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A DOCÊNCIA NA ACADEMIA DA FORÇA AÉREA
As reflexões propostas neste painel tratam das análises realizadas sobre o processo de
profissionalização docente do professor da Academia da Força Aérea (AFA). Como os
Cursos de Formação de Oficiais da Aeronáutica oferecidos por ela apresentam um
currículo multidisciplinar, muitos docentes são oriundos de formações específicas, mais
técnicas, voltadas para o bacharelado. Dessa forma, são poucos aqueles que trazem em
sua formação a licenciatura, o que pressupõe o desconhecimento de conteúdos
específicos de didática, metodologia e prática de ensino, enfim, o que se conhece nos
cursos de graduação como disciplinas pedagógicas. Diante disso, uma questão se
instaura e inquieta ao mesmo tempo: como esse professor conduz sua aula sem ter
passado por uma formação específica nesse sentido? O objetivo deste trabalho é
descrever como as pesquisas realizadas com os professores da AFA delinearam o perfil
de uma docência, em princípio, tão peculiar devido ao locus em que ela acontece, no
entanto tão próxima ao que se vê nas demais instituições de ensino superior do Brasil.
Para que tal objetivo de pesquisa fosse alcançado, optou-se por uma pesquisa descritiva,
de natureza qualitativa, já que serão especificadas características de uma determinada
população. A fim de que esse processo fosse esboçado coerentemente, o referencial
teórico que entrecruzou tal trajeto baseou-se em Mizukami (1986), Perrenoud (1993),
Pimenta e Anastasiou (2011), Kirsch (2013 e 2014). Os artigos que compõe esta
discussão pontuam os três momentos de pesquisa pelos quais um grupo de três
pesquisadores delinearam o perfil do docente da AFA. Além disso, ressaltam como tais
resultados têm trazido à luz uma personalização profissional de docência desconhecida
por sua própria instituição de ensino, no entanto tão parecida com o fazer docente no
ensino superior de outras universidades brasileiras, o que justifica, então, a relevância
deste trabalho tanto institucional quanto cientificamente.
Palavras-Chave: Ensino Superior Militar, Profissionalização Docente, Concepções de
Ensino.
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
74ISSN 2177-336X
CAMINHOS TRILHADOS: PESQUISAS SOBRE A DOCÊNCIA NA
ACADEMIA DA FORÇA AÉREA
Josélia Maria Costa Hernandezi
Academia da Força Aérea (AFA)
Resumo
Este artigo refere-se à descrição da terceira etapa de pesquisas sobre o processo de
profissionalização do professor da Academia da Força Aérea (AFA) produzidas pelo
grupo de estudos Processos Educacionais – Propostas de Estudo (PEPE), vinculado à
linha de pesquisa formação e profissionalização docente no ensino superior militar do
Grupo de Estudos e Pesquisas em Assuntos de Defesa (GEPAD) da AFA. O objetivo
deste texto é não só evidenciar de que maneira desenvolveram-se as reflexões realizadas
sobre tal processo de formação e profissionalização como também discutir sobre as
concepções de ensino e de aprendizagem que são observadas no fazer docente dentro
dessa instituição militar de ensino superior. Quanto a seus procedimentos
metodológicos, este trabalho se caracteriza como análise documental de natureza
qualitativa. Seu objeto serão os relatórios técnicos produzidos pelos três docentes
membros do grupo PEPE sobre as pesquisas desenvolvidas por cada um deles que
problematizaram aspectos em relação a prática pedagógica, processo de ensino e
aprendizagem e formação e profissionalização docente. O artigo estrutura-se em três
seções: a primeira irá tratar da construção da identidade docente dos professores civis da
academia; a seção subsequente irá analisar os diversos sentidos atribuídos à aula por
esses docentes e a última seção analisará como as abordagens de ensino e de
aprendizagem se manifestam linguisticamente nas falas dos professores da AFA. Como
a discussão trata do ensino superior numa instituição militar, configura, assim, uma
reflexão peculiar, na medida em que esse aspecto do ensino superior no Brasil quase
não é investigado, o que caracteriza a relevância científica e acadêmica deste trabalho.
Palavras-chave: Profissionalização docente. Instituição militar de ensino superior.
Abordagens de ensino.
Introdução
Há seis anos, três docentes da Academia da Força Aérea (AFA), diante de suas
afinidades profissionais, éticas e teóricas, formaram o grupo de estudos Processos
Educacionais – Propostas de Estudo (PEPE), vinculado à linha de pesquisa formação e
profissionalização docente no ensino superior militar do Grupo de Estudos e Pesquisas
em Assuntos de Defesa (GEPAD) da AFA, e começaram a se reunir para problematizar
questões sobre formação e profissionalização dos professores dessa instituição militar
de ensino superior,
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
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A partir de então e com o intuito de responder as indagações iminentes, diversas
pesquisas sobre a docência na academia começaram a ser desenvolvidas, resultando em
artigos apresentados em eventos científicos e publicados em seus respectivos anais bem
como em relatórios técnicos apresentados a Comissão Permanente do Pessoal Docente
(CPPD) da Academia da Força Aérea. À guisa de esclarecimento, o CPPD é um
colegiado formado por professores civis e oficiais militares presidido pelo comandante
da AFA e tem como uma de suas atribuições acompanhar o processo de capacitação e
profissionalização de seus docentes. Dessa forma, toda e qualquer atividade acadêmica
e científica proposta e produzida pelos professores é apresentada anualmente em forma
de relatório técnico e, depois de passar por análise e consecutiva anuência daquele
colegiado, seu docente responsável tem assentimento formal para continuar suas
pesquisas.
A intenção deste artigo é mostrar a evolução das reflexões realizadas sobre o
processo de profissionalização do professor da AFA, bem como as diferentes
concepções de ensino e de aprendizagem que rondam seu fazer docente dentro da sala
de aula, sob a ótica da área de formação de cada um dos professores/pesquisadores
membros do PEPE. Dessa forma, o trabalho aqui proposto caracterizou-se com
produções específicas de acordo com a formação de cada um de seus docentes
pesquisadores, no entanto manteve seu fio condutor temático.
Desse modo, este artigo caracteriza o estudo que ora descreve, quanto a seus
procedimentos metodológicos, como análise documental de natureza qualitativa, pois
terá como objeto de estudo os relatórios técnicos produzidos por aqueles três docentes
sobre o desenvolvimento do projeto que cada um desenvolveu segundo sua linha e base
teórica de pesquisa específicas evidenciadas a seguir.
Assim, na primeira seção deste artigo, será apresentada uma discussão sobre a
identidade profissional do professor da AFA e sua prática docente. Nela será tratada a
questão da construção da identidade docente e como esses professores, civis,
identificam-se profissionalmente no exercício do magistério superior de uma instituição
militar.
Na seção seguinte, serão comentados os diversos sentidos que esses professores
atribuem à aula, destacando as marcas sociais que sinalizam suas falas, como, por
exemplo, histórias de vida e experiências de formação.
Já na terceira e última seção, será descrita como uma análise metodologicamente
peculiar lançou mão da análise da conversação, na área da linguística, para verificar
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como as abordagens de ensino e de aprendizagem pela ótica de Mizukami (1986) se
manifestam nas falas dos professores da AFA.
Todos esses trabalhos singularizam uma reflexão única, pois versa sobre um
aspecto do ensino superior no Brasil pouco explorado, que é aquele configurado dentro
de uma organização militar, justificando, assim, sua relevância científica e acadêmica.
Identidade profissional e prática docente
Ao longo desses anos de pesquisa, uma questão sempre foi discutida: como a
identidade do docente profissional que atua na AFA é construída? Em decorrência
disso, ao olhar para o processo de formação docente de maneira ampla e a sua relação
com a constituição identitária de um professor que atua numa instituição militar de
ensino superior, foram detectadas algumas janelas conceituais.
Dessa forma, dois instantes de reflexão aqui são instaurados: primeiramente,
detectar-se-á a busca da identidade do docente da AFA com base no seu processo de
formação de professor de ensino superior, para, em seguida, depreender sobre o que é
ser um professor numa organização militar de ensino.
Quanto à construção da identidade docente, é bem pertinente esta asserção de
Gonçalves (1992 apud SCHAFFEL, 2000, p. 147): “esse processo de construção se
efetiva a partir da relação que o professor estabelece com a sua profissão e o seu grupo
de pares”.
Depreende-se disso, como explica Paiva (2012, p.17), que a identidade do
professor é epistemológica e profissional e se constitui alicerçada na sua formação
inicial e continuada, nas suas experiências pessoais e coletivas, em seus conhecimentos
e saberes vivenciados, em seu trabalho docente situado na escola como instituição social
e educativa.
Em contrapartida, o ensino superior numa instituição militar distingue-se de
outras instituições do meio civil pela sua especificidade e peculiaridade, porque, apesar
de existirem características comuns à construção daquele docente, pode haver variações,
conforme o setor em que ele atua (KIRSCH, 2013, p.54). E, assim, chega-se a um ponto
fundamental nesta reflexão: o locus de trabalho, justamente porque ele exerce
expressiva importância na análise da construção/reconstrução da identidade do
professor.
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Como já foi bem explícito, a Academia da Força Aérea é uma instituição militar.
E isso pressupõe em nosso constructo mental uma área física projetada para ter
segurança. Goffman (2001, p. 16) ilustra bem essa imagem, quando explica o que
concebe como instituições totais:
[...] algumas são muito mais “fechadas” do que outras. Seu
“fechamento” ou seu caráter total é simbolizado pela barreira à
relação social com o mundo externo e por proibições à saída que
muitas vezes estão incluídas no esquema físico – por exemplo,
portas fechadas, paredes altas, arame farpado, fossos, água
florestas ou pântanos. A tais estabelecimentos dou o nome de
instituições totais [...] (GOFFMAN, 2001, p.16).
Para emoldurar esse quadro, a vida em caserna se caracteriza pela sua natureza
burocrática e pressupõe unidade de comando, hierarquia, centralização de autoridade,
amplitude de controle, divisão sistemática do trabalho, disciplina e autoridade
fundamentada na meritocracia.
