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ZULEICA RISTER A COISA JULGADA NAS AÇÕES DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE - ASPECTOS DOUTRINÁRIOS E JURISPRUDENCIAIS À LUZ DO NOVO CÓDIGO CIVIL Centro Universitário Toledo. Araçatuba 2007

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ZULEICA RISTER

A COISA JULGADA NAS AÇÕES DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE - ASPECTOS DOUTRINÁRIOS E

JURISPRUDENCIAIS À LUZ DO NOVO CÓDIGO CIVIL

Centro Universitário Toledo. Araçatuba

2007

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ZULEICA RISTER

A COISA JULGADA NAS AÇÕES DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE - ASPECTOS DOUTRINÁRIOS E

JURISPRUDENCIAIS À LUZ DO NOVO CÓDIGO CIVIL

Dissertação apresentada à Banca Examinadora do Curso de Mestrado do Centro Universitário Toledo, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Direito, sob a orientação do professor Doutor José Sebastião de Oliveira.

Centro Universitário Toledo. Araçatuba

2007

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Banca Examinadora

___________________________________

Prof. Dr. José Sebastião de Oliveira (Orientador).

___________________________________

Profª. Drª. Iara Rodrigues de Toledo (Examinadora).

___________________________________

Prof. Dr. Ivan Aparecido Ruiz (Examinador).

Araçatuba, 26 de outubro de 2007

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AGRADECIMENTOS

Principalmente, a Deus, que me permitiu estar nesta existência com todas as

faculdades e sentidos perfeitos e porque me proporcionou uma família maravilhosa,

privilegiando-me ainda com três filhos espetaculares e amantes do Direito.

Em segundo, aos meus filhos Fernando, Lucas e Cibele, incentivadores

ferozes ao presente trabalho, aos quais não poderia nunca desapontar. Aos três, razão da

minha existência e felicidade plena.

Por fim, ao brilhante professor Doutor José Sebastião de Oliveira -

responsável também pela introdução e aprovação do mestrado na Instituição Toledo - por

fazer-me rebuscar todo o conteúdo deste trabalho.

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“na vida da ciência – da ciência jurídica ou

qualquer outra – não há, nem pode haver,

ponto de repouso definitivo. O que antes se

tiver virado do avesso pode sempre, a todo

tempo, ser revirado: não no sentido de dar

marcha à ré, de abrir mão do avanço

consumado, de desprezar as recentes

conquistas; mas no de averiguar se, com a

ajuda das novas lentes, porventura não se

obtêm, olhando noutra direção, quiçá no

sentido contrário, imagens também novas e

igualmente enriquecedoras.” (BARBOSA

MOREIRA1, 1997, p. 3).

1 A justiça e nós, in Temas de direito processual, Sexta série, São Paulo: Saraiva, 1997

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RESUMO

A relativização/flexibilização da coisa julgada nas ações que versam sobre a investigação da

verdade biológica, suscita ainda controvérsias doutrinárias e jurisprudenciais, alcançando

papel de destaque devido ao surgimento, relativamente recente, do exame hematológico pelo

método do DNA. O tema é de notória atualidade e de relevância para o moderno direito

processual brasileiro, em especial no âmbito do Direito de Família, frente à nova concepção

de família ditada pela Constituição Federal de 1988 e o novo Código Civil. Sensível à nova

realidade da sociedade moderna, o Estado vem criando mecanismos com vistas a admitir que

a autoridade da coisa julgada não é absoluta, mas, passível, em casos excepcionalíssimos, de

questionamento, como assim vem perfilhando a jurisprudência e a doutrina.

Palavras-chave: relativização da coisa julgada, DNA e direito à verdade biológica.

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ABSTRACT

The judged thing relativization/flexiblization in actions that turn on the biological truth

investigation still excites the doctrinal and judgment controversies, reaching a due

prominence paper to the sprouting, relatively recent, of the blood examination of the DNA

method. The subject is well-known at present time and relevance for the modern Brazilian

procedural right, especially in the Family Rights scope, face the new conception about family

dictated in the Federal Constitution of 1988 and in the new Civil Code. Sensible to the new

reality of the modern society, the State have been creating mechanisms to admit that the

judged thing authority is not absolute, but passive, in exception cases of questioning, as the

jurisprudence have been adopting.

Key-words: judged thing relativization, DNA and right of the biological truth.

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LISTA DE ABREVIATURAS

a. C – antes de Cristo.

Art. – Artigo.

Câm. – Câmara.

CC – Código Civil.

CF – Constituição Federal.

CPC – Código de Processo Civil.

Civ. – Civil.

Dec. – Decreto.

Des. – Desembargador.

DJ – Diário de Justiça.

DNA - ácido desoxirribonucléico/ exame pericial.

ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente.

ed. – Edição.

HLA - Antígeno leucocitário humano (Human leukocyte antigen).

IBDFAM – Instituto Brasileiro de Direito de Família.

LCC – Lei de Introdução ao Código Civil.

p. – Página.

PL – Projeto de Lei.

Prof. - Professor

Rel. – Relator(a).

RE – Recurso Extraordinário.

REsp. – Recurso Especial.

STF – Supremo Tribunal Federal.

STJ – Superior Tribunal de Justiça.

TJ – Tribunal de Justiça.

v. - Volume

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO............................................................................................................. 11

I DIREITO, JUSTIÇA E A MORAL................................................................ 19

1.1 Tornar justo o Direito Justo...................................................................... 19

1.2 Direito e a Moral...................................................................................... 25

1.2.1 Da moralidade das decisões..................................................................... 26

1.3 O processo civil e o acesso à justiça........................................................ 28

1.3.1 Evolução histórica do processo civil juntamente com seu conteúdo

romano-germânico..................................................................................

34

II REFLEXÃO SOBRE A COISA JULGADA, CONCEITOS E LIMITES DE

EFICÁCIA............................................................................................................

38

2.1 Conceito de coisa julgada........................................................................ 38

2.2 Proteção constitucional da coisa julgada................................................. 41

2.2.1 A coisa julgada inconstitucional............................................................. 44

2.3 O alcance da coisa julgada...................................................................... 48

2.4 Coisa julgada material (“auctoritas rei iudicatae”)................................... 51

2.5 A relativização da coisa julgada.............................................................. 52

III FAMÍLIA, SOCIEDADE E FILIAÇÃO.............................................................. 55

3.1 Direito de Família................................................................................... 55

3.2 Novo conceito de filiação........................................................................ 58

3.3 Direito à filiação...................................................................................... 59

3.3.1 Do filho presumido, legal e real.............................................................. 62

3.4 Filiação sócio-afetiva.............................................................................. 65

3.5 Da prova pericial pelo DNA (ou ADN, ácido desoxirribonucléico)....... 69

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IV DO INSTITUTO DA PATERNIDADE SOB A PERSPECTIVA DA

FILIAÇÃO...........................................................................................................

72

4.1 Tipos de paternidade................................................................................ 72

4.1.1 Da filiação paterna biológica.................................................................. 73

4.1.2 Da filiação paterna sócio-afetiva............................................................. 73

4.1.3 Da filiação paterna jurídica...................................................................... 74

4.2 Surgimento de novos vínculos de parentalidade..................................... 75

4.3 Adoção à brasileira................................................................................. 78

4.3.1 Adoção à brasileira - prevalência da filiação sócioafetiva...................... 79

4.3.2 Adoção – direito à ancestralidade sem direito sucessório....................... 81

V A RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA E A INVESTIGAÇÃO DE

PATERNIDADE.................................................................................................

82

5.1 A Coisa Julgada nas ações de investigação de paternidade................... 82

5.2 Prevalência da imutabilidade da coisa julgada....................................... 88

5.3 Relativização da Coisa Julgada - ação julgada improcedente por falta

de provas (DNA).....................................................................................

89

5.4 Inexistência de coisa julgada material..................................................... 91

CONCLUSÃO................................................................................................................. 93

REFERÊNCIAS.............................................................................................................. 103

APENDICES................................................................................................................... 111

Apêndice A..................................................................................................................... 112

Apêndice B..................................................................................................................... 114

ANEXOS........................................................................................................................ 116

Anexo A........................................................................................................................... 117

Anexo B.......................................................................................................................... 131

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Anexo C........................................................................................................................... 135

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INTRODUÇÃO

Desde o século passado, havia uma preocupação no mundo jurídico voltada

ao efetivo exercício das franquias previstas no ordenamento, como forma de tornar realidade a

transposição dos obstáculos que impediam que as pretensões dos litigantes chegassem a um

julgamento justo.

Por mais que houvesse enunciados e princípios propagados em textos legais

e constitucionais, com vistas a garantir efetividade e satisfação aos jurisdicionados, tudo não

passava de belos textos semânticos, sem a devida correspondência com a realidade esperada.

Nesta última década, depara-se com substancial evolução no campo

processual, o que hoje mundialmente se tem propagado como “acesso à justiça”,

proclamando-se os processualistas contemporâneos que o processo deve ser voltado

essencialmente para a satisfação dos consumidores, criando-se mecanismos aptos a atender e

satisfazer os jurisdicionados. Isto é, colocar em prática as medidas que a sociedade realmente

necessita tê-las disponíveis e de fácil acesso à justiça, para suprir ou compensar as carências

financeiras, culturais, sociais e psicológicas dos litigantes, principalmente os menos

favorecidos.

Tudo isto vem levando a uma profunda reflexão dos processualistas

empenhados em eliminar ou minimizar a grande distância existente entre a justiça que temos e

aquela esperada pela sociedade, criando-se no ordenamento jurídico, mecanismos aptos a

favorecer o amplo acesso ao judiciário, bem como, criando meios alternativos de solução mais

rápida dos litígios.

Houve a necessidade de uma série de edição de leis extravagantes

destinadas a regular matérias que o legislador de tantos anos atrás sequer havia cogitado (nem

mesmo teria condições de cogitar).

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Poder-se-ia aqui citar inúmeras delas, mas diante de sua desnecessidade ante

ao tema tratado, podemos exemplificar apenas algumas a título de exemplificação, como a

que disciplina o reconhecimento de filhos ilegítimos (Lei n.º 883, de 21-10-1949); dos efeitos

civis do casamento religioso (Lei n.º 1.110, de 23-05-1950); da situação jurídica da mulher

casada (Lei n.º 4.121, de 27-08-1962); da legitimação adotiva (Lei n.º 4.655, de 02-06-1965);

do divórcio (Lei n.º 6.515, de 26-12-1977); da situação jurídica de crianças e adolescentes

(Lei n.º 8.069, de 13-07-1990), conhecida como Estatuto da Criança e do Adolescente; do

Código de Defesa do Consumidor, (Lei n.º 8.078, de 11-09-1990); da que regula a

investigação de paternidade dos filhos havidos fora do casamento (Lei n.º 8.560, de 29-12-

1992), dos direitos resultantes da chamada “união estável” (Lei n.º 9.971, de 29-12-1994, e

Lei n.º 9.278, de 10-05-1996).

Além do que, nos últimos anos, o sistema processual passou por importantes

reformas, cujo objetivo maior é aproximar o direito material ao processual, no sentido de

pacificação social, justamente porque nos tempos atuais, o conceito de justiça foi ampliado e

teve nova cotação capitaneada pelo processualista, professor Cândido Rangel Dinamarco

(1999, p. 159-162) que colocou a pacificação social e um dos escopos do processo.2

Importante ressaltar que de maior relevância foram as modificações trazidas

pela Constituição Federal de 1988, considerada “Constituição Cidadã”, que deu especial

destaque aos direitos fundamentais do homem, bem como, elevou ao patamar constitucional

preceitos de ordem processual até então enunciados apenas em nível de legislação ordinária.

2 Cf. DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 7 ed. Malheiros: São Paulo, 1999, p. 159-162. Transcreve-se deste trabalho trechos pontuais, p. 159: “Por esse aspecto, a função jurisdicional e a legislação estão ligadas pela unidade do escopo fundamental de ambas: a paz social.”. Também, p. 160: “São as insatisfações que justificam toda a atividade jurídica do Estado e a eliminação delas que lhe confere legitimidade.”. Ainda, p. 161: “Isso não significa que a missão social pacificadora se dê por cumprida mediante o alcance de decisões tomadas. Entra aqui a relevância do valor justiça. Eliminar conflitos mediante critérios justos.”.

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Do processo civil cuidavam pouco, com ressalva de alguns instrumentos

ordenados à proteção de direitos e interesses peculiares como o mandado de segurança e a

ação popular.

Foi pois com a Constituição Federal de 1988, que se enriqueceu o repertório

de disposições concernentes também ao processo civil, como também se ampliou o rol dos

princípios constitucionalmente consagrados.

Finalmente, a insatisfação generalizada do desempenho da máquina

judiciária tem provocado reformas legislativas que vem mudando em muitos pontos o Código

de Processo Civil de 1973.

Entretanto, como não bastavam novas regras no plano da legislação

ordinária, viu-se a necessidade de alterar a própria Constituição, o que levou à edição de uma

Emenda Constitucional, de n.º 45, promulgada em 8 de dezembro de 2004, popularmente

conhecida como “Reforma do Poder Judiciário” ou “Reforma da Justiça”.

Na verdade, a Emenda n.º 45 tratou de múltiplas e variadas matérias, aqui e

ali estranhas ao âmbito delimitado por aquela designação, além de criar o Conselho Nacional

de Justiça, com vistas a um judiciário mais rápido e acessível criando ainda, institutos como a

súmula impeditivas de recursos.

Referida Emenda teve como principal inovação, a concentração do

legislador, acima de tudo, no aspecto de duração dos processos, vista como excessiva.

No entanto, apesar de constituir problema sério a lentidão do poder

judiciário brasileiro, forçoso é reconhecer, que nada tem de peculiar ao Brasil, por que aflige

também países do primeiro mundo e, ao contrário do que se costuma apregoar, muito

provavelmente nem sequer serão as leis as maiores vilãs da história, mas sim, a má gestão

administrativa de alguns juízos e tribunais. Fator este que pouco se cuida e que pode estar

influindo negativamente no rendimento do aparelho judicial.

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Forçoso é reconhecer, porém, que desde a segunda metade do século XX,

evidencia-se uma transformação de grande relevo no campo processual, e não com menos

intensidade, no que diz respeito ao Direito de Família, com importantes conquistas, muitas

delas, graças à quebra da ideologia patriarcal; evolução do conhecimento científico, com

novos avanços nas áreas da biologia e da tecnologia; igualdade dos direitos entre homens e

mulheres e especialmente, com a entrada em vigor do novo Código Civil pela Lei n.º 10.406,

de 11/01/2002, o qual, ao contrário do de 1916, que refletia a sociedade do século XIX,

priorizando o individualismo e admitindo atitudes machistas, veio enfatizar o princípio da

ética, superando o apego ao formalismo jurídico, da sociedade e da operabilidade; pontos

estes, considerados fundamentais pela sociedade jurídica contemporânea.

E, conseqüentemente, como toda modificação causa certos transtornos, e

leva tempo para ser plenamente aceita, principalmente no Direito de Família, não é fácil de

ser absorvida; o que gerou certa conotação não verdadeira, de que a modernização da

estrutura familiar comprometeria a sua própria existência, conduzindo a uma desumanização

da sociedade. Muito pelo contrário, os estudos e pesquisas, as doutrinas e a efervescência das

idéias que obrigatoriamente acompanham o mundo jurídico, cada vez mais tendem a realizar

o ideal de justiça e humanismo que evidentemente nortearão o Direito do próximo século.

Como sexo, casamento e reprodução deixaram de ser os elementos

estruturadores da família, impõe-se que seja revisto o novo conceito de família, sem querer

dizer que tenha sido ela completamente desagregada. O que mudou, e o legislador, o jurista,

enfim, o operador do direito não pode deixar de considerar é que houve uma mudança da

sociedade a respeito das mais variadas formas de manifestações de afeto, com possibilidades

diferentes de constituição de família.

Isto porque se passou a dar maior importância a um afeto especial,

denominado afeto sócioafetivo, sendo verdade que para existir família, não é preciso

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necessariamente haver homem e mulher, pai e mãe, ou seja, cônjuges em sentido restrito, mas,

basta haver cônjuges em sentido amplo. Ou seja, pessoas conjugando suas vidas intimamente

por um afeto especial e assumindo um destino que lhes seja comum.

Com as mudanças do sistema patriarcal, não se pode mais fazer o retrato de

um pai típico, e, ao contrário do que se via no século passado, quando as crianças eram

abandonadas e criadas pela mãe, hoje, com a revolução feminista, o número de homens que

educam sozinhos seus filhos está crescendo na maioria das sociedades ocidentais.

A Constituição Federal de 1988 desencadeou uma grande reforma no

Direito de Família a partir da mudança de três eixos básicos: homens e mulheres são iguais

perante a lei; o Estado passou a reconhecer outras formas de família além daquela constituída

pelo casamento; e alterou o sistema de filiação, igualizando filhos havidos no casamento e

fora dele, inclusive, proibindo no artigo 226,3 qualquer discriminação.

Porém, não quer dizer que a Constituição de 1988 veio a acabar com filhos

extraconjugais, porque enquanto houver desejo sobre a face da terra, continuarão nascendo

filhos extraconjugais, de pais não-casados ou solteiros, e de produções independentes.

Todavia, com a evolução do conhecimento científico pelo método DNA,

ficou facilitada a averiguação dos laços biológicos da paternidade.

Com maior liberdade sexual, graças também à revolução feminista, e em

função da democratização de acesso aos exames periciais de DNA, tem crescido

consideravelmente o número de ações investigatórias de paternidade provocadas por pessoas

3 Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. § 3º - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento. § 4º - Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes. § 5º - Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher. § 7º - Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas. § 8º - O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.

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que querem ter o direito de saber a “verdade biológica” para alterarem o seu registro de

nascimento e verem consignado no assento o verdadeiro pai genético.

No entanto, no Código Civil de 1916, havia a previsão da decadência do

direito de impugnar a filiação ocorrida na constância do casamento, o que não prevalece com

o novo Código, que prevê a ausência da prescrição para exercê-lo, como disciplina agora o

artigo 1.6014 que dá ao marido o direito de contestar a prole nascida de sua mulher, a qualquer

momento, bem como, no mesmo dispositivo, em caso de falecimento do pai (impugnante), os

filhos poderão prosseguir na ação instaurada.

É o que se buscará demonstrar no presente trabalho, a respeito da

relativização/flexibilização da coisa julgada nas ações de investigação de paternidade e sua

importância no contexto da mitigação ou não da segurança jurídica, quanto às sentenças com

trânsito em julgado ao tempo em que só existia o exame pericial pelo sistema HLA. Ou então,

por outro lado, quando se tratava de casos de revelia do réu, em cujos processos, o julgador

tinha seu convencimento na maioria dos casos, exclusivamente na precária prova testemunhal

ofertada pelo autor, justamente porque prevalecia o entendimento que era melhor atribuir-se

um pai a quem não tem, do que deixá-lo sem.

Serão tecidas considerações sobre a relativização da coisa julgada, tanto na

forma que o próprio nome indica, como nos seus efeitos no Direito de Família com ênfase nas

investigações de paternidade que podem ser intentadas mesmo após o prazo da ação

rescisória, e mesmo quando já persistente um assento de nascimento dando conta da

existência de um pai já declarado.

Em breve incursão no tempo, demonstrar-se-á que não obstante o tema da

relativização da coisa julgada tenha se propagado hodiernamente, tal matéria já foi apreciada

nos idos de 1998, em caso de bastante repercussão nacional, quando a Fazenda Pública

4 Art. 1.601 do CC: Cabe ao marido o direito de contestar a paternidade dos filhos nascidos de sua mulher, sendo tal ação imprescritível.

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economizou aos cofres públicos, vultosa indenização em um caso de desapropriação relativa a

Direito Ambiental.

Após, seguiremos no trabalho, na tentativa de demonstrar que o atual

sistema jurídico caminha para uma interpretação mais humanista, menos distante do povo,

através da melhor atuação dos juízes, em prol de um direito mais justo.

Na prática judiciária brasileira, a negação de ser a jurisprudência fonte

formal do direito é meramente acadêmica, já que ela precedeu o legislador, em reformas

progressistas, principalmente no Direito de Família.

Ficará pois a cargo do juiz no desempenho de um poder político, fazer a

justiça em cada caso concreto, adaptando a ordem jurídica à evolução dos fatos novos.

Sem a pretensão de esgotar o tema, é incontestável que a paternidade social

assume, hoje, relevante papel na convivência familiar, consolidando-se na doutrina e

jurisprudência a família sócioafetiva, com predominância das relações de afeto, convivendo e

compartilhando o cotidiano de alegrias e tristezas, trazendo a lume o verdadeiro sentido de

paternidade.

O pai que educa e sustenta nem sempre é o biológico, eis que a paternidade

pode ser uma função exercida, ou um lugar ocupado por alguém que não seja necessariamente

o pai biológico.

E, por mais que se avance o Direito de Família, sem sombra de dúvida há de

prevalecer que um pai, mesmo biológico, se não adotar seu filho, jamais será o pai na

verdadeira acepção da palavra, justamente porque a atribuição de uma paternidade pelo laço

biológico não tem o condão de impor que o genitor se torne o pai.

São questões dessa magnitude que se procurará demonstrar nesta nova

concepção de Direito de Família, que requer tanto do direito quanto da psicanálise, tanto dos

cientistas quanto dos humanistas, tanto dos governantes quanto dos cidadãos, uma

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interpretação humanista e reflexiva voltada à dignidade humana e para uma distribuição de

justiça que melhor se aproxime do justo.

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I – DIREITO, JUSTIÇA E A MORAL.

1.1 Tornar justo o Direito justo

A regra ética apenas fala à consciência de cada um. Todavia, a alguns nada

vale, visto não seguirem e, às vezes, nem entenderem o que ela nos fala. Assim, a humanidade

segue o seu caminho, pena que enquanto isto a ética segue lentamente,5 razão por que o

judiciário tem que estar presente, aparelhado e, principalmente, atualizado para combater os

conflitos que, em sua maioria, são oriundos da falta de eticidade nas relações sociais.

O ser humano é um indivíduo e ente social. Mesmo possuindo uma

personalidade própria, conseqüentemente, idéias e vontades, não deixa de fazer parte da

sociedade como um todo.6 Em outras palavras, o homem, é um ser gregário que precisa viver

em sociedade, sendo esta necessidade, uma lei natural que está inata nele, e que, forçosamente

o obriga a participar da comunidade humana.

Para o homem se desenvolver racionalmente, é fundamental a vida em

sociedade, pois sozinho ele é incapaz de sobreviver. A noção própria do termo homem

significa comunidade: unus homo, nullus homo. Assim, sua existência só é possível dentro de

um contexto social.7

Onde há pessoas juntas, há idéias próprias, vontades antagônicas, interesses

conflitantes, sendo da própria natureza do homem o conflito, pois ele busca sempre submeter

o outro à sua vontade, daí surge a lide. Isto é, alguém quer realizar um desejo e outrem por

5 CARNELUTTI, Francesco. Teoria geral do direito privado, p. 103. 6 DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito, p. 300. 7 DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito, p. 300. Ver também RADBRUCH, Gustav. “A cada atividade básica do espírito humano corresponde um tipo especial de leis do dever: a lógica trata das leis do modo de pensar verdadeiro, correto, científico; a estética trata da maneira certa de vivenciar com sentimento a arte e a beleza; todavia, o dever ético, que apresenta sua lei ao nosso querer e agir, é de natureza tríplice: as regras de um agir bom, adequado e justo produzem a moralidade, o costume e finalmente o direito.” (Introdução à ciência do direito, p. 1).

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motivos pessoais, podendo ser justo ou não, põe-se no seu caminho. É um empecilho para a

efetividade da sua vontade.

Dá necessidade de se resolverem os conflitos é que surge o direito, que vem

justamente para resolver essa divergência, dando a cada um o que lhe pertence, ou

simplesmente protegendo o pequeno do grande. Nesse contexto, faz-se necessário, um

profundo questionamento sobre o que é o Direito, conforme abaixo se dissertará.

O que é o Direito? Conceito hoje muito reavaliado e procurado pela grande

maioria dos estudiosos e leigos, estes últimos que sem ao menos ter um conceito claro do que

seja, inconscientemente, buscam nele a pacificação social.

Muitos conceitos poderiam ser discorridos a respeito do “Direito”. Alguns,

porém, podem trazer uma idéia de vago, ambíguo, confuso, pois às vezes, aparecem de forma

paradoxal e contraditória,8 chegando a ser um problema supracientífico, necessitando de

campo próprio de questionamento da ontologia jurídica.9

Kelsen acreditava que pelo uso da linguagem, determinando o significado

gramatical da palavra e comparando com o significado da mesma palavra em vários países,

pode-se chegar à conclusão de que mesmo nas mais diferentes épocas, resulta de uma “ordem

de conduta.”10 Seguindo, o mestre exemplifica: “Assim, lemos na Bíblia que um boi que

matou um homem deve também ser morto” 11. Assim, o direito apareceria justamente para

reagir contra condutas que são consideradas indesejadas por serem nocivas à sociedade.12

“O anseio por justiça é o eterno anseio do homem por felicidade.” 13 Como

o alcance da felicidade pelos seres humanos não é proporcional pelos mesmos bens da vida, a

justiça seria um valor relativo, dependente da concepção particular de cada indivíduo, o que

8 RIZZATTO NUNES, Luiz Antônio. Introdução ao estudo do direito, p. 35. 9 DEL VECCHIO, Giorgio. Lezioni de filosofia del diritto, p. 2. 10 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito, p. 33. 11 Ibid., mesma página. 12 Ibid., p. 35. 13 KELSEN, Hans. What is justice?, p. 2.

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impediria a construção de uma ordem social considerada justa pos todos. 14 Dentre os diversos

valores que informam a conduta humana em busca da felicidade, alguns são eleitos pelo

legislador como fundamentais. Tais valores são consubstanciados em normas jurídicas

positivas, as quais, para Hans Kelsen, são o único parâmetro de que se dispõe para avaliar de

modo objetivo e seguro a justiça de um evento.15 Sob esse prisma,

o conceito de justiça transforma-se de princípio que garante a felicidade individual de todos em ordem social que protege determinados interesses, ou seja, aqueles que são reconhecidos como dignos dessa proteção pela maioria dos subordinados a essa ordem.16

A definição porém, que não se poderia deixar de citar, é a que o professor

Tércio Sampaio Ferraz Júnior mencionou em sua obra A Ciência do Direito: “podemos dizer

que o direito pode ser concebido como um modo de comunicar pelo qual uma parte tem

condições de estabelecer um cometimento específico em relação à outra, controlando-lhe as

possíveis relações.” 17

Este controle ocorre das mais diferentes formas, seja pelo uso da força, uma

superioridade cultural (médico e paciente), uma característica sócio-cultural (relação entre

pais e filho).18

Essas normas de condutas são expressadas por meio de normas legais, que

têm seu principal fundamento na necessidade de que o comportamento dos membros da

sociedade seja controlado para manter-se uma convivência pacífica.19 Em uma visão geral, a

norma jurídica é a “coluna vertebral” da sociedade.20

14 KELSEN, Hans. What is justice?, p. 2-5. Cfr. Ainda KELSEN, Hans. Reine Rechtslehre. P. 39, MÁYNEZ, E. Garcia. Algunos aspectos de la doctrina kelseniana, p. 39. 15 KELSEN, Hans. What is justice?, p. 3-4. 16 Ibid., p. 4. 17 FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. A ciência do direito, p. 100. 18 Ibid., mesma página. 19 DINIZ, Maria Helena. Código civil anotado, p. 300. 20 DEL VECCHIO, Giorgio. Philosophie du droit, p. 279.

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Investigando do ponto de vista da função tanto da Ética, como do Direito,

ambos têm o fim de obter a paz social entre os homens e, por conseguinte reagir contra o

perigo suscitado em razão de conflito de interesses.21

Essa identidade de função, invariavelmente, aproxima a ética do direito,

chegando a primeira ser classificada como Direito Natural, em contraposição do positivado.

Urge observar, que as normas jurídicas são resultado de opções políticas que

os congressistas escolheram, assumidas por eles como de interesse geral da sociedade. O que,

às vezes, não é; porém, isso faz parte do jogo da democracia.

Nessa linha, deve-se mencionar que a palavra direito foi herdada dos nossos

colonizadores, os portugueses e, provém do adjetivo latino directus, que é oriundo do latino

dirigere. Que significa: endireitar, alinhar, ordenar, marcar.22 E, segundo o prof. Goffredo,

simboliza o caminho do bem.23

Atendendo a vontade popular, o direito demonstra a inquietude do coração

humano; com isso, obrigatoriamente deve acompanhar a vida. Em breves palavras, é um

resumo do que somos.24

Segundo Alf Ross, seguidor da escola analítica da Filosofia do Direito, o

Direito é entendido como um conjunto de normas em vigor.25 Vai mais longe, o mestre de

Copenhague:

Geralmente se considera que a justiça é a idéia do direito, de onde surgem questões fundamentais a cerca do teor e argumento do princípio de justiça; acerca da relação entre a justiça e o direito positivo; acerca do papel desempenhado pelo princípio de justiça na legislação, na administração do direito e assemelhados. 26

O referido filósofo tem como justo, a correta aplicação das normas, ou

melhor dizendo, para ele a justiça está entendida nas normas; com isso, somente com a sua

21 Ibid., p. 130. 22 TELLES JÚNIOR, Goffredo. Iniciação na ciência do direito, p. 375. 23 Ibid, p. 375. 24 Ibid., p. 378. 25 ROSS, Alf. Direito e Justiça, p. 25.

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interpretação em sintonia com a intenção do legislador estar-se-ia promovendo a justiça: “A

justiça é a idéia específica do direito. Está refletida em maior ou menor grau de clareza ou

distorção em todas as leis positivas e é a medida de sua correção.” 27

Seu posicionamento deriva da sua formação, o qual acredita que as normas

vindas da democracia são justas e contrárias à ditadura, visto que : “a idéia de justiça se

resolve na exigência de que uma decisão seja o resultado da aplicação de uma regra geral. A

justiça é a aplicação correta de uma norma, como coisa oposta à arbitrariedade.” 28

É comum, seja em âmbito doutrinário ou jurisprudencial, inúmeros

pronunciamentos em defesa do justo. O que é o justo? Diversos estudiosos dão a sua

definição, mas nenhuma é tão propícia aos leigos como essa: “Em palavras mais simples: o

ato justo é o ato de dar a uma pessoa o que ela merece.” 29

Tal orientação vem ao encontro com o que já pregava o imperador romano

Justiano, em suas instituições: “Justitia est constans et perpetua voluntas jus suum cuique

tribuendi.” 30

Sem dúvida, uma das maiores buscas da humanidade é a justiça, daí porque,

deve-se sempre ter muito cuidado com a ciência jurídica, pregada por alguns pseudocientistas,

que se apegam ao formalismo excessivo, transformando o Direito em um tecnicismo e,

portanto esquecendo a sua principal função, ou seja, a realização da justiça.31

No início dos tempos, as civilizações cultuavam a natureza corporificando-a

na família; e a partir deste culto à natureza quando vieram as primeiras desastrosas colheitas,

onde tudo é perdido, as civilizações provaram a amargura do fracasso.32

26 Ibid., p. 25. 27 ROSS, Alf. Direito e Justiça, p. 313. 28 ROSS, Alf. Direito e Justiça, p. 326 29 Ibid., p. 359. 30 “Justiça é a vontade constante e firme de atribuir a cada um o que é seu por direito”. Instituições de Justiniano, p. 9. 31 NERY, Rosa Maria de Andrade. Noções preliminares do direito, p. 19. 32 No mesmo sentido, COULANGES, Fustel de. A cidada antiga, p. 55.

