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BRUNA DE LIMA SILVA
O USO DA INTERNET NA COMUNICAÇÃO COMUNITÁRIA: ANÁLISE DO PORTAL ÍNDIOS ONLINE
LONDRINA 2010
BRUNA DE LIMA SILVA
O USO DA INTERNET NA PRÁTICA DA COMUNICAÇÃO COMUNITÁRIA:
ANÁLISE DO PORTAL ÍNDIOS ONLINE
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Departamento de Comunicação da Universidade Estadual de Londrina. Orientador: Prof. Dr. Rozinaldo Antonio Miani
LONDRINA 2010
BRUNA DE LIMA SILVA
O USO DA INTERNET NA PRÁTICA DA COMUNICAÇÃO COMUNITÁRIA:
ANÁLISE DO PORTAL ÍNDIOS ONLINE
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Departamento de Comunicação da Universidade Estadual de Londrina.
COMISSÃO EXAMINADORA
____________________________________ Prof. Dr.Rozinaldo Antonio Miani
Universidade Estadual de Londrina
____________________________________ Prof. Dra. Florentina das Neves Souza
Universidade Estadual de Londrina
____________________________________ Prof. Dra. Rosane da Silva Borges Universidade Estadual de Londrina
Londrina, _____de ___________de _____.
AGRADECIMENTO (S)
A Deus, o primeiro e verdadeiro motor e incentivo de todas as ações
e etapas realizadas desde a idealização deste projeto, até sua finalização.
Ao professor e orientador Rozinaldo Antonio Miani e todos os
demais professores da Universidade Estadual de Londrina que de alguma forma
contribuiram e apoiaram a elaboração e andamento deste trabalho em todas as suas
etapas.
Aos amigos e colegas que serviram de incentivo durante a execução
do trabalho, sendo importante base de sustentação diante das limitações e
oferecendo apoio constante.
Aos familiares pela presença imprescindível, o apoio, o carinho e a
dedicação pessoal em todos os momentos.
Agradecimentos também a Anápuáka Muniz, da Web Brasil
Indígena, Potyra Tê Tupinambá e Sebastián Gerlic, da gestão da rede Índios Online,
pela receptividade e disposição em colaborar com informações via email para a
execução do trabalho.
SILVA, Bruna de Lima. O uso da Internet na prática da comunicação comunitária: Análise do portal Índios Online. 2010. Número total de folhas. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Comunicação Social - Jornalismo) – Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2010.
RESUMO
O seguinte trabalho tem como objetivo analisar o projeto Índios Online e através dele avaliar como a Internet e seus recursos de mídia digital podem ser utilizados em benefício da comunicação comunitária. O portal Índios Online existe desde 2004 e caracteriza-se no padrão de comunicação comunitária pois todo o seu conteúdo é produzido e divulgado por grupos indígenas, além de ser voltado também para esse público. É coordenado pela ONG Thydewá, com apoio do Ministério da Cultura e do governo federal. Faremos uma abordagem sobre a história e desenvolvimento do site, além de uma descrição estrutural. Observaremos de que maneira os recursos multimidia (como vídeos e fotos) são utilizados e o padrão de conteúdo e de forma observado nos textos e na linguagem. Além disso, avaliaremos quais são os meios usados para interação com o público fora das comunidades indígenas que colaboram com o site, os resultados positivos que o projeto da rede Índios Online trouxe para as comunidades integrantes e quais expectativas ainda devem ser atendidas.
Palavras-chave: Comunicação. Comunidade. Indígenas. Interatividade. Internet.
SILVA, Bruna de Lima. Internet use in the practice of community communication : Analysis of the project Índios Online. 2010. Número total de folhas. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Comunicação Social - Jornalismo) – Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2010.
ABSTRACT
The following study aims to analyze the project Índios Online and through it to evaluate how the Internet and its digital media capabilities can be used to benefit the community communication. Portal Índios Online exists since 2004 and characterized the pattern of community communication for all its content is produced and disseminated by indigenous groups, and is also directed to that audience. It is coordinated by the NGO Thydewá, supported by the Ministry of Culture and the federal government. We will make an approach on the history and development of the site, beyond a structural description. We will see how the multimedia features (such as pictures and videos) are used and the standard of content and form found in the texts and language. In addition, we will assess what means are used to interact with the public outside of indigenous communities that contribute to the site, the positive results that the network project Índios Online brought to the community members and expectations what still must be met Key-words: Communication. Community. Interactivity. Internet. Native.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1 – Página inicial do portal Índios Online (05 de outubro de 2010) ... .......... 18
Figura 2 – Página do Google Maps mostrando as aldeias onde estão
presentes pontos do Índios Online: cada "@" marcada no mapa
representa uma aldeia diferente (06 de outubro de 2010) ....................................... 19
Figura 3 – Janela do chat do portal Índios Online (06 de outubro de 2010) ............ 20
Figura 4 – Perfil na rede social de comunicação Twitter do portal Índios
Online (06 de outubro de 2010) ................................................................................ 21
Figura 5 – Página inicial do canal da Índios Online no portal Youtube
(06 de outubro de 2010) ........................................................................................... 24
Figura 6 – Página inicial do blog Retomada Tupinambá (13 de outubro de 2010) .. 29
Figura 7 – Fotografia tirada durante oficina realizada pelo projeto
Fotografia Tupinambá. Autor: Alessandro Tupinambá (13 de outubro de 2010) ..... 30
Figura 8 – Página do artigo "A beleza do Rio São Francisco", publicado
por Juayran (11 de outubro de 2010) ....................................................................... 33
Figura 9 – Página inicial do portal da rede Grumin (16 de outubro de 2010) .......... 41
Figura 10 – Página inicial do portal do grupo Esperança da Terra
(13 de outubro de 2010) ........................................................................................... 55
Figura 11 – Página inicial do portal da Web Brasil Indígena
(13 de outubro de 2010) ........................................................................................... 58
Figura 12 – Cartaz de divulgação da pré-estreia do documentário
Indígenas Digitais em Salvador - BA (18 de outubro de 2010)................................. 61
Figura 13– Página inicial do portal Indígenas Digitais (17 de outubro de 2010) ...... 64
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
AJI – Ação dos Jovens Indígenas
AL - Alagoas
ANAI – Associação Nacional de Ação Indigenista
APOINME - Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste Minas Gerais e Espírito
Santo
BA - Bahia
BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
Cedi – Centro Ecumênico de Documentação e Informação
CESE – Coordenadoria Ecumênica de Serviço
Embratel – Empresa Brasileira de Telecomunicações
FUNAI – Fundação Nacional do Índio
Funarte – Fundação Nacional de Artes
FUNASA – Fundação Nacional de Saúde
GESAC – Governo Eletrônico – Serviço de Atendimento ao Cidadão
Inbrapi – Instituto Indígena para Propriedade Intelectual
ISA -Instituto Socioambiental
MinC – Ministério da Cultura
MS – Mato Grosso do Sul
NDI – Núcleo de Direitos Indígenas
ONG – Organização Não Governamental
PDF – Portable Document Format – Documento em Formato Portátil
PE - Pernambuco
PIB – Povos Indígenas no Brasil
RJ – Rio de Janeiro
S/A – Sociedade Anônima
SP – São Paulo
STF – Supremo Tribunal Federal
Unesco – United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization -
Organização Educacional, Cultura e Científica das Nações Unidas
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 09
2 A REDE ÍNDIOS ONLINE E A PRESENÇA INDÍGENA NA INTERNET ............... 14
2.1 O PORTAL ÍNDIOS ONLINE E O ARCO DIGITAL ........................................................... 17
2.2 O QUE TÊM A DIZER OS ÍNDIOS ONLINE ..................................................................... 27
2.3 A PRESENÇA INDÍGENA NA INTERNET ....................................................................... 37
3 A COMUNICAÇÃO COMUNITÁRIA NA INTERNET ............................................. 45
4 A WEB BRASIL INDÍGENA E O PROJETO ESPERANÇA DA TERRA .............. 54
4.1 O DOCUMENTÁRIO INDÍGENAS DIGITAIS ................................................................... 59
4.2 OBJETIVOS ATINGIDOS, EXPECTATIVAS E NECESSIDADES PENDENTES
NA COMUNICAÇÃO DIGITAL ............................................................................................ 70
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 78
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 80
ANEXOS ................................................................................................................... 83
ANEXO A – Documentário Indígenas Digitais ........................................................... 84
9
1. INTRODUÇÃO
A profusão da Internet e das tecnologias mais recentes como alternativas de
comunicação de certo modo levou a mídia, que até o final do século XX se
concentrava em difundir seu conteúdo de forma massiva através dos meios
eletrônicos - rádio, TV e impressos -, a descobrir e explorar esse potencial ambiente
comunicativo digital. Em seus estudos sobre o ciberespaço, definido
superficialmente com “um espaço de comunicação aberto pela interconexão mundial
dos computadores e de suas memórias” (LÉVY, 1999, p.92), o filósofo francês Pierre
Lévy já apresentava esse novo meio digital como um espaço de interações, de
práticas e relacionamentos humanos antes restritos apenas ao ambiente físico.
A prática da comunicação comunitária, vista como uma alternativa de
sociabilidade dos grupos minoritários (FERNANDES, 2007), encontra nos meios
digitais e na Internet uma alternativa simples, relativamente barata e que não exige
experiência elevada. Entre os diferenciais da rede estão a estrutura basicamente
não-linear, ausente no material impresso, por exemplo, e as ligações hipertextuais,
que permitem ao usuário se movimentar mediante as estruturas de informação do
site sem uma sequência predeterminada, mas sim saltando entre os vários tipos e
dados que necessita (PINHO, 2003), com o auxílio dos chamados links.
A Internet também se destaca pelo modo ágil e instantâneo como as
informações podem ser apuradas, publicadas e dispersas por todos os limites da
rede; a perenidade das informações, que ficam arquivadas (e muitas vezes
acessíveis a maioria das pessoas) por tempo indeterminado; e talvez um dos fatores
mais importantes, a interatividade digital: a Internet possibilitou uma grande
variedade de opções de interação online entre usuários, até então não explorada
pelos meios de comunicação convencionais. A interação é característica comum das
interações sociais do cotidiano, mas a ascensão das tecnologias e relações digitais
ajudou a ampliar esse conceito.
O conceito de comunidade, incluindo aí o de comunicação comunitária, não
se restringe mais à prática social e comunicativa realizada dentro de um espaço
geográfico limitado:
10
Há mudanças substanciais nas concepções de comunidade, ao mesmo tempo em que alguns de seus princípios ainda se verificam. O sentimento de pertença, a participação, a conjunção de interesses e a interação, por exemplo, são características que persistem ao longo da história, enquanto a noção de lócus territorial específico como elemento estruturante de comunidade está superada pelas alterações provocadas pela incorporação de novas tecnologias da informação e comunicação. Sem menosprezar que a questão do espaço geográfico continua sendo um importante fator de agregação social em determinados contextos e circunstâncias (PERUZZO, 2008, p.12).
Os meios de comunicação digitais tecnicamente são um campo ainda pouco
explorado dentro da prática comunitária, mas com grande potencial de expansão e
utilização, como veremos a partir do exemplo do portal Índios Online 1, que desde
2004 serve como veículo de comunicação para grupos nativos indígenas e mesmo
não-indígenas de todo o país. No caso da criação da rede Índios Online, a partir da
iniciativa da Organização Não-Governamental (ONG) Thydewá (sediada em
Salvador - BA), é relevante lembrar que esta iniciativa de inclusão digital é paralela a
outras atividades de caráter voluntário: oficinas realizadas por facilitadores nas áreas
de saúde, jornalismo étnico, educação, cidadania e direitos, economia solidária e
agroflorestagem; atividades voltadas tanto para os próprios indígenas quanto para a
comunidade em geral.
A descoberta e exploração adequada de todas as ferramentas
proporcionadas pelos meios digitais, além da superação dos desafios que ainda
separam a prática comunitária das novas tecnologias, como a necessidade de maior
iniciativa de inclusão digital, são questões fundamentais para potencializar o uso da
Internet como meio de comunicação comunitária. Como lembra Marili de Souza, em
seus estudos sobre a prática comunicativa no contexto das comunidades “o custo
dos equipamentos ainda é uma barreira que deixa de fora as populações pobres,
embora os telecentros e os softwares livres já enfrentem essa realidade, fazendo
aumentar a inclusão entre as camadas mais populares” (SOUZA, 2007, p. 02).
A partir dessa iniciativa, é possível expandir os limites dos meios de
comunicação comunitários, fortalecendo os grupos e as iniciativas sociais que
sustentam esses veículos. No caso da rede Índios Online, de certo modo é possível,
inclusive, quebrar a ideia da perda de identidade étnica, a partir do momento que os
1 http://www.indiosonline.org.br
11
indígenas passam a se expressar através da Internet: para esses povos, o contato
dinâmico com as redes digitais é um modo de se manter sintonizado às mudanças e
avanços sociais e tecnológicos. No entanto a Internet funciona principalmente como
uma forma de registrar, manter e globalizar as tradições indígenas, sem esquecer de
suas raízes.
Através da análise do conteúdo, estrutura e funcionamento do portal Índios
Online, nosso objetivo é constatar como as funcionalidades da Internet, da rede
digital, podem ser exploradas na prática da comunicação comunitária. O uso da
Internet na comunicação comunitária ainda é uma ideia em ascensão, envolta em
preconceitos, mas que pode ser bem explorada. A rede tira as pessoas do papel de
meros espectadores ou ouvintes – comum na mídia tradicional – e as coloca como
difusoras e produtoras de conteúdo (PERUZZO, 2008). A Internet ajuda a romper
limites geográficos, quebrando a ideia de que a comunicação comunitária está
restrita a um limite territorial, além de possibilitar o uso de diversas mídias (som,
texto, imagens) simultaneamente (a chamada convergência) e de forma eficiente.
Os desafios da prática da comunicação comunitária na Internet também serão
abordados. A administração de funções e objetivos dentro do grupo - comum em
qualquer prática comunitária -, a necessidade de recursos materiais para a prática
comunicativa, a habilitação adequada para o uso das ferramentas de comunicação.
No caso específico da rede Índios Online, a preocupação com a perda da identidade
indígena a partir do momento em que esses grupos se identificam na Internet
também é vista como um desafio a ser superado. Os próprios indígenas enxergam a
rede como uma forma de se integrarem ao mundo globalizado sem perder suas
raízes, perpetuando suas tradições e divulgando-as para o resto do mundo
(PEREIRA, 2008). São essas questões que abordaremos adiante.
A pesquisa apresentada caracteriza-se como um trabalho de observação,
exploração, análise e descrição. Através da observação geral do funcionamento,
ferramentas e características do site Índios Online tentaremos aplicar estudos
teóricos sobre as funcionalidades da Internet e elementos que definem a prática da
comunicação comunitária, para mostrar que é possível unir de forma efetiva a rede
digital e o conceito comunitário.
Estudaremos o site Índios Online em um período de aproximadamente duas
semanas, com suas atualizações e todo o material publicado (textos, vídeos,
imagens etc). É válido lembrar que os membros da rede Índios Online, os produtores
12
de conteúdo, são oficialmente de tribos indígenas da região nordeste, de estados
como Bahia, Alagoas e Pernambuco. No entanto, a participação no site e produção
de conteúdos é disponibilizada a qualquer membro da população indígena (e mesmo
não-indígena), contanto que o tema apresentado seja de interesse desses grupos,
sem teor ofensivo.
Como explicado anteriormente, a análise do conteúdo e dos recursos
aplicados na estrutura e alimentação do portal Índios Online serão feitos com base
na observação, além do contato com representantes do grupo. A princípio a
distância geográfica da sede da ONG Thydewá, principal responsável pela
organização do projeto, poderia caracterizar uma certa limitação na realização da
pesquisa: o contato direto com o processo de produção de conteúdos para o site
proporcionaria uma abordagem mais delicada e aprofundada do assunto. No
entanto, considerando-se que um dos objetivos do site Índios Online é justamente
poder expandir fronteiras de comunicação, levando seu conteúdo para públicos
geograficamente mais distantes, pareceu adequado e conveniente manter toda a
comunicação necessária através da rede digital.
Após a pesquisa teórica, cujo objetivo é coletar o máximo de conteúdo sobre
a comunicação digital na Internet e a prática da comunicação comunitária, a próxima
etapa é a análise do site e aplicação dos conceitos estudados no modelo do portal
Índios Online. Com isto posto, podemos concluir o cumprimento das expectativas já
apresentadas. Nos capítulos seguintes apresentaremos, inicialmente, uma descrição
geral da estrutura do portal Índios Online, a história do projeto, os principais
conteúdos abordados e recursos (que a rede digital disponibiliza) utilizados.
Também destacaremos as demais formas de presença indígena desenvolvidas
dentro da Internet, direta ou indiretamente inspiradas pelas atividades da rede Índios
Online. A partir dessa experiência, ofereceremos a seguir uma abordagem teórica de
como a Internet pode ter seus recursos utilizados em benefício da prática da
comunicação comunitária.
Em destaque apresentaremos também três projetos desenvolvidos com
participação direta de membros da equipe da rede Índios Online, que utilizam
dinâmicas distintas e demonstram diferentes fases de desenvolvimento da presença
indígena na Internet: o portal Web Brasil Indígena, a rede de informação
compartilhada Esperança da Terra e o documentário Indígenas Digitais, iniciativa da
própria Thydewá que teve seu lançamento no início de 2010. Todas as iniciativas
13
citadas, que detalharemos mais adiante, caracterizam a tendência de se reafirmar a
presença indígena no ambiente digital pelas próprias aldeias, inserindo o cotidiano e
a cultura desses povos dentro da sociedade urbana sem que eles se percam de
suas origens e tradições. A ideia é mostrar que, embora ainda existam muitos limites
a ser superados (como falta de equipamentos e questões de acessibilidade, por
exemplo), a Internet se encaixa adequadamente na atividade da prática da
comunicação comunitária. Não só entre os indígenas, mas em todas as
comunidades e grupos que de alguma forma são considerados socialmente
excluídos.
O ambiente digital tem se tornado não apenas uma extensão da comunicação
convencional, praticada no dia a dia, mas de todo tipo de atividade praticada no
cotidiano. As práticas sociais em geral aos poucos migraram e se adaptaram aos
caminhos e possibilidades digitais. A Internet, por ser um espaço relativamente
acessível a qualquer indivíduo e pela sua facilidade de compartilhamento e
divulgação de informações tem todo o potencial para ser uma ferramenta útil na
comunicação comunitária. É com essa constatação e seus desdobramentos que
concluímos nosso trabalho.
14
CAPÍTULO 2 A REDE ÍNDIOS ONLINE E A PRESENÇA INDÍGENA NA INTERNET
Como explicamos, o meio digital é atualmente um campo bastante viável para
a prática da comunicação, por seus custos reduzidos, manejo simples, grande
abrangência e imensa possibilidade de liberdade de comunicação que garante. No
entanto, quando se pensa em comunicação na Internet é necessário planejar uma
estrutura atraente, prática e que ofereça o máximo de interatividade ao internauta. A
partir de uma apresentação do portal Índios Online e uma observação sobre alguns
de seus conteúdos, definiremos quais recursos digitais são explorados, suas
principais características e também o teor do conteúdo publicado: uma espécie de
linha editorial do site.
Interessante recordar que o portal Índios Online é essencialmente de
comunicação, não de jornalismo; como veremos nos exemplos adiante, o material
publicado se caracteriza por possuir um teor opinativo visível. É certo dizer que a
maioria das notícias publicadas exprime o sentimento, a visão dos próprios
indígenas sobre os atos acontecidos no cotidiano desses grupos. Divulgação de
eventos, projetos realizados por ou para a comunidade indígena, denúncia de crimes
ou ilegalidades praticadas contra índios ou contra o meio ambiente, atividades do dia
a dia das comunidades indígenas, protestos, conflitos indígenas contra órgãos do
governo etc., qualquer assunto voltado ao universo indígena, de cultura à política,
tem espaço para ser abordado. O portal Índios Online passou a funcionar ativamente
a partir de abril de 2004. Foi uma iniciativa da Organização Não-Governamental
Thydewá, sediada em Salvador, na Bahia, com colaboração da rede de
supermercados Bompreço do Nordeste S/A e do Programa governamental
Fazcultura de incentivo ao patrocínio cultural.
