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A ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO S~CULO XIX Roberto Borges Martins Novembro de 1980

A Economia Escravista de Minas Gerais no Século XIX

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Page 1: A Economia Escravista de Minas Gerais no Século XIX

A ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAISNO S~CULO XIX

Roberto Borges MartinsNovembro de 1980

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Martins, Roberto Borges.A economia escravista de Minas Gerais noséculo XIX. Belo Horizonte, CEDEPLAR/UFMG, 1980.55 p. (Texto para Discussão, 10)CDU 33 (091) (815.1)

3261. História Econômica - Minas Gerais.2. Escravidão. I. Título.

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CENTRO DE DESENVOLVIMENTO E PLANEJAMENTO REGIONAL DA UFMG

C E D E P L A R

A ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SECULO XIX

Roberto Borges Martins

Belo HorizonteNovembro de 1980

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A ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO S~CULO XIX

Roberto B. Martins (*)

O sistema escravista de Minas Gerais no século dezenove foi o maior que existiu em toda a história da instituiçãoservil no Brasil. Durante todo o século a população escrava dessaprovíncia superou a de qualquer outra província brasileira e apr~sentou, além disso, um vigoroso crescimento: de aproximadamente170 mil indivíduos, em 1819, ela passou a mais de 380 mil em 1873.Nessa data Minas Gerais tinha mais escravos que as dez provínciassituadas ao norte da Bahia, mais as de Goiás, Mato Grosso e Paraná reunidas. Esse contingente servil era ainda maior que a popul~çao escrava de qualquer outra sociedade escravista do Novo Mundoem qualquer época, com exceção dos Estados Unidos, Cuba e Haiti

-. 1nos seus pontos maXlmos.Em face da evidente importância da reglao na histó

ria da escravidão na América, é surpreendente verificar quão poucose pesquisou sobre a área. Não existe um único estudo sistemáticosobre o sistema escravista provincial e os fatos e dados mais elementares, nos quais se deveria basear qualquer interpretação histórica, têm sido completamente ignorados ou distorcidos. Os trabalhos de âmbito nacional sobre a escravidão brasileira no últimoséculo não contêm senão ligeiras referências a Minas e as fontesmineiras estão conspícuamente ausentes de todos eles, incluindoa!gumas contribuições recentes e bem documentadas a respeito de outras áreas.2 O resultado desse desinteresse tem sido a perpetu~ção de um grande número de noções falsas sobre a história de Minas.

A escassez de pesquisas não se limita à questão daescravidão. A economia e a sociedade da província, de uma maneirageral, não receberam melhor tratamento nas mãos dos historiadores~Exceção feita ao seu próprio livro, a queixa de Francisco Iglésiasseria tão justificada hoje como o foi há mais de vinte anos atrás:" a falta de bibliografia sobre o período é verdadeiramente chocante ... A vida provincial mineira quase não existe como tema p~ra o historiador".3

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2 .

Parte da culpa é dos próprios mineiros. A maioriados historiadores nativos se deixou imobilizar pelo esplendor daidade do ouro - o século dezoito - quando Minas era o centro nevrálgico do império português. O início do período republicano viua reglao ascender novamente a uma posição de relevo na vida política nacional e também tem tido seus cultores. Assim, enquanto acapitania e o estado receberam alguma atenção, a província foi completamente ignorada.

Entretanto, o maior obstáculo para um melhor conhecimento de Minas oitocentista tem sido uma enraizada distorção quepermeia quase toda a historiografia econômica brasileira: a maiorparte dela está ainda hoje enredada na noçao, herdada do colonizador, de que a atividade exportadora é a única coisa que importa.Aevol ução econômica do país é descri ta como uma série de "ciclos deexportação": açúcar no Nordeste nos primeiros séculos, ouro em Minas Gerais no século dezoito, e café no Centro-Sul nos séculos dezenove e vinte.

Em todos esses períodos, as regloes à margem do boomexportador sao sumáriamente excluídas como "decadente s",ou "es tas.nadas". Uma identidade econômica é negada a essas áreas que, qua~do mui to, são tratadas como "periféricas", "dependente s" ,meros apêndices dos setores exportadores. Se de todo tal conexão não podeser estabelecida, a região é colocada. na mais desprezível de todasas categorias - "economia de subsistência" - e é condenada ao es-

. 4queclmento.A escassa atenção dedicada à economia mineira no

século passado tem se concentrado, naturalmente, no setor export~dor da província. Isso não significa, entretanto, que' esse setortenha sido suficientemente pesquisado: a maioria dos historiado -res da escravidão no Brasil - brasileiros e brasilianistas - temse contentado em projetar sobre Minas Gerais os seus achados eop~niôes sobre São Paulo e o Rio de Janeiro. O tratamento típicoconsiste em incluir a província num pacote rotulado como "as pr~víncias cafeeiras" e,enquanto se examinam os desenvolvimentos pa~lista e fluminense, aparentemente se espera que o caso mineiro flque elucidado por analogia. Assim, como a expansão do regime servil naquelas duas unidades foi claramente associada ao crescimen-to da indústria cafeeira, se tem como ponto pacífico que o mesmoé verdadeiro em relação a Minas Gerais.

As linhas principais da interpretação prevalecen-te podem ser resumidas da seguinte forma. Durante o século dezoito, como consequência da demanda da mineração, foi reunido em Mi

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nas um grande contingente de mao de obra escrava. Quando o ciclominerador entrou em decadência, os escravos se dispersaram pelo interior da capitania, retirando-se com seus senhores para o setorde subsistência, onde se tornaram economicamente "reduntantes" ou"sub-utilizados". A economia regional entrou numa fase de letargia ate que foi despertada, decadas mais tarde, pela emergência dalavoura cafeeira. Os escravos foram,entã~ transferidos em massapara as áreas cafeeiras, que se tornaram o bastião da instituição

~ .servil na prOVlnCla.As partes não-cafeeiras de Minas, apressadamente re~

nidas sob o rótulo de "áreas mineradoras decadentes", são aprese!!.tadas como um reservatório de mão de obra escrava, não só para azona cafeeira da própria Minas, mas, também, _para as das provínciasdo Rio e de São Paulo. Afirma-se,também, que essas áreas não-cafreiras eram menos comprometidas com o regime servil do que a reglaode plantation e que "a manumissão se tinha tornado claramente maisfrequente ... no velho estado minerador de Minas do que no Rio deJaneiro e São Paulo".S

Em resumo, o sentido geral da historiografia existente é o de que em Minas, à semelhança do Rio e de São .Paulo, ocafé "explica" a direção tomada pela escravidão no século dezenove. Muitos autores parecem ter aceito literalmente a afirmação de

. d b d f d - - 6Caplstrano e A reu e que "o Sul, n.o un o,e Sao Paulo". As po~cas vozes dissidentes, como a de Daniel de Carvalho - que pugnourepetidamente contra o vies exportador da historiografia brasileira e pelo reconhecimento da identidade histórica da província mineira - permaneceram completamente ignoradas.7

Os resultados apresentados neste trabalho chocam -se frontalmente com quase todos os aspectos da interpretação acima resumida. Na seção 11 mostramos que no início do período em estudo o episódio minerador já estava praticamente encerrado. Dura!!.te todo o século dezenove a mineração foi um setor de importânciamenor na economia provincial, especialmente no tocante à sua par-ticipação no emprego de escravos. Mostramos também que a popula;ãoservil de Minas não era uma herança da época do ouro, mas sim oresultado de importações recentes, não induzidas pela atividademineratória.

Na seção 111 analisamos a indústria cafeeira. Arg~mentamos que a associação entre escravid~o e café ou, na verdade,entre escravidão e qualquer forma de agricultura de plantation,não foi,nem de longe tão forte como tem sido afirmado. Até a metade do século o setor cafeeiro tinha dimensões extremamente acanhadas e seu crescimento decididamente não constitui explicação para

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o grande aumento da população escrava no período. Nas quatro décadas seguintes a indústria se expandiu rapidamente, atingindo umtamanho absoluto considerável. Não obstante, mesmo no seu apogeu,durante o império o setor permaneceu pequeno em comparação com oconjunto da economia provincial e empregava apenas uma fração modesta da força de trabalho escrava.

Descrever a hist6ria da escravidão em Minas comouma transferência da mineração para o café é um engano grosseiro,envolvendo erros nos dois lados da jornada: a grande maioria dosescravos mineiros no século dezenove nunca esteve numa mina nemnuma fazenda de café. No início da década de setenta o contingen-te escravo de Minas não engajado na agricultura de exportação ouna mineração era muito mais numeroso que a população escrava totaldo Rio de Janeiro, ou de São Paulo, ou ainda da maioria das sociedades escravistas nacionais do Novo Mundo em qualquer momento desuas hist6rias. -O crescimento da população servil de Minas no seculo dezenove e a participação da província no tráfico de escravossão examinados na seção IV ..Aí mostramos que Minas não foi um fornecedor de mão de obra cativa para outras áreas e,em particula~que a idéia de que a decolagem do setor cafeeiro se fez com escravos mineiros redundantes é francamente delirante. Minas Geraisfoi, ao contrário, um pesado importador líquido durante a maiorparte do século, possívelmente o maior dentre todas as provínciasbrasileiras. Nos anos setenta e oitenta o tráfico é analisado aonível dos municípios. Os resultados obtidos indicam que a afirmação de que a zona cafeeira estava esvaziando a população escravado resto da província não tem base factual. Os dados disponíveissobre alfortws mostram que Minas Gerais tinha as mais baixas taxas de manumissão no país durante o período para o qual tais taxas podem ser calculadas.

Na seção IV mostramos que o grosso da economia mineira, onde trabalhava a maior parte dos escravos, não era constituido por plantations nem era orientado para a exportação. Isola-mento de mercados externos i província, diversificação internae auto-suficiência eram suas características principais. Minas tinha o:mais baixo nível de exportações per capita no país e, forada região cafeeir~este nível declinou em termos reais no decorrer do século. A grande lavoura exportadora ficou confinada a umaárea reduzida e não teve praticamente nenhuma influência 'sobre avida econômica do resto .da Província. A economia provincial .eraformada básicamente por unidades agrícolas diversificadas intern~mente - fazendas, sítios e roças - produzindo para auto-consumo e

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para venda em mercados locais.Por ser essencialmente inconspícuo e legar poucos

registros para a posteridade, esse vasto complexo agrícola tem sido sistematicamente ignorado pela historiografia econômica. A pr£dução para subsistência e para comércio local não gera fluxos aI

• tamente visíveis de mercadorias, receitas fiscais, ferrovias e baronatos comparáveis àqueles gerados pela grande lavoura. Não sendo vinculada a mercados internacionai~ essa economia não era sus

-.,' . ." . . . . ~ ,.....

cetível à ocorrência de booms e depressões dramáticas. Era natural, portanto, que os contemporâneos, em consonância com o quadroideológico da época, vissem tais atividades com desprezo ou, simplesmente, não conseguissem perceber sua extensão e importância.Osmesmos enganos e preconceitos são muito menos desculpáveis num historiador moderno.

Embora a agricultura fosse o principal setor de e~prego da força de trabalho escrava, os cativos eram, também,utili-zados numa variedade de outras ocupações, incluindo a pecuária evárias atividades artesanais e manufatureiras. Em algumas destas,como a indústria textil e a'siderurgia, o emprego de escravos p~rece ter sido considerável. A distribuição ocupacional da forçade trabalho escrava em Minas era claramente mais diversificada doque nas verdadeiras províncias cafeeiras, São Paulo e Rio de Janeiro.

A maioria dos historiadores se acostumou de talforma com a associação entre trabalho forçado e o sistema de pla~tation que a simples menção da escravidão na América lhes traz àmente a ilha-fábrica do Caribe, a plantation algodoeira do Suldos Estados Unidos e a fazenda de café ou engenho de açúcar doBrasil. A existência de "um produto cujo cultivo demande combina-çaoe organização do trabalho numa escala extensiva", e conexoescom mercados internacionais ou, numa palavra, a existência da pl~tation exportadora é considerada condição sine qua non para aviabilidade e sobrevivência da escravidão como sistema de trabalho.Por outro lado, o cultivo de cereais, a pecuária e as atividadesmanufatureiras, especialmente quando orientadas para o mercado interno, como foi o caso de Minas, têm sido frequentemente reputadosincompatíveis com o trabalho forçado.8 A existência de um vastosistema escravista que sobreviveu e se expandiu por mais de um século sem nenhuma associação com a plantation exportadora tem, pO!tanto, uma importância que transcende o âmbito da história de Minas e do Brasil.

Na seção VI sugerimos uma explicação para o prolongado apego de Minas Gerais ao regime servil. O caso mineiro se

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ajusta extremamente bem à hipótese proposta no século passado porE.G. Wakefield e por vários outros autores. Não havia uma ofertade trabalho assalariado porque a front~ira agrícola estava aberta e os camponeses livres tinham franco acesso a terras não ocup~das, das quais podiam extrair uma subsistência independente. Nesse context~ uma classe de proprietários não-trabalhdores só pod~ria sobreviver através do recurso continuado ao trabalho forçado.

O caso aqui estudado também coloca questões importantes com relaçãó ao papel desempenhado peÍo latifúndio na histQria brasileira. Sempre se acreditou que a prevalência de grandepropriedade territorial e a exclusão dos camponeses da terra foramforças maiores na formação da estrutura sócio-econômica do Brasilrural. Isso pode ter sido verdadeiro, durant~ o século dezenov~,no nordeste do país, onde a maioria das terras cultiváveis já ti-nha sido apropriada e a população camponesa já estava reduzida aum status de dependência dos senhores da terra, que possibilitou,inclusive, o abandono gradual do regime servil.

Entretanto, a extrapolação dessa situação para Minas Gerais (e,certamente, para grande parte do Brasil central e meridional) é claramente espúria. O latifúndio não era menos comumnessas áreas, mas controlava apenas uma fração das terras, nao PQdendo, por essa razao, controlar os componeses. A existência decamponeses livres e economicamente independentes e a permanênciado regime escravista são fa~escomplementares da mesma realidadesocial, cujo determinante principal era a impossibilidade de controlar o acesso à terra.

11

No início do século dezenove, Minas não mais poderiaser caracterizada como uma economia mineratória. A produção de ouro, que atingira uma média anual de 10.036 quilos em 1736-51, declinou drasticamente na segunda metade do século, alcançando ape-nas 1.883 quilos por ano no período 1801-20.9

Os centros mineradores estavam parcialmente deser-tos e a população tinha se dispersado pela zona rural, dedicando _se,principalmente, à agricultura e à pecuária. Singer sugeriu que,já em 1776, aproximadamente 80 porcento da força de trabalho, li-vre e escrava, não mais trabalhavam na mineração.lO

Menos de trinta anos mais tarde, na segunda décadado século passado, a dissociação entre a mineração de ouro e a es

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cravidão estava praticamente completa.

TABELA 1

Minas Gerais: Força de Trabalho na Mineração deOuro, 1810 e 1814

Lavras em operaçaoEscravos empregados nas lavrasLivres empregados nas lavrasFaíscadores escravosFaíscadores livres

1810

63110.603

3352~0483.291

1814

5176.535

1972.0573.604

Fonte: Dados originais em W.L. von Eschwege, PlutoBrasiliensis, vol. 2, pp. 34-63 e 244. Essa fonte lis-ta 557 lavras em 1814, das quais 40 estavam paralisadas.

As lavras em operação em 1814 eram, apenas, pálidas sombras do quetinham sido poucas décadas antes. O número médio de escravos porlavra era 12,6 e a vasta maioria empregava meno.s que a média: doisterços das lavras tinham 10 escravos ou menos; apenas uma, a famosa mina de Morro Velho em Congonhas do Sabará, tinha mais de ce~Na maioria dessas empresas os escravos eram apenas parcialmentee~pregados na mineração, dedicando vários meses por ano ao cultivode gêneros de subsistência. A produtividade média por trabalhador(livre ou escravo) era de 59,3 gramas de ouro por anoe~ em 76porcento das lavras, estava abaixo de 70 gramas, menos portanto quea produtividade média dos faíscadores no mesmo período.ll

Tendo em vista que, segundo a unanimidade dos depoi-mentos contemporâneos, a renda dos faíscadores não ultrapassava onível de subsistência,12 fica claro que a maior parte das lavrasnão era capaz de realizar lucro. O ouro superficial já havia sidocoletado e a operaçao -remuneradoradas lavras exigia, já nessa épo-ca, recursos técnicos e financeiros acima das possibilidades dosmineiros.

Não surpreende,portanto,que o declínio do setor minerador nativo continuasse de forma acelerada pelo século adentro.Eschwege observou que o número de lavras diminUlra "extraordinári~mente" entre 1814 e 1820, e que, mesmo entre as sobreviventes, o nIvel de atividade tinha sido muito reduzido. O mesmo autor. - segur~mente o maior conhecedor do setor no período - estimou que a força de trabalho total (escravos e livres) na mineração de ouro nao

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ultrapassava 6.000 indivíduos no início da década de 20.13

A extmção de diamantes constituía, além do ouro, aúnica atividade mineratória de importãncia. Corno a atividade foimonopólio da coroa até depois da independência, é relativamentef~cil avaliar o emprego de escravos nessa indústria no fim do período colonial. A Real Extração iniciou suas operações em 1772 com3610 escravos. Entre essa data e 1795, empregava usualmente 500 c~tivos durante a estação seca e 4200-4400 durante a estação das chuvaso Entre 1795 e 1801 a força de trabalho escrava oscilou entre1500 e 1700, crescendo para 2100-2800 no período 1801-1814, cain-do depois para 1600-1800 nos anos 1814-1817. O último dado oficiaI disponível indica o emprego de 1200 escravos em 1818.14 Essesnúmeros são confirmados pelos relatos dos viajantes que visitaramo distrito diamantino na época. Mawe, Pohl e Freireyss registraram 2.000 escravos ao tempo de suas visitas. Saint-Hilaire encon-trou o número reduzido a cerca de 1.000. Poucos anos depois, D' Orb. . . . ~. 1519ny estlmou que serlam urnas poucas centenas, no maXlmo.

