrinadores com entendimentos diferentes sobre o modo

como o Supremo Tribunal Federal pode se manifestar a respeito da inconstitucionalidade da

norma que lastreia a execução, isto é, sobre qual o tipo de controle de constitucionalidade

104 ZAVASCKI, 2005:79 105 ZANETI JÚNIOR E MAZZEI, 2006:269

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empregado pelo Excelso Pretório. Essas diversas posições interpretativas, porém, serão

posteriormente aduzidas.

Seja como for, só não ferem os núcleos essenciais dos princípios da

Supremacia da Constituição e da coisa julgada as interpretações desse novo mecanismo de

relativização da coisa julgada que observem duas premissas: “(a) a de que ele não tem

aplicação universal a todas as sentenças inconstitucionais, restringindo-se às fundadas num

vício específico de inconstitucionalidade; e (b) a de que esse vício específico tem como nota

característica a de ter sido reconhecido em precedente do STF”106.

Consigne-se, a propósito, que autores como NELSON NERY JÚNIOR aditariam

uma terceira premissa, a saber: a de que os arts. 475-L, § 1º, e 741, parágrafo único, do

Código de Processo Civil devem observar o prazo de 2 (dois anos) previstos para rescisória.

Essa terceira premissa, porém, por razões já aduzidas, não se comporta na melhor inteligência

dos mencionados dispositivos e da própria Constituição Federal.

Quanto àquela primeira premissa, releva consignar que é possível encontrar

uma multiplicidade de sentenças inconstitucionais, a exemplo da sentença que (a) aplica

norma tida por inconstitucional, (b) aplica norma com sentido ou em situação declarados

inconstitucionais; (c) deixa de aplicar norma declarada constitucional; (d) aplica norma

constitucional tida por não-auto-aplicável; (e) “deixa de aplicar norma constitucional auto-

aplicável, e assim por diante”107.

Nada obstante, à dicção dos arts. 475-L, § 1º, e 741, parágrafo único, do

Código de Processo Civil, somente se confere a apregoada força rescisória à impugnação ou

aos embargos à execução aos três primeiros casos supracitados de sentença

inconstitucional108. Nesse particular, inafastável é o escólio de TEORI ALBINO ZAVASCKI, in

litteris: Há um elemento comum às três hipóteses: o da inconstitucionalidade da

norma aplicada pela sentença. O que as diferencia é, apenas, a técnica

utilizada para o reconhecimento dessa inconstitucionalidade. No primeiro

caso (aplicação de lei inconstitucional), supõe-se a declaração de

inconstitucionalidade com redução do texto. No segundo (aplicação da lei em

situação tida por inconstitucional), supõe-se a técnica da declaração de

106 ZAVASCKI, 2005:82 107 ZAAVASCKI, 2005:82 108 Essa é a defesa empolgada por TEORI ALBINO ZAVASCKI (ZAVASCKI, 2005:83). Todavia, EDUARDO TALAMINI

“observa ainda a hipótese de posicionamento do STF em ação direta de inconstitucionalidade por omissão, quando este versar sobre a aplicabilidade imediata ou não da norma e estiver se opondo ao entendimento do título embargado. Freddie Didier Jr. em artigo escrito em conjunto com Paula Sarno Braga e Rafael Oliveira, também acompanha esta tendência, contudo faz ressalvas importantes sobre a eficácia temporal das sentenças em controle de constitucionalidade (...)” (ZANETI JÚNIOR E MAZZEI, 2006:248)

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inconstitucionalidade parcial sem redução do texto. E no terceiro (aplicação

de lei com um sentido inconstitucional), supõe-se a técnica da interpretação

conforme a Constituição.109

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça também sinaliza nesse

sentido, a saber:

Finalmente, relativamente àquela segunda premissa, reprise-se que, à luz

dos arts. 475-L, § 1º, e 741, parágrafo único, do Código de Processo Civil, somente

pronunciamentos do Supremo Tribunal Federal são hábeis a ensejar a aplicação dos

mencionados dispositivos. Nisso é claro a redação dos mencionados dispositivos, digna de

nova transcrição:

(...) considera-se também inexigível o título judicial fundado em lei ou

ato normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal

Federal, ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou ato

normativo tidas pelo Supremo Tribunal Federal como

incompatíveis com a Constituição Federal.110

Na redação anterior do art. 741, parágrafo único, do CPC, determinada pela

Medida Provisória nº 2.180-35, de 24 de agosto de 2001, não havia menção à essa segunda

expressão “pelo Supremo Tribunal Federal”, o que causava certa dúvida quanto à existência

de exclusividade dos precedentes da Excelsa Corte na aplicação desse dispositivo. Todavia,

com a nova redação, dissiparam-se as dúvidas a propósito.

Conclui-se, portanto, aquelas duas111 premissas são as estacas que

delimitam o terreno de interpretações constitucionais dos arts. 475-L, § 1º, e 741, parágrafo

único, do Código de Processo Civil. Fora desses limites, tem-se vulneração aos núcleos

essenciais dos princípios da supremacia da Constituição ou da coisa julgada (ou segurança

jurídica).

o a liminares. Desimportante é, nesse

caso, o caráter vin

Em arremate, frise-se que, para EDUARDO TALAMINI, todas as hipóteses

de manifestação do Supremo Tribunal Federal aventadas pelos dispositivos sob vértice dizem

respeito a pronunciamentos finais da Excelsa Corte, e nã

culante dessa medida de urgência112.

Se a liminar suspendendo a norma sobre a qual se funda a sentença tiver

sido expedida anteriormente à sentença, a parte prejudicada poderá se valer de expedientes

109 ZAVASCKI, 2005:83 110 Arts. 475-L, § 1º, e 741, parágrafo único, do Código de Processo Civil 111 Ou três, se se considerar como válidos os argumentos de autores como NELSON NERY JÚNIOR no sentido de que os arts.

475-L, § 1º, e 741, parágrafo único, do Código de Processo Civil devem observar o biênio rescisório previsto no art. 495 do CPC.

112 TALAMINI, 2005:457

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processuais vários, como os recursos, a ação rescisória e a reclamação (se antes do trânsito em

julgado), mas não às hipóteses dos arts. 475-L, § 1º, e 741, parágrafo único, do Código de

Processo Civil113

ue, quando a sentença foi proferida

pelo grau de juris

ade da decisão, capaz de ser modificado no todo ou em parte no julgamento

final”116.

s, qual seja, o da inconstitucionalidade, deixando evidente a importância da medida

liminar.

qual se funda o direito do

exeqüente está na

unal Federal e do

Superior Tribuna

controle de

constitucionalidade e do binômio execução provisória – execução definitiva.

.

Se a liminar, todavia, for posterior ao trânsito em julgado, não haverá

qualquer expediente impugnativo baseado nessa liminar. “Aliás, nesse caso, nem mesmo se

pode falar em afronta ao efeito vinculante da liminar, já q

dição inferior, a liminar nem existia”114.

Em igual diapasão se posicionam HERMES ZANETI JÚNIOR e

RODRIGO MAZZEI, para quem não se aplica a regra dos “embargos inibitórios”115 em face

de liminares do Supremo Tribunal Federal, ainda que dotadas de efeito ex tunc, em razão da

“instabilid

Não parece, porém, esse posicionamento refletir o melhor posicionamento.

É que as medidas liminares concedidas pelo Supremo Tribunal Federal, como já aduzido,

possui efeito vinculante e pode ter eficácia retroativa. Ora, tais considerações, somadas à

incontestável existência de um Judiciário moroso, conduzem ao entendimento de que é

necessário conferir maior valor à concessão dessa medida de urgência. Na espécie, deve-se

dar muito maior poder vinculante à esta medida, tendo em vista que se trata de obstar uma

execução de uma sentença que, ao que parece, está a padecer de um dos piores vícios

existente

Não é de bom tino submeter o executado à uma execução forçada quando o

Excelso Pretório decidiu, liminarmente, que a norma sobre a

s vias da declaração de inconstitucionalidade.

Assim, os arts. 475-L, § 1º, e 741, parágrafo único, do Código de Processo

Civil também devem se aplicar ante pronunciamentos do Supremo Trib

l de Justiça consistentes na concessão de medida liminar.

Posto isso, portas abertas se têm para promover lucubrações a propósito

dessas possíveis exegeses, fruto de uma mescla dos sistemas de

113 TALAMINI, 2005:457 114 TALAMINI, 2005:457 115 Designação adotada pelos mencionados autores para se referir aos meios impugnativos previstos no arts. 475-L, § 1º, e 741,

parágrafo único, do Código de Processo Civil (ZANETI JÚNIOR E MAZZEI) 116 ZANETI JÚNIOR E MAZZEI, 2006:253

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A RELATIVIZAÇÃO NO ÂMBITO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

O Superior Tribunal de Justiça, criado pela Constituição cidadã de 1988,

tem como missão adequar e uniformizar a Jurisprudência nas cercanias brasileiras, aplicando,

de forma padronizada, o direito, se vê as voltas com o paradoxo de ter de aplicar ou relativizar

a coisa julgada. As inquietações quanto à possibilidade de o Estado de Direito coexistir com o

cumprimento de sentenças fundamentadas em leis inconstitucionais não passou despercebido

pelo STJ que vem procurando um plausível equilíbrio entre a segurança jurídica e o grau de

justiça, tendo em vista que o cumprimento de sentenças amiúde desencadeia repercussões

sociais várias, como falências, insolvências, penhoras, dissoluções de casamentos em razão de

brigas suscitadas pelas dívidas, entre outros. Nas palavras do ministro Sálvio de Figueiredo

Teixeira: É missão constitucional do STJ apaziguar a jurisprudência revolta, buscando

a melhor exegese do direito federal infraconstitucional. Para a realização

desse objetivo, em primeiro lugar, deve uniformizar a sua própria

jurisprudência” (STJ-2ª Seção, Resp 19.915-8-MG-ED, rel. Min. Sálvio de

Figueiredo, DJU 17.12.92, p. 24.207).

Confrontando o Poder Legislativo com o Judiciário, LUHMANN sustenta

que “o legislador teria pouca sorte com as suas leis se ele descurasse da ‘justiciabilidade’117,”

razão pela qual o Legislativo fica restringido a criar leis em ajuste com a Constituição, sob

pena de tais leis serem proscritas do sistema jurídico graças à atividade dos Tribunais, que –

constituídos pela própria Constituição – investem-se da função de impedir a existência de leis

inconstitucionais.

Todavia, a questão dá margem a candentes controvérsias quando a profusão

de comandos inconstitucionais advém do próprio Judiciário, isto é, quando o próprio ente

julgador descura da “justiciabilidade” das normas.

Conquanto o Legislativo não possa ousar afrontar a Constituição Federal

sem se tornar vulnerável ao controle fiscalizador do Judiciário, o Órgão Jurisdicional parece

afigurar-se insuscetível de qualquer controle, quando vê transitar em julgado eventuais

sentenças, reconhecendo um direito incompatível com a Carta Magna.

É para debelar paradoxos como esse que se vem aguçando, na atualidade, a

corrente doutrinária da relativização da coisa julgada, idéia essa progressivamente mais

chancelada pela própria legislação, como se vislumbra com a edição dos arts. 475-L, § 1º, e

741, parágrafo único, do Código de Processo Civil. Uma ferramenta poderosa que o

117 LUHMANN, 1990:156

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legislativo coloca à disposição do judiciário para resolver casos de sentenças declaratórias

inconstitucionais após seu transito em julgado, mas ainda em fase de execução.

Antevendo uma situação insustentável, com possibilidades de uma

avalanche processual a respeito do tema o STJ se pronunciou, demarcando os limites do

alcance dos artigos supracitados como se vê do acórdão do Ministro Felix Fisher : EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. PRECATÓRIO COMPLEMENTAR. JUROS

MORATÓRIOS.INCIDÊNCIA ATÉ O DEPÓSITO DA INTEGRALIDADE DA DÍVIDA. COISA

JULGADA.RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA. NÃO APLICAÇÃO.

I - Havendo expressa determinação na sentença exeqüenda, já transitada em julgado,

da inclusão dos juros moratórios no precatório complementar, não há mais espaço

para discussão sobre os referidos juros, em virtude do princípio da coisa julgada.

II - Esta c. Corte entende que estão fora do alcance do parágrafo único do art. 741 do

CPC as sentenças transitadas em julgado anteriormente a sua vigência, ainda que

eivadas de inconstitucionalidade.

Embargos de divergência desprovidos.

A fixação de um posicionamento científico quanto a essa teoria relativista

da coisa julgada reclama uma pormenorizada reflexão a respeito do binômio “justiça versus

segurança jurídica” dentro do ambiente do Estado Democrático de Direito, bem como um

estudo relativo à admissibilidade dessa vanguardista tese na estrutura constitucional.

Nesse sentindo o STJ prolatou decisão em favor da coisa julgada em caso

especifico de exame de DNA, sob o fundamento que sua relativização seria afronta ao direito

vigente (REsp 432.108-MG, DJ 19/12/2002. REsp 435.102-MG). Onde destaco o voto do

Ministro Castro Filho : O EXMO. SR. MINISTRO CASTRO FILHO(Relator): Entendeu o tribunal de origem ser

impossível o acolhimento da pretensão dos autores, vez que a atribuição da paternidade

da ré decorreu de decisão judicial alcançada pela coisa julgada material.

Tenho que correto o julgado estadual. Transcrevo, para melhor elucidar a questão,

trecho da fundamentação do referido aresto:

"Tivesse havido reconhecimento voluntário da paternidade, a toda evidência, poder-se-

ia tratar o ato como eivado de erro na sua formação, desaguando na anulação.

Contudo, na espécie, a atribuição da paternidade da recorrida, imputada ao filho dos

apelantes decorreu de decisão judicial, alcançada pela 'res judicata'.

Dessa forma, torna-se impossível o acolhimento da pretensão que, em última análise,

possui a finalidade de desconstituir a declaração judicial, proferida na investigatória,

através do desfazimento do registro da paternidade, mera conseqüência daquele ato

sentencial.

Em que pesem todos os atributos inerentes ao direito dos recorrentes, ainda assim,

está-se diante de direito individual, que deve se submeter à questão maior da ordem

pública com que se deve tratar o pronunciamento jurisdicional irrecorrível.

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O instituto da coisa julgada não se coloca no mesmo nível de prescrição,

disponibilidade e outras características dos direitos inerentes ao estado e capacidade

das pessoas nem a eles se subordina. (...)

E, quanto às ações de estado, a própria lei processual as submete aos efeitos da coisa

julgada, como se vê do art. 472 do CPC." (f. 106, grifou-se).

Não há falar, pois, em violação ao artigo 348 do Código Civil, inaplicável ao caso.

No que concerne ao outro dispositivo mencionado, com efeito, pela parte final do artigo

472 do Código de Processo Civil, a sentença proferida nas causas relativas ao estado de

pessoa produz coisa julgada em relação a terceiros, desde que citados no processo, na

condição de litisconsortes necessários.

É dizer, não sendo litisconsortes necessários na investigatória de paternidade, por sinal,

nem invocaram essa condição, são simples terceiros, produzindo a sentença, destarte,

coisa julgada em relação a eles.

Ademais, conforme salientou o ilustre representante do Ministério Público Federal, esta

Terceira Turma, quando do julgamento do RESP nº 107.248⁄GO, de relatoria do

eminente Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, tratando de sentença proferida em

ação de investigação de paternidade, entendeu não ser possível afastar o óbice da coisa

julgada.

Em relação à divergência jurisprudencial, deverá esta ser demonstrada, nos termos do

artigo 255, §§ 1º, b, e 2º, do Regimento Interno deste Superior Tribunal de Justiça,

mediante a comprovação de publicação em repositório oficial, autorizado ou

credenciado, bem como por meio do confronto analítico entre as teses adotadas no

acórdão recorrido e nos paradigmas colacionados, o que não se satisfaz, via de regra,

com a simples transcrição de trechos dos julgados.

Além disso, o aresto impugnado assentou-se na existência de res judicata, tema que não

foi abordado por nenhum dos precedentes trazidos a cotejo. Como se vê, não há

similitude fática entre os casos confrontados, o que torna inviável o conhecimento do

especial também por esse fundamento.

Pelo exposto, não conheço do recurso.

É como voto. Em sentido contrário, a egrégia Quarta Turma do STJ, sempre vanguardista e

renovadora, no REsp 226.436 relativizou com a seguinte ementa no que interessa: “PROCESSO CIVIL. INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. REPETIÇÃO DE AÇÃO

ANTERIORMENTE AJUIZADA, QUE TEVE SEU PEDIDO JULGADO IMPROCEDENTE POR FALTA

DE PROVAS. COISA JULGADA. MITIGAÇÃO. DOUTRINA. PRECEDENTES.DIREITO DE FAMÍLIA.

EVOLUÇÃO. RECURSO ACOLHIDO.

I – Não excluída expressamente a paternidade do investigado na primitiva ação de

investigação de paternidade, diante da precariedade da prova e da ausência de indícios

suficientes a caracterizar tanto a paternidade como a sua negativa, e considerando que,

quando do ajuizamento da primeira ação, o exame pelo DNA ainda não era disponível e

nem havia notoriedade a seu respeito, admite-se o ajuizamento de ação investigatória,

ainda que tenha sido aforada uma anterior com sentença julgando improcedente o

pedido.

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II – Nos termos da orientação da Turma, "sempre recomendável a realização de

perícia para investigação genética (HLA e DNA), porque permite ao julgador

um juízo de fortíssima probabilidade, senão de certeza" na composição do

conflito. Ademais, o progresso da ciência jurídica, em matéria de prova, está na

substituição da verdade ficta pela verdade real.

III – A coisa julgada, em se tratando de ações de estado, como no caso de

investigação de paternidade, deve ser interpretada modus in rebus. Nas palavras

de respeitável e avançada doutrina, quando estudiosos hoje se aprofundam no

reestudo do instituto, na busca, sobretudo da realização do processo justo. "A

coisa julgada existe como criação necessária à segurança prática das relações

jurídicas e as dificuldades que se opõem à sua ruptura se explicam pela

mesmíssima razão. Não se pode olvidar, todavia, que numa sociedade de

homens livres, a Justiça tem de estar acima da segurança, porque sem Justiça

não há liberdade".

IV – Este Tribunal tem buscado, em sua jurisprudência, firmar posições que

atendam aos fins sociais do processo e às exigências do bem comum.”

Os doutrinadores favoráveis à flexibilização da coisa julgada sustentam sua

não formação em caso de vícios graves, ou nos casos de coisa julgada inconstitucional,

aceitando sua desconstituição a qualquer tempo, grau de jurisdição e por qualquer meio, com

extensiva interpretação, ou nova redação ao art. 485 do CPC. Já a posição contrária discorda da

submissão da coisa julgada, defendendo a decisão justa "possível" com ressalva ao atual

momento histórico-processual (celeridade, instrumentalidade, efetividade).

No entanto, o intérprete do direito não pode defender uma relativização da

coisa julgada a qualquer custo e de qualquer modo, visto que se assim agir, poderá desmoronar

e banalizar o instituto da coisa julgada, ofendendo o princípio da segurança jurídica, calcado na

Constituição Federal como cláusula pétrea.

Assim, pode-se afirmar que nem todas as decisões transitadas em julgado

podem ser relativizadas, sob pena de ocorrer sua desconsideração, como adverte Marinoni, “(...)

a falta de critérios seguros e racionais para a relativização da coisa julgada material pode, na

verdade, conduzir à sua desconsideração, estabelecendo um estado de grande incerteza e

injustiça. Essa desconsideração geraria uma situação insustentável”. O posicionamento daquela

doutrina que anseia por alterações legislativas, no sentido de admitir mais uma hipótese de coisa

julgada secundum eventum probationis, caso em que não se estaria tratando de relativizar o

instituto da coisa julgada de lege lata, mas, de lege ferenda, de forma a legalizar o instituto

São consistentes os argumentos de Ovídio Baptista, pois, sabe-se que a coisa

julgada é instituto ligado ao Estado de Direito e não tem nada a ver com a justiça da decisão

esperada pelos jurisdicionados. A justiça buscada no judiciário é falível uma vez que é humana.

A posição prevalente é ligada à idéia de que o Direito e a norma do caso concreto ditada pelo

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Judiciário são válidos porque foram declarados pelo Estado Soberano e, não porque é justo.

Claro é que se ponderam os ideais de segurança e Justiça, de maneira a conciliá-los e

demonstrar sua importância no alcance das metas constitucionais.

Deve-se observar, no entanto, que não se prega as perpetuações de injustiças e

sim, que a relativização não pode ser feita de qualquer forma, pois se assim fosse restaria

afetado a estrutura da coisa julgada, protetora do princípio da segurança jurídica que dá

sustentação ao Estado Democrático de Direito.

O Ministro do STJ, Jose Delgado, hoje aposentado, ao defender a tese de

mitigação da res judicata , trata do tema de forma esmerada e proficiente de onde destaco

alguns trechos : “podem ser consideradas como sentenças injustas ofensivas aos princípios da

legalidade e da moralidade e atentatórias a constituição por exemplo as seguintes:(...)a ofensiva

a soberania estatal; a violadora dos princípios guardadores da dignidade humana ;(...);que

obrigue alguém a fazer alguma coisa ou deixar de fazer de modo contrario à lei”

E complementa citando em seu artigo, numa visão panorâmica de vários

doutrinadores que : “A busca da verdade há de se confundir com a busca da evolução humana,

sem pejo e sem preconceitos. Não tem sentido que as decisões judiciais possam ainda fazer do

quadrado, redondo, do branco, preto. Nesse descortino, a evolução dos recursos científicos

colocados à disposição justificam a possibilidade de se rediscutir a paternidade, pois ilógica

toda uma seqüência de parentesco e sucessão com origem sujeita a questionamentos. Por outro

lado. imperativo que os registro públicos traduzam a efetividade realidade das coisas, sempre

havendo tempo e infindáveis razões para que a verdade prevaleça ou seja restabelecida

A 'coisa julgada' não pode servir para coroar o engodo e a mentira. O caráter

de imprescritibilidade e de indisponibilidade da investigatória revela-se incompatível com

qualquer restrição decorrente da coisa julgada. O interesse público, no caso, prevalece em face

do interesse particular ou da estabilidade das decisões judiciais".

Para tanto, há de se fazer ponderação de interesses com base na

proporcionalidade, posto que a coisa julgada não engessa o sistema, porém os meios para sua

desconsideração devem estar insertos expressamente e não na esfera abstrata, ou seja, há a

necessidade de legislar a questão no sistema para que haja pauta de motivação, a fim de se

evitar a insegurança jurídica.

As idéias são varias e não se pode olvidar que as posições fiquem cada vez

mais acirradas onde preleciona o Min Teori Zavascki a respeito do tema referente a coisa

julgada declarada inconstitucional pelo egrégio STF onde tomo a liberdade de colar na integra o

acórdão da 1ª turma de sua relatoria:

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“PROCESSO CIVIL. SENTENÇA INCONSTITUCIONAL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. EXEGESE

E ALCANCE DO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 741 DO CPC. INAPLICABILIDADE ÀS

SENTENÇAS SOBRE CORREÇÃO MONETÁRIA DO FGTS.

1. O parágrafo único do art. 741 do CPC, buscando solucionar específico conflito

entre os princípios da coisa julgada e da supremacia da Constituição, agregou ao

sistema de processo um mecanismo com eficácia rescisória de sentenças

inconstitucionais. Sua utilização, contudo, não tem caráter universal, sendo restrita

às sentenças fundadas em norma inconstitucional, assim consideraras as que (a)

aplicaram norma inconstitucional (1ª parte do dispositivo), ou (b) aplicaram norma

em situação tida por inconstitucional ou, ainda, (c) aplicaram norma com um sentido

tido por inconstitucional (2ª parte do dispositivo).

2. Indispensável, em qualquer caso, que a inconstitucionalidade tenha sido

reconhecida em precedente do STF, em controle concentrado ou difuso

(independentemente de resolução do Senado), mediante (a) declaração de

inconstitucionalidade com redução de texto (1ª parte do dispositivo), ou (b)

mediante declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução de texto ou,

ainda, (c) mediante interpretação conforme a Constituição (2a parte).

3. Estão fora do âmbito material dos referidos embargos, portanto, todas as

demais hipóteses de sentenças inconstitucionais, ainda que tenham decidido em

sentido diverso da orientação do STF, como, v.g, as que a) deixaram de aplicar

norma declarada constitucional (ainda que em controle concentrado), b) aplicaram

dispositivo da Constituição que o STF considerou sem auto-aplicabilidade, c)

deixaram de aplicar dispositivo da Constituição que o STF considerou auto-

aplicável, d) aplicaram preceito normativo que o STF considerou revogado ou não

recepcionado, deixando de aplicar ao caso a norma revogadora.

4. Também estão fora do alcance do parágrafo único do art. 741 do CPC as

sentenças, ainda que eivadas da inconstitucionalidade nele referida, cujo trânsito em

julgado tenha ocorrido em data anterior à da sua vigência.

5. O dispositivo, todavia, pode ser invocado para inibir o cumprimento de sentenças

executivas lato sensu, às quais tem aplicação subsidiária por força do art. 744 do

CPC.

6. À luz dessas premissas, não se comportam no âmbito normativo do art. 741,

parágrafo único, do CPC, as sentenças que tenham reconhecido o direito a

diferenças de correção monetária das contas do FGTS, contrariando o precedente do

STF a respeito (RE 226.855-7, Min. Moreira Alves, RTJ 174:916-1006). É que, para

reconhecer legítima, nos meses que indicou, a incidência da correção monetária

pelos índices aplicados pela gestora do Fundo (a Caixa Econômica Federal), o STF

não declarou a inconstitucionalidade de qualquer norma, nem mesmo mediante as

técnicas de interpretação conforme a Constituição ou sem redução de texto.