Em 2004 o governo da Bahia apoiou um projeto de conexão entre aldeias.
Foram comprados sete computadores com conexão pelo serviço Star One, da
Embratel, com o apoio da Unesco. Foi feito contato com diversas aldeias, das quais
foram escolhidos dois representantes de cada uma delas para uma oficina de
qualificação, a fim de orientar para o uso dos computadores. A primeira oficina foi
desenvolvida em uma semana, em horário integral, em Salvador, na sede da
15
Thydewá, e cada etnia saiu com um computador para ser instalado em suas aldeias,
num total de sete aparelhos, além de seis meses de conexão de Internet.
O site do portal Índios Online é hospedado atualmente pelo serviço gratuito de
gerenciamento de conteúdos na Internet Wordpress 2, e elaborado pelo também
gratuito sistema de tecnologia digital Livresoft. Atualmente, onze nações indígenas
colaboram ativamente no portal: Kiriri, Tupinambá, Pataxó-Hãhãhãe, Tumbalalá na
Bahia, Xucuru-Kariri, Kariri-Xocó em Alagoas e os Pankararu em Pernambuco. No
próprio site o projeto Índios Online é descrito como uma oportunidade de diálogo,
encontro e troca de experiências entre indígenas e não-indígenas de tribos diversas.
A conexão com a Internet é feita dentro das próprias aldeias, buscando o benefício
dessas mesmas comunidades. Como explicado no site do portal:
Nossos objetivos são: Facilitar o acesso à informação e comunicação para diferentes nações indígenas, estimular o dialogo intercultural. Promover aos próprios índios pesquisarem e estudarem as culturas indígenas. Resgatar, preservar, atualizar, valorizar e projetar as culturas indígenas. Promover o respeito pelas diferenças. Conhecer e refletir sobre o índio de hoje. Salvaguardar os bens imateriais mais antigos desta terra Brasil. Disponibilizar na internet arquivos (textos, fotos, vídeos) sobre os índios nordestinos para Brasil e o Mundo. Complementar e enriquecer os processos de educação escolar diferenciada multicultural indígena. Qualificar índios de diferentes etnias para garantir melhor seus direitos (ÍNDIOS ONLINE, 2010).
Todos colaboram na rede voluntariamente e, desde 2005, o projeto conta com
o apoio do Ministério da Cultura (MinC), que auxilia através dos programas Pontos
de Cultura Viva e Associação Nacional de Apoio ao Índio (ANAI). O Pontos de
Cultura Viva é uma parceria do MinC com os Ministérios das Telecomunicações e do
Trabalho e Renda criado em 2006 como parte do programa Governo Eletrônico –
Serviço de Atendimento ao Cidadão (GESAC). O programa trata exatamente da
disponibilização de computadores conectados à Internet em postos da Fundação
Nacional de Saúde (FUNASA) instalados nas aldeias. Novos povos se integraram à
rede e a ideia inicial era de que cada aldeia pudesse participar ativamente,
representando um ponto de cultura. Já a ANAI é uma ONG também sediada em
Salvador existente desde 1978 e que trabalha com práticas de inclusão e
2 http://pt-br.wordpress.com/
16
reafirmação dos grupos indígenas na sociedade, cuidando pela manutenção dos
direitos dos povos indígenas e sua representatividade cultural e social.
Em relação ao GESAC, é interessante recordar que este tipo de apoio do
Ministério da Cultura em recursos materiais e estruturais não significa que a rede
Índios Online se submeta a alguma gestão ou critério governamental: o trabalho não
perde seu perfil independente, alternativo, comunitário. A ideia da criação da rede
Índios Online surgiu depois da organização Águia Dourada, fundada pelo argentino
Sebastián Gerlic, radicado há 15 anos na Bahia, e constituída por grupos indígenas
e não-indígenas, criar a série de livros Índios na visão dos índios. A coleção continha
textos, fotos e desenhos feitos pelos indígenas das etnias Kiriri, Tupinambá e Truká.
Em 2001 os membros da Águia Dourada se dividiram e em 2002 foi fundada a ONG
Thydewá (“esperança da terra” no idioma Pankararu), coordenada por Gerlic. Entre
1997 e 2004 foram publicados oito livros pelas instituições. Sebastián Gerlic passou
a se dedicar à causa das comunidades indígenas depois que ele e um grupo de
índios foram vítimas de um ataque feito pela Polícia Militar, quando Gerlic gravava
um documentário na Bahia. A ideia das iniciativas da ONG seria dar mais espaço de
atuação e representatividade para os indígenas brasileiros.
No ano de 2006, na ocasião de um encontro da rede Índios Online (chamado
de “Encontrão”), em Ilhéus, na Bahia, foi eleito um coordenador indígena geral para
o grupo (Alex Pankararu), além de outros responsáveis principais pela coordenação
de setores específicos como administração, informática, monitoramento, contatos
com parceiros etc. Até então os coordenadores responsáveis eram Ivana Cardoso,
Laura Juliani, Sebastián Gerlic e Luis Henrique Moreira. No Encontrão, além da
eleição dos novos administradores, feita por representantes das aldeias integrantes
da rede, também foram discutidas novas ideias de gestão, parceria, expansão e
trabalho em rede, além de atividades culturais e apresentação dos principais
trabalhos desenvolvidos até ali.
Em 2007 a Thydewá, pelo projeto Índios Online, recebeu o selo de Iniciativa
Reconhecida Prêmio Cultura Viva, do MinC, através do Programa Cultura Viva, de
incentivo a práticas culturais executadas pelo Brasil. No ano de 2008 o projeto
recebeu o prêmio AREDE de inclusão digital. Em 2009, o Índios Online também
ganhou os prêmios Rodrigo Melo Franco de Andrade (por divulgação do patrimônio
nacional através da Internet, livros e campanhas) e Prêmio Mídias Livres do MinC. A
partir do recebimento deste último, a Índios Online se expandiu e com o objetivo de
17
afirmar ainda mais a presença indígena no projeto foi criado o método de Gestão
Compartilhada: a partir dele, representantes de todas as aldeias ligadas à Índios
Online e espalhadas pelo Brasil passaram a ter o mesmo peso, o mesmo poder de
gestão e administração. Isso eliminava a necessidade de um coordenador geral para
o conteúdo publicado no site, resultando numa atividade mais igualitária e bem
distribuída para todos. Inicialmente foram escolhidos oito representantes de povos
diferentes: dois Pankararu, dois Tupinambá, um Kariri-Xocó, um Guarani, um Terena
e um Potiguara. Em janeiro de 2010 a Thydewá organizou o I Encontro Nacional da
Rede Índios Online no Pontão de Cultura Esperança da Terra em São José da
Vitória, na Bahia.
Hoje, lembra Sebastián, a Índios Online é uma rede independente,
administrada por seus próprios integrantes. A Thydewá, que antes era a principal
gestora da rede, hoje trabalha em um sistema de parceria. Nas palavras de Gerlic,
Entendemos que Índios On-Line é uma rede de comunicação indígena, onde dá oportunidade e autonomia aos índios de todos os povos brasileiros e não brasileiros, a expressar suas opiniões e ser um etnojornalista, ciberativista, etnocelumetrista e ser o protagonista de sua própria cultura, historia, costumes e tradições. Para que assim possam ser compartilhada com outros povos e vice versa (GERLIC, 2010).
2.1 O portal Índios Online e o Arco Digital
O site da rede Índios Online é considerado um pioneiro na ideia da
organização, representação e interatividade das comunidades indígenas de diversas
etnias através da Internet. Atualizado pelos próprios indígenas, o site (figura 1)
apresenta conteúdo em formato de textos, fotos, vídeos (gravados através de
aparelhos celulares), além de ser aberto a comentários. Também é disponibilizado
um chat (sistema de bate papo virtual), promovendo a ideia do diálogo intercultural.
Atualmente são mais de 3000 matérias publicadas e 10000 comentários no site, que
conta com cerca 500 participantes de 25 etnias diferentes.
Atualmente o grupo de gestão da rede Índios Online conta com oito
integrantes, de diferentes aldeias indígenas do Brasil: Alex Pankararu, Graciela
Guarani (Cunha Poty Rory), Ivana Cardoso (Potyra Tê Tupinambá), Jaborandy
Yandê Tupinambá, Diana Terena (Diana Davilã), Luciano Pankararu, Jaqueline
18
Potiguara (Irembé) e Nhenety Kariri Xocó. Todos os integrantes da rede podem
postar no site, com periodicidades variáveis. Aos membros da gestão é exigido
apenas que se comprometam a gerenciar e postar conteúdo no site, além de cuidar
do chat que o portal oferece. Os elementos gráficos que compõem a apresentação
visual do site, como os detalhes que lembram o desenho do trançado da fabricação
de cestos de sisal e os tons esverdeados e terrosos reforçam a ideia dos elementos
da cultura e do cotidiano indígenas mantidos firmemente mesmo no contexto da
presença no ambiente digital. Na página inicial do site estão organizados links para
todos os serviços oferecidos pelo portal, além das chamadas dos textos publicados
mais recentemente (com o link Leia mais para se acessar o texto completo).
Figura 1
No menu, localizado logo acima do logotipo Índios Online são visíveis os
seguintes botões de acesso:
Oca – direciona para a página inicial do Índios Online.
Mapa – através de imagem obtida pelo programa de mapeamento geográfico
digital via satélite Google Maps 3 é mostrada a região das comunidades indígenas
3 http://maps.google.com.br/
Página inicial do portal Índios Online (05 de outubro de 2010)
19
que integram a rede Índios Online. Cada “ponto” de acesso do programa é
representado pelo símbolo “@” (figura 2).
Arquivos – são exibidos links das postagens mais recentes publicadas no site.
Chat – é o programa de comunicação instantânea do portal. Para acessá-lo é
necessário criar um cadastro na página com email, uma senha e um nome de
usuário. No site Índios Online, o serviço é normalmente frequentado por fundações
ou grupos interessados na temática indígena, além de estudantes que buscam
informações para trabalhos escolares. A página exibe também o número de usuários
conectados no chat. Elaborado pelo Livresoft, o serviço é semelhante à estrutura de
uma sala de bate papo digital comum (figura 3): uma janela lateral com a listagem
dos usuários, uma janela onde se escreve a mensagem e outra maior, onde aparece
todo o conteúdo da conversa.
Figura 2
Também é possível enviar emoticons (as “carinhas” animadas que ajudam a
expressar o que o usuário está sentindo, de forma bem humorada) e sinais sonoros
para chamar a atenção dos outros usuários. Além disso, existe a possibilidade de
compartilhar jogos com outros usuários, utilizar cores e fontes de texto
personalizadas e avatares, ilustrações que representam a figura do usuário dentro
do chat. O serviço conta ainda com um botão de registros, marcando as últimas
Página do Google Maps mostrando as aldeias onde estão presentes pontos do Índios Online: cada "@" marcada no mapa representa uma aldeia diferente (06 de outubro de 2010)
20
atividades do chat, e um link de ajuda com instruções (em inglês) de utilização dos
recursos do programa.
Quem somos – a página contém uma espécie de editorial, com explicando o
que é e quais os objetivos e as metas do projeto Índios Online.
Participe – uma espécie de convite para os indígenas ainda não incluídos na
rede Índios Online. Para o cadastro, é necessário apenas informar nome, email para
contato e a etnia, a “nação” a qual o indígena pertence.
Figura 3
Contato – espaço aberto para comunicação direta com a administração do
portal. Para isto é apenas necessário informar o nome e email para contato,
deixando a mensagem desejada.
Ainda no alto da página inicial, há um botão de busca onde o usuário pode
pesquisar um elemento desejado no conteúdo do site. Nos resultados da busca, são
exibidos integralmente artigos relacionados ao tema procurado. À esquerda da
página inicial, uma série de janelas/links levam a outros pontos ligados ao portal. De
cima para baixo, pode-se ver:
Janela do chat do portal Índios Online (06 de outubro de 2010)
21
Siga nosso Twitter – abre uma nova janela para o perfil no Twitter 4 (rede
social de que permite a troca de mensagens instantâneas curtas) do Índios Online
(figura 4). Atualmente o perfil do Índios Online, descrito por seus criadores como “um
portal de diálogo intercultural”, conta com 435 seguidores. No perfil do Twitter da
rede Índios Online são postadas algumas atualizações do portal, com as manchetes
e os links para cada texto publicado. O primeiro registro de atividade do perfil da
Índios Online no Twitter data do dia 5 de maio de 2010.
Figura 4
Imprima e difunda a petição! - clicando nesta caixa, o usuário é direcionado
para um link do site da Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do
Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (APOINME). A APOINME 5, sediada em
Olinda, Pernambuco (PE), integra 64 povos indígenas e atua em defesa dos direitos
e causas desses grupos: demarcação e identificação de terras; educação escolar
respeitando a cultura e tradições indígenas; assistência técnica e extensão rural
para as comunidades; respeito ao meio ambiente e uso consciente de recursos
naturais (APOINME, 2010). O link no portal da Índios Online redireciona para uma
4 http://twitter.com/indiosonline
5 http://www.apoinme.org.br/
Perfil na rede social de comunicação Twitter do portal Índios Online (06 de outubro de 2010)
22
página da APOINME, com um texto denominado “Campanha Opará – Povos
indígenas em defesa do rio São Francisco”. No artigo, a organização convoca os
povos indígenas a se manifestarem contra o trabalho de transposição do rio São
Francisco, operado pelo governo federal.
A obra - ainda não concluída totalmente - teria como objetivo irrigar as regiões
do nordeste e semi-árido brasileiros, mas o argumento da APOINME é de que o
projeto danifica o ecossistema às margens do rio (onde estão localizadas aldeias
indígenas) e o próprio São Francisco, além de não suprir as necessidades da
população instalada na região do semi-árido. A transposição do rio beneficiaria
apenas o agronegócio, latifundiários e empresas multinacionais com instalações na
região. Em documento publicado no mês de junho de 2010 no Blog do Planalto 6 –
site com informações gerais do governo mantido pela Presidência da República – o
presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirma que a previsão é de que o projeto seja
concluído no final de 2012, e a APOINME orienta a população a assinar uma petição
(disponível no site) contra o andamento do projeto, que posteriormente seria
encaminhada ao Supremo Tribunal Federal (STF).
No documento, a APOINME requere ao STF uma audiência pública dando
voz a especialistas na área do meio ambiente e ecologia, além dos residentes na
região afetada pelo trabalho de transposição, a fim de averiguar se os impactos
ambientais realmente têm ligação com a transposição do rio. Se comprovados os
danos ao ecossistema, o documento pede ainda que sejam aplicadas ações judiciais
referentes ao projeto. Além da versão digital, a instituição também orienta para que a
petição seja enviada via fax ou correio, disponibilizando cópias do documento para
download em cinco idiomas (português, alemão, francês, inglês e italiano). O foco
atual das reivindicações da APOINME é o prejuízo provocado pelo andamento das
obras do São Francisco, e informações gerais relativas ao tema estão publicadas no
site da organização.
Índio off- line? Você é a nossa Rede. Fique on! - o link redireciona para a
página de cadastro dos usuários indígenas (em Participe).
Novo chat no ar!!! Acesse aqui - redireciona para a página de login (entrada)
no chat, onde o usuário pode criar seu cadastro no bate papo (se ainda não possuir)
ou solicitar o reenvio de sua senha, caso se esqueça dela. Nesse caso, uma nova
6 http://blog.planalto.gov.br/
23
página solicita o nome utilizado pelo usuário no chat e seu endereço de email, para
onde a respectiva senha será enviada.
Indígenas Digitais – o filme - clicando na janela, o usuário é direcionado ao
site Indígenas Digitais 7. Nele, é possível assistir e saber mais detalhes sobre o
documentário Indígenas Digitais, com depoimentos de indígenas das nações
Tupinambá e Pataxó Hahahãe, da Bahia, Kariri-Xocó de Alagoas, Pankararu de
Pernambuco, Potiguara da Paraíba, Makuxi de Roraima e Bakairi de Mato Grosso. O
documentário foi produzido por indígenas e não indígenas integrantes da Thydewá,
além da empresa de capacitação e gerenciamento de projetos sociais, educacionais
e culturais Cardim Soluções Integradas, sediada em Salvador. Adiante detalharemos
com mais cuidado o projeto do documentário Indígenas Digitais.
Login - clicando no link dentro da caixa de cor verde, o usuário é direcionado
para o site da APOINME, citado anteriormente. Abaixo da caixa há outro link
também escrito Login, mas este serve para que aqueles cadastrados no site (através
da página Participe) tenham acesso à administração do portal, publicando seu
material no Índios Online.
Na página inicial do portal Índios Online também é possível visualizar a barra
Canal Celulares Indígenas Youtube. São vídeos produzidos pelos próprios
indígenas, com o uso de câmeras de aparelhos celulares, que também são
publicados na rede de compartilhamento de vídeos Youtube. Segundo Potyra Tê
Tupinambá, entre computadores, filmadoras e câmeras digitais os celulares são os
aparelhos mais comuns e utilizados pelos indígenas no dia a dia, justamente por
serem os de mais fácil transporte e praticidade. Os assuntos abordados são
variados: cultura, manifestações artísticas, opiniões, eventos, apresentação de
projetos realizados e dos integrantes da rede, até “tutoriais” que ensinam os demais
participantes da Índios Online a postar matérias no site principal da rede, por
exemplo. No portal Youtube é possível encontrar inclusive uma página exclusiva
criada pela rede Índios Online 8 (figura 5) com todos os vídeos produzidos pelo
grupo. Esse tipo de serviço é totalmente gratuito; para ter acesso a ele basta possuir
um endereço de email e criar uma conta no site.
No Canal somos informados de que ele foi criado no dia 28 de maio de 2009,
e até o último dia 07 de outubro tinha 70 vídeos publicados no total, que juntos foram
7 http://www.indigenasdigitais.org/
8 http://www.youtube.com/indiosonline
24
visualizados 15.173 vezes. A página da Índios Online no Youtube possuía 1223
acessos e 22 colaboradores, outros usuários do Youtube que podem se inscrever
para contribuir com o Canal na administração e em postagem de vídeos. Ao acessar
o site é possível aos demais usuários postar comentários nos vídeos, fazer
avaliações positivas ou negativas do conteúdo, pesquisar vídeos por ordem de
postagem no site, número de visualizações ou pela ordem dos melhor avaliados pelo
público. O usuário também pode recomendar e compartilhar os vídeos desejados
através de outras redes sociais, como Twitter, Orkut, blogs e mesmo por email.
Figura 5
É importante lembrar que, no caso da rede Youtube, a participação indígena
não se restringe apenas ao canal do portal Índios Online. Outros índios, a maioria
ligados de alguma forma ao projeto Índios Online, mantém canais com vídeos
próprios mostrando entrevistas com representantes indígenas, o cotidiano das
aldeias, eventos etc. É o caso de Graciela Guarani, de Dourados, Mato Grosso do
Sul (MS). A jovem, além de ser membro da equipe de gestão da Índios Online, faz
parte do grupo de representação socio-cultural Ação de Jovens Indígenas (AJI) de
sua cidade. Em sua página no Youtube 9, Graciela, que mantém o perfil desde
9 http://www.youtube.com/gracielaguarani
Página inicial do canal da Índios Online no portal Youtube (06 de outubro de 2010)
25
fevereiro de 2009, posta vídeos sobre manifestações e histórias que retratam o
cotidiano de sua aldeia.