Vê-se, portanto, que o número total de escravos em-pregados em todos os tipos de mineração no final do período colo-nial dificilmente teria alcançado 10.000, o que representaria 5.9porcento da população servil de Minas na.época.

Logo após a independência, a mineração entrou numafase de profunda modificação, com a entrada dos ingleses no setor.A primeira companhia inglesa, a Imperial Brazilian Mining Compan~foi organizada em 1824 e iniciou suas operações em 1826, na minade Gongo Sôco, em Santa Bárbara. Durante o restante do império, p~lo menos treze outras companhias inglesas, duas francesas e urnaspoucas brasileiras foram constitUídas para explorar jazidas aurí-f M. 16eras em lnas.

A entrada das empresas estrangeiras nao reverteu odeclínio secular da mineração, embora tenha desacelerado o proce~SOe A produção média anual de ouro em Minas caiu para 1.635 quilosnos anos 1821-60, crescendo ligeiramente para 2.174 quilos, no

•.d O 17perlo o 186 -84.

Sobretudo, a presença inglesa nao restaurou a antiga importância da mineração corno setor de emprego de trabalho escravo. Consideradas individualmente, várias dessas companhias for~lgrandes empregadores de cativos: a Saint John deI Rey, por exemplo,foi aparentemente a maior empresa escravista privada em toda a hi~tória de Minas. Mas, em conjunto, e contra o pano de fundo da pop~lação servil da província; o planteI das companhias mineradorasfoi totalmente sem importância. Embora operassem em escala muitomaior que as antigas lavras, o uso de escravos por essas empresas

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foi reduzido porque sua tecnologia era muito mais intensiva em capital e,em sua maioria, elas tiveram existência efêmera, constituind - - "f" . 18o-se, com poucas exceçoe~ em notavelS ~ascos.

No início da década de 1840, com quatro companhiasinglesas em atividade, o número total de escravos empregados eracerca de 1750 (500 em Morro Velho, 300 em Cocais, 450 em CataBranca e 500 em Gongo Sôco). Na metade do século,o contingente estavaem torno de 2.000 cativos, no máximo: Morro Velho estava em franca expansao, mas Cata Branca tinha falido e as outras companhiasestavam em dificuldades. A partir dessa época, o emprego total deescravos pelas companhias estrangeiras caiu para não mais se recuperar, com o fechamento de Gongo Sôco e a lenta agonia de Cocais,apesar da continuação do crescimento do planteI servil de MorroVelho até 1863 e da formação de novas companhias.19 Não há dadossatisfatórios para a população servil da província em meados doséculo. Aplicando ao contingente de 1819 a taxa de crescimento observada entre aquele ano e 1873, obtemos 269.550 escravos em 1850,- -numero que e provavelmente uma subestimação, uma vez que essa p~

pulação deve ter crescido a uma taxa mais alta enquanto o tráficoatlântico permaneceu aberto. Os 2.000 escravos empregados por todas as companhias inglesas no período não representariam, portanto,mais que 0,7 porcento da população escrava de Minas. ~ difícil avaliar a força de trabalho escrava do setor nativo da mineração deouro, mas pode-se afirmar com segurança que ela era muito pequenaO setor nativo estava declinando rapidamente na virada do séculoe não há nenhuma evidência de uma reversão dessa tendência. Existem, ao contrário, várias razões para se acreditar que sua decadência se acelerou e que, com exceção da faiscagem, o setor tinhapr~ticamente desaparecido.

A mineração de diamantes também sofreu grandes mudanças no século dezenove. Na década de 1830,0 monopólio real deulugar a um sistema de exploração livre, desencadeando um períodode forte expansão na produção e,provavelmente, no emprego de escravos. Esse segundo boom diamantino foi, entretanto, extremamentecurto e localizado. As descobertas na África do Sul saturaram omercado internacional, expelindo a maioria dos produtores brasileiros. Toda a evidência disponível indica que, nos anos 60,as are asdiamantinas de Minas já estavam em profunda depressão.

No terceiro quartel do século a utilização deescravos na mineração tinha diminuido ainda mais. O censo de 1872 (queem Minas só se realizou em 1873) registrou o número máximo de 1625escravos empregados em todos os tipos de mineração, dos quais 351(21.6 porcento) estavam em áreas de mineração de ouro e 1274 (78.4

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porcento) estavam em ire as principalmente diamantinas. Dos 72 municípios da província, apenas 12 tinham escravos nessa categoriaocupacional e, com poucas exceções, estes representavam uma' parc~la insignificante do planteI servil de cada município. Na provín-cia inteira,o setor minerador detinha, no miximo, 0,44 porcentodapopulação e 0,72 porcento da força de trabalho escravas.20

Em l873,a Assembléia Provincial criou um impostode doismil-réis por ano sobre cada escravo direta ou indiretamen-te empregado na mineração' de ouro; A tábel'a '2, computada a parti rda receita desse imposto, mostra a evolução da força escrava do s~tor no período final da escravidão. Os 644 escravos empregados em1882-83 representavam 0,21 porcen~o da população servil de Minasnesse ano. TABELA 2

Minas Gerais: Escravos empregados na mineração de ouro,1872-1883.

ANO FISCAL ESCRAVOS ANO FISCAL ESCRAVOS

1873-74 917 1878-79 8571874-75 798 1879-80 8181875-76 688 1880-81 6341876-77 644 1881-82 6531877-78 902 1882-83 644

Fonte: FalIa ... preso Antonio Gonçalves Chaves, 1/8/1884. O imposto foi criado pela lei provincial 2024,de 1/12/l873.Livro da Lei Mineira, tomo 40, parte la.,p.l06.

O esgotamento das jazidas de aluvião e a transf~rência da população para outras atividades foram consequências pe!feitamente naturais do ciclo do ouro. Na verdade, esse epílogo nãoteria apresentado nada de notivel se nao tivesse sido acompanhadode um forte crescimento da população escrava.

Foi no fundo da crise da mineração, num período de~crito por Furtado como um "processo de involução" sem paralelo e~tre as economias ocidentais, que o contingente escravo de Minaspassou por um ponto de inflexão e iniciou uma expansao que se pr~longaria pela maior parte do século dezenove.

A população servil da capitania seguiu de perto ociclo minerador em sua fase ascensional, crescendo rapidamente atéo final dos anos 1730, deilinando, depois, ligeiramente, até 1749,quandoo rush se desacelerava. Porém, a partir do terceiro quarteldo século, a mineração e a população escrava tomaram rumos radical

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mente diferentes. Em 1786, o número de escravos era mais do que odobro daquele registrado em 1749. Seguiu-se um período curto de d~clínio, mas na segunda década do século dezenove o crescimento játinha sido retomado.

TABELA 3Minas GeTais: Evolução da População Escra

va, 1717-1819ANO ESCRAVOS TAXA DE CRESCIMENTO

(porcen to -.£or ano)

1717 33.0001749 88.286 3,11786 188.941 (*) 2,11808 148.772 -1,11819 168.543 1,1

Fonte: l717-49~ Goulart, A Escravidão, pp.139-41; 1786-1808: "Populaçao da Provínciade Minas Gerais", pp. 294-95; 1819: Estimativa do conselheiro Velloso de Oliveira, reproduzida em Silva, Investigações, p.152. -(*) Numa população total de 393.698 apenas ..362.847 indivíduos tiveram seu status especificado, dos quais 174.135 (48 porcento) eramescravos. Presumindo que a mesma proporção ocorria na população total, obtém-se 188.941-escravos.

No princípio do século, Minas já tinha a maior pop~lação escrava do Brasil e sua evolução nas décadas seguintesrefo~çou sobremaneira essa posição: a fatia mineira aumentou de 15.2porcento em 1819 para 24.7 porcento em 1872. No mesmo período, oplanteI escravo de Minas cresceu a uma taxa duas vezes e meia maior que a média nacional, e seu crescimento absoluto só foi igual~d pelo do Rio de Janeiro, sendo ambos quase três vezes maiores queo de qualquer outra província.

~ fundamental compreender que a grande populaçãoservil de Minas no princípio do século dezenove não era uma herança do rush do ouro. Esses escravos não eram os remanescentes daqu~les importados para a mineração, nem os seus descendentes: eram,isso sim, o resultado de importações recentes, não induzidas pelaatividade mineradora.

Não há evidências diretas suficientes para se medir as importações de escravos nesse período remoto, mas o fluxopode ser avaliado através de métodos indiretos.

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TABELA 4

Brasil: Crescimento da População Escrava, por Províncias,1819 - 1872.

ESCRAVOS ESCRAVOS TAXA DE CRESCIMENTOEM 1819 :EM 1872(*) (PORCENTO POR ANO)

Amazonas 6.040 979 - 3,37Pará . ~3.>OQO 27.458. • _o, - 0,34 '.

Maranhão 133.334 75.272 - 1,07Piaui 12.045 23.924 + 1,30Ceará' 55.439 31~913 - 1,03Rio Grande do Norte 9.109 13.020 + 0,67Paraíba 16.723 21.526 + 0,47Pernambuco 97.633 89.028 - 0,17Alagoas 69.094 35.741 - 1,23Sergipe 26.213 30.119 + 0,26Bahia 147.263 167.824 + 0,24Minas Gerais 168.543 381.893 + 1,53Espírito Santo 20.272 22.659 + 0,21Rio de Janeiro (**) 91.070 306.425 + 2,31Corte (**) 55.090 48.939 - 0,22São Paulo 77.667 156.612 + 1,28Paraná 10.191 10.560 + 0,06Santa Catarina 9.172 14.984 + 0,93Rio Grande do Sul 28.253 69.685 + 1,72Goiás 26.800 .10.652 - 1,73Mato Grosso 14.180 6.667 - 1,41Brasil 1.107.389 1.546.880 . + 0,63Fonte: 1819: Veja tabela 3. 1872: Dados corrigidos do censode 1872, em Marcí1io, "Evolução da População", p.127. (*) .EmMinas, São Paulo e Mato Grosso o censo não se realizou na da-ta prevista.(**) A fonte para 1819 dá 146.160 escravos, como a populaçãoservil da Corte e da província do Rio de Janeiro, conjuntamente. Desse númeró,subtraImos 55.090 (população escrava da Cor~te em 1821, segundo Oliveira Vianna, "Resumo", p. 425) paraobter o dado para o Rio de Janeiro. Nos dois casos usamos t=53 para computar as taxas de crescimento.

12.

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13.

TABELA 5

MINAS GERAIS: ESTIMATIVASMINIMAS DAS IMPORTAÇOES LIQUIDAS DE ESCRAVOS, COM TAXAS HIPOT~TICAS DE CRESCI -MENTa NATURAL, 1717 - 1808. M~DIAS ANUAIS POR PERIoDOS.

PERIoDO r = - . 02 r = - . 03 r = - . 04

1717 - 1749 3.065 3.858 4.7651749 - 1786 5.779 7.613 9.7461786 - 1808 1.568 3.311 5.114

Fonte e metodologia: Dados orlglnais da tabela 4. Asestimativas resultam das soluções para l da. equaçãoPt = Po . s + (T-M). y-;" onde s = (l+r) , Pt e Po' aspopulações escravas no fim e no início do período re~pectivamente, r é a taxa anual de crescimento natural,t a duração do período em anos, T as importações 1íquidas totais no período e M, o número de manumissões noperíodo. As estimativas são mínimas porque as manumis-sões foram consideradas nulas. O método é discutido emdetalhe em Martins, "Growing in Si1ence", apêndice B. 21

A tabela 3 deixa claro que as estimativas sao mUlto sensíveis à taxa de crescimento natural, um parâmetro sobre oqual não temos senao informações vagas.

Pode-se, entretanto, afirmar com segurança que essataxa era fortemente negativa no período em questão. A mortalidadeera certamente muito alta: com o tráfico atlântico a todo vapor, aproporção de escravos africanos - isto é, a parcela da popu1açãos~jeita à sobremorta1idade da migração - era mantida permanentemente1t 22 S- f .- . f.. 1ta a. o esse ator]a serla su lClente para gerar uma a a taxa

de mortalidade global. Havia, além disso, concordância geral entreos contemporâneos em que as condições de vida e de trabalho erammuito mais duras na mineração do que na agricultura. A fecundidade,por seu turno, era forçosamente baixa, em consequência da alta morbidade e do enorme desequilíbrio entre os sexos. As estimativasdisponíveis sugerem que ~ taxa de crescimento natural da popul~çao escrava de Minas até o início do século dezenove era substan-

23cialmente menor que - 0,02 por ano.Como não havia escravização de pessoas livre~ a ta

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xa de manumissão era positiva por definição,e as importações líquldas reais eram necessáriamente maiores que as estimadas. Isso é e~pecialmente verdadeiro p'ara o período 1749-1786 quando, confúrme semostrará abaixo, o nível de alforrias parece ter sido considerável.

As estimativ~s da tabela 5 mostram que a populaçãoescrava nao acompanhou a mineração na sua decadência. As importa -ções líquidas de escravos aumentaram na segunda metade do século,apesar da crise do setor .minerador. Mesmo no período l786-l808,qu~do a populaç,ão,escrav!=!odiminuiu, .as.,importações. se mantiveram num..•. '. ., . .

nível bastante alto.

o comportamento das alforrias no tempo confirma a~pIamente que a escravidão tinha adquirido uma nova vitalidade nasúltimas décadas do século dezoito. Não há, mais uma vez, dados diretos sobre manumissões nesse período, masa evolução da populaçãolivre de cor não deixa margem a dúvidas. Esses dados sugerem que aidéia, bastante freqüente na literatura, de que a economia minera-tória oferecia amplas oportunidades para o escravo obter sua libe!tação não tem suporte empírico. A incidência de manumissão duran-te a fase ascencionaldo ciclo do ouro parece ter sido muito baixa.Entre 1735 e 1749 o número de pretos e mulatos livres era muito pequeno e decresceu durante o período. Somente depois que começou adecadência é que a tendência se modificou. A extraordinariamentealta taxa de crescimento do grupo livre de' corno período 1749-1786indica um aumento abrupto na concessão de alforrias, mesmo consid~rando que a reprodução natural dos libertos também contribuiu pa-

. 24ra esse creSClmento.

TABELA 6

Minas Gerais: Evolução da População Livre de Cor,1735-1873

PRETOS E MULATOS LIVRES DE COR TAXA DE CRESCIMENTOANO LIVRES POR 100 ESCRAVOS (PORCENTOPOR ANO)

1735 1.420 1.5 -1749 961 1.1 - 2,71786 123.048 70.7 14,01821 201.178 110.6 1,41873 805.967 217.5 2,7

Fonte: 1735, 1749: Boxer, The Golden Age, pp. 341,3461786.1821: "População da Província", pp. 294-95; 1873Recenseamento 1872.

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A explosão nas manumissões nao durou muito tempo.À medida: que a economia regional se afastava da mineração a taxa de crescimento do grupo livre de cor caiu verticalmente." Entre1786 e 1821, a taxa caiu a um décimo do nível atingido no período anterior. De 1821 a l87~ a população livre de cor cresceu num ritmomuito inferior ao da população branca. O sistema escravista provi~cial estava reestruturado e no pleno vigor de sua força.

rrr

A maioria dos historiadores concordaria que a evo-lução da população escrava de Minas no século dezenove não pode serexplicada pela agonizante mineração, mas não hesitaria em atribuirao cultivo do café o papel principal no renascimento escravista daregião. A indfistria cafeeira é,geralment~ apresentada como a atividade que resgatou a província - e mesmo o império - de um impasseeconômico, inaugurou uma nova era e deu um novo sopro de vida à instituição servil. Já indicamos que, pelo menos no que diz respeitoa Minas, essa visão é altamente duvidosa. No tocante à história econômica da província, é uma visão míope, que reproduz sem nenhumareflexão a perspectiva do colonizador. Mais especificamente, dopon

. . -to de vista da história da escravidão em Minas, ela simplesmente nãotem base nos fatos.

O café foi cultivado desde o século dezoito na região central de Minas como uma planta de jardim, para consumo domé~tico. O cultivo comercial só foi iniciado nas primeiras décadas doséculo passado, como resultado da expansão da seção fluminense doVale do Paraíba. Apesar de ter crescido rapidamente durante a primeira metade do século, o setor era ainda extremamente pequeno emtorno de 1850. As exportações de café mineiro cresceram de uma média anual de 472 toneladas em 1819-25 para 7.212 toneladas em 1846-51. Estima-se que, no início dos anos 60,não existiam na provínciamais do que 300 cafeicultores.25 A expansao se acelerou muito nasegunda metade do século. No período 1852-1870, o setor cafeeiro deMinas cresceu mais rapidamente que qualquer outra área cafeeira doBrasil. Nas duas décadas seguintes ele foi ultrapassado, tanto emtermos da produção total quanto das taxas de crescimento, peloOe~te Paulista, mas continuou a se expandir vigorosamente, enquantoasáreas antigas do Vale do Paraíba no Rio de Janeiro e em São Paulopermaneciam estagnadas, como, aliás, tinham estado desde a metade doséculo.