Além disso, a AFA como instituição de ensino organiza-se em três instâncias
denominadas Campo Geral, Técnico-Especializado e Militar. Do ponto de vista
organizacional, o Campo Geral estrutura-se em cinco áreas: Ciências administrativas;
Ciências humanas; Ciências da linguagem; Ciências exatas e Ciências do esporte. As
disciplinas de cada uma dessas áreas são, por sua vez, distribuídas dentro daqueles três
campos. Disciplinas como Português, Psicologia, Sociologia, Matemática, Física, Inglês
e Espanhol, por exemplo, estão no Campo Geral.
Tudo isso traz à tona a reflexão de Foucault (2002, p. 123) sobre a distribuição
do indivíduo no espaço:
Cada indivíduo no seu lugar; e em cada lugar, um indivíduo.
[...]. O espaço disciplinar tende a se dividir em tantas parcelas
quanto corpos ou elementos há a repartir. [...] Importa
estabelecer as presenças e as ausências, saber onde e como
encontrar os indivíduos, [...] poder a cada instante vigiar o
comportamento de cada um, apreciá-lo, sancioná-lo, medir as
qualidades ou os méritos.
Em meio a um ambiente tão sui generis, o ensino e a aprendizagem
propriamente ditos são considerados, como disse Chartier (1978 apud MIZUKAMI,
1986, p.12), “uma cerimônia e [...] [é] necessário que o professor se mantenha distante
dos alunos”.
Assim, mesmo que não queira, o docente da AFA se investe de uma autoridade
intelectual e moral, detentor do saber, responsável por ministrar seu conteúdo de
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maneira vertical, executando planos de ensino de orientação tecnicistas, enquadrando-se
no que Mizukami (1986) classificou como abordagens tradicional e tecnicista de ensino:
sem dúvida, a gente acaba ficando influenciado pelo (meio
militar), não tem como não ser influenciado pelo seu ambiente
de trabalho [...] o fato de eu estar ministrando aula aqui, dentro
de uma organização militar, acaba mudando um pouco o foco
da gente, seu estilo de dar aula [...], então a gente acaba
ficando meio que encamisado, infelizmente [...], enquadrado, é,
militarizado; a gente mesmo acaba ficando [...] não tem jeito”
(Professor01).
Pelo depoimento do professor acima, naquele contexto, a formação de sua
identidade pressupõe reinventar-se como “ser” docente e subordinar-e às “regras da
casa”, as suas prescrições e proibições. Não obstante, há aquele que vê um aspecto
positivo na construção dessa identidade, quando afirma que trabalhar nessa organização
“não mudou o seu modo de ver a função docente, mas mudou o seu modo de praticá-la”
(Professor 02).
Enfim, para o professor que atua na Academia da Força Aérea, algumas regras
especiais são instituídas, na medida em que a sua prática docente sofre uma mudança de
paradigma diante das especificidades inerentes ao ensino castrense, já que sua
identidade, ao ser reestruturada no dia a dia nesse locus tão peculiar, passa a ser
reconstruída, muitas vezes, em detrimento da sua formação e profissionalização
acadêmica originalii.
Os múltiplos sentidos dados à aula
Uma sinestesia. Esta é a definição para o estudo sobre a aula e os seus diversos
sentidos pela ótica do professor da AFA. Geraldi (2010) é um dos estudiosos que dá
suporte teórico para esta pesquisa, além de Vygotsky (1993), que discute a questão da
linguagem e do processo de significação (histórico e social). Sinestesia, porque se
utilizou, nessas análises, essa pertinente figura de linguagem, quando foi lançado um
“olhar [para] os dizeres sobre a „aula‟ e suas marcas sociais”.
É bom que fique bem claro que aula, nesse contexto, não significa a classe, a
sala em que o professor leciona, o lugar físico. Todavia, ela é concebida como uma
instância que caracteriza um espaço delimitado social e historicamente, construído pelos
interlocutores que instauram nesse cenário um acontecimento, ou seja, como quer
Geraldi (2010, p. 81), a aula como acontecimento e não “entendida sempre como um
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encontro ritual, e por isso com gestos e fazeres predeterminados, de transmissão de
conhecimentos”.
E, se a aula, sob essa ótica, é construída pela interlocução, logo a linguagem em
sua essência social, dialógica, múltipla e dinâmica, pela palavra, faz da aula um
caleidoscópio de sentidos, passível de transformação a cada movimento que lhe é
instaurado subjetivamente pelos seus próprios autores. Como assegura Vygotsky (1993,
p. 333), “o sentido da palavra é a soma de todos os fatos psicológicos evocados em
nossa consciência graças à palavra”.
Diante de tais concepções, em entrevista semiestruturada, dez docentes
expuseram suas experiências em relação ao modo como preparam e como produzem
suas aulas, os modelos ou referências que tiveram de aula e a quem atribuem o seu jeito
de dar aula, de maneira que fosse possível relacionar as falas desses professores com os
aspectos sociais, de formação profissional, de organização de trabalho nos quais eles
estão inseridos, atribuindo, assim, os sentidos para a aula.
Pois bem, essa entrevista deu muito que falar, no bom sentido, é claro. Ou
melhor, nos múltiplos sentidos que eram construídos para atribuir um significado à aula,
desde a ideia da transmissão de conhecimentos, passando pelo desenvolvimento
profissional, até chegar ao sujeito, individual, que está ali para “dar exemplo para o
cadete”.
Quanto ao modo de produzir a aula, os depoimentos são iguais ao depoimento de
todo professor que, como qualquer profissional, fala de seu trabalho, de suas
experiências, de sua formação, de sua atuação; puxa pela sua memória e se revelam
fotogramas de um ser docente que, ali, esculpindo-se em estar docente, traz nas marcas
lhe deixadas do cinzel aquele ser social construído dentro de uma história que não se
apaga e, acima de tudo, a história de um ser professor.
Dessa forma, a aula para o docente da AFA é uma aula de arte: há uma
intenção, uma finalidade, pois “o planejamento do conteúdo suscita o conhecimento do
cadete”; há uma configuração, pois o docente “olha para o que vai ensinar, para o que
vai falar, para o que vai utilizar”; há afeto, pois “aula boa é aquela que o cadete
„curte‟”; há influências reminiscentes, aprendizagem e preparo, pois “a mãe do docente
também era professora, e ele aprendeu cedo a planejar uma aula”... E, como toda boa
aula de arte, ela está circunscrita numa estética: na significação de aula para o docente
da academia também cabe restrição, pois “existe um padrão, e quando se chega à AFA,
incorpora-se esse padrão”. Há, enfim, o que Smolka (2010, p. 127) definiu tão bem:
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“múltiplas dimensões do sentido no trabalho de ensinar”; dimensões marcadas por uma
multiplicidade de vozes, posições e valores entrelaçados na pessoa.
Assim como os demais professores de qualquer outra instituição de ensino
superior do país, os docentes da AFA, nessa construção de sentidos para a aula, deixam
explícito em suas falas o ser social que eles se configuram, formados de sentidos
diversos, reconstruídos nas páginas do tempo pelo lápis da sua memória que não deixa
apagar na história a singularidade de seu ser.iii
Abordagens de ensino
Falar em abordagens de ensino pressupõe um sujeito; pressupõe um objeto;
pressupõe a interação do sujeito e do objeto. É essa a visão de Mizukami (1986) em
relação ao processo educativo, por isso a necessidade de levar em conta os aspectos
humano, cognitivo, emocional e cultural que envolvem os sujeitos. E como essas
abordagens se mostram na docência do professor da Academia da Força Aérea? Uma
das maneiras de desvendar qual abordagem está resguardada na fala desse docente é
analisá-la pelo viés da análise Linguística, mais especificamente, da Análise da
Conversação.
De acordo com Marchuschi (2003), a maior preocupação da Análise da
Conversação é a especificação dos conhecimentos linguísticos, paralinguísticos e
socioculturais partilhados para que uma interação seja bem sucedida.
Assim, quando nos referimos às abordagens de ensino, também nos referimos à
aprendizagem, logo, estamos no campo da interação. Quando vamos para o campo da
interação, não tem como escapar dos conceitos de código, língua, linguagem, discurso.
Quando falamos de discurso, logo pensamos nas relações estabelecidas entre os
interlocutores e as unidades textuais por meio de determinados mecanismos linguísticos.
Quando trabalhamos com esses mecanismos linguísticos também conhecidos como
marcadores conversacionais, estamos no campo da Análise da Conversação.
Os marcadores conversacionais têm a função de marcar a evolução da conversa.
Assim, por exemplo, o marcador né? busca apoio ou aprovação do discurso; o mas tem
a função de reordenar a conversa sob um outro ponto de vista; já os ah, éh e os titubeios
exercem um papel de planejamento do que vai ser dito depois. Por outro lado, os
marcadores de natureza prosódica, como o tom de voz, por exemplo, revelam ênfase e
surpresa ou dúvida e interrogação; o prolongamento das vogais assume diferentes
características semânticas e as pausas podem ser recursos de natureza pragmática.
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Outro elemento importante da Análise da Conversação são os modalizadores. A
sua função é explicitar o ponto de vista, a posição assumida pelo sujeito na interlocução.
Eles respaldam a forma como o interlocutor elabora o seu discurso e asseguram o seu
direcionamento argumentativo. O então, por exemplo, apresenta muitas vezes essa
função modalizadora além de indicar a hesitação.
Por sua vez, a hesitação não denota desconhecimento do assunto, mas o domínio
do mesmo, apenas demandado por um lapso temporal para a ordenação das ideias a
serem pronunciadas posteriormente pelo interlocutor.
Todos esses marcadores discursivos estão presentes na entrevista
semiestruturada aplicada a um dos dez docentes da AFA no decorrer das pesquisas do
PEPE.
No excerto escolhido para esta análise, os marcadores discursivos (ou
conversacionais) foram de fundamental importância para alcançar o objetivo desta
investigação que era detectar na fala dos professores características da abordagem de
ensino adotada por eles em suas aulas. Esses marcadores ajudaram a construir e a dar
coesão e coerência ao texto falado, articulando não só as unidades cognitivo-
informativas do texto como também aquelas trocadas entre os sujeitos no momento da
interlocução estabelecida, além de evidenciar e demarcar as condições de produção do
texto, quanto a sua natureza interacional e pragmática.