O uso de aparelhos celulares para a produção de vídeos na rede Índios
Online passou a ser facilitado a partir do estabelecimento do projeto Celulares
Indígenas, em 2009. O programa, uma parceria com o programa Oi Futuro, ofereceu
oficinas de etnojornalismo, publicação digital, fotografia e vídeo para sete
representantes indígenas em janeiro do ano passado. A partir daí, esses agentes
puderam reproduzir e integrar todos os conceitos aprendidos aos demais integrantes
da rede. Foram distribuídos 60 aparelhos celulares para representantes indígenas
de 24 nações diferentes. Vídeos de poucos minutos até pequenos documentários,
como o filme Indígenas Digitais, que aprofundaremos adiante, foram produzidos
basicamente com o uso desses celulares.
Entre 2006 e 2007, também em parceria com o programa Oi Futuro, a
Thydewá criou dentro da rede Índios Online a proposta da comunidade colaborativa
de aprendizagem Arco Digital. A ideia do Arco Digital foi fornecer a indígenas de
todo o Brasil cursos de aprendizagem colaborativa através de um programa gratuito
de educação digital à distância, o Moodle 10. A metáfora do arco digital é associada
pelos próprios indígenas à figura do arco e flecha, ferramentas que simbolizam ao
mesmo tempo, caça (sustento) e arma (ataque e defesa). As novas tecnologias
representariam os mesmos significados da caça e da guerra no contexto da
sociedade informacional contemporânea.
No projeto Arco Digital foram oferecidas oficinas realizadas por facilitadores
igualmente atuantes nas áreas de saúde indígena, jornalismo étnico, educação,
cidadania e direitos, economia solidária e agrofloresta, voltadas para qualquer
indígena, sem nenhum custo e dentro do princípio colaborativo. O objetivo
impulsionador do Arco Digital foi a troca de ideias e reflexão sobre desenvolvimento,
cidadania, tecnologias de Informação e comunicação, bem como compartilhar
experiências, práticas e saberes. A partir da realidade dos povos indígenas, tomou-
se a iniciativa do diálogo (como forma de construção coletiva de conhecimento e
interação para a transformação) no qual os próprios índios são protagonistas
responsáveis por decidir o caminho de suas comunidades, lutando e seguindo por
melhores condições de vida. O incentivo constante à autonomia entre os indígenas,
rompendo os estereótipos em relação a esses povos enraizados dentro da
1 0
http://www.moodle.org
26
sociedade urbana e apresentando a real identidade e capacidade de independência
das comunidades e seus membros é um dos objetivos dessas iniciativas
desenvolvidas.
Numa espécie de reflexão integrada em rede, esses povos passam a refletir,
planejar, elaborar e executar suas próprias ações e projetos. No ano de 2008, com o
apoio do MinC, a Thydewá lançou a publicação @rco Digital com 3000 exemplares,
narrando as experiências dos integrantes da Índios Online dentro do Arco Digital. O
livro é descrito por seus organizadores como uma oportunidade de refletir sobre a
tecnologia, a realidade contemporânea dos povos indígenas e suas relações com as
novas tecnologias, rompendo possíveis preconceitos e ajudando a estender as
iniciativas do Arco Digital. O “criador” do Arco Digital, Nhenety Kariri-Xocó, descreve
deste modo o início das atividades no programa e seus objetivos:
Pela primeira vez, índios de comunidades distantes se encontravam num chat para dialogar sobre seus interesses... intercambiar ideias, experiências...se apoiar...pesquisam e projetam suas culturas publicando suas matérias no portal. Abrem espaços para divulgar suas visões com o objetivo de serem mais respeitados...dialogam com os internautas promovendo a paz... (NHENETY KARIRI-XOCÓ, 2007).
Nhenety ainda realça a importância do computador como ferramenta útil aos
povos indígenas:
Nós índios já estamos usando o computador como ferramenta de buscar soluções. O computador nos serve para escrever projetos ou cartas, que nos auxiliam para buscar melhorias na saúde, educação, sustentabilidade e tudo que se refere a nossa sobrevivência e desenvolvimento, servindo como um Arco e Flecha. O arco e flecha é um instrumento de defesa, de caça… Hoje em dia, um computador com internet também pode ser utilizado pelos índios como um instrumento de defesa e caça [...] Hoje em dia, também nos reunimos em grupo e através do computador e a Internet nós estudamos todas as possibilidades: os órgãos do governo e seus editais e suas leis, as agências de cooperação, os financiadores, os programas, os patrocínios de empresas, o mundo das parcerias...Preparamos nossos projetos e saímos na busca de concretizar nossa caçada. (Idem, 2007).
Para o índio online, ou “caçador eletrônico”, Nhenety recorda a necessidade
da prática no aprendizado do uso da informática. Com a Internet é possível descobrir
27
novas instituições, agências, empresas, como elas atuam... pesquisar na rede digital
para saber como se comunicar adequadamente, como atrair o “público” que se
quer. O fato do projeto Arco Digital não existir mais dentro da rede Índios Online não
significa que seus ideais, ações, práticas e projetos se perderam. As iniciativas e
propostas de reflexão e discussão levantadas pelo projeto continuam se propagando
por todas as vias da rede Índios Online, a cada nova geração que ingressa no
projeto, na produção de vídeos, textos e nos debates e discussões levantadas.
2.2 O que têm a dizer os Índios Online
O conteúdo do portal Índios Online, totalmente produzido pelos próprios
indígenas membros da rede, é marcado por um forte teor opinativo, muitas vezes em
tom de denúncia, e não há uma preocupação rígida em relação à linguagem formal,
organização da página, harmonia estrutural entre texto e fotos, quantidade de
caracteres etc. É visível a liberdade que os autores dos artigos publicados no Índios
Online têm não só na seleção e produção de todo o conteúdo publicado, mas
também para reproduzir sua opinião no texto, denunciar ou criticar o que julgar
necessário, e mesmo organizar o modo como será publicado no site (ordem das
imagens, fonte de texto) da maneira que considerar mais adequada e de fácil leitura
para o internauta.
O teor do material produzido e abordado no portal Índios Online demonstra
bem a força dessa proposta de reflexão, de autodescobrimento, a iniciativa que
conduz ao fortalecimento da cidadania, da representação social e cultural desses
grupos. Denúncias, artigos, opinião, material político, eventos, cotidiano das aldeias
indígenas: tudo isso atua em benefício da demarcação do espaço e inclusão desses
indígenas não só no campo geográfico, mas no ciberespaço, em todas as áreas da
sociedade, de forma independente, livre e realmente atuante. O portal Índios Online
pode ser visto como um canal sem restrições de comunicação dos indígenas de
qualquer lugar do país com toda a população, uma oportunidade de livre
manifestação de expressões.
Questões sobre demarcação e posse de terras, resistência de grupos
indígenas, preservação do meio ambiente, histórias de antepassados, novidades na
área de tecnologia e infra-estrutura para os índios, tudo isso ganha espaço para
28
abordagem no Índios Online. Tudo isso sempre com um tom crítico e de análise, que
direciona para a reflexão dos próprios leitores. Em relação ao assunto de posse de
terras e resistência indígena, por exemplo, ou mesmo denúncia de atitudes violentas
contra as comunidades indígenas, é possível notar que sempre se ressalta a postura
pacífica entre os índios, cujo interesse maior é sempre a defesa dos próprios direitos
da maneira mais justa e organizada possível. No artigo “Retomada Tupinambá – Na
comunidade Santana” (11 de outubro de 2010), assinado por Bruno Tupi, o rapaz
retrata a retomada dos indígenas Tupinambás daquela região a uma fazenda cuja
terra lhes seria de direito. Segundo relato do próprio Bruno:
Com o objetivo de reaver o que é nosso, e de maneira pacífica entramos na fazenda. Permanecemos ainda na fazenda, até o instante momento, e até agora graças ao nosso pai Tupã ainda não tivemos nenhum registro de conflito. Mas segundo o Administrador da FUNAI – Ilhéus – BA, a filha do Fazendeiro Juvenal que é o morador da fazenda retomada, foi informar a Polícia Federal, que nós estamos mantendo em cárcere privado, dois idosos hipertensos, mas isso não é um fato real, pois estamos abertos a diálogos pacíficos, pois não temos em mente maltratar ninguém, só apenas reaver o que é nosso e ampliar até porque essa fazenda se encontra dentro de nossa demarcação. Sendo assim reafirmamos mais uma vez, que essa retomada é pacífica, não queremos conflitos, só queremos o que é nosso de fato e se tem esses idosos com a gente é porque eles não tiveram tempo de se locomover ainda, e porque também não vamos colocar eles na rua de uma hora pra outra. Nesse instante estamos dentro da fazenda e se nosso pai Tupã permitir, nosso povo não sairá mais. Pois lá pertenceram os nossos ancestrais e agora pertenceram aos nossos herdeiros. (BRUNO TUPI, 2010).
A causa da retomada de terras pelos Tupinambás também é um bom
exemplo da utilização da Internet, da rede digital para divulgação de algum tipo de
mobilização popular. Neste caso, ela não se limita apenas ao que é publicado na
rede Índios Online. No blog Retomada Tupinambá 11 (figura 6) é possível fazer todo
um acompanhamento das atividades dos Tupinambás pela retomada de suas terras.
Textos, vídeos e fotos (a maior parte deles compartilhados com o portal Índios
Online) expõem depoimentos do cotidiano desses indígenas. Segundo o Retomada
Tupinambá, atualmente há cerca de 7000 Tupinambás no Brasil em um território
1 1
http://www.retomadatupinamba.blogspot.com/
29
reconhecido pela Fundação Nacional do Índio (FUNAI) de 47300 hectares, ao sul da
Bahia. No entanto nem todas essas áreas ainda foram demarcadas, e esta é a
principal luta atual dos indígenas.
Figura 6
Além da Índios Online, o Retomada Tupinambá ainda conta com sete
colaboradores oficiais e o apoio do projeto Fotografia Tupinambá. O programa nada
mais é do que oficinas de fotografia oferecidas aos indígenas Tupinambás da Bahia.
No site do Fotografia Tupinambá 12, é possível se informar sobre as oficinas já
realizadas, ver fotografias tiradas durante os eventos (com direito a galerias de fotos
tiradas pelos participantes) (figura 7) e também um vídeo, realizado pela equipe da
rede Índios Online em parceria com a produtora Petei Xe Rajy, sobre a pintura e o
artesanato praticado pelos Tupinambás. As fotos exibidas nas galerias são
hospedadas e visualizadas através de programas de distribuição e
compartilhamento gratuito de imagens, como o PicLens e o Flickr 13, de 2004. Para
utilizar o PicLens é necessário instalar uma das versões do programa em seu
computador, através de portais especializados em informática que oferecem esse
1 2
http://fotografiatupinamba.com/novo/ 1 3
http://www.flickr.com
Página inicial do blog Retomada Tupinambá (13 de outubro de 2010)
30
tipo de serviço. Já no Flickr basta fazer um cadastro no site indicado. O projeto
Fotografia Tupinambá ainda conta com a colaboração da Fundação Nacional de
Artes (Funarte), do MinC e da Petrobrás.
Figura 7
Em alguns casos, o apelo mais explícito à comunidade não indígena a favor
das causas desses grupos também se mostra presente. No texto intitulado “Área
retomada sofre ataque de pistoleiros na tarde de ontem” (08 de outubro de 2010),
assinado por Fábio Titiá em nome da comunidade Pataxó Hãhãhãe, é relatado um
ataque violento a indígenas ocupantes de uma fazenda em terras que seriam de sua
propriedade.
Os Pataxó Hãhãhãe estão determinados a permanecer na áreas, e pede a justiça possa agora fazer o seu papel, devolvendo as nossas terras. As fazendas que antes servia para criatório de gado, de hoje em diante acreditamos que ela possa servir para buscar a sustentabilidade de várias familias indígenas que vivem a margem da linha da pobreza. e assim evitaríamos que mais de nossa terra fosse destruída, já que foi comprovado desmatamento por parte dos fazendeiros. Os índios Pataxó Hãhãhãe, está cansado de esperá pela a justiça, que anda lenta como uma tartaruga. Enquanto as “autoridade retarda o julgamento de nossas terras” tem índios
Fotografia tirada durante oficina realizada pelo projeto Fotografia Tupinambá. Autor: Alessandro Tupinambá (13 de outubro de 2010)
31
morrendo assassinados. por falta de condições melhores para poder cuidar da saúde, de uma educação e alimentação de qualidade. Sendo que essas terras nos pertence temos prova, e a STF, continuam deixando o povo indígenas amingua. Através da rede indios online, levamos para a sociedade que nos ajude, a cobrar das autoridades desse país , que assuma a nossa causa com carinho e não permita mais que um pai de familias perca a sua vida nessa luta árdua e necessária. (FÁBIO TITIÁ, 2010).
O texto é um exemplo claro de como a rede Índios Online é vista e utilizada
como uma ponte de manifestação e contato entre os povos indígenas e a
comunidade em geral. E é uma estrada de duas vias, considerando que o internauta,
o público, também pode se comunicar de formas diversas com os autores do portal,
expressar sua opinião e suas ideias. A participação de indígenas e não-indígenas
nos comentários dos textos postados no site é constante, o que sinaliza um grande
comprometimento e interesse não só entre aqueles que já estão ingressos na rede
Índios Online, mas também da parte do público em geral. No artigo de Fábio Titiá,
por exemplo, são vistos os seguintes comentários:
Mauro Alessandro Zalcbergas – Salvador – BA - Estudante de Direito disse: sexta-feira, 08 de outubro de 2010 as 8:55 Diante de tal violência, procurem coletar o máximo de provas possíveis,como fotos dos carros, pistoleiros, placa dos carros, videos e testemunhas. Com todas essas provas em mãos, divulguem em todos os meios de comunicação, vamos fazer todo o Brasil saber quem são essas pessoas, mas somente com relatos não é suficientes, boas imagens são bem fortes e ajudam até nas decisões da justiça. Conseguindo boas imagens e fotos, vamos divulgar na internet e youtube, tenho certeza que a mobilização terá muita repercursão. ARATIMBÓ disse: sexta-feira, 08 de outubro de 2010 as 18:30 É UMA VERGONHA PARA AS AUTORIDADES O QUE ESTÁ ACONTECENDO, ELES FAZEM VISTA GROSSA QUE Ñ VER OS PISTOLEIROS É UMA TERRA SEM LEI. [...] SÓ PARA LEMBRAR A SOCIEDADE, QUE NA HISTORIA DE LUTA DO POVO PATAXÓ HÃ-HÃ-HÃE, NO DECORRER DO TEMPO ONDE FORAM MORTOS VÁRIAS LIDERANÇAS, ATÉ QUEM FIM ONTEM FOI UM BANDIDO PRA CADEIA O FAMOSO ”GILBERTO ALVES DE BRITO” ISSO DEPOIS DE MUITAS QUEIXAS NO MINISTÉRIO PUBLICO E NA POLICIA FEDERAL, DE ILHÉUS. [...] ESPERO QUE AS AUTORIDADES FAZ O SEU PAPEL QUE SEJAM
32
PROFICIONAIS, CHEGA DE IMPUNIDADE, VAMOS FAZER JUSTIÇA, VAMOS COLOCAR OS CULPADOS NA CADEIA. sebas disse: domingo, 10 de outubro de 2010 as 6:07 Hoje de manha recebei varios recados no meu celular… [...] o recado era: “A retomada foi invadida pelos pistoleros hoje pela manha, só quem esta na área são os homens, as mulheres foram obrigadas a sai. ESTA VENDO UMA GUERRA HORRIVEL, por favor entre em contato com a funai para ajudar no reforço, Yonana diretamente da retomada” Existe uma corrente para divulgar os acontecimentos diretamente da retomada… (ÍNDIOS ONLINE, 2010).
A presença constante dos comentários serve não apenas como uma forma de
intervenção dos leitores, dos outros integrantes no conteúdo abordado, mas também
como um meio de estímulo ao trabalho dos Índios Online. Ao final de cada texto,
junto com o nome e uma breve descrição do usuário, é exibido o número de artigos
já postados por ele (com um link que leva para uma listagem desses textos). No
caso de Juayran, por exemplo, que no dia 05 de outubro de 2010 apresentou o texto
“A beleza do Rio São Francisco” (figura 8), descrevendo o rio São Francisco e
destacando a necessidade de sua preservação, podem ser vistos os seguintes
comentários sobre a matéria:
seredser disse: quarta-feira, 06 de outubro de 2010 as 7:13 juayran sua materia é muito boa, nós temos o dever de presevar o nosso querido velho chico, por que como vc falou uma belesa como essa não passa despecebido por que o nosso rio é lindo demais. Josemar pires disse: quarta-feira, 06 de outubro de 2010 as 9:52 ola juayran , o são francisco apesar de tanta poluição ainda guarda suas belezas. (ÍNDIOS ONLINE, 2010).
33
Figura 8
Para Juayran, que até o momento registrava oito artigos publicados na rede
Índios Online, os comentários sobre seu trabalho podem manifestar não apenas o
interesse pelo assunto abordado, mas o incentivo para prosseguir suas experiências
e seguir cada vez mais atuante na rede Índios Online, além de estender sua voz,
sua atividade para outras redes digitais de raiz indígena e não-indígena. Enfim,
buscar oportunidades de atuação e representação na Internet, na sociedade digital,
através da comunicação.
Ainda em relação aos conteúdos observados nas matérias do Índios Online,
percebe-se de que modo práticas culturais, religiosas, tendências e mesmo vícios
antes considerados “não-indígenas” hoje se encontram inseridos, de alguma forma,
no cotidiano desses grupos de forma bastante natural. Não estamos nos referindo
apenas ao uso da Internet e da inclusão digital nessas tribos, mas de influências
relativas ao consumo em geral e mesmo à religião. Um exemplo interessante é o
texto publicado por Hemerson Pataxó no dia 27 de setembro de 2010, “Um dia sem
drogas”. Na matéria Hemerson destaca um seminário, organizado pelas próprias
instituições indígenas na cidade de Pau Brasil (BA), abordando os malefícios do
consumo de drogas em geral.
Página do artigo "A beleza do Rio São Francisco", publicado por Juayran (11 de outubro de 2010)
34
O encontro contou com a presença de representantes indígenas da FUNASA
e psicólogos, além de depoimentos de índios ex-usuários de drogas. A matéria de
Hemerson Pataxó é só um exemplo de como as influências nascentes no centro das
sociedades urbanas tem afetado essas comunidades, tanto para o bem quanto para
o mal. Essa tendência é natural e praticamente inevitável, com a expansão da
globalização e a introdução cada vez mais profunda dos povos indígenas na
sociedade e no ciberespaço. A preocupação, no entanto, é de se saber selecionar
quais influências podem ser negativas ou positivas, usá-las com moderação
estabelecendo cada um seus devidos limites, e tomando iniciativas para repelir
aquilo de negativo que possa se aproximar. Trata-se de uma questão de
conscientização e bom senso que deveria estar presente e ser estimulada não só
entre os povos indígenas, mas em toda a sociedade.
Outro ponto de miscigenação visível dentro da cultura indígena, e cujo teor
fica claro no contexto das matérias publicadas no Índios Online diz respeito à
religião. A inserção dos costumes das igrejas cristãs na cultura indígena é assunto
de bastante relevância e conflito para esses povos. Apesar da diversidade religiosa
presente entre as comunidades indígenas atuais, existe um grande esforço para que
sejam preservadas e respeitadas as tradições de culto de seus antepassados.
Embora exista espaço para manifestações de fé católica e evangélica dentro das
aldeias, para muitos índios algumas dessas igrejas ameaçam as tradições,
estruturas e direitos naturais dos povos indígenas.