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TABELA 7

Brasil: Crescimento das Principais Ãreas Cafeeiras, 1852 - 188B(Exportações Médias Anuais em Toneladas)

Período Minas Gerais Rio de Janeiro São Paulo São Paulo(Vale do Paraíba) (Oeste)

Tons Índice Tons Índice Tons Indice Tons Indice1852-55 10.264 100,0 117.372 100,0 18';790 100;0 9.3691 100,01856-60 12.958 126,2 119.272 101,6 17.191 91,5 14.302 152,61861-65 16.548 161,2 85.442 72,8 14.886 79,2 19.871 212,11866-70 31.532 307,2 117.841 100,4. 18.014 95,9 28.213 301,11871-75 32.472 316,4 106.610 90,8 17.206 91,6 32.250 376,21876-80 46.022 448,4 116.521 99,3 20.379 108,4 58.318 622,41881-85 65.887 641,9 131.572 112,1 23.368 124,4 106.647 1138,31886-88 81.9602 798,5 97.995 83,5 15.382 81,9 117.797 1257,3

Fonte: Minas Gerais: A1vim,"Confrontos e Deduções", pp. 80-83; Rio deJaneiro e São Paulo (V. do Paraíba): 1852-70: Taunay, História do Café, vo1.6, pp. 316-19; 1871-88: Mello, "The Economics of Labor", pp.32-33. São Pau10(Oeste): 1853-70: Laerne, Brazi1 and java, p.400,1871-88: Mello, "The economics of Labor", pp. 32-33.(1) Média 1853-55. (2) Média de 1886 e 1888. Arrobas convertidas em qui10gramas à razão de 1 arroba=14,689 quilos. Os dados foram transforma--dos de anos comerciais em anos-calendário.

Durante o império, a produção comercial de café emMinas ficou circunscrita a uma parcela pequena do território provi~cia1. Era uma estreita faixa de terra, na direção sudoeste-nordeste,acompanhando a fronteira com o Rio de Janeiro e limitada ao nortepelas serras da Mantiqueira, da Game1eira e do Caparaó, na zona daMata mineira. O território além da Mantiqueira prestava-se bem aocultivo do café, mas os custos de transporte impossibilitavam a pr~dução em escala comercial. Mesmo na zona da Mata, nem todos os municípios eram cafeeiros: apesar de nao haver dados sistemáticos da pr~dução por municípios durante o século dezenove, fontes contemporâ-neas revelam claramente que os municípios interiores da zona - Po~te Nova, Piranga e Santa Rita do Turvo - estavam além da fronteiracafeeira pelo menos até os anos oitenta. Nos últimos anos do impé-rio, toda a zona cafeeira de Minas não ocupava mais do que 4 porce~

d f~. d ,. 26to a super lCle a provlncla.

A expo~tação de café era sujeita a um imposto du-rante todo o período em estudo. Os registros das estações fiscaisda província permitem reconstituir com bastante precisão as origens

. . d -.. d d 27regl0nals as exportaçoes mlnelras o pro uto.

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TABELA 8

Minas Gerais: Composição Regional das Exportações deCafé, 1818-1884. Anos S'e1ecionados(Porcentagens dovolume físico total da província)

ANO ZONA DA MATA ZONA SUL RESTO DA PRovíNCIA

1818-19 99,7 0,0 0,31842-43 99,9 0,1 *1844-45 100,0 O, O *1847-48 99,8 0,2 *1850-51 99,8 0,2 *1867-68 99,7 0,2 *1881-82 97,0 2,8 0,21882-83 97,0 '2,8 0,21883-84 93,1 6,4 0,4

(*) Significa positivo mas menor que 0,1 porcento.As porcentagens nem sempre somam 100 por causa de arredondamento. Fonte: 1818-19: Eschwege, "Notícias e Ref1exões~pp. 748-49; 1842-43: FalIa ... preso Soares d'Andrea,1844;1844-45: Fa11a ...pres. Quinti1iano José da Silva, 1846';1847-48 e 1850-51: Sócrates A1vim, "Projeção Econômica" p.46; 1867-68: Fa11a ...pres. sâ e Benevides, 1869; 1881-82:Fa11a ...pres. Gonçalves Chaves, 1883; 1882-83: Fa11a ...pre~Gonçalves Chaves, 1884; 1883-84: Fa11a ...pres. Alves deBrito, 1885.

Em face dos dados da tabela 8,é quase inacreditâ -ve1 verificar quão disseminada é a noção de que a Zona Sul foi umaimportante ârea cafeeira durante o período imperial. Esse erro efrequentemente repetido na literatura recente e é muitas vezesagr~vado pela afirmação de que a região atraiu grande numero de escra-vos para trabalhar seus cafezais.28

Durante a maior parte do império, a zona Sul era umareglao esparsamente povoada, isolada da costa por uma formidâve1b~.reira natural e destituida de qualquer via exportadora de importã~cia.29 A primeira ferrovia a penetrar a região, a Minas and RioCompany, só foi aberta ao trâfego em 1884 e'Idecididamente,,.não atr~vessava território cafeeiro. Um observador contemporâneo comentouque a linha era "absolutamente supérflua uma vez que ela percorriauma zona relativamente despovoada".

No seu primeiro ano de operaçao, a ferroviatransportou apenas 24 toneladas de café e funcionou,principalmente,

. d - 30 . - dcomo um "substltutO para o transporte de ga o em pe". FOl so epois que a Mogiana conectou a sua parte ocidental com o porto de

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18.

Santos que a zona sul iniciou o cultivo de café em grande _ escala-um desenvolvimento que pertence, portanto, ao período republicano.

O papel do setor cafeeiro de Minas como empregadorde mao de obra escrava tem sido muito exagerado na literatura. Asestimativas apresentadas abaixo mostram que em nenhum momento essesetor empregou mais do que uma parcela relativamente pequena da força de trabalho servil, mesmo nos anos finais da eséravidão, quandoo cultivo do café se expandia rapidamente e a população escrava diminuía também de forma acelerada.

O procedimento consiste em estimar um coeficientede trabalho por unidade de café produzido, obtendo em seguidà,a pa!tir da produção total,os requisitos de mão de obra em cada momento,sob a hipótese realista de,que as mudanças na tecnologia e na prQdutividade ocorridas ao longo do período sao desprezÍveis.3l

Usando dados de diversas fontes contemporâneas, estimamos que no início da década de 80,a produtividade média na zona da Mata mineira era de 36 arrobas de café processado por mil pés.Esta estimativa é algo mais alta que aquela adotada por Laerne noseu clássico relatório sobre o café no Brasil e freqüentemente encontrada na literatura. A divergência nao constitui surpresa: Laerne estimou a produtividade do conjunto da Zona do Rio (Vale do Paraíba),usandodados de fazendas situadas no Rio de Janeiro e em aIguns dos mais antigos distritos cafeeiros de Minas, ou seja, deáreas que já no tempo de seu estudo -se achavam em avançado estágiode decadência. As seções paulista e fluminense do Vale dispunhamde pouca terra virgem, o~ cafezais estavam velhos e a produtivid!de ia em franco declínio. As duas áreas, conforme mostra a tabela7, permaneceram estagnadas desde a metade do século. ~ um engano a~sociar o setor cafeeiro mineiro com o quadro sombrio do resto daZona do Rio. O setàr mineiro tinha à sua disposição uma abundantÍ~sima oferta de terras virgens e estava crescendo vigorosamente. Afronteira cafeeira permaneceu aberta pelo século vinte adentro: aofinal da República Velha, Minas exportava três vezes mais café queno final do Império. A evidência mostra que a produtividade médiapor cafeeiro permaneceu elevada, como seria de se esperar num sistema em expansão, onde a queda no rendimento das áreas antigas eracontinuamente compensada pela alta produtividade das novas planta-çoes.

Dados de 153 fazendas de café, localizadas em onzemunicípios mineiros, ~m 1883, indicam que o número médio de pés porescravo era 3706. Isso implica, junto com a estimativa de 36 arro-bas por 1000 pés, que um escravo produzia 134 arrobas de café por

32ano.

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19.

TABELA 9Minas Gerais: Escravos empregados no setor cafeeiro,

1820-1887. Médias ànuais, por períodos.% DA % DA

PERIoDO ESCRAVOS POPULAÇÃO PERIoDO ESCRAVOS POPULAÇÃOEMPREGADOS ESCRAVA EMPREGADOS ESCRAVA

1820-25 264 0.15 1856-60 6.629 2.181826-30 548 0.28 1861-65 8.474 2.581831-35 1.037 0.50 1866-70 15.788 4.461836-40 1.624 0.72 1871-75 16.428 4.301841-45 2.282 0.94 1876-80 23.683 6.961846-50 3.351 1.28 1881-85 33.879 11.101851-55 5.269 1.87 1886-87 36.069 15.38

Fonte: Dados de produção de A1vim, "Confrontos e Deduções",pp. 80-83. Metodologia: veja texto. Estimativas da popu1a -ção escrava: veja nota 33. As percentagens se referem à po-pulação no ponto médio de cada período.

Essas ~stimativas deixam claro que o papel da indús -tria cafeeira foi muito limitado, mesmo nos anos finais da escravldão. A expansão cafeeira não pode, de nenhuma forma, explicar a. sobrevivência, e muito menos o crescimento do planteI servil de Mi-nas. Além daqueles empregados diretamente no cultivo do café, utilizavam-se escravos também para o transporte do produto parao Rio de Janeiro, o que era feito, durante a maior parte do perío-do estudado, através de tropas de mulas. A organização das tropas,a capacidade de carga das mulas e os coeficientes de mão de obraenvolvidos são bem documentados e permitem estimar a força de tra.ba1ho requerida por essa atividade. Informações colhidas de um gr~de número de fontes contemporâneas conduzem à estimativa de que umtocador escravo (com sete mulas) transportava 672 arrobas de cafépor ano. Usando este coeficiente, e supondo que todos os tocadoreseram escravos, estima~os que o número total de cativos empregadosno transporte do café cresceu de 48 por ano, no período 1819-25, p~ra 1.313 por ano no período 1856-60. A partir dos anos sessenta, osrequisitos de mão de obra nessa atividade foram drasticamente re-duzidos, primeiro pela abertura da estrada União e Indústria, em1861 ~ depois, pela introdução da ferrovia em 1869.34

Para os anos setenta e oitenta, existem dados mui tomais detalhados sobre a população escrava, permitindo uma melhor a

Page 23: A Economia Escravista de Minas Gerais no Século XIX

20.

preciação do papel do setor cafeeiro. Os resultados apresentadosna tabela 10 desmentem qualquer tentativa de identificar a escravidão mineira com o café, mesmo nos anos finais. A comparação' com SãoPaulo e Rio de Janeiro mostra notáveis diferenças entre Minas eaq~las unidades, evidenciando o enorme engano que representa a apres-sada inclusão de Minas no pacote das"províncias cafeeiras".

IV

O papel de Minas no tráfico de escravos no séculodezenove nunca foi estudado. Apesar disso, muitos autores não têmdúvidas em apresentar a província como importante fornecedor de maode obra servil para as regiões vizinhas. Na esteira da mineração,reza o argumento, ficou um grande estoque de escravos sub-utiliza-dos, do qual os setores cafeeiros de São Paulo, do Rio de Janeiroe da própria Minas retiraram a força de trabalho requerida para suaimplantação e expansão. Nessa linha, Furtado decretou que

Nas áreas próximas ao Rio de Janeiro existiauma oferta relativamente abundante de mão deobra em consequ~ncia da decad~ncia da minera -ção ... Portanto a primeira fase da expansão cafeeira foi feita"com a utilização de recursos-pré-existentes e sub-utilizados. 35

Eulália Lobo bate na mesma tecla, dizendo que a abundância de mao de obra escrava barata, devida ao declínio da mine-ração, favoreceu o desenvolvimento da agricultura tropical e que odeslocamento de escravos de Minas Gerais contribuiu para impedir aqueda da população do Rio de Janeiro.36 Emília Viotti da Costa argumentou que, para os fazendeiros mineiros

o problema da mão de obra agrícola não era tãourgente como no Rio e, particularment~ em SãoPaulo. A mineração tinha resultado na concen -tração de uma grande massa de escravos. No início do século dezenove, com a decad~ncia das m1nas, havia abundância de mão de obra disponívelO desenvolvimento do café deflagrou a migraçãointerna. Primeiro os senhores migraram com seusescravos para região fluminense, e mais tarde sedirigiram para as áreas cafeeiras paulistas.Aomesmo tempo, a zona da"Mata mineira era povoadapor pessoas das. antigas zonas mineradoras."

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TABELA 4

MINAS GERAIS, RIO DE JANEIRO E SÃO PAULO: UMA COMPARAÇÃO DO EMPREGO DE ESCRAVOS NO SETOR CAFEEIRO. ANOS SELECIONADOS

Total de Escravosna Província nãoEmpregados no Café

Escravos naForça de Trabalhoda Província não

Empregados no CaféEscravos Lavradoresda Província

(2) do Número de

ESCRAVOS EMPREGADOS NO CAF~ CO~ PORCENTAGEM(3) da Força deTrabalho Escravada Região Cafeeirada Provínciada Província

(1) da Força deTrabalho Escrava

PRovíNCIA EANO

Minas Gerais(1873) 5,6 13,5 27,0Rio de Janeiro(1872) 44,3 65,1 92,6S~o Paulo (1874) 28,5 39,3 33,1Minas Gerais(1884) 13,3 43,5Rio de Janeiro(1882) 52,3 62,6 90,3São Paulo (1883) 49,4 55,4Minas Gerais (1887) 18,9 23,6Rio de Janeiro (1887) 63,0 68,3 100,0São Paulo (1887) 88,9 99,4 95,3

266.716116.04583.462

237.796113.73482.698

155.75060.14511.870

354.688200.418123.319262.386144.15793.832

155.75060.14511.870

(-) Significa dado não disponível.Fonte e metodologia: o emprego de escravos no café no Rio de Janeiro e em São Paulo foi estimado através de procedimen..,.. --to semelhante ao descrito acima para Minas Gerais. As estimativas da produtividade por escravo nessas provlnclas saoapresentadas em Martins, "Growing in Silence". A força de trabalho escrava foi definida como todos os escravos entre 11e 60 anos de idade. As fontes dos dados de população escrava, for~a de trabalho e escravos na agricultura são: 1872,1873 e 1874: Recenseamento 1872 (dados não ajustados); 1887: Relatorio Agricultura, 1888; São Paulo (1883) e Rio de Janeiro (1882): Laerne, Brazil and Java; Minas Gerais (1884): Tabela abaixo. Os dados da produção de café do Rio de Ja.neiro e São Paulo são de: Mello, i'The Economics of Labor", Taunay, "História do Café"., e Dafert, "Quadro Estatístico":-Na delimitação das zonas cafeeiras do Rio de Janeiro e de São Paulo seguimos, respectivamente, Mello, "The Economics ofLabor" e Holloway, "Migration and Mobility". Uma discussão detalhada de todas as estimativas apresentadas na tabela laestá em MartiNs. "Growing in Silence".

Page 25: A Economia Escravista de Minas Gerais no Século XIX

22.

A autora prossegue, afirmando que o "êxodo dos negros em direção às áreas cafeeiras" estava esvaziando algumas reg!.oes da prov!ncia.37 Luiz Amaral sugeriu uma ~ransfer~ncia -diretada mineração para o café, afirmando, num lirismo de gosto altamen-te duvidoso, que "ao invés de se estiolarem nas escuras, úmidas epodres galerias subterrâneas, os escravos passaram a cantar, porentre as aléias dos alegres, ensolarados e saudáveis. cafezais". 38Francisco Iglésias e outros autores mineiros também afirmam que adecadente indústria mineradora foi a fonte da força de trabalho empregada no setor cafeeiro da Mata e do Sul.39

A atenção dos brasilianistas se concentrou, de ummodo geral, na segunda. metade do.século., Richard Morse argüi u que

à medida em que o centro de gravidade econ6micado Brasil se deslocou para o sul, para as terrascafeeiras paulistas, milhares de escravos foramtransferidos, a preços exorbitant~s, de Minas Gerais. e do Norte.~O

Robert Slenes argumenta Que, nos anos setenta e oitenta, em Minas, como no Rio de Janeiro e em São Paulo, os munic!-pios onde predominava a agricultura de plantation foram importado-res l!quidos de escravos, enquanto aqueles onde a grande .lavouranao era importante "tenderam a ser exportadores l!quidos".41

A concentração da es~ravaria nas prov!ncias cafeeiras introduziu uma profunda fissura regional no anteriormente monol!tico suporte à escravidão. Segundo Robert Conrad,as diferençasem comprometimento com o regime podiam ser observadas não só entreprov!ncias cafeeiras e não-cafeeiras, ma~ também,dentro das própr!as prov!ncias cafeeiras: a!, também, a escravidão permanecia hegem6-nica nos distritos cafeeiros e perdia apoio rapidamente nas demais~areas:

Isso era particularmente verdadeiro na vasta epopulosa Minas Gerais, que continha uma pequenazona cafeeira pró-escravidão ... onde uma grandeparte da população escrava da província estava concentrada~ Mais para o interior, entretanto, estivam regiões mais pobres, de mineração e de pecu~ária que, como o Nordeste, haviam perdido escravos para a zona cafeeira e continuaram a faz~-lo emgrande escala durante os últimos anos da escravidão. Dentro de Minas Gerais, portanto, o interesse no sistema servil variava da mesma forma queno império como um todo - distritos cafeeiros defendendo o sistema, áreas não-cafeeiras maiore~porém mais pobres, mostrando menos preocupaçãomm~ua sobreviv~ncia ou mesmo ansiosas para ver' seufim.42

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23.

A província, ou pelos menos a sua parte não-cafeeira, tem sido, portanto, colocada num papel muito semelhante àqueledos chamados bre~ding states do sul dos Estados Unidos: uma econo-mia decadente, onde à escravidão tinha cessado de ser rentável, eque exportava seus escravos redundantes para as áreas de plantationmais dinâmicas e orientadas para o mercado externo.

