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IGREJA PRESBITERIANA DO BRASIL
SEMINRIO PRESBITERIANO BRASIL CENTRAL
S P B C
Goinia,
Agosto/2002
A Doutrina Reformada
da
Suficincia das Escrituras
por
Luiz Ancelmo Sampaio Cardoso
Orientador: Rev. Hlio de Oliveira Silva
2
SEMINRIO PRESBITERIANO BRASIL CENTRAL
S P B C
Teologando:
Luiz Ancelmo Sampaio Cardoso
A Doutrina Reformada
Da
Suficincia das Escrituras
Monografia apresentada ao Seminrio Presbiteriano
Brasil Central SPBC, em cumprimento s
exigncias para colao de grau.
Goinia,
Agosto/2002
3
TERMOS DE APROVAO
Assunto : As Escrituras
Ttulo : A Doutrina Reformada da Suficincia das Escrituras
Autor : Luiz Ancelmo Sampaio Cardoso
Orientador : Rev. Hlio de Oliveira Silva
Ao Seminrio Presbiteriano Brasil Central SPBC, aps examinar o trabalho
apresentado pelo teologando Luiz Ancelmo Sampaio Cardoso, resolve:
______________________________________________________________
______________________________________________________________
______________________________________________________________
______________________________________________________________
______________________________________________________________
______________________________________________________________
______________________________________________________________
___________________, _______, _____de ______________ de 2002.
____________________________ _______________________________ Examinador Examinador
_________________________ _______________________________ Examinador Examinador
4
DEDICATRIA
Trs pessoas foram importantssimas para a minha vida durante estes quatro
anos no Seminrio, so elas:
Minha querida me Artmia, que a considero uma herona, pois, mesmo
sozinha, no mediu esforos para me sustentar nestes quatro longos anos. Minha me um
exemplo de abnegao, pois, desde sua separao com o meu pai, quando ainda eu era
criana, ela foi capaz de abrir mo de sua prpria vida em prol dos seus filhos. Portanto,
em primeirssimo lugar, dedico este trabalho exclusivamente a minha incomparvel me.
A segunda pessoa a quem dedico este trabalho ao meu amado irmo Andr
Luiz que, mais do que irmo, sempre foi um grande amigo e um grande conselheiro.
Espelho-me neste grande homem, que, na ausncia do meu pai, exerceu um papel
importantssimo como um verdadeiro pai para mim. Este trabalho tambm dedicado a
voc meu irmo!
A terceira pessoa a quem dedico as pginas deste trabalho, sem dvidas, a
minha amada noiva Amanda. Deix-la por ltimo no quer dizer que a menos importante,
mais, pelo contrrio, estas trs pessoas constituem-se a minha vida aqui na terra. Amanda
o meu grande amor, que, em breve, ser minha esposa. Portanto, no poderia deixar de
dedicar-lhe este to laborioso trabalho. Ele dedicado tambm a voc meu amor!
5
AGRADECIMENTOS
So tantas as pessoas que, de uma forma ou de outra, me ajudaram nestes anos.
No entanto, deixar de nomear algumas destas pessoas, no sinal de que as esqueci, pois,
se fosse citar todos os nomes, sem dvida alguma, teria que gastar muitas pginas.
Mas, algumas pessoas no poderiam deixar de ser mencionadas. Elas, sem
dvidas, foram instrumentos de Deus para me sustentar nestes anos. J mencionei a minha
me na dedicatria, mas fao questo de cit-la novamente. Agora, para agradecer-lhe pela
mesada que, infalivelmente recebia dela. Mais uma vez, agradeo-lhe Me!
Agradeo tambm, imensamente a minha querida e inesquecvel Igreja de
Souto Soares, Igreja que se tornou, no mnimo, desejada de ser conhecida por muitos
colegas meus, pois no deixava de mencion-la nestes anos que estive no seminrio. Foi
esta igreja que me sustentou por trs anos com 75% das despesas do seminrio, e, no
ltimo ano, com 50%. A esta igreja, que sempre ser a minha amada igreja, meus
agradecimentos.
Nesta igreja, passaram dois pastores que tive o privilgio de t-los como meus
tutores, o Rev. Adenildo e o Rev. Ermilton. Dois grandes homens de Deus que, durante
trs anos (o primeiro, um ano, e o segundo, dois anos) me ajudaram muito, a eles, meus
agradecimentos. Somente no meu ltimo ano, tive a grata satisfao de ter o Rev. Adauto
como meu tutor. Tambm no poderia deixar de agradecer a este, meu pai na f, pela ajuda
e incentivo.
Tambm agradeo muitssimo ao meu amado Presbitrio Ponte Nova, que,
mesmo com dificuldades financeiras, demonstrou prontido em me sustentar no Seminrio.
Aqui, no poderia deixar de mencionar o meu professor e orientador, Rev.
Hlio, que, mais que orientador, foi um verdadeiro tutor para mim. Tive a oportunidade de
6
trabalhar por dois anos e meio em uma congregao da igreja em que ele pastoreava. Ali,
tive o privilgio de conhecer mais de perto o Rev. Hlio. Todo apoio e incentivo para a
elaborao deste trabalho vieram deste pastor. A ele, minha eterna gratido!
Agradeo tambm ao professor Cloves, pelo apoio e ajuda durante estes quatro
anos. O professor Cloves um grande amigo dos seminaristas. Meus agradecimentos se
estendem tambm a ele.
No poderia deixar de agradecer tambm aos meus colegas que foram to
importantes em minha vida durante estes anos. Estes, com toda certeza, estaro no meu
corao por onde eu for. Alm destes, agradeo aos meus colegas republicanos pela ajuda e
amizade recebida em todo este tempo que estive com eles.
Mas, acima de tudo e de todos, agradeo, de uma forma exclusiva e absoluta, a
Deus. Ele foi no somente a causa, como tambm a nica possibilidade pela qual tive a
capacidade de elaborar este trabalho. Ao meu Grande Deus, aquele que me vocacionou e
me sustentou em todos os aspectos nestes anos, agradeo por ter me dado sabedoria para
fazer este trabalho. Sem o Senhor Deus, jamais teria conseguido vencer nestes quatro anos.
A Ele, Soli Deo Gloria!
7
NDICE
INTRODUO .................................................................................................................... 9
CAPTULO I:
DEFINIO DE TERMOS. ............................................................................................. 13
I. INSPIRAO DAS ESCRITURAS: .................................................................................... 14
I.I- Consideraes Gramaticais: ............................................................................. 14
I.II- Descrio bblica: ............................................................................................... 15
I.III- Definio Teolgica: ......................................................................................... 16
I.IV- O que a inspirao no : ............................................................................... 17
I.V- O que a Inspirao : ........................................................................................ 20
I.VI- O Ensino bblico de Inspirao: ..................................................................... 22
II- INERRNCIA DAS ESCRITURAS: ................................................................................... 25
II.I- Definio de Inerrncia: .................................................................................... 26
II.II- Argumentos a Favor da Inerrncia: ............................................................... 30
II.III- O Ensino Bblico de Inerrncia: ..................................................................... 35
III- A AUTORIDADE DAS ESCRITURAS: ............................................................................ 37
III.I- Definio de Autoridade: ................................................................................. 38
III.II- O Testemunho do Esprito Santo sobre a autoridade da Escritura: ........ 39
III.III- O Ensino Bblico de Autoridade: .................................................................. 41
IV- A SUFICINCIA DAS ESCRITURAS: ............................................................................. 43
IV.I- A Suficincia das Escrituras e a Iluminao do Esprito: ........................... 47
IV.II- O Ensino Bblico de Suficincia: ................................................................... 49
CAPTULO II:
A DOUTRINA DA SUFICINCIA DAS ESCRITURAS NA HISTRIA................... 51
I- NOS PAIS DA IGREJA: ................................................................................................... 51
II- NO ESCOLASTICISMO MEDIEVAL: ............................................................................... 55
III- NO PERODO DA REFORMA:....................................................................................... 56
III- NO MOVIMENTO OS PURITANOS: ........................................................................... 61
IV- O ILUMINISMO DO SC. XIX O MTODO HISTRICO-CRTICO: ............................ 63
8
CAPTULO III:
A DOUTRINA DA SUFICINCIA DAS ESCRITURAS HOJE. ................................. 67
III.I- A CONTROVRSIA MODERNISTA-FUNDAMENTALISTA DE 1875-1930: .................. 67
III.II- PS-MODERNISMO X SOLA SCRIPTURA: ............................................................... 69
III.III- NOVAS REVELAES X SOLA SCRIPTURA: ........................................................... 79
I- Definio de Revelao: ...................................................................................... 82
I.I- Revelao Natural: ......................................................................................... 83
I.II- Revelao Especial: ...................................................................................... 84
I.III- Revelao Escrita: ........................................................................................ 85
III.IV- O PODER TRANSFORMADOR DAS ESCRITURAS: .................................................. 91
I- As Operaes Transformadoras da Palavra de Deus: ................................... 94
I.I- A Palavra de Deus como Lmpada: ............................................................ 95
I.II- A Palavra de Deus como um Martelo: ........................................................ 95
I.III- A Palavra de Deus como Espada: ............................................................. 96
I.IV- A Palavra de Deus como Semente: .......................................................... 97
CAPTULO IV:
A DOUTRINA DA SUFICINCIA DAS ESCRITURAS E SUA PRATICIDADE. ... 99
IV.I- IGREJA: CORPO VIVO QUE PROCLAMA AS VERDADES DA ESCRITURA: ................. 99
I.I- Como podemos ver um retorno s Escrituras? ............................................ 101
IV.II- O CRISTO E A CORRETA INTERPRETAO DAS ESCRITURAS: ........................... 105
II.I- Porque a Interpretao das Escrituras Importante? ............................... 107
CONCLUSO: ................................................................................................................ 110
BIBLIOGRAFIA .............................................................................................................. 112
9
INTRODUO
A no ser que seja convencido pelo testemunho da Escritura ou por argumentos
evidentes... a minha convico vem das Escrituras a que me reporto, e minha conscincia est presa palavra de Deus nada consigo nem quero retratar, porque difcil, malfico e perigoso agir contra a conscincia. Deus me ajude, Amm.1
As palavras de Lutero ecoam pelos sculos como um testemunho, dos mais
eloqentes, da atitude de submisso e obedincia incondicionais Palavra de Deus. Para
Lutero, nem o Papa, nem os bispos, nem os conclios, so superiores ou esto no mesmo p
de igualdade em relao Bblia.
Sola Scriptura! Este foi o lema dos reformadores do sculo XVI. Somente as
Escrituras tem a autoridade e o direito de ser obedecida. Mas, parece-me que tal nfase tem
perdido sua fora no decorrer dos anos. Se pudssemos definir o momento atual da vida da
igreja, talvez, a primeira caracterstica a ser mencionada seria o abandono das Escrituras.
Indubitavelmente a igreja contempornea tem, sistematicamente, se distanciado do
propsito e nfase dado pelos reformadores quanto s Escrituras.