No depoimento do professor analisado, observa-se que, mesmo sem ter
consciência da função dessas partículas, foi capaz de manter o laço interacional
proposto pelo entrevistador. Em determinado momento de seu depoimento, transcrito
logo abaixo, na continuidade de sua justificativa à resposta da reflexão que lhe fora
feita, ele redarguiu o entrevistador com outra pergunta:
... então por exemplo... o:: por exemplo o Hubble como é que
você faz éh::... pra orientar o Hubble prum projeto de
trabalho? (Professor 3)
Salvo a resposta que se pretendia dar, a manutenção e/ou a continuidade da
interação ali estabelecida, o propósito da pergunta do professor é a introdução de um
novo rumo para a conversa.
Este professor, em especial, era, à época, um dos decanos da AFA, logo a sua
experiência docente aos poucos foi-se incorporando no momento da produção daquela
entrevista, daquele discurso, e conferiu naquela interlocução a técnica metodológica que
adotava em suas aulas sem nem mesmo os entrevistadores perceberem. Tanto que, na
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dinamicidade daquele diálogo, naturalmente o entrevistador consentiu as condições que
o professor estabelecia na interação e interrompeu a explicação temática do professor
lhe fazendo uma pergunta de chofre: “O que é isso?”.
Quando o professor responde calmamente o que é o Hubble, “aquele telescópio
espacial...”, naquele exato momento da produção do discurso, deixa clara a abordagem
de ensino que utiliza em sala de aula, a saber: a abordagem tradicional.
Salienta-se aqui “aquele exato momento de produção de discurso”, na medida
em que a abordagem detectada na sua fala não engessa a sua prática docente. O que isso
quer dizer? Predominantemente a sua prática se caracteriza como tradicional, mas isso
não implica que o professor apresente nela características da abordagem
comportamentalista, ou cognitivista, ou humanista, ou sociointeracional.
Dessa forma, foi possível perceber que, ao interagir na entrevista proposta e
expor seu conhecimento tácito sobre o que lhe era perguntado, por detrás das marcas
conversacionais no depoimento do professor, foi possível detectar traços implícitos que
evidenciam as suas concepções pedagógicas, caracterizando, assim, o seu exercício
docenteiv
.
Considerações finais
Todos os esforços envidados no desenvolvimento das pesquisas realizadas pelo
PEPE até o presente momento buscaram situar –– tanto na instituição em que ele está
inserido quanto no meio acadêmico e científico da educação no Brasil –– quem é esse
docente, seja especialista, mestre ou doutor, que leciona numa instituição militar de
ensino superior, quais suas concepções de ensino e de aprendizagem e qual a sua
formação e profissionalização docente.
Os caminhos encontrados por estes professores pesquisadores para desenvolver
suas análises, fazer inferências sobre suas questões de pesquisas, aferir seus dados até
apresentar seus resultados, foram vários. No entanto, as análises sempre chegaram a um
ponto pacífico: dentro de todo universo do ensino superior no Brasil somos tão iguais
aos nossos outros colegas das demais universidades do país, apesar de nos construírem
tão diferentes por estarmos num locus peculiar, ou seja, numa instituição militar de
ensino superior.
No momento atual, o PEPE recebeu um convite para partilhar dos estudos do
Grupo Interdisciplinar de Pesquisa, Formação, (Auto)Biografia e Representações
Sociais (GRIFARS), vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Educação da
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Universidade Federal do Rio Grande do Norte (PPGEd-UFRN). Criado em 1999, o
GRIFARS tem como objetivo investigar narrativas autobiográficas (orais, escritas,
digitais, audiovisuais) produzidas por crianças, jovens e adultos como um fenômeno
antropológico, método de pesquisa e como dispositivo pedagógico de
auto(trans)formação.
A partir desse convite e de acordo com as intenções apresentadas pelos
professores membros do PEPE em seus relatórios técnicos, nesta nova fase de
investigação, esses pesquisadores se propuseram a buscar uma nova perspectiva de
pesquisa com vistas a evidenciar os elementos que subsidiam a memória e as histórias
de vida do professor da AFA no que diz respeito a sua formação, constituição e
significação como docente de uma instituição militar.
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_______________________ 1 Mestre em Linguística e Língua Portuguesa e doutora em Educação Escolar pela Faculdade de Ciências
e Letras da Universidade Estadual Paulista – Unesp de Araraquara-SP. Professora associada de Língua
Portuguesa da Academia da Força Aérea – AFA, Pirassununga-SP. Pesquisadora do Grupo de Estudos
Processos Educacionais – Propostas de Estudo (PEPE), vinculado ao Grupo de Estudos e Pesquisas em
Assuntos de Defesa de Interesse do Comando da Aeronáutica (GEPAD) (Linha 3 - Educação e formação
de profissionais militares). E-mail: [email protected]. 1 Esta discussão foi amplamente apresentada em FORMIGA, L. A. Relatório técnico: Identidade
profissional e o processo de formação do professor da AFA. Pirassununga - SP: Academia da Força
Aérea, 2016. 22 p. 1 As reflexões desta seção foram rigorosamente expostas em CARLINO, E.P. Relatório técnico: Os
múltiplos sentidos sobre a aula na visão do docente da Academia da Força Aérea. Pirassununga - SP:
Academia da Força Aérea, 2016. 8 p 1 Toda análise linguística aqui sugerida foi minuciosamente descrita em HERNANDEZ, J. M. C.
Relatório técnico: A construção dos sentidos sobre o fazer docente – análise e importância dos tópicos
discursivos e dos marcadores conversacionais nas falas dos professores da AFA. Pirassununga - SP:
Academia da Força Aérea, 2016. 22 p.
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O DOCENTE DA ACADEMIA DA FORÇA AÉREA E O SEU PROCESSO DE
PROFISSIONALIZAÇÃO
Leomarcos Alcantara Formiga- AFAv
RESUMO
Este trabalho, adentrando no campo da profissionalização, procura caracterizar quem
são os docentes civis que atuam na Academia da Força Aérea (AFA), como se deu o seu
processo formativo, o exercício da docência, ou seja, a sua atuação em sala de aula, a
jornada de trabalho, incluindo as aulas ministradas durante o período letivo, o tempo
dedicado ao planejamento no preparo dessas aulas, a opção pela docência, a
participação em grupos de estudo ou pesquisa, seus hábitos e preferências culturais e a
sua satisfação com a profissão docente. Para ter uma visão inicial sobre quem são esses
docentes, foi elaborado um questionário, contendo trinta questões, e respondido por
sessenta e um professores (num total de setenta e dois), mostrando características que
vão desde idade, formação inicial e continuada, tempo de atuação na AFA até hábitos
culturais e desportivos. Apresentar esses dados é uma forma de adentrar nesse universo
dinâmico e complexo e tentar compreendê-lo, a fim de lançar novas luzes sobre o
exercício cotidiano daqueles que se dedicam à formação do futuro oficial da Força
Aérea. Mas, além desses aspectos gerais, pretende-se também saber quais são as
especificidades desses professores em relação às suas práticas e concepções educativas;
o que os iguala e o que os diferencia dos demais professores que atuam no ensino
superior. Apesar de haver inúmeras pesquisas relativas aos processos de formação
docente, entende-se que esta seja uma demanda necessária, considerando que há poucos
estudos que tratem da especificidade desses profissionais no âmbito do ensino superior
militar Portanto, realizar este estudo é também se indagar como sujeito de que os
processos de formação e profissionalização não é um trajeto livre de inquietações. E é
deste lugar que este trabalho se apresenta: do lugar de quem vê aos outros ao mesmo
tempo em que vê a si mesmo.
Palavras-chave: Ensino superior militar. Formação docente. Profissionalização
docente.
Introdução
O tema deste trabalho trata do profissional docente da Academia da Força Aérea
(AFA), quem são esses professores e como se foi delineado o perfil de sua docência no
ensino superior de uma instituição militar.
A AFA é uma instituição de ensino superior que forma os oficiais aviadores,
intendentes e da Infantaria da Força Aérea Brasileira (FAB). Seu currículo é
multidisciplinar, configurando disciplinas de áreas como de exatas, humanidades,
linguagens, bem como disciplinas específicas da formação militar de cada quadro.
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Esse cenário configura um grupo de docentes de formação profissional diversa
que, na maioria dos casos, trazem de sua graduação apenas o bacharelado, o que
significa o desconhecimento de disciplinas básicas para o exercício da docência
ministradas nas licenciaturas, como estrutura e funcionamento do ensino, psicologia da
educação, didática, metodologia e prática de ensino, etc.
Dessa forma, o objetivo deste trabalho é identificar esse docente bem como o
seu processo de profissionalização e as concepções de ensino e de aprendizagem que
denotam suas práticas pedagógicas.
Os dados que aqui serão apresentados são o resultado da primeira etapa de
pesquisa desenvolvida pelo grupo de estudos denominado Processos Educacionais –
Propostas de Estudo (PEPE), vinculado à linha de pesquisa formação e
profissionalização docente no ensino superior militar do Grupo de Estudos e Pesquisas
em Assuntos de Defesa (GEPAD) da AFA.
Nesta etapa dos estudos que ora descrevemos, foi realizada uma pesquisa do tipo
levantamento de natureza quantitativa, quando, à época, foi confeccionado e distribuído
para sessenta e um docentes civis um questionário com trinta questões objetivas que
tratavam sobre a sua formação inicial e continuada, seu tempo de magistério no ensino
superior e na AFA, sua satisfação em ser professor, bem como questões que versavam
sobre seus hábitos culturais e de lazer.
Basicamente respaldando-se em Goffman (2001), Fontana (2000), Mizukami
(1986), Perrenoud (1993) e Pimenta e Anastasiou (2011), Weber (1982) a análise desses
dados instaurou o marco de uma trajetória de pesquisa que não só se estendeu por seis
anos como também, até hoje, procura desnudar o universo da docência no ensino
superior dentro de uma instituição militar, o que denota tanto a peculiaridade quanto a
originalidade desta investigação dentro das pesquisas científicas sobre a
profissionalização docente no Brasil.