Resolveu, isto sim, uma questão de direito intertemporal (a de saber qual das normas

infraconstitucionais - a antiga ou a nova - deveria ser aplicada para calcular a

correção monetária das contas do FGTS nos citados meses) e a deliberação tomada

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se fez com base na aplicação direta de normas constitucionais, nomeadamente a que

trata da irretroatividade da lei, em garantia do direito adquirido (art. 5º, XXXVI).

7. Precedentes da 1ª Turma (REsp 720.953/SC, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, 1ª

Turma, DJ de 22.08.2005; REsp 721.808/DF, Rel. Min.

Teori Albino Zavascki, 1ª Turma, DJ de 19.09.2005).

8. Recurso especial a que se nega provimento.118” Não se deve olvidar, que a coisa julgada material é atributo indispensável ao

Estado Democrático de Direito e à efetividade do direito fundamental de acesso ao Poder

Judiciário, porem estamos diante de uma mudança de pensamentos ideológicos tendentes a

quebrar as tradicionais barreiras, modificando os marcos dimensionais que cercaram a coisa

julgada no século passado, mitigando ainda mais o seu espaço, limitando a mitigação aos casos

previstos no direito objetivo.

O direito de acesso à justiça ao cidadão não faz sentido sem lhe dar o direito

de ver seu conflito solucionado definitivamente. Em razão disso, se a definitividade inerente à

coisa julgada pode, em alguns casos, produzir situações indesejáveis ao próprio sistema, não é

correto imaginar que, por isso, ela simplesmente possa ser relativizada.

De fato, os arts. 475-L, § 1º, e 741, parágrafo único, do Código de Processo

Civil suscitam retumbantes discussões ao redor da extensão desse conceito de coisa julgada

material. Indaga-se: será que a garantia da coisa julgada goza do condão de manter o suporte

de uma execução ou de um cumprimento de sentença lastreada em lei que venha a ser

reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal como contrária à Lei Maior, que, inclusive,

implantou a res judicata? Uma resposta positiva não estaria afrontando “valores humanos,

éticos ou políticos de igual ou maior porte”119 que o da coisa julgada?

Ressalta-se por oportuno, que a idéia de se dar ao juiz o poder de balancear

um direito com a coisa julgada material elimina a essência da coisa julgada como princípio

garantidor da segurança jurídica, passando a instituir um sistema aberto. A possibilidade de

desconsideração da coisa julgada diante de determinado caso concreto certamente estimulará a

eternização dos conflitos e colaborará para o agravamento, morosidade judiciária, trilhando

assim, caminho oposto ao almejado pela doutrina processual contemporânea.

A sociedade brasileira anseia por mudanças, porém deve-se evitar abrir

exceções e conseqüentemente precedentes, com o intento de relativizar a coisa julgada a todo

custo. Nesse caso, por mais que se faça um trabalho de hermenêutica jurídica, parece que não

será correto mitigar a coisa julgada sem previsão legal que ampare essa hipótese, pois se

adotarmos esse entendimento estaríamos vulneráveis à rediscussão ad eternum do processo, o

118 REsp 825.858/MG, Rel. Min. TEORI ALBINO ZAVASCKI, 1ª Turma, julgado em 04.05.2006, DJ 15.05.2006, p. 185. 119 DINAMARCO, 2003:303

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que atenta diretamente contra o princípio constitucional da razoável duração do processo e a

insegurança das relações sociais.

Possivelmente, ao se adotar a tese da relativização, a morosidade da justiça se

agravará, já que se permitirá a reabertura de muitas demandas findas, o que poderá gerar caos

no judiciário e também nos cartórios de registro.

Em nossa justiça que leva até oito anos para ver chegar ao fim um processo de

cognição, o princípio da duração razoável do processo não se coaduna com a relativização da

coisa julgada, eis que nesses casos o processo mesmo depois de resolvido, poderá voltar ao

judiciario simplesmente sem prazo; semeando assim, incertezas, desigualdades e desequilíbrio

social, estabelecendo aos litigantes e a seus sucessores um estado de grande incerteza e

injustiça.

É possível que o futuro nos reserve uma justiça eletronicamente distribuída,

uma justiça virtual, simples, rápida e eficaz, onde bastará acessar um terminal de computador

para conhecermos o resultado final de nossas demandas, sem o sentido humano de nossa justiça,

onde teríamos de nos submeter a fria decisão de um computador, inflexível, priorizando o

principio da igualdade e impessoalidade que impedindo inclusive a argumentação será a

aplicação matemática da lei.

Duvidosa é a assertiva de que a coisa julgada se afigura como um

expediente protetor de um importante bem jurídico que lastreia o Estado de Direito, qual seja,

a segurança jurídica. Essa virtude se contrapõe ao valor Justiça, equilibrando a balança.

Pertinente a anotação de CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO, in litteris: “A função da coisa julgada tout court é a de proporcionar segurança nas

relações jurídicas, sabendo-se que a insegurança é gravíssimo fator perverso

que prejudica os negócios, o crédito, as relações familiares e, por isso, a

felicidade pessoal das pessoas ou grupos. A imutabilidade da sentença e de

seus efeitos é um dos mais importantes pesos responsáveis pelo equilíbrio

entre exigências opostas, inerente a todo sistema processual (...) entre a

garantia do contraditório, o direito à prova, os recursos etc., propiciam o

aprimoramento da qualidade dos julgamentos mediante a refletida

ponderação do juiz em torno da pretensão e dos pontos duvidosos que a

envolvem120 (...) a imutabilidade implica pôr um ponto final nos debates e

nas dúvidas, oferecendo a solução final destinada a eliminar o conflito ou, ao

menos, a extinguir os vínculos inerentes à relação processual”121

Quanto à localização do preceito da segurança jurídica na legislação, além

de possuir sede infraconstitucional, o aludido instituto é catalogado pela Constituição Federal

120 Acentuando, assim, o ingrediente de justiça que compõe o decisório. 121 DINAMARCO, 2003:296-297

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como um direito fundamental gravado com cláusula pétrea, de maneira que somente outro

poder constituinte originário deteria o condão de expungi-lo do ordenamento jurídico pátrio.

A seguir, os dispositivos atinentes ao tema: CONSTITUIÇÃO FEDERAL

Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,

garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a

inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à

propriedade, nos seguintes termos:

(...)

XXXVI – a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a

coisa julgada.

Art. 60. (...)

(...)

§ 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:

IV – os direito e garantias individuais.122

Código de Processo Civil (Lei 5.869/1973)

Art. 467. Denomina-se coisa julgada material a eficácia, que torna imutável e

indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou

extraordinário.

Art. 468. A sentença, que julgar total ou parcialmente a lide, tem força de lei

nos limites da lide e das questões decididas. (sic)123

Lei de Introdução ao Código Civil (Lei 4.657/1942)

Art. 6º A lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico

perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada.

(...)

§ 3º Chama-se coisa julgada ou caso julgado a decisão judicial de que já não

caiba recurso.124

Ademais, o CPC é expresso em determinar que o magistrado deverá

extinguir o processo sem julgamento do mérito ao se deparar com causa que já tenha sido

apreciada em outro processo anterior cujo julgamento já esteja imunizado pela garantia da

coisa julgada material, à luz do art. 267, V.

Ainda em relação à delimitação conceitual do instituto, é de bom alvitre

ressaltar que, no arranjo processual civil pátrio, é regra geral que a sentença só pode produzir

efeitos após o momento em que dela não caiba mais qualquer recurso125. Dessa forma,

122 Constituição Federal, artigo 5º, XXXVI. 123 Código de Processo Civil (Lei 5.869/1973), artigos 467 e 468 124 Lei de Introdução ao Código Civil, art. 6º, caput e § 3º. 125 Não é demais deixar claro que ai se está a falar de regra geral. É que o recurso recebido com efeito suspensivo, à obviedade,

impede a produção de efeitos da sentença recorrida antes mesmo do trânsito em julgado.

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(...)ela própria e seus efeitos ainda são mera proposta de solução de litígio

(sentenças de mérito) ou simplesmente proposta de extinção do processo

(terminativas), uma vez que ainda é possível a substituição da sentença e a

alteração do teor do julgamento, em caso de recurso interposto (...)126

É verdade, porém, que o legislador abriu exceções a esse preceito geral,

estabelecendo hipóteses em que, mesmo antes da imunização total da sentença pelo manto da

coisa julgada, já são irradiados os efeitos do julgado. Faz ilustração os casos em que é negado

efeito suspensivo ao recurso de apelação, a teor do art. 521 do Codex Processual Civil.

Dessa constatação, extrai-se a ilação de que “eficácia e imutabilidade são

conceitos distintos (Liebman)”127, eis que, conforme acima ressaltado, é possível que haja

irradiação de efeitos da sentença, sem que esta esteja imunizada pela coisa em julgado. A

coisa julgada não está acrescendo mais um efeito à sentença, e sim imunizando os que ela já

possui.

Um quadro comparativo baseado em como os ministros do STJ enfrentam a

questão pode ser de grande utilidade para delimitar os caminhos tortuosos pelos quais tem

passado a teoria de relativização, deixando uma linha vetorial de forma a demonstrar a

tendência e a resistência as possíveis mudanças.

126 DINAMARCO, 2003:295 127 DINAMARCO, 2003:296

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TRÊS ACORDÃOS

O pensamento dos membros do STJ tem divergido em todas as suas Seções,

com calorosos debates, onde destaco alguns acórdãos, na tentativa de melhor demonstrar os

prós e os contras que envolvem a pantanosa matéria, como por exemplo, no ERESP Nº 608.122 -

RJ: EMENTA

PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA (CPC, ART. 485, V). MATÉRIA

CONSTITUCIONAL. INAPLICABILIDADE DA SÚMULA 343⁄STF. EXISTÊNCIA DE

PRONUNCIAMENTO DO STF, EM CONTROLE DIFUSO, EM SENTIDO CONTRÁRIO AO

DA SENTENÇA RESCINDENDA. 1. Na interpretação do art. 485, V, do Código de Processo Civil, que prevê a

rescisão de sentença que "violar literal disposição de lei", a jurisprudência do

STJ e do STF sempre foi no sentido de que não é toda e qualquer violação à

lei que pode comprometer a coisa julgada, dando ensejo à ação rescisória,

mas apenas aquela especialmente qualificada.

2. Na esteira desse entendimento, editou-se a Súmula 343⁄STF, segundo a

qual "Não cabe ação rescisória por ofensa a literal dispositivo de lei, quando

a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação

controvertida nos tribunais".

3. Ocorre, porém, que a lei constitucional não é uma lei qualquer, mas a lei

fundamental do sistema, na qual todas as demais assentam suas bases de

validade e de legitimidade, e cuja guarda é a missão primeira do órgão

máximo do Poder Judiciário, o Supremo Tribunal Federal (CF, art. 102).

4. Por essa razão, a jurisprudência do STF emprega tratamento diferenciado à

violação da lei comum em relação à da norma constitucional, deixando de

aplicar, relativamente a esta, o enunciado de sua Súmula 343, à consideração

de que, em matéria constitucional, não há que se cogitar de interpretação

apenas razoável, mas sim de interpretação juridicamente correta.

5. Essa, portanto, a orientação a ser seguida nos casos de ação rescisória

fundada no art. 485, V, do CPC: em se tratando de norma infraconstitucional,

não se considera existente "violação a literal disposição de lei", e, portanto,

não se admite ação rescisória, quando "a decisão rescindenda se tiver

baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais" (Súmula

343). Todavia, esse enunciado não se aplica quando se trata de "texto"

constitucional.

6. A orientação revela duas preocupações fundamentais da Corte Suprema: a

primeira, a de preservar, em qualquer circunstância, a supremacia da

Constituição e a sua aplicação uniforme a todos os destinatários; a segunda, a

de preservar a sua autoridade de guardião da Constituição. Esses os valores

dos quais deve se lançar mão para solucionar os problemas atinentes à

rescisão de julgados em matéria constitucional.

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7. Assim sendo, concorre decisivamente para um tratamento diferenciado do

que seja "literal violação" a existência de precedente do STF, guardião da

Constituição. Ele é que justifica, nas ações rescisórias, a substituição do

parâmetro negativo da Súmula 343 por um parâmetro positivo, segundo o

qual há violação à Constituição na sentença que, em matéria constitucional é

contrária a pronunciamento do STF. Precedente da 1ª Seção: EREsp

391594⁄DF, Min. José Delgado, DJ de 30.05.2005.

8. No caso dos autos, a existência de precedente do STF, ainda que em

controle difuso (RE 150.755-1-PE, relatado pelo Ministro Sepúlveda

Pertence), reconhecendo a constitucionalidade do art. 28 da Lei 7.738, de

09.03.89, relativamente às empresas 'exclusivamente prestadoras de

serviços', que anteriormente não foi aplicado sob alegação de

inconstitucionalidade, enseja o cabimento da ação rescisória.

9. Embargos de divergência providos. ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a

Egrégia Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, por maioria,

vencidos a Sra. Ministra Eliana Calmon e os Srs. Ministros Luiz Fux e Castro

Meira, conhecer dos embargos e lhes dar provimento, nos termos do voto do

Sr. Ministro Relator. A Sra. Ministra Denise Arruda e os Srs. Ministros João

Otávio de Noronha e Francisco Falcão (voto de desempate) votaram com o

Sr. Ministro Relator.

Sustentou a embargante que deveriam ser rescindidas as sentenças que

declarassem a inconstitucionalidade de lei posteriormente considerada constitucional pelo

STF, ainda que houvessem controvérsias sobre o tema, à época da prolação da decisão

rescindenda.

No seu voto o ministro Teori assim se manifestou: EXMO. SR. MINISTRO TEORI ALBINO ZAVASCKI(Relator):

1. É de se conhecer dos embargos de divergência ante a existência de teses

jurídicas antagônicas acerca do tema versado no presente recurso. Com

efeito, os acórdãos confrontados baseiam-se em situações semelhantes. Em

ambos, discute-se a aplicabilidade da Súmula 343⁄STF nas ações rescisórias

que visam à desconstituição de acórdão que considerou indevida a majoração

de alíquotas do Finsocial relativamente às empresas prestadoras de serviços.

No acórdão embargado, consta que: "se a interpretação do Tribunal

recorrido, quanto a dispositivo infraconstitucional, é contrária à

jurisprudência sumulada na instância extraordinária, descabe ação rescisória

por ofensa a literal disposição de lei, porque não ocorrida declaração de

inconstitucionalidade das normas em exame pelo STF - Aplicação das

Súmulas 343⁄STF e 134⁄TFR" . No paradigma indicado, decidiu-se pela

inaplicabilidade da referida Súmula 343, ao argumento de que "a ação

rescisória (art. 485, V, CPC) é via adequada para desconstituir decisão

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trânsita em julgado que, em desacordo com pronunciamento do Supremo

Tribunal Federal, deixa de aplicar uma lei por considerá-la inconstitucional

ou a aplica por tê-la como de acordo com a Carta Magna". Configurada a

divergência, conheço dos embargos.

2. Na interpretação do art. 485, V, do Código de Processo Civil, que prevê a

rescisão de sentença que "violar literal disposição de lei", a jurisprudência do

Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal sempre foi no

sentido de que não é toda e qualquer violação à lei que pode comprometer a

coisa julgada, dando ensejo à ação rescisória. Consagrou-se o entendimento

segundo o qual não constitui violação literal da lei, para esse efeito, a que

decorre de sua interpretação razoável, de um de seus sentidos possíveis, se

mais de um for admitido. Não fosse assim, a ação rescisória teria, na prática,

simplesmente as feições de um novo recurso ordinário, com prazo dilatado

(RESP 9.086⁄SP, 6ª Turma, Min. Adhemar Maciel, DJ de 05.08.1996). A

ofensa, portanto, tem de ser especialmente qualificada. "A ação rescisória

não deve ser concebida como mero instrumento voltado, eminentemente, a

cercear interpretações construtivas da norma legal, pela jurisprudência, ao

argumento de que tais interpretações sempre configurariam violação a

disposição literal, como se a ordem jurídica brasileira estivesse formalmente

comprometida com a tendência formalista ou mecanicista de revelação do

direito concreto" (RESP 40⁄SP, 4ª Turma, Min. Bueno de Souza, DJ de

03.02.1992). No STF, sempre houve a tendência de qualificar a ofensa à lei,

ensejadora da rescisória, com forte adjetivação: é a "violação frontal e direta"

(AR 1.198⁄DF, Pleno, Min, Djaci Falcão, DJ de 17.06.1988), "é a que

envolve contrariedade estridente ao dispositivo, e não a interpretação

razoável ou a que diverge de outra interpretação, sem negar o que o

legislador consentiu ou consentir no que ele negou" (AR 754⁄GB, Pleno,

Min. Aliomar Baleeiro, DJ de 27.09.1974). Nessa linha, é fácil compreender

o sentido da sua Súmula 343: "Não cabe ação rescisória por ofensa a literal

dispositivo de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto

legal de interpretação controvertida nos tribunais". Trata-se de fórmula para

fixar um critério objetivo apto a identificar um pressuposto negativo do

fenômeno: o que não é violação literal. Se medra nos tribunais entendimento

divergente sobre o mesmo preceito normativo, é porque ele comporta mais

de uma interpretação, a significar que não se pode qualificar uma delas como

frontal ou gritantemente ofensiva ao teor literal da norma interpretada.

Ocorre, porém, que a lei constitucional — incluída, de acordo com a mais

autorizada doutrina, no conceito de "lei" posto no art. 485, V, do CPC — não

é uma lei qualquer. Ela é a lei fundamental do sistema, na qual todas as

demais assentam suas bases de validade e de legitimidade, seja formal, seja

material. Enfim, a Constituição é a lei suprema, a que está colocada no ápice

do sistema normativo, e sua guarda constitui condição essencial à

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preservação do Estado de Direito. Não é por outra razão que, além dos

mecanismos ordinários para tutelar a observância dos preceitos normativos

comuns, as normas constitucionais têm seu cumprimento fiscalizado e

garantido também por instrumentos especiais e próprios, tais como a ação

direta de inconstitucionalidade, a ação declaratória de constitucionalidade, a

ação de inconstitucionalidade por omissão, a ação de descumprimento de

preceito fundamental, o mandado de injunção, o incidente de

inconstitucionalidade nos Tribunais e a suspensão pelo Senado da execução

da lei declarada inconstitucional. Mais ainda: a "guarda da Constituição",

além de constituir dever jurado de todos os juízes, foi atribuída por missão

primeira, mais relevante, a ser desempenhada "precipuamente", ao órgão

máximo do Poder Judiciário, o Supremo Tribunal Federal (CF, art. 102).

Compreende-se, nesse contexto, por que a jurisprudência do Supremo

Tribunal Federal emprega tratamento diferenciado à violação da lei comum

em relação à da norma constitucional, sendo, por assim dizer, mais tolerante

com aquela do que com esta. Assim, na vigência da Constituição de 1969,

quando lhe competia julgar recursos extraordinários em matéria

infraconstitucional (art. 119, III, a), o STF não admitia tais recursos se o

acórdão recorrido tivesse dado interpretação razoável à lei, "embora não a

melhor" (Súmula 400), a não ser que a "lei" em questão fosse a lei

constitucional. Relativamente a esta, não se aplicava o enunciado da Súmula

400, porque, segundo a própria Suprema Corte, "em matéria constitucional

não há que se cogitar de interpretação razoável. A exegese de preceito

inscrito na Constituição da República, muito mais do que simplesmente

razoável, há de ser juridicamente correta" (AGRAG 145.680⁄SP, 1ª Turma,

Min. Celso de Mello, DJ de 30.04.1993).

Essa, portanto, a orientação a ser seguida nos casos de ação rescisória

fundada no art. 485, V, do CPC: em se tratando de norma infraconstitucional,

não se considera existente "violação a literal disposição de lei", e, portanto,

não se admite ação rescisória, quando "a decisão rescindenda se tiver

baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais" (Súmula

343). Todavia, esse enunciado não se aplica quando se trata de "texto"

constitucional: relativamente a este, é cabível ação rescisória mesmo que a

seu respeito haja controvérsia interpretativa no Tribunais. As razões

fundantes do tratamento diferenciado, segundo é possível colher da

jurisprudência do STF, são, essencialmente, a da "supremacia jurídica" da

Constituição, cuja interpretação "não pode ficar sujeita à perplexidade", e a

especial gravidade de que se reveste o descumprimento das normas

constitucionais, mormente o "vício" da inconstitucionalidade das leis.

O exame desta orientação em face das súmulas revela duas preocupações

fundamentais da Corte Suprema: a primeira, a de preservar, em qualquer

circunstância, a supremacia da Constituição e a sua aplicação uniforme a

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todos os destinatários; a segunda, a de preservar a sua autoridade de guardião

da Constituição, de órgão com legitimidade constitucional para dar a palavra

definitiva em temas relacionados com a interpretação e a aplicação da Carta

Magna. Supremacia da norma constitucional, tratamento igualitário e

autoridade do STF são valores associados, entre os quais há relação de meio

e fim, dos quais deve se lançar mão para solucionar os problemas atinentes à

rescisão de julgados em matéria constitucional.

Com efeito, a tese da inaplicabilidade da Súmula 343, isoladamente

considerada, não representa universal panacéia nem tem, por si só, a

propriedade de justificar e resolver todas as questões teóricas e práticas

decorrentes da coisa julgada na seara constitucional. Imagine-se a hipótese de

ação rescisória envolvendo tema constitucional controvertido nos tribunais,

sem que a respeito dele tenha havido pronunciamento do STF. Permitir, em

casos tais, que um tribunal local possa, sem mais e em qualquer

circunstância, rescindir a sentença significaria transformar a ação rescisória

em simples recurso ordinário, com prazo de dois anos, sem nenhuma

segurança de ganho para a guarda da Constituição. Seria, simplesmente,

alimentar ainda mais a controvérsia, com a desvantagem adicional de ensejar

sentenças em rescisória incompatíveis com futuro pronunciamento da Corte

Suprema.

Bem se vê, portanto, que em situações desse jaez fica difícil contestar, ainda

que se trate de questão constitucional, o sentido lógico e prático da Súmula

343. O que se quer afirmar, por isso mesmo, é que, em se tratando de ação

rescisória em matéria constitucional, concorre decisivamente para um

tratamento diferenciado do que seja "literal violação" a existência de

precedente do STF, guardião da Constituição. Ele, associado aos princípios

da supremacia da Constituição e da igualdade perante a lei, é que justifica,

nas ações rescisórias, a substituição do parâmetro negativo da Súmula 343

(negativo porquanto indica que, sendo controvertida a matéria nos tribunais,

não há violação literal a preceito normativo a ensejar rescisão) por um

parâmetro positivo, segundo o qual há violação à Constituição na sentença

que, em matéria constitucional é contrária a pronunciamento do STF.

Em se tratando de controle concentrado, as decisões de mérito aí proferidas

têm como resultado, conforme seja o caso, (a) exclusão, do ordenamento

jurídico, da norma declarada inconstitucional, ou (b) a sua manutenção, se

reconhecida a sua constitucionalidade. Em qualquer caso, a decisão tem

eficácia erga omnes e efeito vinculante. Disso resulta que as situações

jurídicas individuais formadas em sentido contrário terão de se ajustar ao

referido comando superior. E, em se tratando de situação individual

proveniente de sentença transitada em julgado, a via para efetuar o seu

ajustamento é a da ação rescisória. Atendidos os demais pressupostos de

admissibilidade da ação, nomeadamente o da sua tempestividade, a eficácia

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erga omnes, e vinculativa da decisão em controle concentrado traz por

conseqüência não apenas o cabimento, sob tal aspecto, da rescisória (juízo

de admissibilidade), mas também a procedência do pedido de rescisão (juízo

rescindente) das sentenças a ela contrárias. Da mesma forma, em novo

julgamento da causa (juízo rescisório), cumprirá ao órgão julgador dar ao

caso concreto a solução compatível com a decisão tomada em controle

concentrado. Pouco importa, para esses efeitos, que o pronunciamento do

Supremo, na ação de controle concentrado, tenha surgido após o trânsito em

julgado da sentença rescindenda. É que a declaração de

inconstitucionalidade e o reconhecimento da constitucionalidade de um

preceito normativo tem eficácia ex tunc, alcançando, portanto, todas as

situações jurídicas anteriores.

A segunda situação possível é a de sentença contrária a precedente do STF

firmado no exame de caso concreto. O STF é o guardião da Constituição. Ele

é órgão autorizado pela própria Constituição a dar a palavra final em temas

constitucionais. A Constituição, destarte, é o que o STF diz que ela é.