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Então, existiu um tempo em que o ser humano almejava um algo maior que

si mesmo, sendo passado de geração em geração; “Os homens” fala Aristóteles -, “e não se

deve pasmar com isto, parecem conceber o bem e a felicidade conforme a vida que levam.” 33

Explana Aristóteles: “Nós observamos que todos os homens entendem

chamar justiça essa espécie de disposição que torna os homens aptos a executar as ações

justas e que os faz agir justamente e querer as coisas justas.” 34

Daí que, é pacífico tanto para Aristóteles, como para seus contemporâneos,

o conhecimento da justiça - enraizado no espírito do homem - o leva a praticar atos que os

considera como sendo justos.35

Ocorre que, o Filósofo ainda vai mais longe, afirmando que a justiça é um

hábito de vida, porém, não é fácil ser justo, pois, muitas vezes já existe uma predeterminação

do caráter, o que dificulta muito a prática da justiça.36

Continua o grande mestre, ensinando que o justo deve ser exercido

voluntariamente, para ser assim considerado; do contrário, estar-se-ia apenas agindo

involuntariamente, o que não caracteriza a justiça. E que entender-se-á por ato voluntário,

apenas, aquele que é praticado com conhecimento de causa, isto é, sabendo o que está fazendo

e tendo objetivo já determinado. 37

No magistério de Hans Kelsen, o Direito apenas prescreve referida conduta,

por acreditar que a sua regulamentação é necessária para que a sociedade viva em harmonia;38

em outras palavras, o Direito só intervém na vida privada, quando acredita ser útil e

necessário tal postura, visando que ele possa exercer o seu múnus público.

33 ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco, p. 15. 34 Ibid., p. 112. 35 FERRAZ JR, Tércio Sampaio. Estudos de filosofia do direito, p. 161. 36 ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco, p. 5-10. 37 Ibid., p. 15. 38 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito, p. 35.

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O que é inegável é que o Direito é um fato social, porquanto se manifesta

como realidade observável da sociedade. Portanto, é um instrumento de grande relevância

para o controle social, visto ser uma força de coação ao indivíduo feita pela sociedade.39

A constante mudança social que ocorre em escala mundial repercute,

sobretudo, no Direito, que pode ser facilmente observada nos fatores socioculturais da

normatividade jurídica, destarte se mostram claros e indiscutíveis.

Isto porque, a norma jurídica é fruto da realidade social, demonstrando o

que a coletividade tem como objetivo, bem como suas crendices. Inclusive, é por demais

razoável se interpretar que o Direito vem para atender os anseios populares por sede de

justiça.

Esses impactos, que sempre afetaram o Direito, é a prova cabal de que o

direito é o resultado do que a camada dominante acha justo, mesmo que seja justo apenas para

ela.

1.2 Direito e a Moral

O Direito, na sua pura essência, é a moral, ou seja, as condutas aceitas ou

combatidas pelo ordenamento jurídico devem estar em concordância com a moral. Assim, nas

preciosas lições de Kelsen,40 quando a moral prescreve uma conduta e a ordem social a

proíbe, ou o ordenamento prescreve uma conduta que a moral proíbe, essa ordem não é o

Direito, porque ela não é justa. Só será justa se for a mais pura expressão de ditames da razão.

Assim, o justo de hoje pode não ser o mesmo de amanhã, como o de hoje

não é o mesmo de ontem, variando de tempos em tempos.

39 SICHES. Luis Recaséns. Tratado de sociologia, p. 595. 40 KELSEN, Hans. Pure Theory of Law. Tradução em português Teoria Pura do Direito.

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Analisando a história do direito, constata-se que houve constantes

adequações entre a ordem normativa e as múltiplas e cambiantes circunstâncias espaço-

temporal, uma experiência dominada ao mesmo tempo pela dinamicidade do justo e pela

estabilidade, esta, como forma de combate à incerteza jurídica.

A moral, tradicionalmente, vem sendo o guia dessas inúmeras mudanças

que o Direito vem sofrendo há séculos e séculos de civilização, pois, em cada momento da

História, é a moralidade que influencia os espíritos dos homens e resolve uma situação

jurídica para dela nascer uma nunca antes vista, chegando muitos a afirmar que entre o Direito

e a Moral há uma intrínseca identidade, de tal maneira que a segunda seria a vontade em ato

enquanto o primeiro seria o querer já querido.

Assim sendo, a moral sempre foi e deve continuar sendo a bússola do

ordenamento jurídico, razão por que se necessita de uma análise de consciência para sabermos

bem nitidamente, para onde ela orienta, nunca esquecendo que a moral deve guiar o

ordenamento e nunca este a moral.

1.2.1 Da moralidade das decisões

A moralidade deve reger toda e qualquer conduta seja a privada e,

principalmente, a pública. Daí o motivo de surgir a idéia de que a aplicação das leis está

ligada à moralidade e à legalidade, exigindo-se então, que o judiciário seja o combatente

incansável da imoralidade e da ilegalidade.

Contudo, a decisão judicial – a qual é a maior expressão da atuação do

poder judiciário – obrigatoriamente deve estar compatível com a moralidade e legalidade,41

41 DELGADO, José Augusto. Efeitos da coisa julgada e os princípios constitucionais, p. 80.

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esta última, que tem sua principal força na Constituição da República, razão por que, não

pode ser aceito o seu desrespeito.

A moralidade está prevista em cada trecho da Carta Magna, e portanto tem

cunho imperativo, sobressaindo-se de modo absoluto sobre qualquer outro princípio, ou

mesmo a coisa julgada, visto que o seu desprestígio não pode gerar direitos a quem quer que

seja, ainda mais quando o que a sustente sejam apenas requisitos formais, como a preclusão

temporal.42

A confiança do povo no Estado está intimamente ligada à preservação da

moralidade pública, pois quando a nação sentir a sua falta, invariavelmente, estará rompido o

cordão umbilical que liga ambas as partes.43

O ato de entrega ao povo da sentença judicial, não pode ser visto como um

ato atípico, mas sim como ato típico de atuação Estatal, melhor dizendo, a jurisdição é função

de Estado; aí que todos os ônus que daí decorrem devem ser cumpridos, mormente pelo fato

de que a força da sentença vem da Constituição.44

É comum se ver na doutrina, tanto na da pátria como na da alienígena,

várias definições do que seja o direito, ou mesmo inúmeros pontos de vista sob um mesmo

artigo de determinada lei. Isto apenas comprova, que a realidade na qual se toma

conhecimento em nosso pensamento varia da consciência individual de cada indivíduo.45

42 DELGADO, José Augusto. Efeitos da coisa julgada e os princípios constitucionais, p. 81 43 Conforme ROCHA, Carmem Lúcia Antunes: “a exigência da moralidade administrativa firmou-se como um dos baluartes da confiança do povo no próprio Estado.” Princípios constitucionais da administração pública, p. 190. 44 ROCHA, Carmem Lucia Antunes explana: “O Poder Judiciário, ao entregar a sentença ao mundo jurídico e ao reconhecer, por decurso de tempo, a sua força de coisa julgada, está atuando como Estado. Este não é fonte de uma moral segundo suas próprias razões, como se fosse um fim e a sociedade um meio. O Estado é a pessoa criada pelo homem para realizar os seus fins, não há, ali, qualquer moral prevalecendo, pois o que em seu nome se pratica não pode ser assim considerado pela circunstância de que ali se estará a aplicar regras antidemocráticas, de voluntarismo do eventual detentor do poder, sem preocupação com o ideário jurídico da sociedade” Princípios constitucionais da administração pública, p. 190. 45 “Podemos descrever o direito de várias formas e desde várias perspectivas; na verdade, contudo, não descrevemos jamais a realidade, porém o nosso modo de ver a realidade.” (GRAU, Eros Roberto, O direito posto e o direito pressuposto, p. 15).

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Consciência essa que vai variar conforme a situação cultural, ou

socioeconômica de cada ser humano, visto que, tais fatores formam a carga mental de cada

pessoa que faz com que se interprete a mesma situação de uma maneira diferente.

Todavia, a interpretação e a busca das soluções processuais devem sempre

ser guiadas pela ótica dos fins do direito, ou seja, o aplicador do direito deve a todo momento

se questionar sobre a finalidade do direito, para assim chegarmos à efetivação do seu fim. E

segundo Kelsen, a função do Direito é realizar os fins sociais, então, o Direito não pode ser o

fim, porém, o instrumento de pacificação social.

E, como nessa nova era o Direito deve equacionar valores como conteúdo e

forma, é inaceitável que devido ao segundo se permitam que valores e premissas consagradas

em nível constitucional sejam colocadas de lado, aceitando uma sentença aparentemente

protegida por uma coisa julgada que não aconteceu.

Ainda, baseando-se na doutrina lusa tem-se os exemplos de coisa julgada

inconstitucional mencionados pelo prof. Paulo Otero, sendo um deles a hipótese em que a

decisão judicial viola diretamente norma ou princípio constitucional; ou pronunciamento

judicial em que aplica norma inconstitucional; e também a decisão que recusa aplicar uma

norma sob a alegação de que seja inconstitucional, no entanto, posteriormente, é declarada

constitucional ficando afastada qualquer hipótese de sua discordância com o texto magno. 46

1.3 O processo civil e o acesso à justiça

Foi no início do século, que o processo civil começou a desvincular-se de

valorações de provas pré-concebidas. Foi uma caminhada muita longa e lenta, mas que ainda

está longe de chegar a um processo justo ou ao menos mais humano.

46 OTERO, Paulo. Ensaio sobre o caso julgado inconstitucional, p. 65.

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Ocorre que, nos últimos anos o Direito Processual Civil mudou e a busca da

verdade real como meio de alcançar a justiça e concretizar o anseio do justo processo legal, é

uma exigência dos tempos modernos. Portanto, não mais se contenta com a verdade formal

em nome de uma tutela à segurança e certeza jurídica. O que se pode denominar da verdadeira

busca pelo processo civil de resultados e voltado para a pacificação social.

Lembre-se, que a primeira virtude das instituições sociais deve ser a busca

pela justiça, porquanto uma teoria, por mais bela ou magnífica que aparente ser, caso não

busque a verdade, deve ser abolida, sob pena de incentivo à arbitrariedade e ao retrocesso da

cultura jurídica.47

A justiça social é a estrutura básica da sociedade; no entanto, só será

alcançada com o pleno funcionamento das instituições, num sistema único de cooperação.

Entender-se-á por instituição um conjunto de regras que determina funções e posições.48

Nessa visão, percebe-se a importância da jurisdição para a realização da

justiça social e, conseqüentemente, o processo destaca-se como instrumento de sua realização.

A doutrina tradicional classificava o processo como um instrumento de

realização da jurisdição, porém, o enfoque deve ser mais intenso, pois nada vale essa

classificação se não se destacar a sua função, porque o meio deve estar em sintonia com os

fins que se destina.49

Assim, o raciocínio que se faz há de incluir, então, necessariamente, os

escopos do processo; isto é, a sua utilidade, pois só desse modo que se dará um conteúdo

substancial a essa usual observação da doutrina. Essa busca da consciência teleológica,

demonstrando todos os fins visados e do modo como se interagem, constitui peça

importantíssima no quadro processual.50

47 RAWLS, Jonh. Uma teoria da justiça, p. 27. 48 Ibid., p. 63. 49 DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo, p. 149. 50 HABSCHEID, Walter J. As bases do direito processual civil, in RePro, 11/13.

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Esses pensamentos que vêm modificando a postura do processo têm origem

nos pensamentos de Chiovenda, que se expressou que o processo deve “dar a quem tem um

direito, na medida do que for possível na prática, tudo aquilo e precisamente aquilo que ele

tem o direito de obter”,51 e também nos de Mauro Cappelletti que acredita na necessidade de

se observar o sistema processual, na ótica do consumidor dos serviços judiciários, e não mais

pensando, exclusivamente, nos seus operadores.52

Estas idéias já deveriam estar incorporadas à rotina forense, mas, devido a

óbices culturais e econômicos, não estavam. Errônea postura daqueles que afirmam ocorrer

óbice legal, pois a norma legitima essa nova visão, porque o julgador deve conduzir o

processo para ser um real instrumento de jurisdição.

Presume-se que a sociedade precise das normas criadas para viver em paz,

visto que nada mais as justificam. Portanto, sua obediência interessa ao Estado, visto que a

verdadeira paz social somente se alcança com a correta atuação das normas necessárias à

convivência.53 Então, deve o Estado tomar todas as precauções, para que a norma seja

aplicada ao caso concreto em sua essência.

Por isso, não surpreende que assuma prioridade ostensiva nas preocupações

do mundo jurídico, a questão a respeito do efetivo exercício de franquias previstas no

ordenamento. Já não bastam os princípios, leis e demais protetores. Faz-se necessária a

transformação disso em realidades concretas. Contudo, mencionar novos rumos, significa

obrigatoriamente reconhecer que algo mudou ou está mudando numa trajetória. Mas a questão

é identificar quais mudanças estão percorrendo o processo civil brasileiro.

51 CHIOVENDA, Giuseppe. Instituzione di diritto processuale civile, n.º. 12, p. 42; essa afirmação foi feita pela primeira vez em 1911, pelo próprio Chiovenda (cfr: “Dell 'azione nascente dal contratto prelimminare”, n. 3, p. 110). 52 CAPPELLETTI, Mauro. Acess to justice: the worldwide movement to make rights effective. A general report, in acess to justice a world survey, t.1, apud Cândido Rangel DINAMARCO, Fundamentos do processo civil moderno, t. I, p. 592. 53 BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Poderes instrutórios do juiz, p. 10.

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Necessário se faz realçar que, recentemente, passou a ocupar maior espaço

pelos juristas, uma categoria diversa de relações, com linhas convergentes para um objeto

comum. Cite-se como exemplo, Barbosa Moreira, em sua obra, Temas de Direito Processual,

sexta série, como o interesse em prevenir calamidades decorrentes do rompimento

injustificado do equilíbrio ecológico, ou em proteger da deterioração, os bens de valor

histórico e artístico, ou em impedir que uma propaganda enganosa, envenene as mentes dos

consumidores potenciais. 54

Trata-se de interesses impossíveis de serem reduzidos ao modelo tradicional

do vínculo entre A e B, até porque haveria casos extremos que se teria que chamar à cena a

humanidade toda, quando se pensasse no interesse em conter o processo de destruição da

camada de ozônio.

Referido processualista dá realce na caracterização desse interesse, porque

há indivisibilidade do respectivo objeto, do qual resulta solidariedade na sorte dos

interessados. Exemplo: Se o lago é essencial à beleza da paisagem, e o preserva, o leque de

interesses fica resolvido, ou não preserva, e o leque de interesses sofre a mesma lesão. Não se

concebe que o interesse na proteção da paisagem seja atendido quanto a uns e desatendido

quanto a outros, e, da mesma forma, não se cogita nem em abstrato, de “frações ideais”

passíveis de atribuição separada a cada um dos co-titulares.

Nesse diapasão, finalmente, repense-se o processo civil. Isto é, deve-se ater

não mais à regrinhas e formalismos exacerbados, mais sim a um só pensamento, o de que o

processo deve ter um resultado efetivo realmente. Ou seja, a justiça não pode ficar no mundo

jurídico, mas sim atingir o fático. Ao contrário, o acesso à justiça, isto é, o acesso, às

sentenças, decisões, e comandos, decididos por juízes e tribunais, não passariam de perda de

tempo, se não fosse o resultado trazido por eles; porém, trate-se aqui de resultados práticos.

54 BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Temas de direito processual. p. 310.

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O pensador moderno não analisa mais o processo pelas questões internas,

mas sim, pela sua utilização, buscando constatar o que realmente traz de útil à coletividade.

Utilizando esse mesmo paradigma Mauro Cappelletti sugere que o processo deva ser estudado

pela ótica do consumidor dos serviços forenses, e não mais pelos seus operadores.55

A questão não é de se negar tudo o que a ciência processual conseguiu até

agora, mas sim, proceder a um melhor estudo, prestigiando institutos fundamentais, sempre

com a preocupação de fazer que o processo seja um instrumento efetivo da realização dos

direitos.56 Em outras palavras, busca-se não mais a cruel verdade formal, mas sim a verdade

real, senão ao menos, se chegar o mais perto possível dela.

O processo deve ser um instrumento de tutela efetiva de direitos. E essa

instrumentalização do processo deve coordená-lo na árdua, porém, gratificante missão, de

oferecer todos os meios necessários ao amparo pleno dos direitos contra qualquer forma de

ameaça ou lesão.57 Independentemente da posição doutrinária defendida pelo cientista do

Direito, a visão do processo como instrumento de justiça, o levará à coordenação entre o

processo e o direito material.

Ambos devem estar atentos à realidade, de sorte que, as normas jurídico-

materiais que regem essas relações devem propiciar uma disciplina que responda de imediato,

a esse ritmo louco de vida da sociedade atual. Criando-se instrumentos de proteção e com

extrema agilidade, que possam responder aos apelos sociais, assim buscou-se pelo

aprimoramento legislativo, a possibilidade da resolução de litígios de uma maneira mais

ampla, isto é, que enfoque um número maior de pessoas lesadas, evitando um número de

ações que se discutam o mesmo direito. Busca-se nos mecanismos de relação do direito de

massa, uma nova sintonia para as necessidades do mundo moderno.

55 CAPELLETI, Mauro. Acesso à justiça. Acess to justice: the worldwide movement to make rights effective. A general report, in acess to justice a world survey, t.1, apud Cândido Rangel DINAMARCO, Fundamentos do processo civil moderno, t. I, p. 592. 56 WATANABE, Kazuo. Da cognição do processo civil, p. 21.

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O processo e seus institutos, são instrumentos voltados à efetivação do

direito material, ao acesso à ordem jurídica justa, à pacificação social com justiça.

Como já lecionava Carnelutti,58 processo é o continente, e a lide, o seu

conteúdo, tem-se que os litígios, na maioria das vezes, são relacionados a fatos passados

destinando-se a uma solução futura, sendo de se relevar fato marcante pelos estudiosos do

Direito Processual, o momento do “tempo”, tendo em vista que a atividade humana a ele se

encontra vinculada.

Em prol da própria parte, como também da própria justiça, destaca-se que,

não obstante a nova tendência quanto aos limites da sentença transitada em julgado, portanto

considerada imutável até o século passado, é necessário uma interpretação sistemática e

evolutiva dos princípios e garantias constitucionais, como forma de se proporcionar um

processo mais efetivo e justo, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e

individuais, a liberdade, a segurança, o bem estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça

como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na

harmonia social e comprometida na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das

controvérsias.

E, um dos temas mais polêmicos no direito processual civil, diz respeito à

coisa julgada e sua mitigação, chamando a atenção na necessidade de conscientização que

todo jurista deve ter, no sentido que o direito há de evoluir de forma sistematizada para que as

suas normas produzam, após serem interpretadas e aplicadas, eficácia e efetividade para o

bem-estar do cidadão.

Há que se recordar que a sociedade moderna, aceleradamente, vê-se rodeada

de fatos econômicos, políticos sociais, religiosos e educacionais a produzir efeitos de

repercussão, cujos fenômenos trazem uma inquietação jurídica. E, o Direito, ciência

57 Ibidem, p. 90. 58 CARNELUTTI, Francesco. Teoria geral do direito privado, p. 103.

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responsável pela realização da convivência entre os homens, é instado a impor regras visando

a harmonia e paz social. A rápida multiplicidade dessas situações há de provocar a atuação

dos responsáveis pela dinâmica do Direito, com vistas a soluções

E, a coisa julgada não pode acobertar o engodo, a fraude, razão por que, nas

palavras do processualista Cândido Dinamarco, o jurista nunca convenceria o uomo della

strada,59 de que o pai não deva figurar como pai no registro civil, só porque ao tempo da ação

de investigação de paternidade que lhe foi movida, inexistiam os testes imunológicos de hoje

e o juiz decidiu com base na prova testemunhal. Nem o contrário: não convencionaríamos o

homem da rua de que o filho deva ficar privado de ter um pai, porque ao tempo da ação

movida inexistiam aquelas provas e a demanda foi julgada improcedente, passando

inexoravelmente em julgado.

Para tanto, o que se constata é que a coisa julgada é inegavelmente, uma

realidade para o direito processual civil brasileiro, com raízes sólidas e expressas na

Constituição Federal e um regime jurídico bastante consistente no plano infraconstitucional,

nos arts. 467 a 474 do CPC. 60

1.3.1 Evolução histórica do processo civil juntamente com seu conteúdo romano-germânico

É por demais importante ingressar na história do processo civil, ao menos

nos pontos mais relevantes, para que se possa entender o motivo da preservação irrestrita a

certos institutos, e, hoje, por quê, já se menciona em sua relatividade.

Conquanto as adversidades, o Direito Processual Brasileiro é de boa

qualidade, considerado sobre determinados pontos entre os melhores do mundo, como

explana Horácio Rodrigues:

59 DINAMARCO, Cândido Rangel. Relativizar a coisa julgada, p. 20.

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[...] nota-se que, na prática, seus avanços não têm conseguido muitas vezes atingir seus objetivos. Esse aspecto deixa claro o fato de que não bastam instrumentos processuais adequados se não forem resolvidos outros problemas existentes, principalmente nos níveis político, econômico, social e educacional, bem como em nível do direito material e da estrutura, organização e administração do Poder Judiciário. 61

No mesmo sentido Aragão:

[...] o Código de Processo Civil não é o responsável pela ‘crise processual’; para ela contribuem a má organização judiciária e o precário funcionamento do aparelho da justiça, sem falar na inadequada formação e na falta de aperfeiçoamento dos juízes e seus auxiliares. O tempo tem passado e uma lição permanece atual: ‘é inútil dispor de boas leis processuais se é má a organização judiciária ou são insuficientes os juízes, ao passo que magistrados com amplos conhecimentos podem, a rigor atuar bem leis medíocres. 62

No processo romano é que o juiz era tido como árbitro, decidindo então, por

meio de critérios pessoais, sempre que a lei nada previsse. E, não tardou para que tais decisões

fossem vistas como atuação do Estado, que tinham papel fundamental, e que deveriam ser

certas, para alcançar a pacificação.63

Mas, o seu desenvolvimento pode ser resumido em três fases fundamentais.

Sendo a primeira o período primitivo,64 que se iniciou com a fundação de Roma e foi até 149

a. C., onde os litigantes estavam totalmente limitados às cinco ações previstas em lei, ou seja,

somente poderiam ser propostas uma delas; isto, sem mencionar, que eram extremamente

solenes, inclusive, exigindo a utilização de certas palavras e gestos predeterminados. Por isso,

um simples equívoco causava a perda da demanda.65

Que, resumidamente, consistia em que as partes, pessoalmente, sem o

auxílio de advogados, oralmente, se dirigiam até o magistrado, este concedia a ação e

60 BUENO, Cássio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil, p. 383. 61 RODRIGUES, Horácio Wanderlei. Acesso à justiça no direito processual brasileiro, p. 93-94. 62 ARAGÃO, Egas Direceu Moniz de. O código de processo civil e a crise processual, p. 91-92. 63 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil, p. 10. 64 BERMUDES, Sergio. Iniciação ao estudo do direito processual civil, p. 28. 65 ECHANDÍA, Hernán Devis. Compêndio de derecho processal, p. 15.

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delimitava o seu conteúdo; enquanto as provas e a prolação das sentenças ficavam a cargo de

um conjunto de cidadãos, escolhidos como árbitros.

Em seguida, passou-se por um período intitulado de formulário, advindo da

necessidade de novas formas, porquanto as inúmeras conquistas do Império Romano,

invariavelmente, traziam relações complexas que não podiam ser resolvidas pelo

procedimento até então vigente, razão porque foram todas as ações da lei abolidas, ficando o

magistrado autorizado a criar fórmulas de ações aptas a resolver o litígio com que se defrontar

o julgador.66

O mesmo procedimento em que a parte, agora por meio de seu advogado,

levava a pretensão do autor ao juízo para que fosse examinada, e ouvido o réu, recebia uma

fórmula escrita, encaminhando-a ao árbitro do julgamento, que era formado por cidadão

nomeado pelo Estado e, portanto, respondia em seu nome, para julgar o mérito da lide. 67

Agora, quanto à denominada terceira fase ou “cognitio” extraordinária, que

vigorou do ano 200 ao ano 565 de nossa era, houve uma modificação significativa no sistema

jurisdicional romano, que até então era estatal. No entanto, os árbitros eram formados pela

população.

O que foi alterado, é que a população não mais participava dos julgamentos,

pois, nesse momento histórico, eram feitos por funcionários Estatais. Mas não eram mais orais

as queixas, mas sim por escrito, com direito à defesa e ainda recurso a ambas as partes.68

Como disse o prof. Humberto Teodoro, foi nessa época que nascia o processo civil.

Com a queda do Império Romano, como era de se esperar, foram impostos

os costumes dos povos Germânicos, ou como eram chamados, de Bárbaros. Infelizmente, não

66 Ibidem, p. 15. 67 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil, v. I. p. 10. 68 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil, v. I,. p. 10.

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possuíam noções jurídicas, por isso o processo romano só regrediu e, com ele, toda a ciência

processual.69

Chegou-se a um ponto, que nem mais uniformidade existia, porque entre os

novos dominadores existia uma divisão entre grupos étnicos, em que cada um se dirigia por

regras próprias. Daí que em seguida, já numa segunda etapa, os povos Bárbaros exaltavam o

fanatismo religioso, utilizando-se de métodos cabalísticos para julgar. 70

E, também, o formalismo era tão extremado que o valor de cada prova já

vinha pré-determinada, não cabendo em hipótese alguma discricionariedade para o juiz.

Portanto, a prova não era mais um meio de se convencer o juiz, mas, porém, um meio rígido

de fixação da decisão final.

O processo Bárbaro era em sua magnitude extremamente acusatório,

inclusive, cabendo o ônus da prova ao réu; ou seja, o réu já iniciava o litígio como culpado. E

como bem ensinou Jeremias Bentham, os procedimentos eram verdadeiros jogos de azar ou

cenas de bruxaria que nada tinham de lógicos ou justos.71 Tal sistema perdurou até a Idade

Média.

69 BENTHAM, Jeremias. Tratado de lãs pruedas, p. 45. 70 Ibid, p. 11. 71 BENTHAM, Jeremias. Tratado de lãs pruedas, p. 45.

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II – REFLEXÃO SOBRE A COISA JULGADA, CONCEITOS E LI MITES DE EFICÁCIA

2.1 Conceito de coisa julgada

Para as atividades do Poder Judiciário, a manifestação do princípio do

Estado Democrático de Direito ocorre por intermédio do instituto da coisa julgada.

Em outras palavras, a coisa julgada é elemento de existência do Estado

Democrático de Direito.72

A coisa julgada, ou como dizem os romanos “res iudicata”, é a

imutabilidade da decisão judicial. Em outras palavras, o que se decidiu em juízo, seja em

âmbito de sentença ou em decisão interlocutória, não poderá ser modificado ou revisto,

fazendo lei entre as partes.73

Para os romanos, o bem da vida julgado, se torna incontestável. Com isso,

ensina Chiovenda, que a parte vencida no litígio, não mais pode reclamar o bem da vida, visto

ter sucumbido e tal decisão está protegida pela coisa julgada. 74

A sua justificativa é que para que a vida em sociedade se desenvolva

pacificamente, se faz necessário imprimir uma segurança jurídica nas relações entre as

pessoas, a qual só se consubstancia quando os cidadãos têm certeza que a decisão tomada pelo

representante do Estado, no caso o Estado-juiz, não será modificada a bel prazer.

Raciocínio este, bastante claro, quando se analisa o processo como

instrumento público, onde a lei é aplicada aos casos reais, culminando na emanação de um ato

72 NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal, p. 19. 73 CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual, p. 446; Aureliano de GUSMÃO, Cousa Julgada, São Paulo, 1922; MARTINS, Pedro Batista. Comentários do código de processo civil, vol. II, p.76 e segs; AMERICANO, Jorge. Comentários ao código de processo civil, v. I. p. 287. 74 “Para os romanos, como para nós, salvo raras exceções em que uma norma expressa de lei dispõe expressamente, o bem da vida torna-se incontestável.”. Instituições de direito processual, p. 446.

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de vontade, que condena ou absolve uma das partes em face de outra, daí a exigência da

segurança no gozo dos bens.75

Foram vários os fundamentos para a imutabilidade da coisa julgada

fornecida pelos estudiosos e pelos representantes do Estado; chegando alguns a afirmar que

existia um contrato social, o qual se estipulava que a sentença prevalecia, mesmo sendo essa

injusta, após o trânsito em julgado; houve ainda, aqueles que atribuíam ao juiz um caráter de

verdade presumida.76

Ocorre, no entanto, que essa ulterior incontestabilidade do reconhecimento

ou da negativa do bem, opera-se mediante a realização do fenômeno processual, chamado de

preclusão, que nada mais é do que a perda do exercício da prática de um ato processual, seja

pelo não exercício desse direito em um determinado tempo, seja pelo próprio exercício do

direito, o que lhe retira o direito de praticá-lo novamente. Por exemplo, a interposição de dois

recursos para a mesma decisão, não é amparada pelo ordenamento pátrio.

Dentro do processo, o que nos interessa, atua de duas formas, sendo uma

delas quando é proposto aos litigantes, seja pela lei ou pelo juiz, “pontos” para ofertar suas

defesas e suas provas. Fora desses “pontos” apenas as questões excepcionais, como as de

ordem pública, são aceitas.77

É possível, com isso, afirmar que a coisa julgada não deixa de ser uma

preclusão, porém, uma preclusão geral, isto é, onde todas as matérias discutidas, ou ao menos

as que deveriam ter sido, dentro do processo, se tornam preclusas. Por isso preclusas,

portanto, todas as questões propostas ou proponíveis, temos a coisa julgada. Isto é, a

75 CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual, p. 447. 76 Ibidem, p. 448 77 Um dos primeiros a falar em pontos foi Chiovenda, onde quis comparar os pontos com os momentos processuais, tais como os prazos para apresentar a contestação, os recursos e demais impugnações. Instituições de direito processual, p. 450.