O docente da AFA e o seu processo de profissionalização: uma primeira
aproximação
Os dados apresentados neste trabalho permitem traçar um perfil geral dos
docentes que atuam na Divisão de Ensino da Academia da Força Aérea. Consideramos
necessário aprender mais sobre esses sujeitos – sua formação, seu tempo de trabalho na
AFA, tempos de aulas durante o ano, tempos dedicados ao preparo das aulas, sua opção
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pela docência, a participação em grupos de estudo ou pesquisa, seus hábitos e
preferências culturais, sua satisfação com a profissão docente.
Mas, além desses aspectos gerais, queremos também saber quais são as
peculiaridades desses professores em relação às suas práticas e concepções educativas;
o que os iguala e o que os diferencia de outros professores que atuam no ensino
superior; quais são suas histórias de formação e qual(is) sua(s) identidade(s),
aprimorando o conhecimento a respeito de quem são esses professores ou, de quem
somos, já que os autores desta pesquisa também são docentes compondo esse quadro.
Portanto, realizar esse estudo é também nos indagarmos acerca dos nossos próprios
processos de formação e profissionalização docente, o que não é um trajeto livre de
inquietações.
E é deste lugar que discutimos os dados da pesquisa realizada pelo PEPE no
biênio 2011-2012, do lugar de quem vê aos outros ao mesmo tempo em que vê a si
mesmo. A intenção é problematizar-nos a nós, docentes, e adentrarmos no campo da
identidade, da profissionalização, em outras palavras, quais os elementos que
caracterizam o professor que atua no ensino superior militar?
Estamos entendendo profissionalização como o constante vir-a-ser do professor,
pautado não apenas na sua formação inicial mas também na chamada educação
continuada (PERRENOUD, 1993, p.137).
A profissionalização precisa ser pensada quando entendemos a complexidade e a
dificuldade da profissão docente: que dar aulas não é sinônimo de ensinar e nem
garante, necessariamente, a aprendizagem de um conteúdo por parte do aluno e, ainda,
que ensinar não se resume a um fazer puramente técnico, mas consiste em saber
transformar um conhecimento, qualquer que seja ele, em conhecimento aprendido pelo
aluno e não apenas memorizado ou reproduzido. A isso Schulman (1987) denominou de
conhecimento pedagógico do conteúdo. Assim, “a formação básica [...] não é mais
entendida como locus que encerra a aquisição da competência necessária ao „ser
pvrofessor” (MELLO, 1998, p.19), o que faz com que atuar na docência coloque uma
demanda de contínua formação.
De acordo com Tardiff (2014, p.36), os saberes profissionais podem ser
definidos como
o conjunto de saberes transmitidos pelas instituiçõesde formação de
professores (escolas normais ou faculdades de ciências da educação).
O professor e o ensino constituem objetos de saber para as ciências
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humanas e para das ciências da educação. Ora, essas ciências, ou pelo
menos algumas dentre elas, não se limitam a produzir conhecimentos,
mas procuram tmabém incorporá-los à prática do professor. Nessa
perspectiva, esses conhecimentos se transformam em saberes
destinados à formação científica ou erudita dos professores, e, caso
sejam incorporados à prática docente, esta pode transformar-se em
prática científica, em tecnologia da aprendizagem, por exemplo.
Desse modo, algumas questões se colocam como necessárias para investigação,
entre elas:
Quem são os sujeitos que compõem o quadro de docentes da Academia da
Força Aérea?
Qual a identidade dos docentes da AFA, e como tem sido seu processo de
profissionalização?
Quais são as especificidades da instituição na qual se desenvolve este
estudo?
De que modo os docentes da AFA se identificam profissionalmente?
Quais as concepções de ensino e de aprendizagem que permeiam o fazer
docente?
Em que consiste esse fazer docente?
E, dentro do amplo universo e das possibilidades que se colocam a partir dessas
questões, nossa intenção de pesquisa foi construir inicialmente um perfil do quadro
docente da AFA, para em seguida poder olhar para o(s) seu(s) processo(s) de construção
e de formação bem como as diversas concepções de ensino e de aprendizagem que
permeiam suas práticas didático-pedagógicas.
Ao ingressar numa instituição de ensino ou, mais especificamente, numa sala de
aula, o professor se depara com necessidades de diferentes instâncias como
planejamento de aulas, conteúdos de ensino, procedimentos didático-metodológicos,
avaliação e, ainda, aspectos que implicam as relações intersubjetivas no processo de
elaboração dos conhecimentos trabalhados. Todas elas implicam um constante repensar
e reorganizar do fazer docente.
Pimenta e Anastasiou (2011, p.37) afirmam que
na maioria das instituições de ensino superior, incluindo as
universidades, embora seus professores possuam experiência
significativa e mesmo anos de estudos em suas áreas específicas,
predomina um despreparo e até um desconhecimento científico do que
seja o processo de ensino e de aprendizagem, pelo qual passam a ser
responsáveis a partir do instante em que ingressam na sala de aula.
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Ser professor, na atualidade, implica atuar em contextos não lineares,
imprevisíveis e inéditos; não há modelos a serem seguidos com garantias de sucesso.
Consequentemente, espaços para o processo de reflexão, seja individual ou coletivo,
impõem-se como necessidade para se pensar princípios e alternativas que norteiem
ações e práticas possíveis.
Muitas são as teorias a embasar as ações do professor, seu modo de ensinar, de
avaliar, de estabelecer relações com os alunos, de definir os conteúdos. Aquelas, na
maioria das vezes, mesmo sendo desconhecidos pelos professores, estão implícitas em
suas práticas e determinam seu fazer e seu pensar na educação.
Portanto, pesquisar, conhecer e refletir sobre essas teorias e problematizá-las
pode auxiliar no sentido de transformar as práticas vigentes à luz de novos referenciais.
Dificilmente os professores fazem uma análise reflexiva ou falam a respeito de sua
prática; dificilmente estabelecem relações entre seu fazer e os pressupostos teóricos que
o embasam e determinam as decisões que tomam ao realizar seu trabalho. Mas, ainda
que não o façam, sua prática é política no sentido de que evidencia valores.
São muitos os estudos existentes sobre professores, entretanto, criar espaços de
interlocução e de aproximação do trabalho pedagógico pensado e realizado por
professores numa academia militar, em particular na AFA, coloca-se como um trabalho
único, na medida em que somos um quadro de profissionais da docência numa
organização cujos modos de funcionamento criam um cenário singular, com
especificidades que não se repetem em outras instâncias do ensino superior.
A especificidade do ambiente de trabalho e o seu impacto no fazer do docente da
AFA
A AFA, por ser uma instituição militar de ensino superior, apresenta traços
próprios da cultura militar que, por si só, já lhe confere uma especificidade no campo
educacional. Aproximando-se conceitualmente daquelas instuições que Goffman (2001,
p. 16) denomina de instituições totais, nas quais o
[...] seu “fechamento” ou seu caráter total é simbolizado pela barreira
à relação social com o mundo externo e por proibições à saída que
muitas vezes estão incluídas no esquema físico – por exemplo, portas
fechadas, paredes altas, arame farpado, fossos, água florestas ou
pântanos [...].
É interessante sublinhar que a distribuição espacial configura-se como um
aspecto relevante quando se trata de apreender o cotidiano do professor na AFA.
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Observando a distribuição do espaço destinado à vida laboral e a prática ritualística, elas
reforçam culturalmente aqueles valores – hierarquia e disciplina – inerentes às
instituições de ensino de caráter castrense, tornando-se possível vislumbrar em que
condições se realizará o seu fazer docente.
Ludwig (1991, p.177-178) descreve uma configuração espacial da sala de aula
que representa bem essa realidade:
[...] no interior da classe observam-se dois ambientes: o do aluno e do
professor. Geralmente o do professor é destacado por um elevado
nível do piso. Nessa plataforma, encontram-se seus instrumentos de
trabalho: uma mesa, o quadro de giz e, de modo quase constante, a
presença de um retroprojetor. O do aluno, muitas vezes situado a
alguns centímetros abaixo do ambiente do docente e frequentemente
na forma de anfiteatro, com cadeiras fixas. [...] a ocupação das
cadeiras, a partir da frente para trás, isto é, da proximidade maior à
figura do professor ao seu progressivo distanciamento, obedece ao
critério de antiguidade que é baseado no princípio da meritocracia. Os
alunos que obtêm notas e conceitos mais elevados sentam-se nas
primeiras ou últimas filas. [...] O início e o término das aulas ocorrem
de modo ritual, com alunos postados em pé, após a ordem de comando
do aluno responsável pela turma. Percebe-se ainda que muitas portas
das salas de aula, uma pequena abertura, revestida de vidro, que
permite, a quem está de fora, isto é, nos corredores, observar a
conduta do discente e do docente. [...] É importante notar que sua
entrada e saída da sala [do aluno], no decorrer da aula depende da
autorização verbal concedida pelo docente.
O descrição acima apresentada nos remete para a abordagem de ensino que
Mizukami (1986, p.12) denomina de tradicional, pela qual o ato de aprender adquire um
caráter cerimonial, estimulando o distanciamento entre professor e aluno. Obedecendo
ao princípio da hierarquia e da disciplina, a relação professor-aluno ocorre na AFA de
modo vertical, ou seja, o professor é reponsavel pela metodologia de ensino adotada,
conteúdo a ser ministrado, avaliação, interação em sala de aula etc.
Essa prática é legitimada pelo planejamento de ensino praticado no âmbito da
Aeronáutica e se aplica a todas as organizações da FAB que tem como missão
atividades de ensino, incluindo-se neste rol a AFA. Esse planejamento de ensino deve
ocorrer por intermédio de um ciclo desenvolvido a partir de procedimentos
metodológicos específicos. Tais procedimentos são fundamentados em documentos que
norteiam as atividades de ensino, entre as quais: Padrão de Desempenho de
Especialidade ou Padrão de Desempenho Específico, Currículo Mínimo (CM), Plano de
Avaliação (Pavl), Plano de Unidades Didáticas (PUD) e Plano de Trabalho Escolar
(PTE) (BRASIL, 2010).