Eventuais controvérsias interpretativas perante outros tribunais perdem,

institucionalmente, toda e qualquer relevância perante o pronunciamento da

Corte Suprema. Contrariar o precedente tem o mesmo significado, o mesmo

alcance, em termos pragmáticos, que o de violar a Constituição. A existência

de pronunciamento do Supremo sobre matéria constitucional acarreta, no

âmbito interno dos demais tribunais, a dispensabilidade da instalação do

incidente de declaração de inconstitucionalidade (CPC, art. 481, parágrafo

único), de modo que os órgãos fracionários ficam, desde logo, submetidos,

em suas decisões, à orientação traçada pelo STF. É nessa perspectiva, pois,

que se deve aquilatar o peso institucional dos pronunciamentos do Supremo

Tribunal Federal, mesmo em controle difuso. Nisso reside a justificação para

se deixar de aplicar, na seara constitucional, o parâmetro negativo da Súmula

343, substituindo-se pelo parâmetro positivo da autoridade do precedente. E

a conseqüência prática disso é que, independentemente de haver divergência

jurisprudencial sobre o tema, o enunciado da Súmula 343 não será empecilho

ao cabimento da ação rescisória (juízo de admissibilidade). Mais que cabível,

é procedente, por violar a Constituição, o pedido de rescisão da sentença

(juízo rescindente), sendo que o o novo julgamento da causa (juízo

rescisório), como corolário lógico e necessário, terá de se ajustar ao

pronunciamento da Corte Suprema. Aqui também não tem relevância prática

a investigação em torno da precedência ou não da decisão do STF sobre a

sentença rescindenda, já que, ao julgar a rescisória, não está se executando o

acórdão proferido em controle difuso. O que se faz é acolher a orientação

nele adotada pelo Supremo, cuja autoridade não decorre da circunstância de

ser anterior à sentença rescindenda, mas de se tratar de pronunciamento do

guardião da Constituição, o que, por si só, determina seja acolhido em

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qualquer futuro julgamento, inclusive nos de ações rescisórias. Pela mesma

razão, não vem ao caso saber se a norma eventualmente tida por

inconstitucional pelo precedente do Supremo teve ou não sua execução

suspensa pelo Senado. Se foi suspensa, haverá aí apenas uma razão a mais

para acolher o precedente do STF, já que a suspensão pelo Senado tem para

acolher o precedente do STF, já que a suspensão pelo Senado tem eficácia

erga omnes e, segundo orientação predominante, ex tunc.

3.No caso dos autos, a existência de precedente do STF, ainda que em

controle difuso, declarando constitucional lei que anteriormente não foi

aplicada sob alegação de inconstitucionalidade, importa o cabimento da ação

rescisória. Neste sentido, é a orientação consagrada pela 1ª Seção, no

julgamento do EREsp 391594⁄DF, Min. José Delgado, DJ de 30.05.2005,

(omissis)

3.Pelas razões expostas, dou provimento aos embargos de divergência, para,

reconhecendo o cabimento da ação rescisória, determinar o retorno dos autos

ao Tribunal de origem para julgamento do mérito. É o voto.

O Exmo Sr.Min Luiz Fux abriu a divergência nos termos de seu VOTO-VISTA

do qual transcrevo alguns trechos, eliminando algumas repetições já inseridas no relatório e

voto anteriores: O EXMO. SR. MINISTRO LUIZ FUX: Consoante externado pelo e. Relator do

presente feito:

"Trata-se de embargos de divergência (fls. 198⁄213) contra acórdão da 2.ª

Turma desta Corte

(...):

Sustenta a embargante que devem ser rescindidas as sentenças que declarem

a inconstitucionalidade de lei posteriormente considerada constitucional pelo

STF, ainda que haja controvérsia sobre o tema, à época da prolação da

decisão rescindenda. A embargante colaciona como paradigma o aresto

proferido pela 1.ª Turma, no julgamento do REsp 390932⁄DF, Min. José

Delgado, (...):

(...)

Devidamente intimada a embargada não apresentou impugnação dentro do

prazo legal.

Por parecer de fls. 232⁄236, o Ministério Público Federal opina pelo não

provimento do recurso.

É o relatório."

A síntese do voto do e. Relator é o que se extrai da seguinte ementa:

(....)

9. Embargos de divergência providos."

Concessa venia, divirjo da tese assentada.

Como de sabença, as hipóteses de cabimento da ação rescisória são taxativas

e devem ser comprovadas em homenagem ao princípio da segurança jurídica.

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O enunciado sumular n.º 343⁄STF, expressão jurisprudencial da importância

que o ordenamento jurídico brasileiro confere à imutabilidade da coisa

julgada, assim dispõe:

"Súmula 343 - Não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei,

quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de

interpretação controvertida nos tribunais"

Com efeito, colhe-se do supra transcrito verbete que seu escopo é ressaltar

que a interpretação da lei, ainda que em sentido contrário ao posicionamento

jurisprudencial dominante, não resulta, necessariamente, em violação da

mesma.

É justamente enfatizando essa premissa que o referido enunciado acresce o

plus de explicitar que a necessidade de interpretação deflui da eventual

controvérsia que possa haver acerca de determinado dispositivo.

Assim, empreender a exegese de que, se a matéria é pacífica na

jurisprudência, cessa a interpretação, e não segui-la implica em

rescindibilidade do julgado, significa criar, sem obediência à legalidade,

nova causa petendi, qual a da "violação da jurisprudência dominante".

A força da jurisprudência é servil ao cabimento de recursos para os Tribunais

Superiores, bem como para obstar a admissibilidade dos mesmos por ato

isolado do Relator; mas não tem o condão de, lege data, ensenjar o cabimento

da Ação Rescisória.

Insta observar a exceção, apontada pelo Pretório Excelso e reconhecida em

julgados desta Corte Superior, segundo a qual deve ser afastada a aplicação

da Súmula n.º 343⁄STF quando a questão, ainda que controvertida nos

Tribunais, verse acerca de matéria de índole constitucional.

Ocorre, porém, que referido entendimento, consoante o já decidido neste

Sodalício, há de ser aplicado com reservas, sob pena de se estar atentando

contra a segurança jurídica ao se permitir infirmar a coisa julgada sempre que

determinada questão for posta a apreciação do Supremo Tribunal Federal, o

que em última análise é a pretensão da Fazenda Nacional, ora embargante.

Prevalece nesta Corte de Justiça o entendimento de que, em hipóteses

análogas a que se afigura, somente se revela admissível a ação rescisória,

afastando-se a a aplicação da Súmula n.º 343⁄STF, quando o Supremo

Tribunal Federal vier a declarar, em sede de controle concentrado, a

inconstitucionalidade do dispositivo apreciado pelo decisum rescindendo, ou

ainda, quando a lei declarada inconstitucional no controle difuso tiver sua

eficácia suspensa pelo Senado Federal, quando então passa a operar efeitos

erga omnes.

Assim é que, in casu, a existência de precedente do Pretório Excelso, exarado

em sede de controle difuso (RE n.º 150.755-1⁄PE, Rel. Min. Sepúlveda

Pertence), com efeito inter partes, reconhecendo a constitucionalidade do art.

28 da Lei n.º 7.738⁄89, no que se refere às empresas 'exclusivamente

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prestadoras de serviços', não se revela, por si só, fundamente suficiente à

rescisão do julgado.

Isto porque, o acórdão rescindendo não aplicou lei inconstitucional (hipótese

em que a jurisprudência desta Corte tem considerado cabível o ajuizamento

da ação rescisória), mas, em verdade, valendo-se de fundamentos de ordem

constitucional, deixou de aplicar ao caso em espécie lei ordinária que, a

posteriori, veio a ser considerada constitucional por mudança de orientação

jurisprudencial.

Oportuno destacar, no que pertine ao cabimento ou não da ação rescisória,

lição do i. Professor Humberto Theodoro Júnior acerca da necessária

distinção entre o julgado que empresta eficácia à norma inconstitucional e

aquele outro que, sob fundamento de índole constitucional, deixa de aplicar

lei ordinária:

"Quando um julgado aplica lei inconstitucional, a ofensa é cometida

diretamente contra a Constituição. A lei aplicada, sendo absolutamente nula,

contamina de igual ineficácia também a sentença que lhe pretenda

reconhecer validade. No caso, porém, de não aplicação da lei ordinária, por

alegado motivo de ordem constitucional que mais tarde vem a ser afastado

por mudança de orientação jurisprudencial, a ofensa que poderia ser divisada

não é à Constituição, mas sim à lei ordinária a que a sentença não reconheceu

eficácia. Não de pode 'data venia', dizer que, na não aplicação da norma

infraconstitucional, tenha-se configurado uma negativa de vigência da norma

constitucional, para declarar-se a própria sentença inconstitucional e, ipso

facto, nula." (In "A Coisa Julgada Inconstitucional e os Instrumentos

Processuais para seu Controle", Revista Ibero-Americana de Direito Público

- RIADP, vol. III, ano 3, 1.º trimestre de 2001, p. 093).

Destarte, não tendo o acórdão rescindendo violado qualquer dispositivo

constitucional, a ofensa, acaso existente, seria da norma infraconstitucional a

que a decisão que se pretende rescindir negou eficácia, razão pela qual

inexistente qualquer óbice à integral aplicação do enunciado sumular n.º

343⁄STF à hipótese vertente.

Neste sentido, à guisa de exemplo, faz-se oportuna a colação das ementas dos

seguintes julgados desta Corte Superior: (AgRg na AR n.º 2.933⁄PR, Primeira

Seção, Rel. Min. Castro Meira, DJU de 07⁄06⁄2004),(...)(AgRg na AR n.º

2.385⁄CE, Primeira Seção, Rel. Min. Laurita Vaz, DJU de

19⁄05⁄2003)(…),(AgRg no AG n.º 461.196⁄DF, Primeira Turma, deste

Relator, DJU de 02⁄12⁄2002)

Ex positis, divergindo do e. Relator, NEGO PROVIMENTO aos presentes

embargos de divergência.

É como voto.

O ministro Castro Meira e a ministra Eliana Calmon se manifestam em

apoio a esta interpretação sem muitas delongas:

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VOTO

EXMO. SR. MINISTRO CASTRO MEIRA(Relator): Sr. Presidente, peço vênia ao

Sr. Ministro Teori Albino Zavascki para acompanhar a manifestação do Sr.

Ministro Luiz Fux.

Ante o exposto, nego provimento aos embargos de divergência.

É como voto. VOTO

A EXMA. SRA. MINISTRA ELIANA CALMON (Relator): Sr. Presidente,

acompanho o voto do Sr. Ministro Luiz Fux e nego provimento aos embargos

de divergência.

Em oposição aos três votos anteriormente proferidos O EXMO. SR. MINISTRO JOÃO

OTÁVIO DE NORONHA em seu voto-vista reforça o pensamento do relator colacionando alguns

apotegmas bastante interessantes que transcrevo: A questão cinge-se ao cabimento de ação rescisória nos casos em que o

decisum rescindendo tenha deixado de aplicar determinado dispositivo de lei

por considerá-lo inconstitucional, sobrevindo decisão do Supremo Tribunal

Federal atestando sua constitucionalidade.

Em sua manifestação, o Ministro Teori Albino Zavascki, relator do presente

recurso, após brilhantes considerações acerca do tema em debate, assim

concluiu seu voto:

(...)

3.Pela razões expostas, dou provimento aos embargos de divergência para,

reconhecendo o cabimento da ação rescisória, determinar o retorno dos autos

ao Tribunal de origem para julgamento do mérito. É o voto."

O Ministro Luiz Fux inaugurou a divergência em circunstanciado voto, do

qual reproduzo a parte em que se cristaliza o dissenso:

(...).

Peço vênia ao eminente Ministro Luiz Fux para divergir de suas

considerações, porquanto tenho entendido, na linha do voto do relator,

Ministro Teori Albino Zavascki, que é perfeitamente cabível a ação

rescisória nos casos em que o decisum rescindendo tenha deixado de aplicar

determinado dispositivo de lei por considerá-lo inconstitucional, sobrevindo

decisão do STF atestando sua constitucionalidade.

A hipótese em questão, quero crer, não se subsume ao enunciado da Súmula

n. 343⁄STF, na medida em que retrata inequívoca negativa de vigência à lei

federal, conduta que há de ser tida como bem mais nociva ao direito do que,

propriamente, a contrariedade à norma jurídica.

Se é certo – como assevera BARBOSA MOREIRA in Comentários ao

Código de Processo, vol. V, Ed. Forense, 11ª edição, 2003, pgs. 131⁄132 –

que "decisão que se afaste da jurisprudência não terá de ser vista, só por isso,

como necessariamente violadora da lei, ainda que o entendimento adotado

divirja de proposição constante de Súmula", outrossim, não se me afigura

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menos correto concluir que, uma vez pacificada nos Tribunais Superiores a

interpretação de determinada norma jurídica, eventual divergência havida no

âmbito dos tribunais de instância inferior não pode ter o condão de obstar a

rescisória. É por isso que o festejado processualista observa que "deve

receber-se com ressalvas a tese" assentada na jurisprudência "da Corte

Suprema que fica preexcluída a rescisão quando seja 'de interpretação

controvertida nos tribunais' a norma supostamente violada pela decisão

rescindenda, a menos que se trate de texto constitucional".

Sobre o tema, confira-se o magistério de Tereza Arruda Alvim Wambier e

José Miguel Garcia Medina, in verbis:

"Paralelamente à hipótese examinada no item precedente, pode-se cogitar de

decisão que não tenha aplicado determinado texto legal por considerá-lo

inconstitucional. Posteriormente, sobreviria decisão do STF, considerando o

dispositivo legal que não foi aplicado como sendo constitucional.

Caberia ação rescisória para desconstituir a coisa julgada que se operou no

processo em que se deixou de aplicar certo texto legal por ter sido

considerado inconstitucional?

A resposta, em nosso sentir, não pode deixar de ser positiva.

Tem-se, nesse caso, verdadeira negativa de vigência à lei federal, que, como

se sabe, é mais do que mera contrariedade à lei. Não aplicar a lei é, na

verdade, a forma mais violenta de se a violar.

Que não se alegue dever ser aplicado o já mencionado enunciado da súmula

343, pois, em nosso sentir, trata-se de regra que não se compatibiliza com a

Constituição Federal, como já sustentou um dos autores deste ensaio, em

trabalho anteriormente publicado" (O Dogma da Coisa Julgada. Hipóteses de

Relativização, Ed. RT, 2003, pág. 54⁄55).

Trago à baila, a título de esclarecimento, para uma melhor compreensão da

questão, o trecho do voto do Ministro Moreira Alves proferido no RE n.

89.108⁄GO, DJ de 19.12.80 e reiterado no AI-AgR n. 305.592⁄RS, DJ de

6.4.2001, no tocante ao tema, pela sua clareza ao apontar a relevância que se

deve ter em conta da grande diferença de enfoque que há entre as duas

situações – infraconstitucional e constitucional – quando se tratar de ação

rescisória:

"E não há que invocar-se, no caso, o disposto na súmula 343 ('Não cabe ação

rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda

se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais'),

uma vez que ela deflui de julgados que dizem respeito, apenas, a leis

ordinárias. E, por se tratar de súmula, está ela vinculada ao âmbito dos

julgados de que é síntese, não podendo - como poderia se se tratasse de

preceito legal - extravasar dele por via de interpretação extensiva. Aliás,

ainda quando fosse isso possível, não me animaria a essa extensão, pois

entendo que a súmula 343 nada mais é do que a repercussão, na esfera da

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ação rescisória, da súmula 400 - que não se aplica a texto constitucional - no

âmbito do recurso extraordinário. Como se infere do artigo 119, III, 'a' da

Emenda Constitucional n.º 1⁄69, o correspondente, no plano constitucional, à

negativa de vigência de lei é a contrariedade à Constituição; e, em assim

sendo, se a legislação ordinária (no caso, o Código de Processo Civil) se

limita a aludir como pressuposto da rescisória a violação literal de disposição

de lei, impõe-se que se distinga a lei ordinária (para a qual é necessária a

negativa de vigência) e a lei constitucional (para a qual basta a

contrariedade)."

Releva notar que a jurisprudência da Suprema Corte, adotando entendimento

amplo, não faz a distinção apontada pelo Ministro Luiz Fux acerca do

controle concentrado ou difuso de constitucionalidade das leis.

Deste Superior Tribunal de Justiça, fazendo menção ao REsp n. 122.477⁄DF,

relator p⁄o acórdão Ministro Ari Pargendler, DJ de 2.3.1998, destaco um

precedente específico relativo à matéria em debate: "PROCESSUAL CIVIL - RECURSO ESPECIAL - AÇÃO RESCISÓRIA - VIOLAÇÃO

LITERAL A DISPOSIÇÃO LEGAL - INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL

CONTROVERTIDA - SÚMULA 343⁄STF - INAPLICABILIDADE - FINSOCIAL -

MAJORAÇÃO DE ALÍQUOTAS - EMPRESA PRESTADORA DE SERVIÇOS.

1. A Súmula 343⁄STF não se aplica quando se trata de inconstitucionalidade

de texto legal.

2. O precedente do RE 150.764-1⁄PE, somente é aplicável às empresas

comerciais e mistas, não àquelas, exclusivamente, prestadoras de serviços. É

que o STF declarou a constitucionalidade do art. 28 da Lei 7.738⁄89, bem

como das majorações das alíquotas relativas ao FINSOCIAL devido por tais

empresas.

3. Expõe-se à rescisão, por violação literal de disposição legal, acórdão que

declara a inconstitucionalidade de dispositivo que, posteriormente, o STF

veio a ter como constitucional (CPC; art. 485, V).

4. Recurso provido" (REsp n. 445.594⁄DF, relator Ministro Humberto Gomes

de Barros, DJ de 15.12.2003).

Ante o exposto, concessa venia dos eminentes Ministros que compartilharam

a divergência, acompanho o voto do Ministro Relator para acolher os

embargos de divergência e determinar o retorno dos autos ao Tribunal a quo

para que aprecie o mérito do recurso.

É como voto.

Também se manifestou o Exmo. Ministro Francisco Falcão, reafirmando seu

ponto de vista e trazendo mais luzes à questão em debate, desempatando como se pode aferir

em seu voto: O EXMO. SR. MINISTRO FRANCISCO FALCÃO: Os presentes embargos de

divergência foram interpostos em face do acórdão proferido pela Segunda

Turma deste STJ, assim ementado:

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"PROCESSUAL CIVIL - AÇÃO RESCISÓRIA - ART. 485 DO CPC - CABIMENTO -

SÚMULAS 343⁄STF E 134⁄TFR.

1. Se a interpretação do Tribunal recorrido, quanto a dispositivo

infraconstitucional é contrária à jurisprudência sumulada na instância

extraordinária, descabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei,

porque não ocorrida declaração de inconstitucionalidade das normas em

exame pelo STF - Aplicação das Súmulas 343⁄STF e 134⁄TFR."

A embargante trouxe como paradigma julgado da Primeira Turma desta

Corte Superior

(...)

(REsp 390.932⁄DF, Rel. Min. José Delgado).

O dissenso está definido no âmbito da súmula 343⁄STF.

No acórdão embargado está consignado que a controvérsia entre Tribunais

acerca da norma tida como ofendida somente pode ser objeto de ação

rescisória se o STF declarou a inconstitucionalidade do regramento, caso

contrário tornar-se-ia impositiva a incidência da súmula 343⁄STF:

"Não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando a

decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação

controvertida nos tribunais."

Por outro lado, no aresto paradigma se observa que restará cabível a ação

rescisória quando a controvérsia normativa envolver matéria constitucional,

seja porque o STF entende pela constitucionalidade da norma, seja por

considerar inconstitucional o regramento. Nessas hipóteses, seria inviável a

aplicação do enunciado da súmula sub examine.

O Ministro Relator votou favorável à tese do acórdão paradigma entendendo

que o óbice da súmula 343⁄STF não pode ser oposto quando se tratar de

"texto" constitucional.

Em circunstanciado voto, o Ministro Luiz Fux dissentiu do relator

explicitando que a súmula somente poderia ser afastada quando o STF vier a

declarar, em controle concentrado, a inconstitucionalidade do dispositivo

apreciado no acórdão rescindendo, ou ainda, quando a lei declarada

inconstitucional no controle difuso tiver sua eficácia suspensa pelo Senado.

O entendimento encimado foi acompanhado pelos Ministros Castro Meira e

Eliana Calmon.

O Ministro João Otávio de Noronha acompanhou o voto do Ministro Relator,

no que foi acompanhado pela Ministra Denise Arruda. Verificou-se o

empate, razão pela qual, para melhor examinar a matéria, pedi vista dos

autos.

Pedindo vênia aos judiciosos posicionamentos contrários, tenho que a súmula

343 do STF não deve ser aplicada quando a controvérsia versar sobre questão

constitucional apreciada pelo STF quer em controle difuso ou concentrado de

constitucionalidade, isso porque a aplicação do verbete, a meu juízo,

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importaria em mitigação da efetividade das normas constitucionais, o que à

toda evidencia, não é a ratio essendi da súmula 343⁄STF.

Tais as razões expendidas, acompanho integralmente o voto do Ministro

Relator para acolher os embargos de divergência.

É o voto.

A segunda seção também se pronunciou sobre a mitigação da coisa julgada,

naquilo que lhe e competente, decidindo em apertada vitória, a impossibilidade de relativizar

a coisa julgada, como podemos discernir do julgado que hora colaciono: RECURSO ESPECIAL Nº 706.987 - SP (2004⁄0169973-1)

PROCESSO CIVIL. INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. Coisa julgada decorrente

de ação anterior, ajuizada mais de trinta anos antes da nova ação, esta

reclamando a utilização de meios modernos de prova (exame de DNA) para

apurar a paternidade alegada; preservação da coisa julgada. Recurso especial

conhecido e provido. ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,

acordam os Ministros da SEGUNDA SEÇÃO do Superior Tribunal de Justiça,

prosseguindo no julgamento, após o voto de desempate do Sr. Ministro Aldir

Passarinho Junior, por maioria, conhecer do recurso especial e dar-lhe

provimento para julgar extinta a Ação de Investigação de Paternidade.

Vencidos os Srs. Ministros Jorge Scartezzini, Nancy Andrighi, Castro Filho e

Massami Uyeda. Votaram com o Sr. Ministro Relator os Srs. Ministros Cesar

Asfor Rocha, Ari Pargendler, Carlos Alberto Menezes Direito e Aldir

Passarinho Junior (voto de desempate). Lavrará o acórdão o Sr. Ministro Ari

Pargendler. Não participaram do julgamento os Srs. Ministros Fernando

Gonçalves, João Otávio de Noronha e Sidnei Beneti (art. 162, § 2º, RISTJ).

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Aldir Passarinho Junior. Embora muito tocado pela tese, o Exmo. MINISTRO HUMBERTO GOMES DE

BARROS, iniciou o julgamento, resumindo a causa em seu relatório e proferindo seu voto logo

em seguida: PAULO VICENTE CAMPOS ALEIXO E PEDRO JOSÉ CAMPOS ALEIXO ajuizaram

ação de investigação de paternidade contra VICENTE PIRES DE CAMARGO. Em decisão interlocutória, o juiz rejeitou a argüição de coisa julgada e

determinou a realização do exame de DNA. (fl. 393) Houve agravo de instrumento. O agravo foi improvido em acórdão assim ementado: "Agravo de Instrumento - Ação de investigação de paternidade - Rejeição de

preliminar de coisa julgada material - Anterior ação de investigação de

paternidade julgada improcedente, com base em prova testemunhal e pericial

- Prova pericial, pelo sistema MN, que não excluía a paternidade - Avanço da

ciência, nos últimos anos, que desvendou a cadeia do DNA humano,

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permitindo exame , para a determinação ou exclusão da paternidade

biológica, com certeza absoluta - Direito dos autores de conhecerem a

própria origem, garantido pela Constituição Federal - Direito natural e

interesse individual dos autores que se sobrepõem à coisa julgada material -

Inteligência dos arts. 1º, III, e 5º, XXXVI, da Constituição Federal; do art. 5º,

da LICC, e dos arts. 467⁄472, do Código de Processo Civil - Recurso não

provido." (fl. 483) No Recurso Especial, o recorrente queixa-se de ofensa aos Arts. 263, V e VI,

e 467, do CPC; e 6º da Lei de Introdução ao Código Civil. Também aponta

divergência jurisprudencial. Alega desrespeito à coisa julgada material, já que houve trânsito em julgado

de idêntica demanda investigatória de paternidade contra o recorrente. Contra-razões. (fls. 628⁄639). Parecer do Ministério Público Federal pelo improvimento do recurso. (fls.