O desejo de preservação do patrimônio natural e passado histórico são
marcantes na discussão da cultura religiosa indígena. O ponto de equilíbrio seria
conciliar a liberdade de culto cristão (daqueles que realmente desejarem seguir este
caminho) sem desvalorizar os valores, cultos e tradições históricas indígenas. A
consciência crítica contra a simples imposição de tradições religiosas, sociais e
culturais, a liberdade de culto sem ameaças nem preconceitos: este é o padrão
buscado pela maioria dos representantes indígenas. As igrejas católica e evangélica
normalmente são criticadas por tentarem afastar os povos das aldeias de suas
crenças, valores e ideais tradicionais, o que é visto como abuso pelos indígenas.
Portanto, além do respeito e tolerância por parte das instituições religiosas, é
necessário estimular nos índios essa reflexão e visão crítica sobre os valores,
ideologias e crenças que lhes são apresentados.
35
A preservação dos hábitos e tradições indígenas é tema de muitos artigos,
além de depoimentos e opiniões de vida dos próprios índios. No caso do texto de Fa
Tupinambá, autora de “Pintura Tupinambá” (22 de setembro de 2010), a arte da
pintura corporal indígena é mostrada como uma prova de resistência e
representação deste povo que se mantém viva através dos tempos:
Para nós Tupinambá a pintura é de muita importância, pois é uma forma de nos afirmamos como uma comunidade indígena, por conta que é uma pintura unica de nosso povo, fortalecendo assim nossa identidade étnica. Nossa pintura tanto a corporal como as diversas outras pinturas, que pertence ao nosso povo é repassada de pai para filho, e tem diversos significados que vai desde a pintura para guerrear até a pintura de festa. As tintas para pintura corporal é feita de jenipapo ainda verde, onde ralamos e esprememos para extrair o caldo do fruto, desse caldo misturamos com carvão para que ele fique mais escuro. A tinta do jenipapo demora em media 15 dias para sair do corpo, mesmo agente lavando e escovando bem a pele, a permanecia da tinta em nossa pele é a mesma. [...] é de costume da maioria dos índios se pintarem, assim quando estivermos na caminhada nos mostramos com uma cultura forte e resistente. Que mesmo depois de varias repressões, massacres e discriminações, o nosso povo se fortalece cada vez mais e mais, e a quem dizia que o povo Tupinambá era um povo extinto, estamos aqui para mostrar que não, e que somos um povo forte e resistente, com uma cultura forte e com pinturas lindas e expressivas. (FÁ TUPINAMBÁ, 2010).
Além da arte e da cultura, manifestos, depoimentos e relatos de experiências
de vida também compõem o material da rede Índios Online. Texto publicado em
nome de Seu Gino, em julho de 2005, é um bom exemplo do registro histórico das
memórias das tribos indígenas; intitulado “Nossos avós levantavam cedo”, o artigo
traz uma visão crítica e pessoal da história da colonização e da atual situação
indígena. A tristeza pela exploração do passado e o desejo de um futuro melhor são
as marcas do pensamento expresso por Seu Gino:
Nossos avós levantavam cedo, pegavam seus arquinhos e iam para o mato. Matavam um nambu, um preá, um tatu, viviam comendo batatas do mato, tipã, gravitaia, agisaia, salbu (fruta selvagem), mandaunhão, não trabalhavam que nem hoje. Ele vivia do mato, caçando seus inhames. Depois o branco tomou conta, desmatou a floresta, aí o índio não teve como viver mais. Eles foram tomando as terras do índio, dizendo assim: “Índio vamos trocar essa terra por uma cabeça de animal!”.
36
Depois o branco pegava a terra e dava só a cabeça do animal, não era um animal inteiro, se aproveitava da fome para enganar e pouco a pouco ia tirando nossas terras. [...] Os costume da gente é a parte da Natureza que Deus deixou aqui na terra e nós não podemos trocar essa sabedoria pela sabedoria do branco. Não podemos só estudar e esquecer nossos costumes. O branco quer que a gente esqueça até o nome de Deus, porque nosso direito é levantar e dar benção ao pai e a mãe, isso para o pai lembrar o nome de Deus todo dia. O estudo trás bom dia pai, bom dia mãe e faz esquecer o nome de Deus. Aqui na terra estamos todos juntos, com um Deus só. Nós temos que ser todos por um e um por todos. Nós temos que seguir um caminho. Estamos na beira do abismo, sem promessas para o futuro, muitas pessoas fazendo as coisas erradas, saindo do caminho. Nós temos que conversar, sentar juntos e combinar as coisas. (SEU GINO, 2005).
Manifestos de necessidade de luta, mobilização e atuação indígena, como o
artigo “Vida de Guerreiro”, assinado por Seredser em 07 de outubro de 2010,
também representam o apelo dos indígenas na necessidade de manter suas
culturas, raízes e objetivos, sem se deixar corromper por outros valores ou
ideologias que não sejam positivas.
Desde que o Brasil foi descoberto que nós índios viemos lutando, lutando contra a escravidão, lutando pela democracia, lutando por uma vida melhor. Hoje que estamos totalmente civilizados, temos lutado pelos o que tiraram da nós,o que é nosso por direito, que é a nossa língua e o que é mais importante as nossas terras, quem é que não quer ter o seu pedaço de terra para criar o seu gado, para plantar legumes, fazer sua casinha e morar com sua família, fazer uma roda de toré todas as noite e repassar sua cultura. Guerreiro que é guerreiro luta pelos seus objetivos, luta para que eles nunca venham desaparecer, cultiva os seus costume, acredita que um dia vai vencer, nós podemos perde a batalha mais a guerra nós nunca perdemos, por que quem acredita em Deus enfrenta vários obstáculos mais no final sempre vence. (SEREDSER, 2010).
Além de depoimentos, denúncias e cenas do cotidiano das aldeias indígenas,
o Índios Online também procura dar destaque a todo assunto relativo à inclusão e
investimento digital entre os indígenas. Esse tipo de iniciativa também é ressaltada,
justamente para estimular e mostrar que é possível a realização desse tipo de
projeto. Vale lembrar que, estruturalmente, parte da estratégia de divulgação e
37
multiplicação do material publicado no portal Índios Online inclui as funções de
impressão e divulgação por email das matérias publicadas, representadas por
ícones dentro da própria página de texto, contribuindo assim para a expansão e
divulgação desses conteúdos para públicos mais amplos. Para facilitar a navegação
do internauta, cada página de texto também inclui links diretos para o último artigo
publicado anteriormente e o que tenha sido publicado depois.
Um marco importante para o trabalho dos integrantes da rede Índios Online
foi a representação nos anos de 2009 e 2010 no Campus Party Brasil, evento
realizado anualmente em São Paulo desde 2008. A exposição, realizada no mês de
janeiro, reúne novidades, grupos, palestras, debates, oficinas, tudo relacionado à
Internet ou às novas tecnologias. Nas duas edições em que participou do evento, o
Índios Online manteve um estande próprio com exibição de vídeos, materiais e
conteúdo sobre o projeto. Durante os dias do evento, é feita uma cobertura diária,
pelos próprios indígenas, de tudo o que acontece por ali, além de suas impressões
particulares de tudo o que foi apresentado. No ano de 2009, por exemplo, quando o
Campus Party deu destaque especial às mídias digitais móveis, o Índios Online
aproveitou para promover a iniciativa Celulares Indígenas, além de apresentar
palestras e entrevistas sobre o tema. Naquele ano foram ao Campus Party sete
integrantes da Índios Online, seis da Bahia e um da Paraíba. A viagem e a estadia
em São Paulo, no período do evento, foi concedida pela própria organização do
Campus Party e pelo MinC.
2.3 A presença indígena na Internet
O portal Índios Online, que de abril de 2004 até o dia 11 de outubro de 2010
registrara 1.866.860 acessos, é considerado uma inovação entre os meios de
comunicação digital feitos por e para os povos indígenas, pois ao contrário de outras
tentativas postas em prática anteriormente, o site permite o uso e associação de
ferramentas colaborativas, onde qualquer usuário de postar, enviar informações ou
colaborar, numa integração até então não experimentada na comunicação entre
indígenas (PEREIRA, 2008). A presença indígena na Internet, embora relativamente
pouco expressiva, tem se mostrado cada vez mais crescente, especialmente no
Brasil. Em levantamento realizado no mês de setembro de 2008 por Eliete da Silva
38
Pereira foi calculado um total de 39 sites brasileiros voltados para o público
indígena, alguns infelizmente até já desativados.
No Brasil, os primeiros registros de participação indígena na Internet datam
de 2001, e de lá para cá essas manifestações se multiplicaram em sites, blogs,
comunidades virtuais e portais. O portal, como é o caso da rede Índios Online, se
difere dos sites comuns exatamente pelas múltiplas funções e possibilidades de
interatividade e comunicação entre usuário e produtor de informação que oferece.
Os participantes da rede podem se comunicar de qualquer distância em tempo real
(via chat, por exemplo) e pela troca de mensagens e comentários simples. Segundo
os dados da pesquisa de Pereira a presença indígena na Internet pode ser escalada
do seguinte modo: 70,27% de sites; 27,02% de blogs e 2,70% de portais,
equivalente à rede Índios Online. Desses, 56,7% utilizavam serviços de hospedagem
de sites gratuitos e 43,25% domínios de sites pagos.
No total são 48,64% dos sites em plena atividade e atualização, embora esta
seja uma tendência crescente. Em 2008, 70,27% dos sites exploravam recursos de
interatividade. A Internet se tornou um importante ambiente interétnico e de
(re)formulação étnica não só para os indígenas, mas para todos os povos muitas
vezes considerados “excluídos”, à margem do contexto social. 62,71% dos sites e
portais de atuação indígena no Brasil são gerenciados por organizações derivadas
das próprias aldeias, de abrangência nacional, regional ou local. Isso demonstra o
quanto o ambiente digital tem sido visto e desenvolvido como meio propício à luta
por direitos, instrumento de reivindicações políticas e visibilidade étnica perante a
sociedade global.
Aos poucos, essas organizações se aperfeiçoam no serviço de gestão de
informação e boa utilização dos recursos disponibilizados, criando mais experiência
e tomando consciência de como a comunicação pode servir positivamente aos
movimentos sociais. A atuação indígena na Internet, como vimos no exemplo do
projeto Arco Digital, vem associada a outras iniciativas de políticas públicas em
áreas como a saúde, educação, conscientização ambiental e uso de informática.
Portanto, é válido dizer que a inclusão digital nas aldeias reflete em benefícios e
desenvolvimento para toda a comunidade, que consequentemente propiciam o
incremento da experiência indígena na Internet. O protagonismo indígena
identificável nos sites, portais e mesmo em redes sociais de relacionamentos (como
o Twitter e em comunidades virtuais do Orkut) permite que esses indivíduos
39
exerçam sua cidadania de forma mais atuante, ativa e consciente: fiscalização da
gestão pública de recursos destinados às populações indígenas, denúncias contra
violação de direitos indígenas, articulações de apoio entre povos indígenas e não
indígenas para ações específicas em rede, direito à voz e acesso ao conhecimento.
Observa-se um amadurecimento constante do movimento indígena e
crescimento no número e na diversidade de organizações nativas, dirigidas pelos
próprios índios, que buscam cada vez mais participar na formulação e execução das
políticas para os povos indígenas. Além disso, organizações não-governamentais
(ONGs) têm aumentado sua participação na formulação e execução de políticas
indigenistas, função antes atribuída exclusivamente ao Estado brasileiro. A rede
digital é importante também como instrumento político para as tribos indígenas, pois
é um bom instrumento de reforço e difusão de ideias de identidade, o que aumenta a
responsabilidade das organizações indígenas em difundir ideias para a obtenção de
ações e conquistas políticas justas. Enfim, a rede digital abriu, como define Yakuy
Tupinambá, do Índios Online, novas possibilidades para a comunidade indígena em
todas as áreas:
A internet promoveu a abertura de horizontes – contrariando o pensamento de uma grande maioria interessada em nos manter amordaçados – trouxe-nos novos significados, sem que isso implique no abandono das nossas tradições. Devolvendo nossas vozes, que foram caladas por muito tempo, coberta pelas vozes dos que julgam especialistas. Conectar-se ao mundo através da internet é ter direito a ter um rosto, e fazer ouvir nossa voz é saber dos acontecimentos e interesses que envolvem toda a humanidade. Através desse mecanismo tecnológico conseguimos perceber uma janela para o mundo, a tão sonhada inclusão dos Povos Indígenas, como sociedade fundamentada, negada há décadas e décadas. (YAKUY TUPINAMBÁ, 2008).14
A presença indígena na Internet é importante não só para apresentar o
cotidiano dessas tribos a um público mais extenso, mas também para que as
comunidades possam redefinir e atualizar a imagem que tem deles mesmo, e a que
querem passar a outros usuários indígenas e não indígenas. Esse processo de auto-
1 4O depoimento de Yakuy Tupinambá foi extraído do artigo Ciborgues Indí[email protected]: entre a atuação nativa no
ciberespaço e as (re)elaborações étnicas indígenas digitais, de Eliete da Silva Pereira, publicado no ano de 2008.
40
representação resulta num processo de fortalecimento cultural, elevando a auto
confiança desses povos muitas vezes tão sufocados por estigmas e preconceitos. O
fortalecimento cultural é justamente o conjunto da prática representativa, da atuação
dos grupos indígenas na rede. A presença dos índios no ambiente de comunicação
digital mostra formas de compartilhamento de significados que rompem, pelo menos
em parte, a dependência desses indivíduos em relação a instituições
governamentais incumbidas de representá-los, oferecendo uma visão particular e
livre desses grupos.
A ação comunicativa na rede digital tem resultados no modo em que esses
grupos são vistos pela sociedade não indígena e no modo como eles mesmos se
veem e se definem em rede. Um dos resultados dessa expansão da participação e
representação indígena na rede digital é demonstrado ativamente através da rede
Grumin, de representação de mulheres indígenas. A rede Grumin surgiu oficialmente
no ano de 1987, e foi fundada por Eliane Potiguara em cima da experiência de vida
de sua avó, Maria de Lourdes de Souza, índia nascida na Paraíba cuja história é
marcada pela sobrevivência física, moral e étnica. Eliane ainda é conselheira do
Instituto Indígena de Propriedade Intelectual (Inbrapi) – órgão promotor da defesa de
bens e direitos relativos ao meio ambiente e ao patrimônio intelectual dos povos
indígenas - e coordenadora da Rede de Escritores Indígenas na Internet.
A Grumin atua basicamente na defesa dos direitos dos povos indígenas,
oferece projetos de capacitação e formação para mulheres em diversas áreas, atua
em parceria com diversas entidades de defesa do meio ambiente e movimentos
sociais, além de difundir informação sobre as ações do órgão através do portal
Grumin Online15 (figura 9). O Grumin dá prioridade e assistência a mulheres
indígenas ou afrodescendentes, de alguma forma excluídas socialmente. O site do
projeto Grumin, além de explicar as ações, objetivos, parceiros e iniciativas do
grupo, publica notícias referentes ao universo e às conquistas sociais, políticas e
culturais dos negros e indígenas, especialmente as mulheres, com espaço aberto
inclusive para comentários dos internautas.
Além dessas iniciativas, o Instituto Socioambiental (ISA), ONG criada em
1994 que incorpora o patrimônio do Programa Povos Indígenas no Brasil do Centro
Ecumênico de Documentação e Informação (PIB/Cedi), e o Núcleo de Direitos
Indígenas (NDI), do Ministério da Justiça, em Brasília, também têm desenvolvido
1 5
http://www.grumin.org.br/
41
trabalhos importantes na divulgação e preservação da cultura indígena. Todos esses
projetos estimulam e convergem para uma maior inserção e associação de todos os
grupos sociais considerados marginalizados ou não.
Figura 9
Cada um deles, a sua maneira, com os recursos e apoio disponíveis, são
exemplos de como a rede digital, a Internet, pode ser campo fértil na prática da
comunicação popular. Com estrutura material disponível e gerenciamento adequado,
é possível administrar e expandir um projeto de comunicação de qualidade voltado
às comunidades, sem dependências governamentais e empresariais que aprisionem
e restrinjam a prática comunicacional. E esse trabalho bem sucedido reflete em
conquistas para toda a comunidade, não só em relação à comunicação, mas em
vários âmbitos. Na interação com as modalidades de comunicação digital, o
protagonismo indígena assume formas criativas em que o diálogo intercultural não é
mediado por instituições indigenistas que antes eram as únicas mediadoras. Em
muitos momentos essa independência dessas instituições possibilita que os próprios
indígenas exponham suas críticas em relação às entidades governamentais que os
representam. Para os próprios indígenas, no exemplo da rede Índios Online, a
criação e desenvolvimento do projeto beneficia principalmente pelo intercâmbio
Página inicial do portal da rede Grumin (16 de outubro de 2010)
42
cultural, a troca de experiências entre os integrantes da rede. O que antes só podia
ser discutido, debatido e compartilhado através de encontros pessoais, de forma
muito limitada, a Internet ajudou a transformar para melhor.
A Internet propicia um trabalho autônomo de comunicação e a não-
interferência de instituições e órgãos majoritários, que poderiam acabar “desviando”
o foco das necessidades e anseios dos povos indígenas também é vista como um
ponto positivo oferecido pelo ambiente da rede digital. Pela conexão e interação via
Internet os povos indígenas divulgam seus valores e pontos de vista para o mundo
formando redes de apoio, conhecendo pessoas, construindo relacionamentos e se
fazendo presentes além das aldeias e espaços territoriais demarcados. Como
explica Yakuy Tupinambá:
Novas realidades são construídas, sem que isso implique abandono de nossas tradições. Toda a sociedade se move, se expande, enquanto a nossa tem que permanecer fixa, imutável, para atender à necessidade de uma saudade da tradição? Tradições são sistemas intelectuais dinâmicos capazes de mudar... conectar-se ao mundo através da Internet é ter direito a ter um rosto e mostrar nossa voz. É saber dos acontecimentos e interesses que envolvem toda a humanidade. Fazemos parte desse contexto. (Idem, 2008).
Em artigo publicado por Rodrigo Diego dos Santos (Rodrigo Makuxi) no dia 29
de setembro de 2010, integrantes da rede expõem suas opiniões em relação ao
trabalho do Índios Online como um movimento social indígena e as parcerias futuras
(ou já realizadas) com organizações de iniciativas semelhantes dispostas a ajudar
de alguma forma (principalmente na questão estrutural) no desenvolvimento da rede:
RODRIGO MAKUXI - 'Quanto mais parcerias tivermos dos nossos parentes será muito melhor, pois é nelas que estão e saem as demandas do que realmente acontecem em nossas aldeias e comunidades indigenas. E nisso também ajudara a ficarmos muito mais autonomos contando com o apoio de cada uma delas. E rede ajudara a circula as necessidades e outros parentes puderam dar ideias. E sobre a reflexão acho que não diretamente mas a Rede Indios Online é sim movimento que esta se repercutindo no brasil.' ALEX MAKUXI - 'Somos sim um movimento social indígenas. E isso está nas petições on line que fazemos. No apoio, quando fazemos matérias sobre o que acontece nas aldeias e nos estados. Mais de certa forma também estamos distantes. E acredito que com essa parceria podemos sim estar cada dia mais presentes nos movimentos sociais indígenas, e da
43
mesma forma que contribuimos com cada uma elas também contribuem com a rede' FABIO TITIÁ - 'para que serve o indios online se não poder ajudar o seu povo. Para que servem a internet para nós classe em grande parte excluida, vivendo em situações desumana, se não for para mostrarmos a realidade e buscar ajuda pelo o mundo afora, que tem senso de justiça. Indios Online, é preciso que nos fortalecemos para ajudar o nosso povo no momento certo, ou seja está presente na hora certa seja fisico ou em espirito. A nossa rede está sendo motivada a fazer de fato o papel de um índio online. Parabens parentes todos são felizes nos seus texto, bola para frente, rumo em defesa de nossos direitos.' (SANTOS, 2010)
Pelos depoimentos apresentados, é possível avaliar a relevância que o canal
Índios Online tem como ferramenta de comunicação e desenvolvimento geral das
comunidades para os povos indígenas. As parcerias com instituições de interesses e
objetivos semelhantes ajudam na expansão dessas redes, contribuindo para uma
independência maior e atividade mais eficiente. A iniciativa do projeto Índios Online
também ajuda a aproximar essas pessoas e organizações, muitas vezes
geograficamente distantes, levando mais eficiência ao trabalho da rede. A Internet
representa uma voz para os povos indígenas, uma forma de serem incluídos e
expressarem sua diferença, possibilidade de auto representação sem a mediação de
nenhuma instituição. As transformações culturais desde o período colonial,
passando pelo etnocídio e esquemas de assimilação e mistura, até as mudanças
sofridas durante esses processos não provocaram uma perda ou desaparecimento
das referências étnicas indígenas por esses sujeitos e grupos.