Entretanto, algum, ao ouvir isso, pode se assustar e dizer: Eu no estou vendo
isto acontecer na igreja atual, ela tem crescido tanto! E, com isso, podemos ser at
acusados de incrdulos, pois no se tem visto, em muitos anos, um crescimento numrico
de novos crentes na igreja. Segundo o senso 2.000, o nmero de evanglicos no Brasil
cresceu a uma taxa de 100% em 10 anos. Isto, sem dvida, surpreendente. No entanto, a
pergunta que fazemos : Foram todas estas pessoas, convencidas pelo testemunho das
Escrituras, ou suas convices se originaram de outras fontes? Esto estas pessoas
dispostas a assumirem um compromisso de obedecer e honrar a tudo quanto as Escrituras
ensinam como verdade de Deus? Acaso, esto todas estas pessoas, preparadas para se
encontrarem com Deus? (Ams 4.12). Se a resposta a todas estas perguntas for sim, ento
1 Martinho Lutero, em: Pelo Evangelho Eterno Obras Selecionadas de Momentos Decisivos da Reforma, (Editora Concrdia e Sinodal, Porto Alegre e So Leopoldo RS, 1984), 148-149.
10
podemos nos alegrar com o to grande crescimento de evanglicos em nosso pas. Mas se a
resposta for no, ou seja, se elas admitem que no foram convencidas mediante o
testemunho e autoridade das Escrituras, mas por uma simples experincia mstica, ento,
todas estas supostas converses para nada servem, pois esto desvinculadas da Palavra de
Deus. inadmissvel para as Escrituras haver converso de vidas fora dela. Todas as
pessoas registradas na Bblia, que foram convertidas ao Senhor Jesus, o foram atravs da
pregao das Escrituras, a Palavra de Deus. Portanto, repito, no pode haver converso
parte das Escrituras.
A presente monografia visa apresentar um mtodo histrico-teolgico de
trabalho, com aplicaes bastante relevantes, extradas de fontes originais, com o fim de
levar o leitor a se reportar ao passado, para assim, extrair os princpios bsicos da doutrina
das Escrituras que nortearam as vidas de grandes telogos de sculos passados. Para tanto,
foram usados diversos tipos de materiais, todos de publicao evanglica.
A proposta deste trabalho no apresentar uma nova soluo para todos os
problemas que tem assolado a igreja e minado a autoridade das Escrituras. Pelo contrrio,
nosso propsito mostrar que a igreja precisa voltar aos princpios da Reforma do sculo
XVI. Este retorno no um regresso histria propriamente dita, mas uma volta aos
princpios que nortearam a vida dos reformadores, levando-os a redescobrir o caminho
pelo qual o homem pode, ao menos, saber como obedecer a Deus. E este caminho, sem
sombra de dvidas, a Palavra de Deus.
Sem dvidas, vivemos dias maus (Ef 5.16). A igreja precisa se despertar para
o que est acontecendo dentro dela. Nunca esteve tanto em voga a to exacerbada
experincia subjetiva entre os crentes. Quantos no tm trocado as Escrituras por
experincias extra-bblicas, e feito delas a sua prpria orientao para se fazer a vontade de
11
Deus. Quantos no tm buscado ouvir a voz de Deus atravs de supostas profecias e
outras manifestaes sobrenaturais que, segundos eles, so inquestionavelmente,
manifestaes do Esprito. Aqui e acol, encontramos pessoas afirmando terem revelaes
diretas de Deus, e o que pior, revelaes que desafiam a prpria Escritura. Ou seja,
ningum pode question-las, pois fazer isso ir contra a Palavra de Deus.
Em tudo isso, o que vemos no um abandono claro das Escrituras? Portanto, a
nossa proposta no presente trabalho mostrar que as Escrituras e somente as Escrituras,
so suficientes para nos apresentar a vontade de Deus. O que veremos que a Bblia
constitui-se a ltima revelao de Deus para os homens e suficiente para nos apresentar a
Salvao por meio de Cristo e a sua vontade para o seu povo.
A segunda proposta deste trabalho tambm, fazer uma anlise do tempo em
que vivemos e trazer respostas e solues bblicas para os nossos dias. Sabemos que
estamos vivendo em um novo tempo. Este tempo, comumente identificado como Ps-
modernismo. O ps-modernismo tem apresentado vrias propostas diferentes ao tempo
passado que conhecemos como modernismo. Ao contrrio do modernismo que buscava
uma verdade objetiva, absoluta, o ps-modernismo vem com a sua proposta
desconstrucionista, apresentando um novo conceito de verdade. Para os ps-modernistas,
no existe verdade absoluta, ela deve ser buscada de forma subjetiva e pessoal. Da, cada
qual deve buscar a sua prpria verdade, no importando se a verdade de fulano
diferente da verdade de cicrano. Estas e muitas outras propostas so apresentadas pelos
ps-modernistas, e o nosso objetivo refutar tais propostas mostrando que a verdade
objetiva e absoluta, pois provm de Deus. Mostraremos tambm, a soluo para a igreja
no aderir a tais ensinos ps-modernistas.
12
Por fim, nossa nfase principal neste trabalho, recai sobre a suficincia da
Palavra Escrita, enaltecendo as Escrituras e mostrando o propsito de Deus em ter
inspirado seus servos para escrev-la. No entanto, mostraremos que, para que a Bblia seja
suficiente, ela precisa ser bem interpretada, pois afirmar que ela a ltima revelao de
Deus, no usar de argumentos humanos, mas mediante a prpria Palavra de Deus. Da
mesma forma, isso se aplica aos carismticos. Se suas experincias so de fato,
experincias vindas de Deus, essas experincias devem estar confirmando a Palavra, caso
contrrio, no podem ser vistas como tal.
Aqui, resta-nos dizer que, a nossa afirmao de que Deus no usa mais os meios
revelacionais em nossos dias como usara para se revelar ao seu povo de outrora, e por fim,
deix-la registrada para a posteridade, no quer dizer que Deus no fala ainda hoje. Deus
no somente transcendente, como sempre foi imanente. Ele ainda se relaciona com o seu
povo, Ele ainda age como o Grande Deus, o Senhor dos senhores, o Rei dos reis. Deus
ainda Deus.
No entanto, isso no quer dizer que Ele precise agir como antigamente, o nosso
Deus um Deus dinmico, Ele age da forma que quer: Pois quem conheceu a mente do
Senhor, que o possa instruir? (1Co 2.16); Porque os meus pensamentos no so os
vossos pensamentos, nem os vossos caminhos, os meus caminhos, diz o Senhor (Is 55.8).
Mas, de uma coisa estamos certos, havendo Deus, outrora, falado, muitas vezes e de
muitas maneiras, aos pais, pelos profetas, nestes ltimos dias, nos falou pelo Filho (Hb
1.1-2). Que Deus age e fala ainda hoje, no temos dvidas, mas nunca desvinculado da Sua
Palavra Escrita.
13
CAPTULO I:
DEFINIO DE TERMOS.
A Bblia um livro Singular. No se trata de um livro como os demais, mas,
alm de ser um dos livros mais antigos, ainda assim, continua sendo o bestseller mundial
por excelncia. Sua origem oriental, porm, usada e conhecida por todo o mundo
ocidental. Em toda a histria, opositores houve que j queimaram a Bblia, mas os cristos
sempre a reverenciaram. o livro mais traduzido, mais lido, mais citado, mais publicado e
de maior influncia em todo o mundo no decorrer da histria.
A palavra Bblia deriva do latim, proveniente do termo grego bibloj (bblos)
que significa livro.2 Originalmente era o nome que se dava casca de um papiro do
sculo XI a.C. Por volta do sculo II d.C., os cristos usavam a palavra para designar seus
escritos sagrados.3 Termo sinnimo da palavra Bblia Sagrada Escritura (em grego
hai grafai, ta grammata), freqentemente usada no Novo Testamento para denotar os
documentos do Antigo Testamento, em sua totalidade ou em parte, cf. Mt. 21:42.4
No entanto, este livro sagrado no foi escrito de forma aleatria ou para
discorrer sobre mais um assunto de interesse pessoal. Existem regras divinas dentro das
Escrituras, motivo que a faz to especial. Estas regras ou doutrinas do sentidos a todas s
palavras escritas na Bblia. Vejamos ento, os aspectos que definem a Bblia como palavra
de Deus.
2 J. D. Douglas, Bblia, O Novo Dicionrio da Bblia NDB, (Editora Vida Nova, So Paulo 1995), 216. 3 Norman Geisler e William Nix, Introduo Bblica Como a Bblia Chegou At Ns, (Editora Vida, So Paulo 1997), 5. 4 Douglas, NDB, Op. Cit., 216.
14
I. Inspirao das Escrituras:
Trata-se de uma das doutrinas fundamentais da f crist. To importante que
pode ser considerada a base de todas as outras relacionadas s Escrituras. Coloc-la em
descrdito comprometer todas as demais. E, fazendo isso, a Bblia ser igualada aos
demais livros. Colocar em dvida a inspirao de qualquer texto bblico lanar fora a
Bblia toda, priv-la da sua autoridade, rejeit-la como regra infalvel de f e prtica.
I.I- Consideraes Gramaticais:
A palavra inspirao aparece apenas duas vezes em toda a Bblia.5 Primeiro
em J 35.10, Mas ningum diz: Onde est Deus, que me fez, que inspira ( wtn Nthan,
dar, conceder) canes...; e em 2 Tm 3.16, Toda Escritura inspirada por
Deus...(Qeopneustoj).
Segundo Hermisten Maia, a palavra Qeopneustoj no significa ins-pirado,
mas sim ex-pirado, ou seja, ao invs de soprado para dentro, soprado para fora.6 Colin
Brown comentando sobre esse assunto diz:
O Adjetivo theopneustos significa lit. respirado por Deus, no significa qualquer modo especfico de inspirao, tal qual alguma forma de ditado divino. Nem
sequer d a entender a suspenso das faculdades cognitivas normais dos autores
humanos. Do outro lado, realmente quer dizer algo bem diferente da inspirao
potica. um erro omitir o elemento divino no termo, transmitido por theo- (The
New English Bible faz assim, ao traduzir a frase: toda escritura inspirada). claro que a expresso no d a entender que algumas escrituras so inspiradas,
5 Alguns telogos mencionam J 32.8: na verdade, h um esprito no homem, e o sopro do Todo-poderoso o faz sbio (verso Revista e Atualizada de Almeida); No entanto, na verso Revista e Corrigida, a palavra sopro traduzida por inspirao. Esta mudana serve para nos lembrar do fato de que as Escrituras atribui a criao do universo (Sl 33.6), a criao do homem para ter comunho com Deus (Gn 2.7) e a
produo dos escritos sagrados (2Tm 3.16) ao sopro de Deus. Sobre esse assunto, ver: C. F. Henry, Bblia, Inspirao da, Walter A. Elwell, Enciclopdia Histrico-Teolgico da Igreja Crist EHTIC I, (Editora Vida Nova, So Paulo SP, 1992), 185; e Hermisten Maia P. da Costa, A Inspirao e Inerrncia das Escrituras Uma Perspectiva Reformada, (Editora Cultura Crist, Cambuc SP, 1998), 97. 6 Hermisten Maia P. da Costa, A Inspirao e Inerrncia das Escrituras Uma Perspectiva Reformada, (Editora Cultura Crist, Cambuc SP, 1998), 96.