Segundo toda a evid~ncia que foi possível reuni~asidéias de que Minas Gerais tenha fornecido escravos para a decola-gem do setor cafeeiro ou de quaisquer exportações consideráveis decativos da província existem, apenas, na imaginação de alguns histo-riadores. Um exame da literatura de viagem e de documentos govern~.mentais contemporâneos não produzi~ com respeito à primeira metadedo século dezenove, uma Gnica alusão a exportações de escravos ouà exist~ncia de mão de obra redundante. Ao contrário, queixas so~bre. o alto preço dos cativos e .sua escassez e refer~ncias a im-portações de escravos são frequentemente encontradas.

o naturalista Freireyss, por exemplo, anotou, eml8l5,que a agricultura mineira sofria com a falta de braços e queentre 1803 e l8l5,a província importava mais de quatro mil escra _

43 - " ~ dvos por ano. Comentarlos do mesmo teor, referentes a segun a eterceira décadas do século, são encontrados em diversos lugares dosrelatos de Spix e Martius, Eschwege, Saint-Hilaire, Pohl e Debret.44O autor de um artigo num jornal de Ouro Preto denunciava, em 1835,que, apesar da lei de 1831, o tráfico prosseguia e queamiGde seviam "grandes comboios dessa gente infeliz" sendo conduzidos paraMinas.45 Alcir Lenha~o levantou documentos, cobrindo aproximadamente o mesmo período, mostrando frequentes remessas de escravos porcasas comerciais do Rio de Janeiro para Minas, bem como uma anima-da participação de tropeiros nesse comércio.46 No início dos anosquarenta, Suzannet registrou a introdução de escravos africanos, atra- d B h" - d"" 1" " d 47ves a a la, nas areas lamantlnas por e e Vlslta as.

Os dados disponíveis indicam que, pelo menos enquanto o tráfico atlântico permaneceu aberto, os escravos custavam maisbarato no Rio de Janeiro que em Minas Gerais. Um grupo de mineirosse queixava à Coroa, em 1810, que não se podia comprar um escravo emMinas por menos de 240 a 280 mil-réis, enquanto uma amostra de vendas de cativos no Rio, de 1807 a 1812, dá os preços médios de 145mil-réis para os homens e 123 mil-réis para as mulheres. 48

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24.

A Saint John deI Rey, uma companhia notada por seutino comercial, se dirigia consistentemente ao mercado da Corte p~ra suas compras maiores de escravos nos anos 30 e 40. Essa política parece plenamente justificada: durante 1835, a empresa comprou42 escravos no Rio a 500mil-r~is cada, enquanto 17 outros adquiridos na sua vizinhança custaram574mil-r~is,em m~dia. Noventa es-cravos foram comprados no Rio,em 1839, por um preço m~dio de 478mil-r~is, ao passo que os 36 comprados na própria região, em 1841,

'1 -. 49. dcustaram 600 mI -reIS :por cabeça. Essas dIferenças de preço po emter sido,em parte, devidas ao fato dos escravos comprados no Rioserem provavelmente boçais; entretanto, anúncios como este abaixo,publicado em O Universal de Ouro Preto em 1835 revelam que os ladinos tamb~m alcançavam preços mais altos em Minas:

Antonio Pereira Cardozo, novamente chegadodo Rio de Janeiro, traz nao pequena quanti-dade de negros ladinos ... os venderá em leilão ... nesta cidade. 50

Tais. peças de evidência direta, mesmo sendo fragme~tárias, nao deixam dúvidas quanto à direção do fluxo. Os escravosestavam sendo transferidos do Rio de Janeiro (ou melhor, da Áfri-ca,via Rio de Janeiro) para Minas Gerais, e não no sentido inver-so. Em particular, as fazendas de caf~ do Vale do Paraíba, fossemelas no Rio, em São Paulo, ou na Zona da Mata mineira, não estavamsendo equipadas com escravos da antiga zona de mineração.

Durante a primeira metade do s~culo dezenove, oBrasil importou, aproximadamente, 1.5 milhão de africanos, dos quaispelo menos 84 porcento se dirigiram a portos situados em São Pau10 e no Rio de Janeiro. Somente atrav~s dessa 'última p~ovíncia,mais de um milhão de escravos foram introduzidos nos primeiros cin

" - 51quenta anos do seculo.

Essa, e nao os pretensamente "redundantes" escravosde Minas, foi a fonte de mão de obra para a implantação do setorcafeeiro.

O único suporte para o argumento da origem "mineradora" da força de trabalho das áreas. cafeeiras, apresentado at~ opresente,~ o fato de que algumas famílias do centro tleMinas mi-graram para zonas de fronteira no Vale do Paraíba onde, eventual _mente, vieram a integrar o núcleo da plantocracia cafeeira. Emboraseja provável que os migrantes tenham levado seus escravos consi-go, não se apresentou ainda nenhuma evidência de transferênciassignificativas de cativos das áreas mineradoras para as cafeeiras.

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o volume dessas migrações nunca foi avaliado e,em muitos casos, aprópria origem "mineradora" das famílias mlgrantes não foi estabe52 'lecida a contento.

Em seu estudo sobre Vassouras, Stanley Stein mostramuitas conexões entre os primeiros cafei~ultores e famílias mine!ras abastadas, mas não menciona nenhuma transferência de escravosde Minas. Os laços de família dos pioneiros ~epresentavam, . issosim, fontes de capital e de crédito com os quais eles adquiriame~cravos no mercado do Rio de Janeiro. Um fazendeiro, por exemplo,

• • ...,.. -~ _ • • • .•• I • •

tornouemprestado com seus parentes mineiros fundos "para comprardoze escravos africanos recém~chegados". Os principais fornecedo-res de escravos para os fazendeiros do distrito eram os comissá -rios no Rio, que "enviavam provisões e créditos e" logicamen te, assumiram a função de fornecer escravos dos mercados litorâneos p~ra seus clientes do interior".53

A inescapável lógica do crescimento populacional t~bém nao permite dúvidas quanto à posição de Minas no tráfico dur~te as sete primeiras décadas do ~éculo. Já mostramos acima que apopulação escrava da província se expandiu vigorosamente, especi-almente quando comparada com a evolução de outras unidades do império. Na tabela 11 são apresentadas as estimativas dos níveis minimos de importações líquidas de escravos necessárias para suste~tar o crescimento observado ,da população, sob várias hipóteses aIternativas de crescimento natural.

O número de escravos importados é, naturalmente,rnu!to sensível à taxa de crescimento natural, mas a direção do fluxo

do tráfico é óbvia. A província teria sido um pesado importàdoT liquido,mesmo se a sua população escravá tivesse um crescimento nat~ral positivo. Para ser um exportador de modestas proporções, Minasteria de ter duplicado ou,mesmo, superado a singular experiência dapopulação servil dos Estados Unidos, que apresentou um crescimentonatural fortemente positivo no século dezenove.54

A história demográfica de todas as outras socieda -des escravistas da América é diametralmente oposta. Em todos os Paises do Caribe'a taxa de declínio natural parece ser sido bastantesuperior a la por mil por ano e, segundo urnaautoridade, "mesmo nãose podendo estabelecer solidamente urnataxa, o fato de declínio natural é confirmado".55

A experlencia brasileira, embora menos dramática quea do Caribe, nao constitui exceção a esse padrão. Usando duas hip~teses diferentes a respeito da distribuição das importações no te~po, estimamos a taxa de crescimento interno da população escravadoBrasil em -8,9 e -9,3 por mil por ano, no período 1819-1873.56 Es

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26.

TABELA 11

Minas Gerais: Estimativas Mínimas das Importações Líquidas deEscravos, com taias hipot~ticas de crescimento natural,1808-1819 e 1819-1873.

1808 - 1819 1819 - 1873Taxa anual de

Importações ImportaçõesCrescimento Natural Líquidas M~dia Líquidas M~dia

(por 1000) Totais Anual Totais Anual

10 2.426 221 71.431 1.3235 11.073 1.007 140.939 2.610O 19.771 1.797 213.350 3.951

-5 - 28.528 2.593 290.030 5.371-10 37.350 3.395 372.459 6.897-15 46.246 4.204 462.263 8.560-20 55.224 5.020 560.728 10.384

Fonte: Dados da populaçio das tabelas 3 e 4. A metodologia e amesma da tabela 5.

ses resultados sao fortemente consistentes com a estimativa de Robert Slenes que, usando uma abordagem diferente, determinou o intervalo de -5 a -15 por miL por an~ para essa taxa.57

Com relaçio a Minas, embora a taxa de declínio prova-velmente tenha baixado,com relaçio aos níveis do s~culo dezoito,niohá nenhuma razio para supor que ela fosse menor que em outras parresdo Brasil. Na verdade, como Minas importava mais africanos que amaioria das províncias, sua taxa de declínio deve ter sido,maior que

-d' . 1 58a me la naclona .

a portanto, perfeitamente razoável concluir que MinasGerais importou mais de 400 mil escravos entre 1800-1873, em termoslíquidos. Isso coloca a província na posiçio de maior importador decativos no período dentre todas as províncias brasileiras, por larga margem. Se, como parece ter sido o caso, a maioria dessas impor-tações ocorreu durante a vigência do tráfico internacional, dentretodas as regiões da Am~rica, Minas terá sido superada apenas por

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27.

Cuba como local de destino dos africanos que cruzaram .0 Atlântico noséculo dezenove.59

A estimativa acima cobre dois períodos bastante heterogeneos. No primeiro, terminado em 1851, o quadro é dominado pelotráfico internacional e as transferências interprovinciais parecemter sido de menor importância. Com o fechamento do tráfico africano,o comércio de escravos entre as províncias ganhou vida, os cativossendo transferidos em números crescentes do nordeste e do sul paraa região centro-sul. Estudos recentes mostram, entretanto, que atéos anos setenta, o fluxo não atingiu, nem de longe, as proporçõesque lhe costumavam ser atribuídas. 60

E difícil estabelecer com segurança o papel de Minasno período entre o fim do tráfico e o censo de 1873, por falta dedados para a população escrava em meados do século, nos quais sepossa ancorar uma estimativa confiável. A evidência disponível parao período é indireta, fragmentária e contraditória. Alguns observa-dores contemporâneos mencionam exportações para outras províncias ,mas a informação extraída dedados populacionais incompletos para osanos 50 e do censo de 1873 indica que a província ou era um impor-tador líquido ou um insignificante exportador.

Ferreira Soares relata que um pequeno numero de escravos mineiros era enviado ao mercado do Rio de Janeiro durante a dé-cada de 50. Richard Burton foi informado, em 1867, em São João deIRey, em Diamantina e em Januária que os cativos locais estavam sen-do vendidos para as "províncias cafeeiras", especialmente o Rio deJaneiro.6l Na segunda metade dos. anos 60,há indicações de que escr~vos mineiros estavam sendo utilizados na lavoura cafeeira paulista.O Dr. Gaston, que visitou São Paulo como enviado de um grupo de emigrantes confederados, foi informado por um fazendeiro que turmas deescravos de Minas podiam ser contratadas para a formação de cafezaise,por outro, que escravos mineiros podiam ser alugados por 40 a 60

- 62 _ . _dolares por ano. O relatorlo de Joao Pedro Carvalho de Moraes, em1870, confirma o fato: segundo ele, alguns dos formadores de cafezal

" '"h' d . 6 3 W D 1eram mlnelros que tln am mlgra o com seus catlVOS. . arren ean ocalizou em Rio Claro contratos "para o plantio de mais de um milhãode pés de café por empreiteiros, que introduziram 332 escravos no mu. •. . •.d d 8 8 8 64 - -nlclplo", no perlo o e 1 64 a 1 7. Nao e claro, entretanto, que

esses escravos eram originários de Minas Gerais, e muito menos desuas partes não-cafeeiras. À ~irmação de Dean de que eles foramlevados "de áreas menos favorecidas como o centro de Minas Gerais",pode-se contrapor o testemunho do Dr. Gaston, segundo o qual "esses n~gros (tinham) sido até então empregados em fazendas de café que cessaram de ser lucrativas naquela região (Minas)".65

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28.

Outras~~~t~indicam, como dissemos acima, uma situa-çao bem diferente. Estimativas baseadas em dados para 27 municípios,em 1854 e no censo de 72, resultam em um saldo de importação de .....82 512 . d. ~d 66. ln lVl uos.

Os dados sobre a província de nascimento dos escravosbrasileiros sugerem que Minas pode ter tido um ligeiro excesso deexportações sobre importações nos anos que precederam o censo". Em1873,havia 8.578 escravos nascidos em outras províncias residindo emMinas Gerais, enquanto 11.560 estravos mineiros viviam em outras pr~.víncias. Se considerarmos negligíveis as transferências interprovi~ciais antes de 1851,os dois contingentes de migrantes sobreviventesseriam o resultado de um fluxo de exportações de,aproximadamente, 15mil escravos e um fluxo de importações de cerca de 11 mil cativosnoperíodo de 1851 a 1873. O saldo resultante representaria uma médiade exportações líquidas de menos de 200 escravos por ano, aproxim~damente 0,05 porcento do estoque mineir~ em 1873.67

O padrão de comércio revelado pelo censo é bastantediferente daquele encontrado na literatura. Antes de mais nada, ficadesmentida a idéia de que Minas era fornecedora de escravos para alavoura cafeeira do Rio: na verdade, havia tantos escravos fluminen-ses em Minas quanto mineiros no Rio de Janeiro. A grande maioria dosescravos mineiros fora de Minas (96,9 porcento do total) residia emprovíncias limítrofes, em muitos casos em municípios junto ã fronteira. Os dados sugerem que, ao invés de um ativo tráfico, com mão única em direção is áreas cafeeiras, o que estava ocorrendo era um so-nolento comércio de fronteira, e que uma parcela considerável dastransferênciasinterprovinciais de cativos mineiros era associadacom migrações de pequenos senhores de éscravos. Em São Paulo, pelomenos 36 porcento dos escravos mineiros não residiam em zonas de café. A região de maior concentração - a Mogiana - estava apenas sen-do desbravada e era um área favorita de migração dos mineiros liwes- sitiantes e criadores de gado, mas nao cafeicultores.68 Na proví~cia paulista, como nas do Espírito Santo, Goiás e Mato Grosso,obse!vam-se altíssimas correlações entre a presença de escravos mineirose a de mineiros livres nos municípios.

Por causa da natureza seletiva do tráfico (forte con-centração no sexo masculino, na faixa de 10 a 39 anos de idade) adistribuição etária do censo oferece importantes informações adicionais. O fato de Minas ter uma proporção de escravos homens no grupode 11 a 40 anos mais aIta que em qualquer outra província indica queela não deveria estar perdendo escravos através do comércio inter -provincial. Internamente,a distribuição etária era notavelmente uniforme. A Mata ocupava a sexta posição entre as nove regiões, em ter-

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TABELA 12

Províncias de residência dos escravos nasc'idos em Minas e Províncias de nascimento dos escravosresidentes em Minas, segundo o Censo de 1872.

% dos Província de % dosProvíncia de Nascimento. Residência dos Escravos dos Escravos EscravosEscravos Nascidos Nascidos Residentes ResidentesEm Minas Em Minas Em Minas Em MinasSão Paulo 4.018 1,16 1.309 0,35Rio de Janeiro 3.074 1,07 3.757 1.01Goiás 1.311 0,38 185 0,05Espírito Santo 756 0,22 97 0,03Município Neutro 728 0,21 - (1) -Bahia 542 0,16 2.094 0,57Pernambuco 7 * 667 0,18Outras Províncias 497 0,14 469 0,13Total outras Províncias 11.560 3,34 8.578 2,32Minas Gerais 333.853 96,66 333.853 90,14Total Nascidos em Minas 345.413 100,00 - -Total Nascidos no Brasil - - 342.431 92,46África - - 27.946 7,54População Escrava em Minas - - 370.377 (2) 100,00Fonte: Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo, Espírito Santo e Mato Grosso: Quadros paroquiais, Recen-seamento de 1872. Todas as outras províncias: Quadros provinciais. Recenseamento de 1872.(*) Significa menos de 0,01 porcento.(1) Os escravos nascidos no Município Neutro foram listados no Rio de Janeiro. (2) Há pequenas discrepâncias entre as tabelas do censo. Na maior parte delas,o total para Minas é dado como 370.459 escravos. Esse número foi ajustado mais tarde para incluir 14 paróquias que não foram recenseadas.Nota Importante: Os dados da tabela acima, especialmente aqueles sobre o local .de nascimento dos escravosresidentes em Minas, são substancialmente diferentes dos que constam das tabelas provinciais do censo. Osquadros provinciais contêm enormes erros de agregação: os números corretos para Minas, Sao Paulo, Rio deJaneiro, Goiás, Espírito Santo e Mato Grosso são esses apresentados acima, obtidos através das tabelas p~roquiais.

Nl.D

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30.