A luta dos indígenas pelo direito à assistência e demarcação de terras passa
pela intermediação comunicativa, seja na divulgação de denúncias e reivindicações
por meio da rede, seja pelo contato com pessoas e apoiadores envolvidos com a
questão indígena. A rede digital serve como um recurso essencial para auto
desenvolvimento dos povos indígenas participantes, ávidos em buscar novos
caminhos com o estudo de formas alternativas de sustentabilidade. A Internet atesta
uma permanente e ativa presença indígena, num contexto muitas vezes de
invisibilidade étnica por parte do próprio Estado. Ainda há o que se fazer no sentido
da inclusão indígena no uso das tecnologias digitais, como lembra Potyra Tê
Tupinambá: “Este mundo (das tecnologias) já está presente em nossas
comunidades. No Brasil existem duas realidades indígenas distantes. Os índios da
44
Amazônia estão, de fato, mais isolados. Mas no restante do país estamos muito
próximos da urbanidade” (INDÍGENAS DIGITAIS, 2010). 16 Porém a atual presença
indígena na Internet, cujo principal expoente é a rede Índios Online, mostra que com
investimento estrutural adequado (incluindo incentivos por parte do próprio governo
ou de outras organizações) e boas iniciativas de criação e participação é possível
expandir e aprofundar espaços comunicacionais e de convivência social não só
entre os povos indígenas, mas para todos os grupos comunitários de alguma forma
excluídos socialmente.
A presença indígena na Internet representa a capacidade de se integrar
diferentes pontos de vista nesse novo espaço social que promove uma nova
sociabilidade, interativa e flexível, movida por fluxos comunicativos. As ações dos
sujeitos e movimentos sociais em geral incorporam as transformações
comunicativas da sociedade, organizadas e amplificadas na rede e na virtualidade.
Essa sociabilidade na rede promove novas espacialidades públicas. Novas formas
de interação social com a Internet têm como base a própria noção de comunidade,
já existente no cotidiano. As relações digitais afetam diretamente as configurações
dos relacionamentos do dia a dia: os sistemas informativos e a circulação de
informações em tempo real transformam continuamente os cenários sociais, dando
novo significado a práticas e atuações. E este é um processo cujos limites ainda são
desconhecidos, considerando que a cada geração novas potencialidades e
utilidades para a Internet na comunicação e na sociedade vão surgindo, sem um
limite de alcance muito definido.
1 6
Depoimento extraído do documentário Indígenas Digitais, lançado no início de 2010.
45
CAPÍTULO 3
A COMUNICAÇÃO COMUNITÁRIA NA INTERNET
A prática da comunicação comunitária vem desde suas origens, a partir dos
movimentos sociais da década de 1970, como um contraponto às mídias
empresariais, meio de resistência e de manifestação desses grupos. A comunicação
comunitária é uma das denominações para comunicação popular, participativa,
horizontal ou alternativa, entre outras expressões, para se referir ao processo
comunicativo levado a efeito por movimentos sociais populares e organizações sem
fins lucrativos da sociedade civil (PERUZZO, 2008). Ainda hoje ela tem como uma
de suas mais marcantes características os relacionamentos baseados na coesão,
convergência de objetivos e de visão de mundo, interação, sentimento de pertença,
participação ativa, compartilhamento de identidades culturais, co-responsabilidade e
caráter cooperativo. Como recorda Peruzzo:
A história dos movimentos sociais populares revela que uma carência, num primeiro momento sentida individualmente, pode vir a contribuir para uma ação conjunta, num processo de transição da consciência-organização-articulação-ação para uma demanda coletiva. A satisfação de certas necessidades passa de sua apreensão enquanto direitos individuais para sua compreensão com direitos da pessoa humana e de todos os que estão na mesma situação. (PERUZZO, 1998, p. 61).
É importante lembrar que, embora a autora em questão defina os conceitos
de comunicação popular e comunitária praticamente como sinônimos, uma análise
mais aprofundada aponta especificidades de cunho ideológico e mesmo na atividade
prática referente aos termos apresentados. A comunicação popular, por exemplo,
tem relação direta com os conceitos de cultura popular e multidisciplinaridade
(PEREIRA, L. H., 2008). Isso porque ela se baseia nas experiências de vida dos
grupos sociais, suas diversidades, anseios e necessidades. Considera-se também o
fato de que muitas vezes a expressão “comunicação popular” acaba sendo
apropriada pelos grandes meios de comunicação, definindo uma espécie de
comunicação voltada diretamente à comunidade, embora praticada por empresas de
mídia comerciais.
46
Neste caso, o termo se distancia muito do conceito original de comunicação
comunitária definido por Peruzzo, que tem o povo como principal protagonista da
ação comunicativa. E na prática este seria o mais relevante diferencial entre as duas
expressões. A comunicação comunitária é desenvolvida como experiência
comunicativa e prática social dentro de uma comunidade promovendo a manutenção
da cidadania através de práticas participativas. Os integrantes da comunidade,
participantes ativos de todas as etapas processuais dessas experiências, passam a
construir uma nova sociabilidade de certo modo fortalecendo e alimentando a
disputa pela hegemonia (contra as grandes empresas, os monopólios de mídia) no
campo da comunicação (MIANI, 2006).
Não só os movimentos sociais, mas também as Organizações Não-
Governamentais (ONGs), centros e institutos de assessoria e educação popular,
enfim, qualquer instituição sem ligação empresarial ou governamental está aberta a
utilizar os meios de comunicação de forma alternativa como força de manifestação e
protesto. Normalmente esses meios alternativos e comunitários atuam como forma
de denúncia, articulação social, conscientização e divulgação de conteúdo sobre o
cotidiano de determinados grupos, que muitas vezes não recebem a devida atenção
das grandes mídias.
No meio desses movimentos populares são desenvolvidos valores de
igualdade, luta pelos direitos, democracia, autonomia e solidariedade. Os integrantes
de um grupo podem compartilhar carências e necessidades semelhantes, embora
sejam seres individuais, com históricos de vida e interesses particulares. Nas
experiências de caráter popular-comunitário, a finalidade, em última instância, é
favorecer a autoemancipação humana e contribuir para a melhoria das condições de
existência das populações empobrecidas, a fim de reduzir a pobreza, discriminação,
violência etc, avançando na equidade social e no respeito à diversidade cultural
(PERUZZO, 2008). A autora recorda que a prática da comunicação comunitária é
resultado dessa demanda dos movimentos e grupos sociais - um modo de
preencher suas necessidades - cuja atuação é normalmente voltada para a questão
da mudança social. A conquista do direito à comunicação serviria como uma espécie
de mecanismo facilitador das lutas pela conquista de direitos de cidadania.
A prática da comunicação comunitária, ao contrário dos grandes órgãos de
mídia, não se submete a interesses empresariais, sem buscar lucro econômico e
com interesses ideológicos e políticos firmes e bem apresentados, caso existam.
47
Fato é que as práticas de comunicação popular e comunitária, com o passar das
gerações, o desenvolvimento e expansão dos meios de comunicação e a
conscientização e crescimento dos próprios movimentos, passaram a ganhar cada
vez mais espaço em veículos impressos, radiofônicos, televisivos e mesmo nas
novas tecnologias digitais.
A comunicação comunitária é realizada de acordo com os recursos e
conforme as necessidades e a realidade sentida por cada grupo. Nela, os interesses
e objetivos de seus grupos criadores podem ser observados não só pelo conteúdo
produzido, mas também na forma como a informação é distribuída e apresentada ao
público. No caso do portal Índios Online, por exemplo, vemos que mais do que o fato
do material ser produzido diretamente pelos próprios indígenas, são relevantes as
formas de interação com o público externo e os recursos de mídia utilizados.
Entre as marcas da comunicação popular, comunitária e alternativa atual
estão a agregação de formas inovadoras de comunicação e a continuidade de
outras experiências de cunho comunitário e alternativo (PERUZZO, 2008). A partir
do início do século XXI, a comunicação comunitária começou aos poucos a
descobrir os meios digitais e suas potencialidades. A Internet e os meios digitais
proporcionaram uma possibilidade até pouco tempo atrás impensada: a de estender
seu conteúdo e sua produção para muito além de um limite geográfico restrito. Tudo
isso, como veremos mais adiante, de modo ágil, sem altos custos e explorando ao
máximo a interatividade, a relação com o próximo. Muitas vezes, como recorda
Cicília Peruzzo, os segmentos organizados das chamadas classes subalternas não
têm acesso a veículos para transmissão em rádio e TV, pois falta estrutura. Com a
expansão da rede digital e da inclusão digital – como os pontos de acesso à Internet
públicos e redes de conexão sem fio – tornou-se mais fácil e acessível produzir e
pesquisar conteúdos na rede.
Isso não significa que as iniciativas de comunicação comunitária não sejam
viáveis no rádio ou na TV, por exemplo. O fato é que pelo menos no Brasil o
incentivo quanto a esse tipo de meio de comunicação ainda é considerado um tanto
burocrático, e a falta de recursos também prejudica essas iniciativas. Peruzzo
recorda limitações como a baixa abrangência desses veículos, tanto no caso dos
impressos quanto das ondas de rádio e TV; a falta de uma formação adequada, uma
habilitação e prática no uso dos equipamentos necessários para esses tipos de
transmissões; a falta de estrutura física e financeira para manter esses projetos.
48
Além disso, a luta pela legalização – junto ao Ministério das Comunicações – dos
meios comunitários radiofônicos ainda é uma questão urgente e relevante.
Atualmente a demanda seria agregar as possibilidades comunicativas das novas
tecnologias sem desprezar os meios mais tradicionais.
Na comunicação comunitária o indivíduo participa ativamente de todas as
etapas do processo comunicativo, desde a produção de conteúdos até a gestão dos
meios. Em matéria de conteúdo é possível afirmar que o material produzido na
comunicação comunitária é marcado por um teor essencialmente crítico, sem deixar
de lado a preocupação em informar os fatos. Essa característica pode ser observada
de forma marcante no caso do portal Índios Online. Como define Cicília Peruzzo:
Julga-se a realidade concreta, local ou mais abrangente, tanto em nível de denúncia descritiva quanto de interpretação ou de opinião levantando reivindicações, apelando à organização e à mobilização popular, apontando para a necessidade de mudanças. Tudo isso mexe com a cultura, mesmo que não de forma predominante. Há na verdade incorporação de novos valores, ao mesmo tempo em que se reproduzem outros. (PERUZZO, 1998, p. 156).
A comunicação comunitária também exerce um importante papel social na
área de prestação de serviços públicos de interesse de uma determinada
comunidade, atendendo às suas principais demandas, além de servir como meio de
preservação da memória e da cultura de um grupo. Para Peruzzo, o avanço das
iniciativas em comunicação comunitária pode estimular cada vez mais atitudes
desse tipo: a comunicação popular, à medida que se ampliarem o número de rádios,
televisões e outros veículos a serviço da comunidade estará servindo cada vez mais
à democratização dos meios e do poder de comunicar desses grupos (PERUZZO,
1998). Embora ainda faltem, por parte do governo, políticas de regulamentação
específicas para os meios de comunicação comunitária – o cenário atual demonstra
repressão desses meios e indisponibilidade de recursos – a comunicação
comunitária cava espaços em busca de seu próprio espaço comunicativo, com todos
os recursos possíveis. O incentivo às práticas de comunicação comunitária também
poderia impulsionar uma postura social e política mais democrática, em todos os
sentidos.
Como define Giuseppa Sperillo, numa sociedade em que tecnologia e
velocidade se colocam em evidência nas dinâmicas sociais faz-se necessário pensar
49
uma nova comunicação nos meios populares (SPERILLO, 2004). A inclusão social
na produção de informação e comunicação seria, de certo modo, uma porta de
entrada para que esses grupos legitimem seus direitos de decisão, participação e
exercício da cidadania. O meio de comunicação escolhido por um determinado
grupo deve levar em conta as condições da comunidade, o tipo de interesse e sua
cultura. Para Adilson Cabral, a Internet se revela atualmente como um meio onde
existe uma possibilidade ativa de participação, a partir de sua capacidade de
articulação e convergência de mídias: textos, imagem e som.
O ciberespaço pode ser apresentado como uma alternativa propícia aos
meios de comunicação convencionais: um espaço aberto de representação e
comunicação independente para os indivíduos. A informação produzida em rede
normalmente não precisa ser submetida a interesses ideológicos externos,
empresariais ou cortes editoriais. Não há monopólio ou força maior que censure o
conteúdo veiculado na Internet (PRUDÊNCIO, 2003). Ela cria um via de mão dupla
na comunicação, pois permite que seus usuários sejam produtores e receptores
ativos de informação, ao mesmo tempo podendo divulgar sua mensagem por toda a
extensão da rede virtual. Foi basicamente essa característica da liberdade de
expressão, muitas vezes sem necessidade de mediações, e o alto grau de
interatividade que ajudaram a Internet a se popularizar, principalmente como palco
de redes sociais e meio de comunicação. A comunicação pela Internet é bastante
conveniente para as camadas populares, grupos e comunidades, pois ao contrário
dos meios de comunicação tradicionais não exige a reivindicação de espaços a
partir da luta pela aprovação de leis democráticas, visando a sustentação legal de
rádios e TVs comunitárias (CABRAL, 2004). Além, é claro, de ofertar mais recursos
do que qualquer outro instrumento de comunicação atualmente.
Em sociedades democráticas a Internet é livre de qualquer tipo de censura ou
domínio econômico e empresarial. A partir do momento em que se possui o material
necessário, qualquer informação lançada na Internet é disponível a todos. Portais e
sites de Internet oferecem serviços específicos que prometem agilizar e potencializar
a navegação na rede. As pessoas passam a atuar não apenas como receptoras,
mas como produtoras e difusoras de mensagens. Além de possibilitar a circulação
de mensagens independente de territórios geográficos, tempo, diferenças culturais e
de interesses econômicos, culturais ou políticos, a Internet altera o sistema
convencional de tratamento da informação ao permitir a produção de conteúdos e
50
sua transmissão, sem limites, por qualquer indivíduo. No entanto, ainda se faz
necessário estimular o uso da Internet entre os grupos comunitários como uma
ferramenta viável de comunicação para as massas.
A manipulação de softwares e arquivos se torna cada vez mais simples e
fácil. Atualmente a indústria da segurança e a própria legislação de direito criminal
têm buscado se adaptar às novas realidades e tecnologias, para impedir e julgar
possíveis fraudes e infrações eventualmente realizadas no campo digital. Adilson
Cabral lembra que, se por um lado esse desenvolvimento e massificação de
tecnologias pode ser identificado como parte de um sistema de produção
empresarial, é válido recordar que são os próprios usuários e programadores que
determinam as tendências de comportamento e utilização da rede. Como afirma o
autor
[...] o uso compartilhado de seus recursos (da rede), nos leva a crer que ao contrário dos meios de comunicação antecedentes, estar na Internet fazendo o uso cada vez mais amplo dela será cada vez mais uma atribuição de todos, do que uma casta de privilegiados ou mesmo de profissionais do setor, visto que tanto o público pode ser concebido como consumidor de produtos e serviços, como incentivador e realizador de projetos cooperativos. (CABRAL, 2004, p.278).
Basicamente, a Internet é um instrumento que permite a reprodução de
comportamentos e atitudes comuns do cotidiano no meio digital: as relações sociais
via rede digital de certa forma são uma espécie de reconfiguração das relações do
dia a dia, com normas de comportamento e estrutura diferentes. O ambiente de
interação, convivência e compartilhamento de informações digital, também
apresentado pelo filósofo Pierre Lévy como ciberespaço, é considerado o mais
inclusivo de todos os meios de comunicação. Para Dênis Moraes (2003) o
ciberespaço, mais do que permitir a livre expressão para seus usuários com um grau
de acesso à informação nunca visto antes, estimula os cidadãos a adotar uma
postura política e socialmente mais ativa e consciente.
É possível travar debates e discussões com profissionais de diversas áreas,
especialistas, figuras políticas etc. Trocar ideias com pessoas de qualquer lugar do
mundo, com interesses semelhantes ou divergentes. Essas discussões e contatos
em rede podem incentivar no cidadão o protagonismo político e social numa
comunidade do cotidiano. Por isso a importância de que todos, tanto o representante
51
da comunidade quanto o líder político descubram, compartilhem e interajam entre si
no meio virtual: para que um sinta a presença, interesse e atuação do outro,
podendo dialogar sobre os mais diversos assuntos e, desse modo, trocar
conhecimentos e também exercer cidadania.
Pessoas sem maior experiência ou conhecimento de programação podem
facilmente utilizar funções de busca de informações na Internet ou envio de
mensagens eletrônicas. Empresas e sites especializados oferecem informação e
estrutura que permitem a qualquer indivíduo criar uma página pessoal na Internet,
para publicação de todo tipo de conteúdo. A emergência desse ciberespaço,
segundo Pierre Lévy, é a representação do contraponto aos veículos de
comunicação de massa. A Internet se expandiu comercialmente no Brasil a partir da
década de 1990, superando as barreiras do universo acadêmico e se estendendo a
todos os setores da sociedade. E neste momento de revolução tecnológica e
ascensão de inclusão digital, embora muito ainda precise ser realizado, é que a
mídia digital se caracteriza como um dos meios mais promissores de comunicação
comunitária.
Enfim, é importante recordar que o texto, o conteúdo digital, exige que sejam
exercitadas novas habilidades pelo usuário. A questão é que o conteúdo antes
publicado apenas nos meios impressos, televisivos e radiofônicos precisa ser
adaptado para a Internet, para a tela do computador. A estrutura da página, do portal
da Internet, juntamente com seus links (ligações, interconexões entre páginas
diferentes) e recursos que facilitem a interação do usuário com o site, pode ser
definido como hipertexto. As informações, os links são bem amarrados, numa
estrutura não-linear, que oferece várias possibilidades e caminhos de leitura para o
usuário. O leitor pode criar o seu próprio percurso ao longo dos textos, retornando
ao ponto que desejar de forma fácil e quantas vezes quiser (BUGAY; ULBRICHT,
2000).
A história registra que o termo hipertexto foi utilizado pela primeira vez por
Ted Nelson, na década de 1960. Originalmente o termo designa o desejo de se
manter os pensamentos em estrutura multidimensional, e não sequencial. É o
hipertexto que faz com que a própria Internet seja concebida como uma rede, uma
teia infinita de informações que se interligam, com milhares de possibilidades de
navegação. Ícones ou botões que executam ações no hipertexto assim que clicados,
barras de rolagem de texto, que permitem a leitura de grandes extensões textuais de
52
forma prática na tela do computador, além dos links contidos em textos que
encaminham o usuário para outras páginas; todos esses recursos contribuem para
uma navegação mais agradável e maior interatividade entre site e usuário.