716⁄723). Na sessão do dia 19⁄09⁄2006 a Terceira Turma afetou o julgamento deste

recurso à Segunda Seção. Pende recurso extraordinário, admitido. PROCESSO CIVIL. INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. AÇÃO ANTERIORMENTE

AJUIZADA JULGADA IMPROCEDENTE. SISTEMA MN. EXAME DE DNA. COISA

JULGADA. - Faz coisa julgada, imune à revisão, a sentença que, assentada em provas,

cuja segurança é inda hoje reconhecida, negou em caráter absoluto a

paternidade. VOTO

MINISTRO HUMBERTO GOMES DE BARROS (Relator): A primeira ação de

investigação de paternidade, ajuizada em 1969, foi julgada improcedente

com base em prova testemunhal e científica produzida por perito

especializado, com a realização de exames de sangue, sistemas Kell, ABO,

MN e Rh. No laudo, afirmou-se categoricamente que o autor Pedro José

Campos Aleixo não poderia ser filho do recorrente. Confira-se trecho do

referido laudo pericial transcrito na sentença: "O autor Pedro José Campos Aleixo, como se viu, apresenta o fator N e sua

mãe o fator MN e o réu o fator M...o que vem de excluir, de forma

terminante, a paternidade." (fl. 77) Com relação ao autor Paulo Vicente Aleixo, o perito sustentou que não

existia prova para se excluir a paternidade. Entretanto, afirma o juiz que os

autores são gêmeos univitelinos e "se o réu não é pai de Pedro - não poderia

sê-lo de Paulo" (fl. 78) O acórdão recorrido afastou a alegação de coisa julgada material com os

seguintes fundamentos: "Da primeira ação de investigação de paternidade, proposta no longíquo ano

de 1.969, aos dias de hoje, a ciência e a tecnologia, como de todos é sabido,

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deram um salto monumental, e os cientistas desvendaram a cadeia do DNA

humano, permitindo exame, para a determinação ou exclusão da paternidade

biológica, com certeza absoluta. Seria uma solução por demais simplista, diante da complexidade da matéria,

que não envolve só direitos constitucionais e processuais, mas, direitos

humanos naturais de cada homem conhecer a própria origem, acolher a

preliminar de coisa julgada material, suscitada pelo réu, ora agravante, e

julgar extinto o processo, sem julgamento do mérito, nos termos do art. 6º, da

LICC, dos arts. 267, V e VI, e 476 e seguintes, do CPC, e art. 5º, XXXVI, da

CF." (fl. 487⁄488) A possibilidade de reiterar-se o pedido de investigação tem como limite a

coisa julgada. De fato, quando, em ação anterior, a paternidade do

investigado não foi declarada à míngua de provas, é possível reabrir a

discussão em novo processo. A possibilidade dessa nova ação manifesta-se

quando, à época do ajuizamento da ação primitiva, o exame de DNA ainda

não era disponível e a sentença passada em julgado não afastara

peremptoriamente a paternidade. Veja-se, a propósito: "I – Não excluída expressamente a paternidade do investigado na primitiva

ação de investigação de paternidade, diante da precariedade da prova e da

ausência de indícios suficientes a caraterizar tanto a paternidade como a sua

negativa, e considerando que, quando do ajuizamento da primeira ação, o

exame pelo DNA ainda não era disponível e nem havia notoriedade a seu

respeito, admite-se o ajuizamento de ação investigatória, ainda que tenha

sido aforada uma anterior com sentença julgando improcedente o pedido. II – Nos termos da orientação da Turma, "sempre recomendável a realização

de perícia para investigação genética (HLA e DNA), porque permite ao

julgador um juízo de fortíssima probabilidade, senão de certeza" na

composição do conflito. Ademais, o progresso da ciência jurídica, em

matéria de prova, está na substituição da verdade ficta pela verdade real. III – A coisa julgada, em se tratando de ações de estado, como no caso de

investigação de paternidade, deve ser interpretada modus in rebus. Nas

palavras de respeitável e avançada doutrina, quando estudiosos hoje se

aprofundam no reestudo do instituto, na busca sobretudo da realização do

processo justo, "a coisa julgada existe como criação necessária à segurança

prática das relações jurídicas e as dificuldades que se opõem à sua ruptura se

explicam pela mesmíssima razão. Não se pode olvidar, todavia, que numa

sociedade de homens livres, a Justiça tem de estar acima da segurança,

porque sem Justiça não há liberdade". IV – Este Tribunal tem buscado, em sua jurisprudência, firmar posições que

atendam aos fins sociais do processo e às exigências do bem comum." (REsp

226.436⁄SÁLVIO).

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No caso, entretanto, a declaração de improcedência não se assentou em falta

de provas. Pelo contrário, o Tribunal, examinando as provas, declarou a

impossibilidade de o réu ser o pai dos autores. Em rigor, no antigo processo,

o réu provou a impossibilidade de ser pai dos réus. Isso é diferente da

improcedência da ação em razão da ausência de prova. No entendimento dos

julgadores, prova produzida na ação de 1969 afastou categoricamente a

paternidade do réu-recorrente. Isso porque a prova do sistema MN embora

não sirva para afirmar paternidade, permite exclui-la com absoluta segurança.

Foi o que ocorreu na ação anterior. O perito, em seu laudo, afirmou que o

autor não era filho do réu, não deixando margem à dúvida. A sentença de

improcedência efetuou declaração negativa de paternidade, considerando

provada que o réu não é pai do autor. Tal declaração somente poderia ser

enfrentada em ação rescisória. Dou provimento ao recurso especial para julgar extinta, sem exame de

mérito, a ação de investigação de paternidade (Art. 267, V, CPC). VOTO-MÉRITO

EXMO. SR. MINISTRO CESAR ASFOR ROCHA: Sr. Presidente, fiquei muito

impressionado com o memorial apresentado pelo Dr. Henrique Fagundes e,

mais ainda, com a sustentação oral feita por S. Exa., porque trouxe à colação

julgados da Quarta Turma que reforçariam a tese ora defendida por S. Exa.,

sendo um desses julgados da minha relatoria, o Recurso Especial nº

109.142⁄RS. Contudo, penso que o caso em exame é distinto daqueles precedentes,

seguramente daquele de que fui Relator e do que foi Relator o Sr. Ministro

Sálvio de Figueiredo. Naquelas hipóteses, consignou-se o que digo na ementa: "Pelo disposto nos três incisos do art. 363 do Código Civil, o filho dispõe de

três fundamentos distintos e autônomos para propor ação de investigação de

paternidade. O fato de ter sido julgado improcedente a primeira ação de

investigação de paternidade, que teve como causa de pedir a existência de

concubinato ao tempo da concepção da investigante, só por ter sido afastado

o concubinato, não impede o ajuizamento da segunda demanda, com outra

causa petendi, qual seja, a existência de rapto consensual. São dois

fundamentos diferentes, duas causas de pedir distintas e a admissibilidade do

processamento da segunda ação não importa em ofensa ao princípio da

autoridade da coisa julgada." A questão dos autos não é assim, data venia. Na hipótese em exame, o

fundamento da ação é o mesmo daquela primeira ação de que resultou a

constatação de que a paternidade alegada não existia. O que há aqui, de novo e seguramente, é o fundamento do pedido, que um

instrumento técnico novo, o exame de DNA, poderia aferir com maior grau

de certeza a existência ou não da paternidade. E o conhecimento da origem

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de uma pessoa, evidentemente, importa um direito fundamental, que deve ser

protegido, mas se confronta com um outro princípio, que é o princípio da

coisa julgada. Na verdade, se formos admitir que, a cada momento em que houver, em

qualquer ramo da atividade humana, um avanço tecnológico que se possa

aferir o que estava sendo perquirido em uma determinada demanda que não

se tenha obtido sucesso, estaríamos fragilizando esse princípio da coisa

julgada, que tem por finalidade estabelecer a segurança jurídica e pacificar as

relações sociais. Ademais, também penso que não podemos exagerar na crença desses

métodos científicos que são anunciados como verdades absolutas, porque,

muitas vezes, depois são descredenciados por outros avanços científicos. E é

muito bom que seja assim, porque é exatamente por sua insatisfação para

com as conquistas tecnológicas alcançadas que o homem se volta a novos

avanços. Com essas explicações e dando ênfase que o caso em exame não se aproxima

- ao contrário - é bem distante dos precedentes anunciados, acompanho o

douto voto do eminente Ministro Humberto Gomes de Barros, conhecendo

do recurso especial e dando-lhe provimento, com a devida vênia do eminente

Subprocurador-Geral da República, Dr. Henrique Fagundes Filho. Com posição solidamente firmada comparece EXMO. SR. MINISTRO ARI

PARGENDLER, hoje Vice-presidente daquele sodalício para dar sua contribuição nos seguintes

termos :

Sr. Presidente, data venia, em hipótese alguma admito que a coisa julgada

possa ser desconstituída, a não ser pela ação rescisória. Este é um exemplo muito eloqüente. A ação é de 1969. Admitamos que o

investigado já tivesse falecido e que os bens tivessem sido distribuídos entre

os herdeiros. Quais seriam as conseqüências se esse recurso especial fosse

denegado? Instaurar-se-ia insegurança jurídica. Imaginem revirar um, dois,

três inventários, perseguir direitos que já estão nas mãos de terceiros. Por isso, estou acompanhando o voto do eminente Relator, conhecendo do

recurso especial e dando-lhe provimento. Acompanhando o pensamento do Ministro Vice-presidente, O EXMO. SR.

MINISTRO CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO – hoje membro do Supremo Tribunal Federal- em seu

voto, espanca qualquer possibilidade de relativização que não esteja em acordo com as Leis e

a Constituição::

Senhor Presidente, para não restar nenhuma dúvida, quero sublinhar que a

minha posição, do ponto de vista teórico, é exatamente a mesma do Senhor

Ministro Ari Pargendler. Está havendo um gravíssimo equívoco com esse adiantamento de que se vai

flexibilizar a coisa julgada, o que quer dizer que se vai tirar a segurança

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jurídica, que opera diante da Constituição e das leis e, por isso, no Brasil, é

matéria constitucional, com esse objetivo que o Senhor Ministro Ari

Pargendler adiantou. No caso concreto, há um ingrediente ainda maior. O Senhor Ministro

Humberto Gomes de Barros foi extremamente preciso ao indicar que foi

realizado o exame disponível na época, ou seja, a prova foi esgotada. Se a

prova foi esgotada e a ação foi julgada improcedente em função da prova

realizada, evidentemente não há como se admitir uma nova ação para refazer

uma mesma prova por métodos diferentes, sendo o fundamento jurídico da

ação exatamente o mesmo, acrescido, ainda, de um outro aspecto, talvez mais

relevante: essa criação esbarra na realidade, que é a falibilidade do exame de

DNA. A técnica do DNA é uma coisa, a realização do exame outra

completamente diferente. A técnica pode ser perfeita, mas a realização do

exame não; se fosse, não teríamos tantos equívocos e tantas ações

indenizatórias em decorrência de exames que apresentam resultados que não

estão compatíveis com a realidade. Nessa medida, este caso é emblemático, porque vamos autorizar uma ação

com um mesmo fundamento para refazer uma prova, quando a prova

disponível já existia, na oportunidade em que correu a ação. E agregaria,

ainda, um outro, que, em matéria de investigação de paternidade - e estamos

vivenciando alguns exemplos, pelo menos na sociedade contemporânea -,

vale muito, hoje, até pela disciplina positiva, a paternidade afetiva e, uma vez

reconhecida essa paternidade, com o curso do tempo, desqualificá-la,

significa criar um empobrecimento da própria vivência familiar. Por essas razões, pedindo vênia ao eminente Professor Henrique Fagundes,

acompanho, às completas, o voto do eminente Ministro Humberto Gomes

de Barros. Conheço do recurso especial e lhe dou provimento para julgar extinta, sem

exame de mérito, a ação de investigação de paternidade. Sensível à tese, de que no Direito de Família prevalecem princípios maiores

que os da Coisa Julgada e da celeridade processual, o Exmo. Sr. Ministro JORGE SCARTEZZINI

colaciona alguns acórdãos julgados pelas turmas que compõem a Segunda Seção, no sentido

de relativizar a coisa julgada, conforme depreendemos do seu voto vista in verbis : Srs. Ministros, conforme assentado, afastada pelo d. Juízo singular, em ação

de investigação de paternidade, a objeção de coisa julgada (fls. 157),

interpôs-se agravo, improvido pelo e. Tribunal de Justiça de São Paulo

mediante v. aresto (fls. 482⁄496) assim ementado: "Agravo de instrumento - Ação de investigação de paternidade - Rejeição de

preliminar de coisa julgada material - Anterior ação de investigação de

paternidade julgada improcedente, com base em prova testemunhal e

pericial - Prova pericial, pelo sistema MN, que não excluía a paternidade -

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Avanço da ciência, nos últimos anos, que desvendou a cadeia do DNA

humano, permitindo exame, para a determinação ou exclusão da

paternidade biológica, com certeza absoluta - Direito dos autores de

conhecerem a própria origem, garantido pela Constituição Federal - Direito

natural e interesse individual dos autores que se sobrepõem à coisa julgada

material - Inteligência dos arts. 1º, III, e 5º, XXXVI, da Constituição

Federal; do art. 5º da LICC, e dos arts. 467⁄472 do Código de Processo Civil

- Recurso não provido." Oposto recurso especial (art. 105, III, "a" e "c", da CF⁄88), sob alegação de

ofensa aos arts. 6º da LICC; 263 e 467 do CPC, além de dissídio

interpretativo, foi afetado a esta c. Segunda Seção; outrossim, aos

13.12.2006, o e. Rel. Min. HUMBERTO GOMES DE BARROS deu provimento ao

recurso, determinando a extinção da ação investigatória, no que foi

acompanhado pelos e. Min. CESAR ASFOR ROCHA, ARI PARGENDLER e CARLOS

ALBERTO MENEZES DIREITO (fls. 746). Na oportunidade, tendo procedido à vista dos autos, dou curso ao

julgamento, para, desde logo, negar provimento ao Especial. Deveras,

constatadas as peculiaridades da espécie, tenho que razão assiste às instâncias

ordinárias quando do rechaço da objeção de coisa julgada material, ou, da

"eficácia, que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a

recurso ordinário ou extraordinário" (art. 467 do CPC), posição que, a meu

ver, in casu, não se ampara exclusivamente na tese da respectiva

"relativização" a qual, como cediço, não encontra franco acolhimento nesta

e. Corte Uniformizadora, notadamente ante a consideração da coisa julgada

material como corolário do princípio da segurança dos atos jurisdicionais. Aludida teoria, genericamente, refere-se a hipóteses de gritante "injustiça",

inaceitável em face de sua excessiva e incomum gravidade, bem como de

"coisa julgada inconstitucional" (locução inexata, vez que incompatível com

a Carta Magna somente poderá ser o próprio decisum jurisdicional, e não sua

imutabilidade ou de seus efeitos). A propósito de seu desenvolvimento na

doutrina e jurisprudência pátrias, lapidar a análise elaborada pelo e. OVÍDIO A.

BAPTISTA DA SILVA (Coisa Julgada Relativa?, "Revista da AJURIS", nº 94, v.

31, AJURIS, Rio Grande do Sul, 2004, pp. 214⁄), pelo que imprescindível a

transcrição dos elucidativos excertos: "3. A primeira voz, ao menos a primeira voz potente e autorizada, a defender

a revisão da 'carga imperativa da coisa julgada', foi a de JOSÉ AUGUSTO

DELGADO, ilustre magistrado de nosso Superior Tribunal de Justiça.

Segundo ele afirma, 'a coisa julgada não deve ser via para o cometimento de

injustiças' (Pontos Polêmicos das Ações de Indenização de Áreas Naturais

Protegidas, "Revista de Processo", nº 103, Revista dos Tribunais, São Paulo,

2001, p. 31).

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(...) O título dado ao estudo denuncia que sua proposta de reduzir a 'carga

imperativa da coisa julgada', antes de ser uma elucubração teórica, teve

origem em casos judiciais concretos, nascidos da experiência forense. As

linhas básicas de seu pensamento assentam-se na idéia de que a força da

coisa julgada deve pressupor a verdade, a certeza e a justiça ( p. 13). Entretanto, se não cometo engano ao interpretar seu pensamento, a palavra

'justiça' entra nessa proposição para significar aquela justiça formal

inerente a todas as sentenças, não a expressão de uma justiça material,

enquanto aspiração a ser buscada pelo julgador (...). Das premissas que resumidamente indiquei, extrai o magistrado esta

conclusão: 'O Estado, em sua dimensão ética, não protege a sentença

judicial, mesmo transitada em julgado, que bate de frente com os princípios

da moralidade e da legalidade, que espelhe única e exclusivamente vontade

pessoal do julgador e que vá de encontro à realidade dos fatos' (p. 11).

Sustentado nesses pressupostos, entende o Ministro DELGADO que os

'efeitos da sentença' que transitou em julgado 'devem prestar homenagem

absoluta aos princípios da moralidade, da legalidade, da razoabilidade, da

proporcionalidade e do justo' (p. 17). A idéia vem melhor explicada nesta proposição: 'as teorias sobre a coisa

julgada devem ser confrontadas, na época contemporânea, se a coisa

julgada ultrapassar os limites da moralidade, o círculo da legalidade,

transformar fatos não verdadeiros em reais e violar os princípios

constitucionais, com as características do pleno Estado de Direito' (p. 18). 4. A solução preconizada pelo magistrado teve rápida ressonância na

doutrina brasileira, cabendo registrar, pelo menos, duas vozes que a

secundaram, a de HUMBERTO THEODORO JÚNIOR e CÂNDIDO RANGEL

DINAMARCO. (...). Este último jurista torna explícito um pressuposto, que já

estava presente no projeto do Ministro DELGADO, ao reproduzir a doutrina

de LIEBMAN sobre coisa julgada. Diz DINAMARCO: 'a coisa julgada não tem

dimensões próprias, mas as dimensões que tiverem os efeitos da sentença'

(Relativizar a Coisa Julgada Material, "Revista de Processo", nº 109,

Revista dos Tribunais, São Paulo, 2003, p. 9). Para LIEBMAN, a coisa

julgada, além de tornar imutável o 'conteúdo' da sentença, asseguraria a

imutabilidade de seus efeitos. DINAMARCO radicalizou mais a doutrina de LIEBMAN, ao dizer que 'não

havendo efeitos substanciais suscetíveis de serem impostos, não incide a

coisa julgada' (p. 31). Pouco importa que, sobre o 'conteúdo' declaratório se

forme coisa julgada, se não houver algum efeito capaz de ser 'imunizado'.

(...). Segundo DINAMARCO, a coisa julgada não tem como finalidade 'imunizar'

a sentença como ato do processo, mas tornar imunizados 'os efeitos que ela

projeta para fora do processo' (p. 12). Embora servindo-se de argumentos

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diferentes, chega o jurista a conclusões análogas à indicadas pelo Ministro

DELGADO, quais sejam, em síntese: a) os princípios da 'razoabilidade' e da

'proporcionalidade' devem condicionar a 'imunização' dos efeitos da coisa

julgada material; b) a ofensa à 'moralidade administrativa' deve afastar a

autoridade da coisa julgada, 'quando absurdamente lesiva ao Estado'; c)

sempre que as entidades públicas sejam chamadas a pagar, nas indenizações

por expropriações imobiliárias, mais do que o 'justo valor', a coisa julgada

não terá seus efeitos 'imunizados'; d) igualmente, a ofensa à 'cidadania e

direitos do homem' deve impedir a perenização de decisões 'inaceitáveis em

detrimento dos particulares'; e) a garantia constitucional do meio ambiente

'ecologicamente equilibrado' não pode ser desconsiderada, 'mesmo em

presença de sentença passada em julgado' (pp. 22⁄23). 5. HUMBERTO THEODORO JÚNIOR, centrando seu interesse na eventualidade

de uma sentença inconstitucional, sustenta que a idéia que norteia a

admissibilidade da ação rescisória tem como fundamento o princípio de que

a segurança e a certeza almejadas pelo Direito não pode conviver com uma

decisão que contenha uma 'séria injustiça'. Daí dizer ele, inspirado em PAULO OTERO, jurista português: 'a segurança

como valora inerente à coisa julgada e, por conseguinte, o princípio de sua

intangibilidade são dotados de relatividade, mesmo porque absoluto é

apenas o direito justo' (A Coisa Julgada Inconstitucional e os Instrumentos

Processuais para seu Controle, in "Coisa Julgada Inconstitucional",

América Jurídica, Rio de Janeiro, 2002, p. 139). A partir de pressupostos

análogos aos indicados pelo Ministro DELGADO, chega HUMBERTO

THEODORO JÚNIOR à formulação do seguinte princípio: 'A decisão judicial

transitada em julgado desconforme à Constituição padece do vício de

inconstitucionalidade que, nos mais diversos ordenamentos jurídicos, lhe

impõe a 'nulidade'. Ou seja, coisa julgada inconstitucional é 'nula' e, como

tal, não se sujeita a prazos processuais ou decadenciais' (p. 154). Diz o

conhecido processualista, 'a coisa julgada inconstitucional, à vista de sua

nulidade, reveste-se de uma aparência de coisa julgada, pelo que, a rigor,

nem sequer seria necessários o uso da rescisória' (p. 155)." Ademais, infere-se da doutrina pátria que duas são as vertentes aos que

buscam diminuir o alcance da coisa julgada material, possibilitando a

reapreciação da quaestio trazida a Juízo: a) a negativa da existência da

própria res iudicata, não obstante a preclusão das vias procedimentais

passíveis de manejo para reexame da matéria no mesmo processo (cf.

orientação de CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO); b) a admissibilidade de que a

coisa julgada, a par de existir, comporta desconsideração, ou seja, a negativa

da imutabilidade do decisum meritório, conquanto reconhecida a existência

da coisa julgada material, em virtude da gravidade do vício que a macula (cf.

posição de HUMBERTO THEODORO JÚNIOR).

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Os adeptos de ambas, porém, em linhas gerais, e em menor ou maior grau,

utilizam-se dos seguintes argumentos, com vistas à possibilidade de reexame,

in concreto, de matéria acobertada pela coisa julgada, quais sejam: o fato de

que, conquanto consubstanciado o respeito à imutabilidade dos efeitos de

decisões judiciais de mérito como direito individual fundamental (art. 5º,

XXXVI, da CF⁄88), o próprio ordenamento jurídico pátrio o previu como

garantia relativa, permitindo excepcioná-la, v. g., em casos de ação rescisória

(art. 485 do CPC), de revisão criminal (art. 621 do CPP) e, recentemente, em

se cuidando de execução contra a Fazenda Pública (art. 741, II, e parágrafo

único, do CPC, com a redação da Lei nº 11.232⁄2005), verbis: "Art. 741. Na execução contra a Fazenda Pública, os embargos só poderão

versar sobre: (...) II - inexigibilidade do título; (...) Parágrafo único. Para efeito do disposto no inciso II do 'caput' deste artigo,

considera-se também inexigível o título judicial fundado em lei ou ato

normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal, ou

fundado em aplicação ou interpretação da lei ou ato normativo tidas pelo

Supremo Tribunal Federal como incompatíveis com a Constituição Federal." Ainda, em se cogitando, especificamente, da coisa julgada material como

efeito de decisões prolatadas em ações referentes ao estado de filiação,

argumenta-se quanto ao embate entre um direito individual fundamental (art.

5º, XXXVI, da CF⁄88) e um direito da personalidade, "irrenunciável,

imprescritível, indisponível, inegociável, impenhorável, personalíssimo,

indeclinável, absoluto, vitalício, indispensável, oponível contra todos,

intransmissível, constituído de manifesto interesse público e essencial ao ser

humano, genuíno princípio da dignidade da pessoa humana, elevado à

categoria de fundamento da República Federativa do Brasil (artigo 1º, III,

da CF⁄88)" (BELMIRO PEDRO WELTER, Coisa Julgada na Investigação de

Paternidade, apud SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, REsp nº 226.436⁄PR).

Neste sentido, ante o princípio da proporcionalidade, alega-se que, em

sendo o direito à filiação inerente à personalidade humana, conseqüência da

dignidade do indivíduo, e erigido a verdadeiro fundamento do Estado

brasileiro, nas ações relativas ao mesmo reputar-se-á, sempre, insuficiente a

prova de filiação não efetivada pelo exame de DNA, único, hodiernamente,

considerado efetivo à demonstração da paternidade. Por fim, aduz-se necessária a exegese legal teleológica (art. 5º da LICC: "Na

aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às

exigências do bem comum."), com vistas à harmonização do Direito, ciência

essencialmente dinâmica, com as inovações socioculturais, científicas e

tecnológicas, alcançando-se, enfim, a última ratio do próprio processo, é

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dizer, o escopo de pacificação social. Em termos diversos, alega-se que o

processo, em sua dimensão instrumental (princípio da instrumentalidade),

só tem sentido quando servir à adequação do Direito à realidade social,

científica e tecnológica, à adaptação do julgamento aos ideais de justiça,

autorizando-se, a tanto, a redução do alcance da coisa julgada material, a

mitigação do princípio da segurança dos atos jurisdicionais, pena de

manter-se situação de absoluta instabilidade social. A propósito, leciona o i.

CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO ("Instituições de Direito Processual Civil", v.

I, São Paulo, Malheiros, 2004, pp. 127⁄128 e 136⁄137): "Como o Estado tem funções essenciais perante sua população, constituindo

síntese de seus objetivos o bem-comum, e como a paz social é inerente ao

bem-estar a que este deve necessariamente conduzir, é hoje reconhecida a

existência de uma íntima ligação entre o sistema do processo e o modo de

vida da sociedade. Constituem inevitáveis realidades as insatisfações que

afligem as pessoas, as quais são estados psíquicos capazes de comprometer

sua felicidade pessoal e trazem em si uma perigosa tendência expansiva

(conflitos que progridem, multiplicam-se, degeneram em violência, etc.).

Ignorar as insatisfações pessoais importaria criar clima para possíveis

explosões generalizadas de violência e de contaminação do grupo, cuja

unidade acabaria por ficar comprometida. Como vem sendo dito, a

litigiosidade contida é perigoso fator de infelicidade pessoal e desagregação

social (Kazuo Watanabe) e por isso constitui missão e dever do Estado a

eliminação desses estados de insatisfação. (...)Nesse quadro é que avulta a grande valia social do processo como

elemento de pacificação. O escopo de pacificar pessoas mediante a

eliminação de conflitos com justiça, é, em última análise, a razão mais

profunda pela qual o processo existe e se legitima na sociedade. (...)O destaque dado aos escopos do processo e à sua inserção na ordem

política e social não deve conduzir ao menosprezo da técnica processual. O

processo jamais deixará de ser uma técnica. Para o aprimoramento do

sistema e para que ele possa cumprir adequadamente suas funções no

plano social, no político e no jurídico, é preciso ter consciência integral de

todos os seus escopos, situados nessas três áreas - o que obviamente não

deve conduzir a afastar as preocupações pela técnica processual mas a

enriquecê-la com os dados assim obtidos. Como conjunto de meios

preordenados à obtenção de resultados desejados, toda técnica precisa ser

informada pela definição dos resultados a obter. (...)