15
enquanto outras no so. Todas as Escrituras Sagradas expressam a mente de
Deus; fazem assim, no entanto, com o alvo da sua operao prtica na vida.7
Paulo usa esta palavra no sentido de que as Escrituras Sagradas so sopradas,
exaladas por Deus. Ou, para sermos mais objetivos, isto quer dizer que Deus soprado
pelas pginas das Escrituras. por isso que dizemos que as Escrituras tm como autor o
prprio Deus, e ele mesmo o contedo desta.
I.II- Descrio bblica:
Em 1 Corntios 2.13 Paulo escreveu: Disto tambm falamos, no em palavras
ensinadas pela sabedoria humana, mas ensinadas pelo Esprito, conferindo cousas
espirituais com espirituais. Em outras palavras, o que Paulo nos ensina que quaisquer
que sejam as palavras ensinadas pelo Esprito Santo so palavras divinamente inspiradas.
Uma outra passagem muito importante no Novo Testamento a respeito da
inspirao da Bblia est em 2 Pedro 1.21: Porque nunca jamais qualquer profecia foi
dada por vontade humana; entretanto, homens [santos] falaram da parte de Deus, movidos
pelo Esprito Santo. Portanto, de acordo com Pedro, os profetas eram homens cujas
mensagens no se originaram de seus prprios impulsos, mas foram soprados por Deus.8
Pela revelao, Deus falou aos profetas de muitas maneiras (ver Hb 1.1): mediante anjos,
vises, sonhos, vozes e milagres. Inspirao a forma pela qual Deus falou aos homens
mediante os profetas.
Fazendo uma combinao das passagens que ensinam sobre a inspirao divina,
Norman Geisler chega seguinte concluso a respeito da Inspirao da Bblia: Homens,
7 Colin Brown - grafh, Lothar Coenen e Colin Brown, Novo Dicionrio Internacional de Teologia do Novo Testamento, I, ( Editora Vida Nova, So Paulo 2000), 694-95. 8 Norman Geisler e William Nix, Introduo Bblica Como a Bblia Chegou At Ns, (Editora Vida, So Paulo 1997), 10.
16
movidos pelo Esprito, escreveram palavras sopradas por Deus, as quais so as fontes de
autoridade para a f e para a prtica crist.9
I.III- Definio Teolgica:
O Novo Testamento menciona a palavra Inspirao apenas uma vez, e isto,
com o propsito de mostrar que somente os escritos e no os escritores, foram inspirados
(ou soprados) por Deus. A Bblia que Inspirada, e no seus autores humanos. Portanto,
a forma correta de dizer que o produto que foi inspirado e no os produtores. Os autores
certamente escreveram e falaram muitas coisas mundanas, pertinentes a esta vida, contudo,
como nos informa Pedro (2Pe 1.21), o Esprito Santo foi quem tomou posse desses homens
para que assim, estes produzissem os escritos inspirados. Este modo de inspirao toma um
sentido mais amplo. Geisler chama este sentido mais amplo de processo10 pelo qual estes
homens, movidos pelo Esprito Santo, enunciaram e escreveram palavras emanadas da
boca de Deus. Segundo Geisler, este processo total de inspirao contm trs elementos
essenciais, a saber: a causalidade divina, a mediao proftica e a autoridade escrita.11
Causalidade Divina Isto quer dizer que Deus a Fonte nica da inspirao da
Bblia. A iniciativa partiu do prprio Deus. Foi Ele quem primeiro falou aos profetas e, em
seguida, aos homens, mediante esses profetas. Deus falou e estes homens registraram.
Mediao Proftica Os profetas que receberam e escreveram as Escrituras
no eram meros robs. Escreveram segundo a inteno do corao, segundo a conscincia
que os movia no exerccio normal de sua tarefa, com seus estilos literrios e seus
vocbulos individuais. A Bblia que eles produziram a palavra de Deus mas tambm a
9 Geisler e Nix, Op. Cit., 10.
10 Idem, 10.
11Ibid, 10-11. Ver tambm Hermisten Maia P. da Costa, A Inspirao E Inerrncia Das Escrituras Uma Perspectiva Reformada, (Editora Cultura Crist, Cambuc SP, 1998), 101-102.
17
palavra do homem. Deus usou personalidades humanas para comunicar proposies
divinas.
Autoridade Escrita O produto final da autoridade divina em operao por
meio dos profetas, como intermedirios de Deus, a autoridade escrita de que se reveste a
Bblia. A Bblia a ltima palavra no que concerne a assuntos doutrinrios e ticos. As
Escrituras receberam sua autoridade do prprio Deus, que falou mediante os profetas. No
entanto, so os escritos profticos e no os escritores desses textos sagrados que possuem e
retm a resultante autoridade divina. Todos os escritores morreram; os escritos
permanecem.
I.IV- O que a inspirao no :
Hermisten menciona cinco pontos que, erroneamente so aplicados doutrina
da Inspirao das Escrituras:12
a) Mecnica ou ditada Inspirao no quer dizer que os homens que
escreveram a Bblia no estavam conscientes do que estavam fazendo. No eram usados
como meros robs, pois se assim o fora, no haveriam estilos de escrita diferentes na
Bblia, pois sabemos que existem. Um dos textos que descarta esta hiptese 2 Pedro 3.
15, 16, quando Pedro faz aluso maneira prpria de Paulo escrever.
b) Iluminao Inspirao no quer dizer apenas que os escritores receberam
um grau especial de percepo espiritual para escreverem a Bblia. Se assim fosse,
teramos que dizer que a inspirao de cada texto bblico dependeria da apreenso de cada
iluminado para que pudesse registrar o que percebera. Conseqentemente, no
poderamos dizer que a Bblia inerrante, visto que a Bblia apenas conteria a Palavra que
12 Hermisten Maia P. da Costa, A Inspirao e Inerrncia das Escrituras Uma Perspectiva Reformada, (Editora Cultura Crist, Cambuc SP, 1998), 93-96. Ver tambm, Paulo Anglada, Sola Scriptura A Doutrina Reformada das Escrituras, (Editora Os Puritanos, So Paulo SP, 1998), 54-56.
18
foi apreendida, captada. Este conceito contraria o ensino das Escrituras (ver Jo 10.35; At
4.25, 26; 6.2), que afirma que Deus fala atravs dos seus servos, sendo o seu registro a
Palavra de Deus, a qual no pode ser anulada.
c) Intuio Inspirao no quer dizer que os escritores foram inspirados da
mesma forma que os grandes autores da literatura, inventores, cientistas, msicos, etc. Se
assim fosse a Bblia seria igualada a qualquer outro livro, e, conseqentemente seria
falvel, sujeita a erros e o pior de tudo, no nos conduziria a Deus (ver Jo 5.39).
d) Parcial ou fracionada Inspirao no significa que a Bblia contm a
palavra de Deus. Na Bblia no existem partes inspiradas e outras no inspiradas, Toda
escritura inspirada (2Tm 3.16).
c) Mental Inspirao no significa que os autores secundrios tiveram apenas
os seus pensamentos inspirados, mas no as palavras de seus registros. A Bblia nos ensina
que Deus d as palavras para serem registradas (cf. x 24.4; 34.27; Is 30.8; Jr 1.9; 36.2; Hc
2.2; Ap 21.5). A inspirao termina no nas idias, mas no registro final das Escrituras
(2Tm 3.16).
Alm disso, precisamos fazer algumas distines importantes no entendimento
da doutrina da Inspirao das Escrituras.
Primeiramente, quando falamos que as Escrituras so inspiradas, nos referimos
aos originais e no s cpias.13
A inspirao e a conseqente autoridade da Bblia no se estendem
automaticamente a todas as cpias e tradues da Bblia. S os manuscritos originais,
13 Ver Geisler e Nix, Op. Cit., 12.
19
conhecidos por autgrafos, foram inspirados por Deus. Os erros e as mudanas efetuados
nas cpias e nas tradues no podem ser atribudos inspirao original.14
Visto que os originais no mais existem, alguns crticos tm objetado
inerrncia de autgrafos que no podem ser examinados e nunca foram vistos. A essas
objees, a resposta que se d que a inerrncia bblica no um fato conhecido
empiricamente, mas uma crena baseada no ensino da Bblia a respeito de sua inspirao,
bem como baseada na natureza altamente precisa da grande maioria das Escrituras
transmitidas e na ausncia de qualquer prova em contrrio. A Bblia afirma ser a
declarao de um Deus que no pode cometer erro. verdade que nunca se descobriram
originais infalveis da Bblia, mas to pouco se descobriu um nico autgrafo original
falvel. Temos, pois, manuscritos que foram copiados com toda preciso e traduzidos para
muitas lnguas. Portanto, para todos os efeitos de doutrina e dever, a Bblia como a temos
hoje representao suficiente da Palavra de Deus, cheia de autoridade.
Em segundo lugar, Inspirao pressupe ensino, mas no de todo o contedo da
Bblia.15
Cumpre ressaltar tambm que s o que a Bblia ensina foi inspirado por Deus e
no apresenta erro; nem tudo que est na Bblia ficou isento de erro. Por exemplo, as
Escrituras contm o relato de muitos atos maus, pecaminosos, mas de modo algum a Bblia
os elogia; tampouco os recomenda. Ao contrrio, condena essas prticas malignas. A
Bblia chega a narrar algumas das mentiras de Satans (cf. Gn 3.4). Portanto, a simples
existncia dessa narrao no significa que a Bblia ensine serem verdadeiras essas
14 Esses erros correspondem a datas, nmeros, etc. Por exemplo, 2 Reis 8.26 diz que Azarias tinha 22 anos de
Idade quando foi coroado rei, enquanto que em 2 Crnicas 22.2 diz que tinha 42 anos. Outros exemplos so
encontrados em 1Rs 4.26 e 2Cr 9.25.
15 Geisler e Nix, Op.Cit., 13.
20
mentiras. A nica coisa que a inspirao divina garante aqui que se trata de um registro
verdadeiro de uma mentira satnica, de uma perversidade real de Satans.