De acordo com Lúcia Leão (1999) o leitor cria sua própria trilha pelos
caminhos do hipertexto. Aqueles que programam e produzem conteúdo para a
Internet, especialmente os meios de comunicação, devem pensar e cuidar para uma
estrutura de hipertexto balanceada, que permita boa interatividade, seja atraente,
inovadora, prática e agradável ao leitor. Um documento, uma página construída de
forma clara e bem estruturada evita que o usuário se perca em meio a toda
informação disponibilizada, e assim perca também o interesse. O texto pensado
para a Internet deve, basicamente, priorizar a concisão, a clareza e a praticidade. O
usuário da rede deseja encontrar a informação que procura da forma mais ágil e
precisa possível, e a leitura é quase sempre feita de forma ágil (MARTIN, 1992).
A questão da inclusão digital, da democratização do acesso e capacitação
dos indivíduos ao uso da Internet e dos demais recursos de informática é um entrave
que, aos poucos, vem sendo superado. Com o surgimento crescente de programas
de computador de uso gratuito, pontos de acesso livre em escolas, bibliotecas e
locais públicos disponibilizados pelo próprio governo e o incentivo em projetos e
cursos gratuitos de aperfeiçoamento em informática (muitas vezes com ajuda de
recursos de empresas privadas) que promovem a acessibilidade e a inclusão, os
movimentos sociais encontram medidas propícias para utilizar esses recursos na
comunicação, sem perder seu foco e objetivo na cidadania. A necessidade é
despertar o interesse dos grupos, a consciência do potencial que a Internet pode
trazer não só como meio de expressão e representação, disseminação e
fortalecimento de elementos da própria cultura, mas de acesso a praticamente todo
tipo de conteúdo desejado e mesmo ainda desconhecido, enfim, de um meio de
comunicação realmente “revolucionário”.
Além disso, é importante buscar novas medidas de superação dos problemas
de falta de acesso e qualificação de indivíduos para a utilização básica da Internet.
Trata-se aí não apenas de uma questão de inclusão digital, mas de uma inserção
social, política e cultural entre os indivíduos de diferentes esferas sociais em um
novo meio comunicativo e de troca de experiências. Estimular enfim a
independência desses cidadãos em relação à Internet, para que eles possam utilizar
53
todos os recursos possíveis da rede na comunicação, expressão de ideias e
relacionamento com outros indivíduos.
54
CAPÍTULO 4
A WEB BRASIL INDÍGENA E O PROJETO ESPERANÇA DA TERRA
É importante lembrar que a atuação da rede Índios Online na Internet não se
limita somente ao portal Índios Online. Vimos anteriormente que muitos projetos
desenvolvidos por grupos indígenas, e hoje representados na rede digital, como o
Retomada Tupinambá e o projeto Grumin, tiveram para isto apoio e iniciativas de
membros da rede Índios Online. Além do portal Índios Online, já analisado, o projeto
também rendeu frutos mais diretos ao longo de sua trajetória, que por sua vez
ajudam a multiplicar e explicar a importância do uso da Internet e da interação no
ciberespaço para as comunidades indígenas. Destacaremos aqui as respectivas
iniciativas: o site Web Brasil Indígena, de 2007; o projeto Esperança da Terra, de
2009 e o documentário Indígenas Digitais, do início de 2010, todos sob orientação e
desenvolvimento da ONG Thydewá.
O Esperança da Terra17 (figura 10) é uma rede de compartilhamento de
informações, de culturas e diálogo entre os mais diversos grupos indígenas. O
programa busca dar apoio às práticas que incluem cruzamento de saberes,
cidadania, protagonismo indígena, juventude, eco-alfabetização, tecnologias de
informação e comunicação, bioconstrução, sustentabilidade, ciberativismo, cultura
de paz, intercâmbios, consciência planetária, plantas medicinais, agroflorestagem,
comunidade colaborativa de aprendizado, inteligência e diversidade. O projeto conta
com 300 membros cadastrados atualmente, e sua prioridade é justamente
compartilhar conhecimentos ligados ao meio ambiente e ao cotidiano indígena.
No total, são 12 grupos atualmente integrados no Esperança da Terra. Eles
atuam em áreas como liderança comunitária, trabalhos e iniciativas ligados a grupos
indígenas, ecologia e meio ambiente. O Esperança da Terra foi idealizado por
Sebastián Gerlic em 2007, mas a iniciativa só pode tomar forma a partir de 2009.
Além da Thydewá e Índios Online, o programa ainda conta com o apoio do MinC, do
programa Pontos de Cultura Viva, do GESAC e da Prefeitura Municipal de São José
da Vitória, na Bahia. Cada membro cadastrado na rede (o cadastro é feito
gratuitamente no site) tem uma porta aberta de comunicação e integração com os
demais participantes. É possível postar conteúdos no site, vídeos, fotos, e
1 7
http://esperancadaterra.ning.com/
55
compartilhar as informações publicadas através de email e redes de relacionamento
como Twitter e Facebook. O material, é claro, deve ser preferencialmente
relacionado à temática abordada pelo Esperança da Terra.
Figura 10
Cada membro mantém seu próprio perfil no site, onde pode publicar as
informações que desejar para que sejam acessadas pelos demais usuários. Há links
específicos para que o integrante convide outros membros, através de email, e
páginas organizadas pela ordem dos vídeos, fotos e textos já publicados no site. É
possível também divulgar eventos a serem realizados na sua região. Aos usuários
não cadastrados, também é livre a postagem de comentários sobre os conteúdos
publicados. Além disso, o portal do Esperança da Terra conta com um sistema de
bate papo (chat) simples, de estrutura semelhante ao modelo daquele incluído no
Índios Online: as caixas de texto, listagem de membros conectados, botão de
volume sonoro e emoticons que podem ser enviados. Também é possível visualizar
um mapa com localização para a cidade de São José da Vitória, “sede” do
Esperança da Terra.
Página inicial do portal do grupo Esperança da Terra (13 de outubro de 2010)
56
O projeto Web Brasil Indígena foi gestado ainda no início de 2007 por
Anápuáka Muniz Tupinambá Hãhãhãe, jornalista, programador e integrante da rede
Índios Online. Na época, ainda batizado como Web Rádio Brasil Indígena, o site
tinha estrutura e organização simples e servia como canal de divulgação de notícias
relativas aos direitos e mobilizações sociais dos povos indígenas, cidadania, cultura,
passado histórico, educação, além de iniciativas na área de comunicação e
desenvolvimento (digital ou não) em benefício dessas comunidades. Enfim, trata-se
de um canal de informação, prestação de serviços e especialmente de interatividade
para os grupos indígenas. Com mais de 300.000 acessos registrados, a Web Rádio
Brasil Indígena também incluía um canal de bate papo através do sistema gratuito
Skype 18, que uma vez instalado no computador permite a conversa instantânea via
áudio e vídeo com qualquer usuário também conectado no sistema.
A Web Rádio Brasil Indígena, assim como a rede Índios Online, também deu
importante destaque ao Campus Party 2009, evento no qual pode participar
diretamente. Foi aproximadamente nesse período, no final do ano de 2008, que o
site foi reformulado e ganhou o nome de Web Brasil Indígena que carrega até hoje.
Com a parceria da professora de artes visuais e paisagista Rosane Farias, o site foi
visual, estética e estruturalmente reformado, a fim de renovar e agilizar a estrutura e
acessibilidade do mesmo. Foram seis meses de preparação para a recriação do site,
segundo Anápuáka. Ele destaca o longo, porém satisfatório, trabalho de elaboração
do portal, cuja principal meta é justamente ser um canal de representatividade e
comunicação aos povos indígenas. O conceito da representação social,
fortalecimento da cultura tradicional, cidadania e justiça para os povos indígenas,
além de novas descobertas úteis ao desenvolvimento desses povos, em todos os
sentidos, permanecem fortes como bases do trabalho da Web Brasil Indígena:
Não nos interessa a nós veicular produtos culturais que não seja exclusivamente da visão de quem o faz ou pratica cotidianamente; e trabalhar acima de tudo em prol de uma sociedade mais humana, compreensiva e justa. Poder viabilizar encontros com nossas origens indígenas, mesmo que seja em 1%. Este conceito de “ninguendade” pode ser muito perverso pelo ponto de vista social e politico, ja que a miscigenação sucessiva leva a falta de pertencimento do indivíduo a um determinado grupo ou cultura. A veiculação desta cultura viva nos meios midiáticos nos possibilita um encontro de nossas origens, como também um processo de descobertas de
1 8
http://www.skype.com/intl/pt-br/home
57
questões relevantes ainda desconhecidas por falta de facilitadores na busca destes conteúdos. (Anápuáka Muniz Tupinambá, 2010). 19
A Web Brasil Indígena tem como meta a construção de uma rede social
colaborativa que gere conteúdo tecnológico comunitário, de conhecimento, cultural,
informativo e de compartilhamento com povos indígenas e não indígenas. A
capacitação e conscientização dos indígenas (e da comunidade em geral) para
utilização das novas tecnologias como meio de expressão livre, voltado por e para o
próprio cotidiano das aldeias e dos índios, também é objetivo central da rede. A Web
Brasil Indígena também incentiva a prática da produção de conteúdos em texto,
vídeo e fotos pelos indígenas; possibilita o resgate do patrimônio cultural e
informativo dessas etnias e a comunicação ampla com aldeias e indígenas de todo o
país.
Trata-se de mais uma iniciativa útil que habilita esses povos a difundirem suas
ideias, visões e cotidianos em um nível extremamente amplo, perpetuarem suas
culturas para novos públicos, enfim, alcançarem um universo comunicativo e
informacional praticamente ilimitado. Ainda no início, quando era a Web Rádio Brasil
Indígena, foi desenvolvido um projeto de integração de mídias indígenas por todo o
país, a Rádio Brasil Indígena transmitida via Internet. A ideia era que cada aldeia
conectada à Web Rádio, com condições de produzir material em áudio,
disponibilizasse o conteúdo para que este fosse incluído na grade da Rádio, gerando
assim uma mídia de alcance local e nacional produzida pelos próprios indígenas. No
entanto, por limitações técnicas e falta de equipamentos, o trabalho foi encerrado
sem data de retorno definida.
O portal da Web Brasil Indígena 20 (figura 11), além do trabalho de Anápuáka
e Rosane Farias, conta também com a colaboração de Poran Potiguara, (Paraíba),
Yawar Muniz Tupinambá Hãhãhãe, Arakatibé Tupinambá Hãhãhãe, Bekoy Pataxó
Hãhãhãe (Bahia), Xohã Karajá, Niara Fulni-ô (Rio de Janeiro) e Huru Kuntanawa
(Acre). Basicamente o conteúdo é todo voltado à divulgação e compartilhamento de
eventos, protestos, novidades em todas as áreas – da preservação do meio
ambiente aos novos canais de comunicação abertos – desde que o mesmo possa
ser de interesse da comunidade indígena e da sociedade em geral.
1 9
Depoimento recebido por email no dia 05 de outubro de 2010 2 0
http://www.webbrasilindigena.org/
58
É dado um destaque especial à representação da luta e resistência das
mulheres indígenas e ao cotidiano dos índios que necessitam residir ou trabalhar
nos grandes centros urbanos (inclusão social, permanência de valores,
discriminação e mesmo a abordagem que a sociedade possui e transmite para as
novas gerações sobre os povos e a cultura indígena). Além disso, conta também
com o canal TV Web Brasil Indígena, que nada mais é do que uma série de
programas (disponíveis para visualização segundo a escolha do internauta) de
temática indígena: seu cotidiano, suas culturas, tradições, manifestações, desafios,
meio ambiente etc.
Figura 11
Para Anápuáka, apesar dos esforços concentrados em torno da
administração e sustento da rede, ainda há muito que ser conquistado para que a
Web Brasil Indígena possa funcionar ativamente, 24 horas por dia. Novas parcerias
são buscadas para facilitar e aperfeiçoar essa tarefa. Outro problema é que algumas
aldeias indígenas ainda não têm disponibilidade para acesso constante à Internet.
Por isso mesmo é incentivado que cada um disponibilize uma parte de seu tempo
para colaborar no programa de desenvolvimento comunicativo. Àqueles que
Página inicial do portal da Web Brasil Indígena (13 de outubro de 2010)
59
puderem colaborar, a Web Brasil Indígena oferece inclusive capacitação para uso e
manipulação de ferramentas de informática e navegação na Internet.
São apenas alguns exemplos, diretamente mais ligados ao trabalho da rede
Índios Online, de como a rede digital pode ser usada como meio eficiente de
comunicação por e para as comunidades indígenas, em nível global. A possibilidade
de livre expressão, da pesquisa, do compartilhamento de informações, do
intercâmbio de culturas e experiências, tudo isso é facilitado a partir do momento em
que se tem acesso ao universo digital. Com um mínimo de habilitação técnica e
estrutura material, qualquer indivíduo torna-se um membro da rede ciberespacial,
fazendo dela o uso que julgar conveniente. Por esse motivo é importante a presença
não só de uma estrutura material adequada para o uso dessas ferramentas de
comunicação, mas de conscientização para o uso da rede, objetivos claros, éticos e
definidos, que de alguma forma representem a comunidade de modo positivo e
proporcionem benefícios ao sujeito e ao seu grupo.
Para Anápuáka, o trabalho da rede Web Brasil Indígena, apesar das
limitações, é positivo especialmente pelo fato do próprio portal se pautar em cima de
material e conteúdo confiável, originário de instituições e pessoas dedicadas e
engajadas no desenvolvimento da comunicação e da cultura indígenas. Além disso o
contato com outras etnias, com o objetivo de mostrar o quão fértil pode ser o
território digital para a articulação, presença e comunicação indígena, também é
visto como um passo para o progresso. Como lembra Anápuáka, “[...] esta terra
binária (a Internet) é de cada indígena e que todos possam utilizar o portal Web
Brasil Indígena para plantar suas reivindicações individuais e coletivas de cada etnia
que ele pertença ou venha a apoiar, já que somos um só povo com 270 culturas
distintas”. O objetivo final, a meta é de que todos tenham acesso e conscientização
do bom uso que podem fazer da rede digital como ferramenta de manutenção da
cidadania e comunicação.
4.1 O documentário Indígenas Digitais
Dentro dos resultados do trabalho de inclusão dos povos indígenas na
comunicação digital, encabeçado pela rede Índios Online e pela Thydewá, é
importante destacar o projeto do documentário Indígenas Digitais (figura 12). O
60
trabalho executado é curioso tanto em sua temática quanto em sua execução, pois,
além da otimização do uso de recursos digitais na produção do filme, Indígenas
Digitais procura mostrar, na visão dos próprios índios, como a Internet e ferramentas
como celulares, câmeras digitais e computadores têm sido importantes na busca de
melhorias para as aldeias e nas relações das mesmas com o mundo globalizado.
Produzido pela Thydewá e pela Cardim Soluções Integradas, com patrocínio do
governo da Bahia e da empresa de telecomunicações Oi, o filme de 26 minutos
(cortados de um total de 15 horas de material gravado) foi dirigido e filmado por
Sebastián Gerlic. Segundo ele a ideia do projeto surgiu em 2009, com a busca de
parcerias e o incentivo fiscal do projeto Fazcultura, de incentivo a prática e produção
de projetos culturais, financiado pelo governo da Bahia. Representantes das aldeias
indígenas, como Jaborandy Tupinambá e Fábio Baenã Hãhãhãe também tiveram
participação direta em todas as etapas de produção do filme, recebendo apoio
essencial das comunidades.
Filmado com câmeras full HD, com definição de alta qualidade, o curta-
metragem foi produzido com depoimentos de indígenas de várias nações, entre elas
Tupinambá e Pataxó Hãhãhãe, da Bahia; Kariri-Xocó do Alagoas; Pankararu de
Pernambuco; Makuxi de Roraima e Bakairi do Mato Grosso. As gravações
ocorreram entre os meses de janeiro e fevereiro de 2010. Homens, mulheres, idosos
e crianças, todos em meio a suas atividades cotidianas dentro das aldeias relatam a
importância que a Internet, assim como aparelhos celulares, câmeras e
computadores, tiveram em levar as novas tecnologias contemporâneas para mais
perto desses povos e, ao mesmo tempo, servindo como uma nova forma de
expressão para os grupos indígenas. A Internet é usada como forma de
comunicação, de protesto, manifestação e perpetuação dos valores e da cultura
indígena, além de ferramenta para se manter contato com outras culturas e
“parentes”, indígenas da mesma etnia que residam em aldeias de outras partes do
país.
61
Figura 12
Um meio de comunicação de uso relativamente simples: com orientação e
estrutura adequadas, tanto os mais velhos quanto as crianças indígenas podem
fazer uso do computador e navegar pela Internet. Como explica o índio Jaborandy
Tupinambá:
Indígena digital é aquele índio que se apropria da ferramenta e
faz o uso dela para ajudar a sua comunidade, para estar aproximando a sua comunidade, dar voz à sua comunidade, apresenta tudo o que acontece dentro da comunidade. Mas também tem o índio digital que incentiva aqueles mais antigos a usarem essas ferramentas, a estar aprendendo, que são os
Cartaz de divulgação da pré-estreia do documentário Indígenas Digitais em Salvador - BA (18 de outubro de 2010)
62
anciões, os mais velhos, que acham que essa tecnologia não é para eles. Esse também é um índio digital [...] Ele sabe a importância que é essa ferramenta dentro da nossa comunidade, ele sabe que nós vamos usar para apoiar a nossa causa, para fortalecer a nossa luta. (INDÍGENAS DIGITAIS, 2010). 21
No documentário, cada índio entrevistado é identificado por seu endereço de
email, dentro da rede Índios Online. Entre um e outro depoimento, as câmeras
mostram os próprios indígenas fotografando ou filmando os entrevistados e o
ambiente ao redor com aparelhos como filmadoras digitais e celulares. No
documentário, no relato dos índios, nota-se o interesse em integrar o uso, o
conhecimento e a habilidade com as novas tecnologias à luta pela defesa dos
interesses e direitos dos indígenas, prática da cidadania, interculturalidade e
inserção na sociedade. Os primeiros contatos com os computadores e a Internet, o
uso da rede como veículo de comunicação, manifestação e contato com autoridades
e serviços governamentais, o protesto e resistência pela posse e demarcação de
terras. Nas palavras da cacique Jampoty, uma das primeiras mulheres a conquistar
o posto de chefe de uma aldeia indígena:
O índio não tem que só estar na mata, caçando, pescando...já não existe mais uma mata para a gente caçar; já não existe mais peixe no rio para a gente pescar. Então a gente agora vai dizer ao mundo que os homens brancos, os grandes latifundiários, destruíram todo o habitat dos indígenas [...] E aí a gente tem avançar conforme a tecnologia vai avançando, a gente tem que avançar pra mostrar ao mundo o que nós precisamos. Nós plantamos, preservamos, mas precisamos estar englobados dentro do mundo, das coisas que acontecem lá fora. (INDÍGENAS DIGITAIS, 2010). 22
Para Jamapoty a Internet é ferramenta útil de participação e integração dos
povos indígenas em acontecimentos globais que fazem parte de seus interesses,
ligados ao meio ambiente, saúde e direitos humanos, por exemplo. É um caminho
de voz para os povos indígenas com o resto do mundo. Os índios desejam ter seus
direitos garantidos e serem inclusos na sociedade das novas tecnologias de
comunicação, porém sem perder suas particularidades étnicas, o respeito por suas
raízes e sua liberdade. Mostrar ao mundo a realidade dos povos indígenas. A
2 1
Depoimento extraído do documentário Indígenas Digitais 2 2
Depoimento extraído do documentário Indígenas Digitais
63
apropriação da Internet, de câmeras e celulares pelos indígenas seria uma forma de
extensão da história e da cultura desses povos: manter suas ideologias e tradições
sem precisar parar no tempo e usando a rede digital como benefício próprio, de toda
a comunidade, numa atividade definida como ciberativismo. Expor sua realidade e
seus ensinamentos para outras comunidades, com uma verdadeira troca de culturas
e conhecimentos. Como define Yakuy Tupinambá:
A comunicação virtual nos dá condições de falar pela nossa própria voz, semos protagonistas da nossa própria história. O indígena digital é o ciberativista, o etnojornalista, que dá condição de aproximar as culturas, de buscar os direitos, de respeitar a diversidade e fortalecer nossa cultura e nossa tradição. (INDÍGENAS DIGITAIS, 2010). 23
Um caminho de expressão e comunicação alternativo, que as grandes mídias
normalmente não oferecem aos povos indígenas. Quando eles ganham voz,
normalmente são intermediados por organizações ou instituições representantes
como a Funai, de maneira insatisfatória para esses indivíduos. A possibilidade de
comunicação e contribuição social sem a necessidade de se deslocar de seu
território também é vista como grande vantagem na utilização da Internet pelos
índios. Transmitir a realidade dos indígenas para a sociedade, fugindo dos
estereótipos mostrados nos meios de comunicação e nas escolas, nos livros
didáticos, também é uma função considerada importante da comunicação digital
entre os índios. A rede Índios Online, dentro da Internet, serviu não só como forma
de comunicação com a sociedade urbana, mas de diálogo e interação entre povos
indígenas de diferentes pontos do Brasil. Em outras condições, o diálogo direto entre
essas comunidades seria praticamente inviável. A Índios Online proporcionou a
união e integração desses povos em um único canal.