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afirmação indiscutível e obrigatória para os juízes de todos os futuros processos, duma

vontade concreta da lei, que reconhece ou desconhece um bem da vida a uma das partes.” 78

Poder-se-ia afirmar, com certeza, que a coisa julgada, contém pois em si, o

poder de encerrar quaisquer questões que mais digam respeito ao processo, mesmo as

futuras.79 Tal instituto não é privilégio do Brasil, pelo contrário, em diversos países do mundo

procede-se da mesma forma. Exemplificando, Alemanha, Portugal e Itália.80

As normas processuais estruturadoras do desenvolvimento da atividade das

partes e do juiz possuem a finalidade de atender os bens jurídicos nem sempre conciliáveis.

Se de um lado se deve estabelecer um sistema processual com vistas à

garantia efetiva do direito e da justiça, por outro, deve haver a garantia à estabilidade das

relações jurídicas, que se denomina de segurança jurídica, característica essencial à

convivência social.

Para atender a esta segurança há o fenômeno da Coisa Julgada, definida por

Vicente Greco Filho, como a imutabilidade dos efeitos da justiça.81

Nos termos do artigo 467 do Código de Processo Civil, denomina-se Coisa

julgada material a eficácia que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a

recurso ordinário ou extraordinário.

Para Liebman, “a Coisa Julgada não é um novo efeito de sentença, mas uma

qualidade dos efeitos que naturalmente já tinha, sendo essa qualidade a imutabilidade.” 82

Denomina-se coisa julgada formal, quanto à imutabilidade da sentença

dentro do processo e coisa julgada material, quando a imutabilidade projeta-se também fora

78 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual, p. 452. 79 “A coisa julgada contém, pois, em si, a preclusão de qualquer questão futura: o instituto da preclusão é a base prática da eficácia do julgado.” CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual, p. 452. 80 Alias na Itália o artigo 798, I, b, CPC, prevê a nulidade da sentença que ofender a coisa julgada, e, vai mais além impondo ao juiz, mesmo que implicitamente, de mesmo de ofício declarar a existência de outra coisa julgada e consequentemente a extinção do processo em questão. CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual, p. 452. 81 GRECO FILHO, Vicente. Direito processual civil brasileiro, p. 53. 82 LIEBMAN, Enrico Tullio. Manuale di dinitto processuale civile, passim.

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do processo impedindo a repetição da demanda e o reexame da matéria mesmo em processo

autônomo.

Por assim dizer, denomina-se coisa julgada formal aquela sentença não mais

sujeita a qualquer espécie de impugnação endoprocessual e, portanto, trata-se de realidade

próxima àquela desempenhada pela preclusão. A coisa julgada material, de sua vez, é aquela

mesma característica de imutabilidade, analisada fora do processo, isto é, enquanto

característica da imutabilidade da sentença do ponto de vista exterior, não podendo a mesma

ser atacada por qualquer meio, inclusive extraprocessual. 83

Além do fundamento lógico e social de exigência de estabilidade das

relações jurídicas, há o sentido da garantia individual, assegurado na Constituição Federal,

protegida contra eventuais alterações legislativas, expressamente no artigo 5º, inciso XXXVI:

“a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e coisa julgada.”

A exceção à regra trata a ação rescisória, nos casos que explicita o artigo

485 do Código de Processo Civil, e dentro de dois anos após o trânsito em julgado da decisão

que se pretende desconstituir (CPC).84

2.2 Proteção constitucional da coisa julgada

A coisa julgada, inserida no texto magno, encontra a sua legitimidade

política e social devido o seu principal efeito, que é a mantença e a preservação da segurança

jurídica.85

No momento da criação de uma Constituição, os constituintes escolhem do

novo Estado que se forma, valores ideais, opções políticas e, conseqüentemente, todas as

83 BUENO, Cássio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil, p. 387. 84 Art. 485 do CPC. A sentença de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando: [...]; Art. 495 do CPC. O direito de propor ação rescisória se extingue em 2 (dois) anos, contados do trânsito em julgado da decisão. 85 DINAMARCO, Cândido Rangel. Relativização da coisa julgada, p. 2.

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diretrizes que o Estado pretende seguir. E dentre essas opções, há aquelas que são eleitas

como primordiais, inclusive tornando-as inteligíveis sob pena de rompimento com todo o

ordenamento. E o princípio da segurança jurídica é um dos alicerces do Estado Democrático

do Direito Brasileiro. Todavia, não foi o único privilegiado, poder-se-á afirmar que se

privilegiou um conjunto de valores, que devem ser interpretados harmonicamente.

Assim, não poderia haver leis que limitem a Coisa Julgada, sob pena de

rompimento da Constituição Federal de 1988 e conseqüente afrontamento ao Estado de

Direito, razão por que se faz necessário uma atenção redobrada a qualquer projeto que trate do

referido direito.

Estampa no artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal que a lei não

prejudicará – entre outros institutos – a coisa julgada. Entender-se-á por um sinal – de ordem

pública – de que a lei infraconstitucional não poderá limitar os efeitos da sentença já

transitada em julgado.

Entretanto, há na doutrina uma divisão de opiniões a respeito do alcance

desta imposição constitucional. Quando alguns defendem que essa é uma regra absoluta e de

alcance ilimitado; outros preferem opinar de que o seu alcance é limitado e só visa a proteger

os efeitos da coisa julgada da lei infraconstitucional.

A partir dessas idéias, em uma obra ainda inédita proponho a interpretação sistemática e evolutiva dos princípios e garantias constitucionais do processo civil, dizendo que nenhum princípio constitui um objetivo em si mesmo e todos eles, em seu conjunto, devem valer como meios de melhor proporcionar um sistema processual justo, capaz de efetivar a promessa constitucional de acesso à justiça (entendida esta como obtenção de soluções justas – acesso à ordem jurídica justa).86

“Como garantia-síntese do sistema, essa promessa é um indispensável ponto

de partida para a correta compreensão global do conjunto de garantias constitucionais.” 87

O processualista ainda destaca que esses argumentos são os mesmos que

legitimam as medidas cautelares inaudita altera parte, ambas, amparadas no valor

86 DINAMARCO, Cândido Rangel. Relativização da coisa julgada. p. 3.

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democrático do contraditório, que não pode ser fim em si mesmo, mas um dos meios de

construção do processo justo.88

Venho dizer, em síntese, (a) que essa garantia não pode ir além dos efeitos a serem imunizados e (b) que ela deve ser posta em equilíbrio com as demais garantias constitucionais e com os institutos jurídicos conducentes à produção de resultados justos mediante as atividades inerentes ao processo civil.89

As decisões justas são uma busca constante por parte dos doutrinadores, dos

tribunais de um modo geral, mas principalmente, dos jurisdicionados, razão por que, hoje

começa-se a pensar que não é legítimo eternizar injustiças a pretexto de se evitar a incerteza.

Tal postura, já está sendo aplicada no Superior Tribunal de Justiça, nos

termos do voto do Ministro José Augusto Delgado que declarou sua

posição doutrinária no sentido de não reconhecer caráter absoluto à coisa julgada, e ainda que pensa como determinada corrente que entende ser impossível a coisa julgada, só pelo fundamento de impor segurança jurídica, sobrepor-se aos princípios da moralidade pública e da razoabilidade nas obrigações assumidas pelo Estado.90

Na mesma linha já se encontravam decisões no Supremo Tribunal Federal,

as quais protegem a justiça das decisões em desprestígio à garantia constitucional da Coisa

Julgada. De uma maneira bem refinada, porém, buscando uma interpretação sistemática de

toda principiologia constitucional decidiu-se que, “não ofende a coisa julgada a decisão que,

na execução, determina nova avaliação para atualizar o valor do imóvel constante em laudo

antigo, tendo em vista atender à garantia constitucional da justa indenização.” 91

No citado processo, seu relator, Ministro Rafael Mayer, justificou seu voto

afirmando que o “lapso de tempo desgastou o sentido da coisa julgada”.

87 Ibid., p. 3. 88 Ibid., p. 3. 89 Ibid., p. 4. 90 Cfr. STJ, 1ª T., Resp n. 240.712/SP, j. 15.2.2000, rel. José Delgado. 91 Cfr, STF, 1ª T., RE n. 93.412-SC, j. 4.5.82, rel. Rafael Mayer.

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A idéia central deste julgamento foi seguida em outro acórdão relatado pelo

Ministro Néri da Silveira, que determinou nova avaliação, mesmo com trânsito em julgado da

sentença que fixara o valor, isto tudo, para se apurar a justa indenização.92

2.2.1 A coisa julgada inconstitucional

Afirma-se que a teoria da coisa julgada inconstitucional pode ter

fundamentos diferentes, no entanto, o que ora está sob exame é a de que como a Constituição

é a certidão de nascimento de um Estado, seria incoerência aceitar uma sentença sem a força

constitucional. Isto, segundo a mais autorizada doutrina; e como ainda o Texto Magno tem o

escopo de dispor as premissas que a nação deverá seguir; melhor dizendo, o legislador

constituinte valorizou opções políticas que os três poderes terão que obedecer;93 esta

hierarquia decorre da construção escalonada do ordenamento jurídico.

A teoria da construção escalonada foi elaborada por Hans Kelsen e tomou

força no resto do planeta, inclusive, o jus filósofo Norberto Bobbio concorda, explicitamente,

com ela,94 que, em breves palavras, consiste na existência de normas superiores e inferiores,

porque a última depende da primeira, e vão subindo até chegar a uma norma intitulada como

“fundamental”.

Isto sem falar, que o próprio Direito é que regula a sua própria criação;

opera-se de forma a que uma norma apenas determine o processo porque outra norma é

92 Cfr, STF, 1ª T., RE n. 105.012-RN, j. 9.2.88, rel. Rafael Mayer. 93 Segundo FERREIRA, Pinto: “A constituição se modela por influência de fatores circunstâncias da sociedade, refletindo os usos e costumes dominantes, as tradições religiosas e culturais, o sistema de forças produtivas, uma série de fatores econômicos e culturais que lhe imprimem a sua marca indelével.” (Curso de Direito Constitucional - p. 8). Para Lestrade a constituição: “fixa as relações recíprocas entre governantes e governados”. Vejamos também a definição de Jellinek em sua Teoria geral do Estado: “A Constituição do Estados abraça, por conseguinte, os princípios jurídicos que designam os órgãos supremos do Estado, os modos de sua criação, suas relações mútuas, fixam o círculo de ação e, por último, a situação de cada um deles com respeito ao poder do Estado”. 94 BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico, p. 49.

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produzida. Também às vezes determinando o conteúdo desta, seja expressamente ou

implicitamente delimitando os limites que ela vai atuar.95

A base de sustentação da teoria escalonada do ordenamento é a norma

fundamental, que nada mais é do que uma norma que atribuiu ao poder constituinte a

faculdade de produzir normas jurídicas96. Tem-se o poder constituinte como poder último, sua

base justamente nessa norma fundamental. Seria como se o poder constituinte fosse

autorizado a criar normas obrigatórias para toda coletividade, e quem concede esse poder é

justamente a norma fundamental.

A Constituição de 1988, como as demais, é posta por uma autoridade

competente. Para aceitar, porém, sua validade é preciso admitir uma norma que não é posta,

não existindo outra norma. Por isso, chama-se a norma fundamental de “pressuposta”,

fundamentada na dogmática jurídica, assim devendo o jurista acreditar em uma primeira

norma que fundamenta as demais97.

Assim, devido à necessidade de que todos os atos do Estado estejam sob a

proteção da Constituição por ser ela a sua base de sustentação, qualquer ato deverá ser

constitucional para ter força e consequentemente eficácia.

De um modo geral, se o Poder Judiciário retira a sua força da Constituição

para existir e exercer o seu mister, é de raciocínio lógico que quando os atos não sejam

constitucionais, não poderão prevalecer, porquanto não têm força para tanto por estar em

discordância com sua matriz. Seria mais ou menos parecido como se fosse um caso de lei

delegada, onde o Congresso Nacional legitima o Presidente da República para legislar

determinada lei. No entanto, este faz outra com outras características; esta lei é inexistente por

motivos óbvios, seria mais ou menos (com algumas peculiaridades é claro) essa situação.

95 KELSEN, Hans. ob. cit., p. 246. 96 BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico, p. 58. 97 FERRAZ JÚNIOR, Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do direito, p. 186.

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É de se ressaltar que a base de tudo é feita pelo Estado e a Constituição.

Nessa linha de pensamento, sem ela esses atos não têm força e podem ser considerados

inválidos. Ensina o mestre Jorge Miranda: “A concordância, a relação positiva da norma ou

do ato com a Constituição envolve validade; o contraste, a relação negativa, implica

invalidade.”98

Nesse sentido, a teoria da coisa julgada inconstitucional nada mais é que

uma decisão que tenha alcançado o trânsito em julgado e viola um preceito ou princípio

constitucional.

Explana sobre o tema o professor português Paulo Otero que define a coisa

julgada inconstitucional como “a decisão judicial cujo conteúdo viola direta e imediatamente

um preceito ou um princípio constitucional.” 99 Isso, sem mencionar aqueles que defendem a

coisa julgada inconstitucional não pelo argumento acima narrado, isto é, que o texto magno é

a força do ordenamento jurídico e sem a sua força não existe ato válido, mas sim, porque a

coisa julgada não pode sobrepor o princípio da legalidade que tem status de cláusula pétrea

não podendo ser desrespeitado por lei ordinária.100

Por outro lado não se pode desconsiderar a opinião de Cândido Dinamarco

que defende que a ordem constitucional não tolera a preservação de injustiças,

principalmente, quando fundamentada na necessidade de se por um fim aos litígios.101

Tal preocupação com as sentenças injustas, sob a ótica constitucional vem da

premissa de que a justiça não pode se contentar com a justiça formal, mas sim com uma

efetiva, que tem como principal meta não ficar presa nas excessivas formalidades do processo

civil, mas apenas na promoção do bem comum, que é a única razão de existir o Estado.

98 MIRANDA, Jorge. Contributo para uma teoria da inconstitucionalidade. passim. 99 OTERO, Paulo. A coisa julgada inconstitucional, p. 65. 100 LIMA, Paulo Roberto de Oliveira: “O princípio da legalidade não pode ser sacrificado em homenagem à coisa julgada, tampouco o princípio da isonomia. No choque entre uns e outro, a imutabilidade tem de ceder passagem àqueles princípios basilares do constitucionalismo nacional”. Teoria da coisa julgada, p. 112. 101 DINAMARCO, Cândido Rangel a respeito: “a ordem constitucional não tolera que se eternizem injustiças a pretexto de não eternizar litígios”. Relativização a coisa julgada material, p. 43.

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Dentro dessa linha, para que a justiça realize o seu sacerdócio se faz

necessário a preservação dos princípios,102 que são as vigas mestres de um Estado

Democrático de Direito,103 atendendo para os valores políticos consagrados nos princípios

fundamentais esposados pela Constituição.

Faz-se necessário realçar que a sentença inexistente não é a mesma coisa

que a sentença inconstitucional, pois a última necessita de um número mínimo de requisitos

para poder violar norma constitucional, enquanto na primeira são ausentes os mínimos

requisitos que lhe concedem espaço para existir em nosso ordenamento. Isto, segundo

ensinamento do professor português José Alberto dos Reis que afirma que sentença

inexistente “é acto que não reúne o mínimo de requisitos essenciais para que possa ter a

eficácia jurídica própria duma sentença.” 104

Para Montesquieu, a lei é o primado da razão, porquanto não ser uma

criação arbitrária, ou fruto de capricho; mas sim do encontro da justiça.105

Se não já bastasse tudo, por que a sentença deve ser exceção à regra? Por

que uma decisão judicial, só por não ter sido impugnada no momento certo deve ser imune ao

texto magno? Que não se esqueçam os incrédulos que os limites e a extensão da coisa julgada

são previstos pela legislação infraconstitucional; por isso mesmo nunca podem ter mais força

que os preceitos constitucionais.

Visto ser a jurisdição uma função básica do Estado, tanto que é atribuída no

texto magno como um dos poderes da soberania nacional,106 Liebman chama a atenção para o

fato de que a jurisdição é onde inúmeras relações relevantes à nação são estabelecidas.107

102 ATALIBA, Geraldo: “[...] princípios são linhas mestras, os grandes nortes, as diretrizes magnas do sistema jurídico. Apontam os rumos a serem seguidos por toda a sociedade e obrigatoriamente perseguidos pelos órgãos do governo (poderes constituídos). Eles expressam a substância última do querer popular, seus objetivos e desígnios, as linhas mestras da legislação, da administração e da jurisdição. Por estas não podem ser contrariados; têm que ser prestigiados até as últimas conseqüências” (República e constituição, p. 6-7). 103 LI BASI, Pensovechio: "O intérprete não deve esquecer que a Constituição contempla as opções políticas fundamentais de um dado sistema jurídico, devendo o intérprete das disposições constitucionais atentar cuidadosamente para os valores políticos consagrados nos princípios fundamentais esposados pela Constituição” (L' interpretazione delle norme constituzionali, p. 62). 104 REIS, José Alberto dos. Código de processo civil comentado, v. V, p. 113.

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Cumpre da mesma forma ao Estado, por imposição constitucional, assegurar

o livre acesso ao judiciário para defesa do direito de cada cidadão. Daí a regra contida no

artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal, in verbis: “a lei não excluirá da apreciação

do poder judiciário lesão ou ameaça a direito”.108 E será que defender um direito

constitucional está amparado pelo referido dispositivo legal? Ou talvez os limites da coisa

julgada impostos pela lei federal, mais precisamente nosso Código de Processo Civil, devem

prevalecer, mesmo prejudicando direitos constitucionais?

2.3 O alcance da coisa julgada

Este tema e seus limites objetivos determina quais as partes da sentença que

ficam cobertas pela sua imutabilidade. Doutrinariamente, Liebman ensinou que “é só o

comando pronunciado pelo juiz que se torna imutável, não a atividade lógica exercida pelo

juiz a preparar e justificar a decisão.” 109

É a partir do objeto do processo – ou, melhor ainda - do pronunciamento

judicial acerca desse objeto que se determinam os limites objetivos da Coisa Julgada, como já

foi exposto por Leo Rosenberg, citado na mesma obra por Liebman

El objeto litigisos resuelve también sobre el ámbito objetivo de la autoridad de cosa juzgada [...]: las sentencias sólo podrán alcanzar el carácter de firmes en cuanto resuelven sobre la pretensión ejercida mediante la demanda o la reconvención [...]. El concepto de pretensión no puede ser aquí outro que el expuesto hasta ahora. La resolución sobre la comprende en la extensión en que se la há ejercido. Pero no es la pretensión objeto de la autoridad de cosa juzgada, sino la resolución dictada por el tribunal sobre la pretensión. Mediante esta resolución desaparece la incertdumbre existente hasta entonces sobre la pretensión en el sentido de sua calificación jurídica. 110

105 MONTESQUIEU. De L ‘esprit de lois. Livro II, cap. 4, p. 47 106 “A jurisdição é uma das funções básicas do Estado, tanto que se encontra atribuída a um dos poderes da soberania nacional.” MARQUES, José Frederico. Manual de direito processual civil, p. 161. 107 LIEBMAN, Enrico Tullio. Manuale di diritto processuale civile, v I, p.10. 108 MASAGÃO, Mário. Curso de direito administrativo, v. II, p. 334. 109 LIEBMAN, Enrico Tullio. Eficácia e autoridade da sentença e outros escritos sobre a coisa julgada, p. 55. 110 LIEBMAN, Enrico Tullio. Eficácia e autoridade da sentença e outros escritos sobre a coisa julgada, p. 55/56.

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Na doutrina nacional, José Frederico Marques também já observara

que a coisa julgada material tem como limites objetivos a lide e as questões pertinentes a esta, que foram decididas no processo, à situação litigiosa que foi composta, constitui a área em que incidem os efeitos imutáveis do julgamento. O que individualiza a lide, objetivamente, são o pedido e a causa petenti, isto é, o pedido e o fato constitutivo que fundamenta a pretensão. Portanto, a limitação objetiva da coisa julgada está subordinada aos princípios que regem a identificação dos elementos objetivos da lide. De tanto se deduz que a coisa julgada alcança a parte dispositiva da sentença ou acórdão, e ainda o fato constitutivo do pedido (a causa petenti). As questões que se situam no âmbito da causa petenti à solução que lhes deu o julgamento, quando essas questões se integram no fato constitutivo do pedido. 111

O processualista Barbosa Moreira, em Comentário ao art. 468 do CPC e os

limites objetivos da Coisa Julgada lembra que

apenas a lide é julgada; e como a lide se submete à apreciação do órgão judicial por meio do pedido, não podendo ele decidi-la senão nos limites em que foi proposta (art. 128), segue-se que a área sujeita à autoridade da coisa julgada não pode jamais exceder os contornos do petitum. 112

A respeito, José Rogério Cruz e Tucci se manifestou no sentido de que “o

objeto litigioso do processo, portanto, identifica-se com a circunstância jurídica concreta

deduzida em juízo in status assertionis, e que aflora individualizada pela situação de fato

contrária ao modelo traçado pelo direito material.” 113

Na mesma retórica, o artigo 468 do CPC estabelece que a sentença que

julgar total ou parcialmente a lide, tem força de lei nos limites da lide e das questões

decididas, sendo que a lide como destacado por Ernane Fidelis dos Santos, “encontra seus

limites objetivos no pedido e na causa de pedir.” 114

A regra do direito brasileiro, em consonância com a doutrina, é que apenas o

dispositivo da sentença passe em julgado e não os motivos, porque estes têm papel

importantíssimo na determinação da real extensão dos efeitos da sentença e sua imutabilidade.

111 MARQUES, José Frederico. Manual de direito processual civil, p. 238/239. 112 BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Os limites objetivos da coisa julgada no sistema do novo código de processo civil, p.91. 113 CRUZ E TUCCI, José Rogério. A causa petendi no processo civil, p.112. 114 SANTOS, Ernane Fidelis dos. Manual de direito processual civil. v.1. p. 529.

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A esse propósito, disse Liebman, “a coisa julgada restringe-se à parte

dispositiva, entendida, porém, a exposição, em sentido substancial e não formalístico,

abrangendo, pois, não só a fase final da sentença, mas sim qualquer outro ponto em que o juiz

tenha provido sobre a pretensão e a resistência.” 115

O fenômeno da preclusão representa fenômeno extintivo de direito para as

partes, de modo que a regra do artigo 473 do CPC, estabelece que “é defeso à parte discutir no

curso do processo, as questões já decididas, a cujo respeito se operou a preclusão”, resultando,

nas palavras de Moacyr Amaral Santos, que “em relação às questões já decididas, a cujo

respeito se operou a preclusão, as decisões fazem coisa julgada formal, no sentido de que no

mesmo processo, não mais poderão ser discutidas ou reexaminadas.” 116

Consistiria, isto sim, numa forma de barreira para impedir que o juiz venha

a decidir mais de uma vez a mesma questão.

Nas palavras do mestre Pontes de Miranda, “se houve decisão do juiz sobre

algum ponto de direito ou de fato e por que se chegasse a esse ponto houve prazo, a preclusão

afasta qualquer reexame e julgamento pelo juiz . O que se teve por fito no artigo 473 foi evitar

que após o sim, ou não, que o juiz proferiu, possa ele passar a dizer não, ou sim”.117

Assim, a sentença de mérito transitada em julgado possui dois efeitos, sendo

um, o mérito que ocorre dentro do próprio processo onde foi prolatada e o outro, que se

projeta para fora desse mesmo processo.

Divide-se os efeitos da Coisa Julgada em:

I) Efeitos endoprocessuais: a) tornar impugnável e indiscutível a sentença de mérito transitada em julgado, impedindo o juiz de redecidir a pretensão (arts. 467 e 471, CPC); b) tornar obrigatório o comando que emerge da parte dispositiva da sentença, II) Efeitos extraprocessuais: a) vincular as partes e o juízo de qualquer processo (salvo quanto à independência das responsabilidades civil e penal, nas circunstâncias determinadas pela lei: art. 935, CC) que se lhe seguir como, por exemplo, para a execução da sentença de mérito transitada em julgado (v.g. art. 610, CPC); b) impossibilidade de a lide (mérito, pretensão), já atingida pela auctoritas rei iudicatae, ser rediscutida em ação judicial posterior, o que implica a proibição de a mesma ação – com os elementos idênticos: partes, causa de pedir e pedido – ser

115 LIEBMAN, Enrico. Nosso Direito processual civil. p. 91/92. 116 SANTOS, Moacyr Amaral. Comentários ao código de processo civil. v. IV. p. 495/496. 117 MIRANDA, Pontes de. Comentários ao código de processo civil. p. 211.

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reproposta (arts. 267, n. V; 301, n VI e §§ 1º a 3º, CPC). Neste último caso, constitui a finalidade mesma da coisa julgada material opor-se a que se profira nova decisão sobre a matéria, no caso de haver sido ajuizada uma segunda ação.118

2.4 Coisa julgada material (“auctoritas rei iudicatae”)

É a qualidade que torna imutável e indiscutível o comando que emerge da

parte dispositiva da sentença de mérito não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário

(art. 467, CPC; art. 6º, § 3º, LICC), nem à remessa necessária do art. 475, do CPC. Somente

ocorre se e quando a sentença de mérito tiver sido alcançada pela preclusão, isto é, a coisa

julgada formal é pressuposto para que ocorra a coisa julgada material, mas não o contrário. A

coisa julgada material é um efeito especial da sentença transitada formalmente em julgado.119

Em outras palavras: quando se forma, a coisa julgada formal apresenta-se

como o centro de todos os objetivos do direito processual civil, ao passo que a coisa julgada

material em si mesma tem a força de criar a imodificabilidade, a intangibilidade da pretensão

de direito material que foi deduzida no processo e resolvida pela sentença de mérito transitada

em julgado. A coisa julgada material é a conseqüência necessária do exercício do direito de

ação por meio do processo, vale dizer, ajuizada a ação e julgado o mérito, a coisa julgada

material ocorrerá inexoravelmente.120

Para que se forme a auctoritas rei iudicatae (coisa julgada material), são

necessários os seguintes requisitos: a) que o processo exista, isto é, que estejam presentes os

pressupostos de constituição do processo (jurisdição, petição inicial, citação – art. 267, n.º IV,

CPC); b) que a sentença seja de mérito (art. 269, CPC); c) que a sentença de mérito não mais

seja impugnável por recurso ordinário ou extraordinário (art. 467, CPC, art. 6º § 3º, LICC) ou

reexaminável pela remessa necessária (art. 475, CPC).

118 NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal, p.21 119 Ibid., p. 19/20 120 NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal, p. 20

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O processo inválido, isto é, que contenha vícios porque não preenchidos os

pressupostos de validade (juiz impedido, juízo absolutamente incompetente, petição inicial

inépcia, citação nula, parte incapaz ou representante inexistente ou irregular etc.), não impede

que a sentença de mérito nele proferida seja acobertada pela coisa julgada material.

Neste último caso, a sentença de mérito faz coisa julgada, mas pode ser

desconstituída por meio de ação rescisória, admissível com fundamento no art. 485, n. II e V,

do CPC. 121 Quando o processo inexiste porque lhe falta algum pressuposto de existência, a

sentença também inexiste e, por conseguinte, a coisa julgada material não se forma.

Exemplos de inexistência de sentença e, portanto, de inexistência de coisa

julgada material: a) sentença extra petita (falta “petição inicial” – pedido); b) sentença infra

petita (falta “sentença de mérito” – o juiz não julgou parte do pedido); c) sentença dada em

processo que não houve citação (falta “citação”); d) sentença processual de carência da ação

(art. 267, n. VI, CPC) ou de extinção do processo sob qualquer dos outros fundamentos do art.

267 do CPC (falta “sentença de mérito”); e) sentença dada por quem não se encontra investido

da atividade jurisdicional, como a proferida pelo escrivão ou por juiz aposentado ou

exonerado (falta “jurisdição”) etc.122

2.5 A relativização da coisa julgada

A coisa julgada como norma fundamental, art. 5° da CF, não pode ser

considerada como absoluta, porquanto o que lhe é assegurado, é a proibição de atentados pela

lei, mas a norma constitucional não prevê que toda decisão com trânsito em julgado é coisa

julgada; raciocínio este desenvolvido pelo prof. Celso Bastos de que “o Texto Constitucional

121 Art. 485. A sentença de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando: II - proferida por juiz impedido ou absolutamente incompetente; V - violar literal disposição de lei. 122 NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal p. 22

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assegura a coisa julgada contra atentados que possa sofrer, inclusive provindo da própria lei.

Mas ele não afirma que toda decisão com trânsito em julgado constitui coisa julgada.”123

O professor vai mais além, visto ainda afirmar que os termos em que uma

decisão pode ser considerada como coisa julgada, cabe à lei, à doutrina e à jurisprudência:

“Isto faz com que necessariamente caiba à lei, à doutrina e à própria jurisprudência dirimirem

em cada caso concreto se há ou não coisa julgada.” 124

Ainda, cita exemplos de exceções legais: “A nossa própria legislação é

relativamente rica em casos de decisões judiciais que não produzem coisa julgada ou a

produzem segundo o desdobramento da lide, vale dizer, segundo o resultado da demanda. A

lei regulamentadora da Ação Popular é paradigmática. Se a decisão for total ou parcialmente

procedente ela produz coisa julgada. Os réus da Ação Popular não poderão intentar outras

ações com propósito de modificar o que ficou ali estatuído.” 125

Enfim, o que defende o citado mestre é que a coisa julgada tem que ser

corretamente interpretada, para que “se é certo, portanto, que a coisa julgada é uma garantia

importante a proteger as situações já consolidadas no passado, o certo é que ela tem de

amoldar-se a imperativos outros, resultantes de circunstâncias em que há razões mais fortes a

serem feitas valer do que a mera imutabilidade do já decidido.” 126

A regra de interpretação que os direitos e deveres devem ser interpretados

harmonicamente, conclui que toda vez que o instituto, sub examine, estiver se chocando com

valores maiores, obrigatoriamente cederá em nome da harmonia do todo. “Vê-se que a coisa

julgada há de ceder toda vez que contra ela sobrelevem razões mais altas e princípios de

maior alcance.”127

123 BASTOS, Celso Ribeiro e outro, Comentários à constituição do Brasil, p. 201. 124 Ibid., mesma página. 125 BASTOS, Celso Ribeiro e outro, op. cit. ,p. 201. 126 BASTOS, Celso Ribeiro e outro, Comentários à Constituição do Brasil, p. 201 127 Ibid.,p. 202.

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O instituto da coisa julgada tem respaldo constitucional e dá segurança as

relações jurídicas, tornando as decisões tomadas pelo judiciário como imutáveis, existindo

situações em que os julgados não podem fornecer a certeza necessária para se tornarem

imutáveis.

Nessas situações, seria mais correto se defender que não aconteceu a coisa

julgada material, em vez de afirmar que houve uma violação a ela, como preferem alguns.

Exemplificando, existem demandas investigatórias de paternidade que foram julgadas

improcedentes por ausência de provas.

Nessas hipóteses, aliada ao direito à filiação com respaldo constitucional, a

correta interpretação é aquela que apenas considera como efetivada a coisa julgada formal,

porque não foi resolvido o mérito do litígio e, se, porventura, o mesmo autor vier a propor

outra ação, agora requerendo ou munido do resultado pericial - DNA não tem como o

magistrado negar-lhe o direito com fulcro no formalismo.