I.V- O que a Inspirao :
Quando nos referimos inspirao das Escrituras, o que na verdade queremos
dizer que elas so de origem divina. Mas no somente isso, pois, embora a Bblia tenha
sido escrita por cerca de quarenta pessoas, essas pessoas a escreveram movidas pelo
Esprito Santo, e de tal modo dirigidas por Ele, que tudo o que foi registrado por essas
pessoas nas Escrituras constitui-se em revelao autoritativa de Deus. No somente as
idias gerais ou fatos registrados, mas as prprias palavras empregadas foram escolhidas
pelo Esprito Santo, pela livre instrumentalidade dos escritores. por isso que a Bblia se
distingue de todos os demais escritos humanos, pois cada palavra que est registrada na
Bblia a prpria palavra de Deus, e, portanto, inerrante e infalvel.16
Os telogos costumam explicar a inspirao, dividindo-a em dois estgios, a
saber: Plenria e Verbal.17
a) Plenria Afirma-se ser plenria por que a prpria Bblia nos informa que
Toda Escritura Inspirada (2Tm 3.16; ver tambm Rm 15.4). Isto quer dizer que todos os
16 Paulo Anglada, Sola Scriptura A Doutrina Reformada das Escrituras, ( Editora Os Puritanos, So Paulo SP, 1998), 50. Vd. Outras definies de Inerrncia em: Hermisten Maia P. da Costa, A Inspirao e Inerrncia das Escrituras, (Editora Cultura Crist, Cambuc SP, 1998), 98; J. I. Packer, Revelao e Inspirao: In: F. Davidson, ed. O Novo Comentrio da Bblia (Editora Vida Nova, So Paulo SP, 1997), 30-31.
17 I. S. Rennie, Inspirao Plenria, W. A. Elwell, Enciclopdia Histrico-Teolgico da Igreja Crist EHTIC II, (Editora Vida Nova, So Paulo SP, 1992). 333-338. Hermisten fala de outras duas, a saber: Dinmica e Sobrenatural. Quanto dinmica, quer dizer que Deus no anulou a personalidade dos escritores,
por isso, inspirados por Deus, eles puderam usar de suas experincias, pesquisas, aptides e manter o seu
estilo (ver 2Pe 3.15, 16); tambm sobrenatural, porque foi originada em Deus e produz efeitos
sobrenaturais, mediante a ao do Esprito Santo, em todos aqueles que crem em Cristo. (ver Jo 17.17; Rm
10.17; Cl 1.3-6; 1Pe 1.23).Ver: Hermisten Maia P. da Costa, A Inspirao e Inerrncia das Escrituras Uma Perspectiva Reformada, (Editora Cultura Crist, Cambuc SP, 1998), 99-101; ver tambm: Paulo Anglada, Sola Scriptura A Doutrina Reformada das Escrituras, (Editora Os Puritanos, So Paulo SP, 1998), 56-59; e Norman Geisler e William Nix, Introduo Bblica Como a Bblia Chegou At Ns, (Editora Vida, So Paulo 1997), 20, 21.
21
sessenta e seis livros da Bblia so de origem divina. Tudo o que foi registrado, o foi por
vontade de Deus. Jesus e todos os autores do Novo Testamento exemplificam amplamente
sua crena firme na inspirao integral e completa do Antigo Testamento, citando trechos
de todas as Escrituras que eram para eles de autoridade, at mesmo os que apresentam
ensinos fortemente polmicos. A criao de Ado e de Eva, a destruio do mundo pelo
dilvio, o milagre de Jonas e o grande peixe e muitos outros acontecimentos so
mencionados por Jesus deixando bem clara a autoridade deles. Todo trecho das Sagradas
Escrituras reivindica total e completa autoridade. A inspirao da Bblia plena.18
b) verbal Afirma-se ser verbal porque Deus se revelou atravs de palavras e
todas as palavras dos autgrafos originais so Palavra de Deus (Ver 2Sm 23.2; Jr 1.9; Mt
5.18; 1Co 2.13).
No entanto, so vrios os aspectos que compem a teoria da inspirao verbal,
vejamos alguns deles: (1) Deus o autor da Bblia no sentido de ser a causa formal; (2) o
enfoque da inspirao acha-se nas palavras da Bblia, dirige-se para o texto mais do que
para o autor; (3) Todas as palavras e relacionamentos verbais so inspirados por Deus. Este
conceito abrange todas as declaraes que parecem perifricas, alm daquelas que mais
obviamente dizem respeito questo em pauta. Todas elas tm relevncia na totalidade das
Escrituras inspiradas. At mesmo relatos conhecidos de antemo pelos autores,
provenientes de outras fontes, so inspirados da mesma forma verbal para a incluso na
Bblia. Desta forma, a totalidade das Escrituras compartilha da inspirao verbal uniforme;
(4) os dados na Bblia so reivindicados como a origem da teoria no os dados no sentido
dos fenmenos, mas o ensino da Bblia a respeito da sua prpria natureza; (5) no est
envolvido o processo de ditado, no h, portanto, violao alguma da personalidade do
18 Geisler e Nix, Op. Cit., 21.
22
escritor; (6) a conformao consciente da parte de Deus explica qualquer lapso, expresso
infeliz ou inexatido; (7) apenas os autgrafos originais dos livros bblicos so assim
inspirados; (8) a inerrncia a qualidade desta Bblia, ela fala com exatido sobre todas as
questes; (9) nesta mesma Bblia flui autoridade sobre todas as questes em que ela toca,
garantindo, assim, que o ensino divino seja comunicado no tocante a todas as questes
sobre o que o cristo deve crer e como ele deve viver.19
O que queremos dizer at aqui no somente que as Escrituras so de origem
divina, mas, que todo o contedo dela procede do prprio Deus. O grande telogo do
sculo passado, J. C. Ryle, afirma:
O ponto de vista que sustento o de que cada livro, captulo, versculo e slaba da
Bblia foi dado por inspirao de Deus. Sustento que no s a substncia da Bblia,
mas tambm sua linguagem no s as idias da Bblia, mas tambm suas palavras no apenas certas partes da Bblia, mas cada captulo dela e cada palavra so de autoria divina. Sustento que a Escritura no s contm a palavra de
Deus, mas que ela a Palavra de Deus.20
No podemos subestimar o valor inspirativo da Escritura. ela a nica fonte
fidedigna que nos d a oportunidade de conhecermos os orculos de Deus.
I.VI- O Ensino bblico de Inspirao:
A Bblia declara ser um livro dotado de autoridade divina, resultante de um
processo pelo qual, homens movidos pelo Esprito Santo escreveram textos inspirados
(soprados) por Deus. Vejamos, ento, o ensino bblico a respeito da inspirao:
O Ensino de Jesus Em Joo 10.34-35, Jesus seleciona uma passagem obscura
nos Salmos (a declarao sois deuses, Sl 82.6) para reforar a declarao de que a
Escritura no pode falhar. Jesus, ao falar de Si mesmo como Aquele a quem o Pai
19 Ver: I. S. Rennie, Inspirao Verbal, Enciclopdia Histrico-Teolgico da Igreja Crist, II, (Editora Vida Nova, So Paulo SP, 1992), 335. 20 J. C. Ryle, A Inspirao das Escrituras, (Editora PES, So Paulo SP), 11.
23
santificou e enviou ao mundo (v. 36), no deixa de Se referir queles de uma dispensao
passada, queles a quem foi dirigida a palavra de Deus, e a Escritura no pode falhar
(v.35). A implicao inevitvel que a totalidade da Escritura de autoridade
incontestvel.21
No Evangelho de Mateus 5.17-19, Jesus diz:
No penseis que vim revogar a lei ou os profetas; no vim para revogar, vim para
cumprir. Porque em verdade vos digo: at que o cu e a terra passem, nem um i ou
um til jamais passar da lei, at que tudo se cumpra. Aquele, pois, que violar um
destes mandamentos, posto que dos menores, e assim ensinar aos homens, ser
considerado mnimo no reino dos cus; aquele, porm, que os observar e ensinar,
esse ser considerado grande no reino dos cus.
As tentativas de transformar as repeties do tipo Ouvistes que foi dito... Eu,
porm, vos digo numa crtica slida lei mosaica no conseguiram convencer no seu
argumento contra a probabilidade de que o protesto de Jesus contra as redues
tradicionais das prprias reivindicaes e intenes internas daquela lei. Na realidade, o
cumprimento necessrio de tudo quanto est escrito um tema constante nos lbios de
Jesus (ver Mt 26.31; 26.54; Mc 9.12, 13; 14.19, 27; Jo 13.18; 17.12). Quem examinar
fielmente as narrativas nos evangelhos para ver qual a atitude de Jesus para com os escritos
sagrados ser levado concluso de Reinhold Seeberg: O prprio Jesus descreve e
emprega o Antigo Testamento como autoridade infalvel (cf. Mt 5.17; Lc 24.44).22
O Ensino do Antigo Testamento - Os profetas do Antigo Testamento, tanto no
falar quanto ao escrever, destacam-se pela sua certeza inabalvel de que eram porta-vozes
do Deus Vivo. Acreditavam que as verdades que pronunciavam a respeito do Altssimo,
Suas obras e vontade, e os mandamentos e exortaes que proferiam em Seu nome, tinham
origem e autoridade nEle. A frmula constantemente repetida: Assim diz o Senhor to
21 C. F. H. Henry, Bblia, Inspirao da, W. A. Elwell, EHTIC I, 186. 22 C. F. H. Henry, Bblia, Inspirao da, EHTIC I, Op. Cit., 187.
24
caracterstica dos profetas que no deixa dvida de que eles se consideravam agentes
escolhidos da auto-comunicao divina.23
Segundo xodo 24.4, Moiss escreveu todas as palavras do Senhor; O Senhor
ordenou a Isaas que escrevesse num livro a mensagem eterna de Deus (Is 30.8). Davi
confessou: O Esprito do Senhor fala por mim, e a sua palavra est na minha boca (2Sm
23.2). Era a palavra do Senhor que chegava aos profetas nos tempos do Antigo
Testamento. Jeremias recebeu esta ordem: ... no te esqueas de nenhuma palavra (Jr
26.2).
O Ensino do Novo Testamento A inspirao que se pronuncia no Novo
Testamento, quase sempre tem o objetivo de se referir inspirao do Antigo Testamento.
Com isso, surge uma pergunta: com base em que, podemos defender a inspirao do Novo
Testamento, visto que as referencias encontradas no NT so referentes ao AT? A resposta a
essa pergunta que o Novo Testamento, semelhana do AT, reivindica a virtude de ser
Escritura Sagrada, escrito proftico, e toda a Escritura e todos os escritos profticos devem
ser considerados inspirados por Deus.
De acordo com 2Tm 3.16, toda a Escritura inspirada. Ainda que a referncia
explcita, aqui, refira-se ao AT, verdade que o NT tambm deve ser considerado
Escritura Sagrada. Por exemplo, Pedro classifica as cartas de Paulo como parte das outras
Escrituras do AT (2Pe 3.16). Em 1Tm 5.18, Paulo cita o evangelho de Lucas (cf. Lc
10.7), referindo-se a ele como Escritura. Tal fato mais significativo ainda quando
consideramos que nem Lucas, nem Paulo fizeram parte do grupo dos doze apstolos. Visto
que as cartas de Paulo e os escritos de Lucas (Lucas e Atos; Ver At 1.1, Lc 1.1-4) foram
classificados como Escritura Sagrada, por implicao direta o resto do Novo Testamento,
23Idem, 187.
25
escrito pelos Apstolos, tambm considerado Escritura Sagrada. Em suma, se toda
Escritura inspirada e o NT considerado Escritura, decorre disso claramente que o NT
considerado com a mesma autoridade do AT. Na verdade, exatamente assim que os
cristos, desde o tempo dos apstolos, tm considerado o Novo Testamento. Eles o
consideram com a mesma autoridade do Antigo Testamento.