As agressões sofridas pelos indígenas, problemas de infraestrutura nas
aldeias, as queimadas florestais criminosas e a luta dos índios contra fazendeiros
pela reintegração de posse e demarcação de suas terras ganham destaque no
documentário Indígenas Digitais. Em casos como esses a tecnologia é realçada
como forma de aproximação dos indígenas com as autoridades responsáveis pela
administração desses problemas, além de ajudar a realizar denúncias contra essas
irregularidades. O preconceito étnico contra índios e o uso do computador como o
2 3
Depoimento extraído do documentário Indígenas Digitais
64
“arco digital”, arma e ferramenta dos povos indígenas, também são abordados. O
documentário é interessante também pelo registro do cotidiano das aldeias através
das lentes dos próprios indígenas e entre os depoimentos, apresentando essa
realidade para o público em geral. O trabalho foi traduzido para os idiomas inglês,
francês e espanhol. De acordo com Sebastián Gerlic o documentário foi realizado
justamente para incrementar o diálogo intercultural entre indígenas e não indígenas,
contribuindo para a troca de experiências e conhecimentos.
O filme é exibido até hoje em escolas e institutos para incentivo de debates
sobre o assunto e promoção da cultura indígena, com o objetivo de reduzir o
preconceito e desconhecimento social em torno dessas etnias, de que elas vivem
restritas ao território de suas aldeias. O curta-metragem foi lançado oficialmente no
dia 20 de abril de 2010 através da página Indígenas Digitais24 (figura 13), e também
transmitido em pré-estreias no Rio de Janeiro, em Salvador e nas aldeias das
comunidades indígenas integrantes da Índios Online. No portal do projeto Indígenas
Digitais é possível conferir um trailer, além do próprio documentário na íntegra. Há
links para o portal Índios Online e o site Esperança da Terra.
Figura 13
Página inicial do portal Indígenas Digitais (17 de outubro de 2010)
2 4
http://www.indigenasdigitais.org/
65
O site do Indígenas Digitais pode ser lido em cinco idiomas diferentes
(português, inglês, italiano, francês e espanhol). Também é disponibilizado um link
para compartilhamento do vídeo via email, Twitter e outras redes sociais e uma
pequena lista com matérias relativas ao documentário publicadas em outros meios
de comunicação impressos e digitais. As matérias são apresentadas em formato
Portable Document Format (PDF) no portal do Indígenas Digitais. Exemplo é a nota
sobre o lançamento do documentário publicada no site do Ministério da Cultura, no
canal do programa Cultura Viva:
Filme mostra a relação de culturas indígenas com a cultura digital No dia 15 de abril, acontece em Salvador (BA), a pré-estreia do curta-metragem Indígenas Digitais documentário que retrata como indígenas de várias etnias brasileiras estão utilizando a tecnologia para troca de informação e aprendizado. O projeto é o resultado da parceria da ONG Thydewá, Ponto de Cultura e Ponto de Mídia Livre Índios Online, com a Cardim Projetos e conta com o patrocínio da Oi e apoio Oi Futuro. O curta-metragem terá também lançamento nacional, no espaço Oi Futuro Ipanema, no Rio de Janeiro (RJ), dia 19 de abril. No curta-metragem, integrantes de várias nações indígenas, como Tupinambá (BA), Pataxó Hahahãe (BA), Kariri-Xocó (AL) e Pankararu (PE), relatam como celulares, câmeras fotográficas, filmadoras, computadores e, principalmente, a internet vêm sendo ferramentas importantes na busca das melhorias para as comunidades indígenas e nas relações destas com o mundo globalizado. O documentário é uma produção de 26 minutos, editados a partir de 15 horas de filmagens. Entre as histórias do curta, é possível conhecer a da cacique Jampoty, uma das primeiras mulheres alçadas ao cargo de cacique no Brasil. Ela é a líder dos Tupinambá, povo que teve seu reconhecimento étnico em 2002, após estudos da Funai. Acesso aos meios digitais O filme mostra o funcionamento da rede Índios – Online, projeto de fomento à inclusão digital, que existe desde 2004, que proporcionou a criação de um portal para facilitar a informação e a comunicação entre sete nações indígenas na Bahia, em Pernambuco e em Alagoas. Nos últimos 6 anos, o projeto contou com a participação de 500 indígenas de 25 etnias. Com o projeto, os índios já publicaram 3 mil matérias e receberam 10 mil comentários, chegando a quase 2 milhões de visitas ao Portal. Junto ao trabalho do Índios Online, há também o projeto Celulares Indígenas, realizado pela ONG Thydewá, em parceria com o Ministério da Cultura e o Oi Futuro, que permitiu capacitar os indígenas para utilizarem os celulares como ferramenta de promoção à diversidade cultural, justiça social e
66
cultura da paz. Saiba mais aqui (MINISTÉRIO DA CULTURA, 2010).
Na nota divulgada pelo site do Cultura Viva, há dois links representados pelo
grifo no texto: ambos direcionam o usuário para a página inicial do portal Índios
Online. No site, também é possível encontrar “extras” do documentário: são vídeos
feitos pelos indígenas no período de produção do filme. Alguns foram publicados
como matérias no portal Índios Online, outros retratam simplesmente os “bastidores”
da produção do documentário. Todos esses vídeos foram feitos com o uso de
aparelhos celulares, dentro do projeto Celulares Indígenas. No portal do Indígenas
Digitais encontramos três vídeos: o primeiro, de cerca de seis minutos, mostra uma
pescaria com rede numa praia na aldeia Tupã, dos Tupinambás. O segundo, com
duração de aproximadamente um minuto, mostra uma das etapas do plantio da
mandioca na aldeia. Já o terceiro vídeo, “O Sal Tupinambá”, de três minutos, feito
por Sebastián Gerlic, traz o relato do menino Binho sobre os métodos de sustento de
sua tribo: a pesca e a agricultura, para comercialização ou simplesmente para a
própria subsistência. No portal Indígenas Digitais são apresentados ainda alguns
dos “protagonistas” do curta-metragem: o vice-cacique Pankararu Sarapo, a
professora Maya Tupinambá Pataxó Hãhãhãe e o artesão Ayrá Kariri-Xocó. Há
também um texto explicativo, assinado por Sebastián, que apresenta os projetos
desenvolvidos pela Thydewá: a rede Índios Online, o Arco Digital, o Celulares
Indígenas e o grupo Esperança da Terra.
No texto de Sebastián Gerlic também é apresentado um link para uma página,
no próprio portal Indígenas Digitais, onde é possível fazer downloads no computador
dos oito livros da série Índios na visão dos índios. Os livros retratam as comunidades
Kariri-Xocó, Pankararu, Fulni-ô, Tumbalalá, Kiriri, Tupinambá e Truká, sendo que
esta última teve publicações disponibilizadas também em francês.
Outras iniciativas culturais e educativas apoiadas pela Thydewá também são
destacadas: o programa Indígenas nas Salas, que atua desde 2002, onde índios
visitam escolas das cidades com a intenção de promover o diálogo intercultural.
Entre 2003 e 2004 foi criado o programa Índios Lendo, com patrocínio do Centro
Ecumênico de Serviços (CESE), para estimular a prática de leituras diferentes e
novas alternativas: para isso, 1500 livros da coleção Índios na visão dos índios
67
foram trocados por 3000 livros de temáticas diversas, a fim de fortalecer e renovar
as bibliotecas indígenas.
Ainda em 2004, a Thydewá ajudou na realização do documentário Irmãos no
Mundo, patrocinado pela Fundação Padre Anchieta (SP) e o Ministério da Cultura, e
dirigido por Sebastián Gerlic. O filme, que aborda a cultura, as tradições e o
cotidiano dos povos Tupinambá (Ilhéus/BA) e Tumbalalá (Curaçá/BA), recebeu
ainda o prêmio Nacional DOCTV, pelo estado da Bahia. Entre 2004 e 2005, a ONG
lançou seu primeiro livro coletivo inter-étnico: Cantando as Culturas Indígenas, com
patrocínio do Banco Nacional do Desenvolvimento (BNDES) através do Programa
de Apoio a Crianças e Jovens em Situação de Risco Social Transformando em Arte.
No livro, 3500 crianças das etnias Pataxó Hãhãhãe, Xucuru-Kariri, Kariri-Xocó,
Pankararu, Tumbalalá, Tupinambá e Truká rememoram as histórias de seus povos
através de danças e cantos sagrados, discutindo temas como cidadania, direitos
humanos, ecologia e diversidade cultural. Em 2007 a Thydewá, com parceria do
Ministério da Educação e do Banco do Nordeste do Brasil, realizou novas oficinas e
lançou mais dois livros, sobre os Pataxó Hãhãhãe e Pataxó do Prado.
No ano de 2008, foram lançados o livro Arco Digital, sobre o programa de
inclusão digital realizado pela ONG, e o projeto Kariri-Xocó canta, com apoio do
Banco do Nordeste, o MinC e a Secretaria da Cultura de Alagoas. Neste foram
produzidos um CD musical e um documentário em DVD sobre os rituais de canto
tradicionais desse povo, além da realização de eventos objetivando o diálogo
intercultural. No mesmo ano, novas oficinas e livros de estímulo à interculturalidade
foram produzidos, inclusive com publicações em francês distribuídas naquele país.
Dentro do projeto da rede Índios Online, algumas conquistas a destacar foram a
criação da Rádio Comunitária Pataxó-Hãhãhãe, em 2005, apoiada pela Unesco e
que qualificou 20 indígenas participantes da rádio. Em 2009 o projeto Índios On
America com parceria do MinC levou 12 indígenas brasileiros a participar de uma
jornada de integração com outros índios do continente. Como pode-se notar o
portal Indígenas Digitais é utilizado não apenas como um meio de divulgação do
documentário produzido, mas como uma extensão, um caminho a mais de
divulgação das atividades promovidas pela Thydewá e pela Índios Online. No site
também é possível fazer comentários e enviar mensagens diretas para os
administradores, semelhante ao sistema do Índios Online. Outro ponto irreverente e
criativo do site é o “Brincando com 'alunos' e 'professores'”, uma brincadeira ao
68
modo como a cultura indígena é abordada nas escolas atualmente. É reproduzido
uma espécie de “questionário”, como uma lição de casa passada para a professora
a seus alunos sobre os hábitos indígenas (alimentação, quais suas tradições etc). As
respostas dadas pelo site procuram ser informativas e irreverentes:
Quais são as tradições indígenas? Imaginem em quase 250 povos, quantas tradições diferentes! Para que serve uma tradição? As tradições se inventam? As tradições mudam? Como é a dinâmica da cultura? As culturas falam entre si? Qual relação existe entre tradição e traição? Quais são as tradições do “homem branco”? Ir ao shopping? Ir à discoteca? Trabalhar? Fazer guerras por dinheiro? Subjugar das tradições dos outros? O importante não é a pergunta que o professor mandou, o importante é aproveitar a provocação para pensar, para refletir. Então aqui não há receitas para massas ou bolos. Aqui é um site de divulgação que mostra canais, meios, caminhos para a brincadeira de aprender. (INDÍGENAS DIGITAIS, 2010).
Fica claro, no discurso dos integrantes e administradores da rede Índios
Online e em todas as atividades promovidas, a busca da interculturalidade, da troca
e compartilhamento de vivências, estimulando a riqueza e o desenvolvimento
cultural. A quebra de estereótipos e preconceitos culturais seria resultado natural
dessa intercambialidade. No portal Indígenas Digitais também é possível encontrar
matérias, escritas pelos próprios indígenas e publicadas no Índios Online, sobre
eventos de divulgação, exibições e pré-estreias do documentário em escolas e salas
de cinema de Salvador, além das aldeias participantes.
A partir dos três projetos apresentados ligados diretamente à rede Índios
Online (Web Brasil Indígena, Esperança da Terra e Indígenas Digitais) notamos
como pontos comuns entre eles que: todos contaram (ou contam) com participação
ativa de representantes indígenas ou de suas comunidades em pelo menos uma das
etapas do projeto; em todos os casos, os principais objetivos destacados são a troca
de culturas e conhecimentos entre indígenas e não indígenas, a inclusão das
comunidades indígenas na rede digital e consequentemente na sociedade urbana, a
representação dos índios na sociedade segundo a visão deles próprios e a
reafirmação de sua cultura. No caso do site Esperança da Terra a ideia e a estrutura
são mais simples: um espaço compartilhado de troca de experiências e informações
possivelmente úteis relativas ao universo indígena, ambiental e comunitário.
Pessoas de qualquer lugar do mundo podem contribuir com informações para
69
enriquecimento do projeto, que por sua vez, pode gerar novas ações e iniciativas
sociais e comunitárias.
O projeto da Web Brasil Indígena funciona de forma semelhante, embora a
ideia de site compartilhado não funcione exatamente do mesmo modo que no
Esperança da Terra. No entanto a estrutura física precária e a falta de investimento
material e recursos podem fazer com que projetos mais amplos e ambiciosos
acabem sendo descartados, como no caso da Rádio Brasil Indígena citado por
Anápuáka. No caso do documentário Indígenas Digitais foram encontradas
condições adequadas em todos os sentidos para que o documentário fosse
produzido e assumisse seu papel, de levar a cultura e a realidade indígena para
novos públicos e mostrar como esses grupos se relacionam com as novas
tecnologias. O filme condiz adequadamente com as ideias e objetivos demonstrados
pelo trabalho da rede Índios Online; as comunidades e os representantes indígenas
participaram ativamente de todas as etapas do processo e a iniciativa ainda teve
bons investimentos estruturais e materiais por parte de órgãos do governo e outras
instituições, sem se desviar de sua temática de mostrar o ponto de vista dos
indígenas. A partir disso podemos concluir que a Internet, por requerer habilidade
técnica simples, ser de fácil acesso nos dias de hoje e ter custo relativamente baixo,
é também campo propício para a prática comunicativa entre as comunidades que
não possuem acesso a grandes ferramentas de comunicação para se expressar ao
mundo (rádio e TV, por exemplo).
A Internet também possui alcance territorial ilimitado e amplas possibilidades
de utilização, como vimos anteriormente. Entretanto, quando se pretende
estabelecer projetos maiores e/ou mais ambiciosos em outros meios de
comunicação ou simplesmente aperfeiçoar estruturalmente a iniciativa que já é feita
na Internet, o investimento e incentivo de outras instituições ou mesmo do governo
se mostram essenciais para esse desenvolvimento. É possível firmar novas e
positivas parcerias sem se desviar dos objetivos originais, das ideologias de um
projeto. Por isso é importante que programas como a rede Índios Online sejam
divulgados entre grupos indígenas e não indígenas e que a participação ativa dos
indivíduos nos mesmos seja estimulada, para que estes projetos ganhem cada vez
mais visibilidade na sociedade (e no universo virtual também) e consequentemente
novos parceiros, investimentos e incentivos.
70
4.2 Objetivos atingidos, expectativas e necessidades pendentes na
comunicação comunitária digital
O projeto da rede Índios Online, mesmo sendo uma iniciativa relativamente
recente, já serviu de impulso para evoluções no sentido da prática comunicacional
entre os povos indígenas na Internet e através de outros meios de comunicação.
Esses programas nem sempre são necessariamente ligados à rede Índios Online e
já demonstram uma tendência positiva: os grupos comunitários começam a tomar
suas próprias iniciativas, a caminhar de forma independente, dentro das limitações
estruturais encontradas (de acesso a computadores, Internet e outros aparelhos, por
exemplo) e em alguns casos conseguindo bons incentivos por parte do governo e de
outras instituições de alguma forma engajadas nesses progressos. Como vimos, a
questão do incentivo e de parcerias na produção e execução desses projetos muitas
vezes é essencial para que eles se desenvolvam com sucesso e novas iniciativas
possam ser tomadas.
No caso do Índios Online, que começou com a publicação de livros sobre a
temática indígena, partiu para a comunicação entre aldeias e com o restante da
sociedade via Internet e segue realizando palestras, convenções, editando mais
livros e investindo em projetos na ideia da interculturalidade e da integração entre os
diversos povos indígenas e a sociedade em geral, pode-se dizer que durante essa
trajetória o ideal original da comunicação indígena nunca foi abandonado.
Outras iniciativas como a rede Grumin, o Esperança da Terra, a Web Brasil
Indígena e mesmo o Retomada Tupinambá, relacionado a uma temática um pouco
mais específica, tentam otimizar o uso dos poucos recursos que têm disponíveis
produzindo ativamente e estimulando a colaboração de todos os lados em matéria
de conteúdo e manutenção dos projetos. As carências estruturais ainda são sentidas
de forma bastante intensa, mas a ideia de luta constante, a integração digital e
social, o aperfeiçoamento das comunidades em todos os sentidos e a conquista
progressiva de direitos, tudo isso influi para que esses programas sigam em frente
apesar das limitações encontradas.
Em relação a essa comunicação feita por e para os povos indígenas percebe-
se que as propostas de interculturalidade, troca de experiências, autonomia indígena
na produção de informação, inclusão digital e social e defesa do meio ambiente e de
direitos indígenas levam para um caminho cada vez mais positivo a todos. A Internet
71
e as novas tecnologias que aos poucos são disponibilizadas aos índios, como eles
próprios avaliam, são parte importante desse progresso. O fortalecimento e
reconhecimento das tradições e culturas pelos indivíduos das aldeias, pelas novas
gerações, também é uma atividade constante trabalhada dentro de todas as
atividades de comunicação digital indígena. Em termos de inclusão digital, acesso a
computadores e outras ferramentas tecnológicas e treinamento, qualificação mínima
para o uso desses aparelhos, ainda há muito a ser realizado. No entanto a própria
rede Índios Online é um exemplo de como esse progresso é absolutamente viável e
pode trazer resultados positivos para as comunidades indígenas e a sociedade em
geral. A principal meta, o maior resultado a ser conquistado a partir desse trabalho
de troca de experiências e cidadania para todos, seria o enfraquecimento de
preconceitos sociais, étnicos e culturais.
Por isso mesmo essas conquistas envolvendo a comunicação e a tecnologia,
que de certa forma servem de caminho e incentivo para outros avanços sociais, não
precisam ser apropriações exclusivamente dos povos indígenas. Grupos de bairros,
igrejas, instituições de apoio e caridade, ONGs sob os mais diversos interesses,
associações de trabalhadores, todos eles podem encontram a forma mais adequada
de se fazer ouvir, de dar voz a seus integrantes e ampliar ou investir na
comunicação nesses grupos. Cada um pode, através de experiências ou a partir do
levantamento de informações sobre o público que se deseja atingir (que meios de
comunicação usa para se informar ou em atividades cotidianas, quais características
são consideradas mais atraentes em um meio de comunicação, em qual período do
dia ou da semana procura se informar ou cumprir outras atividades), definir onde, de
que modo e com qual frequência um veículo de comunicação voltado para esses
grupos poderia circular. É importante identificar um perfil geral daqueles para quem
essa comunicação será destinada e instrumentar uma forma interessante,
abrangente e ao mesmo tempo de boa qualidade de informar esses grupos,
incentivando-os a participar do projeto e mostrando que aquele canal também é para
eles.