Em 1873, a distribuição dos escravos pelas regiões deMinas .segu~.a.d~ P~!t.q,.a.d,a.população .1ivT.e. Daí .até l884;.a .tabelamostra uma concentração na zona da Mata - a zona cafeeira da província. Entretanto, como um procedimento para detectar fluxos migrató-rios, a simples comparação dos estoques em dif~rentes momentos é cl~ramente insuficiente. Não considerando o efeito das mortes e manu.-missões, essa comparação tem um viés no sentido de exagerar as pe£das das zonas exportadoras e de diminuir os ganhos das áreas impor-tadoras. Foram exercícios apressados desse tipo que levaram algunsautores a concluir que a área cafeeira estava drenando toda a forçade trabalho servil dàs regiões não cafeeiras.70 As estimativas apresentadas abaixo, usando mais uma vez o método dos sobreviventes,cogfiguram uma situação bastante diferente. Para o período 1873 - 1880,usou-se o mesmo procedimento descrito nas notas ã tabela s. As man~missões, estimadas em 7700 para toda a província, foram alocadas para cada'município em proporção ã população de cada um no momentoinicial. Usamos uma taxa de cresci~ento natural de -23 por mil por ari~calculada por Robert Slenes para a região central de São Paulo no m~mo período. Essa taxa reflete apenas a mortalidade dos escravos,umavez que estava em vigor desde 1871 a lei do ventre livre.7l

A tabela 14 mostra que o impacto líquido na provín -cia como um todo foi bastante reduzido. O saldo de importação de ...7.059 escravos equivale a apenas 1,8 porcento da população servil deMinas em 1873. Esse resultado é altamente consistente com os dadossobre as mudanças de domicílio municipal dos escravos no período:egtre setembro de 1873 e junho de 1881 entraram nos municípios minei-ros 64.718 escravos, enquanto 58.782 saídas foram registradas, dei-xando um saldo positivo de 5.936 no conjunto da província.72

Dentro de Minas,a Mata era o principal importador,~cinco outras regiões também tiveram saldos positivos. Dos 34 municí-pios importadores, apenas seis eram cafeeiros, os restantes estavamlocalizados fora da zona de plantation. A análise de contingência r~vela uma associação mui'to fraca entre o sinal do saldo migratório ea caracterização econômica dos municípios (cafeeiros x não-cafeeiros,. d d . d . - . d ) 73mlnera ores ou com passa o mlnera or x nao-mlnera ores .

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TABELA 13

MINAS GERAIS: População escrava, por regiões, 1873-1886

1873 1880 1884 1886 Porcentagemda PopulaçãoEscravos % Escravos ~ Escravos % Escravos % Livre em 1873o

Meta1úgica-Mantiqueira 95,401 24.9 63.160 19.5 51.820 17.3 49,436 17.3 24.7Mata 100,776 26.3 100,248 30.9 106.939 35.8 104,369 36.4 16.8Sul 81,511 21.3 71,682 22.1 63,982 21.4 61,270 21.4 19.0AIto Paranaíba 18,493 4.8 11,616 3.6 10,443 3.5 9,998 3.5 5.2Oeste 33,711 8.8 29,806 9.2 24,440 8.2 23,152 8.1 10.1Triângulo 7,966 2.1 9,436 2.9 5,921 . 2.0 5,522 1.9 2.1São Francisco-MontesClaros 7,983 2.1 8',325 2.6 7,574 2.5 7,411 2.6 4.9Paracatu 2,639 0.7 1.714 0.5 1,587 0.5 1,548 0.5 1.9Jequitinhonha-Mucuri-Doce 34,160 8.9 28,551 8.8 26,225 8.8 23,794 8.3 15.2.Minas Gerais 382,640 100.0 324,538 100.0 298,931 286,491 100.0 100.0

i I I

Fonte: Recenseamento 1872; FalIa ... Preso Sant'Ana, 1880, pp. 25-26; FalIa ... Preso Gonçalves Chaves,1884,pp. 63-64; Relatório ... Preso Souza Magalhães, 1887, pp. 32-34~---- .

Nota: O total dado pelo censo foi de 370.459, mais tarde ajustado para 381.893 para incluir 14 paróquiasque não foram recenseadas. Como a revisão não discriminou os dados por municípios, foi preciso estimar,usando outras fontes, a população dos municípios incompletamente cobertos. Nossa estimativa resultou em 382.64~que ê 0,2 porcento maior que o total ajustado do censo. Em 1880,os dados para dez municípios não incluídosna fonte foram es~imados por interpo~açã~ en~re 1873 e ~p~imeiro dado disponível após 1880. Todos essesajustamentos estao em Martins, "Growlng ln S11ence", apendlce B.

tNI--'.

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TABELA 14

Minas Gerais: Transferências Líquidas de Escravos, 1873 - 1880

Mtmicípios MlUlicípios Exportações Importações Saldoexportadores importadores Líquidas Líquidas dados dosMunicípios Mtmicípios região

Metalúrgica-Mantiqueira 10 4 19,388 1.889 - 17,499Mata 3 8 1,680 . 19,568 + 17,888Sul 9 9 8,075 12,341 + 4,266Oeste 5 3 1,988 3,927 + 1,939AI to Paranaíba 3 2 4,631 558 + .4,073Triângulo 1 2 768 2,601 . + 1,833S.Francisco-Montes Claros 1 3 5,108 5,279 + 171Paracatu 1 O 520 O - 520Jequitinhonha 4 3 506 3,560 - 3,054MINAS GERAIS 37 34 42,664 49,723 +. 7,059Fonte: Idêntica à tabela 13. Os municípios de 1880 foram tornados comparáveis aos de.1873,agregando-sede volta a suas origens todos os mlUlicípios criados durante o período. A consolidação de Guaicuí e Montes Claros eliminou um dos 72 minicípios listados no censo.

tNN.

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33.

Em dezembro de 1880 e janeiro de 1881, as assembléi -as legislativas de Minas, São Paulo e Rio de Janeiro, temendo que aconcentração dos escravos na reglao centro-sul acabasse por alienaro apoio das outras províncias ã instituição servil, resolveram ~orseveras restrições ao tráfico interprovincial,.gravando com pesados impostos as importações de escravos para suas províncias. Essà açãoconcertada dos membros da "trindade negra" praticamente congelou adistribuição espacial da população servil do império. Do ponto devista que nos interessa no momento, o resultado foi o "fechamento"ef~tivo da população '.escrava'de Minas; Por essa razão, as estimativas dotráfico intraprovincial apresentadas abaixo não são baseadas, comoantes, em taxas de crescimento natural calculadas exogenamente.O pr£cedimento adotado para a década de oitenta é a versão tradicional dométodo dos sobreviventes.

Como se poderia esperar, a legislação acima mencionada gerou uma intensificação do tráfico intraprovincial. Os registrosde mudança de domicílio mostram que, entre 1881 e l884,uma média anu-al de 12.636 escravos foram transferidos entre os municípios minei-ros - um numero pelo menos 56 porcento mais alto que a média dosanos1873 a 1881. 74

No nível de agregação usado na tabela l5,as estimat!.vas parecem indicar que a região cafeeira estava drenando os escra-vos de quase todas as outras áreas. Entretanto, a análise ao níveldos municípios revela que o padrão não era tão simples. Um respeit~vel número de municípios não-cafeeiros continuou a ter um saldo po-sitivo e, uma vez mais, a análise de contingência resulta numa baixa associação entre a direção do tráfico e as características economicas dos municípios.

Após l884,houve sensível queda no volume do tráficointraprovincial ..Além das sombrias perspectivas políticas da escra-.vidão, o período assistiu a um declínio do preço do café e a uma desaceleração no crescimento des~e setor. A média de importações líqu!das anuais da Mata em 1884-86 caiu a um quarto do nível do períodoanterior. No conjunto dos municípios, de.junho de 84 a junho de 85,foram registradas apenas 4.989 entradas de escravos, pouco mais que

d ~d' 1 d .- . . 75 N •.dum terço a me la anua o trlenlO anterlor. esse perlo o,as pe!das de escravos se concent!aram num pequeno número de lugares e amaioria dos municípios apresentou saldos positivos.

A vitalidade da instituição servil em Minas, tantona area cafeeira como naquelas não-vinculadas ã grande lavoura, nãoé indicada apenas pela análise de sua participação no tráfico.Os senhores da provÍnci" longe de estarem ansiosos para ve~ o fim do ca

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TABELA 15

Minas Gerais: Transfer~ncias Líquidas de Escravos, 1880-84 e 1884-86

Municípios Municípios Exportações Importa ções SaldoExportadores Importadores Líquidas Líquidasdos dos daMunicípios Municípios Região

A. 1880-1884 ,Metalúrgica-Mantiqueira 11 3 7,434 811 - 6,623Mata 1 8 814 16,028 +15,214Sul 9 7 5,558 3,428 - 2,130Oeste 6 2 3,333 19.0 - 3,143AIto Paranaíba 3 2 424 156 - 268S.Francisco-Montes Claros 2 2 .505 406 - 99Jequitinhonha-Mucuri-Doce 3 4 1,446 1,370 - 76Paracatu O 1 O 9 '. + 9Triângulo 3 O 2,887 O + 2,887Minas Gerais .38 29 22,401 22,398 - 3

B . 1884-1886.Metalúrgica-Mantiqueira 4 10 1,241 1,008 - 233Mata 2 7 1,220 4,132 ,.. + 1,912Sul 8 8 2,943 2;893 - 50!Oeste 2 6 1,181 904 - 277AIto Paranaíba 2 3 209 199 - 10S.Francisco-Montes Claros 2 2 66 221 + 155Jequitinhonha-Mucuri-Doce 5 2 1,701 333 - 1,368Paracatu O 1 O 27 + 27Triângulo 2 1 180 23 - 157Minas Gerais 27 40 9,741 9,740 , - 1Fonte: Id~ntica às da tabela 13.Alguns dos municípios criados no período compunham-se de partes de vários municípios. Nesses ca-sos tivemos de usar conglomerados de municípios, reduzindo o número de unidades para 67.As transfer~ncias líquidas não somam zero, devido a arredondamento.

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TABELA 16

Brasil Manumissão de Escravos, por Províncias, 1877-81 e 1873-85 .

TAXA ANUAL DE MANUMISSÃO (*) Porcentagem daPopulação Escravade 1873 Manumitida

1877 1878 1879 1880 1881 no Período 1873-85Amazonas 7.7 6.1 7.2 014.4 69.8 -Pará 17.8 18.1 16.0 19.5 20.4 25.4Alagoas 6.2 5.5 5.4 10.1 6.9 8.7Bahia 11.8 10.1 10.5 11.5 16.9 9.2Ceará 12.2 13.1 10.9 13.5 31.8 -Maranhão 9.3 7.8 10.7 10.2 11.2 7.4Paraíba - - - - - 6.2Pernambuco 5.4 5.0 6.5 8.7 8.4 11.4Piauí 12.7 9.5 10.2 15.5 11.8 13.3Rio G.do Norte 9.9 10.7 10.3 12.7 10.1 12.4Sergipe 9.2 5.8 5.7 7.6 6.7 8.8Paraná 13.1 22.6 20.5 36.9 18.7 20.4Sta. Catarina 8.2 11.2 19.7 30.1 14.5 24.5Rio G.do Sul 10.2 10.9 13.9 15.9 18.0 47.1Goiás 6.6 6.7 5.4 12.9 5.8 12.2Mato Grosso 3.7 13.2 12.1 25.6 8.3 13.6Mun. Neutro 20.6 19.0 26.0 33.5 33.3 32.2Espírito Santo 5.2 5.9 7.1 8.2 7.4 9.6Rio de Janeiro 4.5 3.9 5.1 5.5 5.8 6.9São Paulo 3.9 3.5 3.7 4.7 5.6 9.8Minas Gerais 3.9 3.0 3.2 5.3 5.1 5.0BRASIL 7.0 6.3 7.1 9.1 11.1 11.8

FONTE Relatório da Secção de Estatística, 10/5/1883 e Relatório Agricultura, Mi-nistro Antônio da Silva Prado, 1886. P.34 .

(*) Manumissões por 1000 escravos existentes no início do ano .(-) Significa dado não disponível.

o" As baixas taxas de alforria em Minas não podem ser explicadas apenas pelo comporta-mento da zona cafeeira. A taxa provincial é uma média ponderada das taxas das di-versas regiões e, portanto, como grande parcela da população servil estava na zonanão-cafeeira, as baixas taxas orovinciais im.Elicam, necessariamente, uma baixa incidência de manumissões nessa zoila. Usando nlveis hipotéticos de alforria para aárea cafeeira,podemos avaliar os níveis correspondentes ao restante da província.

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tiveiro, nao só seguiram comprando escravos, como também detiverama duvidosa glória de apresentar as mais baixas taxas de manumissãodo país durante os anos finais da escravidão.76

TABELA 17

Taxas de Manumissão na Área Não-Cafeeira de Minas,1877 - 1881

1

2

Taxas hipotéticas de axas de manumissao resultantes nazona não-cafeeira

manumissão na zona -------cafeeira de Minas 1877__ 1878 1879 1880 1881

.Mesma que em São Paulo 3,9 2,8 3,0 5,5 4,9

.Metade da taxa de são Paulo 4,5 3,4 3,6 6,2 5,8

Fonte e Metodologia: Tabela 16 e nota 77.

Se a zona cafeeira mineira libertasse seus escravosa mesma taxa que são Paulo (a mais baixa entre as províncias careeiras), a taxa resultante para o resto da província ainda seria a maisbaixa do país. Mesmo no evento improvável de que a reglao cafeeiraalforriasse a uma taxa igual ã metade da taxa paulista, a frequên-cia de manumissões na área não-cafeeira ainda seria comparável ãdas províncias cafeeiras c muito mais baixa que aquelas que preva-leciam em outras regiões do Brasil.

v

Nas seções anteriores afirmamos que a Minas do século dezenove não pode ser identificada nem com o café nem com a mi-neração. Mostramos que êsses dois setores tiveram papéis relativa-mente menores na vida econ5mica da província como um todo e que,em particular, eles não podem explicar o tamanho absoluto da popul~çao escrava, nem o seu crescimento. O que era, então, a economiapr~vincial? Quais eram as ocupações de seu vasto contingente escravo?

Nessa seç'ão,tentamos responder a essas questões. A!.gumentamos que, em Minas, fora do setor cafeeiro da Mata, as expor-tações eram a exceção e não a regra e que a maior parte da economia

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37.

mineira era a antítese'da economia de plantation exportadora. Elaconsistia, sobretudo, de unidades agrícolas produzindo principalmen-te para auto-consumo, e vendendo o excedente em mercados 10cais.AI

d .,. . d 78 . I -gumas areas a provlncla suprIam merca os externos - especIa men-te a cidade do Rio de Janeiro - de alguns alimentos básicos, lati-cínios, carnes e produtos suinos, mas essas exportações eram de natureza residual, na maioria dos casos, e os fluxos eram ínfimos emcomparaçao com a produção provincial desses bens.

A unidade rural típica, embora compreendesse muitasvezes vastas extensões de terra e numerosos escravos, nao erapa~te da grande lavoura. A ela faltavam, praticamente, todas as carac-terísticas definidoras da plantati~n: a monocultura, a organizaçãoe a disciplina quase fabris e, acima de tudo, a orientação e a me~talidade exportadoras. As fazendas mineiras eram, ao contrário,unidades auto-suficientes, espalhadas por um vasto territóriQ iso-ladas dos mercados importantes e, em algumas regIoes, apenas parc~almente integradas na economia monetária. Sua tecnologia era extr~mamente primitiva e sua produção muito diversificada. Ela incluíafrequentemente, produtos "coloniais", do tipo tradicionalmente ass~ciado com a plantation exportadora, como açúcar e algodão, mas, emMinas"esses artigos eram produzidos quase exclusiv.amente para consumo local.

Mais afastados ainda do paradigma primário-exportadorestavam os sítios, as roças de subsistência e as fazendas de gadoque, junto com as demais fazendas, continuaram a ser a essência davida econômica de Minas, mesmo no auge do boom cafeeiro.

Resumir a história econômica mineira no século passado como uma mudança da mineração para o café é um erro grosseiro.Caracterizar a província como "província cafeeira" é privilegiar oapêndice, desprezando o corpo principal - e a alma.

Não é fácil sintetizar a vida economlca da província,pois a simplicidade estrutural da economia exportadora não é enco~trada em parte alguma. Desde o início de sua ocupação, Minas Gerais

apresentou características que contrastavam profundamente com a economia latifundiária de plantation do litoral. Os descobrimentos de ouro crlaram,pela primeira vez, a centenas de milhasda costa, ~ovos mercados para produtos como cachaça e açucar, que até então só tinham sido exportados. Logo, os próprios mineiros começaram aproduzir localmente alguns' produtos básicos,es-senciais para o aprovisionamento dos campos mi-neradores em expansão. 79

A primeira etapa da diversificação da economia regi~

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na! foL portanto, concomitante com o crescimento da mineração e oprocesso associado de urbanização. A crise da mineração, na segundametade do século dezoito, acelerou a diversificação e colocou a ec~nomia no rumo de um crescente isolamento dos mercados externos, namedida em que o declínio de produção aurífera reduzia contínuamentea capacidade de importar.

A tendência é claramente visível na arrecadação dosdireitos de entradas, que reflete essencialmente o volume físico ~importações de Minas. De um índice igual a 100.0 no seu ponto máxi-m~ em 1751-70, à média da arrecadação anual cai para 64.1 na últimadécada do século. Em 1818-19,0 volume das importações tinha aumentado ligeiramente, mas ainda estava abaixo do nível de meados do sécu-lo anterior. Em termos per capita o índice baixa de 100,em 1776, p~80ra 79 em 1786, 73 em l8l8~19 e para apenas 29 em 1844-45.