Alm disso, de acordo com 2Pedro 1.20, 21, todas as mensagens escritas de
natureza proftica foram dadas ou inspiradas por Deus. E, visto que o Novo Testamento
reivindica a natureza de mensagem proftica, segue-se que ele tambm reclama autoridade
igual dos escritos profticos do AT. Por exemplo, Joo refere-se ao livro do Apocalipse
dessa forma; palavras da profecia deste livro (Ap 22.18). Paulo afirmou que a igreja
estava edificada sobre o alicerce dos apstolos e profetas do Novo Testamento (cf. Ef 2.20;
3.5). Visto que o Novo Testamento, semelhana do AT, um texto dos profetas de Deus,
ele possui por essa razo a mesma autoridade dos textos inspirados do Antigo
Testamento.24
II- Inerrncia das Escrituras:
A doutrina da inerrncia das Escrituras no fruto de uma teoria a respeito da
Bblia ou uma filosofia moderna inventada pelos fundamentalistas ou conservadores.
Quando afirmamos a inerrncia das Escrituras estamos dizendo o que a prpria Escritura
reivindica para si mesma. Dessa forma, no estamos defendendo a inerrncia, mas sim
afirmando-a como uma doutrina que faz parte da essncia do Evangelho, o qual deve ser
propagado em toda sua extenso.
24 Geisler e Nix, Op. Cit, 22.
26
Ensinamos a Inerrncia das Escrituras porque esta uma doutrina bblica (Jo
10.35; 17.17; 2Co 6.7; Cl. 1.5; 2Tm 2.15; Tg 1.18). E, tambm porque procede de uma
decorrncia lgica do fato de que o Deus que inspirou, ou soprou as Escrituras, no
mente, no muda, no falha (Tt 1.2; Tg 1.17).
II.I- Definio de Inerrncia:
P. D. Feinberg define inerrncia assim:
A Inerrncia o ponto de vista de que, quando todos os fatos forem conhecidos,
demonstraro que a Bblia, nos seus autgrafos originais e corretamente
interpretada, inteiramente verdadeira, e nunca falsa, em tudo quanto afirma, quer
no tocante doutrina e tica, quer no tocante s cincias sociais, fsicas ou
biolgicas.25
O termo inerrncia, por si s se explica. Pode-se dizer que a afirmao
segura de que, em todos os textos bblicos, no h qualquer possibilidade de existncia de
erro.
No entanto, precisamos definir o que entendemos por erro, caso contrrio
perde-se o significado do que queremos dizer por inerrncia. Se existe um coeficiente
infinito de elasticidade da linguagem, de forma que a palavra verdade pode simplesmente
ser esticada um pouco mais, e um pouco mais, e um pouco mais, por fim ela acabar
incluindo tudo e, portanto, nada.26 Por exemplo, declaraes das Escrituras que
contradigam claramente os fatos (ou sejam contraditas por eles), devem ser consideradas
erros. Se Jesus no morreu na cruz, se ele no acalmou a tempestade no mar, se os muros
de Jeric no caram, se o povo de Israel no deixaram a escravido no Egito, partindo para
a Terra Prometida, ento a Bblia est errada, e portanto, no inerrante.
25 P. D. Feinberg, - Bblia, Inerrncia e Infalibilidade da. EHTIC - I, 180. Ver outras definies em: Wayne Grudem, Teologia Sistemtica, (Editora Vida Nova, So Paulo SP, 1999), 58; Millard J. Erickson, Introduo Teologia Sistemtica, (Editora Vida Nova, So Paulo SP, 1997), 84; e Philip Wesly Comfort, A Origem da Bblia, (Editora CPAD, Rio de Janeiro RJ, 1998), 62-64. 26 Millard J. Erickson, Introduo Teologia Sistemtica, (Editora Vida Nova, So Paulo SP, 1997), 87.
27
Desta forma, faz-se necessrio observar alguns princpios e algumas ilustraes
que nos ajudaro a definir a inerrncia de modo mais especfico e a resolver algumas
dificuldades.
1. A inerrncia diz respeito ao que afirmado ou declarado, no ao que
apenas registrado.
A Bblia registra declaraes falsas feitas por mpios. A presena dessas
declaraes nas Escrituras no significa que sejam verdadeiras; garante, apenas, que esto
corretamente registradas. O mesmo pode-se dizer com respeito a certas declaraes de
homens crentes que no estavam falando sob a inspirao do Esprito Santo. Estevo, por
exemplo, em seu discurso em Atos 7, talvez no estivesse inspirado, embora estivesse
cheio do Esprito Santo (At 6.8; 7.55). Assim, a declarao cronolgica no versculo 6 no
necessariamente isenta de erro.27
Quando, porm, algo tomado pelo escritor bblico, qualquer que seja a fonte, e
incorporado em sua mensagem em forma de afirmao, no apenas de um registro, deve-se
julg-lo fidedigno. Isso no garante a canonicidade do livro citado. Descrentes, sem a
revelao especial ou a inspirao, podem, no entanto, estar em posse da verdade. Ao
afirmar que tudo o que est na Bblia verdade, a pessoa no obrigada a afirmar que toda
verdade est dentro da Bblia. Assim, as referncias de Judas a livros no-cannicos (v. 9,
14, 15) no cria necessariamente um problema, pois no se exige com isso que a pessoa
creia que Judas afirme um erro ou que Enoque e a Assuno de Moiss sejam livros
inspirados por Deus, devendo ser includos no cnon do Antigo Testamento.
2. Precisamos julgar a fidedignidade das Escrituras de acordo com aquilo que
as afirmaes significavam no ambiente cultural em que foram expressos.
27 xodo 12.40 traz quatrocentos e trinta anos, mas Estevo est falando em nmeros redondos, e pode ter estado seguindo o texto de Gneses 15.13 que traz quatrocentos anos.
28
Devemos julgar a Bblia de acordo com as formas e os padres de sua prpria
cultura. Por exemplo, no devemos esperar que os padres de exatido em citaes a que
estamos acostumados nesta nossa poca de imprensa e distribuio em massa estejam
presentes no primeiro sculo. Tambm precisamos reconhecer que, em tempos antigos,
muitas vezes os nmeros eram usados de maneira simblica, muito mais do que acontece
em nossa cultura hoje. Os nomes que os pais escolhiam para os filhos tambm carregavam
um significado especial; coisas que raramente acontece hoje. A palavra filho possui
basicamente um sentido em nossa lngua e cultura. Nos tempos bblicos, contudo, possua
um sentido mais amplo, quase igual a descendentes. H uma grande diferena, portanto,
entre nossa cultura e a dos tempos bblicos.28 Quando falamos de inerrncia, queremos
dizer que as afirmaes da Bblia so plenamente verdadeiras dentro da cultura da poca.
3. As afirmaes da Bblia so plenamente verdadeiras quando julgadas de
acordo com o propsito para o qual foram escritas.
Com isso, queremos dizer que, a exatido varia de acordo com o uso que se
pretende dar ao material. Para isso, vejamos a ilustrao feita por Erickson:
Suponhamos um caso hipottico em que a Bblia registre uma batalha na qual
9.476 homens tenham-se envolvido. Qual seria o relato correto (ou infalvel)?
Seria 10.000? 9.000? 9480? 9.475? Ou 9.476 seria o nico relato correto? A
resposta que isso depende do propsito do escritor. Se o relato for um documento
militar oficial que um subalterno deve submeter a seu superior, o nmero deve ser
exato. Esse seria o nico meio de verificar se no houve nenhum desertor. Se, por
outro lado, a inteno do relato for apenas dar uma idia da dimenso da batalha,
um nmero redondo como 10.000 seria adequado e, nesse contexto, correto.29
Em 2Crnicas 4.2, nos dado informaes sobre o mar de fundio. Se, ao dar
as dimenses, o objetivo fornecer um esquema para construir uma rplica exata, ento
importante saber se era construdo com dimetro de 10 cbitos ou circunferncia de 30
28 Erickson, Op. Cit., 85.
29 Idem, 85.
29
cbitos. Mas se a inteno era apenas comunicar uma idia da dimenso do objeto, ento a
aproximao dada pelo cronista suficiente e pode ser considerada plenamente verdadeira.
comum encontrarmos tais aproximaes na Bblia.
Portanto, deve-se considerar o propsito do texto quando se julga se algo
verdadeiro, e isso se aplica no apenas ao uso de nmeros, mas tambm a tpicos como a
ordem cronolgica em narrativas histricas, a qual por vezes foi modificada nos
evangelhos. Em alguns casos, era necessrio mudar as palavras para comunicar o mesmo
significado para pessoas diferentes. Assim, por exemplo, Lucas traz: Glria nas maiores
alturas (Lc 19.38), enquanto Mateus e Marcos trazem Hosana nas maiores alturas (ver
Mt 21.9; e Mc 11.10); para os leitores gentios de Lucas, a primeira expresso faria mais
sentido que a segunda. Mesmo a expanso e a compreenso , que so usadas hoje pelos
pregadores, sem que sejam acusados de infidelidade ao texto, eram praticadas pelos
leitores bblicos.
4. Os registros de acontecimentos histricos e assuntos cientficos esto mais
em linguagem fenomenolgica que tcnica.
Com isso, queremos dizer que os relatos bblicos no se empenham (e nem
esto preocupados) em ser cientificamente exatos; no tentam teorizar sobre o que
aconteceu quando, por exemplo, os muros de Jeric caram (Josu 6.20, 21), ou o rio
Jordo deixou de correr (Josu 3.16), ou o machado flutuou (2Reis 6.6). O escritor
simplesmente registrou o que foi visto, como pareceu aos olhos.
5. As dificuldades para explicar o texto bblico no devem ser prejulgadas
como indcios de erros.
No devemos ter muita pressa em estabelecer uma soluo definitiva para os
problemas que surgem de textos obscuros. Por exemplo, de acordo com Mateus 27.5, Judas
30
cometeu suicdio, enforcando-se; Atos 1.18, no entanto, afirma que Ali caiu de cabea,
seu corpo partiu-se ao meio, e as suas vsceras se derramaram (Trad. NVI). O termo grego
especfico usado em Atos, causando dificuldades com relao morte de Judas, prenej -
prenes. Por um bom perodo, entendeu-se que significava cair de cabea. No sculo XX,
porm, as investigaes de papiros antigos revelaram que essa palavra tem outro
significado no grego coin. Ela tambm significa inchar. Agora possvel tecer, sobre o
fim da vida de Judas, uma hiptese que parece acomodar todos os dados. Depois de
enforcado, o corpo de Judas no foi logo encontrado. Nessa situao, os rgos viscerais
comeam a degenerar primeiro, provocando uma dilatao do abdome, caracterstico de
cadveres que no foram devidamente embalsamados (e mesmo nos que foram, caso o
processo no seja repetido aps alguns dias). Assim, inchando-se [Judas], seu corpo
partiu-se ao meio, e todas as suas vsceras se derramaram.30 Apesar de no existirem
meios para saber se isso de fato aconteceu, essa parece ser uma soluo vivel e adequada
para a dificuldade. Precisamos continuar trabalhando no sentido de resolver todas essas
tenses em nosso entendimento da Bblia.