A preocupação com a técnica processual leva os processualistas modernos

a propor uma revisitação dos institutos do processo (Barbosa Moreira),

agora à luz das conquistas metodológicas das últimas décadas,

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submetendo-os a uma releitura capaz de dar-lhes modernidade e melhor

utilidade social e política." Pois bem, in casu, tenho que as razões até aqui expendidas, concernentes à

tese da "relativização da coisa julgada", podem, se não fundamentar a

negativa de provimento ao especial, ao menos servir de marco à reflexão para

alternativas processuais à revisão de temas que, realmente dotados de

particularidades, justifiquem ampliar o campo de mitigação do alcance da

coisa julgada material e, pois, do princípio da segurança dos atos

jurisdicionais. Neste sentido, a propósito da jurisprudência desta e. Corte de Uniformização,

no tocante, em especial, às ações de investigação de paternidade, verifica-se

que não se mostra infensa ao reconhecimento - subsidiário, porém -, da

casuística necessidade de desconsideração da coisa julgada material em se

cuidando de lides que perquiram acerca do estado de filiação. Todavia,

ressalte-se, trata-se de tendência absolutamente secundária, restando hialino

que citada jurisprudência ampara-se na primeira vertente mencionada, isto é,

na negativa da existência da própria res iudicata, recorrendo, a tanto, à noção

de coisa julgada como imutabilidade dos efeitos substanciais do 'decisum'

meritório. Neste sentido, arrimam-se os precedentes notadamente na

insuficiência de provas à declaração da paternidade reclamada, pelo que,

embora improcedentes os julgados, não se há falar em intangibilidade dos

efeitos de decisões que, efetiva e substancialmente, não excluem o estado de

filiação. Quanto ao exposto, confiram-se: "INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. Trânsito em julgado. Ação de anulação do

registro civil. O investigado que se recusa a submeter-se ao exame do DNA, tendo recursos

para tanto, não pode depois do trânsito em julgado dessa ação e vencido o

prazo para a ação rescisória, promover ação de anulação do registro, sob a

alegação de que agora está disposto a fazer o exame. (...)

Diferentemente seria a minha conclusão se, em vez da evidente malícia no

comportamento da parte, ficasse claro que a paternidade, embora

reconhecida na sentença, não correspondia à realidade, isso demonstrado

em exame com grau absoluto de certeza. A regra da coisa julgada, válida

para o tempo em que não se conhecia prova segura da filiação, e por isso

dependente de ficções, não pode ser mantida contra a evidência da verdade

que se extrai do exame de DNA, pois a ninguém interessa - nem aos filhos,

nem aos pais, nem à sociedade - que o registro seja a negação da

realidade." (REsp nº 196.966⁄DF, Rel. Min. RUY ROSADO DE AGUIAR, DJU 28.02.2000)

"PROCESSO CIVIL. INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. REPETIÇÃO DE AÇÃO

ANTERIORMENTE AJUIZADA, QUE TEVE SEU PEDIDO JULGADO IMPROCEDENTE

POR FALTA DE PROVAS. COISA JULGADA. MITIGAÇÃO. DOUTRINA. PRECEDENTES.

DIREITO DE FAMÍLIA. EVOLUÇÃO. RECURSO ACOLHIDO.

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I – Não excluída expressamente a paternidade do investigado na primitiva

ação de investigação de paternidade, diante da precariedade da prova e da

ausência de indícios suficientes a caracterizar tanto a paternidade como a

sua negativa, e considerando que, quando do ajuizamento da primeira

ação, o exame pelo DNA ainda não era disponível e nem havia notoriedade

a seu respeito, admite-se o ajuizamento de ação investigatória, ainda que

tenha sido aforada uma anterior com sentença julgando improcedente o

pedido. II – Nos termos da orientação da Turma, 'sempre recomendável a

realização de perícia para investigação genética (HLA e DNA), porque

permite ao julgador um juízo de fortíssima probabilidade, senão de certeza'

na composição do conflito. Ademais, o progresso da ciência jurídica, em

matéria de prova, está na substituição da verdade ficta pela verdade real. III – A coisa julgada, em se tratando de ações de estado, como no caso de

investigação de paternidade, deve ser interpretada 'modus in rebus'. Nas

palavras de respeitável e avançada doutrina, quando estudiosos hoje se

aprofundam no reestudo do instituto, na busca sobretudo da realização do

processo justo, 'a coisa julgada existe como criação necessária à segurança

prática das relações jurídicas e as dificuldades que se opõem à sua ruptura

se explicam pela mesmíssima razão. Não se pode olvidar, todavia, que

numa sociedade de homens livres, a Justiça tem de estar acima da

segurança, porque sem Justiça não há liberdade'. IV – Este Tribunal tem buscado, em sua jurisprudência, firmar posições

que atendam aos fins sociais do processo e às exigências do bem comum. (...). A três, porque todo o progresso da ciência jurídica, em matéria de prova,

está na substituição da verdade ficta pela verdade real. A coisa julgada,

portanto, em se tratando de ações de estado, como no caso de investigação

de paternidade, deve ser interpretada 'modus in rebus'. Nesse particular,

BELMIRO PEDRO WELTER, em artigo intitulado 'Coisa Julgada na Investigação

de Paternidade', assinala: Dessa forma, de nada adianta canonizar-se o instituto da coisa julgada em

detrimento da paz social, já que a paternidade biológica não é interesse

apenas do investigante ou investigado, mas de toda a sociedade, e não

existe tranqüilidade social com a imutabilidade da coisa julgada da

mentira, do engodo, da falsidade do registro pública, na medida em que a

paternidade biológica é direito natural, constitucional, irrenunciável,

imprescritível, indisponível, inegociável, impenhorável, personalíssimo,

indeclinável, absoluto, vitalício, indispensável, oponível contra todos,

intransmissível, constituído de manifesto interesse público e essencial ao

ser humano, genuíno princípio da dignidade da pessoa humana, elevado à

categoria de fundamento da República Federativa do Brasil (artigo 1º, III).

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E esse direito natural e constitucional de personalidade não pode ser

afastado nem pelo Poder Judiciário, nem pela sociedade e nem pelo

Estado, porque, parafraseando HUMBERTO THEODORO JÚNIOR, se queremos

uma sociedade de pessoas livres, não se pode colocar a segurança da coisa

julgada acima da justiça e da liberdade, porque um povo sem liberdade e

sem justiça é um povo escravo, devendo ser entendido que "mudou a

época, mudaram os costumes, transformou-se o tempo, redefinindo valores

e conceituando o contexto familiar de forma mais ampla que, com

clarividência, pôs o constituinte de modo o mais abrangente, no texto da

nova Carta. E esse novo tempo não deve o Poder Judiciário, ao qual

incumbe a composição dos litígios com olhos na realização da justiça,

limitar-se à aceitação de conceitos pretéritos que não se ajustem à

modernidade".' (...) A quatro, porque, como já tive ensejo de assinalar, o fetichismo das normas

legais, em atrito com a evolução social e científica, não pode prevalecer a

ponto de levar o Judiciário a manietar-se, mantendo-se impotente em face

de uma realidade mais palpitante, à qual o novo Direito de Família,

prestigiado pelo constituinte de 1988, busca adequar-se. (...) Ademais, não se pode deixar de registrar ainda os vários precedentes desta

Quarta Turma na direção de uma jurisprudência que mais atenda aos fins

sociais do processo contemporâneo na verdadeira realização da Justiça,

também se aproximando do caso em tela, sob esse prisma, 'mutatis

mutandis', o decidido nesta Turma, por unanimidade, no REsp nº 112.101⁄RS

(DJU 18.09.2000), de que foi Relator o Ministro CESAR ASFOR ROCHA."

(REsp nº 226.436⁄PR, Rel. Min. SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, DJU

04.02.2002) "PROCESSO CIVIL. INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. PROPOSITURA DE AÇÃO

ANTERIORMENTE AJUIZADA, QUE TEVE SEU PEDIDO JULGADO IMPROCEDENTE

PELO NÃO COMPARECIMENTO DA REPRESENTANTE LEGAL DO INVESTIGANDO À

AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO. CONFISSÃO. COISA JULGADA. AFASTAMENTO. DIREITO

INDISPONÍVEL.

I - Na primitiva ação de investigação de paternidade proposta, a

improcedência do pedido decorreu de confissão ficta pelo não

comparecimento da mãe do investigando à audiência de instrução

designada. Considerando, assim, que a paternidade do investigado não foi

expressamente excluída por real decisão de mérito, precedida por produção

de provas, impossível se mostra cristalizar como coisa julgada material a

inexistência do estado de filiação, ficando franqueado ao autor, por

conseguinte, o ajuizamento de nova ação. É a flexibilização da coisa

julgada.

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II – Em se tratando de direito de família, acertadamente, doutrina e

jurisprudência têm entendido que a ciência jurídica deve acompanhar o

desenvolvimento social, sob pena de ver-se estagnada em modelos formais

que não respondem aos anseios da sociedade. Recurso especial conhecido e provido. (...) Conforme se depreende dos autos, o acórdão recorrido confirmou a decisão

monocrática, que entendeu haver identidade nas ações propostas,

concluindo, assim, pela existência de coisa julgada, a obstar o conhecimento

da segunda demanda apresentada. À luz da tradição do Direito Processual, indiscutivelmente, isso é correto.

Na espécie, contudo, consideradas as particularidades do caso, tenho que a

solução alvitrada não foi a que melhor se ajusta à moderna tendência do

processo civil acerca da matéria em comento, que tem flexibilizado os

efeitos da coisa julgada, na busca da verdade real, nas ações de

investigação de paternidade. É um daqueles casos em que se aplica, na

expressão do Ministro José Delgado, a teoria da relativização da coisa

julgada. (...) O tema aqui tratado é filiação, portanto direito indisponível e

imprescritível, nos termos do que dispõe o artigo 27 do Estatuto da Criança

e do Adolescente, configurando-se entre os direitos da personalidade, o de

maior relevância. Daí o manifesto interesse público na matéria. Nesses

casos, acertadamente, doutrina e jurisprudência têm entendido que a

ciência jurídica deve acompanhar o desenvolvimento social, sob pena de

ver-se estagnada em modelos formais, que não respondem aos anseios da

sociedade, nem atendeu às exigências da modernidade." (REsp nº

427.117⁄MS, Rel. Min. CASTRO FILHO, DJU 16.02.2004) Ora, in casu, mesmo não contestando que a coisa julgada material não admite

desconsideração, pura e simplesmente, representando, em princípio, ante a

segurança dos atos jurisdicionais, óbice ao reexame de matéria julgada por

sentença transitada em julgado, tenho que, de início, não discrepam as

situações sub judice e aquela objeto do REsp nº 226.436⁄PR (Rel. Min.

SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, DJU 04.02.2002), ambas demandando

análoga solução. Com efeito, em tal precedente, a improcedência da primeira

investigatória repousa na insuficiência de provas tanto à declaração, como à

exclusão da paternidade; in casu, lastreada na "exceptio plurium

concubentium", a sentença prolatada na primeira demanda concluiu pela

impossibilidade de asserção da paternidade dada a insuficiência da prova

testemunhal e, de outro prisma, quanto à prova pericial hematológica

(sistema MN), em sendo gêmeos os autores, conquanto tenha reputado

afastada a filiação no tocante a um deles, frisou, quanto ao outro, que,

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"segundo se dessume do laudo de fls. não se excluiu a paternidade e também

não há como afirmá-la" (fls. 78). Daí que, não constatada a suficiência cabal da contraprova produzida, in

casu, na primeira lide investigatória, impende aplicar-se conclusão idêntica à

verificada quando do uníssono julgamento do REsp nº 226.436⁄PR, no

sentido da inexistência de real decisão meritória e, pois, de coisa julgada

material a obstar o conhecimento de nova investigatória: "Com efeito, no caso, diante da precariedade da prova, não houve certeza

jurídica, na primitiva ação de investigação, a respeito da exclusão da

paternidade imputada ao investigado, tendo a decisão se limitado a afirmar

que a prova era insuficiente e que a melhor solução seria a improcedência

do pedido. Em outras palavras, inexiste, na hipótese, real decisão de mérito

excluindo a paternidade do investigante. (...) Em estudo sobre a matéria ('A Coisa Julgada na Investigação de

Paternidade'), ROLF MADALENO sustentou: 'A cada instante perfilam acalentadas doutrinas que se inquietam com a

imutabilidade da autoridade da eficácia da coisa julgada nas ações de

verificação da vinculação biológica. (...). Nessas circunstâncias, descabe cristalizar como coisa julgada a

inexistência do estado de filiação, pois restou verificado, sim, a

impossibilidade de formação de um juízo de certeza, cuja negligência

probatória não pode ser debitada ao investigante, como também não pode

ser debitado ao investigado este mesmo selo da presunção absoluta e

imutável de veracidade sentencial, quando neste mesmo processo deixou de

ser pesquisada a prova genética da filiação. E não importa tenha sido a

falta de recursos financeiros, ou porque ainda fosse desconhecida ou

inacessível a perícia dos marcadores genéticos do sistema de DNA, hoje já

banalizada por um sem-número de laboratórios e sacralizada pelos

pretórios brasileiros'." Em conclusão, cumpre salientar que, ainda que assim não se entenda, tenho

por incidente, in casu, a orientação judiciosamente esposada pelo e. JOSÉ

CARLOS BARBOSA MOREIRA, representante de brilhante alternativa à

problemática ora trazida à baila, pelo que, a par de à mesma perfilhar-me,

trago-a à consideração de Vossas Excelências: "Voltemos ao processo civil. Até aqui, cuidamos do assunto em perspectiva

'de lege lata'. Estamos convencidos de que não se compadece com o

ordenamento positivo o aumento da dose de 'relativização' da coisa julgada

material que ele próprio já consagra. Não somos infensos,porém, à

proposta de que tal dose, 'de lege ferenda', seja elevada em alguns casos. O mais importante, ao menos do ponto de vista prático, é o da descoberta

científica suscetível de demonstrar a erronia da solução dada

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anteriormente ao litígio, em época na qual não era possível contar com

determinada prova. Para a hipótese do exame de DNA, como registrado, a

jurisprudência já vem atenuando, por via interpretativa, o rigor do texto do

Código (art. 485, VII), para admitir a rescisória com fundamento no laudo

pericial, incluído no conceito de 'documento novo'. O socorro

hermenêutico tem, contudo, alcance limitado: não serve para o caso de já

haver decorrido o biênio decadencial (art. 495) quando da realização do

exame. Atentos à relevância da matéria, julgamos conveniente modificar aí

a disciplina, não para abolir o pressuposto temporal - pois, com a ressalva

que se fará adiante, relutamos em deixar a coisa julgada, indefinidamente,

à mercê de impugnações -, mas para fixar o termo inicial do prazo no dia

em que o interessado obtém o laudo, em vez do trânsito em julgado da

sentença rescindenda." (Considerações Sobre a Chamada "Relativização"

da Coisa Julgada Material, "Revista Forense", v. 377, Forense, Rio de

Janeiro, 2005, p. 61) Por tais fundamentos, com a devida vênia, ouso divergir do entendimento dos

preclaros Ministros que se posicionaram de forma diversa, e nego

provimento ao recurso especial. É o voto.

A Exma. Sra. MINISTRA NANCY ANDRIGHI, sempre sensível às injustiças

que podem advir de um processo sem o conteúdo da proteção aos princípios da Dignidade da

Pessoa Humana e da possibilidade de apuração da Verdade Real, assim se pronunciou : Recurso especial interposto por V P DE C, com fundamento nas alíneas "a" e

“c” do permissivo constitucional, contra acórdão proferido pelo TJSP. Ação: de conhecimento com pedido constitutivo, movida por P V C A E

OUTRO, ora recorridos, em face do ora recorrente, objetivando o

reconhecimento da paternidade dos ora recorridos pelo ora recorrente, com

averbação nos assentos de seus nascimentos para que seja acrescido o apelido

de família do ora recorrente (fls. 30⁄48). Decisão interlocutória: rejeitou a exceção de coisa julgada argüida pelo ora

recorrente, sob o fundamento de ser relativa e precária a prova pericial

realizada no passado (fls. 157). Contra essa decisão o ora recorrente interpôs

agravo de instrumento perante o Tribunal a quo. Acórdão: negou provimento ao agravo de instrumento, ficando com a

seguinte ementa: “Agravo de Instrumento – Ação de investigação de paternidade. – Rejeição

de preliminar de coisa julgada material – Anterior ação de investigação de

paternidade julgada improcedente, com base em prova testemunhal e

pericial – Prova pericial, pelo sistema MN, que não excluía a paternidade –

Avanço da ciência, nos últimos anos, que desvendou a cadeia do DNA

humano, permitindo exame, para a determinação ou exclusão da

paternidade biológica, com certeza absoluta – Direito dos autores de

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conhecerem a própria origem, garantido pela Constituição Federal – Direito

natural e interesse individual dos autores que se sobrepõem à coisa julgada

material – Inteligência dos arts. 1.°, III, e 5.°, XXXVI, da Constituição

Federal; do art. 5.°, da LICC, e dos arts. 467⁄472, do Código de Processo

Civil – Recurso não provido.” (fls. 483) Embargos de declaração: não foram opostos. Recurso especial: alega violação, em síntese, aos artigos 6.º da Lei de

Introdução do Código Civil - LICC e 467, do CPC (fls. 541), porque já existe

coisa julgada a respeito do pedido de reconhecimento de paternidade dos ora

recorridos pelo ora recorrente, decorrente de ação proposta pelos recorridos

em 1969 cujo pedido foi julgado improcedente. Alega, ainda, haver dissídio jurisprudencial com julgado de outros tribunais

do país, inclusive desta Corte, que não permitiram a reativação da

investigação de paternidade, “dando validade integral ao instituto da coisa

julgada" (fls. 556). Prévio juízo de admissibilidade: com contra-razões, foi o especial admitido

na origem. Após o voto do Relator, i. Rel. Min. Humberto Gomes de Barros,

conhecendo do recurso especial e dando-lhe parcial provimento para julgar

extinta a ação de investigação de paternidade, no que foi acompanhado pelos

Srs. Ministros César Asfor Rocha, Ari Pargendler e Carlos Alberto Menezes

Direito; do voto-vista do Sr. Ministro Jorge Scartezzini, conhecendo do

recurso especial e lhe negando provimento; pedi vista dos autos. É o relatório. a) Da alegada violação aos arts. 6.º da Lei de Introdução do Código Civil

- LICC e 467, do CPC. Alega o recorrente que o acórdão recorrido violou os arts. 6.º da Lei de

Introdução do Código Civil - LICC e 467, do CPC, porque já existe coisa

julgada a respeito do pedido de reconhecimento de paternidade dos ora

recorridos pelo ora recorrente, decorrente de ação proposta pelos recorridos

em 1969 cujo pedido foi julgado improcedente. Em relação ao art. 6.º da LICC, é inviável o recurso especial, tendo em vista

ser esse dispositivo mera repetição do preceito inscrito no artigo 5.°, inciso

XXXVI, da Constituição Federal de 1988, o que torna a matéria discutida de

natureza constitucional, cuja apreciação é em sede de recurso extraordinário.

Isto porque, quando o conteúdo da norma legal é o mesmo da constitucional,

tem-se como contrariada esta e não aquela. Nesse sentido, é pacífica a

jurisprudência do STJ: “Impende acrescer que também é insuscetível de exame, na estreita via do

especial, contrariedade a princípios inscritos na LICC: direito adquirido,

ato jurídico perfeito e coisa julgada, tendo em vista que, após a

promulgação da Carta de 1988, adquiriram tais postulados índole

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eminentemente constitucional.” (Ag n.° 718.731⁄SP, Rel. Min. João Otávio

de Noronha, DJ 13.12.2005). “Suposta violação à LICC, arts. 1º e 6º que não se aprecia, nesta Instância.

Matéria de índole eminentemente constitucional.” (REsp n.° 313.472⁄SP,

Rel. Min. Edson Vidigal, DJ 13.08.2001). “Consoante entendimento desta Corte, a alegação da maltrato ao artigo 6º

da Lei de Introdução ao Código Civil não enseja abertura da via especial,

porquanto referido dispositivo é mera repetição do preceito inscrito no

artigo 5º, inciso XXXVI, da CF." (Ag n.° 776.117⁄SP, Rel. Min. Luiz Fux, DJ

01.12.2006). Dentre as turmas que compõem a 2.ª Seção pode-se citar os seguintes

precedentes no mesmo sentido: REsp n.° 345.750⁄RS, Rel. Min. Castro

Filho, DJ 13.03.2006; Ag n.° 803133⁄SP, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes

Direito, DJ 17.10.2006; REsp n.° 158.193⁄AM, Rel. Min. Antônio de Pádua

Ribeiro, DJ 23.10.2000; e REsp n.° 253.195⁄RS, Rel. Min. Cesar Asfor

Rocha, DJ 16.08.2004. Quanto ao art. 467, do CPC, não há dúvida de que a garantia da coisa julgada

e a imutabilidade dela decorrente é um direito fundamental (art. 5.º, inciso

XXXVI). Contudo, o direito fundamental à segurança jurídica decorrente da

coisa julgada não é absoluto, porquanto pode ser relativizado quando se

chocar com outros direitos ou princípios fundamentais de igual ou superior

importância hierárquica. Com efeito, somente na hipótese de colisão entre direitos ou princípios

fundamentais é que se deve admitir, pelo menos em tese, a chamada

"relativização da coisa julgada", fazendo-se uma ponderação dos bens

envolvidos, com vistas a resolver a conflito e buscar a prevalência daquele

direito que represente a proteção a um bem jurídico maior. (Nesse sentido, v.

Robert Alexy, Colisão de Direitos Fundamentais e Realização de Direitos

Fundamentais no Estado de Direito Democrático, in Revista de Direito

Administrativo, Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, v. 217, 1999, p.

69, tradução de Luís Afonso Heck). Conseqüentemente, somente nessas situações é que seria cabível reabrir a

discussão da questão coberta pelo manto da coisa julgada, a fim de que outro

direito ou princípio fundamental em jogo, que represente a proteção a um

bem jurídico maior do que aquele da segurança jurídica decorrente da coisa

julgada, prevaleça. Uma dessas hipóteses é justamente quando está em jogo o princípio essencial

da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1.º, III) que, consoante o

posicionamento do STF, “sempre será preponderante, dada a sua condição

de princípio fundamental da República." (HC n.° 83.358⁄SP, Rel. Min.

Carlos Britto, DJ 04⁄06⁄2004, p. 47, EMENT 2154-02⁄312).

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Isso porque, ao apontar como princípio fundamental do Estado brasileiro a

dignidade da pessoa humana, a Constituição Federal fixou o princípio

hierarquizador e harmonizador de todo o sistema jurídico, pelo qual havendo

“conflito entre princípios de igual importância hierárquica, o fiel da

balança, a medida de ponderação, o objetivo a ser alcançado, já está

determinado, a priori, em favor do princípio, em absoluto, da dignidade

humana. Somente os corolários, ou subprincípios em relação ao maior deles,

podem ser relativizados, ponderados, estimados. A dignidade, assim como a

justiça, vem à tona no caso concreto, se feita aquela ponderação." (cfr.

Maria Celina Bodin de Moraes, Danos à Pessoa Humana, uma leitura

civil-constitucional dos Danos Morais, Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p.

85). Nesse sentido, para assegurar o direito à dignidade da pessoa humana,

pressupõe-se reconhecer a essa pessoa o seu legítimo direito de saber a

verdade sobre sua paternidade (nesse sentido, STF, RE n.° 248.869⁄SP, Rel.

Min. Maurício Corrêa, DJ 12⁄03⁄2004, p. 38, EMENT 02143-04⁄773). Acresça-se a esses elementos, que uma das expressões concretas do princípio

fundamental da dignidade da pessoa humana é justamente ter direito ao nome

(cfr. STF, RE n.° 248.869⁄SP, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ 12⁄03⁄2004, p.

38, EMENT 02143-04⁄773), “nele compreendido o prenome e o nome

patronímico” E “A hipótese mais nítida [desse direito] se manifesta na ação

de investigação de paternidade em que um dos efeitos da vitória é o de

atribuir ao investigante o nome do investigado, que até então lhe fora

negado e que com a sentença lhe é deferido." (cfr. Sílvio Rodrigues, Direito

Civil, Parte Geral, vol. I, 32.ª ed., atua. de acordo com o novo Código

Civil, São Paulo: Saraiva, 2002, pp. 72⁄73). Por conseguinte, o direito de descobrir a verdadeira paternidade (e

conseqüentemente identidade) e o de ter averbado o patronímico do

verdadeiro pai no assento de nascimento não podem ser barrados pelo direito

à garantida da coisa julgada. Nessas condições, mesmo quando existir coisa

julgada a respeito do reconhecimento da paternidade, é possível reabrir tal

discussão, diante dos avanços da ciência na área da pesquisa genética e do

aumento da certeza dos métodos de determinação da paternidade biológica,

porque há uma colisão entre o direito fundamental à segurança jurídica

decorrente da coisa julgada (art. 5.º, XXXVI) e o princípio essencial da

dignidade da pessoa humana (CF, art. 1.º, III), que deve prevalecer sempre.