O acesso cada vez menor aos produtos importados de-sencadeou um processo de substituição de importações de profundasconsequências para a região. Atividades que tinham sido ancilaresà mineração passaram a papéis centrais na economia mineira. Pelo final do século dezoito, Minas tinha alcançado a auto-suficiência naprodução de alimentos e começado a exportar um excedente, principalmente para o mercado urbano do Rio, mas, também, para a Bahia e Per-•nambuco. A pauta de importações consistia, quase que exclusivamente,de sal, manufaturas européias, algumas matérias primas, alimentos deluxo como vinhos, azeitonas e azeite, vinagre, etc, e, naturalmente,

81escravos.Na frente manufature ira, o escopo da substituição era

mais limitado, mas mesmo assim a resposta foi bastante impressio -nante, para a época e o lugar. Forjas de ferro surgiram por toda pa!te e começaram a produzir substitutos para as ferramentas essenciaisà mineração e à agricultura. Seu desenvolvimento foi tal que, segu~do Mafalda Zemella, quando a coroa resolveu levantar a proibição deprodução de ferro ela estava apenas se curvando a uma situação defato.82 Mais importante foi a indústria têxtil. Seu desenvolvimen-to foi encarado pela metrópole como uma das causas do declínio damineração e uma grave ameaça ao plano mercantilista do império por-tuguês. São bem conhecidos os alarmados comentários das autoridadescoloniais e metropolitanas sobre o crescimento dessa indústria e ofamoso alvará de 1785, de que ela era o principal alvo. A tenaz op~sição da metrópole não conseguiu inibir a sua expansao. No início doséculo, sua produção era gr-ande bastante para suprir a massa da pop~lação mineira e exportar para outras província~ o que pareceu a umobservador contemporâneo "uma quantidade colossal" de tecidos de aIgodão.83

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A introversão da economia mineira apos o apogeu damineração nao foi um arranjo temporirio, uma pausa para meditaçãoum momento de estupor entre dois ciclos exportadores. A estrutura econômica que tomou forma no fim do setecento permaneceu essencial-mente inalterada e suas linhas mestras - auto-suficiência e deslig~mento de mercados externos - foram reforçadas no decorrer do s6culodezenove. Na malor parte da provínci~ essa estrutura sobreviveu aoimp6rio e persistiu pelo presente s6culo a dentro. As tentativas,mmtas vezes ridículas, de reintegrar a provincia no com6rcio interna-cional incluíram experimentos com virios tipos de chi, trigo, ceva-da, centeio, vinho, bicho da seda, cochonilhas, lhamas, alpacas, cameIos e dromedários, e resultaram em completos fracassos.84 Mina~reteve o seu caráter não-exportador.

A emergência do setor cafeeiro e seu ripido cresci -mento após a metade do s6culo não alteraram o quadro. A região caf~eira foi, desde o início, um enclave exportador que não teve pratica-mente nenhum impacto na vida econômica do resto da provincia. Elaera uma extensão da cafeicultura fluminense e todas as suas ligaçõeseram com o mercado do Rio de Janeiro.

o tamanho absoluto do setor cafeeiro e a participa-çao do café nas exportações mineiras sao freqüentemente invocadasp~ra argüir a importância dessa indústria. Numa anilise menos superflcial, que inclua um mínimo de informação sobre o resto de Minas Gerais, o que esses dados revelam 6, na verdade, a falta de importân-cia do setor exportador no conjunto da economia provincial. A partenão-cafeeira de Minas, que, nos anos 70,compreendi& aproximadamente,96 porcento do seu território, 79 porcento dos escravos e mais de80 porcento da população livre, gerou consideravelmente menos de 30

- ~ d 8 85porcento das exportaçoes no porIo o 1850-18 8.A evolução das exportações não-cafeeiras representa

muito melhor o comportamento exportador de Minas, porque ela contaahistória do corpo principal da província.

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TABELA 18

Minas Gerais: Exportações per capita, 1819-1888.Anos Selecionados.

Valor nominal das exportaçõesper capita (mil-réiscorrentesJ

Valor real das exportaçõesper capita (mil-réisde l8l9)

Café Não-Café Total Café Não-Café Total1819 0,05 2,60 2,65 0,05 2,60 2,651845 0,78 1,86 2,64 0,58 1,30 1,881868 6,20 3,18 9,38 2,02 0,90 2,921882 10,60 3,33 13,93 2,77 0,68 3,451888 13,60 3,36 16,96 2,63 0,60 3,23

Fonte: Exportações: Eschwege, "Notícias" pp. 748-49 e Alvim, "Con-frontos e Deduções", pp. 80-83. População e !ndices de preçosnota 86.

o valor per capita das exportações não-cafeeiras eraextremamente baixo e seu crescimento, lento e inseguro. Em termosreais, houve um acentuado declínio ao longo do período e, no caso devários produtos, corno queijos, porcos, algodão, açúcar, toucinho,ca!ne de porco e têxteis de algodão, as quantidades totais exportadasdiminufram, especialmente na segunda metade do século.

Para os observadores contemporâneos, era evidente queMinas não era nem urnaeconomiaexportadora, nem do tipo planta tion. Suaimagem corno "província cafeeira", é obra dos historiadores do sécu10 vinte. Tollenare, que viveu no Brasil del816 a 1818,foi direto àopont~ quando observou que

a provínciamais interessanteé a de Minas, que temum milhão de habitantes, fornece poucas mercadorias para o comércio, mas produz muito paraseu consumo interno ... Concebe-se que não é a-penas com a extração de ... ouro que se ocupa toda aquela gente, mas sim, com a pequena lavoura~que nós europeus, com olhos apenas para 08 açú-car, o algodão e o café, ... desprezamos. 7

As corografias sobre Minas Gerais na primeira metadedo século confirmam essa descrição. Na maioria dos lugare~ a base daeconomia era o cultivo de gêneros "comuns" e a criação de gado paraconsumo local e para venda nas cidades vizinhas.A manufatura em pe-quena escala, também para mercados locais, é frequentemente mencio-

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nada. Em mui to poucos casos, a produção era orientada para mercadosfora da província. Entre estes,o mais notável foi o curto boom nasexportações de algodão nas duas primeiras décadas do século. Gado,porcos, fumo e têxteis de algodão foram exportados em quantidadesr~relativamente grandes durante a maior parte do período, mas mesmo es.ses setores eram baseados, primordialmente, no mercado ~oméstico.88 -

Na segunda metade do século, vários observadores r~i~traram a emergência do setor cafeeiro, mas indicaramque nada se aItera no resto da província. Minas era, nas palavras de um deputadoprovincial em 1875,

prodi~iosamente fértil ... em todos os seu~municlpios o café, o algodão e a cana de açucar produzem abundantemente ... No e~tanto,não exportamos urna única arroba de açucar ,um único litro de aguardente. Na verdade,nãoexportamos senão algum café desses ricos municípios da Mata, que estão em contato coma.província do Rio de Janeiro e mais perto domercado da Corte. A razão de tudo isso é afalta de estradas ...89

As observações de James Wells sobre São José, no centro de Minas, em 1873, serviriam para muitas outras localidades mineiras:

nao se exporta efetivamente nenhum exceden-te, pois quase toda a produção é consumida,localmente; alguns artigos indispensáveissão importados de Barbacena ..., mas o mistério é saber como se obtêm os meios para pa~gar por eles.9U

Mais para o interior, no Vale do São Francisco,Wellscomentou que mesmo o comércio local era limitado:

todos produzem as mesmas coisas e sabem que,se as demandas dos pequenos mercados locaissão excedida~ os preços deixam de ser remu-neradores.Se a estação foi má, aqueles quepor sorte dispõem de algum excedente sãoco~pensados por altos preços; se foi boa, elesacumulam estoques para o ano seguinte ...,mas recebem fraca recompensa pelo excedente,pois todo mundo está na mesma situação ...91

Em 1883,0 presidente Gonçalves Chaves descrevia Minas corno dividida, "corno todos sabem", em duas zonas distintas: a Mata, caracterizada pela grande lavoura, e os campos, onde a populaçãose ocupava "quase exclusivamente" da pecuária e da pequena lavoura ,produzindo, quase que unicamente, para consumo local. "Nossa agricult~

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ra", lamentava o pres iden te, "com a exceção do café, ainda nao ultrapassou o chamado período doméstico".92Em 1887, o consul inglês no Rio informava que a província do Rio deJaneiro, "com uma população muito menor, gera uma receita muito maior que Minas". E explicava que "esse estado: de coisas pode ser atribuído,em grande medida, ao fato de que, no Rio, os habitantes estão,emsua maioria, engajados em plantations de café e açucar, enquanto emMinas a maior parte se ocupa na criação, nas fazendas e nas possesd b. - ." 93e su slstencla .

o cônsul Ricketts não poderia ter sido mais precisoem seu diagnóstico. Com o rudimentar aparelho fiscal da época, as r~ceitas governamentais eram altamente dependentes da taxação do comê,!.cio de mercadorias, especialmente do comércio de longa distância.Num sistema econômico como o de Minas, o coletor, necessariamente,pa~sava por um mau pedaço. No final da década de 80, Minas Gerais apr~sentava o mais baixo nível de arrecadação per capita, com exceção ~penas de Goiás, dentre todas as províncias. Mesmo em termos de arrecadação total, apesar de ter a maior população do país, Minas se c~locava em sétimo lugar, abaixo de São Paulo, Bahia, Pará, Pernambu-co, Rio Grande do Sul e Rió de Janeiro.94 A situação era semelhantecom respeito às exportações.

TABELA 19Brasil: Exportações per capita, por regiões, 1869 - 73 e

1879-82. Médias Anuais, em mil-réis.

1869 - 73 1879- 82Exportações ExportaçõesPer Capita índice Per Capita índice

Norte 38,0 57,9 71,2 101,2Nordeste 21,2 32,3 15,6 22,2Sul 39,7 60,5 26,8 38,1Centro-Sul (*) 65,6 100,0 70,3 100,0Minas Gerais 8,5 12,9 11,9 16,9

Região cafeei ra 39,9 60,8 68,8 97,9Resto da Província 4,0 6,1 3,8 5,4

Fonte: 1869-73: Adaptado, com correções, de Slcnes, "The Demography,p.219; 1879-82: Dados originais em Laerne, Brazil and java, pp. 196e 201. Os dados para Minas são de AI vim, "Con£ron tos e Deduçõe s" ,pp.80-83. Os dados da população e a metodologia utilizada estão em Ma'rtins, "Growing in Si1ence11

(*) Exclusive Minas Gerais.

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Os números da tabela 19 subestimam a diferença entreMinas Gerais e o resto do país e, dentro de Minas, entre a zona cafeeira e o resto da província, pelas seguintes razões. As exporta -ções mineiras incluem todas as mercadorias que deixaram o territórioprovincial, ao passo que as das outras províncias incluem apenas asexportações por via marítima (longo curso e cabotagem), deixando f~ra, portanto, todo o comércio terres tre. Os dados para Minas não per-mitem uma identificação acurada da procedência das exportações naocafeeiras. Por essa razão, alocamos todas as exportações de café para a região cafeeira (onde ele era efetivamente produzido) e toda aexportação não-cafeeira para o resto da província. Pode-se demons -trar, entretanto, que uma parte substancial das exportações não-ca-feeiras se.originava na região cafeeira. Isso implica que os coefi-cientes dessa região estão subestimados na tabela acima, enquantoosdo resto da província estão inflado~.

Em marcante contraste com o paradigma da economia exportadora, Minas exportava apenas o excedente do seu consumo inter-no. Com exceção do setor cafeeiro, talvez .de partes das indústriasdo fumo e pecuária, e de algodão durante um curto período, nenhumproduto era cultivado com vistas à exportação. A importância do mercado do Rio de Janeiro para a economia mineira tem sido muito exag~rada, sugerindo uma espécie de divisão do trabalho dentro do Centro-Sul: o Rio e São Paulo se especializavam na produção para o merc~do internacional, enquanto a Minas tocaria produzir os alimentos.S~gundo essa Vlsao, a província teria desempenhado o papel de uma periferia coadjuvante do setor exportador, semelhante àquele usualmenteatribuido,na historiografia, ao Rio Grande do SuL com relação aos se-tores minerador e cafeeiro, ou ao interior do Nordeste com relaçãoà indústria açucareira.

A realidade era bem outra. A razão de ser da econo -mia mineira era a própria Minas. Qualquer que tenha sido a importâgcia das exportações mineiras no suprimento do Rio de Janeiro, elasrepresentavam uma parcela mínima da produção provincial da maior paE.te desses bens. Dentro da província, a área não-cafeeira também nãoera um fornecedor de alimentos para a região exportadora: a própriaMata era um grande produtor de cereais, açúcar, fumo, suínos, gadoe laticínios, e um exportador líquido desses artigos.

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TABELA 20

Minas Gerais: Consumo Interno como porcentagem da produção tota1(1) dealguns produtos. Anos Selecionados

Porcentagem da produção total consumida internamente

1819 1840 1845 1868 1882Açúcar 68,70 91,96 91,08 95,27 (2)Aguardente 99,75 100,00 100,00 100,00 99,42Rapadura 100,00 98,15 99,80 85,28 88,73Arroz 99,99 99,97 99,99 99,96 99,89-Feijão 99,91 99,16 99,85 99,64 99,13Milho 99,99 99,92 99,89 99,85 99,93Farinha de Mandioca 97,04 99,97 99,98 99,87 99,61Porcos 76,85 89,31 80,46 92,91 95,10Bois 52,58 64,87 65,14 73,92 80,27Algodão (3) 33,27 83,39 75,49 76 ,52 96,96 (4)6leo de Mamona 99,07 99,36 99,26 99,90 100,00

Fonte e Metodologia: Veja Martins, "Growing in Silence". O consumo interno foi calculadoa partir de coeficientes de consumo per capita estimados para a primeira metade do sécu-lo.-(I) Produção total definida como consumo interno mais exportações. Mudanças em estoquesnao foram consideradas.(2) Dado não disponível(3) Inclui exportações de algodão bruto e na forma de tecidos.(4) Dado para 1883-84, para têxteis de algodão, apenas. Não se exportou algodão bruto nesse ano.

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Durante o século dezenove, a grande maioria dos mineiros vivia na zona rural. Isso era especialmente verdadeiro com rel~ção ã população escrava: o único dado agregado disponível sobre operíodo mostra que, no último ano da escravidão, apenas 5,2 porcento

o o o 1 o d d d •. o 95 N 1dos cativos V1Vla nas Vl as e Cl a es a provlncla. a zona rura ,as fazendas congregavam a maior parte da população servil.

A fazenda mineira não era uma plantation. Suas prin-cipais características eram auto-suficiência e diversificação interna. Sua produção mercantil era limitada, e ela, praticamente, não ti-nha ligações com mercados distantes. A fazenda mineira não era umaempresa: ela nunca se especializava na produção mercantil e suas decisões econômicas raramente eram determinadas por forças de mercad~O absenteísmo era raro, a própria fazenda constituía o centro da vlda social da classe dominante. Crises e booms econômicos, revoluçõesno Haiti, ou quebras na colheita de Java não afetavam sua vida, queatravessou o século essencialmente inalterada.

"A fazenda é qualquer coisa de intermediário entreuma família e um reino", escreveu um observador no início do séculovinte, acrescentando que

Foi em Minas que existiram outrora, e ondetalvez ainda possam serencontradas, essas fazendas onde uma família vive na abundânciamassem fortuna, exportando pouco, demandando poucas coisas do resto do mundo, praticamente intocada, em sua vida isolada, pelas ondas de choque das revoluções econômicas que conturbam -mercados distantes.96 .

Descrições detalhadas das fazendas mineiras sao disponíveis para diferentes períodos do século dezenove. Na segunda década,Pohl descreveu uma propriedade no nordeste da província commuitos escravos, uma destilaria de aguardente e engenhos de açúcar eóleo de mamona. Criava gado, porcos e carneiros. Plantava trigo, c~fé e,também, milho e mandioca, que eiam transformados em farinha, e

o h - o f dO - d f 97 N -tln a sua proprla un lçao e erro. a mesma epoca, no extremo ~posto de Minas, Spix e Martius visitaram uma fazenda que cultivavamilho, mandioca, feijão e cana. O engenho era pequeno: além de umpouco de açúcar, produzia aguardente e rapadura, "tudo vendido na vlzinhança". Seiscentas cabeças de gado supriam "a economia domést:ica"com carne, leite, queijos e couros. O estabelecimento era inteira -mente auto-suficiente, ~ tinha muitos escravos. Mais tarde, esses autores anotaram que

as fazendas isoladas não dispõem de qualquerajuda dos centros mais populosos. Todo fazen-

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deiro abastado é, portanto, forçado a suprir,por seus próprios meios, as necessidades da c~sa, providenciando par~ que seus escrav~s ~prendam os diversos OfICios. Geralmente se e~contram nas fazendas sapateiros, alfaiates,t~celões, ferreiros, oleiros, pedreiros, caçadores, mineiros e lavradores, bem como as oficlnas necessárias para esses trabalhos.98

Saint-Hilaire descreveu várias fazendas em diferentespartes de Minas. Em Itacambira, por exemplo, ele visitou uma propri~dade onde se plantavam cana, arroz, feijão, milho e algodão. O algo-dão era tecido em casa e todo o ferro necessário era produzido na f~zenda. Um grande pomar fornecia uvas e café. O proprietário, comomui

• . 99tos outros da região, so comprava sal.Mesmo as plantations de café eram bastante diversifi

cada~ aparentemente muito mais que suas cong~neres do Rio e de SãoPaulo. No início dos anos 40,a fazenda do Capitão Francisco Leite,"talvez o homem mais rico dessa parte do país", produzia grandes qua~tidades de queijo, açúcar e cachaça, além de onze mil arrobas de ca- 100 -fe por ano. A fazenda Soledade, perto de Paraibuna, cultivava ca-

fé, milho, arroz, cana e algodão e tinha engenhos de aç~car e de £a-rinha, bem como alambique. Seus duzentos escravos eram vestidos pe-

d • . b. d. . f. 101los teares omestlcos,que tam em pro UZIam a sacarIa para o ca e.O caráter da fazenda não mudou ao longo do século.