II.II- Argumentos a Favor da Inerrncia:
Os argumentos primrios a favor da inerrncia so bblicos, histricos e
epistemolgicos na sua natureza.31
O Argumento Bblico No centro da crena numa Bblia inerrante est o
testemunho das prprias Escrituras. Existem divergncias quanto se as Escrituras ensinam
30 Erickson, Op. Cit., 86.
31 Ver, P. D. Feinberg, - Bblia, Inerrncia e Infalibilidade da. EHTIC - I, (Editora Vida Nova, So Paulo SP, 1993), 181, 182. Ver tambm; Millard J. Erickson, Introduo Teologia Sistemtica, (Editora Vida Nova, So Paulo SP, 1997), 81, 82.
31
a inerrncia explicita ou implicitamente. O consenso contemporneo que a inerrncia
ensinada de maneira implcita.
Primeiramente, a Bblia ensina sua prpria inspirao, e isto pressupe
inerrncia. Nossa idia de inspirao implica logicamente a inerrncia da Bblia. A
inerrncia um corolrio da doutrina da inspirao plena. Se, portanto, for provado que a
Bblia no totalmente confivel, nossa idia de inspirao tambm ficar prejudicada.32
As Escrituras so o sopro (Qeopneustoj) de Deus (1Tm 3.16), o que garante que esto sem
erro.
Em segundo lugar, em Dt 13.1-5 e 18.20-22 Israel recebe critrios para
distinguir a mensagem de Deus e o seu mensageiro das falsas profecias e profetas. Uma
marca da mensagem divina a veracidade total e absoluta. Um paralelo vlido pode ser
feito entre o profeta e a Bblia. A palavra do profeta geralmente era oral, mas tambm
podia ser registrada e includa num livro; os autores das Escrituras comunicaram a palavra
de Deus na forma escrita. Os dois eram instrumentos da comunicao divina e, em ambos
os casos, o elemento humano era um ingrediente essencial.
Em terceiro lugar, a Bblia ensina a sua prpria autoridade, e isto requer
inerrncia. As duas passagens mais comumente citadas so Mt 5.17-20 e Jo 10.34, 35. As
duas registram as palavras de Jesus. Na primeira, Jesus disse que at que o cu e a terra
passem, nem um i ou um til jamais passar da lei, at que tudo se cumpra. A autoridade
da lei depende do fato de que ser cumprido cada detalhe. Na segunda passagem citada,
Jesus diz que a Escritura no pode falhar, de modo que ela totalmente obrigatria.
Embora seja verdade que as duas passagens enfatizam a autoridade da Bblia, esta
32 Erickson, Op. Cit., 81, 82.
32
autoridade somente pode ser justificada pela inerrncia ou nela fundamentada. Algo que
contm erros no pode ser totalmente autorizado.
Em quarto lugar, as Escrituras usam as prprias Escrituras para apoiar a sua
inerrncia. s vezes, um argumento inteiro depende de uma nica palavra (cf. Jo 10.34-35;
deuses, no Sl 82.6), do tempo de um verbo (ver o tempo presente em Mt 22.32), e a
diferena entre um substantivo no singular e no plural (ver descendente em Gl 3.16). Se
a inerrncia da Bblia no se estende aos mnimos detalhes, estes argumentos perdero as
suas fora.33
Por ltimo, a inerrncia vem daquilo que a Bblia diz a respeito do carter de
Deus. Repetidas vezes, as Escrituras ensinam que Deus no pode mentir (Nm 23.19; 1Sm
15.29; Tt 1.2; Hb 6.18). Se, portanto, a Bblia vem da parte de Deus, e o seu carter est
detrs dela, ela forosamente inerrante e infalvel.
O Argumento Histrico Historicamente, a igreja tem se apegado inerrncia
da Bblia. Embora at tempos recentes no se tivesse enunciado uma teoria completa,
sempre houve, ao longo dos anos da histria da igreja, uma crena geral na completa
fidedignidade da Bblia. No se evidencia de imediato se essa crena significa exatamente
o que os atuais defensores da inerrncia entendem pelo termo inerrncia. Em todo caso,
sabemos que a idia geral de inerrncia no um desdobramento recente.34
33 Com isso, podemos dizer que o uso de qualquer palavra poderia ser uma questo de capricho ou poderia
at mesmo ser um erro. Pode-se objetar que o NT nem sempre cita os textos do AT com preciso na realidade a preciso mais uma exceo do que uma regra.
34 Erickson, Op.Cit., 82.
33
No perodo da Patrstica, Agostinho descreve: Aprendi a dar este respeito e
honra somente aos livros cannicos da Escritura; somente acerca destes que creio com
muita firmeza que os autores estavam completamente livres de erro.35
Os dois grandes reformadores, Lutero e Calvino, do testemunho da
infalibilidade da Bblia. Lutero diz: Mas todos realmente sabem que, s vezes, eles [os
pais] tm errado conforme os homens tendem a fazer; por isso, estou disposto a confiar
neles somente quando comprovam pelas Escrituras as suas opinies, sendo que as
Escrituras nunca erraram.36 Quanto a Calvino, embora este no empregue a frase sem
erro, pode haver bem pouca dvida de que ele aceita a inerrncia. A respeito dos
escritores dos evangelhos, ele comenta: O Esprito de Deus... parece ter deliberadamente
conduzido o estilo deles, a ponto de todos escreverem exatamente a mesma histria, com a
mais perfeita concordncia, mas de maneiras diferentes.37
Sempre que se abandona a doutrina da inerrncia das Escrituras, as
conseqncias so imediatas. H indcios de que quando um telogo, uma escola ou um
movimento comea a entender que a inerrncia bblica um assunto perifrico ou opcional
e abandona essa doutrina, passa, com freqncia, a abandonar ou alterar outras doutrinas
que a igreja ordinariamente considerava muito importante, tais como a deidade de Cristo
ou a Trindade. Uma vez que a histria o laboratrio em que a teologia testa suas idias,
devemos concluir que o abandono da crena na completa fidedignidade da Bblia um
35 Citado por: P. D. Feinberg, - Bblia, Inerrncia e Infalibilidade da. Enciclopdia Histrico-Teolgico da Igreja Crist - I, (Editora Vida Nova, So Paulo SP, 1993), 182. 36 Idem, 182.
37 Ibid, 182.
34
passo muito srio, no s pelo que faz a essa doutrina, mas ainda mais pelas conseqncias
que recaem sobre outras doutrinas.38
O Argumento Epistemolgico Se nosso fundamento para conhecer e manter
qualquer proposio teolgica o fato de que a Bblia a ensina, da maior importncia que
a Bblia se prove fidedigna em todas as suas declaraes. Caso conclussemos que certas
proposies (histricas ou cientficas) ensinadas pela Bblia no so verdadeiras, as
implicaes para as proposies teolgicas seriam vastas. medida que os evanglicos
abandonam a posio de que tudo o que ensinado ou afirmado pelas Escrituras
verdadeiro, procuram-se outras bases para a doutrina. Isso pode se dar tanto pelo
ressurgimento de uma filosofia da religio como, o que mais provvel dada a atual
orientao relacional, pela fundamentao da teologia nas cincias do comportamento, tal
como a psicologia da religio. Mas qualquer que seja a forma assumida por essa base
alternativa, provvel que haja uma retrao da lista das doutrinas, pois difcil
estabelecer a Trindade ou o nascimento Virginal de Cristo com base em argumentos
filosficos ou na dinmica dos relacionamentos interpessoais.39
Epistemologias que no exigem um padro to alto de certeza resultam no
seguinte argumento a favor da inerrncia: se a Bblia no inerrante, qualquer alegao
que faz pode ser falsa. Isto significa, no que todas as alegaes realmente so falsas, mas
que algumas delas podem ser falsas. Mas uma parte to grande da Bblia est alm da
38 Erickson, Op.Cit., 82. Feinberg diz que alguns entendem que a inerrncia to fundamental que aqueles
que abrem mo dela no demoraram para se desfazer de outras doutrinas centrais. Negar a inerrncia das
Escrituras leva a pessoa a descer por uma rampa escorregadia que leva para erros ainda maiores. Ver, P. D.
Feinberg, Bblia, Inerrncia e Infalibidade da, W. A. Elwell, EHTIC I, 182. 39 Erickson, Op.Cit., 82.
35
verificao direta. Logo, somente a sua inerrncia pode garantir a quem a conhece que sua
confiana nela justificada.40
II.III- O Ensino Bblico de Inerrncia:
Acerca das Escrituras, Joo Calvino afirma: A Escritura a escola do Esprito
Santo, na qual, como nada omitido no s necessrio, mas tambm proveitoso de
conhecer-se, assim tambm nada ensinado seno [o] que convenha saber.41
A Bblia autentica-se a si mesma como registro inerrante. Deus ordenou que a
sua palavra fosse escrita (x 17.14), sendo chamado esse registro de Livro do Senhor (Is
34.16). Vejamos os argumentos bblicos que comprovam a doutrina da inerrncia.42
Os Profetas Os profetas so descritos como aqueles atravs dos quais Deus
fala (x 7.1; Dt 18.15, 18; Jr 1.9; 7.1). O profeta no criava nem adaptava a mensagem; a
ele competia transmiti-la como havia recebido (x 4.30; Dt 4.2, 5). O que se exige do
profeta fidelidade. Os Profetas tinham conscincia de que foram chamados por Deus
(1Sm 3; Is 6; Jr 1; Ez 1-3) e de que receberam a mensagem da parte de Deus (Nm 23.5; Dt
18.18; Jr 1.9; 5.14), que era distinta de seus prprios pensamentos (Nm 16.28; 24.13/1Rs
12.33; Ne 6.8). Os falsos profetas eram acusados justamente de proferirem as suas prprias
palavras e no as de Deus (Jr 14.14; 23.16; 29.9; Ez 13.2, 3, 6).
Quando os profetas se dirigiram ao povo, diziam: Assim diz o Senhor; Ouvi
a Palavra do Senhor; Veio a mim a Palavra do Senhor (cf. Ez 31.1; Os 1.1; Jl 1.1; Am
1.3; 2.1; Ob 1.1; Mq 1.1; Jr 27.1; 30.1-4, etc.); isso indicava a certeza que tinham de que
40 Ver, P. D. Feinberg, - Bblia, Inerrncia e Infalibilidade da. Enciclopdia Histrico-Teolgico da Igreja Crist - I, (Editora Vida Nova, So Paulo SP, 1993), 182. 41 Joo Calvino, As Institutas da Religio Crist, III, Cap. XXI, 3. (Casa Editora Presbiteriana, Cambuc SP, 1989), 387.
42 Ver, Hermisten Maia P. da Costa, A Inspirao e Inerrncia das Escrituras Uma Perspectiva Reformada, (Editora Cultura Crist, Cambuc SP, 1998), 110-112.