E muito menos, poderá o julgador se apegar na segurança jurídica, pois não

há segurança enquanto perdurar a injustiça. Ainda mais, diante de mecanismos científicos

como é o caso do exame DNA, que mostra a verdade genética.

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III – FAMÍLIA, SOCIEDADE E FILIAÇÃO

3.1 Direito de Família

No Direito de Família é onde os juízes modernos deixam de ser

expectadores inertes para se imiscuírem no comando de diligências na busca firme e direta da

verdade escondida dos fatos.

É o campo onde eles dispõem de mais poderes e atribuições que não são

próprias aos outros julgadores, sendo plenamente justificáveis e até exigida esta intensificação

da atividade jurisdicional, notadamente por cuidar de direitos indisponíveis.

A crescente publicização do processo, a instrumentalidade e a efetividade

constituem a tônica da nova ciência processual, que vislumbra o direito de ação como garantia

única da justiça na missão de alcançar resultados práticos e eficientes, centrados no princípio

do acesso à justiça.

Isto porque, na fase atual do Direito de Família, tem o julgador a iniciativa

probatória quando se tratar de matéria de ordem pública e igualitária, como nas ações de

estado ou ainda quando depara com partes econômicas ou sócio-cultural desproporcionais.

A Constituição Federal de 1988, como não se pode deixar de repetir quantas

vezes for necessário, representou radical mudança com a nova conceituação de entidade

familiar para efeitos de proteção do Estado.

A família ganhou um novo dimensionamento, passando a ser vista e aceita

de forma mais ampla, por sua origem no Direito Natural, com reflexos nos âmbitos civil e

penal.

Não se fala mais em filhos ilegítimos, naturais, espúrios, bastardos ou

incestuosos, mas, sim, fixou-se a igualdade entre os filhos, havidos ou não no casamento, ou

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por adoção, todos com os mesmos direitos e qualificações, sendo expressamente proibidas

quaisquer discriminações relativas à filiação, no art. 227, § 6º da Constituição Federal.

O Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei n.º 8.069, de 13 de julho de

1990, veio completar esta nova etapa que declarou o estado de filiação como direito

personalíssimo, indisponível e imprescritível.

O filho havido fora do casamento pode ser reconhecido através de

procedimento voluntário (registro, testamento, escritura pública, documento particular,

declaração no processo); administrativo (indicação do suposto pai pela mãe, no registro) ou

judicial (investigação de paternidade).

No âmbito familiarista, é onde o problema da prova ilícita torna-se mais

delicado por envolver questões familiares, cuja individualidade de seus membros, dignidade e

intimidade são objeto de previsão legal (CPC, art. 155, II).128

O Direito de Família, por lidar com direitos indisponíveis, possui regras

peculiares e com isto, se permite a leitura dos padrões processuais com mitigação e

alargamento, possibilitando a intervenção do juiz com desdobramentos modernos e

interpretação eficaz das regras de distribuição de provas, principalmente com recentes

alterações pontuais da legislação processual que ampliou os poderes instrutórios do juiz que

pode e deve abrir mão do fetichismo de normas ultrapassadas em benefício da verdade real,

atendendo ao novo perfil do processo contemporâneo.

É irrefutável a premissa de que a família ainda é o que foi e será: a célula

básica da sociedade, ponto de partida a possibilitar o desenvolvimento das outras relações

sociais.129

128Código de Processo Civil. Art. 155. Os atos processuais são públicos. Correm, todavia, em segredo de justiça os processos; inciso II, que dizem respeito a casamento, filiação, separação dos cônjuges, conversão desta em divórcio, alimentos e guarda de menores. 129 AFETO, ÉTICA, FAMÍLIA E O NOVO CÓDIGO CIVIL – Anais do IV Congresso brasileiro de direito de família, p. vii.

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A organização jurídica da família mudou muito, especialmente nos últimos

30 anos. A Constituição Federal de 1988 determinou novos paradigmas para a família,

eliminando as relações de subordinação entre os integrantes do grupo familiar, implantando a

isonomia entre homem e mulher, a paridade entre os filhos, a família plural e a proteção da

família em cada um dos seus componentes.130

A Constituição da família moderna, caracteriza um laboratório de

fecundidade humana, muito superior aos locais de fecundidade in vitro ou de possíveis futuras

clonagens humanas. É onde a prole recebe os primeiros ensinamentos de comportamento

social que vão lapidá-la de forma indelével, com importantes conseqüências para sua

personalidade, que marcam toda a existência do ser humano.131

Desta forma, se destaca neste trabalho, um novo princípio jurídico, que

norteia o Direito de Família, que é o da afetividade, considerado atualmente, a base para todos

os outros princípios, como o da dignidade humana.

A ausência de afetividade não mais seria capaz de manter casamentos

compostos apenas pela formalidade que os originou. Todavia, a família envolta no manto da

afetividade, da liberdade e da igualdade, passou a constituir lares felizes. 132

Nas palavras de Rodrigo da Cunha Pereira, presidente do IBDFAM

(Instituto Brasileiro de Direito de Família), o princípio da afetividade nos faz entender e

considerar que o amor e o afeto pressupõe também o seu avesso, já que o amor e o ódio são

complementares ou são dois lados de uma mesma moeda. Faltando o afeto, deve entrar a lei

para colocar limites onde não foi possível pela via do afeto.133

130 Arts. 3° - IV -; 5° e 226 § 5°; 227 da Constituição Federal de 1988. 131 OLIVEIRA, José Sebastião. Fundamentos constitucionais do direito de família, p. 22. 132 Ibid., p. 139. 133 FAMÍLIA E DIGNIDADE HUMANA – Anais V Congresso brasileiro de direito de família. PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Uma principiologia para o direito de família. p. 851.

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Emprestar juridicidade à célebre frase de Saint Exupéry – Você é

responsável pelas coisas que cativa – talvez seja a chave para compreender a atual e a futura

organização jurídica da família.134

3.2 Novo conceito de filiação

A evolução dos costumes e o progresso científico mudaram os paradigmas

da maternidade e paternidade, antes assentados na procriação, na filiação e no prazer.

Na sociedade moderna, não é mais necessário a relação sexual para gerar-se

um filho, bem como, o parto pode ser operado por outro útero.

Isto, graças aos bancos de sêmen e às recombinações genéticas que são

inúmeras. Por exemplo, há casos de mães substitutas que apenas levam a gravidez a termo,

contribuindo com o útero através de um contrato gratuito entre parentes até o segundo grau,

conforme previsto no Brasil.

Ou então, quando a mulher não produz óvulos e não pode acolher o embrião

e o marido é estéril. Neste caso, teriam que arrumar uma mulher que gestasse o ser concebido

com o sêmen e óvulos de terceiros.

Instalado pois um curioso caso de uma criança com dois pais, o biológico,

doador dos espermatozóides, e o jurídico, que efetua o registro civil, e três mães: a biológica,

que cedeu os óvulos, a substituta, que emprestou o útero e a jurídica, que deu o nome à

criança.

Desta forma, não há como deixar de se reconhecer que restam abalados os

critérios tradicionais de que é o pai quem convola núpcias e de que a mãe é sempre certa.

134 AFETO, ÉTICA, FAMÍLIA E O NOVO CÓDIGO CIVIL – Anais do IV Congresso brasileiro de direito de família, p. viii.

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Como não poderia deixar de ser, o Direito é chamado para compor essas

múltiplas combinações possíveis, dentro da análise de cada situação em concreto, buscando

avaliar a real identificação da relevância de cada uma, graças à evidente desbiologização do

Direito de Família, porque cada vez mais, os vínculos meramente biológicos têm perdido

importância em relação a outros vínculos existentes entre pais e filhos.

Afirma Astried Brettas Grunwald que,

Inseridos num mundo em que as biotecnologias estão exteriorizando-se de forma cada vez mais valiosa para a espécie humana, os homens passaram a valorizar não apenas setores isolados da sociedade, mas a sua disciplinaridade incluindo-se as questões biopsicológicas referentes ao afeto. A própria noção de família assume novos contornos, deixa de relacionar-se apenas a vínculos jurídicos, o matrimonio legal, para assumir a feição afetiva que nas palavras de Maria Cláudia C. passa a denominar-se família sociológica. 135

A filiação passa a ser percebida não apenas pelo vinculo jurídico

estabelecido, pelo reconhecimento voluntário, pela adoção ou pela investigação de

paternidade, passa a ser percebida como um conjunto de atos de afeição e solidariedade que

demonstram claramente a existência de um vínculo de filiação entre filho-pai-mãe. Nas

palavras de Brauner, a posse do estado filho

é aquela que se exterioriza pelos fatos, quando existem pais que assumem suas funções de educação e de proteção dos filhos, sem que a revelação do fator biológico da filiação seja primordial para que as pessoas aceitem e desempenhem a função de pai ou mãe. 136

3.3 Direito à filiação

Em sua tese de doutorado que resultou na obra Coisa Julgada e sua Revisão,

Eduardo Talamini defende a necessidade de alteração legislativa destinada à instituição de um

135 Novos contornos do direito da filiação: a dimensão afetiva das relações parentais. Anuário do Programa de Pós-Graduação em Direito. São Leopoldo: Unisinos, 2000, p. 238. 136 Laços de família: critérios identificadores da filiação. Jus Navegandi, Teresina, a. 7, n. 78, 19 set. 2003. Disponível em http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=4228. Acesso em: 16/07/04.

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sistema de revisão civil para as sentenças que versem sobre estado de pessoa, notadamente

filiação. Isto porque, entre todas as causas julgadas pela jurisdição civil, as atinentes ao estado

de pessoas são as que envolvem os mais delicados e sensíveis valores jurídicos, cujos aspectos

estão fundamentalmente ligados à preservação da dignidade humana.137

À guisa de informação, faz-se referência que o IBDFAM (Instituto

Brasileiro de Direito de Família), através do Projeto de Lei 4.946/2005, pretende a alteração e

revogação de dispositivos do Código Civil relativos à filiação, conforme recente matéria

publicada em seu Boletim, assim destacada:

Em 3 de novembro de 2005, o relator da Comissão de Seguridade Social e Família, Antônio Joaquim (PSDB) oferece parecer favorável ao Projeto de Lei 4946/2005, que modifica a redação do artigo 1.601 do Código Civil Brasileiro, (Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002) propondo também a revogação dos artigos 1.600, 1.602 e 1.611, da Lei n. º 10.406, de 10 de janeiro de 2002. O relatório foi sustentado por argumentos oferecidos pelo IBDFAM: “Com efeito, a doutrina e a jurisprudência têm cada vez mais enfatizado que a verdadeira relação paterno-filial não decorre da verdade biológica, mas sim, da verdade sócioafetiva. Assim, pai não confunde com genitor. Trata-se de um conceito bem mais amplo, envolvendo aspectos afetivos, que decorrem do trato diário, do cuidado, da convivência. Em suma, da posse do estado de filiação, que se constitui quando alguém assume o papel de filho em face daquele ou daqueles que assumem os papéis ou lugares de pai ou mãe ou de pais, tendo ou não entre si vínculos biológicos. 138

Tem-se pois no novo Código Civil, do art. 1.511 a 1.783, matéria a

disciplinar as relações familiares em suas variadas vertentes, com vistas ao novo conceito de

filiação e suas particularidades, como bem exposto pelos professores Giselda M. Fernandes

Novaes Hironaka e Euclides de Oliveira: Na verdade, o que se dá com todo esse evolver

legislativo é o indispensável acompanhamento (que nem sempre ocorre a passo certo) das

profundas modificações sociais e cientificas que observam no mundo da composição familiar,

atingindo especialmente as novas formas de filiação, que exigem uma análise da bioética no

campo do Direito. Basta lembrar os novos modos de reprodução assistida, pela fertilização in

vitro e inseminação artificial, sem falar na mais complexa situação da possível e aventada

137 TALAMINI, Eduardo. Coisa julgada e sua revisão. p. 650. 138 (Boletim IBDFAM. Projetos de Lei sugeridos pelo IBDFAM. Março/abril de 2007)

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clonagem de seres humanos. A esse respeito, no entanto, cumpre registrar que o novo Código

Civil não se manteve todo omisso. Ao enumerar os casos de presunção da concepção na

constância do casamento, seu artigo 1.597 inclui, nos incisos III a V, os filhos “havidos por

fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido”, “havidos, a qualquer tempo,

quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga” e

os “havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha havido prévia autorização

do marido”.139

A ação de prova de filiação é pessoal; competirá, pois, ao filho, em busca da

verdade biológica, em detrimento da paternidade sócioafetiva, enquanto viver, promovê-la,

podendo seus herdeiros movê-la apenas se ele morrer menor ou incapaz sob interdição. A

ação será imprescritível se proposta pelo filho maior e capaz, mas, se este morrer menor ou

sob interdição, seus herdeiros, que têm interesse moral e material, também poderão propô-la.

Importantíssimo citar que antes do Código Civil atual, já preconizava o art.

27 da Lei 8.069, de 13.07.1990, Estatuto da Criança e do Adolescente, que “o reconhecimento

do estado de filiação é direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, podendo ser

exercitado contra os pais e seus herdeiros, sem qualquer restrição, observado o segredo de

justiça”.

As palavras “sem restrição”, deixam claro que o legislador já não mais

admitia nenhuma norma jurídica que por qualquer forma, explícita ou implícita, viesse criar

embaraços à descoberta da verdadeira paternidade (biológica ou genética).

139 AFETO, ÉTICA, FAMÍLIA E O NOVO CÓDIGO CIVIL – Anais do IV Congresso brasileiro de direito de família, p. 6.

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3.3.1 Do filho presumido, legal e real

Biologicamente, pai é aquele que fecundou uma mulher através de relações

sexuais, de cuja gestação integral nasce o filho. Hoje, com a “filiação sócioafetiva” ou “posse

de estado de filho”, vemos o direito distanciado deste fato natural da procriação.

O art. 338 do Código Civil de 1916 tinha como concebido na constância do

casamento o filho nascido pelo menos 180 dias após o casamento de um homem e uma

mulher ou 300 dias após a dissolução, presunção esta com a finalidade de prestigiar a família

(artigo 1.597 do Novo Código Civil).

É a chamada presunção “juris tantun” da paternidade como preleciona

Maria Helena Diniz: “ante a impossibilidade de se demonstrar diretamente a paternidade, a lei

assenta relativamente à questão de filiação algumas presunções fundadas em probabilidade,

que, por admitirem prova em contrário, serão relativas, ou seja, juris tantum. Isto é assim

porque mater semper certa este t pater is est quem nuptial demonstrant”.140

Há uma verdadeira desvinculavização do legislador da verdade biológica em

prol da paternidade jurídica do filho ilegal.

Em nome da preservação do núcleo familiar, a lei distinguia os filhos de

forma completamente discriminativa: naturais, ilegítimos espúrios, adulterinos e incestuosos.

Isto é, havidos ou não do casamento de seus genitores, dando-lhes ou tirando-lhes o direito à

identidade e à sobrevivência, pois o antigo art. 358 do Código Civil, vedava-lhes o

reconhecimento, tanto da propositura da ação de investigação de paternidade, como de

alimentos.

140 DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado, p. 1.301.

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Clóvis Beviláqua, desde então, posicionava-se contra este dispositivo: “a

falta é cometida pelos pais e a desonra recai sobre os filhos, que em nada concorreram para

ela.” 141

Felizmente, a Lei n.º 883 de 21/10/49, possibilitou o reconhecimento de

filhos fora do casamento depois de sua dissolução e na constância o regulou a Lei n.º 8.560,

de 29-12-1992.

Se casado o pai, a ação servia apenas para pedir alimentos. E, não se pode

esquecer que tinham direito apenas à metade da herança do filho legítimo ou legitimado.

Com a Lei do Divórcio, de nº 6.515 de 26/12/77 e a Constituição Federal de

1988, houve a tão esperada igualdade entre todos os filhos pouco importando se concebidos

ou não fora do matrimônio.

Com a mudança estrutural na família, teve-se com a Constituição Federal de

88, o conceito de entidade familiar muito mais abrangente.

É protegida não só a família oriunda do casamento, mas a união estável (um

homem e uma mulher) e a família monoparental (um dos genitores e sua prole).

Tudo isso aconteceu, à medida que as mulheres ocuparam espaço no

mercado de trabalho e, obrigatoriamente, o homem é convocado a auxiliar no cuidado da

prole e também na tarefa doméstica.

Até mesmo após a separação dos pais, vê-se com mais freqüência a posição

mais junta (física) dos filhos com os genitores, o que antes não era comum, pois eram raros os

casos em que os filhos separados ainda mantinham laços afetivos com o pai.

Vê-se hoje, perfeitamente reconhecidas e protegidas as relações

extramatrimoniais, embora ainda presentes posturas obstinadas neste reconhecimento. A

141 BEVILÁQUA, Clóvis. p. 327.

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criança é preservada em todos os sentidos e considerada “sujeito de direito”, priorizando-se a

dignidade da pessoa humana.

O art. 227, parágrafo 6º da Constituição Federal veda qualquer

discriminação à filiação.142

Não há pela lei ordinária uma definição de família, identificando-a o

Estatuto da Criança e do Adolescente como a comunidade formada pelos pais, ou quaisquer

deles, e seus descendentes.

Criou-se a expressão “família substituta” com o intuito de colocar as

crianças e adolescentes em outro ambiente familiar, sem porém declinar o formato de tais

famílias, o que significa que conduz a um novo conceito de família e bastante atual, aquele

que privilegia uma família mais igualitária, mais fraterna, mais solidária, mais autentica e com

muito mais amor e companheirismo com extraordinário aperfeiçoamento das relações sociais.

E tal entendimento se justifica, máxime, pois “a família nos dias de hoje é

formada pelo valor afeto. È a família eudemonista, em que a realização plena de seus

integrantes passa a ser a razão e a justificação da existência desse núcleo. Daí o prestígio do

aspecto afetivo da paternidade, que prepondera sobre o vínculo biológico, o que explica que a

filiação seja vista muito mais como um fenômeno social do que genético. E é justamente essa

nova perspectiva dos vínculos familiares que confere outra fundamentação ética à normal do

art. 362 do Código Civil de 1916 (1.614 do novo Código), transformando-a em regra diversa,

que objetiva agora a preservação da posse do estado de filho, expressão da paternidade

sócioafetiva”.143

142 Art. 227 da Constituição Federal. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, § 6º - Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação. 143 TALAMINI , Eduardo, Coisa Julgada e sua Revisão, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, pág. 590.

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Os exames de DNA seriam para identificação da verdade genética, os quais

têm desencadeado imensa procura dos vínculos da filiação, fazendo com que haja uma busca

da verdade real em troca da verdade jurídica, muitas das vezes definida por presunção legal.

Não há como negar que a manipulação biológica, hoje, mais acessível

graças aos avanços científicos, tornou popular os métodos reprodutivos: fecundação assistida

(homóloga ou heteróloga), cessão ou locação do útero, comercialização de óvulos ou

espermatozóides, chegando-se, quiçá, num futuro distante, à almejada clonagem, por

enquanto só em animais e em regime experimental.

Depreende-se disto que para estabelecer-se vínculos de parentalidade, não

há mais como buscar soluções apenas no campo genético, já que se vêem com situações

fáticas idênticas ensejando soluções substancialmente diferentes.

Não dá para identificar o pai com o que cedeu o espermatozóide. A mãe é

quem doa o óvulo, a que aluga o útero ou a que faz uso do óvulo de uma mulher e útero da

outra para gestar um filho.

Realidade esta, que faz repensar em novos referenciais para identificação

dos vínculos familiares desatrelando-se pois da verdade jurídica e da realidade biológica.

3.4 Filiação sóciafetiva

Com todas estas mudanças, o conceito de família também é outro, e nem

sempre mais atrelado à estrutura do casamento.

Com este novo contrapeso de valores, tem-se com o novo Código Civil uma

atenção maior às normas constitucionais que propugnam, em última análise, a dignidade do

ser humano. Há que se ter uma visão pluralista a encampar os diversos tipos familiares,

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buscando-se o elemento que permita enlaçar no conceito de entidade familiar o

relacionamento de duas pessoas.

O difícil é identificar o toque diferenciador das estruturas interpessoais a

permitir inseri-las no Direito de Família.

Ponto este decifrável no reconhecimento da existência de um vínculo

afetivo, cujo elemento estruturador no direto familiar é o sentimento do amor. Elo este que

une as pessoas e mistura patrimônio, ocasionando comprometimentos recíprocos.

A família passa a ter conotação de grupo de afetividade e companheirismo,

e, conseqüentemente, houve o esvaziamento biológico da paternidade. 144

Na lição de Rodrigo da Cunha Pereira, Presidente do IBDFAM, “nada mais

autêntico do que reconhecer como pai quem age como pai, quem dá afeto, quem assegura a

proteção e garante a sobrevivência.” Nossa realidade é a filiação sócioafetiva. “É uma

paternidade que existe, não pelo simples fato biológico ou por força de presunção legal mas,

em decorrência de elementos que somente estão presentes, fruto de uma convivência

afetiva”.145

“Na hipótese de estado de filiação não biológica já constituída na

convivência familiar duradoura, comprovado no caso concreto, a origem biológica não

prevalecerá. Em outras palavras, a origem biológica não se poderá contrapor ao estado de

filiação já constituído por outras causas e consolidado na convivência familiar (Constituição,

art. 227)”.146

Nos dias de hoje, com a facilidade de reprodução assistida, praticamente

todos podem ter filhos, sem que isto implique casamento ou mesmo a existência do

relacionamento casual.

144 VILLELA, João Baptista. Desbiologização da paternidade, p. 404. 145Apud por BOEIRA, José Bernardo Ramos. Investigação de paternidade, posse de estado de filho: paternidade socioefetiva, p. 54.

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A desembargadora e vice-presidente do IBDFAM Maria Berenice Dias do

Rio Grande do Sul, autora do artigo “Afeto Registrado”, chama esses vínculos de “uniões

homoafetivas”, constituídas da mesma forma que as heteroafetivas.147

É o caso, por exemplo, do genitor, após a separação, ficar com a prole e

resolver assumir o seu lado homossexual, trazendo o parceiro para o lar, gerando assim uma

convivência com afinidade, participando este parceiro da formação e sustento da prole,

verificando-se a típica função parental e família sócioafetiva.

No novo Código Civil, há novas presunções de paternidade, como o uso de

bancos de material reprodutivo, por cujo método o cônjuge ou companheiro assume a

paternidade.

Não há restrição legal capaz de impedir o uso destes métodos e nem tão

pouco cabe perquirir motivos para afastar a criança daqueles com quem vive e trata como

pais.

O vínculo parental é reconhecido a partir da existência de uma filiação

sócioafetiva, não importando de os parceiros serem do mesmo sexo. Cabe sim, a legalização

da situação existente com vistas ao melhor interesse da criança.

O Estatuto da Criança e do Adolescente traz formas de resolução pela

família substituta, por meio de guarda, tutela ou adoção e como ele não define estrutura

familiar, forçoso é concluir que não há que corresponder à definição de família natural do

artigo 25 (comunidade formada pelos pais, ou qualquer deles, e seus descendentes).

Uma só pessoa, deste modo, pode ser reconhecida como família, já que a

própria Constituição Federal considera o vínculo monoparental e o ECA - Estatuto da Criança

146 AFETO, ÉTICA, FAMÍLIA E O NOVO CÓDIGO CIVIL – Anais do IV Congresso brasileiro de direito de família, p. 528. 147 DIAS, Maria Berenice. Afeto registrado. Disponível em: http:/www.mariaberenice.com.br. Acesso em 18/05/04.

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e do Adolescente, não se opõe que os maiores de 21 anos adotem, independentemente do

estado civil (art. 42).148

Daí porque, ante a ausência de definição de “família substituta”, é

considerada a também formada por duas pessoas do mesmo sexo.

O Código Civil e a Lei do Divórcio não possuem regulamentação do

instituto da guarda de filhos, limitando-se a identificá-lo como atributo do pátrio poder a ser

deferido ao genitor que estiver na posse da prole, admitindo-se o seu fracionamento. Ou seja,

os pais têm o pátrio poder, porém a guarda é de um apenas, com direito de visitas garantido ao

outro.

No entanto, apesar de não positivado, a jurisprudência e a doutrina, ainda

controvertidas, e em casos excepcionalíssimos, têm deferido a guarda compartilhada.

Os princípios atuais do Direito de Família privilegiam como nunca, a

consolidação dos vínculos afetivos.

Luis Edson Fachin aponta outra modalidade de adoção, a “constituída no

amor”, ao se referir que na adoção, “os laços de afeto se visualizam desde logo,

sensorialmente, superlativando a base do amor verdadeiro que nutrem entre si pais e filhos.”

149

Há que reconhecer que a verdade real é a que goza o filho da posse de

estado, “a prova mais exuberante e convincente do vínculo parental”, conforme enfatiza Zeno

Veloso, que questiona:

se o genitor, além de um comportamento notório e contínuo, confessa reiteradamente, que é o pai daquela criança, propaga este fato no meio em que vive, qual a razão moral e jurídica para impedir que esse filho, não tendo sido registrado como tal, reivindique judicialmente, a determinação do seu estado. 150

148 Art. 42. Podem adotar os maiores de vinte e um anos, independentemente de estado civil. 149 FACHIN, Luis Edson. Elementos críticos do direito de família, p. 16. 150 VELOSO, Zeno. Direito brasileiro da filiação e paternidade, p. 28.

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O novo posicionamento acerca da verdadeira paternidade não despreza o

liame biológico da relação paterno-filial, mas dá notícia do incremento da paternidade

sócioafetiva, da qual surge um novo personagem a desempenhar o importante papel do pai: o

pai social, que é o pai de afeto, aquele que constrói uma relação com o filho, seja biológico ou

não, moldada pelo amor, dedicação e carinho constantes.151

3.5 Da prova pericial pelo DNA (ou ADN, ácido desoxirribonucléico)

Até bem pouco tempo atrás, as ações de investigação de paternidade eram

baseadas em exames dos grupos sangüíneos (HLA), que apenas afastavam a possibilidade da

filiação quando incompatíveis.

Não raro, promoviam-se verificações fisionômicas e coleta testemunhal que

pouco ajudavam. Ao contrário, na maioria dos casos, era uma verdadeira especulação

injuriosa sobre a idoneidade da mãe do investigante.

Como a maioria dos que demandavam em busca de sua ancestralidade eram

pessoas pobres e sob o manto da assistência gratuita, um dos empecilhos à obtenção da prova

à perícia pelo DNA era o seu alto custo, porque demandavam máquinas sofisticadas com

reagentes sofisticados e médicos habilitados.

Os honorários dos peritos eram de grande vulto e os juízes se viam

impossibilitados de obrigá-los a doar seus serviços, razão por que eram compelidos a decidir

sem tal prova.

No entanto, em julgamento da Suprema Corte, em 08/04/2002, (RE

224.775-6/MS), foi definitivamente superado o impasse mandando incluir no rol da Lei n.º

1.060/50 (Assistência Judiciária), artigo 3º, I a V, também as despesas com a realização do

151 Revista Brasileira de Direito de Família de nº. 13, Paternidade Biológica x Paternidade Declarada: Quando a verdade vem à tona, Alessandra Morais Alves de Souza e Furtado, Ed. Síntese, abril/jun/2002, pg 22.

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exame de código genético (DNA) quando requisitado pela autoridade judiciária nas ações de

investigação de paternidade ou maternidade (inciso VI).

A paternidade pois, não mais pode deixar de ser investigada da forma mais

ampla possível, como direito da personalidade que é, respeitando-se os princípios

fundamentais da bioética.

A tendência internacional na esfera da jurisdição é facilitar os recursos a

essa perícia, para indicação correta da verdade biológica, cujo reconhecimento é direito

personalíssimo, indisponível e imprescritível, segundo a ordem da legislação do ECA

(Estatuto da Criança e do Adolescente), artigo 27152 e Constituição Federal que o tem como

direito à personalidade, e a eclosão da técnica genômica foi o que ocasionou a revolução em

termos de segurança às decisões sobre a ancestralidade.

No entanto, parcela crescente da doutrina e jurisprudência, vem

preconizando que precário é admitir-se numa ação de paternidade, a realização solitária deste

exame e tê-lo como inquestionável, pois não é infalível, razão por que os laboratórios que o

realizam devem se cercar do máximo de qualidade e cautela para não comprometê-lo.

Teresa Arruda Alvim Wambier e José Miguel Garcia Medina são enfáticos a

respeito da suposta infalibilidade desse exame, destacando que a história demonstra quão

instáveis são os enunciados científicos, e não são raras as descobertas de algo novo e de

avanços nos mais variados setores da ciência, que fazem cair por terra resultados que

chegaram a ser considerados como definitivos.153

Por isso, o operador do Direito não deve se ater apenas àquilo que hoje é

objeto de maior aceitação na comunidade científica, pois os indicativos de que este ou aquele

é o método mais seguro de se alcançar um determinado resultado pode ser tido, no futuro –

152 Art. 27. O reconhecimento do estado de filiação é direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, podendo ser exercitado contra os pais ou seus herdeiros, sem qualquer restrição, observado o segredo de Justiça. 153 ALVIM WAMBIER, Teresa Arruda e MEDINA, José Miguel Garcia. O dogma da coisa julgada – hipóteses de relativização, p. 189.

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próximo ou não – como algo absoluto ou relativamente equivocado, ou que não oferece a

segurança que se supõe, nos dias de hoje.154

Assim, para o estudo do presente trabalho, a despeito da suscitação de

dúvidas no plano científico sobre o grau de certeza da prova pelo DNA, deixa-se claro que se

está presumindo a plena confiabilidade dos resultados do teste DNA.

Aliás, o STJ, em julgado recente, admite a idoneidade do laudo de exame de

DNA, para lastrear ação rescisória com base em documento novo, cuja ementa reza:

O laudo do exame de DNA, mesmo posterior ao exercício da ação de

investigação de paternidade, considera-se “documento novo” para aparelhar ação rescisória

(CPC, art. 485, VII). É que tal exame revela prova já existente, mas desconhecida até então. A

prova do parentesco existe no interior da célula. Sua obtenção é que apenas se tornou possível

quando a evolução científica concebeu o exame intracitológico.155

Para o processualista Barbosa Moreira, “não é demais pôr em relevo que o

Tribunal de modo algum declarou “nula” a sentença rescindenda, nem inventou novo meio de

provocar o reexame da matéria. Limitou-se a enquadrar a espécie na lei processual, mediante

a flexibilização, perfeitamente razoável, do conceito de “documento novo”. Soube conciliar –

e faz jus, por isso, a todos os louvores – uma alegada exigência de justiça com respeito ao

ordenamento positivo.156

154 ALVIM WAMBIER, Teresa Arruda e MEDINA, José Miguel Garcia. O dogma da coisa julgada – hipóteses de relativização, p. 189. 155 Acórdão de 28.04.2004. R. Esp. n.° 300.084, in D.J de 06-09-2004. 156 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Temas de Direito Processual, nona série, p. 257.