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Dentre os documentos acima citados que norteiam o planejamento de ensino da
Aeronáutica, destacamos O Plano de Unidade Didática (PUD), tendo em vista que o
mesmo particulariza o Currículo Mínimo, sendo o instrumento que permite ao corpo
docente um entendimento de aspectos específicos e operacionais de cada curso. Assim,
ele deve conter uma abordagem detalhada dos conteúdos a serem ministrados, dos
procedimentos metodológicos, das técnicas de ensino, das atividades de
complementação da instrução, bem como do tempo necessário para cada prática
educacional.
Essa perspectiva de planejamento de ensino nos remete para uma perspectiva
burocrática que perpassa todo o trabalho docente na AFA em termos de ensino, didática,
currículo etc. O processo educativo vigente obedece a uma racionalidade construída a
partir de normas e regulamentos, fundamentados em valores hierárquicos. Weber (1982,
p. 229-230), referindo-se a burocracia, afirma que a
burocracia moderna funciona da seguinte forma específica: I. Rege o
princípio de áreas de jurisdição fixas e oficiais, ordenadas de acordo
com regulamentos, ou seja, por leis ou normas administrativas [...]; II.
Os princípio da hierarquia dos postos e dos níveis de autoridades
significam um sistema fortemente ordenado de mando e subordinação,
no qual há uma supervisão dos postos inferiores pelos superiores [...].
Dessa forma, entender a prática educativa do docente da AFA a partir do
pensamento burocrático significa incluir em sua prática educacional elementos como
hierarquia, disciplina, amplitude de controle, divisão do trabalho e centralização de
autoridade, exigindo que o docente civil se adapte ou se reinvente no exercíco de sua
prática didático-pedagógica.
Percurso metodológico
Apesar de não ser nossa intenção precípua obter apenas dados quantitativos
sobre a realidade docente da Divisão de Ensino da Academia da Força Aérea,
consideramos que esses dados poderiam nos ajudar a compor um primeiro perfil neste
estudo.
A fim de obter elementos que nos auxiliassem a responder às questões
levantadas inicialmente – uma possível identidade profissional desses docentes, seu
processo de formação e de profissionalização assim como suas concepções de ensino e
de aprendizagem – optamos por elaborar, num primeiro momento, um questionário que
nos fornecesse dados mais objetivos sobre o quadro docente desta organização militar.
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O questionário, contendo trinta questões, foi distribuído para setenta e dois
professores da Divisão de Ensino, a fim de fornecerem dados que permitissem traçar um
perfil geral e abrangente do docente na AFA, no sentido mais quantitativo.
Por meio dele, foram levantadas informações como idade, formação inicial e
continuada, formação em licenciatura, tempo de atuação na AFA, tempos em que se
dedicam para participação em grupos de estudo ou pesquisa, seus hábitos e preferências
culturais e desportivas, sua satisfação com a profissão de professor, e outros aspectos
que pudessem oferecer uma visão multifacetada do corpo docente.
Dos setenta e dois questionários entregues retornaram sessenta e um, portanto,
85% de respostas obtidas, o que consideramos um índice significativo e que,
produzindo respostas curtas e objetivas, possibilitou-nos a visualização dos primeiros
resultados e análises da pesquisa.
A face do Professor da AFA
Segundo pesquisa realizada pelo PEPE no biênio de 2011-2012, foi possível dar
um rosto àqueles que compõem o quadro de professores civis da Academia da Força
Aérea.
Nessa pesquisa, sessenta e um por cento (61%) são homens e trinta e nove por
cento (39%) são mulheres, sendo que cinquenta e sete por cento (57%) deles estão na
faixa etária entre 40 e 55 anos. Quarenta e oito por cento (48%) dos professores atuam
como docentes na AFA há, pelo menos, 11 anos e quinze por cento (15%) há mais de 30
anos; sendo assim, mais da metade deles, ou seja, sessenta e três por cento (63%) têm
um tempo considerável de trabalho desenvolvido nesta organização militar e trinta e
sete por cento (37%) ingressaram na AFA há menos de seis anos.
Sessenta e nove por cento (69%) dos professores têm uma carga horária acima
de duzentos tempos de aula/ano. Somam-se a esses tempos, horários dedicados ao
planejamento dessas aulas. A organização militar pressupõe um rígido modelo de
planejamento – curricular e de ensino – do trabalho a ser desenvolvido na organização.
No âmbito do planejamento de ensino encontram-se os chamados PUDs (Planos
de Unidade Didática), nos quais estão previstos objetivos educacionais – gerais,
específicos e operacionalizados – numa clara vinculação com a taxionomia de Bloom
(1976).
Entretanto, interessa-nos saber como os docentes pensam e utilizam esses
tempos de preparo das aulas, o que trazem em termos de conteúdos, metodologias e
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técnicas de ensino e como compreendem e significam seu trabalho com os
alunos/cadetes e o que consideram relevante nesse processo de preparação ou de
produção dessas aulas (o modo de se referir à aula faz diferença e sinaliza para uma
concepção de ensino – dar aulas, fazer a aula, “espalhar ou distribuir conhecimento”, no
dizer de alguns colegas de trabalho).
Antes de ingressar na AFA, sessenta e seis por cento (66%) dos professores
exerceram atividade de docência no ensino superior. Desse total, setenta e seis por cento
(76%) na graduação e vinte e quatro por cento (24%) na graduação e pós-graduação.
Como essa experiência contribuiu para compor seu modo de ser/atuar docente no ensino
superior militar? Como ela foi incorporada e configura os seus modos de ser professor
numa instância diferente do ensino superior? Ressaltamos ainda que dos professores que
tiveram experiência anterior no ensino superior, setenta por cento (70%) deles atuaram
no sistema particular, quinze por cento (15%) no sistema público e nove por cento (9%)
no sistema público e particular de ensino. E mesmo aqueles que não tiveram experiência
no ensino superior a vivenciaram em outros níveis de ensino. E o que trazem dessa
vivência anterior?
Do total dos participantes da pesquisa, apenas onze por cento (11%) tiveram
formação no Magistério (ou antigo Normal).
Um dado considerado importante, da perspectiva do nosso referencial teórico é
que sessenta e quatro por cento (64%) tiveram licenciatura no curso de graduação. Ao
pensar a função docente numa perspectiva histórica, é relevante considerar que muitos
dos que se dedicam às atividades de ensino não passaram por processos de
aprendizagem da docência, e muitas vezes o consideram desnecessário, já que existe
uma forte concepção de que para o professor ensinar basta o conhecimento de seu
conteúdo de ensino. E o que os docentes do nosso estudo pensam sobre isto?
Setenta e dois por cento (72%) dos professores participam de eventos na área de
educação enquanto dezoito por cento (18%) nunca participaram de eventos nessa área e
dez por cento (10)% não responderam, o que nos sugere também a não participação. Em
contrapartida, oitenta e nove por cento (89%) estão envolvidos em atividades científicas
em sua área específica de atuação enquanto três por cento (3%) nunca tiveram
participação nesses eventos e oito por cento (8%) não responderam.
As respostas a essas questões sugerem, num primeiro momento, que muitos
professores além de se preocuparem com sua área específica de atuação também
buscam o envolvimento em atividades educacionais, procurando aperfeiçoar ou refletir
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sobre sua prática docente. Entretanto, esses dados requerem maiores aprofundamentos,
a fim de esclarecer a real motivação para a presença nesses eventos.
Acerca da última questão sobre a satisfação em ser docente da AFA, oitenta e
três por cento (83%) dos professores afirmam estarem satisfeitos; quinze por cento
(15%) não e dois por cento (2%) não responderam à questão. Sobre a satisfação com a
docência na AFA sentimos necessidade de aprofundar as análises em momento
posterior, pois alguns docentes, ao responderem negativamente à questão (“Você está
satisfeito com a sua profissão de professor(a) da AFA?”), fizeram algumas observações,
como por exemplo: “Da AFA, não. Mas, pelos cadetes, sim”; “Em parte”;“Já pensei
muito sobre este ponto. Aqui na AFA é difícil civil atuar sobre o ensino. A nossa
opinião não é levada a sério”. “Mais ou menos”.
Dessa forma, algumas dessas respostas, numa tentativa de explicar o „sim‟ ou o
„não‟ apontam para a necessidade de investigar melhor quais os sentidos implícitos para
o professor no ato de ensinar e, dentro desses sentidos produzidos, quais as
possibilidades e perspectivas que se vislumbram.
Também está implícito em nossa iniciativa com este estudo certo desassossego
relacionado aos sentidos produzidos pelos cadetes sobre o aprender na AFA.
Arriscaríamos dizer que a insatisfação de alguns professores pode estar relacionada com
a perda de sentido vivenciada no espaço de ensino e de aprendizagem no âmbito desta
Academia. Ainda paira certa inquietação no sentido de entender melhor o nosso
ser/fazer docente, sempre em construção, afinal, não nascemos professores, mas vamos
nos constituindo professores num processo que vai entremeando vários momentos,
instâncias e circunstâncias da nossa vida.
Entre o muito que se tem dito e escrito sobre nós (professores) e o
muito que se tem planejado e proposto a nós, têm-se revelado muitas
faces de nossa atividade profissional. Faces nem sempre harmônicas.
Faces nem sempre agradáveis de encarar. Faces em que, muitas vezes,
não nos reconhecemos [...] (FONTANA, 2000, p.17).
Considerações finais
A intenção deste trabalho é a de conhecer, num primeiro momento, o docente
que atua na Divisão de Ensino da Academia da Força Aérea, justamente porque
percebemos a necessidade de saber mais sobre eles, o que pensam, onde, quando e
como se formaram, se estão ligados a pesquisas, quais os hábitos culturais, se estão
satisfeitos com a docência no âmbito do ensino superior militar.
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Os resultados que ora são apresentados tratam de aspectos mais gerais na
construção da identidade desses docentes, pois nossa intenção é procurar entender
melhor quem são eles, as suas práticas e concepções educativas, as semelhanças e
diferenças postas entre esses sujeitos, a sua história de formação e a construção de sua
identidade como docente. Assim, ao refletir sobre o outro, também estamos refletindo
sobre nós mesmos, questionando-nos continuamente acerca do inquietante caminho
traçado de nossa formação e profissionalização docente.