Entendimento contrário seria francamente inconstitucional, em face da

prevalência do princípio fundamental da dignidade da pessoa humana. Aliás, é dever do Poder Judiciário promover a valorização da dignidade da

pessoa humana, em respeito à Constituição Federal, sendo fundamental para

o atingimento deste objetivo deixar de lado arcaicas soluções jurídicas

amparadas estritamente na técnica processual de óbices formais, em

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detrimento das provas disponíveis com o avanço da ciência, reveladoras que

são da tão aspirada verdade real. b) Da alegada divergência jurisprudencial. No que concerne ao alegado dissídio jurisprudencial, não cuidou o recorrente

de demonstrá-lo nos termos dos arts. 541, parágrafo único, do CPC, e 255, §

2º, do RISTJ. Ao revés, limitou-se a transcrever ementas dos arestos

paradigmas, mas não realizou a necessária confrontação analítica entre os

julgados, de modo a evidenciar a similitude fática entre eles e o efetivo

dissenso pretoriano. Isso porque, a alegada divergência de jurisprudência não é susceptível de se

caracterizar, pois seria necessário, como pressuposto para aferir a

contraposição dos arestos trazidos como paradigmas, fosse desenvolvida

argumentação suficiente a demonstrar a identidade das circunstâncias e a

similitude dos casos concretos. Isto não foi feito pelo recorrente, que não

atendeu, portanto, aos requisitos do artigo 255 do Regimento Interno do

Superior Tribunal de Justiça. "A mera citação do repositório autorizado, por mais ilustre que o seja não é

o bastante para caracterizar o dissídio jurisprudencial, porque, além da

prova da divergência, é imprescindível que a recorrente evidencie o dissídio,

vale dizer, faça a demonstração analítica das circunstâncias que

identifiquem ou assemelhem os casos confrontados" (despacho do Min. Ilmar

Galvão no AG nº 1.749-SP, DJU de 05⁄03⁄90, pág. 1.420). Inviável a análise deste ponto, portanto, quanto à alínea "c" do permissivo

constitucional, por desacordo com o estipulado pelos arts. 541, parágrafo

único, do CPC, e 255, § 2º, do RISTJ. Ainda que estivesse comprovada a divergência jurisprudencial, seria

inevitável negar provimento ao recurso especial, tendo em vista os

fundamentos anteriormente expendidos. Forte em tais razões, não obstante o voto do Relator, divirjo deste CONHEÇO

do recurso especial, mas NEGO-LHE PROVIMENTO. Hoje aposentado, o Exmo. Sr. MINISTRO CASTRO FILHO também teve

oportunidade de deixar estampado seu pensamento, antes de tornar-se fazendeiro nos campos

goianos, com um profícuo e substancioso voto, transcrito naquilo que interessa: VOTO-VISTA: Trata-se de recurso especial em que se discute a existência de

coisa julgada quanto ao pedido de investigação de paternidade formulado

pelos ora recorridos em relação ao recorrente, tendo em vista a existência de

ação anterior proposta pelos investigandos em 1969, cujo pedido foi julgado

improcedente. O eminente Ministro Humberto Gomes de Barros, relator do feito, consignou

em seu voto que, de fato, "quando, em ação anterior, a paternidade do

investigado não foi declarada, à mingua de provas, é possível reabrir a

discussão em novo processo."

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(...) No caso em análise, contudo, "a declaração de improcedência não assentou-

se em falta de provas. Pelo contrário, o Tribunal, examinando as provas,

declarou a impossibilidade de o réu ser o pai dos autores. Em rigor, no

antigo processo o réu provou a impossibilidade de ser pai dos autores. Isso é

diferente da improcedência da ação em razão da ausência de prova. No

entendimento dos julgadores, prova produzida na ação de 1969 afastou

categoricamente a paternidade do réu-recorrente. Isso porque a prova do

sistema MN embora não sirva para afirmar uma paternidade, permite

excluí-la com absoluta segurança. Foi o que ocorreu na ação anterior. O

perito, em seu laudo, afirmou que o autor não era filho do réu, não deixando

margem a dúvida. A sentença de improcedência efetuou declaração negativa

de paternidade, considerando provada que o réu não é pai do autor. Tal

declaração somente poderia ser enfrentada, em ação rescisória." Por sua vez, a ilustre Ministra Nancy Andrighi inaugurou divergência, ao

entendimento de que "o direito fundamental à segurança jurídica decorrente

da coisa julgada não é absoluto, porquanto pode ser relativizado quando se

chocar com outros direitos ou princípios fundamentais de igual ou superior

importância hierárquica. (...) Uma dessas hipóteses é justamente quando está em jogo o princípio

essencial da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III) que, consoante o

posicionamento do STF, 'sempre será preponderante, dada a sua condição

de princípio fundamental da República.' (HC nº 83.358⁄SP, Rel. Min. Carlos

Britto, DJ 04⁄06⁄2004, p. 47, EMENT 2154-02⁄312). (...) Nesse sentido, para assegurar o direito à dignidade da pessoa humana,

pressupõe-se reconhecer a essa pessoa o seu legítimo direito de saber a

verdade sobre sua paternidade (nesse sentido, STF, RE nº 248.869⁄SP, Rel.

Min. Maurício Corrêa, DJ 12⁄03⁄2004, p. 38, EMENT 02143-04⁄773). (...) Por conseguinte, o direito de descobrir a verdadeira paternidade (e

conseqüentemente identidade) e o de ter averbado o patronímico do

verdadeiro pai no assento de nascimento não podem ser barrados pelo

direito à garantia da coisa julgada. Nessas condições, mesmo quando existir

coisa julgada a respeito do reconhecimento da paternidade, é possível

reabrir tal discussão, diante dos avanços da ciência na área da pesquisa

genética e do aumento da certeza dos métodos de determinação da

paternidade biológica, porque há uma colisão entre o direito fundamental à

segurança jurídica decorrente da coisa julgada (art. 5º, XXXVI) e o

princípio essencial da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III), que

deve prevalecer sempre. Entendimento contrário seria francamente

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inconstitucional, em face da prevalência do princípio fundamental da

dignidade da pessoa humana. (...)." Pedi vista, para melhor examinar a matéria. O tema aqui tratado é filiação, direito indisponível e imprescritível, nos

termos do que dispõe o artigo 27 do Estatuto da Criança e do Adolescente,

configurando-se, entre os direitos da personalidade, o de maior relevância.

Daí o manifesto interesse público na matéria. Nesses casos, acertadamente,

doutrina e jurisprudência têm entendido que a ciência jurídica deve

acompanhar o desenvolvimento social, sob pena de ver-se estagnada em

modelos formais, que não respondem aos anseios da sociedade, nem atendem

às exigências da modernidade. A esse respeito, por oportuno, destaco as considerações do eminente Ministro

Sálvio de Figueiredo Teixeira, no julgamento do REsp 226.436⁄PR, DJ

04⁄02⁄02, onde ficou assentado que não faz coisa julgada material a sentença

de improcedência da ação de investigação de paternidade por insuficiência de

provas da paternidade biológica: "(...) todo o progresso da ciência jurídica, em matéria de prova, está na

substituição da verdade ficta pela verdade real. A coisa julgada, portanto,

em se tratando de ações de estado, como no caso de investigação de

paternidade, deve ser interpretada modus in rebus." Na oportunidade, sua excelência trouxe à baila o escólio de Belmiro Pedro

Welter (Coisa julgada na investigação de paternidade. Porto Alegre: Ed.

Síntese, 2000, 1ª ed., p. 123⁄124), onde se assinala: "Dessa forma, de nada adiante canonizar-se o instituto da coisa julgada em

detrimento da paz social, já que a paternidade biológica não é interesse

apenas do investigante ou investigado, mas de toda a sociedade, e não existe

tranquilidade social com a imutabilidade da coisa julgada da mentira, do

engodo, da falsidade do registro público, na medida em que a paternidade

biológica é direito natural, constitucional, irrenunciável, imprescritível,

indisponível, inegociável, impenhorável, personalíssimo, indeclinável,

absoluto, vitalício, indispensável, oponível contra todos, intransmissível,

constituído de manifesto interesse público e essencial ao ser humano,

genuíno princípio da dignidade humana, elevado à categoria de fundamento

da República Federativa do Brasil (artigo 1º, II). E esse direito natural e constitucional de personalidade não pode ser

afastado nem pelo Poder Judiciário, nem pela sociedade e nem pelo Estado,

porque, parafraseando Humberto Theodoro Júnior, se queremos uma

sociedade de pessoas livres, não se pode colocar a segurança da coisa

julgada acima da justiça e da liberdade, porque um povo sem liberdade e

sem justiça é um povo escravo, devendo ser entendido que 'mudou a época,

mudaram os costumes, transformou-se o tempo, redefinindo valores e

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conceituando o contexto familiar de forma mais ampla que, com

clarividência, pôs o constituinte de modo o mais abrangente, no texto da

nova Carta. E nesse novo tempo não deve o Poder Judiciário, ao qual

incumbe a composição dos litígios com olhos na realização da justiça,

limitar-se à aceitação de conceitos pretéritos que não se ajustem à

modernidade." Na espécie, considerou o eminente relator que a declaração de improcedência

não se assentou em falta de provas, mas, que, examinando as provas periciais

da época, declarou-se a impossibilidade de o réu ser o pai dos autores. Não obstante, chamou-me a atenção a observação do especialista em

medicina genética, professor doutor da UNICAMP, Walter Pinto Júnior (fls.

276⁄277) quanto à precariedade da perícia então realizada, o qual, ao analisar

o primitivo laudo, afirmou ter ficado bastante impressionado,

"principalmente pelas provas incompletas e pelas conclusões errôneas

emitidas pelos que nesse processo atuaram". Isso porque houve erro quanto à

tipagem sanguínea considerada para a mãe dos autores, que não é MN, como

considerou o laudo, mas NN, para então concluir que "não se pode admitir

uma imperícia ou negligência numa tipagem sanguínea que vai definir a vida

de quatro pessoas". Devo confessar que me inscrevo entre aqueles que defendem a

intangibilidade da coisa julgada. Mas o Direito, mesmo sendo ramo das

ciências, para que possa continuar como regulador eficiente dos fatos que

geram os bens da vida, há de ceder espaço a outras ciências que, mesmo

sendo mais exatas, estão sujeitas às mutações impostas pelo progresso. Assim, embora ciente das dificuldades de se construir uma jurisprudência

uniforme, em se tratando de Direito de Família, mas, antes, atento às

particularidades que envolvem cada caso, como este, peço vênia ao eminente

relator, e àqueles que como ele pensam, para acompanhar a dissidência, no

sentido de conhecer do recurso, mas negar-lhe provimento. É o voto.

Representando um pensamento cultural que transcende as linhas divisórias

do nosso país e o pensamento da Colônia Japonesa no Brasil, O EXMO. SR. MINISTRO MASSAMI

UYEDA optou pela relativização, negando provimento ao recurso com os seguintes argumentos: Trata-se de recurso especial com fundamento no artigo 105, III, alíneas "a" e

"c", da Constituição Federal, em que se alega violação dos artigos 5º,

XXXVI, da CF; 6º da LICC; 263, V e VI, e 467, do CPC. No caso dos autos, os ora recorridos (irmãos gêmeos) ajuizaram, em

fevereiro de 1969, ação de investigação de paternidade em face do ora

recorrente, à época menores impúberes e representados por sua genitora (fls.

51⁄60). A ação foi julgada improcedente considerando-se a insuficiência de

provas da ocorrência de relacionamento íntimo do réu com a mãe dos autores

e, ainda, com base em prova testemunhal, por não ter sido considerada

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"mulher honesta", além de exame hematológico (sistema ABO, MN e Rh)

que excluiu a paternidade em relação a um dos irmãos (fls. 72⁄79). Os autores ajuizaram outra ação de investigação de paternidade, em agosto

de 2001, alegando que na década de sessenta ainda não existia a técnica de

exame pericial pelo DNA que permitiria a certeza quase absoluta (99,99%)

na constatação da relação de parentesco entre os investigados (fls. 198⁄216).

O r. Juízo de primeiro grau designou audiência de tentativa de conciliação e

determinou a realização de prova pericial (fl. 157). Em face dessa decisão interlocutória, o investigado, ora recorrente, interpôs

recurso de agravo de instrumento com pedido de efeito suspensivo, o qual foi

indeferido, sendo confirmada pelo egrégio Tribunal de Justiça do Estado de

São Paulo em sede de agravo regimental (fls. 466⁄471). Inconformado, interpôs o presente apelo especial requerendo, em síntese, a

improcedência da ação de investigação de paternidade em face da ocorrência

da coisa julgada material e preclusão de direito para a propositura de

eventual ação rescisória (fls. 529⁄562). Por ocasião do julgamento deste recurso especial, que foi afetado a esta

egrégia Segunda Seção, o eminente Ministro Relator votou no sentido de

conhecer do recurso e dar-lhe provimento para julgar extinta a ação de

investigação de paternidade, entendimento que foi acompanhado pelos

ilustres Ministros Cesar Asfor Rocha, Ari Pargendler e Carlos Alberto

Menezes Direito. Na seqüência do julgamento, o ilustre Ministro Jorge Scartezzini negou

provimento ao recurso, no que foi acompanhado pelos ilustres Ministros

Nancy Andrighi e Castro Filho. Para melhor exame da matéria, pedi vista dos autos. É o relatório. O recurso não merece prosperar. Com efeito. Inicialmente, quanto à alegada violação dos artigos 5º, XXXVI, da

Constituição Federal, e 6º da LICC, veja-se que este egrégio Superior

Tribunal de Justiça não se presta à análise de matéria constitucional,

cabendo-lhe, somente, a infraconstitucional, já que o artigo 105, III, da

Constituição Federal prevê o cabimento do especial apenas quando a decisão

recorrida contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência. Anota-se,

ainda, quanto ao artigo de lei infraconstitucional (6º da LICC), como já

registrado pela eminente Ministra Nancy Andrighi em seu voto-vista, que

apesar de estar inserido em norma infraconstitucional, reflete os mesmos

institutos de natureza constitucional do dispositivo constitucional acima

indicado. Portanto, não se conhece da aduzida violação de tais dispositivos.

No tocante ao instituto da coisa julgada, é certo que figura-se como

fenômeno necessário à estabilidade das relações sociais pela necessidade da

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segurança das decisões judiciais. Oportunamente destaca-se a lição de

Nelson Nery Júnior, in verbis:

"Entre o justo absoluto, utópico, e o justo possível, realizável, o sistema

brasileiro, a exemplo do que ocorre na maioria dos sistemas democráticos

ocidentais, optou pelo segundo (justo possível), que é consubstanciado na

segurança jurídica da coisa julgada material" (in Código de Processo Civil

Comentado e Legislação Extravagante, 9ª ed., Revista dos Tribunais, SP,

2006, pág. 594).

Entretanto, como bem ressaltado pelo eminente Ministro Castro Filho em seu

voto-vista, o direito de personalidade figura-se, na espécie, como de maior

relevância dentre todos. Inclusive, o entendimento quanto ao tema

consubstanciado no julgamento do REsp 226.436⁄SP, Relator Ministro Sálvio

de Figueiredo Teixeira, DJ de 6⁄2⁄2002, reflete o posicionamento majoritário

desta Corte no sentido da possibilidade de relativização da coisa julgada em

caso de investigação de paternidade.

Deve ser observando, in casu, que em ambos os julgados o fator

"honestidade" da genitora e a incerteza nas provas testemunhal e pericial

concorreram para formar a convicção do Julgador a quo. Assim, no caso sob

comento, não obstante a sentença tenha transitado em julgado, percebe-se

que efetivamente certeza não há na existência, ou não, de parentesco entre as

partes que possa justificar a imutabilidade da sentença proferida.

Ademais, não há que se olvidar, ainda, que os recorridos são gêmeos

fraternos (dizigóticos ou bivitelinos), ou seja, nascidos a partir de dois

óvulos, conforme parecer do Centro Médico Especializado da UNICAMP (fl.

276), o qual assinalou a possibilidade, embora remota, de fecundação por

pais distintos. O julgador a quo, por sua vez, julgou improcedente a primeira

ação de investigação de paternidade, desconsiderando tal possibilidade,

consignando que:

"É verdade que, com referência ao menor Paulo Vicente C. Aleixo, segundo

se desume do laudo de fls. não se excluiu a paternidade e também não há

como afirmá-la.

Entretanto, os autores são gêmeos. Quer sejam univitelinos ou bivitelinos

(fraternos) - é óbvio que se o réu não é pai de Pedro - não poderia sê-lo de

Paulo..." (fl. 78).

E, ainda, considerando-se a dúvida lançada acerca da "honestidade" da

genitora dos recorridos no tocante ao comportamento sexual, conforme

registrado no acórdão da primeira ação (fl. 81), e defendido nas razões do

apelo especial (fl. 549), infere-se que, ainda que o exame pericial realizado

fosse efetivamente preciso ao descartar a consagüinidade em relação a

apenas um dos irmãos, persistiria a possibilidade de que o outro gêmeo

pudesse ser filho do ora recorrente.

Nega-se, portanto, provimento ao recurso especial.

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É o voto.

É como voto.

Vislumbrando possibilidade de conflitos, entre os princípios da dignidade

da pessoa humana e a intangibilidade da coisa julgada, a Segunda Seção dividiu-se, tornando

necessário o voto de desempate do ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR que, não vendo o

momento atual como propício para um passo tão importante, optou sinalizar pela manutenção

da Coisa Julgada, em detrimento de um precedente que escancararia as portas para o

rejulgamento de milhares de processos, já acobertados pela res judicata, assim reproduzido: VOTO-VISTA

O EXMO. SR. MINISTRO ALDIR PASSARINHO JUNIOR: Trata-se de recurso

especial em que se discute o afastamento ou não da coisa julgada, para que

seja renovada investigação de paternidade, ao fundamento de que com o

advento do exame de DNA, seria, agora, adequadamente verificada a

vinculação entre os autores e o réu.

Colhidos os votos, o julgamento restou empatado. Os eminentes Ministros

Humberto Gomes de Barrros (relator), Cesar Asfor Rocha, Ari Pargendler e

Carlos Alberto Menezes Direito, conheceram do especial e lhe deram

provimento, para extinguir a ação investigatória. Divergiram desse

posicionamento, para desacolher a pretensão recursal, os ilustres Ministros

Jorge Scartezzini, Nancy Andrighi, Castro Filho e Massami Uyeda.

Nos termos regimentais, aquele que presidiu o julgamento deve proferir voto

de desempate.

Desnecessárias, a tal altura, citações doutrinárias, porque os votos

antecedentes já trouxeram elementos dessa ordem a enriquecer a discussão.

Em essência, a controvérsia gira em torno de dois primados constitucionais,

que vêm sendo lembrados nos votos já proferidos, a refletir sobre as

disposições ordinárias suscitadas no recurso especial sub judice, que aponta

ofensa aos arts. 6º, da LICC, 263 e 467 do CPC, além de dissídio

jurisprudencial.

O primeiro deles, o da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da Carta

Política vigente), no qual se insere o direito de conhecer a sua origem, com

os conseqüentes reflexos a sua pessoa no mais profundo âmago, a sua vida

pessoal e patrimonial.

O segundo, o primado da coisa julgada, da segurança e estabilidade da ordem

jurídica (art. 5º, inciso XXXVI), protegida, inclusive, de leis ulteriores.

Diferentemente do doutrinador, cuja liberdade de reflexão é abstrata,

compete ao julgador fazer sua escolha para solucionar um caso concreto.

Mas, inevitavelmente, ao assim fazê-lo firma um precedente, para o qual

deve atentar, pela magnitude do reflexo que tem sobre outras situações

semelhantes, que ocorrem nesta Corte e, sobremaneira, nos demais juízos e

tribunais do país.

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Daí porque, rogando a máxima vênia à divergência, não me filio à tese por

ela sufragada, que importa, em essência, e sem subterfúgios semânticos, na

relativização da coisa julgada.

Na hipótese presente, a prestação jurisdicional já fora dada aos autores, de

forma absolutamente regular, pelos meios usuais, mediante uma ação de

investigação de paternidade proposta no longínquo ano de 1969, julgada

improcedente em 11.05.1970, sentença confirmada pelo TJSP em

27.08.1970. Nela foram coligidos os dados fáticos disponíveis e realizada

prova pericial, com as técnicas de então. Passam-se os anos, muitos por sinal,

até que com o advento da técnica do exame de DNA, nova ação é proposta,

contendo o mesmo pedido, mesmo fundamento, apenas que acenando-se com

a possibilidade de realização de um novo meio de prova.

De um lado, extrai-se que não houve subtração aos autores do direito de

defesa quando do primeiro julgamento, na formação da coisa julgada. Não.

Tudo transcorreu dentro do que os órgãos julgadores consideraram aceitável

e regular, feitas as provas admitidas no curso da lide. Formou-se a coisa

julgada. Não houve a sua desconstituição, mediante ação rescisória, no prazo

legal. Tornou-se imutável.

A partir de então, consolidaram-se as situações, do ponto de vista pessoal,

familiar, social e econômico. Instaurou-se uma ordem jurídica definitiva,

reguladora dessas relações, sem vícios ou fraudes, e isonomicamente a ambas

as partes. Fez-se a justiça, dentro da mais absoluta constitucionalidade e

legalidade.

É certo que podem haver falhas. A prestação jurisdicional não está a tanto

infensa. Mas o que se pretende não é a correção de uma falha, é a rediscussão

de um direito que já foi apreciado e afastado, como tantos outros casos em

que isso ocorreu, ao longo de todo o período em que não se fazia o exame de

DNA. O essencial é que tenha havido a prestação jurisdicional regular, que é

um direito inalienável do cidadão. E isso aconteceu.

Não pode haver uma eterna pendência. Como ressaltaram os doutos

Ministros que acolheram o recurso especial, a adotar-se o contrário, a cada

nova técnica, nova descoberta científica, ter-se-á de rever tudo o que já

restou decidido, com reflexos amplos sobre pessoas que há muito seguiram

suas vidas – investigantes, investigado, descendentes, parentes, cônjuges, etc

– considerando uma ordem jurídica estabilizada pela coisa julgada, garantida

pela Constituição da República e leis do país.

Impossível, pois, afastar-se o próprio interesse público na segurança jurídica

em detrimento do particular, ainda que este seja inegavelmente relevante.

Relevante, tenho eu, porém não preponderante.

Ante o exposto, pedindo vênias à divergência, acompanho o eminente relator,

Ministro Humberto Gomes de Barros.

É como voto.

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A Terceira Seção, embora por larga maioria no sentido da não relativização,

também teve a oportunidade de se pronunciar sobre o tema e mesmo ali não houve consenso,

como se pode ver dos votos dispares daquela egrégia câmara ao julgar a Ação Rescisória 927,

demonstrando um viés de insegurança quanto a aplicação da lei desconectada da justiça ideal: EMENTA

AÇÃO RESCISÓRIA. PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO.

REENQUADRAMENTO FUNCIONAL. DECADÊNCIA. PEDIDO DE RESCISÃO

FUNDADO EM ERRO DE FATO. NÃO-OCORRÊNCIA. VIOLAÇÃO LITERAL A

DISPOSITIVO DE LEI. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO.

1. É incabível a rescisão de julgado, com fundamento em erro de fato (art.

485, IX, do CPC), se não houve pronunciamento judicial acerca de

documento da causa tendo em vista sua juntada tardia aos autos da ação

originária, feita somente por ocasião da apresentação de contra-razões ao

recurso especial. Precedente.

2. A violação literal de disposição de lei (art. 485, V, do CPC) que permite o

ajuizamento de ação rescisória pressupõe a demonstração de ofensa à

literalidade da lei pelo aresto rescindendo, o que não ocorreu na espécie.

Precedente.

3. Pedido de rescisão improcedente. ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,

acordam os Ministros da Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça: A

Seção, por maioria, julgou improcedente a ação rescisória, nos termos do

voto da Sra. Ministra Relatora.

Vencido o Sr. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho (Revisor), que a julgou

procedente. Votaram com a Relatora os Srs. Ministros Carlos Fernando

Mathias (Juiz convocado do TRF 1ª Região), Jane Silva (Desembargadora

convocada do TJ⁄MG), Nilson Naves, Felix Fischer, Laurita Vaz e Arnaldo

Esteves Lima.

Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Hamilton Carvalhido.

O Dr. Marcos dos Anjos Pires Bezerra sustentou oralmente pelo autor.

Brasília, 14 de novembro de 2007 (Data do Julgamento)

O relatório da Min. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA bem resume os fatos que

levaram a Terceira Seção à se pronunciar sobre tão controvertido tema:

Cuida-se de ação rescisória proposta por Isa Santiago Galiza de Andrade,

com fundamento no artigo 485, incisos IX e V, do Código de Processo Civil,

para desconstituir acórdão proferido pela colenda Quinta Turma desta Corte,

quando do julgamento do Recurso Especial 150.622⁄PB, ementado nos

seguintes termos: "ADMINISTRATIVO - REVISÃO DE ENQUADRAMENTO FUNCIONAL - PRESCRIÇÃO

- DECRETO NUM. 20.910⁄32.

- Decorridos mais de dez anos entre a pretendida revisão de enquadramento

funcional e a propositura da ação, a prescrição, "in casu", atinge o próprio

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direito postulado, e não apenas as diferenças salariais decorrentes dessa

situação jurídica.

- Recurso conhecido e provido." (REsp 150622⁄PB, Rel. Min. CID FLAQUER

SCARTEZZINI, QUINTA TURMA, DJ 3⁄8⁄98)

Requer a autora seja rescindido referido acórdão desta Corte, que deu

provimento ao recurso especial do INSS, para concluir pela ocorrência de

prescrição da pretensão da autora a seu "reenquadramento como fiscal de

contribuição previdenciária, eis que ao tempo em que era servidora daquele

Instituto (então IPASE) fora erroneamente reclassificada" (fl. 3).

Sustenta, em síntese, que "expressamente e em tempo hábil requereu seu

reenquadramento pela via administrativa, processo DASP 600.019004⁄85 e

esse pedido não foi negado", razão pela qual "só se poderia falar em

prescrição de direito se na via administrativa o pedido tivesse sido negado"

(fls. 3⁄4).

Aduz que no caso, contudo, consoante informado pela certidão de fl. 97 (fl.

113 de acordo com a autuação do Superior Tribunal de Justiça), "o processo

não teve desfecho, nem foi negado nem atendido, porque extraviado." Desse

modo, no seu entender "houve erro de fato resultante de documento da

causa", "hipótese contemplada pelo artigo 485, IX, do Código de Processo

Civil" (fl. 9). A esse respeito, salienta que "muito embora o documento

constasse dos autos desde antes e a ele tenha se referido a autora na primeira

oportunidade possível", no acórdão que se pretende rescindir não houve

pronunciamento sobre ele.