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IV - DO INSTITUTO DA PATERNIDADE SOB A PERSPECTIVA DA FILIAÇÃO

4.1 Tipos de paternidade

O termo “paternidade” é empregado de modo genérico, referindo-se à

relação do pai e da mãe com relação aos filhos.157

Neste trabalho, utilizar-se-á a expressão para designar o liame jurídico tão

só entre pai e filho, como direito à filiação.

Sílvio Rodrigues conceitua filiação (com o mesmo sentido de paternidade)

“como uma relação de parentes consangüíneos, em primeiro grau e em linha reta, que liga

uma pessoa àquelas que a geraram, ou a receberam como se as tivessem gerado.” 158

Ainda, do mesmo jurista civilista,

a paternidade é um conceito jurídico, axiológico, diverso da confrontação de genes: tanto assim que na adoção, na procriação assistida heteróloga e até mesmo no reconhecimento voluntário e paternidade presumida não impugnada pelo marido da mãe, a paternidade se dá pelo direito, independentemente da identidade biológica.159

A doutrina e os tribunais já se convenceram da profunda alteração em nosso

Direito de Família, e consequentemente, no significado do termo filiação, trazida pela

Constituição Federal de 1988 e leis posteriores que ocasionou uma transformação radical no

sistema do direito positivo, inclusive, com a promulgação do Novo Código Civil.

Há três espécies de paternidade: a biológica (sanguínea), a jurídica

(registral) e a sócioafetiva (filhos de criação), abaixo discriminadas.

157 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família, p. 228. 158 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. Atualizada por CAHALI, Francisco José, p. 288 e ss. 159 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. Atualizada por CAHALI, Francisco José, p.308.

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4.1.1 Da filiação paterna biológica

A biológica é fruto do congresso sexual entre os pais e que redunda na

filiação consangüínea, com base no matrimônio, na união estável, ou nas relações entre

pessoas impedidas de casar.

É a primeira que surge, já que decorre diretamente da existência da vida,

com a união de gametas sexuais, um masculino e outro feminino, formando novo

agrupamento de genes, surgindo aí o vínculo biológico que jamais poderá ser modificado. É o

código genético do novo ser e a marca de sua origem.

4.1.2 Da filiação paterna sócioafetiva

A sócioafetiva, se constitui em ato de opção fundado no afeto e que recebeu

o nome de adoção à brasileira, e foi originada na jurisprudência.160

Tanto a paternidade biológica como a jurídica é alcançada pela ação de

investigação, cuja pretensão é sedimentada pela realização do exame pericial genético

conhecido pela sigla DNA.

Embora o reconhecimento da paternidade sócioafetiva ainda não tenha uma

ação específica para atestá-la, é perfeitamente sustentável o ajuizamento de ação declaratória

de paternidade sócioafetiva, com amplitude contraditória e mesmo sem a prova pericial, mas

que possibilite uma sentença que declare a filiação com todas suas conseqüências.

Envolve os vínculos afetivos e sociais e é chamada pela doutrina e

jurisprudência como “posse do estado de filho”.

Para Edson Luiz Fachin, a paternidade sócioafetiva

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capta juridicamente na expressão posse do estado de filho. Embora não seja imprescindível o chamamento de filho, os cuidados na alimentação e na instrução, o carinho no tratamento (quer em público, quer na intimidade do lar) revelam no comportamento a base da parentalidade. A verdade sociológica da filiação se constrói. Essa dimensão da relação paterno-filial não se explica apenas na descendência genética que deveria pressupor aquela e serem coincidentes. Apresenta-se então a paternidade como aquela que, fruto do nascimento mais emocional e menos fisiológico, reside antes no serviço e amor que na procriação.161

4.1.3 Da filiação paterna jurídica

A paternidade jurídica ou registral, é aquela constante no assento de

nascimento.

O sistema clássico de filiação presumia que o filho da mulher casada é de

seu marido, como forma de determinação da paternidade jurídica e que protegia apenas aquele

fruto do casamento como forma de preservar e manter a família, a segurança jurídica e a

moral.

Imposto à sociedade tais normas desde o início do século passado, e por

conta dessa proteção a este tipo de paternidade, as pessoas eram impedidas de sequer aventar

sobre a possibilidade de averiguação da verdade biológica, até porque, cientificamente, nem

de meios se dispunha.

No Código Civil de 2002, há expressa disposição que a paternidade é

presumida de filhos concebidos na constância do casamento. Entretanto, esta presunção

admite prova em contrário, podendo o marido, mediante ação negatória de paternidade elidir a

paternidade conforme o artigo 1.601162 do mesmo diploma legal, não mais sujeito ao prazo

decadencial do código revogado.

160 GIORGIS, José Carlos Teixeira. A paternidade fragmentada. p. 77. 161 ALVIM WAMBIER, Teresa Arruda (coord.). A tríplice paternidade dos filhos imaginários. Repertório de jurisprudência e doutrina sobre direito de família. Aspectos constitucionais, civis e processuais. p. 178-179. 162 Art. 1.601 do Código Civil. Cabe ao marido o direito de contestar a paternidade dos filhos nascidos de sua mulher, sendo tal ação imprescritível.

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O Código Civil de 1916, ao revés, considerava absolutas as presunções de

paternidade, em relação às quais utilizava o critério legal de paternidade.163

No sistema vigente, tratando-se de filho fruto do casamento, basta que um

dos cônjuges compareça ao cartório de registro civil para efetuar o registro de nascimento.

Se os genitores não forem casados, necessária será a presença de ambos para

o registro do filho. No caso da mãe solteira, deverá declinar o nome do genitor que será

chamado para reconhecer ou não a paternidade, iniciando-se o procedimento administrativo

de Investigação Oficiosa de Paternidade. Em não o aceitando, o filho poderá ser registrado só

com o nome da mãe, e querendo esta, deverá propor judicialmente a competente ação de

investigação de paternidade.

A parentalidade jurídica fornece a base documental para toda a vida do ser

humano e tal documento comprova que a pessoa existe juridicamente.

4.2 Surgimento de novos vínculos de parentalidade

Com o alargamento do novo conceito da família, que passou a ser

vivenciada mais pela presença da afetividade com o fim único de realização da felicidade do

indivíduo, também houve nova atribuição aos juízes que se viram na obrigação de não só

aplicar o direito, mas sim, em criá-lo, na medida que constatar lacunas na legislação.

Passou-se a uma nova etapa no Direito de Família, numa transformação

natural, na medida em que os profissionais de direito passaram a ser conhecidos como pessoas

com características peculiares, como ter mais sensibilidade para perceberem as mudanças de

conceitos e transformações psicológicas, onde as pessoas acabam revelando mais seus

sentimentos e angústias, a exigir novo tratamento nas situações familiares onde não bastam as

163 GONÇALVES, Carlos Roberto. Principais inovações no Código Civil de 2002, São Paulo: Saraiva, 2002, p.

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leis, necessitando o Direito buscar subsídios em diversas áreas do conhecimento e de outras

ciências.

“O que se precisa é ver a realidade de cada um, e para isso não é suficiente o

Direito. É indispensável perceber que as pessoas não são só corpo, também têm alma; não têm

só vontade, nem sempre agem pela razão, muitas vezes são movidas pela emoção, pela

paixão.” 164

Criaram-se varas especializadas da Família, bem como vem se tornando a

mediação um mecanismo indispensável para que a interferência do juiz, quando necessária,

ocorra de modo menos traumática.

Os magistrados deixaram de ser meros aplicadores da lei para terem como

precípua missão, descobrir o justo em cada caso concreto, criando jurisprudência que irá

sinalizar as situações que o legislador irá normar.

É indispensável o reconhecimento de que o afeto é uma realidade digna de

tutela e que não se pode penalizar aquele que se afasta do parâmetro tido como normal, pelo

simples fato de não estar de acordo com o modelo convencional adotado pela sociedade.

É este novo norte do Direito de Família que demonstraremos estar

ocorrendo frente à jurisprudência brasileira, com a família identificada pela presença do elo

do afeto, onde os vínculos de parentalidade vêm sendo definidos não mais pela

consangüinidade, mas sim, pela identidade sócioafetiva.

A verdade biológica perdeu significado, justamente porque os modernos

meios de reprodução assistida exigem novos referenciais para estabelecimento dos laços de

parentesco. E, seguramente, as questões de Direito de Família, são as mais freqüentes nas

lides forenses.

75. 164 DIAS, Maria Berenice. Afeto, ética, família e o novo Código Civil. Era uma vez… p. 15.

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77

Desta forma, paulatinamente, o princípio da coisa julgada nas investigações

de paternidade vem sendo relativizado, com base nos princípios constitucionais da igualdade

entre a filiação biológica e sócioafetiva, da proteção integral dos interesses dos filhos, do

afeto, da proporcionalidade, da cidadania e da dignidade da pessoa humana, sendo a

ponderação a solução da colisão de princípios.

As correntes doutrinária e jurisprudencial vêm se fortalecendo a respeito da

mitigação da coisa julgada na investigação de paternidade, sob dois aspectos:

1) mutabilidade da coisa julgada quando o filho não tiver um pai jurídico (biológico ou

afetivo).

2) imutabilidade da coisa julgada se o filho tiver um pai jurídico.

Significa que mesmo que na ação anterior haja a declaração de um pai

registral, a paternidade biológica pode ser novamente investigada desde que não tenha se

concretizado a filiação afetiva. Justamente porque o nome de um pai na certidão de

nascimento não conduz à certeza da existência do pai afetivo, razão por que plenamente aceito

o ajuizamento de nova ação de investigação de paternidade ou de ação rescisória, quando na

ação anterior não tenha ocorrido o exame pericial DNA e não reconhecida a filiação

sociológica.

Eis alguns fundamentos jurídicos invocados para a renovação da ação:

1º ) O DNA é a certeza científica da paternidade e é infalível. O que pode ser falho é

o seu procedimento, por exemplo, nos casos de perito parcial ou corrupto; troca do material

colhido; não realização do exame com todos os envolvidos quando se tratar de investigado

falecido, ou ainda, ausência do controle de qualidade do exame.

2º ) O ser humano tem o direito de conhecer sua ancestralidade, sua identidade

biológica, cujo direito fundamental faz parte da dignidade da pessoa humana, consagrado na

Constituição Federal.

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3º ) O Superior Tribunal de Justiça, no Resp. n.º 226.436, de 28/06/2001, afirmou

que a paternidade biológica é de interesse do investigante e da sociedade, razão por que de

nada vale canonizar o instituto da coisa julgada em detrimento da paz social.

Nos casos em que o filho não constar um nome de pai, (quer afetivo como

biológico), poderá investigar a verdade genética para todos os efeitos jurídicos, sendo nestes

casos, por grande parte da jurisprudência, considerada imprescritível tal ação.

Na tradição do Direito de Família brasileiro o conflito era resolvido na

maioria das vezes, em favor da filiação biológica. No entanto, em julgados recentes, depara-se

com forte tendência no sentido contrário. Ou seja, a filiação sócioafetiva alcançou patamar de

destaque e relativizou-se o papel fundador da origem biológica.

A pesquisa em ementas de jurisprudência não se ateve só nos casos de ações

de investigação de paternidade transitadas em julgados sem a prova ao DNA, mas, refere-se

também às ações de paternidade, constituindo-as ou desconstituindo-as, com diversas e

variadas soluções frente ao eventual conflito entre a filiação biológica e não biológica.

Dessa forma, demonstra-se que diversos fundamentos vêm se tornando

tendência em algumas Cortes, referentes à verdade genética e a relação sócioafetiva

4.3 Adoção à brasileira

Em casos como a chamada “adoção à brasileira” conhecida como “filhos de

criação”, podem ser encontrados alguns posicionamentos jurisprudenciais divergentes, neles

se estabelecendo tendências desde a identificação da verdade genética obtida sob fraude,

merecendo destaque no que se refere ao reconhecimento da filiação sócioafetiva e sempre

levando-se em consideração a idade dos investigantes.

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No sentido da verdade biológica prevalecer aos registros públicos,

constatado o vício de consentimento, o Superior Tribunal de Justiça concluiu recentemente:

Direito civil. Família. Recurso especial. Ação negatória de paternidade. Exame de DNA. Tem-se como perfeitamente demonstrado o vício de consentimento a que foi levado a incorrer o suposto pai, quando induzido a erro ao proceder ao registro da criança, acreditando se tratar de filho biológico. A realização do exame pelo método DNA a comprovar cientificamente a inexistência do vínculo genético, confere ao marido a possibilidade de obter, por meio de ação negatória de paternidade, a anulação do registro ocorrido com vício de consentimento. A regra expressa no art. 1.601 do CC/02, estabelece a imprescritibilidade da ação do marido de contestar a paternidade dos filhos nascidos de sua mulher, para afastar a presunção da paternidade. Não pode prevalecer a verdade fictícia quando maculada pela verdade real e incontestável, calcada em prova de robusta certeza, como o é o exame genético pelo método DNA. E mesmo considerando a prevalência dos interesses da criança que deve nortear a condução do processo em que se discute de um lado o direito do pai de negar a paternidade em razão do estabelecimento da verdade biológica e, de outro, o direito da criança de ter preservado seu estado de filiação, verifica-se que não há prejuízo para esta, porquanto à menor socorre o direito de perseguir a verdade real em ação investigatória de paternidade, para valer-se, aí sim, do direito indisponível de reconhecimento do estado de filiação e das conseqüências, inclusive materiais, daí advindas. Recurso especial conhecido e provido.165

4.3.1 Adoção à brasileira - prevalência da filiação sócioafetiva

Já em contrapartida, também recente, atribuindo-se relevância dos laços

afetivos, vínculos parentais definidos pela verdade social e inexistência de vício de

consentimento no ato registral, a mesma ministra relatora, considerando que a investigante já

contava com cinqüenta anos de idade, manifestou-se:

Direito civil. Família. Recurso especial. Ação de investigação de paternidade e maternidade. Vínculo biológico. Vínculo sócio-afetivo. Peculiaridades. A “adoção à brasileira”, inserida no contexto de filiação sócio-afetiva, caracteriza-se pelo reconhecimento voluntário da maternidade/paternidade, na qual, fugindo das exigências legais pertinentes ao procedimento de adoção, o casal (ou apenas um dos cônjuges/companheiros) simplesmente registra a criança como sua filha, sem as cautelas judiciais impostas pelo Estado, necessárias à proteção especial que deve recair sobre os interesses do menor.

165 Superior Tribunal de Justiça, REsp 878954/ RS; Ministra NANCY ANDRIGHI, DJ 28.05.2007.

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O reconhecimento do estado de filiação constitui direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, que pode ser exercitado sem qualquer restrição, em face dos pais ou seus herdeiros. O princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, estabelecido no art. 1º, inc. III, da CF/88, como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, traz em seu bojo o direito à identidade biológica e pessoal. Caracteriza violação ao princípio da dignidade da pessoa humana cercear o direito de conhecimento da origem genética, respeitando-se, por conseguinte, a necessidade psicológica de se conhecer a verdade biológica. A investigante não pode ser penalizada pela conduta irrefletida dos pais biológicos, tampouco pela omissão dos pais registrais, apenas sanada, na hipótese, quando aquela já contava com 50 anos de idade. Não se pode, portanto, corroborar a ilicitude perpetrada, tanto pelos pais que registraram a investigante, como pelos pais que a conceberam e não quiseram ou não puderam dar-lhe o alento e o amparo decorrentes dos laços de sangue conjugados aos de afeto. Dessa forma, conquanto tenha a investigante sido acolhida em lar “adotivo” e usufruído de uma relação sócio-afetiva, nada lhe retira o direito, em havendo sua insurgência ao tomar conhecimento de sua real história, de ter acesso à sua verdade biológica que lhe foi usurpada, desde o nascimento até a idade madura. Presente o dissenso, portanto, prevalecerá o direito ao reconhecimento do vínculo biológico. Nas questões em que presente a dissociação entre os vínculos familiares biológico e sócioafetivo, nas quais seja o Poder Judiciário chamado a se posicionar, deve o julgador, ao decidir, atentar de forma acurada para as peculiaridades do processo, cujos desdobramentos devem pautar as decisões.Recurso especial provido.166

Na vertente de buscar também a solução que melhor tutele a dignidade da

pessoa humana o Tribunal de Justiça do Paraná decidiu:

“Adoção à Brasileira” - Confronto entre a verdade biológica e a sócioafetiva – Procedência. Decisão Reformada. No confronto entre a verdade biológica, atestada em exame de DNA, e a verdade sócioafetiva, decorrente da denominada ‘adoção à brasileira’ (isto é, da situação de um casal ter registrado, com outro nome, menor, como se deles filho fosse) e que perdura por quase quarenta anos, há de prevalecer a situação que melhor tutele a dignidade da pessoa humana. A paternidade sócioafetiva, estando baseada na tendência de personificação do direito civil, vê a família como instrumento de realização do ser humano; aniquilar a pessoa, apagando-lhe todo o histórico de vida e condição social, em razão de aspectos formais inerentes à irregular ‘adoção à brasileira’, não tutelaria a dignidade humana, nem faria justiça ao caso concreto, mas, ao contrário, por critérios meramente formais, proteger-se-ia as artimanhas, os ilícitos e as negligências utilizadas em benefício do próprio apelado.167

166 Superior Tribunal de Justiça, REsp 833712 / RS; Ministra NANCY ANDRIGHI, DJ 04.06.2007.

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4.3.2 Adoção – direito à ancestralidade sem direito sucessório

Há outros casos em que, ao contrário, estabelecida uma relação afetiva

durante anos, o próprio filho busca a desconstituição do registro civil, visando obter vantagem

pecuniária de seu pai biológico.

Não há como impedir uma pessoa de conhecer sua paternidade biológica, já

que trata de um direito personalíssimo. Entretanto, ainda que permitido o direito à ação, não é

reconhecido por parte da jurisprudência o direito ao patrimônio correspondente a essa relação

biológica, prevalecendo a verdade social. Com base nesses argumentos editou o Supremo

Tribunal Federal a Súmula de n. º 149.168 O Superior Tribunal de Justiça possui manifestação

nesse sentido:

Adoção. Investigação de paternidade. Possibilidade. Admitir-se o reconhecimento do vínculo biológico de paternidade não envolve qualquer desconsideração ao disposto no artigo 48 da Lei 8.069/90.169 A adoção subsiste inalterada. A lei determina o desaparecimento dos vínculos jurídicos com pais e parentes, mas, evidentemente, persistem os naturais, daí a ressalva quanto aos impedimentos matrimoniais. Possibilidade de existir, ainda, respeitável necessidade psicológica de se conhecer os verdadeiros pais.170

No caso do acórdão seguinte, a busca à ancestralidade é permitida, mas não

para fins de sucessão:

Investigação de paternidade. Paternidade sócioafetiva. Estabelecendo o ECA a imprescritibilidade da ação investigatória de paternidade, não estender a vedação do perecimento do direito aos maiores implica em vedação ao princípio constitucional da igualdade. Ao depois, a possibilidade de investigação não traz necessariamente seqüelas obrigacionais e patrimoniais. Reconhecida a filiação sócioafetiva, a investigação de paternidade não leva à desconstituição ou anulação do registro de nascimento, mas se limita a atender à possibilidade de se conhecer a paternidade sem gerar seqüelas de ordem patrimonial. Recurso provido por maioria.171

167 TJPR. Apelação Cível 108.417-9 - 2ª C. Civ. - Ac. 20.110 - Rel. Des. ACCÁCIO CAMBI - unân. - DJ. 12.12.2004. 168 Súmula n. º 149/ STF: “É imprescritível a ação de investigação de paternidade, mas não o é a de petição de herança”. 169 Art. 48 do ECA: A adoção é irrevogável.. 170 Superior Tribunal de Justiça. REsp 127541 / RS, T3 - Terceira Turma. Ministro EDUARDO RIBEIRO, DJ 28.08.2000. 171 TJRS - Apelação Cível nº 70004989562. Rel. Desª MARIA BERENICE DIAS. Sétima Câmara Cível. DJ 23.10.02.

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V – A RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA E A INVESTIGAÇ ÃO DE PATERNIDADE

5.1 A Coisa Julgada nas ações de investigação de paternidade

Colocam-se agora as palavras do prof. Renan Lotufo, “no sentido de que a

busca pelo filho, da verdadeira paternidade e que sempre esteve em mira a doutrina e a

jurisprudência brasileira, fez surgir colocações relativas à imprescritibilidade.” 172

O direito de saber a sua verdadeira identidade pessoal não pode ser suprido

sem atender-se à correta filiação, sendo ambos oriundos do direito à personalidade.173

Valendo fazer menção que a tutela civilística da correta identidade humana

interfere diretamente sobre a configuração somática-psíquica do ser humano, realçando a sua

moral.174

No Código Civil de 1916, havia a previsão do prazo de 4 anos, a contar da

maioridade, para que o filho contestasse a sua filiação, bem como, que o pai tinha dois meses

(se presente) e três (se ausente) para contestar a paternidade de filho havido na constância do

casamento.

Ocorre, entretanto, que a jurisprudência já demonstrava a sua tendência a

preservar valores maiores do que os previstos no Código Civil, permitindo que após os

referidos prazos em determinadas circunstâncias fosse permitido o ingresso de ações para

negar a paternidade.

O direito pós-moderno vem passando por uma profunda mudança, oriunda

das relações familiares, porque tal fenômeno atinge diretamente as relações familiares. E,

como a própria ciência do direito é uma ciência prática, voltada para o controle e organização

172 LOTUFO, Renan. Questões Pertinentes à Investigação e à Negação de Paternidade, p. 46. 173 Ibid., mesma página.

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da sociedade, propiciando a redução dos conflitos intersubjetivos de interesses, o processo

deve acompanhar esta dinâmica, razão por que, é preciso compreender adequadamente o

sentido e o alcance das inúmeras reformas processuais que estão sendo efetivadas no sistema

processual brasileiro, especialmente após 1973, implementadas com o intuito de agilizar a

sistemática de recursos e desestimular a utilização da justiça com fins meramente

protelatórios.

O dogma milenar da presunção de paternidade que sempre foi cultuado no

Direito Pátrio, não mais pode ser assim mantido, visto que os avanços trazidos com o exame

de DNA não se calam e, invariavelmente, acusam uma falsa paternidade, ou quando não uma

inverídica maternidade.

Doutrina pátria mais autorizada em Direito de Família, explana

[...] Mas pensar o Direito de Família na atualidade significa voltar àquilo que é mais primitivo e primário, isto é, compreender a atual política legislativa sobre as relações familiares, para, inclusive, entender sua difícil aplicabilidade, muitas vezes entravada pelo Poder Judiciário.175

É incontestável que o avanço científico tem proporcionado ao Direito de

Família uma revolução até então, nunca pensada, porque oferece uma mudança de ótica

tamanha, que deixa a sempre buscada verdade formal, envergonhada. Isto é, existem

conquistas da humanidade que nos apresentam a busca da verdade real, exemplificando, o

DNA.

Ocorre que, para os casos futuros, será uma solução muito prática e sem

problemas; todavia, resta-nos analisar a possibilidade de que o referido exame seja utilizado

para corrigir situações já amparadas pela coisa julgada.

174 LOTUFO, Renan. Questões Pertinentes à Investigação e à Negação de Paternidade, p. 47. 175 PEREIRA, Rodrigo Cunha e DIAS, Maria Berenice, Resenha do livro Direito de família e o novo código civil, p. 142.

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É relevante dissertar que o princípio da dignidade humana está esculpido no

artigo 1º, 176 da Constituição Federal, sendo este fundamental para o bom desenvolvimento da

República, como explana o prof. José Afonso da Silva:

a dignidade da pessoa humana não é uma criação constitucional, pois ela é um desses conceitos a priori, um dado preexistente a toda experiência especulativa, tal como a própria pessoa humana. A constituição, reconhecendo a sua existência e a sua eminência, transforma-a num valor supremo da ordem jurídica, quando a declara como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil constituída em Estado Democrático de Direito.177

Aí, sendo um dos fundamentos da República Federativa do Brasil conforme

preleciona Luiz Alberto David Araujo é: “um dos princípios constitucionais que orientam a

construção e a interpretação do sistema jurídico brasileiro”.178

Também, nessa linha, pensa Flávia Piovesam, defensora ardorosa, de que o

princípio da dignidade humana nos termos proposto na Carta Magna, constitui núcleo básico

do ordenamento jurídico, e com isso, deve ser utilizado como parâmetro na interpretação das

demais previsões legais. 179

A conclusão que se chega é que a relativização da coisa julgada nas ações de

investigação de paternidade, envolve conflito de valores amparados pela Magna Carta, tais

como a coisa julgada, princípio da dignidade humana, direitos da personalidade e direito à

correta filiação, exigindo justamente por isto, por estar a coisa julgada intimamente

relacionada a um princípio constitucional, certo temperamento às hipóteses de controle das

decisões transitadas em julgado em cada caso concreto.

176 Art. 1° da Constituição Federal: Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I - a soberania; II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo político. 177 SILVA, José Afonso da. Poder constituinte e poder popular, p. 146. 178 ARAÚJO, Luiz Alberto David A proteção constitucional do transexual, p. 102. 179 Temas de direitos humanos, p. 34. Ver também SILVA, José Afonso da; quando diz: “a dignidade da pessoa humana constitui um valor que atrai a realização dos direitos fundamentais do homem, em todas as suas dimensões.”, Poder constituinte e poder popular, p. 149.

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Em recente obra, o professor Cássio Scarpinella explana que não se está,

propriamente, “relativizando a coisa julgada”, mas, bem diferentemente, os meios de seu

controle independentemente de qualquer alteração legislativa.Trata-se, em última análise, de

submeter o art. 485 do CPC e, bem assim, os demais mecanismos destacados como“filtragem

constitucional” e, em nome de outros valores e princípios constitucionalmente exigidos,

permitir o controle das decisões jurisdicionais, mesmo quando transitadas em julgado, para

sua adequação às realidades subjacentes ao processo e, nestas condições, possam, elas

próprias, restar imunes a novos questionamentos. 180

E, uma das formas de enfrentamento da proposta relativizadora da coisa

julgada é a flexibilização do regime jurídico da “ação rescisória”, sem necessidade de

alteração legislativa, mas sim, admitir uma leitura ampliativa, extensiva, até mesmo criativa,

dos diversos incisos do art. 485, flexibilizando-se, com isto, os casos de cabimento da ação

rescisória. Quando menos, em alguns casos, sendo necessária uma fluência diferenciada do

prazo decadencial para ajuizamento da ação rescisória sem rigores do art. 495 do CPC, que

não distingue as variadas hipóteses pelas quais, de acordo com o próprio art. 485, a rescisória

tem cabimento.181

Por exemplo, no caso de ação de investigação de paternidade, o prazo para

propositura da ação rescisória contar-se-á da data do exame DNA constatativo que a filiação é

diversa daquela declarada em anterior ação acobertada pela coisa julgada, e não do trânsito

em julgado da decisão que se pretende questionar.

A coisa julgada, como direito individual, não tem como prosperar, quando

diante do princípio, que vem no caso “sub examine”, amparado pelo direito à filiação,

observando-se ainda o direito à personalidade, que se pode chegar à conclusão, de que a coisa

julgada sucumbirá quando se chocar com os citados valores constitucionais.

180 BUENO, Cássio Scarpinella, Curso sistematizado de direito processual civil. 2 tomo. p. 404. 181 Ibidem, p. 403.

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Não se pode deslembrar que o Estatuto da Criança e do Adolescente, no

artigo 27, também é taxativo que a filiação é direito personalíssimo, indisponível e

imprescritível, sendo legítimo exercê-lo em face dos pais e herdeiros. 182

O direito à filiação é um direito absoluto, um direito irrenunciável e, como

tal, não pode se submeter à prescrição, decadência ou quaisquer prazos preclusivos, razão por

que nossos tribunais já se pronunciaram no sentido de que caso a representante legal da autora

de ação de Investigação de Paternidade queira desistir da mesma, o representante do

Ministério Público deve assumir os interesses do menor, declarando a nulidade das decisões

que homologuem o pedido de desistência.183

Diante disso, a coisa julgada deve ser repensada, pois estamos lidando com

um direito natural e constitucional de personalidade que faz parte do princípio da dignidade

humana, resguardado na categoria de fundamento da República (artigo 1º, inciso III, da

Constituição Federal).

Em respeitável estudo a respeito do tema, Rolf Madaleno, sustentou que:

A cada instante perfilam acalentadas doutrinas que inquietam com a imutabilidade da autoridade da eficácia da coisa julgada nas ações de verificação da vinculação biológica... Nessas circunstâncias, descabe cristalizar como coisa julgada, a inexistência do estado de filiação, pois restou verificado sim, a impossibilidade de formação em juízo de certeza, cuja negligência probatória não pode ser debitada ao investigante, como também não pode ser debitado ao investigado este mesmo selo da presunção absoluta e imutável de veracidade sentencial, quando neste mesmo processo deixou de ser pesquisada a prova genética da filiação.184

Analisando o contexto em que foi inserido o texto acima, nota-se que

fundamenta sua posição no fato de que o Direito de Família é um dos ramos do Direito em

182 Estatuto da Criança e do Adolescente. - Art. 27. O reconhecimento do estado de filiação é direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, podendo ser exercitado contra os pais ou seus herdeiros, sem qualquer restrição, observado o segredo de Justiça. 183 Acórdão da 7ª CCv. Do TJRS, em 05.04.95, Rel. DÊS. Alceu Binato de Moraes, na ap. 594141095. Ver também Acórdão da 3ª CCv. Do TJRS, em 23.02.89, Rel. Dês. Mário Augusto Ferrari, transcrito no RJTJRS 138/185, na seguinte ementa: “Investigação de Paternidade. Não tem qualquer validade à desistência ou renúncia do direito de investigar ou negar a paternidade ou maternidade, por se tratar de ação referente a estado e, desta maneira, de direito indisponível.” 184 MADALENO, Rolf. A coisa julgada na investigação de paternidade, p. 48

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que mais se sentiram modificações, não tão somente nos campos da cultura e costumes do

povo em geral, mas sim no âmbito científico.

De tudo que se apresentou neste trabalho, reconhecidamente, aberto está o

debate doutrinário com fortes reflexos na jurisprudência em torno da relativização da coisa

julgada material, voltada para o tópico mais saliente que é a denominada “coisa julgada

inconstitucional”, distinguindo-se pela incontestável relevância, as ações de investigação de

paternidade, julgadas quando inexistentes o exame DNA, e daí venha a resultar paternidade

biológica diversa do admitido na sentença.

A despeito de opositores ferrenhos, com destaque a Nelson Nery Júnior, a

relativização da coisa julgada não mais pode ser ignorada, tendo em vista inclusive, que o

Superior Tribunal de Justiça já vem decidindo que o direito à investigação biológica é

imprescritível e entre o princípio da segurança jurídica e o da personalidade e da dignidade

humana, estes últimos devem prevalecer, devendo o julgador, aplicando os princípios da

razoabilidade e proporcionalidade, em cada caso concreto, cumprir o escopo processual, que é

a pacificação social.