Portanto, além de problematizar-nos sobre a profissionalização docente,
procurou-se mostrar a face do professor civil que atua na AFA, contextualizando a sua
prática docente a partir da especificidade do ensino que se realiza no âmbito de uma
instituição de ensino superior que, por ser militar, apresenta características próprias da
vida em caserna – unidade de comando, hierarquia, disciplina, amplitude de controle,
centralização de autoridade – que geram implicações sobre o seu fazer docente,
exigindo um constante repensar sobre a sua prática profissional.
Inúmeros são os caminhos reflexivos que nos apresentou este primeiro momento
de trabalho de pesquisa, que foi o de delinear um perfil do quadro de docentes da AFA.
Assim, os dados aqui apresentados são apenas uma das etapas do processo de
investigação. Outras ações investigativas tornam-se necessárias no sentido de desvelar o
processo de profissionalização e de formação desses docentes, a construção de sua
identidade, assim como as diferentes abordagens de ensino e de aprendizagem que
subjazem a sua prática educativa.
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ALGUMAS CONCEPÇÕES EDUCATIVAS NA PERSPECTIVA DE
DOCENTES DA ACADEMIA DA FORÇA AÉREA
CARLINO, Eliana Pradovi
- AFA
Resumo
Muitos são os trabalhos que discorrem sobre profissionalização e formação docente,
entretanto eles são praticamente inexistentes na perspectiva do ensino militar, que é um
contexto bastante peculiar no campo educacional. A Academia da Força Aérea (AFA) é
uma organização militar de ensino superior que atua na formação dos futuros oficiais da
Força Aérea Brasileira. Nesse contexto de formação, o artigo aqui apresentado pretende
expor as concepções educativas que permeiam o trabalho realizado pelos docentes que
atuam nessa organização, explicitando aspectos de sua formação e profissionalização.
Assim, para compreender essas concepções que embasam o pensar e o fazer pedagógico
de professores que, sendo civis, atuam no âmbito militar, utilizamos um caminho
metodológico empírico. O procedimento adotado para o levantamento dos dados
obtidos foram entrevistas semiestruturadas aplicadas a dez professores, de acordo com o
critério de antiguidade na organização, sendo dois de cada uma das áreas de
conhecimento contempladas na Divisão de Ensino da Academia. Para este artigo em
particular, foi feito um recorte com as transcrições de cinco sujeitos. Apesar de o roteiro
de entrevista contar com onze questões no total, foram utilizadas, neste trabalho, duas
delas a fim de elencar as categorias de análise, pois eram as que mais ofereciam indícios
para o reconhecimento das concepções que se pretendia apreender. As análises
apontaram que, embora essa organização militar seja destacada pela adoção de um
modelo tradicional e tecnicista de ensino, os seus professores encontram possibilidades
para dar a sua marca ao trabalho desenvolvido. Entretanto, essa aprendizagem da
docência ocorre mais no cotidiano e de forma individual, sendo muito isolada,
considerando que a organização à qual pertencem não proporciona políticas para a
profissionalização docente.
Palavras-chave: Concepções. Ensino superior. Instituição militar.
Apresentação
Já há alguns anos um grupo de docentes/pesquisadores tem se debruçado sobre a
realidade e o contexto no qual atuam, a saber, o ensino superior numa organização
militar - a Academia da Força Aérea (AFA). E, nesse contexto, iniciaram um trabalho
de pesquisa no qual se procurou delinear aspectos não só que distinguem os docentes
dessa organização, mas também que os igualam a tantos outros, assim como seu
processo de profissionalização, identidade e formação.
Consideramos este panorama de pesquisa como único e singular, já que a cultura
militar é o cenário no qual esses professores vão se constituindo. Desse modo e na
sequência desse trajeto de investigação, a intenção neste momento é delinear algumas
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das concepções educativas que embasam seu pensar e o seu fazer pedagógicos,
principalmente as que se referem ao ensino e à aprendizagem.
A partir de duas questões que compunham o roteiro de entrevista utilizado,
consideramos que seria possível, ainda que indiretamente, identificar algumas dessas
concepções de ensino e de aprendizagem a embasar as suas ações.
Nesse vir a ser do docente, que podemos chamar de profissionalização, o que
conta não é apenas sua formação inicial, mas a formação que se dá no decorrer do
exercício de sua profissão. Como afirma Perrenoud (1993, p.137),
qualquer formação inicial merece ser periodicamente repensada em função da
evolução das condições de trabalho, das tecnologias ou do estado dos
saberes. Em determinados casos, a renovação das formações iniciais é parte
integrante de uma transformação mais fundamental da profissão. É o caso da
profissão docente, em vias de profissionalização.
Para Pimenta e Anastasiou (2002, p.37),
na maioria das instituições de ensino superior, incluindo as universidades,
embora seus professores possuam experiência significativa e mesmo anos de
estudos em suas áreas específicas, predomina um despreparo e até um
desconhecimento científico do que seja o processo de ensino e de
aprendizagem, pelo qual passam a ser responsáveis a partir do instante em
que ingressam na sala de aula.
Entendemos que a função docente se faz e se constrói numa trajetória repleta de
questionamentos e indagações nem sempre fáceis de serem equacionadas, até porque
concordamos com Arroyo (2008, p.41), quando afirma que “é mais fácil questionar o
sucesso ou fracasso dos alunos no domínio de conteúdos e técnicas, de competências,
do que o próprio mestre questionar a formação e o desenvolvimento humano dele
próprio, porque será sempre uma autointerrogação”.
Em trabalho realizado por Oliveira (2001, p. 7), podemos ver que
a realidade do ensino militar na Academia da Força Aérea Brasileira
compreende procedimentos pedagógicos que limitam o papel do educador em
sua prática de ensino. [...] Condiciona-se a transmissão dos conteúdos
previstos no Programa Curricular no sentido de proporcionar aos educandos
resultados favoráveis no processo avaliativo, que se refletem diretamente na
carreira do profissional militar e, por isso, torna o ensino terminal e utilitário
em condicionar os cadetesvii
a estudarem direcionados, prioritariamente, para
a conquista de notas nas provas.
O vir a ser da pesquisa
Tendo como objetivo identificar algumas das concepções educativas dos
professores, selecionamos duas questões – Como você pensa/prepara suas aulas? e A
que ou a quem você atribui o seu modo de fazer suas aulas? – retiradas de um roteiro de
entrevistas que contemplava onze questões.
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Pensamos que, ao falar sobre como prepara suas aulas, o professor dá indícios de
sua visão educacional, ainda que essa visão ou as concepções adotadas não sejam de
todo percebidas por ele.
Participaram das entrevistas dois professores de cada uma das áreas que
compõem a Divisão de Ensino da AFA, a saber: Ciências Administrativas, Ciências
Humanas, Ciências da Linguagem, Ciências Exatas e Ciências do Esporte. O critério de
escolha dos participantes deu-se conforme o tempo de serviço na Academia: um
professor com mais tempo e outro com menos tempo na organização.
As entrevistas foram gravadas e transcritas para que pudéssemos selecionar
possíveis categorias de análise. Como o material obtido foi bastante extenso fizemos um
recorte e utilizamos, para este artigo, apenas cinco transcrições, o que representa as falas
de cinco sujeitos.
A partir daí, procuramos compreender como essas falas indicavam os modos de
pensar desses sujeitos professores sobre os aspectos desejados. Sabemos, entretanto, que
essas análises não se encerram aqui e nem encerram a possibilidade de compreensão das
concepções que permeiam o dizer e o fazer dos professores, mas são apenas uma
maneira, entre tantas outras, de compor um quadro ainda mais amplo que vai se tecendo
num movimento contínuo.
Nas palavras de Bakhtin (2003, p.272), “cada enunciado é um elo na corrente
complexamente organizada de outros enunciados”. Por isso, ao fazermos uma leitura
dessas primeiras questões, queremos destacar que ela não é a única possível e, por não
ser única, configura-se, portanto, provisória, como todo conhecimento que se produz na
tentativa de compreensão dos processos humanos.
Entendemos que as concepções que os professores apresentam e os sentidos que
atribuem às suas práticas fazem parte de uma construção ininterrupta num cenário social
heterogêneo marcado por crenças, valores, experiências.
Cada professor fala de um determinado lugar, o que faz dessa produção de
sentidos uma produção coletiva, em que as falas e concepções dos professores são
situadas e demarcadas social e historicamente, não podendo ser compreendidas como
produtos finalizados (BAKHTIN, 2003, 2004; GERALDI, 1996).
Se, por um lado, teóricos como Bakhtin (2003) e Geraldi (1996) sustentam a
produção coletiva de sentidos, por outro muitas são as produções teóricas no campo do
ensino a fundamentar a ação docente como Mizukami (1986), Araújo (2011), Saviani
(1988), e, não raro, notam-se nesse fazer da sala de aula indícios desses referenciais
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teóricos, seja nos diferentes modos de ensinar; de preparar suas aulas; de avaliar; de
estabelecer relações com os alunos; de definir os conteúdos de ensino, seja em outros
aspectos. É dessa perspectiva que passamos a ouvir o que dizem os sujeitos desta
pesquisa.
Ouvindo os docentes
Como resultado de uma pesquisa realizada em 2012 pelo PEPEviii
, sobre o
quadro docente pesquisadoix
, quarenta e oito por cento (48%) dos professores atuavam
como docentes na AFA há, pelo menos, 11 anos, e quinze por cento (15%), há mais de
30 anos. Sendo assim, mais da metade deles, ou seja, sessenta e três por cento (63%)
contavam com um tempo considerável de trabalho desenvolvido nessa organização
militar, e trinta e sete por cento (37%) tinham ingressado na AFA há menos de seis
anos.
Indagamo-nos sobre como esses diferentes tempos de contato com o ensino
superior no âmbito militar têm sido apropriados e têm se refletido nos modos como cada
um concebe as questões de ensino e de aprendizagem e desenvolve seu trabalho em sala
de aula.