Em l867,Richard Burton deu sua versão da fazenda mineira típica:

Essas fazendas sao aldeias isoladas numa escala pequena. Suprem a vizinhança de suas necessidades simples, carne seca, carne de porso etoucinho, farinha de mandioca e milho, açucare aguardente, fumo e óleo de mamona, tecidosgrosseiros e fio de algodão, café e vários tipos de chá ... Importam somente ferro para ferraduras, sal, vinho, cerveja, charutos, porcelana, remédios e outras miudezas. Geralment~há uma ferraria, uma tenda de carpintaria, umaoficina de sapateiro, um chiqueiro ... , e umamplo galinheiro.l02

Em meados da década de setenta, James Wells descreveu.a pequena fazenda onde se hospedou enquanto trabalhava no projeto deuma ferrovia. O estabelecimento tinha vários escravos e"era moderadamente próspero. No final das contas, pensava Wells, "existem muitoslugares e muitas vidas piores do que a velha fazenda Mesquita e seusafáveis e relaxados ocupantes". Não obstante,

as operações da fazenda não podem ser conside'radas lucrativas; elas proporcionam apenasumãsubsist~ncia simples; não há aluguéis, impos-

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tos ou salários a pagar, e o pequeno exceden-te da produção da fazenda, ou a venda ocasio-nal de um boi, proporcionam meios suficientespara a compra das poucas e simples necessida-des não produzidas no estabelec~mento, comouma peça de pano estampado, chapeus, algunsutensílios de ferro para a cozinha, ou paracontratar um carpinteiro para reparar algumestrago na carruagem da família - o carrodeboLl03

As excelentes descrições que Wells fez de várias outras fazendas enfatizam, sem exceção, que o excedente era comerciali-zado em mercados locais.

Embora a agricultura fosse, por larga margem, o setorde maior emprego de escravos, a mão de obra servil era, também, utili-zada em várias formas de manufatura. A indústria têxtil doméstica foicertamente a mais importante atividade manufatureira da província. Ahistória do algodão - por excelência um produto associado ã plant~tion escravista em outras partes da América - ilustra, talvez melhorque a de qualquer outro produto, a peculiaridade do caso mineiro e seuafastamento do paradigma primário-exportador. Depois de um curto boomde exportação (esgotado já na segunda década do século), o algodãopr~duzido em Minas passou a ser quase to~lmente manufaturado, na pró

. ~. d -. 104 A. d d - -prIa provlncla, em teares omestlcos. maIor parte a pro uçaoera consumida internamente, mas um respeitável excedente era export~do para outras províncias, onde era utilizado para vestuário da pop~lação de baixa renda e dos escravos. As exportações se mantiveram mnn

nível bastante elevado até pelo menos o final dos anos 60, especial-mente para o Rio de Janeiro, de onde eram distribuldas para uma vas-ta área. Segundo um observador contemporâneo, o mercado para os panosde Minas se estendia até o Rio Grande do Sul e Buenos Ai~es no inícioda década de 20.105

Apesar do volume elevado das exportações, o grosso daprodução têxtil era consumido localmente. Em l828,os tecidos produzidos e consumidos dentro de Minas foram estimados em 5,3 milhões demetros, enquanto outros 2,1 milhões eram exportados para o Rio, apenas.A prcrdução total da província era, portanto, de pelo menos 7,4 milhõesde metros de pano, não contados outros produtos têxteis como toalhas,cobertores, etc. Para colocar esse dado em perspectiva, é suficientenotar que ele ê quase o dobro da produção total de todas as fábricasde tecidos do Brasil quase quatro decênios mais tarde, em l866,e ain-da equivale a quase 20 porcento da média anual das importações brasileiras de tecidos de algodão ingleses no quinquênio 1827-1831.106

No terceiro quartel do século, a indústria doméstica

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TABELA 21

_Minas Gerais: Exportações de Algodão em Rama ede Tecidos 'de Algodão. Anos Selecionados.

. Algodão em RamaTecidos % das exportações

Ano (1000 metros) Toneladas Brasileirasde algodão1819 1354,4 1379,9 11,431828(1) 2139,3 120,9 0,971840 1115,4 23,1. 0,221843 1359,3 5,0 0,051845 2082,6 19,1 0,161868 1568,3 387,4 0,93.1883 189,5 1,1 *

Fonte: Adaptado de Martins, "Growing in Silence".(1) Exportações para o Rio de Janeiro apenas(*) Significa menos de 0,01 porcento.

começou a declinar, sendo eventualmente substituída pela produção fabOI b h b " d - - 107 1-rI , em ora ten a so reVIVI o ate o presente seculo. Pelo vo ume de sua produção e da força de trabalho por .ela empregada, a indús-tria têxtil doméstica de Minas pode facilmente ter sido a mais impo£tante atividade manufatureira do Brasil na primeira metade do séculodezenove.

A maior parte dos trabalhadores na .produção doméstica detêxteis era livre - a indústria era básicamente uma indústria campo-nesa - mas, aparentemente, os escravos foram, também, largamente utiliz~dos. Em 1873, num período em que o setor já estava em .decadência, ocenso registrou 67.620 tecelões em Minas, dos quais 6.455 eram escr~vos. A quase totalidade desses trabalhadores têxteis era vinculada àindústria doméstica, pois nessa época a província tinha no máximo trêsfábricas de tecidos em operação, as quais não empregavam mais do queumas duzentas pessoas no total. Os tecelões de Minas representavam ..49,7 porcento do total empregado na indústria têxtil do Brasil (49.1porcento dos livres e 55,5 por cento dos escravos) .108 O emprego deescravos aparentemente foi menor nas fábricas de tecidos em Minas -sua força de trabalho era constituid~ principalmente, por mulheres ecrianças desvalidas - mas sabe-se com segurança de pelo menos um ca

d .lO - d b h d . -109so e utl Izaçao o tra aI o e Ingenuos.

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Outro setor industrial que fez largo uso de escravos foia siderurgia, em todas as empresas, grandes e pequenas. Os dados quecoletamos se referem,apena~ iquelas de maior porte. Nas forjas doGirau,metade dos trabalhadores eram escravos. Nas do Bonfim,o pro-prietário tinha tentado, sem sucesso, empregar apenas homens livres:ao tempo da visita de Saint-Hilaire a maioria da força de trabalhoera servil. Eschwege também tentou utilizar só trabalho livre, maslogo recorreu a escravos, que foram treinados e empregados em todosos trabalhos da fundição. A força inicial foi de 20 cativos, aumen-tada, poucos anos depois, para 50. Morro do Pilar usava escravos alu-gados: durante um período a empresa tinha, além do pessoal regular,uma força suplementar de 120 escravos. Monlevade empregava 150 cativos em São Miguel do Piracicaba em 1853. Quando morreu, em l872,seuespólio incluia nada menos de 200 escravos, muitos dos quais mestresf d"d 110un 1 ores.

O censo de 1872 é a única fonte de dados sistemáticos econfiáveis sobre as ocupações dos escravos no século dezenove.A com-paração entre Minas e as províncias cafeeiras do Rio de Janeiro e são Pa~lo acusa diferenças notáveis. A distribuição mineira reflete clarame!!.te sua estrutura econômica mais diversificada. Os escravos eram muitomenos concentrados na agricultura, e as categorias artesanais e ma-nufatureiras ocupavam uma parcela substancialmente maior em Minasque nas duas outras províncias. A alta concentração no serviço do-méstico sugere que a vida econômica era mais concentrada na unidadefamiliar e menos dirigida para a produção para o mercado.

TABELA 22Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo: DistribuiçãoOcupacional

da Força de Trabalho Escrava: Recenseamentode 1872.Porcentagemdos escravos com ocupaçao conhecid~

Minas Rio de SãoGerais Janeiro Paulo

Agricultura 45,4 69,9 68,9.Artesanato e Manufatura 10,6 3,7 6,4Criados e Jornaleiros 11,0 12,7 7,1Serviço Doméstico 32,5 13,4 17,2Outras ocupações 0,6 0,2 0,3Total 100,0 100,0 100,0

Fonte: Recenseamento de 1872. Minas Gerais: Quadros paroquiais; São Paulo e Rio de Janeiro: Quadros provincIais.

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Robert Conrad, Robert Slenes e outros autores, que anali-saram as ocupaçoes escravas com base no censo de 72,apresentam umquadro radicalmente diferente. Segundo eles 75,2 porcento dos es-cravos mineiros, ou 85,5 porcento daqueles com ocupaçoes declaradas,eram lavradores. Esses autores reproduziram os enormes e evidentes

d d .. 1 d - 111erros o qua ro provlncla e ocupaçoes.A caracterização de Minas oitocentista como uma "ilha eco

nômica" pode envolver um certo exagero, especialmente em vista dasgrandes importações de mão-de-obra escrava, mas é,certamente, muitomais próxima da realidade que a imagem de uma economia exportadora,ou uma província cafeeira.

Era a ilha decadente, ou estagnada? Somente aos olhos damentalidade "colonial",para quem a visão de comunidades auto-contidas - "mer.os arranhadores do solo" - sempre foi ofensiva, e das cor-rentes historiográficas presas na mesma camisa de força. O padrãomonótono de expansão - continuidade estrutural, sem perturbaçõesn~-táveis - levou muitos observadores a detectar estagnação onde ha-via apenas falta de mudança.

A ocupação territorial se expandiu continuamente ao longo do século, a população aumentou num ritmo acelerado: entre 1~19e l890,a taxa de crescimento populacional em Minas foi substancialmente mais alta que a média nacional.112 Os tres milhões de minei-ros do fim do império eram tão auto-suficientes na produção de suasnecessidades básicas como os seiscentos mil habitantes tinham sidono final da colônia. O padrão de vida era baixo, mas não mais bai-xo que em outras regiões do Brasil e,certamente, mais alto que emvárias delas. Não há nenhuma evidência de que ele tenha baixado durante o século. O comentário de Richard Burton.é típico das avaliações contemporâneas sobre a economia de Minas: "Não existe. miséria,muito menos destituição; nem existe abastança, muito menos fortuna".113

VI

Por que razao Minas se apegou tão tenazmente e por tantotempo ao regime servil? Foi esse um caso sui generis, que desafia onosso entendimento da escravidão? Não nos parece assim: na verdade,o caso mineiro é um paradoxo apenas para aqueles que pensam que aescravidão só poderia sobreviver se marchasse de mãos dadas com aplantation exportadora. Devemos, então, buscar a resposta no "amor àdominação,,114, ou num enraizado estilo de vida? Fatores culturais

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sempre tem um papel na vida das instituições, mas a questão clara-mente envolve algo mais fundamental que ideologia ou preco~ceito.Se assim não fosse, como poderíamos explicar que indivíduos estra-nhos a essa cultura tenham se rendido tão facilmente a uma tradi -çao que eles muitas vezes repudiavam no plano moral e tão frequen-temente redescobri ram a "insti tuição peculiar"? Considere, por exe!!!pIo, as companhias inglesas: Como chegaram elas à situação esquiz~frênica de serem capitalistas e escravistas, modernas e arcaicas,seguindo uma cartilha na Europa e outra no trópico? Por que razão oinglês despiu sua recém-adquirida consciência anti-escravista aocruzar o Equador? •

A questão se vincula claramente "não ao vício ou a virtud - d - 115 .d- ~. d de, mas a pro uçao". A escraVl ao era necessarla, o ponto evista da classe proprietária, porque nao havia uma oferta voluntá-ria de trabalho assalariado. Durante todo o.século havia abundân -cia de gente, mas, para desespero dos empregadores potenciais,bra-ços de aluguel eram crânicamente escassos. O camponês livre aceita-va tarefas ocasionais, ou mesmo alguns empregos de natureza maisindependente, como os de vaqueiro ou tropeiro - entretanto não havia como persuadÍ-lo a se engajar, numa base permanente, para trab Ih ,,- . b . - 116a ar para os outros, com constancla e em com lnaçao".

No início do século, Eschwege, um estrangeiro que de bomgrado teria sido um capitalista, justificou sua conversão ao regi-me servil:

A princípio, não comprei escravos porque,ainda imbuido da mentalidade européia, eu acreditava quesó deveria empregar homens livres ... O resultadode minha atitude foi que os anos se passaram semque fosse possível treinar um único mestre fundidor ou aprendiz ... tão logo tinham aprendido otrabalho os trabalhadores debandavam ... Finalmente cheguei à conclusão que era absolutamente ne~cessário adquirir escravos A partir de entãopude operar muito melhor ~ virtualmente impossível fazer prosperar qualquer indústria no Brasil quando se depende do homem livre.

Não só o industrial, explicava ele, masmmbém o proprie-tário de terras ou de minas "desperdiçaria seu tempo andando pelavizinhança ... à procura de homens livres dispostos a trabalhar ...A única solução é alugar ou comprar escravos. Só assim ele poderácontar com trabalho permanente".ll? No mismo período. Saint-Hilaireobservou que "ninguém aceitava trabalho permanente, mesmo sendo leve, por dinheiro" e sua própria experiência lhe ensinou que. era necessário "sujeitar-se ao aborrecimento de ser servido por escravosou se colocar à mercê dos homens livres". O proprietário das for-jas do Bonfim lhe contou qu~ quando as operaçoes foram iniciada~

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ele queria s6 homens livres como trabalhadores,mas não conseguiu levar o projeto adiante. Os homens livres e pobres nessa região dispõem.de melos muito fáceis de viver sem trabalhar para sesubmeter ao árduo trabalho das forjas.

Do Morro do Pilar,Saint-Hilaire escreveu que "nada é tãodifícil como reter os trabalhadores livres": com uma força de tra-balho de mais ou menos cem jornaleiros, a empresa registrava milausências por mês, ou uma taxa de absenteísmo de quase metade das. d 118 S' M . b . bl f]orna as. plX e artlus o servaram que o malor pro ema na undição do Prata era "a repugnância da classe pobre do povo em se en

. - f'. " 119ga]ar numa ocupaçao lxa.Várias décadas mais tarde a situação nao tinha se altera

do. James Wells esbarrou no mesmo problema sempre que tentava re-crutar trabalhadores. Uma vez contratado,o campones era, em suaopinião, excelente trabalhador, mas

a dificuldade está em induzí-lo a aceitar, poisêle não trabalha por salário a não ser quando canpelido pelo desejo de uma pequena soma para comprar alguma coisa para si ou para sua família.Docontrário,ele se balança em sua rede, fuma seucigarro, e dedilha o violão ou dorme, informandoque está"muito ocupado" e talvez possa vir "seDeus quiser" na semana que vem ou na outra.

Wells ficou surpreso ao verificar que o valor do salárionao era o centro da questão: "embora pagasse o dobro dos salárioslocais, eu nao fiquei, de modo nenhum, assoberbado com pedidos deemprego" e, se era possível engajar uns poucos homens de vez emquando, ele era sempre "informado que o seu trabalho ... devia serconsiderado um favor".120

Os camponeses, altamente ciosos de sua liberdade, eramuma gente altiva. Suas maneiras, sua independência e sua auto-suflciência irritavam o europeu da classe dominante, já desacostumadoà visão de um campesinato livre: "Todo mundo se considera absolutamente livre e independente ... Mesmos os criados não toleram um tomimperativo de seus patrões", escreveu o Barão von Eschwege, "naosou escravo, é a resposta imediata, e não há nada que possamos fazer, senao nos tornarmos os obedientes criados de nossos cria-dos".12l Nos anos setenta,outro observador anotou que os campone-ses "não possuiam nem mesmo uma colher ou um garfo de ferro "e eram

tão inúteis como se nao existissem. Eles nada têmpara vender, nem meios para comprar coisa algum~

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seu pouco trabalho ~ gasto no cultivo de uns poucos vegetais, na pesca e na construção de uma choça ... No entant~ são o mais independente dos p~vos, orgulhosos de seu direito de não fazer nad~o que fazem com a maior eficiência.122

Assim como tradição e in~rcia são invocadas para justificar o apego da classe proprietaria ao regime servil, uma explica -ção culturalista ~ freqüentemente proposta para a aversão do camp~sinato ao trabalho contínuo e supervisionado. Diz-se que a escravidão degradava o trabalho e que o camponês livre, ao recusar o tra-balho assalariado, estaria tentando se dissociar da imagem do escr~VOe A associação entre algumas formas de trabalho, especialmente otrabalho do eito, e o status servil era indubitavelmente forte nacultura brasileira, como em qualquer.outra cultura escravista. Masnão ~ possível acei tar isso como a causa' da rejeição do trabalho a~salariado pela população livre, a menos que se esteja preparado p~ra acreditar que o homem livre e sua família poderiam viver de or-gulho apenas.

O camponês nao se submetia ao trabalho assalariado porqueele tinha acesso a outras alternativas econômicas. A hipótese lev~tada ha mais de um século por Wakefield, e subsqüentemente desenvolvida por Marx,Merivale, Nieboer e outros, e recentemente redesco -berta por Domar oferece uma explicação muito mais convincente pa-ra a "rebeldia" da população livre e sua contrapartida, a prolong~da existência da escravidão. Na verdade, a idéia tem raízes muitoanteriores à época de Wakefield: ela parece ter sido bastante pop~lar pelo menos desde o século dezoito. Uma versão extremamente clara da "hipótese de Wakefield" foi publicada, por exemplo, em l798p~10 bispo-economista Azeredo Coutinho.123

Não havia uma oferta vo~untaria de trabalho em Minas pO!~ue a maior parte das terras ainda não havia sido apropriada ou~c~mo Marx o diria, o proc~sso de acumulação primitiva não havia secompletado. Cada família camponesa poderia se apossar de uma peda-ço de terra, cultiva-lo, e subsistir sem ter que vender seu traba-lho.Na ausência de alguma forma de coerção, o sistema econômico sereduziria (como efetivamente aconteceu com o seu setor livre)a umaconstelação de unidades familiares independentes. Ninguém - cafei-cultor, fazendeiro, industrial ou mineiro - poderia dispor de um

- . 124 .criado" para fazer sua cama ou lhe buscar agua no rIo", mUlto m~nos para labutar no campo de sol a sol. Minas, no dizer de um dosseus presidentes, ja no século atual, era um estado "curto em tra-balho e comprido em terras".125 Na verdade, ele era curto em traba-lho porque era comprido em terras.