36
Deus lhes dera a mensagem e os enviara (cf. Jr 20.7-9; Ez 3.4ss; 17.22; 37.1; Am 3.8; Jn
1.2). Um fato importante a favor da sinceridade dos profetas de Deus que nem sempre
eles entendiam a mensagem transmitida (cf. Dn 12.8, 9; 4.4, 5; 1Pe 1.10, 11).
Os Apstolos Os Escritores do Novo Testamento reconheciam ser o Antigo
Testamento a Palavra de Deus (Hb 1.1; 3.7), sendo a Escritura um registro fiel da histria e
da vontade de Deus (ver Rm 4.3; 9.17; Gl 3.8; 4.30).
Os Apstolos falavam com a convico de que estavam pregando e ensinando a
palavra inspirada de Deus, dirigidos pelo Esprito Santo (ver 1Co 2.4-13; 7.10; 14.37; 2Co
13.2, 3; Gl 1.6-9; Cl 4.16; 1Ts 2.13; 2Tm 3.14). Paulo e Pedro colocavam os escritos do
Novo Testamento no mesmo nvel do Antigo Testamento (cf. 1Tm 5.18/Dt 25.4; Lc 10.7;
2Pe 3.16). O Apstolo Paulo reconheceu os apstolos e os profetas, no mesmo nvel, como
os fundamentos da Igreja, edificados sobre Jesus Cristo, a pedra angular (Ef 2.20).
Jesus Cristo Jesus apela para o Antigo Testamento, considerando-o como a
expresso fiel do Conselho de Deus, sendo a verdade final e decisria. Deus o Autor das
Escrituras (Mt 4.4, 7, 10; 11.10; 15.4; 19.4; 21.16, 42; 22.29; Mc 10.5-9; 12.10; 12.24; Lc
19.46; 24.25-27, 44-47; Jo 10.34).
Afirmaes Diretas das Escrituras O Novo Testamento declara enfaticamente
que toda Escritura, como Palavra de Deus, inspirada, inerrante e infalvel (ver Mt 5.18;
Lc 16.17, 29, 31; Jo 10.35; At 1.16; 4.24-26; 28.25; Rm 15.4; 2Tm 3.16; Hb 1.1, 2; 3.7-11;
10.15-17; 2Pe 1.20). Em 2Pe 1.20, por exemplo, o apstolo tem a preocupao de
demonstrar a confiabilidade da prpria Escritura, e no a autoridade daqueles que a
interpretam. Aqui, Pedro est argumentando que o testemunho proftico das Escrituras
vem diretamente de Deus.
37
A Bblia fornece argumentos racionais que demonstram a sua inerrncia,
todavia, os homens s tero essa convico mediante o testemunho interno do Esprito
Santo (Sl 119.18).43 Os discpulos de Cristo s entenderam as Escrituras quando o prprio
Jesus lhes abriu o entendimento (cf Lc 24.45). A Escritura autentica-se a si mesma e ns a
recebemos pelo Esprito Santo.44
III- A Autoridade das Escrituras:45
Estamos atravessando uma terrvel crise de autoridade, isso no se limita
apenas ao campo da f nem ameaa especial ou unicamente os crentes. A autoridade
paterna, a autoridade conjugal, a autoridade poltica, a autoridade acadmica e a autoridade
eclesistica esto sendo impiedosamente questionadas. No somente determinados tipos de
autoridade como, a autoridade das Escrituras, do papa, dos governantes etc., mas o prprio
conceito de autoridade est sendo fortemente desafiado. Assim, a crise dos dias de hoje
relacionada autoridade bblica espelha um escasso consenso civilizacional em assuntos
que dizem respeito soberania e submisso.
43 Ver, Gleason L. Archer, Enciclopdia de Dificuldades Bblicas, (Editora Vida, So Paulo SP, 1997), 21; Joo Calvino, Exposio de Romanos, (Editora Paracletos, So Paulo SP, 1997), 374. 44 Quando sustentamos com tamanha veemncia a doutrina da inerrncia das Escrituras (bem como a
inspirao), no queremos ser confundidos como biblilatras. O que fazemos apenas nos submeter s reivindicaes profticas, apostlicas e do prprio Cristo. Diante de um testemunho to evidente, como
poderamos descartar estas verdades e seguir as opinies fantasiosas de homens? O cristo sincero deve
aprender , pelo Esprito Santo, a subordinar a sua inteligncia sabedoria de Deus revelada nas Sagradas
Escrituras e a guardar no corao a Palavra do Senhor, para assim, no pecar contra Ele (Sl 119.11).
45 No trataremos o conceito de Infalibilidade das Escrituras, doutrina esta que ensina que as Escrituras so
confiveis e fidedignas para aqueles que se voltam para ela em busca da verdade de Deus. Como fonte da
verdade, a Bblia indefectvel (ou seja, no pode falhar ou insurgir-se contra o padro da Verdade). Conseqentemente, nunca falhar ou decepcionar qualquer um que confie nela. Visto que este conceito est
intimamente ligado ao conceito de inerrncia, julgamos no ser necessrio tratar da infalibilidade neste
trabalho. Chegamos a esta concluso, aps pesquisarmos sobre o assunto, e, dos autores pesquisados, quase
todos a tratam quase que como sinnima da inerrncia. Mas, ainda assim, no deixaremos de menciona-la,
bem como tentar defini-la.
38
III.I- Definio de Autoridade:
A confisso de F de Westminster define a autoridade das Escrituras nestes
termos:
A autoridade das Sagradas Escrituras, pela qual ela deve ser crida e obedecida, no
depende do testemunho de qualquer homem ou igreja, mas unicamente e
totalmente de Deus (que a prpria verdade), que seu autor; tem, portanto, de ser
recebida, porque a Palavra de Deus.
Pelo testemunho da Igreja podemos ser movidos e induzidos a um elevado e
reverente apreo pela Sagrada Escritura, e pela sublimidade da matria, a eficcia
da doutrina, a majestade do estilo, a harmonia de todas as partes, o escopo de seu
todo (que dar a Deus toda glria), a plena descoberta que faz do nico meio de
salvao para o homem, as muitas outras excelncias incomparveis e a plena
perfeio so argumentos pelos quais abundantemente se evidencia ser a Palavra
de Deus; no obstante, nossa plena persuaso e certeza da infalvel verdade e
divina autoridade provm da obra interna do Esprito Santo que, pela Palavra e
com a Palavra, testifica em nossos coraes.46
Portanto, por autoridade das Escrituras, queremos dizer que, por serem
divinamente inspiradas, as Escrituras so inerrantes e verdicas em todas as suas
afirmativas, no contendo erro algum, histrico ou doutrinrio, o que as torna infalveis, e,
portanto, autoritativas quanto a todos os assuntos sobre os quais faz asseveraes. Esta
doutrina ensina que as Escrituras so a fonte infalvel de informao que estabelece
definitivamente qualquer assunto nelas tratado; a nica regra infalvel de f e prtica.47
Ainda definindo a doutrina da autoridade das Escrituras, Grudem diz: A
autoridade das Escrituras significa que as palavras nas Escrituras so palavras de Deus, de
46 Confisso de F de Westminster Comentada por A. A. Hodge, (Editora Os Puritanos, So Paulo SP, 1999), cap. I - sesso IV e V, 61, 62.
47 Paulo Anglada, Sola Scriptura A Doutrina Reformada das Escrituras, (Editora Os Puritanos, So Paulo SP, 1998), 61, 62.
39
modo que no crer em alguma palavra da Bblia ou desobedecer a ela no crer em Deus
ou desobedecer a ele.48
III.II- O Testemunho do Esprito Santo sobre a autoridade da Escritura:
Como vimos na definio acima, a Confisso de F de Westminster nos ensina
que a persuaso do crente quanto autoridade das Escrituras se d pelo testemunho interno
do Esprito Santo. Se algum cr de fato na autoridade final das Escrituras como regra de
f e prtica, o faz como resultado da ao do Esprito Santo.49
Esta persuaso no significa de modo algum uma revelao adicional do
Esprito. Significa, sim, que a ao do Esprito no corao de uma pessoa, iluminando seu
corao e sua mente em trevas, regenerando-o, fazendo-o nova criatura, dissipa as trevas
espirituais da sua mente, remove a obscuridade do seu corao, permitindo que reconhea
a autoridade divina das Escrituras.
Comentando sobre este ponto, Hodge diz:
As Escrituras, para o homem no regenerado, so como a luz para o cego. Podem
ser sentidas como os raios solares so sentidos pelo cego, mas no podem ser
claramente vistas. O Esprito Santo abre os olhos cegos e comunica a devida
sensibilidade ao corao enfermo; e assim a confiana emana da evidncia da
experincia espiritual. Assim que regenerado, ele avana, mais ele prova que so
verdadeiras e mais ele descobre sua ilimitada amplido e plenitude, e sua evidente
adaptao destinada a todas as necessidades humanas sob todas as condies
possveis.50
48 Wayne Grudem, Teologia Sistemtica, (Editora Vida Nova, So Paulo SP, 1999), 44. Ver tambm: Brian M. Schwertley, Sola Scriptura e o Princpio Regulador do Culto, (Editora Os Puritanos, So Paulo SP, 2001), 21.
49 A Igreja tambm testemunha da autoridade das Escrituras. Embora a autoridade das Escrituras no se
fundamente ou decorra da igreja, a excelncia das Escrituras demonstrada pelo testemunho da Igreja. Isto
legtimo. Cabe Igreja demonstrar e ensinar as evidncias abundantes da autoridade divina da Palavra de
Deus. Cabe a ela anunciar a excelncia do seu contedo, a eficcia das suas partes.
50 Confisso de F de Westminster Comentada por A. A. Hodge, (Editora Os Puritanos, So Paulo SP, 1999), 63.
40
Escrevendo para os corntios, o apstolo Paulo trata deste assunto proferindo as
seguintes palavras: ...o homem natural no aceita as coisas do Esprito de Deus, porque
lhe so loucura; e no pode entend-las porque elas se discernem espiritualmente (1Co
2.14). Isto significa que o homem natural, em estado de pecado, perdeu sua capacidade
original de compreender as coisas espirituais. Ele no pode, portanto, reconhecer a
autoridade das Escrituras, no tem capacidade natural para isso. Na sua Segunda Carta aos
Corntios o apstolo Paulo ainda mais preciso na sua explicao, ele diz:
...se o nosso evangelho ainda est encoberto, para os que se perdem que est
encoberto, nos quais o deus deste sculo cegou os entendimentos dos incrdulos,
para que lhes no resplandea a luz do evangelho da glria de Cristo, o qual a
imagem de Deus... Porque Deus, que disse: De trevas resplandecer luz, ele
mesmo resplandeceu em nosso corao, para iluminao do conhecimento da
glria de Deus na face de Cristo (2Co 4.3-4, 6).
