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A Crítica de Sellars ao Mito do Dado

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Em seu texto “Empirismo e Filosofia da mente”, Sellars critica o “mito do dado”, isto é, o uso corrente, em diversos sistemas filosóficos, da pressuposição de que o ambiente passa informações ao sujeito, comunicando como os objetos externos realmente são. Sellars encara o principal problema das teorias do dado, no aspecto de que as sensações são um conhecimento não inferencial (fatos), mas que no final de nosso processo de conhecimento, o sujeito apreenderia sensivelmente um conteúdo singular (em que um atributo está ligado a um objeto).

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Page 1: A Crítica de Sellars ao Mito do Dado

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A Crítica de Sellars ao “Mito do Dado”

Vitor Vieira Vasconcelos Bacharel em Filosofia pela Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG

Belo Horizonte, Minas Gerais, 2005

Em seu texto “Empirismo e Filosofia da mente”, Sellars critica o “mito do

dado”, isto é, o uso corrente, em diversos sistemas filosóficos, da

pressuposição de que o ambiente passa informações ao sujeito, comunicando

como os objetos externos realmente são. Sellars encara o principal problema

das teorias do dado, no aspecto de que as sensações são um conhecimento

não inferencial (fatos), mas que no final de nosso processo de conhecimento, o

sujeito apreenderia sensivelmente um conteúdo singular (em que um atributo

está ligado a um objeto). Por exemplo, uma coisa é uma pessoa ter a sensação

de verde, e outra é chegar à proposição de que um objeto externo existente

tem a cor verde. A principal dificuldade enfrentada pelos defensores das teorias

do ‘’dado’’ é justificar a existência de um conhecimento sensorial (no caso

exemplo, a cor verde) não cognitivo, ou seja, que não envolve o uso de

conceito, mas que em seguida deve ser considerado como cognitivo para

poder ser utilizado em proposições conceituais. Portanto, cria-se uma

contradição, de um conhecimento que deve ser ao mesmo tempo cognitivo e

não cognitivo. Analisando as inconsistências da teoria do ‘’dado’’, Sellars

conclui que essas teorias não conseguem explicar satisfatoriamente o

conhecimento sobre as sensações, incluindo aí como isso se passa através de

um processo de aprendizagem.

Como alternativa à tese do dado, que se demonstrou contraditória,

Sellars propõe um novo modelo, em que:

(1) As sensações não têm conteúdo cognitivo e

(2) Inexiste o dado sensorial, como um atributo de um objeto externo

revelado por nossos sentidos através de alguma espécie de canal

informacional.

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Em sua nova interpretação epistemológica, Sellars coloca em xeque

várias teorias e dogmas tradicionalmente aceitos, como as teorias

fundacionistas do conhecimento, as teorias da verdade como correspondência

a um mundo externo, e a distinção entre analítico e sintético, visto que todas

essas noções partem da pressuposição de que o sujeito tenha acesso a

informações empíricas provenientes de uma realidade externa. O aceite das

teses de Sellars levaria ao abandono ou ao menos a uma seria reformulação

dessas teorias epistemológicas.

Sellars não deixa de supor a existência de um mundo exterior no sujeito,

mas este mundo apenas interage casualmente como o sujeito, e o próprio

sujeito é que cria todo o seu universo de sensações e conhecimento

proposicional. Retornando ao exemplo das cores, elas seriam estados

sensoriais criados a partir do aparato sensitivo do sujeito, em resposta a certos

estímulos específicos do ambiente externo. Todas as preposições e crenças do

sujeito são conhecimentos conceituais, que se justificam uns aos outros por

critérios de coerência. Todavia, o sujeito lida de maneira causal com o mundo,

e observa o resultado dessa interação em suas sensações. Isso lhe dá

elementos para notar se suas teorias o sustentam, ou não, de maneira

adequada ao comportamento dos fenômenos sensitivos. Como não há acesso

a uma realidade externa, os sistemas de crença formulados pelo sujeito são

sempre hipóteses, que sempre que se mostrarem insatisfatórias para a

interação com o mundo, vão demandar serem reformulados. Dessa forma, o

que antes parecia ser um “delírio” criado pelo sujeito passa a ser, no máximo

um “delírio controlado”.

O modelo de Sellars é compatível com a questão do aprendizado, pois,

ao longo de sua vida, a pessoa vai se lembrando de sua interação com o

mundo, construindo e reformulando suas crenças e procurando assim lidar com

as situações de maneira cada vez mais harmônica e coerente. Um exemplo

interessante é a linguagem pública em que, através das respostas (feedback)

que o bebê (e depois o indivíduo mais velho) recebe de outros falantes, ele

consegue perceber se está conseguindo se expressar de maneira correta ou

não, podendo assim corrigir o seu uso de linguagem e inclusive aprender

coisas novas.