Na mesma linha as considerações de Cândido Dinamarco ao concluir seu

estudo sobre o tema: “a linha proposta não vai ao ponto insensato de minar imprudentemente

a auctoritas rei judicatoe ou transgredir sistematicamente o que a seu respeito assegura a

Constituição Federal e dispõe a lei. Propõe-se apenas um trato extraordinário destinado a

situações extraordinárias com o objetivo de afastar absurdos, injustiças flagrantes, fraudes e

infrações à Constituição – com a consciência de que providências destinadas a esse objeto

devem ser tão excepcionais quanto é a ocorrência desses graves inconvenientes. Não me

move o intuito de propor uma insensata inversão, para que a garantia da coisa julgada

passasse a operar em casos raros e a sua infringência se tornasse regra geral”.185

185 DINAMARCO, Cândido Rangel. Relativizar a coisa julgada material, p. 23.

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5.2 Prevalência da imutabilidade da coisa julgada

Defendendo uma nova disciplina no tratamento da coisa julgada, no sentido

de propor limites à imutabilidade dos efeitos do julgado, a tese conservadora prega a

formação da coisa julgada material nas ações de investigação de paternidade, sendo

impossível a desconstituição do decidido anteriormente, por outra ação de conhecimento

agora com o exame de DNA. Como exemplo na jurisprudência:

Ação declaratória de nulidade de assento de registro de nascimento. Reconhecimento da paternidade em ação anterior transitada em julgado, dando ensejo ao registro agora impugnado. Se o assento do registro civil decorre de decisão judicial transitada em julgado, não é possível modificá-lo sem que aquela seja desconstituída pela via processual própria. Recurso especial não conhecido.186

Entendimento semelhante foi adotado pela Terceira Turma do Superior

Tribunal de Justiça:

Ação de negativa de paternidade. Exame pelo DNA posterior ao processo de investigação de paternidade. Coisa Julgada. Seria terrificante para o exercício da jurisdição que fosse abandonada a regra absoluta da coisa julgada que confere ao processo judicial força para garantir a convivência social, dirimindo os conflitos existentes. Se, fora dos casos nos quais a própria lei retira a força da coisa julgada, pudesse o magistrado abrir as comportas dos feitos já julgados para rever as decisões não haveria como vencer o caos social que se instalaria. A regra do art. 468 do Código de Processo Civil é libertadora. Ela assegura o exercício da jurisdição insuscetível de modificação. E a sabedoria do Código é revelada pelas amplas possibilidades recursais e, até mesmo, pela abertura da via rescisória naqueles casos precisos que estão elencados no art. 485. Assim, a existência de um exame pelo DNA posterior ao feito já julgado, com decisão transitada em julgado, reconhecendo a paternidade, não tem o condão de reabrir a questão com uma declaratória para negar a paternidade, sendo certo que o julgado está coberto pela certeza jurídica conferida pela coisa julgada. Recurso especial conhecido e provido.187

186 (Superior Tribunal de Justiça. REsp 107248 / GO, Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO. DJ 07.05.1998). 187 Superior Tribunal de Justiça.3ª Turma. RESP 107248.Relator: Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES. Data do julgamento: 07.05.1998. DJ de 29.06.1998).

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Na mesma esteira, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul julgou

inviável o questionamento da paternidade em nova ação negatória, salientando que a coisa

julgada constitui garantia constitucional , como segue abaixo:

Apelação cível. Família. Negatória de paternidade. Anterior investigação de paternidade. Resistência à elaboração do exame de DNA. Coisa julgada material. Na hipótese em pauta, a negatória de paternidade não se presta para colher novas provas através do exame de DNA, visando a cassação da sentença que julgou procedente a investigação de paternidade. Cediço que o desenvolvimento das técnicas investigativas de paternidade encontraram no exame de DNA precioso elemento de prova, capaz de trazer ponderável grau de certeza do vínculo de paternidade, até mesmo pelo método que supostamente pretende o apelante (coleta de saliva ou cabelo). No entanto, não se vislumbra, no caso, a possibilidade de ampliação da fase cognitiva, diante da indolência praticada pelo apelante na ação investigatória julgada procedente. Ademais, mostra-se efetivamente inviável o questionamento da paternidade em nova ação negatória em face da existência de coisa julgada material, ressaltando-se que a coisa julgada constitui garantia constitucional (artigo 5º, XXXVI, da Constituição Federal) e, como tal, não pode ser flexibilizada e muito menos inobservada. Ou seja: a pretensão de anular o registro de nascimento, sob o argumento de que não é pai, pelo fato de a ação investigatória não contar com o exame de DNA, é descabida. Negaram provimento à apelação. Unânime.188

5.3 Relativização da Coisa Julgada - ação julgada improcedente por falta de provas (DNA)

Já com o intuito de dar plena efetividade ao direito de filiação em face da

coisa julgada e de todos os avanços científicos em torno da determinação da paternidade

biológica, estão sendo construídas teses modernas. Também a jurisprudência vem firmando

que a coisa julgada deve ser relativizada, já que a falta de prova suficiente ao juízo de

procedência do pedido implica, geralmente, improcedência, e não a extinção sem julgamento

do mérito.

Processo Civil. Investigação de Paternidade. Repetição de Ação anteriormente ajuizada, que teve seu pedido julgado improcedente por falta de provas. Coisa Julgada, Mitigação. Doutrina. Precedentes. Direito de Família. Evolução. Recurso Acolhido. Não excluída expressamente a paternidade do investigado na primitiva ação de investigação de paternidade, diante da precariedade da prova e da ausência de indícios suficientes a caracterizar tanto a paternidade como a sua negativa, e considerando que, quando do ajuizamento da primeira ação, o exame pelo DNA

188 Apelação Cível nº 70012438511, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: WALDA MARIA MELO PIERRO, Julgado em 15/12/2005.

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ainda não era disponível e nem havia ainda notoriedade ao seu respeito, admite-se o ajuizamento de ação investigatória genética (HLA e DNA), porque permite ao julgador um juízo de fortíssima probabilidade, senão de certeza na composição do conflito. Ademais, o progresso da ciência jurídica, em matéria de prova, está na substituição da verdade ficta pela verdade real. A coisa julgada, em se tratando de ações de estado, como no caso de investigação de paternidade, deve ser interpretada modus in rebus. Nas palavras de respeitável e avançada doutrina, quando estudiosos hoje se aprofundam no reestudo do instituto, na busca sobretudo da realização do processo justo, a coisa julgada existe como criação necessária à segurança prática das relações jurídicas e as dificuldades que se opõem à sua ruptura se explicam pela mesmíssima razão. Não se pode olvidar, todavia, que numa sociedade de homens livres, a justiça tem de estar acima da segurança, porque sem Justiça não há liberdade. Este Tribunal tem buscado, em sua jurisprudência, firmar posições que atendam aos fins sociais do processo e às exigências do bem comum.189

No mesmo sentido, a ementa do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:

Possível a renovação de demanda investigatória quando a ação anterior for julgada improcedente por falta de provas e não foi realizado o exame de DNA. Os preceitos constitucionais e da legislação de proteção ao menor se sobrepõem ao instituto da coisa julgada, pois não há como negar a busca da origem biológica.190

A Quarta Câmara do mesmo Tribunal conclui:

[...] tendo sido o feito então julgado improcedente por falta de prova, o julgado não faz coisa julgada com relação à não-paternidade, nada impedindo a renovação da investigatória. Não havendo, portanto, coisa julgada, descabido o uso da rescisória.191

Esse precedente concluiu pela relativização da coisa julgada embasada nos

direitos da personalidade, baseando-se nas transformações familiares e nas descobertas

genéticas. É o entendimento que vem se firmando em alguns Tribunais do Brasil.

Civil e Processo Civil. Investigação de Paternidade. Coisa Julgada. Registro Público. A busca da verdade há de se confundir com a busca da evolução humana, sem pejo e sem preconceitos. Não tem sentido que as decisões judiciais ainda possam fazer do quadrado, redondo, e do branco, preto. Nesse descortino, a evolução dos recursos científicos colocados à disposição justificam a possibilidade de se rediscutir a paternidade, pois ilógica toda uma seqüência de parentesco e sucessão com origem sujeita a questionamentos. Por outro lado, imperativo que os registros públicos traduzam a efetiva realidade das coisas, sempre havendo tempo e infindáveis razões para que a verdade prevaleça ou seja restabelecida. A coisa julgada não pode servir para coroar o engodo e a mentira. O caráter de imprescritibilidade e de

189 Superior Tribunal de Justiça. 4ª Turma. RESP n.º 226.436. Relator:Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA. Data do julgamento: 28.06.2001. DJU de 04.02.2002,p. 370. 190 TJRS 7° Câm. Civ., rel Des. MARIA BERENICE DIAS, DJ. 15.05.02. 191 TJRS 4 Câm. Civ., Rel. Des. Luiz Felipe Brasil Santos, j. 09.11.01.

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indisponibilidade da investigatória revela-se incompatível com qualquer restrição decorrente da coisa julgada. O interesse público, no caso, prevalece em face do interesse particular ou da estabilidade das decisões judiciais. Apelo improvido. Unânime.192

5.4 Inexistência de coisa julgada material

Porém, existindo algo que o direito deva preservar acima da realidade

jurídica, que é o valor da pessoa humana, indo além de correntes conservadoras e modernas,

emerge uma teoria intermediária no que diz respeito a coisa julgada material na investigação

de paternidade, na qual exige-se a sensibilidade do julgador diante de cada caso concreto, já

que o juiz, com significativos avanços científicos, é desafiado a adotar uma postura ativa e

criativa na interpretação da lei, adaptando-se aos valores e transformações da sociedade.

Dessa forma, não tem sentido manter uma falsidade, na qual a coisa julgada

não foi criada para fazer do estranho um filho, e não se observar as profundas transformações

culturais e científicas por que passa o corpo social para permanecer estático em um mundo

fictício.

Pelo enunciado n.° 109 (aprovado na Jornada de direito civil, promovida em

setembro de 2002, pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal): “a

restrição da coisa julgada oriunda de demandas reputadas improcedentes por insuficiência de

prova, não deve prevalecer para inibir a busca da identidade genética pelo investigando.”193

Assim, em casos excepcionais, nas ações de investigação de paternidade já

julgadas improcedentes por insuficiência de provas, em especial do exame de DNA, os

tribunais vêm admitindo que não houve coisa julgada material, mas sim, formal, podendo pois

repropô-la novamente.

192 Tribunal de Justiça do Distrito Federal. 1ª Turma. APC nº 4640097. Relator: VALTER XAVIER. Julgamento: 09.02.1998. DJ de 23.04.2003. 193 DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado, p. 1.309.

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Ação de Investigação de Paternidade julgada improcedente por falta de prova. Reabertura do Processo. Inexistência de Coisa Julgada Material. O valor da coisa julgada visa resguardar, justamente, a segurança jurídica, e esse valor deve ser posto em cotejo com um dos próprios fundamentos da República Federativa do Brasil, consagrado no art. 1º, inc. III, da sua Constituição, ou seja, o da dignidade da pessoa humana. O direito à identificação está ligado à preservação dessa dignidade e deve-se sobrepor a qualquer outro valor, a qualquer outro princípio, inclusive o da segurança jurídica que a coisa julgada busca preservar. Descabe, entretanto, desarquivar o feito já julgado, pois neste há coisa julgada formal, cabendo o ajuizamento de nova investigatória. Desproveram o agravo.194

No mesmo sentido, decisão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal:

Civil e Processual Civil- Ação de investigação de paternidade - Coisa Julgada- Renovação do Pedido - Possibilidade - Exame de DNA. A Jurisprudência tem atenuado a rigidez da coisa julgada nas hipóteses de investigação de paternidade, para possibilitar a realização do exame de DNA, dando uma solução mais justa à matéria. Precedentes. O reconhecimeto do estado de filiação, nos termos do artigo 27 do Estatuto da Criança e do Adolescente, é direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, tornando-se necessário apurar a veracidade dos fatos, para não deixar um filho sem pai ou um pai sem filho, admitindo, na mesma linha de raciocínio das ações de alimentos, a ocorrência apenas da coisa julgada formal e não material, impeditiva do reexame da matéria no mesmo processo. Recurso e provido. Unânime.195

Dessa forma, a tese intermediária, procura nas leis vigentes uma forma de

equilibrar valores aparentemente contrários e tornar o processo socialmente efetivo, admitindo

em ações de estado, a ocorrência apenas da coisa julgada formal e não material, a exemplo

das ações de alimentos.

Com efeito, pai não se confunde com genitor, já que pai tem o conceito bem

mais amplo, a envolver aspectos afetivos decorrentes do dia-a-dia da convivência, bem como

provendo a educação, sustento, além de ostentar reconhecimento pela sociedade e família.

A despeito disso, consta projetos de leis sugeridos pelo IBDFAM, os quais

se encontram em sua íntegra no apêndice II, no sentido de alteração e revogação de artigos do

Código Civil concernentes à direitos de filiação.

194 Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. 7ª Câmara Cível. Agravo de Instrumento nº 70002482198. Relator: LUIZ FELIPE BRASIL SANTOS. Data do julgamento: 20.06.2001. 195 Tribunal de Justiça do Distrito Federal . 5ª Turma. Apelação Cível nº 19990910029102. Relator: HAYDEVALDA SAMPAIO. Data do julgamento: 14.09.2000.DJ de 22.11.2000.

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CONCLUSÃO

O que se pretende buscar é a transformação do Direito Processual para se

alcançar por intermédio dele um instrumento efetivo de acesso à justiça.

Conclui-se que por meio das sucessivas legislações elaboradas em período

recente, entre elas a Constituição Federal de 1988, pretendeu o legislador esgotar meios para

instrumentalizar o direito processual. No entanto, na prática, não pode ser efetivo devido a

problemas exteriores ao âmbito processual, como a mentalidade formalista e burocrática de

um certo número de juristas brasileiros, provenientes de um posicionamento excessivamente

positivista do passado, que não propicia o raciocínio, nem o senso crítico jurídico,

fundamentais neste período moderno e em transição.

O Direito não é um mero aglomerado de regras e conceitos, produto de atos

da vontade ou fórmulas verbais articuladas entre si. Mas sim, um sistema no qual deve

predominar a coerência, que por sua vez, resulta justamente nos princípios constitucionais,

que regulam e harmonizam todo ordenamento jurídico.

E é exatamente uma norma constitucional que se tem para garantir o direito

à correta filiação, cuja missão é a de defender os direitos humanos fundamentais.

Têm os princípios, todo o ordenamento jurídico como área de abrangência

devido à sua origem constitucional. Entretanto, muitas vezes é afrontado pelo próprio Estado,

seja por não entender seu real significado ou mesmo movido por interesses financeiros.

Sem dúvida, a ciência processual evoluiu de modo a criar mecanismos para

a melhor efetividade do processo e promover a paz entre as pessoas, a coesão da sociedade

compondo litígios e sufocando os anseios de autotutela, utilizando-se do ideal de justiça como

mero critério regulador.

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É inegável, porém, que esta mudança no nosso ordenamento jurídico

caminha a passos curtos e não acompanha a evolução da sociedade. Isto porque, também, não

se pode desconsiderar que o homem é um animal eternamente insatisfeito e dificilmente

teremos efetivamente um mecanismo processual de tal forma moderno e instrumentalizado a

atendê-lo prontamente em todos os anseios de justiça.

Não resta dúvida que o processo não existe por si mesmo e ontologicamente

está ligado ao direito material. O objetivo não é nada mais nada menos que satisfazer com

plenitude o próprio direito material.

Que realmente é muito difícil se alcançar o ideal de justiça, não se discute e,

da mesma forma que a ciência evoluiu, pensa-se hoje, em mais justiça e menos técnica

processual, ao contrário de antes, que se privilegiava a forma e o exagero de técnicas

processuais.

Assim, enquanto instrumento de efetivação do princípio da segurança

jurídica, a coisa julgada é instituto fundamental para assegurar a pacificação social com

justiça, o afetivo acesso à ordem jurídica justa.

Ante o conflito entre o princípio da segurança jurídica e outros princípios

relevantes, é imprescindível a análise do caso concreto e suas particularidades.

As normas processuais que servem de suporte ao desenvolvimento dos

litigantes e juízes, atuam de forma a atender os bens jurídicos, estabelecendo um sistema

processual para servir de garantia efetiva do direito e da justiça.

Enquanto por outra sorte, há também a garantia à estabilidade das relações

jurídicas reconhecidas como segurança jurídica, indispensável à convivência social, de onde

advém o fenômeno da coisa julgada, expressa nos art. 301, § 3° e 467 do CPC.

Com o advento da Constituição Federal de 1988, tivemos uma renovação da

ordem jurídica que trouxe a revisitação e reinterpretacão do direito em seus princípios,

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instaurando a teoria dos direitos fundamentais e pelo art. 1º caput, o Estado Democrático de

Direito, ocupando lugar de destaque a consagração dos Direitos e Garantias Fundamentais.

Com isto, houve a necessidade de se revitalizar o sistema e princípios

constitucionais, numa forma de aplicação de exercícios para desenvolvimento de novas

formas de interpretação.

Isto porque, o princípio do Estado Democrático de Direito não pode ser

pensado separadamente, da mesma forma que a democracia pensada de forma absoluta tende

a se tornar absolutista.

Na interpretação da hermenêutica há a possibilidade de se interpretar vários

princípios destinados a auxiliar na interpretação, podendo-se afirmar que não se concebe mais

um modelo de conhecimento jurídico sem hermenêutica.

Esta interpretação especificadamente constitucional trouxe consigo uma

proposta de elaboração da teoria do direito, considerando-se a lei como um parâmetro e, como

o direito não se esgota na lei, quem tem vontades é quem a faz e a interpreta.

Na verdade, o que existe é a vontade do intérprete, tendo em vista que a lei

não é um agente psíquico.

Hoje, na modernidade, tem-se como característica primordial, a distinção

entre o direito moral e o direito ético, não se podendo deixar de mencionar o caráter nefasto

desta distinção, onde o jurista acaba ficando envolvido sobremaneira com o excesso de

formalismo e com os sistemas.

O intérprete teórico está tentando dar a sua contribuição para a formação

intelectual, surgindo pois, o destaque do papel da hermenêutica que é o de tentar colaborar

para a orientação do pensamento, de forma a evidenciar que o direito se realiza em cada caso

concreto e o simples fato de “estar na lei”, não quer dizer que o direito efetivamente se

realizou.

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Depara-se então na hermenêutica, com a oferta de parâmetros para facilitar a

reinterpretacão do direito, e, tais parâmetros são os próprios direitos fundamentais, os quais,

por serem muitos, há uma certa tendência normal de se confundirem.

Os princípios constitucionais de ampla defesa e acesso à justiça têm

contribuído para privilegiar a efetividade da prestação jurisdicional, com vistas a assegurar

maior garantia às partes e uma justiça mais justa e imparcial.

Além dos princípios constitucionais da legalidade, devido processo legal,

quebra do contraditório, dentre outros, há que se fazer menção importante aos princípios da

proporcionalidade e razoabilidade, muito em voga na atualidade, possuindo ambos estreita

ligação entre si e de extrema valia para o correto funcionamento de qualquer ordenamento

jurídico .

O princípio da proporcionalidade é imprescindível à tutela das liberdades

fundamentais, proibindo o excesso e vedando o arbítrio do Poder, garantindo o devido

processo legal.

Enquanto que o princípio da Razoabilidade deverá pautar-se na atuação

discricionária do Poder Público, garantindo-lhe a constitucionalidade de suas condutas e

impedindo arbitrariedades.

Assunto bastante em evidência, verifica-se nos dias de hoje, uma tendência,

de doutrinadores e juristas, além de parte da jurisprudência, a relativizar a coisa julgada em

casos excepcionais, a exemplo dos processualistas Cândido Rangel Dinamarco, Humberto

Theodoro Junior, José Augusto Delgado, Carlos Walder do Nascimento.

O processualista Nelson Nery Júnior, é defensor combativo na corrente

contrária, preconizando que as partes devem submeter-se à autoridade da coisa julgada,

qualquer que tenha sido a sentença, ficando obrigado o juiz, caso proposta ação idêntica, a

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extinguir o processo sem julgamento do mérito, na forma do art. 267, V., do CPC, podendo

até ser decretada de ofício por tratar-se de matéria de ordem pública.

Duas ações são iguais quando têm as mesmas partes, causa de pedir

(próxima e remota) e pedido (mediato e imediato), conforme art. 301 § 2º, do CPC.

Importante destacar que baseiam-se os favoráveis à relativização, apenas em

casos excepcionalíssimos, a justificar a desconsideração da intangibilidade da coisa julgada,

como na ação de investigação de paternidade julgada improcedente antes da existência do

exame DNA e desapropriação de imóvel com avaliação supervalorizada.

Os fundamentos alegados são que a sentença, se injusta, não fez coisa

julgada bem como, se descoberta nova técnica probatória, é possível repropor a ação. E mais,

se a coisa julgada é regulada por lei ordinária (art. 467 do CPC), pode sofrer alterações por

incidência de preceitos constitucionais e de outras leis ordinárias.

Porém, na linha de raciocínio do citado jurista Nelson Nery Júnior, não se

pode atribuir ao instituto da coisa julgada, tratamento jurídico inferior, impondo-se o

reconhecimento da coisa julgada com a magnitude constitucional que lhe é própria, porque

considera que o risco político de se ter sentença injusta ou inconstitucional, é menos grave do

que instaurar-se com a relativização, uma insegurança geral.

Segundo ainda o mesmo processualista, chegou-se à imutabilidade da coisa

julgada material, independentemente da constitucionalidade, legalidade ou justiça do

conteúdo intrínseco da sentença, relegando-se eventuais vícios de validade e eficácia em

discussão autônoma. Isto é, desconsiderar a coisa julgada é ofender a carta magna e relegar o

princípio fundamental do Estado Democrático de Direito (art. 1º caput), pois a coisa julgada é

um dos institutos no direito com natureza constitucional, tida como cláusula pétrea, que não

pode ser modificada ou abolida nem por emenda constitucional (art. 60 § 4º I e IV).

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Importante lembrar nestas considerações que há divergências e teorias a

respeito do conceito de justiça, mas, forçoso é reconhecer que todas elas remetem às clássicas

idéias de dar a cada um o que é seu (suum cuique tribuere) e tratar os iguais na medida de

suas desigualdades.

No Brasil, nesta década, oportuno destacar, que despontou um grupo de

juízes, quase todos da região sul, que passou a apregoar que o justo por natureza é o que deve

prevalecer acima de qualquer custo.

Tal movimento ganhou força e passou a ser conhecido como “escola do

direito alternativo”, donde não se pode deslembrar, originaram-se decisões célebres,

especialmente no âmbito do Direito de Família, pioneiras no que diz respeito ao

reconhecimento das uniões homoafetivas, com especial destaque nas intrínsecas

transformações e mudanças dos valores e de condutas que regem a sociedade e a própria

família, elevando a vinculação sócioafetiva a padrões de comportamento, onde a pessoa

humana é o centro nuclear do Direito Civil.

A doutrina e a jurisprudência brasileiras, considerando a evolução pós

Constituição Federal de 1988, passou a propagar que a verdadeira função do Direito não é

mais fazer justiça, mas sim promover a paz entre os indivíduos.

Considerada pois a evolução do Direito e os mecanismos processuais, muito

vem se destacando na jurisprudência do Direito de Família, três situações atuais e que dizem

respeito à pessoa humana voltada à preservação dos direitos da personalidade, sendo duas

relacionadas à Investigação de Paternidade e a outra quanto à infração aos deveres do

casamento.

As relacionadas ao direito de filiação vêm ao encontro deste trabalho, pois

referentes à quebra da coisa julgada decorrente da improcedência da ação de investigação de

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paternidade, por insuficiência de provas, e a negativa infundada da paternidade, infringindo o

direito à identificação, ao nome de família e à verdade biológica da filiação.

Como o advento do exame DNA, começaram a surgir decisões sobre a

quebra da coisa julgada nas investigações de paternidade decorrente da evolução da perícia

genética como meio de prova, possibilitando a busca pela verdade biológica, naquelas

investigatórias julgadas improcedentes por falta de provas.

No início da década, as decisões admitindo que o princípio da verdade real

(leia-se, biológica) devem prevalecer em detrimento da coisa julgada, foram bastante

combatidas por corrente contrária, que entendiam que permitir o processamento de uma nova

investigação importava em ofensa ao princípio da autoridade da coisa julgada consagrada

constitucionalmente (art. 5°, XXXVI).

Passou a mitigação da coisa julgada a se tornar um dos temas mais

polêmicos no direito processual civil na atualidade, e inegavelmente, já é constatada como

uma realidade para o direito processual civil brasileiro, mormente diante do necessário

prevalecimento de outros valores ou de outros ideais do mesmo ordenamento jurídico.

A cada dia vê-se aumentar consideravelmente o número de doutrinadores

adeptos à relativização da coisa julgada nos casos em que houver, flagrantemente, alguma

injustiça ou algum erro de julgamento, justamente nos casos em que o reconhecimento

jurisdicional da filiação ocorreu em contraste ao que, em função dos avanços tecnológicos, é

possível estabelecer.

Sustentam as decisões e agora, de forma quase pacífica, no STJ, da

necessidade de o princípio da segurança jurídica ceder espaço a outro valor também

consagrado pela Constituição Federal, como a dignidade humana, em prol da relativização da

coisa julgada, atendidas as especificações de cada caso concreto, vedada veementemente sua

generalização, justamente pelo modelo constitucional do direito processual civil.

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Desta forma, inegável tratar-se de conflito entre valores constitucionais

igualmente protegidos, exigindo dos juízes, bastante parcimônia e bom senso em cada caso

específico com vistas a evitar a banalização da relativização da coisa julgada.

A tendência da jurisprudência atual não é uma modificação legislativa

apregoada por aqueles contrários à relativização, mas, uma ampliação dos incisos do art. 485

do CPC, flexibilizando os casos de incidência da ação rescisória, ou então, nos casos de

investigação de paternidade ou maternidade biológica, que o prazo decadencial para sua

propositura passe a contar da data do conhecimento do laudo do exame DNA, em vez do

trânsito em julgado da sentença rescindenda. Ou seja, admitir-se ação rescisória sem os

rigores do art. 495 C.P.C, como aliás já em trâmite Projeto de Lei n. ° 203/07 que acrescenta

parágrafos no sentido de não mais limitar prazo para propositura de ação rescisória que tenha

fim específico de preservar direitos fundamentais de afastar a imutabilidade da coisa julgada.

Isto quer dizer que o laudo de DNA vem sendo considerado documento

novo para embasar ação rescisória (CPC, art. 485, VII) nos casos em que apresentado após o

trânsito em julgado de sentença prolatada em sede de investigação de paternidade.

Todavia, a despeito da jurisprudência já vir atenuando o rigor do texto do

código (art. 485, VII), o socorro hermenêutico possui alcance limitado, pois não serve para os

casos em que decorrido o biênio decadencial (art. 495 CPC) quando da realização do exame.

Soluções vem sendo aventadas na doutrina e jurisprudência, no sentido de

que se passa a contar o biênio para a ação rescisória não mais a partir do trânsito em julgado

da decisão, mas, a partir da data do conhecimento do laudo DNA, sob pena de se deixar a

coisa julgada indefinidamente à mercê de impugnação.

Já, entretanto, se veicula forte corrente no sentido de abolir-se o pressuposto

temporal, permitindo excepcionalmente, no caso do presente trabalho, o ajuizamento da ação

rescisória a qualquer tempo, carecendo especialmente, em cada caso concreto, de análise

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profunda por parte dos julgadores, especialmente sob o enfoque do novo conceito de família

neste século XXI, que tem dado mais ênfase na paternidade sócioafetiva, admitindo-se por

conseqüência, mitigação da rigidez da coisa julgada no tocante às questões de filiação.

Não há como ignorar a relevância do princípio da dignidade da pessoa

humana, em prestígio da eternização de uma inverdade, impondo-se como medida de justiça e

segurança jurídica, a procedência da ação rescisória, ou mesmo de nova investigação de

paternidade julgada antes do implemento do exame de DNA, de notável qualidade técnica.

No entanto, como o direito é essencialmente uma coisa viva, está ele

destinado a reger os homens, que pensam e se modificam constantemente, devendo por isso a

lei adaptar-se à vida, já que o direito destina-se a um fim social, no qual os juízes devem

participar ao interpretar as leis sem apego exagerado ao texto legal, mas sim, atentos à vida

real e humana.

Lembre-se que antigos romanos, não se fiavam em textos legais, mas

procuravam adaptar o seu sentido às necessidades da vida e às exigências da época,

justamente por que os fatores sociais são de extrema importância na exegese das leis.

Com efeito, é dado a todos o direito de investigar a sua verdade biológica,

não se admitindo mais na sociedade hodierna, a noção inicial da imutabilidade da coisa

julgada, especialmente no concernente às ações de filiação.

A doutrina e a jurisprudência vêm perfilhando inclusive, no sentido de

admitir a busca genética sem fins sucessórios, justamente naqueles casos em que solidificada

no tempo a filiação afetiva, não se pode mudar o assento de nascimento para fins

exclusivamente patrimoniais. Casos estes, por exemplo, que permitido a busca da

ancestralidade somente para fins genéticos, eis que consolidada a convivência familiar

duradoura, não prevalecendo pois a origem biológica.

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Esta é a tendência que se depara neste início do século XXI, onde se tem

não mais aquele julgador insensível e mero aplicador de leis, mas, sim, um juiz mediador

entre os códigos e a vida real dos indivíduos, em busca da verdade real, como meio de

alcançar a justiça ou que se aproxime o máximo dela para satisfação do bem comum e

pacificação social.

Eliminar conflitos mediante critérios justos – é o mais elevado escopo social

das atividades jurídicas do Estado. E, ao magistrado não é dado a função de simplesmente

conferir fatos com disposições legais, aplicando textos com a insensibilidade das máquinas. A

própria lei lhe confere função singular, quando estabelece que na aplicação da justiça, o juiz

atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum. Em outras palavras, a lei deve ser,

nas mãos de seu aplicador, um instrumento de realização do bem social, porque o rigorismo

da interpretação dos textos legais pode, muitas vezes, conduzir ao descompasso com a

realidade, o que significaria o primeiro passo para uma injustiça.

Desta forma, verifica-se que crescente parcela da doutrina e jurisprudência

tem desenvolvido a tese da necessária relativização da coisa julgada, excepcionalmente,

quando presente injustiça flagrante ou erro de julgamento, especialmente no caso versado

neste estudo, em que o reconhecimento da filiação ocorreu de forma adversa ao que com os

avanços tecnológicos (DNA) é possível hoje estabelecer com mais precisão que quando

decidido judicialmente. Contudo, as vozes a sustentar que o princípio da segurança jurídica

deve ceder espaço a outro princípio também consagrado constitucionalmente, que é o da

dignidade da pessoa humana, pregam acima de tudo, que sua aplicação deverá atender às

especificações de cada caso concreto, dentro ainda da análise dos princípios da

proporcionalidade e razoabilidade, sob pena de cair-se em grave erro de banalização da coisa

julgada, e desestruturação do sistema jurídico.