O que Paulo afirma, que o homem natural, o incrdulo, est cego, como
resultado da obra do diabo, que o faz cair. Neste estado, ele est como um deficiente visual
que no consegue perceber nem mesmo a luz do sol, como comentou Hodge acima. Este
testemunho do Esprito no uma nova revelao, mas a sua ao atravs da qual ele abre
os olhos de um cego, permitindo-lhe reconhecer a luz do sol que l estava, mas no podia
ser vista por causa da cegueira.
Portanto, para que a Bblia funcione como se o prprio Deus estivesse falando
para ns, preciso que compreendamos o significado das Escrituras, e nos convencermos
de sua origem e autoria divina. Isso se realiza pela obra interna do Esprito Santo, que
ilumina o entendimento do ouvinte ou leitor da Bblia, faz com que ele entenda seu
significado e cria uma certeza de que a verdade e vem de Deus.
41
III.III- O Ensino Bblico de Autoridade:
Como estamos vendo, todas as doutrinas esto intimamente relacionadas
inspirao, ou seja, mxima bblica de que toda Escritura inspirada por Deus
(Qeopneustoj)). Isto quer dizer ento, que todas as demais doutrinas que afirmam esta
atuao completa e nica de Deus na formao de cnon, provm de uma mesma base
bblica. Com isso, refiro-me s doutrinas da inerrncia, infalibilidade, autoridade e
suficincia das Escrituras, que partem de uma mesma base bblica e de um mesmo
pressuposto Deus o autor das Escrituras.
Como parte desta afirmao, a Bblia nos ensina que a autoridade que recai
sobre as Escrituras, uma autoridade divina. Vejamos:
O Antigo Testamento No AT, a autoridade das Escrituras se v com
freqncia na frase introdutria assim diz o Senhor, que ocorre centenas de vezes. No
mundo do Antigo Testamento, essa frase seria reconhecida como idntica em forma
expresso assim diz o rei..., usada para introduzir um edito de um rei a seus sditos,
edito que no poderia ser desafiado nem questionado, mas simplesmente obedecido.51
Dessa forma, quando os profetas dizem assim diz o Senhor eles esto reivindicando a
condio de mensageiros do Soberano Rei de Israel, ou seja, o prprio Deus, e declarando
que suas Palavras so Palavras de Deus com autoridade absoluta. Quando um profeta
falava dessa forma em nome de Deus, cada palavra dita vinha de Deus, seno ele seria um
falso profeta (cf. Nm 22.38; Dt 18.18-20; Jr 1.9; 14.14; 23.16-22; 29.31-32; Ez 2.7; 13.1-
16).52
51 Wayne Grudem, Teologia Sistemtica, (Editora Vida Nova, So Paulo SP, 1999), 44. 52 Idem, 45.
42
Alm disso, muitas vezes se diz que Deus fala por intermdio do profeta (1Rs
14.18; 16.12, 34; 2Rs 9.36; 14.25; Jr 37.2; Zc 7.7, 12). Assim, o que o profeta diz em nome
de Deus, Deus quem fala (1Rs 13.26 com v. 21; 1Rs 21.19 com 2Rs 9.25-26; Ag 1.12; cf.
1Sm 15.3, 18). Nesses e em outros casos no Antigo Testamento, as palavras que os
profetas falaram podem ser mencionadas igualmente como palavras que o prprio Deus
falou. Assim, no dar crdito ou desobedecer a qualquer coisa que um profeta diz no dar
crdito ou desobedecer ao prprio Deus (Dt 18.19; 1Sm 10.8; 13.13-14; 15.3, 19, 23; 1Rs
20.35, 36).
O Novo Testamento No NT, so vrias as referncias que indicam que o AT
palavra de Deus. O texto comumente citado de 2Tm 3.16, refere-se exclusivamente ao
Antigo Testamento como Palavra de Deus. Foi Deus quem falou cada palavra do Antigo
Testamento, embora tenha usado agentes humanos para escrever essas palavras. Outros
textos como 2Pe 1.21; Mt 1.22 referindo-se a Is 7.14; Mt 4.4; Mt 19.5 referindo-se a Gn
2.24; e etc., so a base para a afirmao de que o Novo Testamento d testemunho do
Antigo Testamento como palavra inspirada, e portanto, cheia da autoridade divina.
Mas se Paulo referia-se apenas aos escritos do Antigo Testamento quando falou
de toda Escritura em 2Tm 3.16, como esse versculo pode tambm ser aplicado aos
escritos do Novo Testamento? Ele fala algo sobre o carter dos escritos do Novo
Testamento? Para responder a essa pergunta, precisamos perceber que a palavra grega -
grafh - graphe (escritura) era um termo tcnico para os escritores do Novo Testamento e
possua um significado muito especfico. Embora seja usada cinqenta e uma vezes no
Novo Testamento, em cada um desses casos empregada para referir-se aos escritos do
Antigo Testamento e no a nenhuma outra palavra ou escrito fora do cnon das Escrituras.
43
Assim, tudo que pertencesse categoria escritura tinha a qualidade de inspirado por
Deus, e suas palavras eram as palavras do prprio Deus.53
Em 2Pe 3.16, o apstolo Pedro mostra no apenas conhecimento da existncia
de epstolas escritas por Paulo, mas tambm uma clara disposio para classificar todas as
suas [Paulo] epstolas juntamente com as demais escrituras. Isso uma indicao de
que muito cedo na histria da igreja todas as epstolas de Paulo eram consideradas palavras
escritas de Deus no mesmo sentido que eram os textos do Antigo Testamento.
Em 1Tm 5.18, o apstolo Paulo cita as palavras de Jesus na forma em que as
encontramos em Lc 10.7 e as chama de escritura. Essas duas passagens juntas, indicam
que durante o perodo em que os documentos do Novo Testamento estavam sendo escritos
havia uma conscincia de que estavam sendo feitos acrscimos a essa categoria de escritos
chamada escritura, escritos que tinha a qualidade de verdadeiras palavras de Deus.
Assim, uma vez que estabelecemos que um escrito do Novo Testamento pertence `a
categoria especial de escritura, ento estamos corretos em aplicar 2Tm 3.16 tambm a
esse escrito e dizer que ele possui igualmente a caracterstica que Paulo atribui a toda
escritura que inspirada por Deus, e todas as suas palavras so verdadeiras palavras de
Deus e portanto, de autoridade divina.54
IV- A Suficincia das Escrituras:
A definio de Suficincia das Escrituras esto claramente explicitas no ensino
da Confisso de F de Westminster:
Todo o conselho de Deus, concernente a todas as coisas indispensveis sua
glria, salvao, f e vida do ser humano, ou est expressamente registrado na
Escritura, ou pode ser lgica e claramente deduzido dela; qual nada, e em tempo
algum, se acrescentar, seja por novas revelaes do Esprito, seja por tradies
53 Grudem, Op. Cit., 46.
54 Idem, 46, 47.
44
humanas. No obstante, reconhecemos ser indispensveis a iluminao interior do
Esprito de Deus para o salvfico discernimento de tais coisas como se encontram
reveladas na Palavra; e que h certas circunstncias concernentes ao culto divino e
ao governo da Igreja, comuns s aes e sociedades humanas, as quais tm de ser
ordenadas pela luz da natureza e da prudncia crist, segundo as regras da Palavra,
as quais sempre devem ser observadas.55
Em outras palavras, dizer que as Escrituras so suficientes, significa dizer que a
Bblia contm todas as palavras divinas que Deus quis dar ao seu povo em cada estgio da
histria da redeno e que hoje contm todas as palavras de Deus que precisamos para a
salvao, para que, de maneira perfeita, nele possamos confiar e a ele obedecer.56
No entanto, quando dizemos que nas Escrituras est contida toda a verdade de
Deus, no queremos dizer que, parte das Escrituras, no exista em outros ramos da
cincia a verdade de Deus, pois toda verdade verdade de Deus.
A Bblia no se prope a ensinar Biologia, Botnica, Astronomia, Fsica,
Qumica, etc., ela nos fala de forma potica e faz uso de linguagem comum.57 Schwertley
colocou isso de uma forma muito clara quando disse:
Quando discutimos a Escritura como a revelao inspirada e final de Deus, que
suficiente e completa para a salvao, para servir a Deus, e para f e prtica, no
queremos dizer que no existam verdades que possam ser apreendidas fora dela. A
Bblia no necessria para a prtica da lgica elementar, da matemtica simples e
de observaes bsicas e superficiais. As conquistas de cientistas, engenheiros,
artistas, arquitetos, mdicos e de outros incrdulos no mundo so a prova disso.
Entretanto, at mesmo nestas reas da vida chamadas de seculares, os no-crentes, para fazerem alguma coisa, tm de conduzir os seus assuntos em
conformidade com as pressuposies bblicas. Noutras palavras, a Bblia no
apenas nos ensina sobre Deus, sobre ns mesmos, redeno e tica, ela tambm o
55 Confisso de F de Westminster, Op. Cit., 64.
56 Grudem, Op.Cit., 86.
57 Ao afirmar que as Escrituras so suficientes, a Confisso de F de Westminster no quer dizer que elas
fornecem respostas especficas e detalhadas para todas as questes. Quer dizer, sim, que elas nos do os
princpios, ensinos gerais e exemplos, de modo que o mais pode ser clara e logicamente inferido. Isto se
aplica doutrina e prtica. Se aplica vida pessoal e igreja como um todo. Mas preciso cuidado. Esta
liberdade quanto aos detalhes ou aplicaes especficas s admisvel quando legitimamente inferida
desses ensinos gerais, princpios e exemplos bblicos.
45
fundamento de todo o entendimento. Sem a revelao divina o homem no pode
realmente entender nem dar a explicao de nada.58
Portanto, a suficincia das Escrituras ensina que na Bblia, so encontrados em
forma de registro ou que dela pode ser logicamente inferido tudo o que aprouve a Deus
revelar igreja em matria de f e prtica; tudo o que o homem deve crer e o que Deus
dele requer. Nelas o homem encontra tudo o que deve saber e tudo o que deve fazer a fim
de que venha a ser salvo, viva de modo agradvel a Deus, o sirva e adore.59
A Confisso de F de Westminster diz que nada e em tempo algum, se
acrescentar, seja por novas revelaes do Esprito, seja por tradies humanas, qualquer
coisa que no esteja j revelado e contido nas Sagradas Escrituras.
O Antigo Testamento previa uma nova dispensao, com novas revelaes do
Esprito (ver Joel 2.28-29), o que de fato aconteceu. O livro de Atos no captulo 2, mostra-
nos o derramamento do Esprito Santo prometido por Cristo (ver At 1.8; 2). Portanto,
quando Jesus foi assunto aos cus, foi inaugurada a nova dispensao, e novas revelaes
do Esprito foram comunicadas Igreja, o que resultou no cnon inspirado do Novo
Testamento.60
O mesmo, entretanto, no ocorre no Novo Testamento. O NT no promete
outras revelaes do Esprito antes da segunda vinda de Cristo. Depois desta dispensao,
segue-se a sua vinda. A concluso lgica, portanto, que at a segunda vinda de Jesus
nenhuma revelao adicional necessria. No se trata, entretanto, apena