Por outro lado, sustenta que, "não havendo lei que obrigue o autor a

manifestar seu interesse ao reenquadramento num determinado prazo,

poderia o mesmo fazer essa opção na época em que assim entendesse,

mesmo porque o reenquadramento de servidores públicos seria uma

obrigação do órgão empregador, independentemente de sua manifestação."

Nesse sentido, assevera que, "ao decidir pela prescrição do fundo de direito

da autora, o v. acórdão teria negado vigência ao que dispõe a Constituição

Federal em seu artigo 5º, II, vez que efetivamente não houve imposição de

qualquer prazo para o exercício dessa opção de reenquadramento.

Obviamente deve ser respeitada a prescrição das parcelas vencidas decorrido

o lustro ao qual se refere o Decreto 20.910⁄32, mas jamais o fundo de direito

da autora" (fl. 11).

Em contestação, apontou o INSS, em síntese, a inépcia da inicial, pois "da

narração dos fatos articulados pela autora não decorre logicamente a

conclusão pretendida." No mérito, salientou que "não se constitui ofensa

quando o acórdão rescindendo, dentre as interpretações cabíveis, escolhe

uma delas"; que a autora tinha conhecimento da prova mencionada na inicial,

mas que a apresentou somente quando das contra-razões ao recurso especial;

e que "quer a autora, na verdade, revolver matéria de prova, para que seja

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agora valorada a prova que restou desconsiderada, por ter sido apresentada a

destempo" (fl. 147).

Apresentadas apenas pelo INSS suas razões-finais, os autos foram

encaminhados ao Ministério Público Federal, que se manifestou pela

procedência do pedido formulado na ação rescisória.

É o relatório. EMENTA

AÇÃO RESCISÓRIA. PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO.

REENQUADRAMENTO FUNCIONAL. DECADÊNCIA. PEDIDO DE RESCISÃO

FUNDADO EM ERRO DE FATO. NÃO-OCORRÊNCIA. VIOLAÇÃO LITERAL A

DISPOSITIVO DE LEI. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO.

1. É incabível a rescisão de julgado, com fundamento em erro de fato (art.

485, IX, do CPC), se não houve pronunciamento judicial acerca de

documento da causa tendo em vista sua juntada tardia aos autos da ação

originária, feita somente por ocasião da apresentação de contra-razões ao

recurso especial. Precedente.

2. A violação literal de disposição de lei (art. 485, V, do CPC) que permite o

ajuizamento de ação rescisória pressupõe a demonstração de ofensa à

literalidade da lei pelo aresto rescindendo, o que não ocorreu na espécie.

Precedente.

3. Pedido de rescisão improcedente.

Complementando em seu voto :

MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA (Relatora): Inicialmente, cumpre

afastar a ocorrência de decadência na espécie, tendo em vista que o acórdão

desta Corte que se pretende rescindir transitou em julgado em 18⁄8⁄98 e a

presente ação foi ajuizada em 6⁄5⁄99.

Insurge-se a autora contra aresto que concluiu pela prescrição de sua

pretensão à revisão de enquadramento funcional, ao fundamento de que

decorreram mais de dez anos entre a pretendida revisão e a propositura da

ação.

Argumenta, primeiramente, a existência de erro de fato (art. 485, IX, do

CPC) consubstanciado na desconsideração, pelo julgado que se pretende

rescindir, de documento (certidão de fl. 113) que demonstra que seu pedido

administrativo de reenquadramento foi extraviado pela Administração.

Estabelecem o inciso IX e o § 1º do artigo 485 do Estatuto Processual Civil

que:

"Art. 485. A sentença de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida

quando:

(...)

IX - fundada em erro de fato, resultante de atos ou de documentos da causa.

§ 1º Há erro, quando a sentença admitir um fato inexistente, ou quando

considerar inexistente um fato efetivamente ocorrido."

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Desse modo, para que seja cabível a ação rescisória, deve ter o julgado

incorrido em erro ao "admitir um fato inexistente" ou "considerar inexistente

um fato efetivamente ocorrido" (art. 485, § 1º, CPC).

Consoante se verifica dos autos, contudo, pretende a autora a rescisão do

acórdão com base em documento juntado aos autos da ação ordinária, datado

de 19⁄4⁄96, somente por ocasião da apresentação, em 26⁄11⁄96 (fl. 106), de

contra-razões ao recurso especial do INSS. Incabível, portanto, a rescisão do

aresto com fundamento em erro de fato, pois no caso não houve

pronunciamento desta Corte sobre a certidão de fl. 113 devido à juntada

tardia do documento, feita somente nesta instância extraordinária.

Nessa linha de raciocínio, confira-se o seguinte precedente desta Terceira

Seção, que não conheceu de pedido de rescisão, fundado no inciso IX do art.

485 do CPC, devido à juntada apenas após a interposição do recurso especial

de documento "que pudesse servir de início de prova material": "PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO RESCISÓRIA. RURÍCOLA. INÍCIO

DE PROVA MATERIAL. DOCUMENTOS NOVOS E ERRO DE FATO. ARTIGO 485,

INCISOS VII E IX, DO CPC.

I – Erro de fato não comprovado por não constar do traslado da ação

originária qualquer documento juntado nas instâncias ordinárias que pudesse

servir de início de prova material.

(...)

III – Ação procedente." (AR 1.603⁄SP, Rel. Min. GILSON DIPP, TERCEIRA SEÇÃO, DJ

4⁄8⁄2003)

De qualquer forma, da leitura da certidão apresentada pela autora, verifica-se

que consta informação de que "não foi localizado o processo DASP⁄nº

600.019004⁄85, junto ao Ministério da Administração e Reforma do Estado -

MARE, nem no Protocolo Geral" (fl. 113). Não há nos autos, porém,

qualquer demonstração de que referido processo administrativo se referisse à

autora desta ação e, ainda, que tenha formulado administrativamente pedido

de reenquadramento funcional. Desse modo, referida certidão não seria hábil,

por si só, para assegurar à servidora pronunciamento favorável, o que afasta

qualquer possibilidade de procedência do pedido de rescisão do julgado por

erro de fato.

Por outro lado, afirma a autora que a Quinta Turma, no julgamento do

Recurso Especial 150.622⁄PB, incorreu em violação (art. 485, V, do CPC) do

artigo 5º, II, da Constituição Federal, in verbis:

"Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,

garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a

inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à

propriedade, nos termos seguintes:

(...)

II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em

virtude de lei."

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Consoante lição de Bernardo Pimentel Souza, "o vocábulo “literal” inserto

no inciso V do artigo 485 revela a exigência de que a afronta deve ser

tamanha que contrarie a lei em sua literalidade." (Introdução aos Recursos e

à Ação Rescisória, 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 406).

Nesse sentido, firmou-se também a jurisprudência desta Corte: "PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO RESCISÓRIA. ART. 485, V E IX DO

CPC. ERRO DE FATO. INOCORRÊNCIA. PRONUNCIAMENTO JUDICIAL SOBRE O

FATO. OFENSA A LITERAL DISPOSIÇÃO DE LEI. EX-COMBATENTE. PENSÃO

ESPECIAL. CONSTITUIÇÃO FEDERAL. ART. 53 DO ADCT. ART. 1º DA LEI 5.315⁄67.

DESNECESSIDADE DA PARTICIPAÇÃO EFETIVA NO "TEATRO DA ITÁLIA".

ADEQUAÇÃO DAQUELES QUE REALIZARAM MISSÕES DE PATRULHAMENTO NO

LITORAL BRASILEIRO, COMO INTEGRANTES DAS GUARNIÇÕES DE ILHAS

OCEÂNICAS OU DE UNIDADES QUE SE DESLOCARAM DE SUAS SEDES PARA O

CUMPRIMENTO DAQUELAS MISSÕES. PRECEDENTES. AÇÃO PROCEDENTE.

(...)

III - A violação a dispositivo de lei que propicia o manejo da ação rescisória

fundada no art. 485, V do Código de Processo Civil pressupõe que a norma

legal tenha sido ofendida em sua literalidade pela decisão rescindenda, (...)

VII - Ação rescisória procedente." (AR .834⁄RN, Rel. Min. GILSON DIPP,

TERCEIRA SEÇÃO, DJ 18⁄10⁄2004)

Da leitura da exordial, no entanto, verifica-se que não se demonstrou no que

consistiu a violação literal àquele dispositivo pelo acórdão que se pretende

rescindir.

Ademais, é pacífico nesta Corte entendimento segundo o qual prescreve a

pretensão de reenquadramento funcional de servidor público se não ajuizada

a ação judicial no prazo de cinco anos previsto no Decreto nº 20.910⁄32.

Nesse sentido, confiram-se: "AGRAVO REGIMENTAL. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO CIVIL.

REENQUADRAMENTO. PRESCRIÇÃO. FUNDO DE DIREITO. OCORRÊNCIA.

1 - Na linha da compreensão firmada pela Terceira Seção, "se o pleito, para

reconhecer vantagem pecuniária, envolve, previamente, a revisão de

enquadramento funcional, requerida após mais de dez anos, forçoso é admitir

que, na hipótese, prescreve o próprio fundo de direito e não apenas as

parcelas, porque estas, se devidas, o são em decorrência do pretendido

reenquadramento." (EREsp nº 177.851⁄PB, Relator o Ministro Fernando

Gonçalves DJU de 16⁄11⁄99).

2. Recurso a que se nega provimento." (AgRg no REsp 786.516⁄BA, Rel. Min. PAULO GALLOTTI, SEXTA TURMA, DJ 18⁄12⁄2006) "PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO DO ANTIGO IPASE.

ENQUADRAMENTO. LEI 7.293⁄84. PRESCRIÇÃO DO FUNDO DE DIREITO.

PRECEDENTES. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO.

1. Nas hipóteses em que servidor público postula reenquadramento, a

prescrição atinge o próprio fundo de direito, e não apenas as parcelas

anteriores ao qüinqüênio que antecedeu a propositura da demanda, uma vez

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107

que não se trata de relação jurídica de trato sucessivo, mas de ato único de

efeito concreto.

2. Recurso especial conhecido e provido." (REsp 607.659⁄AL, Rel. Min. ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA TURMA, DJ 7⁄5⁄2007) "Servidores públicos estaduais. Reenquadramento. Lei nº 4.794⁄88.

Fundo de direito. Prescrição. Inaplicabilidade da Súmula 85. Agravo

regimental improvido." (AgRg no AgRg no Ag 622.373⁄BA, Rel. Min.

NILSON NAVES, SEXTA TURMA, DJ 9⁄4⁄2007 Destarte, também se mostra inviabilizado na espécie o pedido de rescisão do

julgado com base no inciso V do artigo 485 do Estatuto Processual Civil.

Diante do exposto, julgo improcedente o pedido formulado nesta ação

rescisória.

Condeno a autora nas custas e honorários advocatícios, estes fixados em 10%

do valor da causa.

Determino, ainda, a reversão do depósito efetuado pela autora em favor do

réu, de acordo com o estabelecido no artigo 494 do Código de Processo

Civil.

É como voto. VOTO-REVISÃO

(NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO)1.Trata-se de Ação Rescisória ajuizada por

ISA SANTIAGO GALIZA DE ANDRADE, com fulcro nos incisos V e IX do art.

485 do CPC, em face do INSTITUTO NACIONAL DE SEGURIDADE SOCIAL-INSS,

insurgindo-se contra acórdão proferido por este Tribunal, no REsp.

150.622⁄PB, assim ementado: ADMINISTRATIVO. REVISÃO DE ENQUADRAMENTO FUNCIONAL. PRESCRIÇÃO.

DECRETO 20.910⁄32.

Decorridos mais de dez anos entre a pretendida revisão de enquadramento

funcional e a propositura da ação, a prescrição, "in casu", atinge o próprio

direito postulado, e não apenas as diferenças salariais decorrentes dessa

situação jurídica.

Recurso conhecido e provido (fls. 127).

2.Sob o fundamento do inciso V do art. 485 do CPC, alegou a autora que

houve violação literal a dispositivo de lei no acórdão rescindendo, ao ser

aplicado indevidamente o prazo prescricional disposto no Decreto 20.910⁄32.

Sustenta, ainda, que a Lei 7.293⁄84 determinou o reenquadramento dos

servidores lotados no IPASE, para ascender de Analista Administrativo a

Oficial de Previdência e para garantir o reconhecimento desse direito, foi

instaurado o Processo Administrativo, autuado sob a rubrica DASP

600.019004⁄85. Contudo, o pleito administrativo nunca teria sido apreciado,

tendo sido extraviado, conforme certidão aposta nos autos (fls. 113). Com

isso, expôs a autora que sem o indeferimento do pleito administrativo,

inexiste dies a quo para aplicação do Decreto 20.910⁄32, ao contrário do

decidido no acórdão rescindendo.

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3.Sustenta, com base no mesmo dispositivo legal, que a prescrição do

Decreto 20.910⁄32 não atingiria o fundo de direito da autora, mas somente as

prestações mensais que ultrapassassem o prazo de cinco anos.

4.Alegou, ainda a autora, com fundamento no inciso IX do art. 485 do CPC,

que houve, no acórdão rescindendo, erro de fato, fundado em documento da

causa, devido ao extravio do mencionado processo administrativo. Sustenta

que a Administração Pública, por sua culpa exclusiva, extraviou o

documento, sem dar resposta ao requerimento. Logo, a prescrição

reconhecida no acórdão inexistiria, se considerada a certidão de fls. 113.

5.Em contestação, o INSS ressaltou a ocorrência de prescrição do direito da

autora, aduziu a inexistência de prova administrativa ao contestar a real

participação do servidor no Processo Administrativo DASP 600.019004⁄85 e,

finalmente, asseverou a impossibilidade de rediscussão de matéria já

consolidada pelo STJ, concernente à prescrição do fundo de direito (fls.

141⁄148).

6.As razões finais foram apresentadas somente pelo réu, tendo o Ministério

Público Federal opinado pela procedência da ação (fls. 162⁄165), em parecer

da lavra do Subprocurador-Geral da República MIGUEL GUSKOW.

7.Razão assiste à autora.

8.Entendo, com a devida vênia, que há erro de fato na decisão que se quer

rescindir, no que respeita ao marco eleito para a contagem do prazo

prescricional, disposto no art. 1º do Decreto 20.910⁄32. A Certidão que

declara o extravio do mencionado Processo Administrativo comprovou a

existência de requerimento em que se pleiteava o reenquadramento da autora

para ascender ao cargo de Oficial de Previdência, e que deixou de ser

apreciado pelo INSS. Inexistente, portanto, a negativa da Administração

Pública, que deveria ter sido utilizada para iniciar a contagem do qüinqüênio

prescritivo de cinco anos para o fundo de direito.

9.De outra maneira, a Administração não se preocupou em infirmar a

Certidão trazida aos autos. Como se pode verificar, essa Certidão ficou

incontestada, sem que fosse outro documento apresentado para demonstrar a

sua falsidade ou a veracidade das alegações do INSS. Além disso, o Processo

DASP 600.019004⁄85, cuja relação com a autora se questionou, sequer foi

trasladado aos autos para que se evidenciasse a data da negativa do INSS ao

pedido da requerente ou quem seria o seu real autor e razões as razões do

alegado indeferimento. Não se nega, desta maneira, a autoria do pedido

administrativo, o que atrai a aplicação da violação literal a dispositivo de lei

(inciso V do art. 485 do CPC), em vista da inexistência do marco inicial para

contagem do prazo prescricional.

10.Nesse sentido, não competia à parte autora fazer prova da data em que se

inicia a contagem do qüinqüênio prescritivo que, além de ser de muito difícil

comprovação, cumpre à Administração viabilizá-la, em seu próprio interesse.

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109

Por outro lado, o Juiz da cognição, como dispõem os arts. 130 e 131 do CPC,

em face do brutal desnível de esclarecimento jurídico e de capacidade da

orientação do processo, poderia e deveria ter suprido a falta da mencionada

prova. Há evidente desequilíbrio entre a pensionista ou percebente de

benefício do INSS e a Administração Pública, corporificada na Autarquia,

com todo o seu potencial e poder de conduzir o processo.

11.Dest'arte, justo, eqüitativo e equilibrado é reconhecer o direito da parte,

que exibiu prova de postulação administrativa, a qual não foi elidida pelo

INSS, nem essa omissão foi suprida pelo Juiz de cognição, na qualidade de

participante ativo do processo, determinando a produção das provas.

12.Nesse sentido, confiram-se os seguintes julgados: ADMINISTRATIVO. LEI ESTADUAL 3.640⁄78 (ESTADO DA BAHIA) CONCEDENDO

ENQUADRAMENTO A FUNCIONÁRIO PUBLICO. AUSÊNCIA DE ATO ADMINISTRATIVO

INDEFERINDO A PRETENSÃO. AUSÊNCIA DE PRESCRIÇÃO.

A jurisprudência dos Tribunais já se pacificou no sentido de que, inexistindo

ato administrativo indeferindo, expressamente, direito atribuído, por lei, ao

servidor público, não se pode ter por iniciado o prazo prescricional.

"In casu", se a Lei Estadual (Lei 3.640⁄78) não estabeleceu prazo para que

os servidores beneficiários manifestassem a sua ação, o Decreto

Regulamentador (Dec. 26.088⁄78) não poderia fazê-lo, sob pena de,

extrapolando da legislação, tornar-se manifestamente ilegal.

Embargos rejeitados. Decisão por maioria de votos (EREsp. 9.511⁄BA, Rel.

Min. ANTONIO DE PÁDUA RIBEIRO, DJU 11.03.1996) PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. DIREITO DE

FUNCIONÁRIOS A REENQUADRAMENTO DEFINIDO EM LEI REGULAMENTADA POR

DECRETO. PRESCRIÇÃO.

No sistema jurídico-constitucional brasileiro, o Regulamento (Decreto) não

pode alterar a lei, nem criar obrigações outras não previstas no texto

regulamentado, nem limitar o exercício do direito nele definido.

A Lei Estadual 3.640⁄78 é atributiva de direito e, se este não foi negado,

expressamente, por ato da administração, o direito ao reenquadramento, por

ela disciplinado, não prescreve, com o transcurso do qüinqüênio, só advindo

o óbice ao auferimento das prestações, após a defluência desse prazo. O

prazo prescricional para o funcionário estatutário acionar a Administração,

só começa a fluir após esta rejeitar, por ato decisório, na via administrativa,

qualquer direito seu.

Embargos rejeitados (EREsp. 6.183⁄BA, Rel. Min. ANTONIO DE PÁDUA RIBEIRO,

DJU 24.04.1995).

13.Ante o exposto, julgo procedente o pedido veiculado nesta Ação

Rescisória, afastando a alegação de decadência.

14.É como voto.

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Acreditando na utópica Justiça, como Dom Quixote, o cavaleiro solitário,

procura convencer seus pares de que sempre é tempo de recomeçar e de possibilitar a

derrogação das injustiças que por arrogância ou orgulho as vezes cometemos: VOTO-VENCIDO

(NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO):1.Senhor Presidente, egrégia Turma,

realmente a doutrina e a jurisprudência abonam fartamente essa diretriz

judicante que agora foi adotada pela Senhora Ministra Maria Thereza de

Assis Moura.

2.No entanto, a meu ver, como revisor do processo, o direito ao

reenquadramento da parte autora é evidente e manifesto. Se se tiver uma

interpretação absolutamente rigorosa e rigorosamente técnica, a solução é

essa que a Senhora Ministra Relatora apontou.

3.Entretanto, Senhor Presidente, sabendo-se que todo direito é preclusível e

que esse direito contra a Administração prescreve em cinco anos, o tormento

ou a cruz do exegeta é saber quando começa a contar o prazo de cinco anos.

O prazo prescreve depois de cinco anos. Mas quando ele começa a ser

contado?

4.Penso que, em casos assim, essa contagem deve se iniciar com a negativa

da Administração, a qual não foi exibida e quem deveria exibi-la era a

Administração. Ela, a Administração, é quem tem ou deve ter o processo

administrativo com o ato de indeferimento lavrado nesse mesmo processo.

5.Penso que não se deve ao impor à autora uma prova dificílima, se não

mesmo impossível, essa de que a Administração lhe negou a pretensão da via

administrativa; basta à ação rescisória a autora alegar que não houve decisão

administrativa denegatória e, se tiver havido, a Administração que prove que

houve, e aí sim, se tiver havido uma denegação da pretensão da via

administrativa e a regular intimação ao interessado, nessa data se inicia o

qüinqüênio prescricional.

6.Essa prova não foi feita pela Administração nem competia, Senhor

Presidente, a meu ver, à autora fazer tal prova; competia à parte promovida,

no caso, o INSS.

7.Por outro lado, Senhor Presidente, esse fato, que é inquestionável, poderia

e deveria ter sido suprido pelo juiz da cognição; os arts. 130 e 131 do Código

de Processo Civil determinam que assim se proceda e, particularmente,

quando há um brutal desnível de esclarecimento jurídico e de capacidade de

orientação do processo, como neste caso, uma pessoa pensionista ou

percebente de algum benefício do INSS de um lado e, do outro, a

administração, corporificada na autarquia, com todo seu potencial, com todo

seu poder de conduzir o processo.

8.Penso, Senhor Presidente, que rescindir-se a decisão por injustiça é uma

tendência que começa a se delinear pelo menos entre alguns doutrinadores.O

Código de 1939 proibia expressamente a rescisão por injustiça, mas o Código

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de 1973 não proíbe. Seria o caso de se questionar se, diante de um Código

que não proíbe a rescisão por injustiça, deve-se tratar as causas rescisórias

como se houvesse a proibição, à afeição do Código de 1939.

9.Proponho, Senhor Presidente, com todo respeito, entender que, em casos

assim, a solução judicial justa, eqüitativa, equilibrada é a que reconhece o

direito da parte, pois ela não teve absolutamente meios de provar, na fase

cognitiva, esse fato que demarcaria o prazo prescricional, quem tinha que

fazer isso, repito, era a Administração e não fez. O juiz também não

diligenciou como deveria, o juiz, como se sabe, hoje, é um participante ativo

do processo, ele não deve ficar só esperando que tragam as provas, ele deve

mandar produzi-las, como V. Exa. sabe muito melhor do que eu.

10.No caso, tudo isso foi tratado de maneira, a meu ver, injurídica - pode até

ser legal, mas não tem o abono do Direito, a meu ver, com todo o respeito, o

trato de uma pretensão desta ao modo como se fez.

11.Assim, Senhor Presidente, com todo respeito à Senhora Ministra Maria

Thereza de Assis Moura, a quem sempre reverencio e cito com grande

proveito, alegria e acerto nos processos que relato, neste caso ouso divergir

da diretriz de S. Exa., sem deixar de louvar o acerto doutrinário da sua

orientação, mas assinalando também, respeitosamente, que a solução de

justiça, jurídica, ouso pensar que é esta que proponho.

12.Dou pela procedência da ação rescisória. VOTO

O SR. MINISTRO CARLOS FERNANDO MATHIAS (JUIZ CONVOCADO DO TRF 1ª

REGIÃO): Sr. Presidente, acabamos de ouvir dois votos, como sempre nada

surpreendentes, muito bem embasados. O eminente Ministro Napoleão

Nunes Maia Filho sacode-nos a todos, porque o juiz é sempre um realizador

de justiça. Já houve quem dissesse que a função do juiz é transformar a lei

em direito e o direito em justiça. Couture dá uma sacudidela maior: entre o

lícito e o justo, fica com o justo.

Mas, sabemos quais são os limites do juiz para julgar pela eqüidade, até

porque ele só está autorizado a julgar pela eqüidade quando estiver

expressamente autorizado pela lei ou naquelas hipóteses restritíssimas da lei

de introdução.

Isso tudo vem a propósito, porque V. Exas. sabem o quanto me levam a

reflexões os votos do eminente Ministro Napoleão Nunes Maia Filho pela

sua cultura jurídica, pela sua respeitabilidade e pela sua história na

Magistratura.

A rescisória tem um caminho muito estreito: são aquelas nove hipóteses

previstas no art. 485. Claro que até o Poder Público, ou melhor, a União - não

faço uma crítica, mas uma observação - tem feito, em determinadas matérias

da rescisória, um recurso. Esgotados todos os recursos, depois, vem a

rescisória, e, quando o Supremo Tribunal Federal julga algo a matéria, ela

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invoca a Súmula, nº 343, sem afastamento. Poderia ter sido controvertida,

mas, se for matéria constitucional, não poderia ser apreciada.

Não vejo - e peço as mais respeitosas vênias ao douto advogado -, sendo a lei

de 1984, qual seria o termo a quo para uma prescrição? É o velho princípio

do dormientibus non succurrit jus.

Timidamente, sem querer se entregar a tese, os Ministros acabam mostrando

simpatias pela relativização, como se fossem cometer um ato de infidelidade perante a coisa

julgada, preferindo a comodidade do que já construíram, do que se aventurarem em um

mundo atraente, mas desconhecido, como no caso do voto abaixo: VOTO

O SR. MINISTRO CARLOS FERNANDO MATHIAS (JUIZ CONVOCADO DO TRF 1ª

REGIÃO): Sr. Ministro Napoleão Maia Filho, comungo com essa visão de V.

Exa. Tive acesso aos autos e verifiquei que o documento no qual o advogado

tanto se prende não diz nada. VOTO

O SR. MINISTRO CARLOS FERNANDO MATHIAS (JUIZ CONVOCADO DO TRF 1ª

REGIÃO): Sr. Presidente, o voto do Sr. Ministro Napoleão Maia Filho deixa-

me com uma espécie de culpa, a saber: estamos mais aplicando a lei do que

realizando a justiça? Sabemos que a primeira, ou melhor, a única definição

de direito encontrada no Direito romano foi de que o direito é a arte do bom e

do justo, aliás a expressão que eles usaram jus est ars boni et aequi.

Tenho dificuldades de afastar-me da lei diante de hipóteses restritas.