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APÊNDICES

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Apêndice A

Governo de São Paulo economiza vultosa indenização, através de decisão pioneira em torno da mitigação da Coisa Julgada

O presente trabalho tem por objetivo o estudo em que medida é possível

relativizar a autoridade da coisa julgada, independentemente dos meios típicos rescisórios,

como também, para lhe pôr limites.

Objeto de intensos debates, o tema tem suscitado em juristas de renome,

várias acepções possíveis para a relativização do instituto da coisa julgada.

Neste sentido, embora só recentemente tenha alcançado repercussão no

ordenamento processual brasileiro, conveniente registrar que a relativização da coisa julgada,

no sentido de sua desconsideração, já foi posta em prática, inclusive por tribunais superiores,

nos casos de desapropriação, cujos valores das avaliações se encontravam definidos por

decisão transitada em julgado.

Relevante pois destacar, decisão pioneira no Estado de São Paulo no sentido

de desconsiderar a autoridade da coisa julgada em ação de desapropriação já com trânsito em

julgado, na qual o erário estadual deveria arcar com pagamentos de indenizações milionárias,

eis que as áreas desapropriadas contavam com super avaliações.

O Governo do Estado de São Paulo, nos idos de 1998 possuía precatórios de

valores vultosos, provindos de ações judiciais entre o Estado e particulares (desapropriações e

outras indenizações, de origem não alimentar).

Foi então que, através de um trabalho conjunto, desenvolvido pela

Procuradoria Geral do Estado e a Secretaria do Meio Ambiente, chegou se à conclusão que os

valores a indenizar eram muito superiores aos valores de mercado praticados à época,

caracterizando hiperavaliação do imóvel expropriado, numa evidente indicação de distorções

nos laudos, e que levava à valores absurdos de avaliações.

Através de investigações aprofundadas, o então Procurador Geral do Estado,

Dr. Márcio Sotelo Felippe, liderou uma equipe de trabalho, com vistas à concentração de

averiguação e coleta de provas para pleitear na esfera judicial, a mitigação da coisa julgada,

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tendo em vista que em todas as instâncias, inclusive nas Superiores, o Governo Estadual

estava chancelado a pagar as vultosas indenizações.

Distribuída a ação declaratória de nulidade de ato jurídico, cumulada com

repetição de indébito, em 22/05/1998, na comarca de Jacupiranga, foi deferida a antecipação

da tutela para determinar a suspensão do depósito de todas as parcelas relativas ao

precatório.196

Na época, bastante alardeada foi a decisão de 1° instância, posteriormente

mantida pelo Ministro José Augusto Delgado, do Superior Tribunal de Justiça, que

possibilitou vultosa economia aos cofres públicos, apresentando-se em anexo, a petição

inicial.

196 Autos n.° 342/98 - 1° Vara da Comarca de Jacupiranga, Juiz Luiz Fernando Cardinale Opdebeeck. Caso 5: Ação declaratória de nulidade de ato jurídico com pedido de tutela antecipada X juízo de direito da comarca de Jacupiranga. p. 205/215. Regularização Imobiliárias de áreas protegidas – VI Coletâneas de trabalhos forenses, relatórios, técnicas e jurisprudências.

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Apêndice B

Projetos de Lei referentes ao direito de filiação

Projetos de Lei em andamento no âmbito do Direito de Família, sugeridos

pelo IBDFAM, no sentido de alteração e revogação de artigos do Código Civil, relativos à

filiação, com vistas à privilegiar o novo conceito de família baseado principalmente no afeto

existente na convivência familiar, mesmo sem vinculo biológico.

O projeto de lei n.° 4946/2005 visa alterar o artigo 1.601 e revoga os de

1.600, 1.602 e 1.611.

Como a doutrina e jurisprudência, neste inicio do século têm tomado novos

rumos no sentido de que a verdadeira relação filial não decorre da verdade biológica, mas

sim da verdade sócioafetiva , surge a imperiosa necessidade de alterar-se o art. 1.601 do CC

que franqueou em seu “caput”, a possibilidade de desconstituição do vínculo paterno-filial,

tido hoje como norte no Direito de Família.

Portanto, em prol da indispensável estabilidade das relações familiares, tal

dispositivo (art. 1.601), colide de frente com a atual concepção de família, impondo-se a

supressão do enunciado final do art. 1.601 “sendo tal ação imprescritível”, porque

desnecessário, em virtude do sistema de prescrição adotada pelo Código Civil nos arts. 189 e

seguintes, que relaciona a prescrição à pretensão e não à ação. Por outro lado, são

imprescritíveis as pretensões relativas a direitos de estado das pessoas e não apenas o

referido nesse artigo.

Os arts. 1.600 e 1.602 são ofensivos à dignidade da mulher. Já o art. 1.611

ofende o princípio do melhor interesse da criança, fundamental do direito de família brasileiro

(art. 227 da Constituição).

O Projeto de Lei 203/07, pretende alterar o prazo para propositura da ação

rescisória, tendo em vista controvérsia existente na doutrina e jurisprudência. Quanto à

imutabilidade da coisa julgada frente às novas situações que põem a sentença transitada em

julgado em flagrante oposição aos princípios constitucionais.

Trata-se dos casos de desapropriação, cuja avaliação excessiva, com

sentença transitada, há pedido de nova avaliação na execução da sentença .

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E, no caso deste trabalho, quando trata-se de apuração de vinculo sangüíneo,

cuja decisão tramitou em julgado, sem a prova do DNA e depois se repõe a ação, com tal

exame.

Propõe-se pois, conservar o biênio para a ação rescisória, abrindo-se

exceção para os casos posteriores ao trânsito em julgado, face aos direitos fundamentais da

pessoa humana, exigindo-se prévia justificação da impossibilidade da prova no processo

anterior.

Projetos estes, que se encontram na integra no anexo C.

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ANEXOS

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Anexo A

Petição inicial referida no apêndice I

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA COM ARCA DE JACUPIRANGA –

ESTADO DE SÃO PAULO.

"Qualquer que seja a injustiça que possamos sofrer, por mais violenta que seja, não há

para o homem alguma que possa ser comparada à autoridade estabelecida por Deus, quando viola a lei. O

assassinato judiciário como o chama a nossa língua alemã, é o verdadeiro pecado mortal do Direito"

(IHERING – A LUTA PELO DIREITO)

Distribuição urgente – Medida liminar

O ESTADO DE SÃO PAULO, por seu Procurador Geral e pelo Procurador do Estado,

ambos no final nomeados e assinados, tendo em vista a ocorrência de fatos graves e causadores de iminente lesão

ao erário paulista vem respeitosamente à presença de Vossa Excelência para promover a presente:

AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE ATO JURÍDICO, CUMULADA COM

REPETIÇÃO DE INDÉBITO, COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA LIMINAR

Em face de …, brasileiro, médico; sua mulher …, brasileira, do lar; …, brasileiro,

engenheiro; e sua mulher …, domiciliados na Capital de São Paulo, neste Estado, na Rua …, fazendo-o na forma

dos artigos 273 inciso I e 282 e seguintes do Código de Processo Civil, e com fundamento nos artigos 116, 145

incisos I e V e 146 do Código Civil e pelos motivos de fato e de direito que, respeitosamente, passa a expor:

I - Breve resumo dos fatos:

1. Em ação ordinária de indenização por desapropriação indireta, por

alegados prejuízos advindos da criação do Parque Estadual de Jacupiranga aforada perante o Juízo desta

Comarca (feito n.º 143/85), cuja petição inicial constitui o documento n.º 1, foi o Estado, ora Autor, condenado a

pagar aos Réus importância equivalente a cerca de US$ 28.467.064,86 (vinte e oito milhões, quatrocentos e

sessenta e sete mil, sessenta e quatro dólares americanos) por uma "área" de 2.904,00 hectares (OU 1.200,00

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ALQUEIRES PAULISTAS - 1 ALQ.=2,42 HA), COM VALOR UNITÁRIO DE US$ 23.722,55 por alqueire ou

U$ 9.802,71 por hectare.

2. A decisões de mérito desta demanda se deram na seguinte cronologia: a)

sentença monocrática proferida em 21 de dezembro de 1987 (documento n.º 2); b) acórdão do Egrégio Tribunal

proferido em 9 de maio de 1989 pela Colenda 16ª Câmara Civil da então 2ª Seção Civil nos autos da Apelação

Cível n.º 130.780-2, cuja íntegra constitui o documento n.º 3; c) acórdão proferido pela mesma E. Câmara em

Embargos de Declaração opostos pelo Autor cuja íntegra constitui o documento n.º 4.

3. Em virtude das vv. decisões do Egrégio Tribunal de Justiça, o Estado

interpôs recursos especial e extraordinário, ambos admitidos na origem. O especial recebeu o n.º 6.014 e, julgado

em 19 de fevereiro de 1992, não foi conhecido (íntegra do aresto como documento n.º 5). O extraordinário

recebeu o n.º 149.788-2 e, julgado 26 de abril de 1994, igualmente não foi conhecido pela Colenda 2ª Turma do

Pretório Excelso. O não conhecimento se deu por considerar o julgado que o Egrégio Tribunal, ao confirmar a

sentença de primeiro grau, decidira com base na prova dos autos. Foi certificado o trânsito em julgado do v.

acórdão aos 3 de novembro de 1994. A íntegra do v. aresto e a respectiva certidão constituem os documentos n.ºs

6 e 7.

4. Em virtude de processamento de ofício requisitório - prematuramente

expedido em sede de "execução provisória" - eis que instaurada esta em 1990 - foi autuado o processo ES n.º

1.663/91, relativo ao número de ordem 668/92, ensejando pagamentos aos Réus em 4 (quatro) oportunidades no

período de 1992 a 1997. O último precatório, atualizado até 1º de julho de 1994 e relativo ao exercício de 1995,

importava o montante de R$ 79.400.950,26 (setenta e nove milhões, quatrocentos mil e novecentos e cinqüenta

reais e vinte e seis centavos). Mercê da ausência do efeito suspensivo dos recursos até 1994 e em face do trânsito

em julgado no final daquele ano e para cumprimento de ordem judicial em vigor, o Estado se pôs na

contingência de pagar aquele montante de uma só vez ou celebrar acordo para o fim de parcelar os pagamentos

do mencionado precatório. Foi celebrada avença para o pagamento parcelado deste montante, com ressalva de

valores em discussão em procedimentos próprios junto ao ETJSP (cf. item 3), nos termos da petição cuja cópia

constitui o documento n.º 8. Os valores pagos até a presente data, no tocante a este último precatório ( que teve

um pagamento inicial de 10% (dez por cento) do total e cujo saldo foi subdividido em 30 parcelas no valor de R$

2.382.028,50, das quais foram pagas 13 (treze) parcelas que se somam àquela da data da avença) atingem 49%

(quarenta e nove por cento) do montante. A parcela de número 14 deverá ser paga até dia 27 de maio p. futuro,

conforme certidão que constitui o documento n.º 9.

5. O desfecho desta demanda se desenvolveu, desde o início, a partir de dois

grandes temas:

O primeiro, ligado à origem, existência e extensão do imóvel objeto da demanda, conhecido

como "Fazenda Faxinal", "Faxinal Grande" ou remotamente "Fachina", já que - a despeito de constarem

matrículas do mesmo na Comarca de Eldorado, em nome de alguns dos demandantes - o mesmo é, segundo

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119

comprovam as matrículas números 23.873 e 25.593 do Cartório de Registro de Imóveis desta Comarca de

Jacupiranga, DE PROPRIEDADE DA FAZENDA DO ESTADO DE SÃO PAULO, em face de sentenças

proferidas, respectivamente, nas ações discriminatórias do 44º Perímetro de Apiaí e do 10º Perímetro de

Jacupiranga (cf. documentos nº.s 10 e 11, respectivamente);

O segundo, relativo à indenização fixada, em parâmetros totalmente distorcidos e

dissociados do valor de mercado do bem de "propriedade" (?!) dos Réus, cujos valores são flagrantemente

superiores aos praticados na região.

Basta que se rememorem os valores constantes dos itens precedentes desta petição, para se

concluir "cum recta conscientia " que - ainda que fosse abstraído o fato de o Estado ser condenado a pagar

indenização por alegadas restrições de imóvel cujo título se sobrepõe totalmente a glebas de propriedade desse

mesmo Estado (por si só nulo, como será demonstrado nesta petição) - NADA JUSTIFICARIA O MONTANTE

DE TAL CONDENAÇÃO. Os números são enfatizados "ab initio" para que Vossa Excelência tenha uma idéia

das condenações que vêm sendo infligidas ao erário paulista (muitas felizmente sustadas e em revisão pelo Poder

Judiciário) para as quais lamentavelmente têm sido invocados princípios constitucionais, máxime o da "justa (?!)

indenização".

6. Os fatos noticiados autorizam o Estado a postular a declaração de nulidade

da sentença proferida nos autos de ação ordinária de desapropriação indireta proferida nesta Comarca, e todos os

atos a ela subsequentes, a teor do disposto na legislação invocada, em particular os artigos 116 e 145 inciso II do

Código Civil. A tutela antecipada que se busca pela presente, da mesma forma, insere-se nas hipóteses previstas

no artigo 273 da Lei de Regência. Todas essas alegações serão desenvolvidas adiante, não sem antes se expender

breves considerações sobre o cabimento da presente ação.

II – Do direito

II.1 - Cabimento da presente ação declaratória de nulidade de ato jurídico cumulada com

repetição de indébito.

7. A presente ação pretende obter tutela jurisdicional destinada a declarar

nulo ato jurídico, materializado em sentença proferida pelo Juízo desta Comarca, na Ação Ordinária de

Indenização por Desapropriação Indireta promovida pelos Réus (processo n.º 143/85) bem assim nulos todos os

atos posteriores e impor repetição do indébito relativo aos valores desembolsados pelo erário do Estado para

pagamento da indenização, bem como a interrupção de pagamentos futuros. Duas questões emergem, de plano,

para apreciação do pedido:

A primeira, no tocante ao cabimento e prazo da demanda em si, a despeito de não intentada

ação rescisória e de haver transitado em julgado a decisão que se pretende declarar nula;

A segunda, no que concerne à possibilidade de desconstituir sentença de mérito mediante

ação diversa da rescisória.

8. Quanto à primeira questão, dúvida não há de que a tese da "querela

nullitatis" e da "actio in integram restitutio contra rem iudicatam" persistem vigentes no Direito Brasileiro. Já

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dizia PONTES DE MIRANDA1 a respeito da aparente imutabilidade da coisa julgada e dos remédios

processuais para desconstituí-la o seguinte:

"Levou-se muito longe a noção de res iudicata, chegando-se ao absurdo de querê-la capaz

de criar uma outra realidade, fazer de albo nigrum e mudar falsum in verum. No entanto, a coisa julgada atende

à necessidade de certa estabilidade, de ordem, que evite o moto-contínuo das demandas com a mesma

causa."(........)

"Também nula ipso iure é a (sentença) ferida de morte por alguma impossibilidade:

cognoscitiva (sentença incompreensível, ilegível, indeterminável), lógica (sentença invencivelmente

contraditória), moral (sentença incompatível com a execução ou a eficácia, como a que ordenasse a escravidão

ou convertesse dívida civil em prisão, coisa inconfundível com a detenção civil nos casos especiais da

legislação), jurídica (sentença que cria direitos reais além daqueles que o direito permite, como, em Direito

civil brasileiro, o fideicomisso do 3º grau).

3. Os meios para se evitar qualquer investida por parte de quem tenha em mão sentença

inexistente ou nula ipso iure são os seguintes:

I. Autor, reconvinte, réu ou reconvindo ou qualquer pessoa que litigou subjetivamente à

relação jurídica processual, pode volver a juízo, exercer o seu direito público subjetivo, com os mesmos

pressupostos de pessoa, objeto e causa, sem que se lhe possa opor, com proveito, a res iudicata: as sentenças

inexistentes e as nulas ipso iure é que não produzem coisa julgada.(...........)

II. Opor-se a qualquer ato de execução, por embargos do executado ou por simples

petição: porque, ainda que impossível a prestação, há o ingresso à execução: a sentença de prestação

impossível não dá, nem tira; mas, como aparência, vai até onde se lhe declare (note-se bem: declare) a

impossibilidade cognoscitiva, lógica, moral ou jurídica.

III. Usando-se o remédio rescisório, a corte julgadora ou o juiz singular (se for o caso,

segundo a respectiva legislação processual), na preliminar de conhecimento ou, se juntos preliminar e mérito,

no julgamento de iudicium rescindens, dirá que o autor não tem a ação rescisória, que tende à anulação das

sentenças, mas a sentença que se pretendia rescindir é inexistente ou nula ipso iure." (os grifos e destaques são

do Estado).

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Vai daí que é lícito ao Estado procurar a primeira alternativa sugerida pelo saudoso Mestre,

mediante a propositura da presente ação. De notar que o jurista afasta, para esses casos, inclusive, a pertinência

da ação rescisória, dando à coisa julgada a importância adequada à realização concreta do Direito. No tocante ao

prazo, submete-se a ação à regra geral do artigo 177 do Código Civil, levando-se em consideração o termo

inicial do trânsito em julgado.

9. No que respeita à segunda questão, também é indubitável a possibilidade

de propositura de demanda visando a declaração de nulidade de sentença judicial de mérito, presentes os

pressupostos do direito material ao qual corresponde, por determinação constitucional, ação que o assegura.

Nesse sentido, a jurisprudência do Colendo Superior Tribunal de Justiça:

"Nula a citação, não se constitui a relação jurídica processual e a sentença não transita

em julgado, podendo, a qualquer tempo, ser declarada nula, em ação com esse objetivo, ou em embargos à

execução, se o caso (CPC, art. 741, I)

Intentada a rescisória, não será possível julgá-la procedente, por não ser o caso de

rescisão. Deverá ser, não obstante, declarada a nulidade do processo a partir do momento em que se verificou o

vício."2

Na mesma linha, THEOTÔNIO NEGRÃO em nota ao art. 485 do CPC indica outro julgado

proferido no Recurso Especial 12.685-SP, "verbis":

"A tese da ´querela nullitatis´ persiste no direito positivo brasileiro, o que implica em dizer

que a nulidade da sentença pode ser declarada em ação declaratória de nulidade, eis que, sem a citação, o

processo, vale falar, a relação jurídica processual não se constitui nem validamente se desenvolve. Nem, por

outro lado, a sentença transita em julgado, podendo, a qualquer tempo, ser declarada nula em ação com esse

objetivo ou em embargos à execução, se o caso" (íntegra do v. aresto juntada como documento n.º 12).

10. Assim se conclui, sem esforço, possível a demanda, nada obstante o

fundamento da nulidade seja outro que não o de vício de citação. A nulidade "ipso iure" da sentença proferida na

ação ordinária de indenização por desapropriação indireta (feito n.º 143/85) é caracterizada pela circunstância de

ser a mesma ferida de morte por impossibilidade, preponderantemente jurídica, porque:

a) a sentença conferiu aos autores direito material que os mesmos não têm, sendo ilícito seu

objeto; e

b) demais de ilícito, o objeto da sentença é de execução impossível.

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São esses os fundamentos que serão demonstrados, documentalmente, nesta petição e – se

necessário for – no curso da ação.

II.2 – O "direito de propriedade" do imóvel faxinal: criação pretoriana monocrática, com

enriquecimento ilícito dos réus.

11. O imóvel "Faxinal", na extensão que lhe emprestou a sentença ora

atacada, não existe e jamais existiu no mundo jurídico e, tampouco, no mundo fenomênico. Os Réus não passam

de meros posseiros de terras devolutas estaduais, sendo certo também que a posse denominada Fazenda Faxinal

data da década de 60, em extensão limitada a alguns hectares de pastagem e benfeitorias.

12. A prova do alegado inicia-se pelo próprio étimo da palavra "Faxinal".

AURÉLIO BUARQUE DE HOLANDA FERREIRA assim define o termo: "faxinal – s.m.Brasil S. V. faxina (11

e 12)". " faxina (...) 11.Bras.,RS. Trecho alongado de campo que penetra na floresta. 12. Bras., S. Campo de

pastagem entremeado de arvoredo esguio; campo de pastagem".

13. Manoel Roberto de Almeida e sua mulher Constantina Antonia da Cunha

tinham, em meados do século XIX , uma pequena posse numa região de faxinal. Venderam esta posse, por

seiscentos mil réis, a Bernardo José Cabral. A posse vendida era constituída, TODA ELA, DE CULTIVADOS E

CONFRONTAVA COM MATAS VIRGENS. Bernardo José Cabral, omitindo essa circunstância, vendeu a

posse a Stanley Peter Youle, por três contos de réis. O procurador de Stanley requereu ao Juiz Comissário de

Xiririca (hoje Comarca de Eldorado Paulista) a medição de sua posse. Medição esta realizada ao arrepio da

legislação da época, em particular ao disposto no artigo 6.º da Lei Imperial 601, de 1850, "verbis":

" Art. 6º - Não se haverá por princípio de cultura para revalidação de sesmarias ou outras

concessões do governo, nem para legitimação de qualquer posse, os simples roçados, derrubadas ou queimas de

mattos ou campos, levantamentos de ranchos e outros actos de semelhante natureza, não sendo acompanhados

da cultura effectiva e morada habitual exigidas pelo artigo antecedente."

O citado artigo é em parte reproduzido no artigo 37 do Regulamento 1318 de 1854:

" Art. 37 – Requerida a medição, o juiz commissario, verificando a circumstancia da

cultura effectiva, e morada habitual, de que trata o art. 6º da Lei n. 601 de 18 de Setembro de 1850, e que não

são simples roçados, derrubadas, ou queimas de mattos, e outros actos semelhantes, os que constituem a

pretendida posse, marcará o dia e a hora que a deve começar (.....)"

Não é necessário ser um luminar do direito agrário para se perceber a impossibilidade física

de alguém (Stanley) possuir uma posse, em 1892, na Vila de Xiririca, com 4.356,00 Hectares, dos quais

2.416,3465 Hectares de cultivados, em terreno possivelmente de alta declividade, sendo que , menos de 15 anos

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antes, o antecessor deste alguém (Bernardo) teria algo (também impensável) em torno de 400 hectares... No

tempo em que as derrubadas de matas eram feitas A MACHADO, ONDE A SERIEDADE DESTA MEDIÇÃO?

14. Supondo, apenas para argumentar, que a medição não fosse uma fraude

(como parece indubitável inferir), seu registro gerou a festejada transcrição n.º 262 do imóvel "medido" e

chamado de "Faxinal" . Dita transcrição foi levada a efeito no livro criado pela Lei Hipotecária n.º1237, de 1864,

modificada pelo Decreto 169-a de 1890, este último regulamentado pelo Decreto n.º 370, de 2 de maio de 1890.

Nenhuma das normas citadas conferia à transcrição presunção de prova de domínio que ficava "....A SALVO DE

QUEM FOR". Pior do que isso, o fato de a escritura de aquisição de Stanley a Bernardo ter sido objeto de

transcrição anterior (de n.º 84, do mesmo Cartório), transcrição esta que NÃO FOI SEQUER MENCIONADA

NA TRANSCRIÇÃO N.º 262.

15. Portanto, a festejada medição e a transcrição por ela gerada, não valiam,

na época, literalmente NADA. Para reforçar esse ponto de vista, o Autor faz juntar percuciente relatório acerca

da situação dominial do imóvel "Faxinal", elaborado pela Assessoria do Instituto Florestal da Secretaria de

Estado do Meio Ambiente, que pede vênia para que seja considerado como parte integrante dessa exordial e que

constitui o documento n.º 13.

16. Por este mesmo relatório, verifica-se que – se posse houvera por parte de

Stanley ou sucessores (certamente em extensão menor do que aquela "medida" e objeto de "título" e

"transcrição" – NENHUMA DESSAS CIRCUNSTÂNCIAS ERA APTA A GERAR DOMÍNIO E TAMPOUCO

A TRANSMITI-LO. A despeito da pletora de documentos, o fato é que dita posse, na década de 30, mais

precisamente entre 1937 e 1939, ESTAVA ABANDONADA, NÃO HAVENDO OCUPANTE OU PREPOSTO

DE NENHUMA DAS PESSOAS QUE ANTECEDERAM O SR. …. Prova disto é a certidão do Oficial de

Justiça na ação discriminatória do 44º Perímetro de Apiaí, onde tal fato é certificado. (cf. anexo do citado

documento n.º 13)

17. Estando o réu …, na qualidade de posseiro, ocupando pequena porção do

imóvel que denominava "Fazenda Faxinal", pretendeu ele, na década de 60, regularizar seu título de domínio

administrativamente, junto à Procuradoria do Patrimônio Imobiliário. Não tendo sido feliz nesta empreitada,

AJUIZOU, EM 22 DE DEZEMBRO DE 1975, NESTA COMARCA, AÇÃO DECLARATÓRIA

OBJETIVANDO VER RECONHECIDO JUDICIALMENTE O TAL TÍTULO OUTORGADO A STANLEY

PETER YOULE. ESTE PROCESSO TOMOU O NÚMERO DE REGISTRO 4/76 E SE ENCONTRA, HOJE,

NO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO TENDO RECEBIDO A APELAÇÃO CÍVEL O N º

20.097.5/6-00. Para que se possa entender o primeiro fundamento de nulidade da sentença monocrática que se

pretende seja declarado, porque conferiu aos Réus domínio que os mesmos não possuíam, é necessário esclarecer

as circunstâncias (estranhas, para dizer o menos) que cercam a ação declaratória 4/76 e a ação indenizatória

143/85, ambas intentadas por … contra o Estado, o que é feito a seguir.

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a) Os Réus ajuizaram a mencionada ação indenizatória (feito n.º 143) em 1985, mais

precisamente no dia 24 de abril daquele ano. Pretendendo indenização sobre área de 1.800 alqueires do imóvel

denominado Fazenda Faxinal, silenciaram sobre a existência de um condômino da terça parte do imóvel (600

alqueires) e juntaram certidões de matrícula do imóvel expedidas pelo CRI da Comarca de Eldorado. (cf.

documento n.º 1 já citado).

b) Após a contestação da Fazenda, por ocasião da réplica, noticiaram que o imóvel Faxinal

foi objeto de medição em 1892 por Juiz Comissário, requerida por Stanley Peter Youle, juntando certidão da

Procuradoria do Patrimônio Imobiliário que noticiava a outorga., conforme demonstra o anexo do documento n.º

1.

c) Omitiram os Réus, nesta oportunidade, a existência de Ação Declaratória aforada na

mesma Comarca 9 (nove) anos antes da propositura da indenizatória, mais precisamente aos 10 de outubro de

1975, pela qual pretendiam - como mandatários inclusive do condômino … - fosse declarada por sentença "... a

legitimidade, perfeição e justeza do Título de Domínio em questão.." (SIC). O título, no caso, era aquele que fora

outorgado a Stanley Peter Youle e referido no documento n.º 13).

d) A mencionada ação Declaratória, registrada sob o número 004/76 ESTÁ, COMO DITO,

AINDA "SUB JUDICE" DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, mediante recurso de apelação cível n.º

20.097.5/6, aguardando distribuição, apelação essa intentada pelos Réus objetivando exclusão de honorários

impostos pelo MM. Juiz da Comarca de Jacupiranga ao homologar, em 15 de março de 1996, pedido de

desistência do feito. As cópias do inteiro teor desta ação constituem o documento n.º 14.

e) o motivo do recurso de … foi a condenação, pelo então MM. Juiz desta Comarca, do

autor em honorários em virtude do fato de a desistência ter sido formulada após os autos terem permanecido no

escritório do advogado dos Réus por mais de 10 (dez) anos (!!!!), ensejando inclusive expedição de ofício à

OAB- Seção de São Paulo - para apuração de infração disciplinar (fls. 104 do feito no doc. 14).

f) que se infere do que acima se alegou e do que mais adiante se vai alegar é relativamente

simples: os Réus pretenderam em 1976 fazer reconhecer título de origem e mantença questionáveis, porque não

estavam seguros de que seu antecessor havia cumprido os requisitos de morada habitual e cultura efetiva, em

1892, numa área de 1.800 alqueires (!?).Contestada a ação, com preliminar de coisa julgada (a área havia sido

julgada devoluta nas discriminatórias do 10º Perímetro de Jacupiranga e no 44º Perímetro de Apiaí ajuizadas em

abril de 1937 e março de 1939, respectivamente). Após a réplica, o feito ficou paralisado por mais de 15 anos,

sob a "guarda" do patrono dos Réus. Por que tal fato teria ocorrido ? É o que o Autor pretende explicar a seguir.

g) Prevendo o insucesso da demanda, ajuizaram, desta feita sem o condômino … em 1985,

ação ordinária de indenização por desapropriação indireta. Nesta ação, lograram obter prova pericial. Foi

nomeado na ocasião, para as funções de Perito Judicial, o Eng. … que retirou os autos e com eles permaneceu

por mais de 6 (seis) meses. (documento n.º 15). Substituído o perito, foi nomeado o Eng. …, que elaborou

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extenso trabalho, prestando compromisso por ocasião da entrega de seu trabalho, em 13 de janeiro de 1987

(documento n.º 16). O citado "expert" entregou alentado estudo, cuja íntegra do corpo constitui a totalidade do 2º

volume dos autos e que é juntado por cópia como documento n.º 17. No referido laudo, que se compõe, na sua

totalidade, de 238 (duzentas e trinta e oito) páginas, nada menos do que 80 (oitenta) páginas e mais quase uma

centena no anexo (que constitui o volume 3 dos autos) são dedicadas à filiação dos títulos da Fazenda Faxinal. O

senhor perito apresentou várias hipóteses de localização do imóvel Faxinal (pelo menos três) , desenvolvendo

verdadeiras "razões" para concluir pela prestabilidade do título.

h) Acolhida a tese da existência física e validade documental do imóvel pela r. sentença

monocrática, CONFERINDO DOMÍNIO A QUEM NÃO O TINHA, e tendo sido aquela decisão confirmada

pelo v. acórdão, com base na prova pericial, "desinteressaram-se" os Réus no prosseguimento da demanda

declaratória.....

i) Basta para tanto confrontar as datas. Na ação desapropriatória indireta, houve trânsito em

julgado em 30 de setembro de 1994. Em Dezembro de 1995, os ora Réus desistem da demanda por haverem

"...perdido o interesse a propositura.." (SIC, fls. 102 do documento 11).

Ação ordinária de indenização por desapropriação indireta pressupõe posse domínio

inequívocos, estremes de dúvida, não se prestando a perícia (contra a qual o Estado levantou ponderáveis

objeções rechaçadas, com a devida vênia, sem a necessária profundidade) a "construir", ao longo do feito, a

qualidade postulatória do autor. Em assim ocorrendo, a ação expropriatória indireta acabou por substituir, pelo

menos, uma ação declaratória e eventualmente uma ação demarcatória, que seriam de rigor. Por certo, o

desfecho da demanda seria outro se julgada improcedente a declaratória, sem se olvidar da coisa julgada

quarentenária que já havia na ocasião, declarando a região como devoluta.