Cada organização pode encontrar a forma de comunicação mais adequada:
um simples panfleto ou boletim com periodicidade regular, para que o leitor dê
credibilidade àquele material e seu conteúdo e até deseje, de alguma forma, fazer
parte daquele processo. A Internet é ferramenta útil nesse tipo de comunicação:
criação de sites e blogs gratuitos (com garantia de atualização de informações
72
constantes) e mesmo o envio de boletins periódicos via email, para cada um que
mantiver um endereço eletrônico e interesse em receber essa informação. Tudo
depende das condições técnicas, estruturais e da disponibilidade geral de quem
produz e de quem deve receber o material. O importante é não esquecer que o
trabalho deve alcançar o maior público possível, de forma atraente, com conteúdo e
um pouco de descontração, para que o material não se torne uma coisa pesada e
cansativa. Como recorda Vito Giannotti, todo material disponível é válido nesse tipo
de comunicação:
Mesmo [...] com escassos recursos é possível fazer uma publicação regular. Não será a revista colorida dos grandes sindicatos, mas pode ser um boletinzinho de meia folha ofício, toda semana. Um boletinzinho feito a mão, com uma caneta, um pincel atômico, uma régua e uma bisnaga de cola pode dar bons resultados. [...] Se o boletim chegar no dia certo, na hora certa, com uma linguagem inteligível para quem o recebe e, óbvio, com o conteúdo adequado, será um poderoso instrumento. (GIANNOTTI, 1997, p.103-104).
Por conteúdo adequado deve-se entender aquele que é de real interesse de
seu público, com elementos que deem leveza e descontração ao material, além de
uma linguagem adequada e compreensível ao leitor. Informativos em rádios,
cartazes, revistas em quadrinhos, acessórios, é variada a lista de equipamentos que
podem ser usados na prática da comunicação comunitária entre os mais diversos
grupos. Como foi dito, tudo depende do perfil do público, da disponibilidade, dos
recursos disponíveis a quem produz a informação e da criatividade e iniciativa dos
mesmos. No projeto do Índios Online, por exemplo, existe o esforço em se estender
as atividades da rede para além do ambiente virtual, em ações como palestras,
oficinas e encontros presenciais promovidos pelos próprios integrantes da rede.
Esse tipo de iniciativa ligada ao projeto desenvolvido através da Internet serve para
estimular o interesse entre novos públicos, proporcionar trocas de ideias e novos
debates e consequentemente passar mais credibilidade às ações administradas pelo
grupo.
A consciência da importância que representa a criação um meio de
comunicação para determinados grupos e a utilização do máximo de recursos
disponibilizados é fator importante para que a comunicação comunitária tenha
resultados eficientes. O conteúdo produzido deve, quando conveniente, ser
estendido para outros públicos, outras comunidades: se algum assunto relativo a um
73
determinado grupo, mas que seria de interesse de todos, é divulgado na grande
imprensa, este grupo tem o direito (e mesmo o dever) de manter a população
informada sobre o seu ponto de vista dos fatos, a realidade vivida por eles mesmos.
O material, como em qualquer meio de comunicação comunitário ou
empresarial, deve ser apresentado sempre em cima de fatos concretos, se preciso
for com alguma pesquisa ou levantamento histórico sobre assuntos relativos ao
tema entre jornais, sites, livros ou mesmo recorrendo ao depoimento de pessoas
que passaram por situações semelhantes ou relacionadas ao tema. É necessária
uma boa organização em todas as etapas da produção desses veículos, para que o
trabalho seja definitivamente bem sucedido. Mais do que ter em mãos o “arco e
flecha” (na associação feita pelos integrantes do Índios Online) é importante saber
como, quando e com qual objetivo usar essas ferramentas.
No caso da presença indígena na rede, percebe-se uma preocupação
pertinente de se garantir legitimidade e credibilidade aos meios de comunicação em
relação ao público. Segundo Anápuáka, na Web Brasil Indígena, o fato de se
receber informações de fontes consideradas seguras (instituições, grupos indígenas
etc) e aos poucos poder mostrar aos índios que aquele é um espaço livre e
adequado de comunicação já é uma grande conquista. O progresso entre as
comunidades indígenas nas próprias aldeias, entre a sociedade urbana e no meio
digital, o fato desses povos já possuírem um território independente e livre de
comunicação na Internet que pode encaminhá-los para outros progressos em todos
os sentidos, tudo isso é considerado uma vitória para essas etnias, embora ainda
haja muito o que se evoluir em relação a essa temática.
A rede Índios Online ainda busca apoio para que possam ser abordadas com
mais profundidade questões como a sustentabilidade, o uso consciente de recursos
naturais e a preservação da flora e da fauna naturais, por exemplo. Levar o acesso à
Internet (e consequentemente o trabalho da Índios Online) para outras aldeias do
país, aprimorando e desenvolvendo ainda mais a qualidade e o conteúdo oferecido e
desenvolvido pela rede e estendendo assim todos os valores e conquistas
disseminados pelo programa em outras comunidades é desafio a ser superado.
Apoio voluntário na área técnica em informática, divulgação e articulação de
conteúdos e iniciativas e tradução de materiais para outros idiomas também são
algumas das carências que a Índios Online ainda tenta superar. O serviço voluntário
é a base de sustentação dessas iniciativas comunitárias, não só em relação à
74
comunicação, mas em todas as áreas, como vimos anteriormente. Essa
comunicação desempenha um papel de democratização da informação e da
cidadania como um todo, tanto na ampliação do número de canais informativos e
inclusão de novos emissores quanto no fato de ser caracterizada como um processo
educativo, na medida em que habilita seus participantes para a atividade da
produção comunicacional e atuação geral em diversos setores da comunidade
(PERUZZO, 2004). A comunicação comunitária ainda tem pouca visibilidade entre a
sociedade e sua abordagem pelas grandes mídias é insignificante, embora tenha
crescido com a contribuição, inclusive, da rede digital.
A comunicação comunitária ou alternativa tradicional normalmente é praticada
apenas em pequena escala, embora existam iniciativas deste tipo em todo o mundo.
A participação popular em experiências mais avançadas de comunicação
comunitária representa um significativo progresso na democracia comunicacional e
na própria cidadania. Com a resolução de questões como a limitação ao acesso e
capacitação para uso da Internet, ela se torna ferramenta potencial para a prática
comunicativa. Apesar dessas necessidades, no entanto, nunca a liberdade de
comunicação foi tão intensificada quanto no universo da Internet. A questão principal
é tornar o indivíduo sujeito do processo de mudança social, que passa pela
comunicação e pelos demais mecanismos de organização e ação populares. Como
afirma Peruzzo:
Todas as áreas da comunicação e demais campos do conhecimento têm espaço potencial para ação concreta dentro de suas especialidades. O que mais importa é a conjugação de princípios que favoreçam a autogestão popular, o respeito ao interesse social amplo e a inserção das pessoas como protagonistas da comunicação e organização populares. (PERUZZO, 2004, p.03).
A Internet se torna o componente essencial de um novo tipo de movimento
social emergente, a sociedade em rede (PEREIRA, 2008). A sociedade em rede é
caracterizada como uma forma específica de organização social, processamento e
transformação, tornando-se assim meio fundamental de produtividade. Os
movimentos da sociedade em rede têm como objetivo mudar os códigos de
significados nas instituições e na sociedade. A partir disto, as organizações
tradicionais já estabelecidas tendem a entrar em crise, cedendo espaço para a
atuação de poder desses movimentos num contexto cada vez mais amplo. Um novo
75
imaginário social e interativo emerge, com um novo tipo de ação social e de
relacionamento entre sociedade, informação, indivíduos e tecnologias de
comunicação. A presença indígena e de outras comunidades na Internet representa
a capacidade de integração de diferentes pontos de vista em um novo espaço de
sociabilidade, interativo e flexível, movido pela comunicação.
Na avaliação de Antônio Andrade (2007) a rede digital tem se apresentado
como um dos fatores de ampliação da influência das novas tecnologias de
informação e comunicação no comportamento da sociedade contemporânea. As
redes sociais, a possibilidade de compartilhamento de informações de uma forma
antes não imaginada, a facilidade e praticidade para execução de tarefas do
cotidiano através de sites da Internet, todas essas novas ideias contribuem para
uma alteração significativa no comportamento e mesmo nos valores de uma
sociedade. É dentro desse contexto, numa realidade de escassez de recursos
técnicos e financeiros e pouca consciência política que a comunicação comunitária,
participativa, é exercitada. É a partir daí também que ela segue para novos objetivos
e horizontes, ocupando aos poucos espaços nos grandes meios de comunicação e
ganhando mais representação dentro das tecnologias mais avançadas. Há muito
ainda que se fazer nesse sentido, mas a prática de experiências é sempre
considerada válida. O sentimento de solidariedade é uma crescente em tempos de
individualismo social (PERUZZO, 1998).
Na divisão entre conceitos de sociedade e comunidade, a autora Raquel
Paiva oferece uma definição interessante:
Já a partir dessas duas visões pode-se detectar uma compreensão do que seria comunidade em oposição à sociedade, na medida em que a primeira pauta-se pela integração do indivíduo ao lugar, sua vinculação as laços de sangue, sua preocupação com a tradicionalidade, os costumes e hábitos que deviam ser seguidos, com a família; ao passo que a segunda visão está comprometida com o trabalho socialmente organizado, o cumprimento dos contratos, o progresso impregna-se da visão monetária que inclusive se justifica legalmente a partir da jurisprudência, que tudo dimensiona através da lógica do universal. (PAIVA, 2004)
Dentro da análise de Raquel, o conceito de sociedade está relacionado
diretamente ao ideal capitalista, ao consumismo e ao racionalismo. Já a comunidade
prezaria o tradicionalismo, os costumes e as ligações afetivas e familiares. Se de
algum modo o desenvolvimento e massificação das novas tecnologias se insere
76
numa lógica de produção empresarial, como destaca Adilson Cabral, são os
usuários da rede que estabelecem as futuras tendências de comportamento e
utilização da mesma. A principal delas é o uso compartilhado de recursos: este nos
leva a crer que, ao contrário do que ocorre com os demais meios de comunicação,
estar na Internet e fazer uso cada vez maior dela futuramente será um direito
garantido a todos os indivíduos, de qualquer classe social, com formas de atuação
igualitárias (CABRAL, 2004). Na Internet, a informação se torna cada vez mais um
bem quase gratuito: a partir de um computador conectado à Internet, um universo
infinito de informações se abre ao nosso controle. Os limites potenciais da rede
digital, no entanto, ainda são desconhecidos.
Em relação ao ambiente digital, o filósofo Pierre Lévy alerta sobre a
necessidade de uma reavaliação constante das implicações sociais e culturais das
novas tecnologias, uma vez que o desenvolvimento do que ele chama de
ciberespaço está diretamente relacionado à evolução da nova sociedade em rede,
da sociedade em geral. A cada geração as tecnologias de comunicação e
compartilhamento de informações desenvolvidas contribuem para reconfigurações
comportamentais, linguísticas e mesmo geográficas na sociedade. A própria
definição de comunidade no sentido que estudamos sofreu alterações com o
advento do ciberespaço e das relações sociais digitais: não há mais a visão de um
limite territorial dentro desse conceito, os veículos e práticas de interação e
compartilhamento de ideias e experiências foram alterados (PRUDÊNCIO, 2003).
Apesar dessas modificações, no entanto, as raízes da ação comunitária
permanecem vivas. A representação política e social da comunidade, a luta pela
defesa de direitos e manutenção da cidadania, esses objetivos se mantém bem
definidos no centro das atividades e mobilizações comunitárias.
Novos programas foram criados para facilitar o uso da Internet e dos
computadores por qualquer pessoa, já que ela se mostra cada vez mais
imprescindível ao cotidiano. O ambiente digital é uma extensão, um aprimoramento
do cotidiano da sociedade. Trata-se de um reflexo do dia a dia urbano, embora com
adaptações e possibilidades de comunicação e interação consideradas muito mais
inovadoras. Para Lévy “a perspectiva de digitalização geral de informações deve
tornar o ciberespaço o principal canal de comunicação e suporte de memória da
humanidade a partir deste século” (LÉVY, 1999, p.93). Ou seja: o futuro da
77
comunicação e do armazenamento de informações a partir de agora seria baseado
em cima da Internet.
O ciberespaço encoraja a troca recíproca e comunitária, enquanto as mídias
convencionais praticam uma comunicação unidirecional na qual os receptores se
encontram isolados uns dos outros. As diversas relações sociais, econômicas e
culturais devem ser transferidas para esse ambiente digital, e caberá aos próprios
usuários definir qual o limite dessa transição, da utilização e convivência no
ciberespaço. As novas tecnologias digitais devem ser utilizadas tendo como
prioridade a valorização da cultura, dos recursos, competências e projetos regionais,
estimulando os indivíduos a participar de ações coletivas, voluntárias, em benefício
das comunidades. Essas atividades devem objetivar o combate ao preconceito e às
desigualdades, promovendo a autonomia dos grupos sociais considerados
excluídos.
A emergência do ciberespaço representa a ascensão do contraponto aos
meios de comunicação de massa, da comunicação comunitária: as grandes
empresas de comunicação aos poucos enfraquecem o poder de seus monopólios e
os meios de expressão social, através da rede de forma livre, tendem a se
multiplicar de forma imprevisível. A Internet é, enfim, canal propício para a
aglomeração e compartilhamento dos mais diversos tipos de informações e culturas.
Dispositivos de navegação e filtragem são desenvolvidos por empresas que lidam
diretamente com as redes digitais para facilitar a navegação e permanência do
usuário conectado em rede. O futuro da Internet e de sua utilização neste momento
depende especificamente de como as pessoas desejarão fazer uso dela: afinal, o
público é o principal responsável por toda a informação que circula ao longo dessa
infinita rede digital.
78
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O fato da rede digital ter se revelado, na medida do avanço nas novas
tecnologias desde o início no século XXI, como um ambiente propício para a prática
de uma comunicação livre e com possibilidades de interatividade até então
impensáveis, torna esse ambiente adequado para a emergência de novas
alternativas de comunicação. As práticas sociais do cotidiano aos poucos têm sido
incorporadas em um ambiente digital, configurado pela própria presença humana na
Internet e nas redes sociais de comunicação. Os meios de comunicação,
naturalmente, procuram abrir seus caminhos também na rede digital para
acompanhar o novo ritmo, a nova realidade de seu público e aproveitar as
vantagens que a Internet permite: informação em tempo real, interatividade,
comunicação e contato direto com o leitor/usuário, utilização de diversos recursos
(som/vídeo/imagens/textos) de forma simultânea.
Os meios de comunicação empresariais e privados já descobriram e exploram
essa nova realidade, com transmissões de rádio e TV via Internet por todo o país (ou
pelo mundo, em alguns casos), postagem de vídeos e material publicado na TV ou
no rádio para acesso direto na Internet, enquetes, pesquisas de opinião, serviços de
comunicação instantânea e presença constante e atuante nas redes sociais de
comunicação. Todos esses canais são extensões da comunicação tradicional feita
no rádio, na televisão e nos veículos impressos.
A tendência mais viável, portanto, é que os meios de comunicação
comunitária sigam esta vertente, pois além da liberdade de expressão e
comunicação que a rede digital garante (nos dias atuais, não é preciso pagar
nenhum valor alto para criar um grande blog comunicativo na Internet) ela também
apresenta uma grande variedade de canais comunicacionais e permite atingir um
público muito mais extenso que os veículos tradicionais, considerando que toda
informação lançada na Internet estará disponível ao acesso de pessoas de qualquer
lugar do mundo que estejam conectadas.
Para a produção comunicativa, a Internet atualmente é uma via de acesso
relativamente simples e barato e cujo uso requer uma especialização técnica
simples em relação aos outros veículos de comunicação. Não só os meios de
comunicação comunitários, mas toda a sociedade pode e deve exigir de seus
79
governantes condições mínimas de acesso à Internet e de educação para o uso
dessas ferramentas, exercendo seu assim seus direitos em relação à liberdade de
comunicação. Levar a Internet, os computadores e as novas tecnologias para todos
ainda é um grande desafio que limita muito a prática da comunicação comunitária,
mas com o apoio do governo e a ação voluntariada de instituições e indivíduos esse
problema aos poucos tem sido contornado. As comunidades devem tomar a Internet,
os meios de comunicação digitais e os recursos que estes oferecem como o
principal e mais fértil espaço para a prática da comunicação comunitária.
A busca de espaço entre as novas tecnologias de comunicação, no entanto, é
apenas a primeira etapa pela luta democrática e de garantia da cidadania e de
direitos para todos. Como podemos ver no caso da rede Índios Online a exploração
de meios alternativos de comunicação, de curta ou longa abrangência, também deve
ser buscada. Além da Internet, palestras em escolas, comunidades e instituições
regionais; divulgação de iniciativas através de panfletos e cartazes bem elaborados;
boletins periódicos distribuídos entre toda a comunidade; enfim, material atrativo e
de conteúdo firme e sustentado que estimule o interesse da comunidade pelos
valores e causas defendidos. Toda forma legal de manifestação é válida na prática
da comunicação alternativa e comunitária, não importa se o objetivo seja o alcance
em nível local ou nacional. No caso da Internet, por suas características ela se
apresenta como ferramenta adequada aos meios de comunicação comunitária
considerando-se que facilita o exercício da democracia pelas comunidades, não só
no sentido social, mas na política e na cultura; promove o extenso intercâmbio de
culturas e experiências entre grupos sociais diferentes e serve como forma de
representação social e digital de comunidades muitas vezes consideradas
socialmente excluídas.
O caminho da prática da comunicação comunitária, como exemplificado no
trabalho da rede Índios Online, não deve se limitar, no entanto, ao uso da Internet. É
importante que comunidades, grupos, instituições e organizações continuem lutando
junto aos governos e responsáveis para garantir o acesso democrático a veículos de
rádio e TV, que são os mais custosos e de legislação ainda burocrática em relação a
outros meios de comunicação. Com meios de comunicação comunitários e
alternativos estabelecidos em todas as vias, exercendo livremente seu direito de
liberdade de expressão, já é facilitado um caminho a mais para a luta e conquista da
cidadania e democratização em todos os sentidos, para todas as pessoas.
80
REFERÊNCIAS
Eletrônicas:
Anápuáka Muniz. Informações Web Brasil Indígena. [mensagem pessoal] Mensagem recebida por <[email protected]> 05 de outubro de 2010.
Bruno Tupi, 2010. Retomada Tupinambá – Na comunidade Santana. Em: <http:/www.indiosonline.org.br/novo/retomada-tupinamba-%E2%80%93-na-comunidade-santana>. Acesso em: 11 de outubro de 2010.
Fa Tupinambá, 2010. Pintura Tupinambá. Em:<http://www.indiosonline.org.br/novo/pintura-tupinamba. Acesso em 01 de outubro de 2010.
Fábio Titiá, 2010. Área Retomada Sofre Ataque de Pistoleiros na Tarde de Ontem. Em: <http://www.indiosonline.org.br/novo/area-retomada-sofre-ataque-de-pistoleiros-na-tarde-de-ontem>. Acesso em: 10 de outubro de 2010.
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Seu Gino, 2005. Nossos avós levantavam cedo. Em: <http://www.indiosonline.org.br/novo/nossos_avos_levantavam_cedo>. Acesso em: 10 de outubro de 2010.
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ANEXOS
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ANEXO A
Documentário Indígenas Digitais