Ao pensarmos sobre as concepções de ensino e de aprendizagem que permeiam
os trabalhos desenvolvidos na AFA, verificamos que “o termo instrução é forte e
determinante nas salas de aula da Academia” (KIRSCH, 2013, p. 64).
Um dos docentes participantes da pesquisa, apesar do amadurecimento
experimentado na organização, coloca que o modo de fazer as aulas se reveste de maior
dificuldade por conta dos padrões a serem incorporados na AFA, o que ele explicita a
seguir:
Aqui na Academia tudo é mais complicado, tem um padrão, então eu cheguei
aqui, eu incorporei o padrão: „ah, a aula é com transparência, tem que ter
objetivo, tem que ter... [...] (ENTREVISTADO 3).
E outro acrescenta:
A gente acaba ficando meio condicionado [...] acaba repetindo o mesmo livro
didático, todos os anos; tá certo que os alunos são diferentes, tá certo que a
abordagem, às vezes, é diferente [...], e eles nem têm tempo hábil pra ficar
saindo muito do conteúdo, então é meio que uma „camisa de força‟, uma „rua
sem saída‟, porque você tem que cumprir aquele conteúdo programático
(ENTREVISTADO 4).
Ao pensar numa abordagem mais humanista em termos de aprendizagem,
Mizukami (1986) aponta que sua característica básica é o favorecimento de um clima
que possibilite uma atitude de liberdade para a aprendizagem e respeito pelo sujeito que
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aprende, considerado capaz de autodirigir-se. Na visão de um dos professores
entrevistados, isso é levado em conta.
[...] o Direito, ele é formado, as leis são formadas por ensinamentos dos
professores, pelos juristas que vão estudando os artigos, e aí, às vezes, vem
um aluno, ele formula uma nova hipótese: „olha professor, talvez os
legisladores não pensaram nessa ocorrência‟. Aí eu falo: „é mesmo, não
pensaram e eu também não tinha pensado‟. E aí a gente consegue, usando os
princípios gerais do Direito, todo o arcabouço, legal, dar aquela... a saída que
o bom senso indica ser (ENTREVISTADO 2).
Apesar de ter uma visão que prioriza a inter-relação entre professor e alunos e
promove uma participação ativa desses, este docente considera, entretanto, que a rotina
dos alunos militares é muito cansativa, o que dificulta que eles participem da aula de
forma mais construtiva. Ao pensar sobre as aulas e sobre a quantidade de assuntos a
serem abordados por sua disciplina, contrastando com a rotina estressante, ele
considera:
[...] aqui no nosso ambiente de trabalho, é difícil você ter mais da metade da
sala envolvida mesmo, querendo participar [...] eu acredito que poderia haver
blocos de aulas acadêmicas, quando o aluno se sentisse puramente aluno, e as
atividades militares dispostas num outro momento. Aí ele seria lembrado que
ele é um militar, mas não misturando as coisas [...] não fazendo com que ele
fique de madrugada acordado, e rastejando, e fazendo ordem unida, e depois
no dia seguinte, horas depois, ele tenha que suportar um dia todo de atividade
intelectual (ENTREVISTADO 2).
Em se tratando de planejamento de ensino, a AFA trabalha com os chamados
PUDs (Planos de Unidade Didática), elaborados pelos docentes de cada disciplina, mas
com ênfase em objetivos educacionais – gerais, específicos e operacionalizados –
vinculados com a taxionomia de Bloom (1976). Isso fica evidente nas falas de alguns
docentes:
[...] a primeira coisa que a gente pensa é aonde você quer chegar, é o que eu
quero da sala ao final, que seria o objetivo, aí começo a pensar uma maneira
de alcançar aquele objetivo, como eu vou planejar aquele conteúdo de uma
maneira que o cadete adquira o conhecimento [...], aí a gente vai pensar nas
estratégias, na melhor metodologia, como trabalhar. É assim que eu tenho
feito (ENTREVISTADO 1).
Ao falar sobre a avaliação do aluno ou como realiza o processo de avaliação, o
mesmo docente reforça a ideia anterior, ainda focado nos objetivos de ensino:
de novo a questão do objetivo, o que é que você quer com aquilo, aquele
instrumento é para você checar se o cadete, se o aluno, se ele deu conta
daqueles conteúdos, se ele atingiu o objetivo; então, a primeira coisa que eu
penso é isso, o que eu quero? o que eu quero que ele faça? o que eu desejo
dele? Que comportamento eu desejo desse cadete? [...] então a avaliação vai
verificar se ele atingiu aquele ponto que você considera o ideal, né, que seria
o objetivo (ENTREVISTADO 1).
Em trabalho de Paula (2015), há uma constatação de que o ensino militar é
instrucionista e reprodutivista. Assim, na AFA, a aula, por vezes, deixa de significar um
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acontecimento dinâmico entre cadetes e professores, para se tornar algo estático, um
“depósito” de saberes em virtude da grande quantidade de conteúdos ministrados e
previstos no currículo mínimo. O aluno acaba tendo como função central a
memorização dos conteúdos e a sua devolução nas provas e avaliações (DEMO, 2008).
Desse modo, o cadete deixa de ser um sujeito ativo na produção do
conhecimento, porque passa a priorizar os resultados das avaliações em detrimento da
consolidação do conhecimento. E, nesse contexto instrucionista, a informação é apenas
repassada para o aluno que acaba por repetir o modelo que teve de modo igualmente
reprodutivo.
Entretanto, apesar disso, constatamos que alguns docentes procuram dar um
sentido diferente ao seu trabalho:
Diante das características dos cadetes, do tipo de aula que necessariamente a
gente precisa dar aqui, a minha preocupação é tornar a aula mais atrativa, é
fazer com que eles se interessem mais [...] A minha preocupação é tornar a
aula atraente e fazer com que eles se interessem em conhecer mais a
Economia (ENTREVISTADO 3).
Ao ouvir os professores, pensamos também em como essas concepções vão se
produzindo.
Sabe-se que, mesmo para os profissionais cuja formação inicial contemplou
aspectos didáticos e pedagógicos ou que tiveram licenciatura, essa formação não tem
sido suficiente para um bom desempenho em sala de aula (PERRENOUD, 1993;
D‟Ávila, 2012). As dificuldades tornam-se ainda mais evidentes para aqueles docentes
cujo preparo profissional não contemplou a instância pedagógica, o que é comum para
um grande número de professores.
No caso da AFA, do total dos participantes da pesquisa, onze por cento (11%)
tiveram formação no Magistério (ou antigo Normal), e sessenta e quatro por cento
(64%) tiveram licenciatura no curso de graduação.
Para alguns, a referência ao curso de Magistério é lembrada de modo
significativo, o que não acontece em relação à licenciatura.
Eu aprendi muito quando eu fiz o magistério, eu tive professores bons e
muita orientação, mais do que na época da licenciatura, então eu aprendi
como dar aula, porque é importante você planejar uma aula, a questão do
objetivo ficar muito claro, a metodologia, você reavaliar no final, então toda
essa sequência, que quando a gente veio pra cá a gente fez aquele CPIx, de
padronização de instrutores, tudo isso eu já tinha aprendido quando eu fiz
magistério [...] (ENTREVISTADO 1).
Já para o entrevistado 2, apesar de observar o que está proposto para o seu curso
no plano de unidades didáticas (PUD), a aprendizagem para a docência está mesmo nas
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leituras e, segundo ele, “a gente aprende muito mais lendo do que propriamente na
faculdade”. Desse modo, os livros e os jornais são fonte de inspiração para as aulas.
Eu tiro muitas coisas dos livros, jornais, das matérias que saem na semana, no
dia; no Direito você consegue extrair todos os assuntos que você tem para
lidar naquela aula, na aula de amanhã, na aula da semana que vem, então é
sempre notícia; um texto de jornal tem, às vezes, quatro, cinco institutos do
Direito que precisam ser lidados naquele tempo [...] a bagagem que vem
depois da faculdade é, muitas vezes, maior (ENTREVISTADO 2).
Entretanto, nesse universo pesquisado, setenta e dois por cento (72%) dos
professores participam de eventos na área de educação, enquanto dezoito por cento
(18%) nunca participaram de eventos nessa área. Em contrapartida, oitenta e nove por
cento (89%) estão envolvidos em atividades científicas em sua área específica de
atuação, enquanto três por cento (3%) nunca tiveram esse tipo de participação.
Um dos docentes, ao ser indagado sobre as influências que teve no seu processo
de “aprender a dar aulas” ou sobre algum modelo importante a quem atribuiria o seu
modo de ensinar, apenas fez boas referências a sua professora de 1ª e 2ª séries –
segundo ele, a melhor professora que teve é aquela que o alfabetizou. Porém, sobre a
pergunta propriamente dita, respondeu: “Modelo para dar aula? Não... [...] não tenho
modelo, conscientemente, não” (ENTREVISTADO 2).
Outro docente ao falar sobre isso afirma:
não, eu aprendi mesmo no dia a dia. Eu acho que a maneira que eu ministro
as minhas aulas depende muito dos meus alunos [...]. Eu acho que eu levo em
consideração, primeiramente, os alunos, o grau de dificuldade, facilidade,
participação também [...] então, a gente acaba meio que fazendo uma
mesclagem, mesmo, das abordagens, dos métodos (ENTREVISTADO 4).
Um docente, ao falar sobre sua forma de aprender a preparar as aulas, faz
menção aos colegas professores de cursinho:
quando eu fazia o mestrado, eu fiz um círculo de amizades que eram
basicamente professores de cursinho. Então, eu convivia direto, meu marido,
ele começou dando aula no ensino médio, cursinho, e eles conversavam o
tempo todo a respeito de como preparar a lousa [...] então a grande influência
na forma como eu trabalho em sala de aula vem deles, vem lá do cursinho...
(ENTREVISTADO 5).
Concepções subjacentes à voz dos docentes
O preparo ou a produção das aulas ocorre de acordo com as várias perspectivas
de cada docente adotadas ao longo do seu tornar-se professor. Destacam-se, assim, nas
falas dos entrevistados: os objetivos (operacionalizados) de ensino; os temas emergentes
nas aulas como sinalizador de conteúdos a serem trabalhados pelo professor; a
atratividade da aula como forma de produzir interesse no aluno; e a necessidade do uso
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de livro didático. Além disso, aparece ainda o foco na resposta e na participação dos
alunos em aula, a troca de informações entre professor e alunos.