Daí resulta o primeiro fundamento de nulidade ipso iure da sentença monocrática proferida

no processo 143/85 desta Comarca. Conferiu-se direito material a quem não tinha, ou seja, a propriedade de mais

de 2.000 alqueires do famigerado imóvel "Faxinal". Esse reconhecimento de todo nulo, porque infringente do

disposto nos artigos 116 e 145 do Código Civil, gerou sérias conseqüências de ordem patrimonial ao erário, além

de enriquecimento ilícito dos Réus em detrimento do erário Estadual.

18. Apenas para que Vossa Excelência tenha a real dimensão quantitativa

desse enriquecimento ilícito, junta o Autor documento elaborado pela Secretaria do Meio Ambiente, consistente

em relatório técnico a respeito do caso vertente, cuja íntegra constitui o documento n.º 18.

No mencionado documento, chama atenção o gráfico da página 10 confirmado pelo texto

da página 11, pelo qual se conclui que a indenização estimada e que veio a prevalecer - é de 17 a 46 vezes

superior aos preços de mercado da época.!!!

Com efeito, segundo o mencionado relatório, os preços de mercado praticados na região

situavam-se entre US$ 209,03 e US$ 495,09 por hectare (este último valor, muito próximo daquele unitário que

o perito atribuiu para "terra nua").

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Mais não será preciso demonstrar, por ora, para que a gravidade do assunto seja posta às

claras, o que se pretende na presente ação. Há que se examinar, também, o segundo fundamento da nulidade,

qual seja o da impossibilidade jurídica da decisão, sob o ponto de vista de sua execução (art. 145, II do C.C.).

II. Impossibilidade jurídica do julgado monocrático.

19. Conforme se verifica no documento n.º 19, que consiste em declaração do

Instituto de Terras da Secretaria de Justiça e Defesa da Cidadania, a área onde estaria o imóvel Faxinal é

sobreposta na sua totalidade com glebas maiores, relativas a áreas devolutas de propriedade do Autor, apuradas

regularmente nas ações discriminatórias do 10º Perímetro de Jacupiranga e 44º Perímetro de Apiaí, aquela

processada nesta Comarca e esta última em Eldorado Paulista.

20. A sentença monocrática determinou, no feito 143/85, em sua parte final o

seguinte:

"Satisfeito o preço, ficam adjudicadas à Fazenda do Estado duas terças partes ideais do

imóvel em tela." (textual, pág. 22).

21. Tirante a ilicitude manifesta (cf. supra, materializada também nos artigos

964 e segs. do C.C.) e a absoluta nulidade processual emergente desse dispositivo, máxime no que concerne ao

preceito do artigo 128 do C.P.C., emerge a nulidade ipso iure a que se reporta o artigo 145, II do Código Civil:

"Art. 145. É nulo o ato jurídico:(......)

II – Quando for ilícito, ou impossível, o seu objeto."

Como será possível ao Estado adjudicar o imóvel dos Réus (na verdade, "duas terças partes

ideais"), mediante pagamento indevido qualitativa e quantitativamente (repita-se) se tal imóvel JÁ É DE SUA

PROPRIEDADE, MEDIANTE REGULAR MATRÍCULA NO CARTÓRIO DE REGISTRO DE IMÓVEIS

DESTA COMARCA?

Demonstrado, pois, o segundo fundamento da nulidade ipso iure da sentença monocrática

proferida na ação ordinária de indenização por desapropriação indireta intentada pelos ora Réus contra o ora

Autor, impondo-se sua declaração.

II.3 Repetição do indébito e demais consequências da nulidade.

22. Por duas terças partes ideais de imóvel que não existe no mundo

fenomênico e tampouco no mundo jurídico, o Estado JÁ PAGOU MAIS DE 40 (QUARENTA) MILHÕES DE

REAIS !!

Nos termos dos artigos 964 a 971 do Código Civil, aquele que recebeu pagamento indevido

fica obrigado a repetir o indébito, como resultante da declaração de nulidade da sentença monocrática que deu

causa a tal pagamento (a despeito de nula, gerou efeitos, e que efeitos...), o que se afigura presente no caso dos

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autos, ressalvadas apenas as benfeitorias e excluídas as acessões, em particular as matas. É que ao posseiro de

terras devolutas é assegurada a indenização apenas das benfeitorias, em particular no caso de áreas destinadas à

preservação de recursos naturais.

III. Conclusão e pedidos

23. Em resumo conclusivo, por tudo o que foi exposto e documentalmente

demonstrado e por tudo o mais que, em regular dilação probatória, poderá ser reforçado, tem-se que:

a) O Autor é proprietário da área que os Réus pretendem como sua e sobre a qual

receberam indevidamente vultosa indenização;

b) Os Réus não têm domínio estreme de dúvida, antes um título imprestável que,

convencidos disso, tentaram declarar válido por meio de ação declaratória, da qual desistiram após obter o

reconhecimento do domínio de forma nula na desapropriação indireta;

c) A sentença monocrática proferida na ação ordinária de indenização por desapropriação

indireta (feito 143/85 desta Comarca, promovida pelos ora Réus contra o Autor) é nula porque criou direito

material inexistente, e também porque é impossível seu objeto, já que determinou adjudicação ao ora Autor de

imóvel que já era de sua propriedade;

d) Porque nula a sentença e todos os atos a ela posteriores, os pagamentos efetuados são

indevidos e devem ser repetidos.

III.1 – Do pedido de tutela antecipada parcial e liminar.

24. A teor do disposto no artigo 273 do C.P.C., é lícito ao Autor requerer a

antecipação, total ou parcial, dos efeitos da tutela jurisdicional. No caso, o pressuposto da cabeça do artigo é de

que esteja o Magistrado convencido por prova inequívoca da verossimilhança da alegação e que haja fundado

receio de dano irreparável ou de difícil reparação.

25. No caso, afiguram-se presentes os pressupostos para antecipação parcial

da tutela, consideradas as seguintes circunstâncias:

• O Estado já depositou mais de R$ 39.000.000,00 (trinta e nove milhões de reais) e deverá depositar

parcelas vincendas, sob pena de eventual seqüestro, apenas para o exercício de 1995, de mais de R$

40.000.000,00 (quarenta milhões de reais) com lesão evidente e irreversível aos cofres públicos, uma

vez verificado que a decisão monocrática cujos efeitos geraram tamanha lesão é nula ipso iure.

• necessidade de se continuar efetuando depósitos - sendo que a próxima (14ª) parcela de R$

2.382.028,50 (dois milhões, trezentos e oitenta e dois mil e vinte e oito reais e cinqüenta centavos) deve

ser paga no dia 27 de maio de 1998 (quarta-feira próxima) - parcela esta que, somada às pagas e

vincendas atinge vultosíssima quantia, de gênese confessadamente discutível em face do que se expôs;

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• possibilidade de ocorrência de dano de incerta (senão irreversível) reparação, particularmente pelo fato

de não ser conhecida a capacidade de solvência dos Réus, se mantida a continuidade dos depósitos e,

também porque – mesmo que existisse e que deles fossem proprietários inequívocos – o imóvel

"Faxinal" jamais alcançaria no mercado a cifra que já foi desembolsada para o seu pagamento (repita-

se, de "duas terças partes ideais");

• possibilidade de não ocorrerem condições de repor a situação no estado anterior, caso julgada

procedente esta ação;

• grave lesão às finanças do Estado de São Paulo, pelo desembolso de quantia enorme e cuja formação

substancial é eivada por uma série de dúvidas, em detrimento não só dos demais credores inequívocos

mas também de outras ações de governo.

Assim, requer o Autor a antecipação parcial da tutela, independentemente de caução e

"inaudita altera parte", para que seja autorizada a suspensão do depósito de todas parcelas vincendas relativas ao

precatório relativo ao número de ordem 668/92 do processo ES 1.663/91 e complementações porventura

requeridas até final julgamento da presente ação, oficiando-se à Egrégia Presidência do Tribunal de Justiça para

as anotações devidas no já citado precatório.

26. Em casos similares, outro não tem sido o entendimento dos Tribunais,

inclusive da Egrégia Presidência do Colendo STF, pedindo-se vênia para reproduzir excertos, constantes de

decisão recém proferida por Sua Excelência o Ministro CELSO DE MELLO, na medida cautelar autuada como

Petição n.º 1.318, "verbis":

"Há situações excepcionais, no entanto, que podem autorizar a suspensão cautelar dos

efeitos do acórdão impugnado em ação rescisória, especialmente quando os fatos denunciados pelo autor do

processo rescisório assumem a gravíssima configuração de atos criminosos evidentemente lesivos à ordem

pública e ao interesse social"(........)

"...mesmo a autoridade da coisa julgada - desde que evidenciada, de maneira veemente, a

ocorrência de pressupostos de rescindibilidade do acórdão, não deve inibir o exercício, pelo Judiciário, de seu

indisponível poder cautelar geral, sempre em ordem a garantir os resultados jurídicos e os efeitos práticos

visados pelo autor no processo principal, sob pena de comprometer-se, de modo inaceitável, a própria

integridade da ordem pública e do interesse social."

O inteiro teor do despacho de Sua Excelência constitui o documento n.º 20.

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O Estado pede vênia, ademais, para trazer à colação duas recentes decisões em processos

deste jaez. Uma, do Colendo Supremo Tribunal Federal que, em medida cautelar autuada como petição (PET

1.347) requerida incidentalmente em ação rescisória (AR 1.379) pela qual o Exmº Ministro NELSON JOBIM

concedeu liminar para lhe atribuir efeito suspensivo, posteriormente referendada pelo Egrégio Plenário do

Pretório Excelso, por 9 votos contra 1. Outra deste Egrégio Tribunal de Justiça, proferida por Sua Excelência o

Desembargador ROBERTO STUCCHI em Embargos Infringentes em Ação Rescisória promovida contra a

Prefeitura do Município de Caraguatatuba. O inteiro teor dos RR. despachos e respectivos andamentos

constituem o documento n.º 21 e 22.

Como citação final, pede o Autor vênia para lembrar o aresto da lavra de S.Exa. o Eminente

Ministro VICENTE CERNICCHIARO, em caso similar e cuja ementa, abaixo transcrita bem ilustra a situação,

"verbis":

"O Judiciário não se restringe, na prestação jurisdicional, a mero chancelador de petições,

ou encara a lei como símbolo, vazio de conteúdo. Cumpre-lhe fiscalizar o processo, a fim de emitir provimento

justo. Não pode pactuar com atitudes indignas, espúrias, fraudulentas.

Cumpre impedir o locupletamento ilícito, ainda que o fato seja conhecido após a coisa

julgada. O princípio que a informa deve ser conectado com a lealdade processual. Constatada a trapaça, durante

a liquidação, cumpre expedir medida cautelar, suspendendo-a por prazo certo. Nesse período, deverá ser

proposta ação rescisória para também, com a garantia constitucional, ser esclarecido o fato tão grave". (cf.

acórdão proferido no RESP 35.105-8-RJ, DJU, 28/06/93, publicado em COAD, Nossos Tribunais, n.º 10, n.º

67.488 - íntegra do acórdão anexa como documento n.º 23)

III.2- Dos demais pedidos.

27. Uma vez apreciado e, espera o Autor, deferido o pedido de tutela

antecipada parcial e liminar, requer a citação dos Réus para todos os atos e termos da presente ação até final

sentença e julgamento, ocasião em que a mesma deverá ser julgada totalmente procedente para o fim de declarar

nula a sentença proferida pelo Juízo desta Comarca nos autos da ação ordinária de indenização por

desapropriação indireta movida por … e outros (feito 143/85) e declarando-se nulos todos os atos posteriores

havidos no citado processo, condenado-se também os Réus a restituir ao Autor os pagamentos efetuados,

devidamente corrigidos, excetuadas benfeitorias e culturas efetivas, aí não se incluindo a mata nativa.

Protesta o Autor pela prova do alegado por todos os meios em juízo admitidos, em especial

depoimento pessoal dos Réus, sob pena de confesso, depoimento do perito judicial que oficiou no feito,

depoimentos testemunhais, perícias de toda a espécie e tudo o mais que for necessário, sem qualquer exceção.

Termos em que, distribuída, registrada e autuada com urgência, reiterados os pedidos de

tutela antecipada parcial e liminar e dando-se-lhe o valor de R$ 38.906.465.76 correspondente ao valor já pago e

que, acrescido dos anteriores, é pleiteado a título de repetição.

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P.E. Deferimento

De São Paulo para Jacupiranga, em 22 de maio de 1998.

MÁRCIO SOTELO FELIPPE

Procurador Geral do Estado - OAB-SP 56.986

PEDRO UBIRATAN ESCOREL DE AZEVEDO

Procurador do Estado - OAB - SP 56.961

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Anexo B

Decisão antecipatória de tutela e sua mantença em pedido de reconsideração.

Decisão Judicial

Poder Judiciário

São Paulo

Autos n.342/98

Primeira Vara da Comarca de Jacupiranga.

Vistos.

A FAZENDA DO ESTADO DE SÃO PAULO promoveu a presente ação declaratória de

nulidade de ato jurídico administrativo cumulada com repetição de indébito em face de …, …, … e ….

A autora alega, em apertada síntese, que os requeridos moveram em face da Fazenda do

Estado de São Paulo, ação de indenização (desapropriação indireta), que foi julgada procedente condenando o

Estado ao pagamento de importância equivalente a US$ 28.467.064,86.

Sustenta a requerente, entretanto, a nulidade da sentença e dos atos posteriores da referida

ação de desapropriação indireta, cujos autos receberam o número 143/85. Isto porque, segundo se infere da

inicial, a área indenizada já pertencia ao Estado, de modo que a sentença não poderia criar direitos reais

inexistentes para os autores daquela ação. Assim, por conferir aos então requerentes direito material que não

tinham, a sentença proferida nos autos 143/85 seria nula, quer por ser impossível, quer por ser ilícito o objeto da

sentença.

Aduziu ainda a autora que embora nula, a sentença vem produzido efeitos, pois o Estado

vem pagando mensalmente, por força dela, valores astronômicos aos ora requeridos, que ultrapassam em muito o

valor do imóvel, pois a avaliação que serviu de base à condenação, se deu em valores completamente distorcidos

e afastados do real valor da área.

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Diante disso, a requerente pediu a tutela antecipada, inaldita altera parte, para se determinar

a suspensão do depósito de todas as parcelas vincendas relativas ao precatório de número 668/92, do processo

ES 1.663/91 e complementações porventura requeridas até o final julgamento da presente ação.

Decido.

Presentes os requisitos legais, é de rigor a antecipação da tutela, nos moldes em que

requerida.

Como se sabe, dois são os pressupostos exigidos pelo artigo 273 do Código de Processo

Civil, para possibilitar que o provimento jurisdicional pretendido seja antecipado: a) existência de prova

inequívoca da verossimilhança da alegação e b) fundado receio de dano irreparável ou difícil reparação ou

caracterização do abuso de direito ou manifesto propósito protelatório do réu.

O primeiro requisito encontra-se satisfeito.

Com efeito, há prova documental nos autos indicando que o imóvel objeto da ação de

indenização se sobrepõe a área de domínio da autora, devidamente registrada no Cartório de Registro de Imóveis

da Comarca de Jacupiranga. Basta conferir as matrículas 23.873 e 25.593 (fls. 159/178 e 184/186).

É certo que os réus também ostentam título dominial da área indenizada. No entanto, a

cadeia de filiação de seu imóvel apresenta tantas irregularidades que não pode, de forma alguma, prevalecer

frente ao título da autora, obtido em ação discriminatória (fls. 198/266).

Assim, já pertencendo o imóvel ao próprio Estado, a sentença que lhe condenou é nula por

criar direito material de propriedade a quem tinha e por se apresentar juridicamente impossível.

Importante ressaltar, por oportuno, que a antecipação de tutela não exige prova Absoluta

das alegações iniciais. A comprovação inequívoca deve se dar sob exame sumário e apenas relativamente

exauriente, conforme o magistério do festejado Reis Friede (in "Tutela Antecipada, Tutela Específica e Tutela

Cautelar" , Ed. Del Rey, 4’ ed., 1998, pág. 40).

Também está preenchido o segundo requisito.

Existe o fundado receio de que o dano carreado ao Estado seja realmente irreparável, caso

procedente a ação, dado o vulto das importâncias envolvidas. Note-se que não há prova de que o patrimônio dos

requeridos suporte a restituição dos valores já pagos pela Fazenda Estadual.

Por fim, cumpre assinalar que a antecipação da tutela não constitui ofensa à coisa julgada.

Não se desconhece, é certo, que antecipar o parcialmente os efeitos do provimento em ação que objetiva a

declaração de nulidade de sentença transita em julgado exige maior cuidado e rigor na análise dos requisitos. No

entanto, presentes os pressupostos, não há óbice ao seu deferimento ( JTAERGS 98/202).

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Ante o exposto, DEFIRO A ANTECIPAÇÃO DA TUTELA para determinar a suspensão

do depósito de todas as parcelas vincedas relativas ao precatório de número 668/92, do processo ES 1.663/91 e

complementações porventura requeridos até o final julgamento da presente ação.

Junte-se cópia da presente decisão nos autos números 143/85.

Oficie-se, com a máxima urgência, à Egrégia Presidência do Tribunal de Justiça do Estado

de São Paulo.

Citem-se os réus para contestarem a presente ação, no prazo de quinze dias, sob pena de se

presumirem verdadeiros os fatos articulados pela autora na inicial.

Int.

Jacupiranga, 26 de maio de 1998.

Luís Fernando Cardinale Opdebeeck

Juiz de Direito

_______________________________________________

(Pedido de reconsideração)

Vistos:

…, …, … e …. requereram a reconsideração da decisão que concedeu a antecipação parcial

da tutela jurisdicional pleiteada na presente ação, alegando, em resumo, que houve afronta ao instituto da coisa

julgada.

DECIDO. Não se desconhece, é verdade, que a coisa julgada, instituto com assento

constitucional, é de fundamental importância em nosso sistema, uma vez desempenha relevante papel na garantia

de estabilidade das relações jurídicas. Entretanto, tal instituto não impede que se reconheça a existência de

eventual nulidade na relação material ou processual, capaz de lhe retirar a eficácia. Até porque, nesses casos, a

coisa julgada será apenas aparente.

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Assim, não há como olvidar que é perfeitamente possível se pleitear, em ação declaratória,

o reconhecimento de nulidade suficiente para tornar ineficaz as decisões proferidas em determinado processo,

atingindo-se, por via transversa, a (aparente) coisa julgada dele emanada. Basta dizer que a doutrina e a

jurisprudência admitem amplamente a querela mulitatis para declarar a nulidade do processo desde a citação,

quando esta é nula ou inexistente. Ocorre que outros defeitos, assim como esses, podem tornar nulo o processo

ou a sentença e, igualmente devem ser passíveis de correção por meio de ação declaratória.

Ademais, importa destacar que a presente ação não se volta contra elementos já cobertos

pelo manto da coisa julgada . O que se pretende, segundo infere-se da inicial, é demonstrar que não eram

verdadeiros fatos estabelecidos com fundamento da r. sentença, isto é, que os então autores não eram

proprietários da gleba pela qual foram indenizados. Ora, o artigo 469, inciso II, do Código Civil estabelece

expressamente que a verdade desses fatos não é abrangida pela coisa julgada, de modo que pode ser rediscutida

em ação própria. Diante de tudo isso, força é convir que a presente demanda não se afigura temerária. Ao

contrário, a priori, sob cognição não completamente exauriente, os fatos articulados na inicial, se comprovados,

são capazes de levar à procedência da ação .

De outro lado, a possibilidade de se antecipar a tutela, fazendo suspender os efeitos de

sentença já transitada em julgado, não pode ser excluída. Não há a menor dúvida, aliás, como já salientando em

decisão anterior, que nesses casos a análise dos requisitos do artigo 273 do Código de Processo Civil deve

revestir-se do maior rigor e cuidado. No entanto, isso não impede que, em casos excepcionalíssimos, se conceda

a antecipação para suspender os efeitos da sentença. Tanto é assim, que nossos tribunais tem concedido, em sede

de ações cautelares ou rescisórias, vencendo nessas oportunidades, o óbice contido na norma do artigo 489 do

Código de Processo Civil, excepcionalmente, a suspensão liminar dos efeitos de sentença transitada em julgado.

Desse modo, não se vê porque a antecipação da tutela seria inviável em casos semelhantes.

Vale, por fim ressaltar, que a presente hipótese apresenta caráter excepcional, dado vulto

das importâncias envolvidas, que dificilmente poderão ser restituídas à Fazenda, caso seja, a final, julgada

procedente a ação.

Ante o exposto, e também pelos fundamentos nela contidos, MANTENHO A DECISÃO

que ora se pretendia ver considerada.

Int.

Luiz Fernando Cardinale Opdebeeck

Juiz de Direito

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Anexo C

Projetos de Lei referentes à filiação.

PROJETO DE LEI Nº 506, DE 2007.

(Do Dep. Sérgio Barradas Carneiro)

Altera e revoga dispositivos do Código Civil,

relativos à filiação.

O CONGRESSO NACIONAL decreta:

Art. 1º. Esta Lei modifica disposições do Código Civil que tratam da filiação.

Art. 2º O art. 1.601 da Lei 10.406- Código Civil, de 10 de janeiro de 2002, passa a vigorar

com a seguinte redação:

“Art. 1.601. Cabe exclusivamente ao marido o direito de impugnar a paternidade

dos filhos nascidos de sua mulher.

§ 1º Impugnada a filiação, os descendentes ou ascendentes do impugnante têm

direito de prosseguir na ação.

§ 2º Não se desconstituirá a paternidade caso fique caracterizada a posse do estado

de filiação, ou a hipótese do inciso V do art. 1.597.”(NR)

Art. 3º Revogam-se os arts. 1.600, 1.602 e 1.611 da Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002.

Art. 4º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

JUSTIFICATIVA

O presente Projeto de Lei foi sugerido pelo Instituto Brasileiro de Direito de Família,

entidade que congrega magistrados, advogados, promotores de justiça, psicólogos, psicanalistas, sociólogos e

outros profissionais que atuam no âmbito das relações de família e na resolução de seus conflitos, idéia também

defendida pelo ilustre Deputado Antonio Carlos Biscaia.

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Com efeito, a doutrina e a jurisprudência têm cada vez mais enfatizado que a verdadeira

relação paterno-filial não decorre da verdade biológica, mas, sim, da verdade sócioafetiva. Assim, pai não se

confunde com genitor. Trata-se de um conceito bem mais amplo, envolvendo aspectos afetivos, que decorrem do

trato diário, do cuidado, da convivência. Em suma, da posse do estado de filiação, que se constitui quando

alguém assume o papel de filho em face daquele ou daqueles que assumem os papéis ou lugares de pai ou mãe

ou de pais, tendo ou não entre si vínculos biológicos. A posse do estado de filiação é presumida , segundo a

experiência das relações familiares, quando:

a) o indivíduo porta o nome de seus pais;

b) os pais o tratam como seu filho, e este àqueles como seus pais;

c) os pais provêem sua educação e seu sustento;

d) ele é assim reconhecido pela sociedade e pela família;

e) a autoridade pública o considere como tal.

E isso porque a parentalidade sócioafetiva (expressão que melhor reflete a realidade dos

fatos, em função de poder envolver o relacionamento materno-filial) não se funda apenas em um dado biológico,

mas é algo que resulta de uma interação interpessoal formada ao longo do tempo, marcada sim pela afetividade

(aspecto subjetivo), mas também com profundos reflexos sociais, aspecto objetivo que não pode ser esquecido.

Nestas condições, a possibilidade aberta pela redação atual do artigo 1.601, “caput”, do

Código Civil, de, a qualquer momento, poder ser desconstituído um vínculo paterno-filial fortemente marcado

pelas relações socioafetivas, constituídas na convivência familiar, colide com a moderna visão do fenômeno da

parentalidade, atentando, ademais, contra a necessária estabilidade das relações familiares.

Ainda no que concerne ao estado de filiação, deve-se ter presente que, além do

mandamento constitucional de absoluta prioridade dos direitos da criança e do adolescente (art. 227), a

Convenção Internacional dos Direitos da Criança, da Organização das Nações Unidas, de 1989, que integra o

direito interno brasileiro desde 1990, em seu art. 3.1 estabelece que todas as ações relativas aos menores devem

considerar, primordialmente, “o interesse maior da criança”, abrangendo o que a lei brasileira (ECA) considera

adolescente. Por força da convenção deve ser garantida uma ampla proteção ao menor, constituindo a comunhão

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de esforços, em escala mundial, no sentido de fortalecimento de sua situação jurídica, eliminando as diferenças

entre filhos legítimos e ilegítimos, fundadas na origem biológica e na exclusividade do casamento, e atribuindo

aos pais, conjuntamente, a tarefa de cuidar da educação e do desenvolvimento.

A presunção pater is est, que deriva do enunciado do art. 1.601 do Código Civil, objeto

deste Projeto de Lei, reconfigura-se no estado de filiação, que decorre da construção progressiva da relação

afetiva, na convivência familiar. Antes, tinha por fito a defesa de legitimidade da filiação, fundada na origem

biológica.

Apenas o marido pode impugnar a paternidade quando a constatação da origem genética

diferente da sua provocar a ruptura da relação paternidade filiação. Se, apesar desse fato, forem mais fortes a

paternidade sócioafetiva e o melhor interesse do filho, enquanto menor, nenhuma pessoa ou mesmo o Estado

poderão impugná-la para fazer valer a paternidade biológica, sem quebra da ordem constitucional e do sistema

do Código Civil.

Impõe-se a supressão do enunciado final do art. 1.601 “sendo tal ação imprescritível”,

porque desnecessário, em virtude do sistema de prescrição adotado pelo Código Civil nos arts. 189 e seguintes,

que relaciona a prescrição à pretensão e não à ação. Por outro lado, são imprescritíveis as pretensões relativas a

direitos de estado das pessoas e não apenas o referido nesse artigo.

Os arts. 1.600 e 1.602 são ofensivos à dignidade da mulher. Já o art. 1.611 ofende o

princípio do melhor interesse da criança, fundamental do direito de família brasileiro (art. 227 da Constituição).

Sala de Sessões, 19 de março de 2007.

Deputado SÉRGIO BARRADAS CARNEIRO

PT/BA

_________________________________________________________

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PROJETO DE LEI Nº 203, DE 2007.

(Do Dep. Sandes Júnior)

Acrescentar parágrafos no artigo 495, da Lei n.°

5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo

Civil, que estabelece prazo para a propositura da

ação rescisória

O CONGRESSO NACIONAL decreta:

Art. 1º. O art. 495, da lei n.°5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil,

fica acrescido dos seguintes parágrafos:

“Art. 495...

“§1°. A ação rescisória poderá ser proposta a qualquer tempo, para o fim específico de

ajustar a decisão judicial aos direitos fundamentais da pessoa humana, declarados na Constituição Federal, se

surgir, posteriormente ai trânsito em julgado, documento, exame técnico ou testemunho idôneo, contrário à

prova em que se fundou a decisão rescindenda”.

“§2°. O autor justificará, previamente, a impossibilidade ou o impedimento à produção da

prova ao tempo dos trâmites do processo da ação anterior em que foi prolatada a decisão que pretende rescindir”.

“§3°. O relator indeferirá a petição inicial se entender insuficiente a justificação. Dessa

decisão caberá agravo regimental”.

JUSTIFICATIVA

Há controvérsias doutrinarias e jurisprudenciais no Brasil, sobre a imutabilidade da coisa

julgada diante de situações novas que colocam a sentença transitada em julgado, em frontal oposição a princípios

e normas constitucionais.

Os casos são poucos, mas incomodam. Um dos mais antigos, resolvidos pelo Superior

Tribunal de Justiça, foi o da avaliação de imóvel desapropriado, em que sentença fixou o valor da indenização.

Transitada m julgado, a sentença foi executada quando, então, o expropriado requereu nova avaliação.

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Entendendo que isso não ofenda a coisa julgada, porque a Constituição Federal fala em justo preço, o tribunal

deu provimento ao pedido. Evidente que houve ofensa à coisa julgada.

O tribunal recorreu a um subterfúgio para fazer justiça no caso concreto.

Outro caso recorrente e que despertou a onda maior de insurgência contra a coisa julgada, é

o do vinculo sangüíneo entre pai e filho, em ação de investigação de paternidade onde se produziu, tão somente,

prova documental e testemunhal. Transitada em julgado a decisão, sobrevém a possibilidade do exame do DNA.

Realizando o exame extrajudicialmente, comprovada a inexistência do vínculo sangüíneo, o

interessado promove a demanda para negar a paternidade. Aí surge a divergência nos tribunais e na doutrina. Os

conservadores entendem que a sentença anterior não pode ser alterada em razão do trânsito em julgado e do

principio da segurança jurídica. Os liberais entendem que a coisa julgada não é absoluta e que o princípio de

segurança deve ceder ante o principio de acesso a justiça. Portanto, a pretensão deve ser acolhida.

A fim de pacificar a matéria, impõe-se a intervenção do legislador. Mais uma vez, o termo

médio aristotélico se apresenta como solução conciliadora e adequada. Conserva-se o biênio para a interposição

da ação rescisória. Todavia, abre-se exceção para os casos posteriores ao trânsito em julgadado, que tornam a

sentença rescindenda inconstitucional em face dos direitos fundamentais da pessoa humana. Assim mesmo, com

o cuidado de exigir justificação prévia da impossibilidade ou do impedimento de produção da prova ao tempo do

processo anterior. Desse modo, o relator controla a seriedade e a necessidade da pretensão, antes de emitir o

juízo de admissibilidade da demanda. Se o relator indeferir a petição inicial, a parte poderá recorrer ao pleno do

órgão fracionário ou ao pleno do Tribunal, conforme o caso, mediante agravo regimental.

A solução ora apresentada já freqüenta a legislação brasileira de modo pacifico, sob o artigo

18, da lei n.° 4.717/65 (ação popular): “A sentença terá eficácia de coisa julgada oponivel erga omnes, EXCETO

no caso de haver sido a ação julgada improcedente por deficiência de prova; neste caso, qualquer cidadão poderá

intentar outra ação com idêntico fundamento, VALENDO-SE DE NOVA PROVA”.

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Portanto, não estou exibindo novidade. Diante de nova prova e para preservar direitos

fundamentais, afasta-se a imutabilidade da coisa julgada, solução esta que atende aos interesses da sociedade

brasileira, do Estado em geral, porque prestigia a ordem constitucional, e do Poder Judiciário em particular,

porque lhe permite restabelecer a justiça do caso concreto sem romper perigosamente a represa da coisa julgada.

Conto, pois, com apoio e o voto dos meus ilustres pares, para a admissão e aprovação deste projeto de lei.

Sala de Sessões, em 03 de março de 2007.

Sandes Júnior

Deputado Federal