Pedindo vênia ao Sr. Ministro Napoleão Maia Filho, acompanho o voto da

Sra. Ministra Relatora, julgando improcedente a ação rescisória. VOTO

A EXMª. SRª. MINISTRA JANE SILVA (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO

TJ⁄MG): Sr. Presidente, não obstante as ponderações do Sr. Ministro Napoleão

Maia Filho, sempre preocupado com a justiça, entendo que, tecnicamente, a

Sra. Ministra Maria Thereza de Assis Moura está correta, razão pela qual

acompanho o voto de S. Exa., julgando improcedente a ação rescisória. VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO NILSON NAVES: Ouvindo, ouvindo... o que me parece é

que o que está aqui havendo é um embate entre duas concepções – entre

direito ideal e direito real. Vindo de sua brilhante inteligência, o Ministro

Napoleão nos está apresentando solução vinda do direito ideal. É concepção

que se bem afeiçoa a minhas próprias preocupações, visto que, segundo

penso, somos a lei, a saber, a lei é o que queremos que ela seja; por isso é que

somos finais, somos a derradeira palavra a respeito da lei federal. Vou,

entretanto, neste caso, colocar-me ao lado do direito real. Aliás, temos

dificuldades, à vista de nossa missão, de estar ao lado do direito ideal.

Quanto possível, é bom que lá estejamos. No caso presente, não vejo como!

Respeitosamente, acompanho a Relatora. VOTO

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A EXMA. SRA. MINISTRA LAURITA VAZ : Sr. Presidente, acredito que estou

mais habilitada a votar - sei que todos também estão -, porque estou com um

caso idêntico, e o documento juntado nas duas ações rescisórias é o mesmo

juntado naquela da minha relatoria, onde está expresso no sentido de que não

há nenhum requerimento administrativo formulado naquele número. É o

mesmo número que está nas duas ações rescisórias.

Então, estou indo mais além do que votou a Sra. Ministra Relatora.

Acrescento que está prescrito o próprio fundo de direito, como reconheceu o

acórdão rescindendo, e que não há - voltei a reexaminar, seguindo a mesmo

orientação daqueles documentos - qualquer documento nos autos que

comprove que a autora pleiteou administrativamente seu enquadramento

funcional. É de se reconhecer que a alegação de erro de fato não se sustenta.

Portanto, lamentavelmente, apesar da brilhante sustentação oral do advogado,

que ficou até muito emocionado, não vejo realmente como reconhecer o

direito da requerente. Acompanho o voto da Sra. Ministra Relatora, pedindo

vênia ao Sr. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, sempre brilhante em suas

manifestações no sentido do direito ideal.

Julgo improcedente a ação rescisória. VOTO

MINISTRO ARNALDO ESTEVES LIMA:Sr. Presidente, também peço vênia ao Sr.

Ministro Napoleão Maia Filho para acompanhar a Sra. Ministra Relatora,

porque, de qualquer forma, entendo que o Judiciário – sobretudo os

Tribunais, porquanto a rescisória é de competência originária destes –, não

pode deixar de levar em conta a coisa julgada. A coisa julgada é garantia

fundamental da Constituição destinada a todos. Rescindir decisão transitada

em julgado seria apenas naquelas hipóteses taxativamente enumeradas no art.

485 e existindo atipicidade respectiva. Caso contrário, a lei ordinária estaria

superando garantia oriunda diretamente da Constituição, que é a coisa

julgada.

Hoje se fala muito em relativização, mas em geral os autores que escrevem a

respeito colocam que a coisa julgada, em lugar de ser relativizada, deve ser

preservada, por ser garantia destinada a todos. Portanto, hoje, olhando por

meio dessa colocação, a decisão estaria contrária a autora, que, amanhã,

poderá estar numa situação em que esteja amparada pela coisa julgada, ou

seja, é via de mão dupla para toda a sociedade.

Com essas pequenas considerações, pedindo vênia ao Sr. Ministro Napoleão

Nunes Maia Filho, acompanho o voto da Sra. Ministra Relatora, julgando

improcedente a ação rescisória.” Em arrremate, o tema em foco, para ser exaurido, reclamaria incalculáveis

horas de árduas lucubrações, dada a amplitude fantástica dessa discussão a respeito da

relativização da coisa julgada. Destarte, essa presente obra de final de curso de Pós graduação

em Direito teve de sujeitar-se à dura tarefa de abstinência, para procurar eleger os tópicos

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principais que poderão servir de apoio perante outras situações derivadas da relativização da

coisa julgada no âmbito do STJ e da aplicação dos arts. 475-L, § 1º, e 741, parágrafo único,

do Código de Processo Civil também no Tribunal uniformizador.

HUMBERTO THEODORO JÚNIOR, embora considere que, pela sistemática

literal do CPC, não seja possível ter por inexigível sentença baseadas em lei ou ato normativo

que ainda não foram declaradas inconstitucionais pelo STF, defende que o Judiciário tem o

dever institucional de criar algum mecanismo por meio do qual se expunja do ordenamento

execuções de sentenças inconstitucionais, independentemente de pronunciamento do Supremo

Tribunal Federal. Melhores são as suas próprias palavras, in litteris: “(...) Assim, se a questão da inconstitucionalidade não tiver sido previamente

acolhida pelo Supremo Tribunal Federal, não poderá o devedor suscitá-la na

impugnação.

Isso, obviamente, não quer dizer que a ofensa à Constituição consuma se

torne irremediável pelo simples fato de inexistir prévio pronunciamento da

Suprema Corte. Algum remédio há de existir, porque a gravidade do vício

invalidante é evidente e no Estado Democrático de Direito não há como

compactuar com ele. Há quem se restrinja a admitir a impugnação, in casu,

por meio da ação rescisória. Como, entretanto, a ação está sujeita a prazo

decadencial curto, ter-se-ia de eliminá-lo, em face da impossibilidade de

sanar pelo transcurso de tempo a nulidade (que muitos qualificam até de

inexistência) oriunda da inconstitucionalidade.128

De minha parte, penso que, cabendo ao Poder Judiciário velar pela

supremacia da Constituição, há de se empenhar em evitar e reparar qualquer

ofensa às regras e princípios por ela ditados, sempre que se deparar com tal

tipo de agressão jurídica. Se o legislador ainda não cuidou de instituir um

remédio processual específico para tanto, os órgãos jurisdicionais terão de

cumprir sua imissão de guardiões da Constituição com os meios e

instrumentos de que dispõem, adaptando-se às necessidades do caso

concreto, mas nunca se negando a reprimir o mais grave atentado contra o

Estado Democrático de Direito, que é o desprezo pela prevalência do

primado da ordem constitucional.”129 Não quer isto dizer senão que, para o célebre processualista em pauta, além

de os arts. 475-L, § 1º, e 741, parágrafo único, do Código de Processo Civil se aplicarem aos

casos de declarações de inconstitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal em sede de

controle concentrado e difuso, independente de atuação do Senado Federal nos termos do art.

128 Anota THEODORO que “Barbosa Moreira é daqueles que advogam a ação rescisória sem limitação de prazo para atacar a

sentença que ofenda a Constituição (Considerações sobre a chamada ‘relativização’ da coisa julgada material. Revista Dialética de Direito Processual, v. 22, p. 111)

129 THEODORO JÚNIOR, 2006:59-60

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52, X, da Lex Mater, deve o Judiciário engendrar algum mecanismo para estender o conteúdo

dessas normas a hipóteses em que a afronta à Constituição possa ser identificada pelo próprio

juiz condutor da execução, prescindindo de prévia manifestação da Excelsa Corte.

Seja como for, observar-se que a maioria dos juristas apóiam o debate

respeitante às modalidades de controles referidas pelos arts. 475-L, § 1º, e 741, parágrafo

único, do Código de Processo Civil na existência ou não de efeito erga omnes. Nesse

diapasão, ao sentir de TEORI ALBINO ZAVASCKI, merecem críticas os processualistas que, in

litteris: (...) embasam suas conclusões apenas em função da eficácia subjetiva das

decisões em controle de constitucionalidade, só admitindo o cabimento de

embargos rescisórios nos casos em que o precedente do STF tenha eficácia

erga omnes, direta (em ações de controle concentrado) ou indireta (por via

de resolução do Senado).130 Sustenta, com razão, o ilustre ministro do Superior Tribunal de Justiça que,

para fins de aplicação do disposto nos arts. 475-L, § 1º, e 741, parágrafo único, do Código de

Processo Civil, é indiferente que o precedente do Supremo Tribunal Federal “tenha sido

tomado em controle concentrado ou difuso, ou que, neste último caso, haja resolução do

Senado suspendendo a execução da norma”131. Isto é, valem mencionados dispositivos tanto

para o controle concentrado, como para o difuso, independentemente da existência de

resolução do Senado espraiando os efeitos subjetivos da declaração neste último controle.

Quanto a essa restrição formulada pela doutrina a respeito da necessidade de existir

manifestação do Senado Federal, anota TEORI ALBINO ZAVASCKI, in verbis: Além de não prevista na lei, a distinção restritiva não é compatível com a

evidente intenção do legislador, já referida, de valorizar a autoridade dos

precedentes emanados do órgão judiciário guardião da Constituição, que não

pode ser hierarquizada em função do procedimento em que se manifesta. Sob

esse enfoque, há idêntica força de autoridade nas decisões do STF em ação

direta quanto nas proferidas em via recursal, estas também com natural

vocação expansiva (...). (grifo nosso)132

A propósito dessa vocação expansiva das decisões do Supremo Tribunal

Federal, proferidas em controle difuso, registra o processualista em comento que o exame da

validade de uma lei em um caso concreto possui, insitamente, uma projeção vinculativa além

das partes litigantes, uma vez que os preceitos normativos, por natureza, têm a “característica

de generalidade, isto é, não se destinam a regular específicos casos concretos, mas, sim,

130 ZAVASCKI, 2005:81 131 ZAVASCKI, 2005:88 132 ZAVASCKI, 2005:88

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estabelecer um comando abstrato aplicável a um conjunto indefinido de situações”133. Dessa

forma, o princípio da segurança jurídica e mesmo o da igualdade perante a lei estariam

fatalmente comprometidos “se a mesma lei pudesse ser julgada constitucional num caso e

inconstitucional em outro, dependendo do juiz que a aprecia”134. Nesse sentido, necessário

transcrever TEORI ALBINO ZAVASCKI, in verbis: Assim, põe-se em foco, objetivamente, a questão de como harmonizar a

eficácia da decisão sobre a constitucionalidade da norma no caso concreto

com as imposições dos princípios constitucionais da isonomia – que é

absolutamente incompatível com eventuais tratamentos diferentes em face da

mesma lei quando forem idênticas as situações –, e da segurança jurídica,

que recomenda o grau mais elevado possível de certeza e estabilidade dos

comandos normativos. Há, ademais, uma razão de ordem prática: se a norma

é aplicável a um número indefinido de situações, não faz sentido repetir, para

cada uma delas, o mesmo julgamento sobre a questão constitucional já

resolvida em oportunidade anterior. Essas são razões a demonstrar que as

decisões a respeito da legitimidade das normas têm vocação natural para

assumir uma projeção expansiva, para fora dos limites do caso concreto.135

Com os arts. 475-L, § 1º, e 741, parágrafo único, do Código de Processo

Civil, há, na verdade, uma evidente intenção do legislador em sobrevalorizar a jurisprudência

do Supremo Tribunal Federal, do que faz prova a inexistência nas aludidas normas de

expressa menção à suspensão do Senado.

Aliás, essa tendência de enaltecimento dos precedentes do Supremo

Tribunal Federal é fato constatável em outros casos.

No caso do art. 481, parágrafo único, do CPC136, tal dispositivo “submete os

demais Tribunais à eficácia vinculante das decisões do STF em controle de

constitucionalidade, indiferentemente de terem sido tomadas em controle concentrado ou

difuso”137.

No art. 544, §§ 3º e 4º, do CPC, regulando hipótese de agravo de

instrumento interposto de decisão que negou seguimento a recurso extraordinário ou especial,

prevê-se a possibilidade de o relator do recurso, se o acórdão recorrido estiver em confronto

com a súmula ou jurisprudência dominante do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo

133 ZAVASCKI, 2001:26 134 ZAVASCKI, 2001:26 135 ZAVASCKI, 2001:26 136 Art. 481, parágrafo único, do Código de Processo Civil. “Os órgão fracionários dos tribunais não submeterão ao plenário, ou

ao órgão especial, a argüição de inconstitucionalidade, quando já houver pronunciamento destes ou do plenário do Supremo Tribunal Federal sobre a questão”.

137 ZAVASCKI, 2005:85

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Tribunal Federal, “conhecer do agravo para dar provimento ao recurso”138. Está aí um caso

típico que demonstra a vocação expansiva das decisões proferidas em sede de controle difuso.

Outrossim, em se tratando de ação rescisória movida contra sentença que

violar expressa disposição de lei139, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é no

sentido de afastar a incidência da Súmula 343/STF140 quando se estiver alegando

contrariedade do acórdão rescidendo a pronunciamento do Supremo Tribunal Federal, seja em

controle difuso, seja em controle abstrato. De oportuno, de conferir-se o seguinte excerto do

voto condutor proferido no julgamento do REsp nº 479.909 pelo Superior Tribunal de Justiça

a respeito da força vinculativa das declarações de inconstitucionalidade proferidas no controle

difuso para fins de rescisão de sentenças a elas contrárias, in verbis: A segunda situação possível é a de sentença contrária a precedente do STF

firmado no exame de caso concreto. O STF é o guardião da Constituição. Ele

é órgão autorizado pela própria Constituição a dar a palavra final em temas

constitucionais. A Constituição, destarte, é o que o STF diz que ela é.

Eventuais controvérsias interpretativas perante outros tribunais perdem,

institucionalmente, toda e qualquer relevância perante o pronunciamento da

Corte Suprema. Contrariar o precedente tem o mesmo significado, o mesmo

alcance, em termos pragmáticos, que o de violar a Constituição. A existência

de pronunciamento do Supremo sobre matéria constitucional acarreta,

no âmbito interno dos demais tribunais, a dispensabilidade da instalação

do incidente de declaração de inconstitucionalidade (CPC, art. 481,

parágrafo único), de modo que os órgãos fracionários ficam, desde logo,

submetidos, em suas decisões, à orientação traçada pelo STF. É nessa

perspectiva, pois, que se deve aquilatar o peso institucional dos

pronunciamentos do Supremo Tribunal Federal, mesmo em controle

difuso. Nisso reside a justificação para se deixar de aplicar, na seara

constitucional, o parâmetro negativo da Súmula 343, substituindo-se pelo

parâmetro positivo da autoridade do precedente. E a conseqüência prática

disso é que, independentemente de haver divergência jurisprudencial sobre o

tema, o enunciado da Súmula 343 não será empecilho ao cabimento da ação

rescisória (juízo de admissibilidade). Mais que cabível, é procedente, por

violar a Constituição, o pedido de rescisão da sentença (juízo rescindente),

sendo que o novo julgamento da causa (juízo rescisório), como corolário

lógico e necessário, terá de se ajustar ao pronunciamento da Corte Suprema.

Aqui também não tem relevância prática a investigação em torno da

precedência ou não da decisão do STF sobre a sentença rescindenda, já que,

138 Art. 544, § 3º, do CPC. 139 Art. 485, V, do Código de Processo Civil. 140 Súmula 343/STF. “Não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição da lei, quando a decisão rescindenda se tiver

baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais”.

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ao julgar a rescisória, não está se executando o acórdão proferido em controle

difuso. O que se faz é acolher a orientação nele adotada pelo Supremo, cuja

autoridade não decorre da circunstância de ser anterior à sentença

rescindenda, mas de se tratar de pronunciamento do guardião da

Constituição, o que, por si só, determina seja acolhido em qualquer futuro

julgamento, inclusive nos de ações rescisórias. Pela mesma razão, não vem

ao caso saber se a norma eventualmente tida por inconstitucional pelo

precedente do Supremo teve ou não sua execução suspensa pelo Senado.

Se foi suspensa, haverá aí apenas uma razão a mais para acolher o precedente

do STF, já que a suspensão pelo Senado tem para acolher o precedente do

STF, já que a suspensão pelo Senado tem eficácia erga omnes e, segundo

orientação predominante, ex tunc. (grifo nosso)141

Portanto, é preciso estarem avivados esses supracitados preceitos basilares

do instituto da coisa julgada, especialmente no tocante à sua orbe material, a fim de invocar-

lhes auxílio na presente esforço de encontrar a melhor inteligência a ser emprestada a esses

novéis dispositivos processuais.

141 REsp 479909/DF, unânime, Rel. Min. TEORI ALBINO ZAVASCKI, 1ª Turma, julgado em 05.08.2004, DJ 23.08.2004, p.

122

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NOTAS CONCLUSIVAS.

Para compreender o atual cenário de flexibilização da coisa julgada faz-se

imperioso tomar emprestada a teoria científica de transição paradigmática do famoso THOMAS

S. KUHN,142,. É que o tempo atual parece não mais admitir a coisa julgada como um

sacralizado e absoluto dogma capaz de, até mesmo, transformar o branco em preto e o

quadrado, em círculo.

Indeclinavelmente, os paradigmas possuem anomalias. Estas, porém,

poderão se tornar sérias quando estiverem minando o próprio fundamento do paradigma e

permanecendo inabaláveis ante as investidas da comunidade científica. Além disso, pode

haver em pauta algum fator social a exigir uma urgente solução das anomalias, a exemplo do

que ocorreu à época de Copérnico, quando se ansiava por uma reforma do Calendário.

Escusado é dizer, nesse contexto, que a alta quantidade de anomalias contribui para o

solapamento de um paradigma.

Quando da chegada da crise do paradigma, os cientistas imergem em um

“período de acentuada insegurança profissional”143 e passam a andar errantes em meio às

sucessivas eclosões de radicais tentativas de solução de problemas. Os cientistas perdem a

confiança no paradigma e, via de conseqüência, transmuda-se em alvos vulneráveis de um

novo paradigma rival e radicalmente diferente que há de surgir.

Em verdade, os proponentes de paradigmas rivais – como assinala o célebre

filósofo da ciência, Kuhn – estão “vivendo em mundos diferentes”144, ou seja, apreendem os

fenômenos da realidade com gestalts145 diferentes.

Ademais, critérios puramente lógicos serão insuficientes para persuadir um

cientista a perfilhar outro paradigma, na medida em que a adoção de um certo paradigma

implica aspectos subjetivos e sociais do cientista. Por ilustração, recorde-se que muitos

cientistas repudiaram a teoria de Copérnico em função de convicções religiosas. Aí se entende

o porquê da evocação de uma perquirição psicológica e sociológica no escopo de

compreender a motivação de um cientista em abraçar um outro paradigma incompatível com

o anteriormente adotado. Outro patente exemplo dessa asserção é o caso de Galileu durante o

período de revolução científica que antecedeu a física moderna. A propósito das descobertas

desse célebre físico, faz sintético resumo BRONOWSKY, in verbis:

142 Como se aduzirá ao longo do trabalho, a teoria kuhniana diz respeito a períodos de revolução científico, conceito que é mais

complexo com o de relativização da coisa julgada. Assim, aplicar-se-á essa teoria de Kuhn com as ressalvas necessárias. 143 CHALMERS, 1993:132 144 CHALMERS, 1993:131 145 Longe de ser repetitivo, recorde-se que gestalt significa ponto de vista, visão de mundo, cosmovisão.

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Sua [de Galileu] proposição afirma serem de uma só natureza as forças dos

céus e da terra; assim, as experiências mecânicas realizadas aqui nos dão

informações sobre as estrelas. Ao dirigir seu telescópio para a Lua, para

Júpiter e para as manchas solares, destruiu a ideologia clássica baseada na

perfeição e imutabilidade dos céus; também estes, à semelhança da terra,

foram colocados à sujeição da lei da transformação.146

A comunidade científica da época levantou violentas críticas às conclusões

de Galileu, chegando a afirmar que os telescópios dele revelavam coisas desconhecidas pela

mediação do demônio, sendo tais revelações meras ilusões de óptica. Tempos depois, no ano

de 1643, Galileu foi executado pela Inquisição por causa de suas idéias ousadas e inoportunas.

Mais uma vez se percebe que a adoção de um paradigma não se explica

somente por fatores lógico-empíricos, mas também por fatores subjetivos dos cientistas.

Em nosso estudo pudemos verificar a sensação de desmistificação do

“absoluto”, seja com relação a uma “justiça ideal”, seja com relação à coisa julgada

intangível, mas também pudemos demonstrar que o instituto da coisa julgada está sendo aos

poucos mitigado na busca de um ideal de justiça com muita cautela e sem arroubos de destruí-

la como se todo o mal fosse a coisa julgada.

Posto isso, forçoso é frisar que a revolução científica é bem-sucedida

quando a maior parte da comunidade científica adere a um novo paradigma em razão de um

conjunto de fatores de várias ordens (lógico, social, subjetivo, etc), restando um minguado

número de dissidentes expostos ao esquecimento.

Se tratarmos como quer Ovídio Batista, a coisa julgada material como

intangível, obteríamos na coisa julgada a incerteza preconizada por Heisenberg, onde a teoria

Newtoniana não explica as visões macro-cósmicas da relação espaço-tempo, nem da micro-

cósmica do comportamento das partículas, ainda que seja aplicada para os demais casos como

ferramenta útil e compatível com os demais ramos da Física, sendo usada sem problemas até

que uma nova ferramenta mais precisa tome seu lugar.

Essa dificuldade de abraçar uma tese, sem largar a outra, tem deixado

patente a difícil missão do julgador, que se volta contra suas próprias ferramentas, não

possibilitando desenvolver seu oficio com perfeição vendo-se sempre as voltas com as

imperfeições humanas, uma vez que a premissa primeira do contrato social é que não hajam

litígios, em um mundo equanimente partilhado (utopia), seguidos da premissa de que o Juiz

de primeiro grau deva resolver os processos de forma legal e justa, permitindo ao segundo

grau a possibilidade de revisão de suas decisões e, em hipóteses especiais, caso a lide alcance

146 BRONOWSKY, 1992: 212

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as instâncias superiores, apenas para enquadramento com a jurisprudência nacional e com a

Lei maior, nivelando todos ao mesmo patamar de justiça.

Enquanto nosso Einstein processual não solidificar sua teoria, rebatendo

todos os argumentos contra ela, continuaremos como o bons mineiros, “comendo pelas

beiradas” e analisando caso a caso as possibilidades de relativização, sem contudo obtermos a

certeza da justiça ideal, preconizada por Couture, porém com a certeza de que estamos muito

mais próximos agora do que antes, graças aos “incomodados” operadores do direito que

buscam saciarem sua sede e acalmarem seus ânimos nas fontes da Justiça.

Para se chegar a um termo de concórdia em referência a pacificação social

em respeito às sentenças, deve-se acreditar que a coisa julgada não é nem um bem, nem um

mal, do qual deveríamos amá-la ou odiá-la, mas sim, uma ferramenta e como ferramenta que

é, devemos usá-la com a maestria e a precisão de quem lapida um diamante, a ponto de

obtermos a melhor jóia, irretocável, da qual todos se admiram e a busquem para si, agregando

e aumentando em muito o valor de nossa justiça e dando-nos o prestígio de termos dela

participado com esta pequena contribuição.

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2. LEGISLAÇÃO

Constituição Federal da República

Código de Processo Civil (Lei 5.869, de 11 de janeiro de 1973)

Exposição de Motivos da Lei 11.232, de 22 de dezembro de 2005

Lei 11.232, de 22 de dezembro de 2005

Lei de Introdução ao Código Civil (Lei 4.657/1942)

Lei de Execução Fiscal (Lei 6.830/80)

3. PALESTRAS

- Informações orais colhidas na palestra “AS NOVAS REFORMAS DO PROCESSO CIVIL explicada pelos

próprios autores – Homenagem a Athos Gusmão Carneiro e Sálvio Figueiredo Teixeira”, promovida pelo

Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP) e realizada em Brasília, no Centro de Convenções Ulysses

Guimarães, no período de 03 a 05 de abril de 2006.

- Informações orais colhidas na palestra do profº Athos Gusmão Carneiro no dia 29 de maio de 2006 no auditório

Joaquim Nabuco, situado na Universidade de Brasília – UnB.

4. PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS

EDcl Resp 19.915-8-MG-, Rel. Min. SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, 2ª Seção, DJU 17.12.92;

Resp 107.248/GO, Rel. Min. CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, 3ª Turma , DJU 29.06.1998;

Resp 226.436-MG-, Rel. Min. SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, 4ª Turma, DJU 28.06.2001;

Resp 432.108 - MG Rel : Min CASTRO FILHO, 3ª Turma, DJU 19.12.2002;

Resp 435.102 – MG, Min. CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, DJU 13.02.2006

REsp 479909/DF, Rel. Min. TEORI ALBINO ZAVASCKI, 1ª Turma, DJU 23.08.2004;

EREsp 608.122/, Rel. Min. TEORI ALBINO ZAVASCKI, 1ª Seção, DJU 28.05.2007;

AgRg no REsp 626.801/RN, Rel. Min. PAULO MEDINA, 6ª Turma, DJ 08.05.2006;

RESP 686.594/MG, Rel. Min. CASTRO MEIRA, 2ª Turma, DJ 02.05.2005;

REsp 706.987/DF, Rel. Min. HUMBERTO GOMES DE BARROS, 2ª Seção, DJU; 10.10.2008

REsp 825.858/MG, Rel. Min. TEORI ALBINO ZAVASCKI, 1ª Turma, DJU 15.05.2006;

REsp 828.106/SP, Rel. Min. TEORI ALBINO ZAVASCKI, 1ª Turma, DJU 15.05.2006;