Ao mesmo tempo entendemos que, nessa diversidade de concepções, as
referências passadas constituem esse trajeto e essa aprendizagem. Autores como Placco
e Souza (2006, p. 30), ao trabalharem com aspectos da aprendizagem do adulto
professor, fazem referência à memória como sendo muro e brecha, pois, de um lado, ela
“revela o enrijecimento que valoriza o passado e pode dificultar o ato de aprender, de
outro a plasticidade que confere significados e pode operar transformações no sujeito”.
Analisando as respostas dos docentes em relação à segunda questão – A que ou a
quem você atribui o seu modo de fazer as aulas? – pudemos observar também aquele
docente que teve sua aprendizagem no magistério e que demonstra uma enorme
preocupação com o planejamento e com os objetivos de ensino; outro, que sem
considerar ter tido modelo algum, busca suporte na literatura; outro, ainda, atribui seu
fazer docente a uma aprendizagem que acontece no dia a dia, à medida que vai
mesclando abordagens e métodos, ou ainda o foco no preparo da lousa, como referência
aos colegas professores de cursinho.
Enfim, os dados tratados até aqui apontam que, para preparar suas aulas, os
professores se pautam mais num aprendizado que ocorre no cotidiano e que é, de certa
forma, bastante individual; as soluções são encontradas por cada um solitariamente,
ainda que muito do seu fazer esteja apoiado em situações cujos determinantes são
sociais – leituras, cotidiano, outros colegas que não os da própria organização, portanto,
de forma não sistemática –, o que aponta para a ausência de uma política de formação
docente pela organização de ensino em que atuam, apesar das instruções dadas de modo
a produzir uma padronização no ensino (como se ela fosse possível).
Considerações finais
A profissionalização precisa ser pensada quando entendemos a complexidade e a
dificuldade da profissão docente. De acordo com Perrenoud (1993, p.152), a
profissionalização, entre outras coisas, define-se também por
uma identidade, uma forma de representar a profissão, as suas
responsabilidades, a sua formação contínua, a sua relação com outros
profissionais, o funcionamento dos estabelecimentos de ensino [...]. Nada
disto se faz espontaneamente, à medida de uma progressão puramente
individual. [...] E que haja lugar para uma reflexão sobre a organização, as
suas finalidades e estruturas. Porque ser um profissional também significa
participar na gestão do conjunto, não se contentar em fazer o trabalho
individualmente.
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Dificilmente os professores fazem uma análise reflexiva ou falam a respeito de
sua prática; dificilmente estabelecem relações entre seu fazer e os pressupostos teóricos
que o embasam e determinam as decisões que tomam ao realizar seu trabalho. Mas,
ainda que não o façam, sua prática é política no sentido de que evidencia valores.
A formação do professor, no que se refere aos conhecimentos científicos de
seu campo e do campo da Educação, da Pedagogia e da Didática, requer
investimentos acadêmicos [...] requer também que se invista na sua formação
contínua nas instituições, nas quais instaure práticas [...] de análise, de
compreensão, de crítica, de proposição de novas práticas institucionais que
visem tornar o ensino numa conquista para todos os alunos (PIMENTA;
ANASTASIOU, 2002, p. 186).
Assim, pensamos que criar espaços de reflexão nos quais os sujeitos possam
olhar mais detidamente para aquilo que pensam e fazem no seu trabalho educativo pode
ser uma forma de explicitar para os outros e, principalmente, para si mesmos os sentidos
e as relações afetivas construídas com relação ao trabalho desenvolvido cotidianamente
e, conseqüentemente, resignificar o próprio trabalho, construindo novos fazeres, novos
sentidos e novos olhares.
Ao falar sobre suas práticas e fazeres em sala de aula, os docentes da pesquisa
puderam buscar muitos elementos instalados na memória e, como diriam Placco e
Souza (2006, p. 31), “revisitar e refazer o acervo de nossas memórias podem resultar em
abordagens distintas, novos pontos de vista, encorajamentos e ousadias”.
A reflexão aqui proposta não difere muito das que se estabelecem nas discussões
sobre ensino superior, mas a sua peculiaridade está justamente em focalizar o pensar e o
fazer docente em uma instituição militar, a qual se configura metodologicamente
engessada em concepções de ensino e de aprendizagem da década de 50 (Bloom, 1976),
no entanto, não obstante a isso, seus docentes vão construindo o seu fazer com inúmeras
marcas de um social bastante amplo e diverso.
Num universo de onze questões dirigidas aos professores entrevistados, as duas
que foram escolhidas para a discussão ora proposta já puderam oferecer inúmeros
indícios que nos possibilitaram conhecer um pouco dessas concepções, bem como
alguns sentidos que os docentes da AFA atribuem ao fazer docente. Esses sentidos,
como já dito, não são os únicos possíveis, pois não há uma mão única no caminho do
ensino e da aprendizagem, mas a construção de várias vias por onde percorrem sujeitos
detentores de valores, crenças e experiências díspares.
Assim, ao falar sobre sua prática, cada um de seu lugar, esses docentes não só
constituíam sua memória pessoal e coletiva, ao situarem-se social e historicamente, mas
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também deixavam implícitas em suas falas o seu fazer e o seu pensar na educação
dentro de uma instituição militar.
Nossa intenção não foi categorizar nenhum docente dentro de uma abordagem
qualquer (humanista, tradicional, comportamentalista etc.), ao contrário: a análise dos
dados evidenciou que o preparo e a produção das aulas, assim como os
“modelos”/recursos que eles utilizam para isso, advêm das diferentes perspectivas de
que cada docente se apropria ao longo de seu processo de profissionalização docente e
que, muitas vezes, acaba por fazê-los transitar por concepções até mesmo antagônicas.
Isso chama nossa atenção para o fato de que muitas foram as formas que os
docentes encontraram para falar sobre a produção do seu trabalho, e essas formas são
provenientes de muitos espaços sociais – a escola que tiveram, os grupos de amigos, os
colegas e a própria organização na qual atual. Disso decorre que não se pode pensar
numa forma de desenvolvimento profissional que considere apenas o sujeito docente
isolado, desvinculado de um contexto mais amplo, pois tais fatores estão imbricados no
profissional que ele vai se tornando.
Mas, quando esse processo acontece tão solitariamente, indagamo-nos se é
possível viver a vida de docente sem que se tenha um momento sequer para falar ou
pensar sobre isso e, ainda, se é possível ser bom profissional sem que se pense no
próprio processo de profissionalização.
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i Mestre em Linguística e Língua Portuguesa e doutora em Educação Escolar pela Faculdade de Ciências
e Letras da Universidade Estadual Paulista – Unesp de Araraquara-SP. Professora associada de Língua
Portuguesa da Academia da Força Aérea – AFA, Pirassununga-SP. Pesquisadora do Grupo de Estudos
Processos Educacionais – Propostas de Estudo (PEPE), vinculado ao Grupo de Estudos e Pesquisas em
Assuntos de Defesa de Interesse do Comando da Aeronáutica (GEPAD) (Linha 3 - Educação e formação
de profissionais militares). E-mail: [email protected]. ii Esta discussão foi amplamente apresentada em FORMIGA, L. A. Relatório técnico: Identidade
profissional e o processo de formação do professor da AFA. Pirassununga - SP: Academia da Força
Aérea, 2016. 22 p. iii
As reflexões desta seção foram rigorosamente expostas em CARLINO, E.P. Relatório técnico: Os
múltiplos sentidos sobre a aula na visão do docente da Academia da Força Aérea. Pirassununga - SP:
Academia da Força Aérea, 2016. 8 p iv Toda análise linguística aqui sugerida foi minuciosamente descrita em HERNANDEZ, J. M. C.
Relatório técnico: A construção dos sentidos sobre o fazer docente – análise e importância dos tópicos
discursivos e dos marcadores conversacionais nas falas dos professores da AFA. Pirassununga - SP:
Academia da Força Aérea, 2016. 22 p. v Doutor em Educação: Universidade Metodista de Piracicaba (UNIMEP) – Piracicaba - SP. Professor
Associado 3 da Academia da Força Aérea (AFA), docente da área de Ciências Administrativas,
responsável pela disciplina Teorias Administrativas, Membro do grupo de pesquisa Processos
Educacionais – Propostas de Estudo (PEPE), vinculado ao Grupo de Estudos e Pesquisas em Assuntos
da Defesa (GEPAD). Realiza estudos na área da Educação, com ênfase em políticas públicas
educacionais e organização escolar. E-mail: [email protected].
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vi Doutora em Educação: Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) – São Carlos-SP. Professora
Associada 3 da Academia da Força Aérea (AFA), docente da área de Ciências Humanas, responsável pela
disciplina Psicologia Organizacional. Membro do grupo de pesquisa Processos Educacionais – Propostas
de Estudo (PEPE), vinculado ao Grupo de Estudos e Pesquisas em Assuntos da Defesa (GEPAD).
Realiza estudos na área da Educação, Formação de Professores e Linguagem. E-mail:
[email protected]. vii
Cadete é a denominação que recebe o aluno da Academia da Força Aérea. viii
PEPE - Processos Educacionais - Propostas de Estudo é o grupo de estudos e pesquisas sobre formação
docente, composto por três professores da AFA e que está vinculado ao Grupo de Estudos e Pesquisas em
Assuntos de Defesa (GEPAD). ix
Sendo sessenta e um por cento (61%) homens e trinta e nove por cento (39%) mulheres; e desse total
cinquenta e sete por cento (57%) estavam na faixa etária entre 40 e 55 anos (do quadro pesquisado, à
época do estudo). x CPI se refere ao Curso de Padronização de Instrutores oferecido aos professores quando de seu ingresso
na Academia da Força Aérea. Os pressupostos teóricos desse curso estão, em sua quase totalidade,
baseados na Taxionomia de Bloom (1976) e em técnicas de plataforma.
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