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No século dezenove, uma grande parcela da província permaneceu em estado completamente selvagem. Uma g-rande extensão de terras não tinha proprietários e, mesmo nas partes já apropriadas, apropriedade era muitas vezes mais nominal que efetiva. Por causa desua vastidão, as terras eram muito baratas. Já bem avançado o sécu-lo, nos anos 70, Wells comentou, do norte de Minas, que "as terraspodem ser adquiridas mais ou menos em qualquer quantidade ou quali

"126 -dade, por uma mera bagatela. Outro observador anotou, em 1879,que "de fato, a terra tem muito pouco valor aqui. Os proprietáriosa dão de graça aos camponeses pobres, que ainda podem obter tanto

"127quanto queiram derrubando a floresta.Na verdade, além da fronteira de ocupação, a 'terra era mais

do que barata: ela era livre. Tudo que o camponês tinha de fazerera se mover para um pedaço não apropriado, construir sua cafua eplantar sua roça. Era praticamente impossível impedir as posses,~mo nas terras já reclamadas. Os camponeses poderiam ser expulsos desuas roças, mas,

quem vai impedir esses habitantes da florestade avançar umas poucas léguas adiante, de de-saparecer na mata e de fazer a queimada debaixo da neblina, quando a polícia não pode vera fumaça, e lá permanecer por doi s anos se contentando com sua ração de mandioca?128

Em l845,era estimado que 45 porcento da área da provínciad 129 f" 1" - --era ocupa a por posses. A vasta rontelra lnc Ula nao so areas

dentro de Minas Gerais, mas, também, nas províncias vizinhas. Em 1870,o presidente provincial reclamava que um dos maiores problemas daagricultura mineira era "a migração da população trabalhadora paraos sertões da província e,também, para os de Goiás e Mato Grosso".Opresidente sugeria que "para preencher o vazio deixado pelo decré~cimo gradual dos escravos", uma das coisas a fazer era pôr fim a

. - 130 - .essas mlgraçoes. Durante o seculo,ocorreram mOVlmentos semelhantes em direção a São Paulo e ao Espírito Santo. Era a esse acessoà terra que o campones mineiro devia sua liberdade de escolha e aescravidão,sua persistência.

Porque iria um homem livre se submeter a trabalhar o ano todo para um estranho, se ele vive numa região ... onde qualquer terra pode ser-cultivada e ninguém tem que trabalhar mais quequatro semanas por ano para ganhar sua subsistância, sem perder sua liberdade?l3l

Essa pergunta, feita na década de 20 por Eschwege, perm~

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neceu válida até o fim do século. Nos anos setenta e oitenta, todocamponês livre ainda possuía o que impressionou um observador es-trangeiro como "verdadeiros três acres e uma vaca": "todo mundo,não importa quão pobre, tem uma roça de milh.o em algum lugar". Is-so era verdadeiro mesmo em relação aos moradores das vilas, onde"praticamente todas as famílias têm sua roça na vizinhança, um porco e galinhas no qUintal.,,132 Em 1879,outro comentarista observou~no Vale do São Francisco, que, se um fazendeiro precisasse venderseus escravos, ele não conseguiria substituí-los por trabalhadoreslivres. E explicava que "nesses sertões o pobre nunca e tão pobreque precise trabalhar por salários. O país aqui é largo demais p~ra fazer alguém sentir a pressão da necessidade. A natureza pródiga impede a verdadeira pobreza, aquela que compele ao trabalho emantém a disciplina pela necessidade de sobreviver".133

Seria absurdo conjurar visões de um paraíso agrário emMinas no século passado. Tal imagem seria completamente falsa: opadrão de vida era baixo, o campesinato era atormentado por doen -ças, nao tinha acesso a educação, justiça, sufrágio e vários outrosdireitos elementares lhe eram negados. ~ importante, entretantoAuenao se deixe isso obscurecer, como freqüentemente acontece, o fatobásico de que o camponês livre não era um proletário. Ele tinhaacesso aos meios de subsistência e,portanto, controlava a mais funda-mental de suas decisões econômicas.

Nessa realidade - terras livres e um campesinato indepe~dente - repousa a explicação para a sobrevivência e a expansão daescravidão em Minas, porque ela implicava que o escravo continuavaa ser a única alternativa para todos aqueles - cafeicultores ounao-que não se dispunham a ganhar a vida pelo suor de suas próprias costas.

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NOTAS

(*) Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar)daUniversidade Federal de Minas Gerais.

Agrade~o aos professores Amilcar Vianna Martins, Francisco Igl~sias, Maurlcio Barata de Paula Pinto, Peter Eisenberg, Eul SooPangJosé Murilo de Carvalho, Augusto César de Oliveira e aos Srs. HélioGravatá e Douglas C. Libby por terem tornado disponíveis alguns m~teriais usados neste trabalho. Agradeço especialmente a Maria doCa!mo Salazar Martins, que fez a pesquisa sobre as origens provinciaise a estrutura etária da população escrava, e a Amilcar V. MartinsFilho, co-autor de uma versão anterior entitulada "Slavery and Econo-roy in Nineteenth-Century, Minas Gerais, Brazil: A Revisionist View".1Com exceçao dos Estados Unidos e do Brasil, as maiores populações

escravas da América foram: Cuba (436.495) em 1841, Haiti (434.424)em 1789, e Jamaica (345.252) em 1817. Franklin Knight, Slave Societyin Cuba during the Ninet'eenth Century (Madison" 1970), p.22; DavidCohen e Jack Greene, eds., Nelther Slave nor Free: The Freedmen ofAfrican Descent in the Slave Societies ofthe New World (Baltlmore,1972J p. 337; B.W. Higman, Slave Popula~lon and Economy in Jamaica,1807-1834 (Cambridge, 1976), p.256.2Veja, por exemplo, Robert Conrad, The Destruction of Brazilian

Slavery, 1850-1888 (Berkeley, 1972); Robert Toplin, The Abolition ofSlavery in Brazil (Nova Iorque, 1972), e Robert Slenes, "The Demogra-phy and Economics of Brazilian Slavery, 1850-1888" (Tese de doutora-do, Stanford University, 1875).

3Francisco Iglésias, política Econômica do Governo Provincial Minei

ro (1835 -18 89) (Rio, 195 8) .

4 O trabalho mais conhecido nessa linha é, naturalmente, Celso Furtado, Formação Econômica do Brasil. Seu tratamento de Minas Gerais, eipecialmente das transformaçoes ocorridas depois do ciclo do ouro, ~particularmente pobre e carente de pesquisa.5Os principais trabalhos em que esse sumário é baseado são referidos

nos lugares apropriados do texto. A citação sobre manumissões é deThomas Merrick e Douglas Graham, Population and Economic Developmentin Brazil, 1800 to the Present (Baltimore, 1979), p.70.6

Capistrano de Abreu, introdução a A1fred W. Sellin, Geographia Ge-ra1 do Brasi1 (Rio, 1889)..7Veja Daniel de Carvalho, "Formação Histórica das Minas Gerais". em

Universidade de Minas Gerais, Primeiro Seminário de Estudos Mineiros(Belo Horizonte, 1957), esp. P.25; Ensaios de Critica e Historia(Riode Janeiro, 1964); e Estudos e Depoimento's (la. Série) (Rio de Janeiro,1953).8O locus classicus desse argumento é John E11iot Cairnes, The Slave

Power: ItsCharac'ter, Careerand Probable Designs (reeditado: NewYork, 1969). A cltaçao e da p. 46.

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9 W.L. von Eschwege, Pluto Brasiliensis ( ão Paulo, 1944), vol. 1,p.364-70. Arrobas convertidas em quilos i razão de 1 arrob~ = 14,689quilos.

10 Paul Singer, Desenvolvirn:ento Econôrn:icoe Evolução Urbana (São Pau-lo, 1968), p. 204.

11 D d "... E h Pl 1 2a os orIgInaIs em sc wege, uto, vo. , p. 34-63.

12 Eschwege, Pluto, vol. 2, p. 65. Sobre o padrão de vida dos faíscadores veja o proprio Eschwege, vol. 1, p. 309-10; vol. 2, p. 10-11,16-17 e 21-22; Auguste de Saint-Hilaire. Viagem pelas Províncias doRio de Janeiro e Minas Gerais (Rio, 1938), vo1. 1, p.143, 152, 224-26;George Gardner, Viagens pelo Brasil (São Paulo, 1942), p. '424; J. B.von Spix e C.F.P. von Martius, VIagem pelo Brasil (Rio de Janeiro,19381vol. 1, p. 314-332; Hermann BurmeIster, VIagem ao Brasil atrav6s dasProvíncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais (Sao Paulo, 1952), p.18l-82; Conde Suzannet, O Brasil em 1845 (Rio de Janeiro, 1954), p. 90-9199; Robert Walsh, Notices of Braz~l in 1828 and 1829 (Londres, 1830),vo 1. 1, p. 2 OO •

13Eschwege, Pluto, vol. 1, p. 361-62; vol. 2, p. 64 .

14Joaquim Felício dos Santos, Le Diamant au Br6sil (Paris, 1931),p.186;

Pizarro e Araújo, Memórias HistórIcas do Rio de Janeiro, (Rio, 1948),vol. 8, torno 2 p. 113-14, 242; Spix e Martius, Viagem, vol.2,p.l09.

15John Mawe, Travels in the Interior of Brazil (Filad6lfia, 1816),

p. 265; Johann Emanuel Pohl, Viagern:n"oInterior do Brasil em reendidanos anos de 1817 a l82l(Rio, 1 5 , vo . , p. 5; G.W. Freireyss,"Via em no InterIor do Brasil nos annos de 1814-1815", Revista do InstItutO HIstorlCO e eogra ICO e Sao au o X 6 ~ p.190; SaintHilaire, Viagens pelo DIstrIto dos Diamantes e Litoral do Brasil (SãoPaulo, 1941), p.9; Alcide b'Orbigny, Voyage dans les DeuxÁmeriques(Paris, 1853), p. 163.

16Para urna lista e urna descrição individual das companhias estrangei-

ras na mineração vej a Roberto B. Martins, "Growing in Silence: TheSlave Economy of Nineteenth-Century Minas Gerais, Brazil" (Tese de Doutorado, Dept9 de Economia, Vanderbilt University, 1980).

17William Jory Henwood, "Observations on Metalliferous Deposits",

Transactions of the Royal Ge"ologieal So"cietyof Cornwall 8 (1871). p.367-69.

18Descrições dos desempenhos individuais das companhias, bem como urna

discussão das inovações por elas introduzidas e dos enormes ganhos naprodutividade do trabalho estão em Martins, "Growing in Silence".

Page 61: A Economia Escravista de Minas Gerais no Século XIX

19Martins, "Growing in Silence"; Douglas C. Libby, "O Trabalho Escra

vo na Mina de Morro Velho" (Tese de Mestrado, Dept9 de Ciência PolItica, UFMG, 1979) discute detalhadamente a evolução da força de trabalho servil da Saint Johnodel Rey.

20Esse é o numero máximo porque a categoria ocupacional que inclui os

mineiros também inclui calceteiros, cavouqueiros e canteiros. O dadoé dos quadros paroquiais do censo. O quadro provincial de profissõescontém enormes erros, como se verá adiante.

21Não temos que nos preocupar com a fugas de escravos, que constitu-

em um outro possível vazamento da população. Durante todo o períodoem estudo as fugas não parecem ter tido qualquer significação estatística. Além disso os escravos fugidos eram rotineiramente incluidos nãSestatísticas. O método estima as migrações líquidas de escravos, maso tráfico era certamente o maior componente dessas migrações.

22Sobre os aspectos epidemiQ_~g.ico£ e a sobremortalidade do tráfico ve

ja Philip D. Curtin, "Epidemology and the Slave Trade", Poli ticalScience Quarterly 83 (junho 1968).

23Maurício Goulart. A Escravidão Africana no Brasil (São Paulo, 1975),

p.168; W.L. von Eschwege, "Noticias e Reflexoes Estadísticas da Pro -víncia de Minas Gerais", Revista do Arquivo Público Mineiro, IV (1899)p.741.

24Compare com as taxas de crescimento de outros segmentos da popula-

ção: entre 1776 e 1786 a população total de Minas cresceu a 1,27 porcento por ano, enquanto a população branca decresceu a 0,72 porcentopor ano.

25Aristóteles Alvim, "Confrontos e Deduções", em Minas e o Bicentená

rio odo Cafeeiro no Brasil (Belo Horizonte, 1929), p. 80-83;Marcos Carneiro de Mendonça, "A Economia Mineira no Século XIX", emPrimeir6 Seminário de Estudos Mineiros (Belo Horizonte, 1957), p.14l.

26A delimitação da área cafeeira é baseada em C.F. van Delden Laerne,

Brazil and Java. Repoyt o~ Coffee Culture in America, Asia and Africa(Londres e Haia, 1885) e Jose Joaquim da Silva, Tratado de GeographiaDescriptiva Especial da Província de Minas Geraes, (Rio, 1878). Suasuperflcie foi estlmada por Manoel Xavler de Vasconcellos Pedrosa."Zona Silenciosa da Historiografia Mineira - A Zona da Mata", Revistado Instituto Históri~o e Geográfico Brasileiro 257 (1962).

27As exportações de café por recebedorias sao apresentadas' em Martins,

l'Growing in Silence".

Page 62: A Economia Escravista de Minas Gerais no Século XIX

28Veja, por exemplo, Herbert Klein, The Middlepassare: Comparative

Studiesin 'the Atlantic 'SlaVe'Trade (Prlnceton, 1978, p. l14;EmiliaViotti da Costa, Da Senzala a Colonia (São Paulo, 1966), p.llO; JohnWirth, Minas Gerais 'in'the'BrazilianFederation, 1889-1937 (Stanford,1977), p. 21.

29A zona sul exportava alguns alimentos, principalmente gado e porcos

em pé, para o Rio. A importância dessas exportações, do ponto de vis-ta da economia mineira, tem sido muito exagerada, mesmo na literaturarecente. Veja por exemplo Alcir Lenharo,' As Tropas da Moderação (SãoPaulo, 1979).

30Laerne, Brazil and Java, p. 178; Richard Graham, Britain and

Onset of Modernization-:G1 Brazil, 1850-1914 (Cambridge, 1972),59. Veja tambem James W. Wells, Exploring and Travelling ThreeThousand Miles through Brazil (Londres, 1887), vol. 2, p.339.

thep.58-:-

31Esse procedimento foi tradicionalmente adotado, tanto por contempo-

raneos quanto por historiadores. Veja por exemplo, Laerne, Brazil andJava, p.336-38; J.J. von Tschudi, Viagem às Províncias do Rio de Ja-neiro e São Paulo (São Paulo, 1953), p.46-47,50, Thomas H. Holloway,"Migration and Mobility: Immigrants as Laborers and Landowners in theCoffee Zone of São Paulo, Brazil, 1886-1934 (Tese de Doutorado, Uni-versity of Wisconsin, 1974), p. 152-53.

32Veja Martins "Growing in Silence", para uma discussão detalhada des

sas estimativas, bem como das fontes de dados.

33A população escrava foi estimada usando os dados para 1819, 1873,

1880, 1884, 1886 e 1887, e, para" os anos intermediários, aplicando ataxa de crescimento observada no período apropriado.

34Para os coeficientes técnicos no transporte do café, bem como as

fontes utilizadas e demais detalhes da estimativa, veja Martins,"Growing in Silence".

35Celso Furtado, The Economic Growth of Brazil (Berkeley, 1963)

p.123-24.

36Eulália Maria Lahmeyer Lobo, "Economia do Rio de Janeiro nos séculos

XVIII e XIX~, em Economia BrasileiTa: Uma Visão Hist6rica (PauloNeuhaus, coord., Rio, 1980), p. 140-47.

37Viotti da Costa, Da Senzala, p. 60-61,132. Nota Importante: as ci-

tações contidas neste trabalho podem não corresponder exatamente aotexto original, uma vez que, mesmo aquelas publicadas originalmente em

Page 63: A Economia Escravista de Minas Gerais no Século XIX

português,foram traduzidas das versoes em inglês que foram usadas emMartins, "Growingin Silence".

38Luis Amaral, Hist6ria Geral da Agricultura Brasileira (São Paulo,

1 94O), vo 1. 3, p. 8 7 •

39Iglesias, política Econômica, p.130-3l. Veja tambem Norma de Goes

Monteiro, Imi raçao e Colonização em Minas, 1889-l930(Belo Horizonte,1973), p.l ; Joao Heral o Llma, "Ca e e In ustrla em Minas, 1870-1920'(Tese de Mestrado, Universidade de Campinas, 1977), p. 2,12; PeterBlasenheim, "Uma Hist6ria Regional da Zona da Mata Mineira (Mimeo, junho 1977), p.3; Evantina P. Vieira, "Economia Cafeeira e Processo Po-=-lítico: Transformações na População Eleitoral da Zona da Mata Mineira(1850-1889)" (Tese de Mestrado, Universidade Federal do Paranâ,1978),P.56.

40Richard M. Morse, From Community to Metropo1is: A Biography of São

Paulo, Brazil (Gainesvl11e, 1958).

41Slenes, "The Demography", p.208.

42Conrad, The Destruction, pp. 127-28

43Freireyss, "Viagem", p.126

44Spix e Martius, Viagem, vol. 1,p.208-209; vol. 2, p.24l-42;

Eschwege, "Notícias", p.747; Saint-Hi1aire, Viagem pelas Províncias,vo1. 1, p.7l e Viagens pelo Distrito, p:48-49; Pohl, Viagem, vol.1,p.197; 204-205; vol. 2, p.441; Jean Baptiste Debret, Viagem Pitoresca

e Hist6ricaao Brasil (São Paulo, 1940) voI. 1, p. 189.

45O Universal, 10/4/1835, citado por Marina de Ave1ar Sena, Compra e

Venda de Escravos (em Minas Gerais) (Belo Horizonte, 1977), p. 109.

46Lenharo, As Tropas, p. 102,111, 112, 119

47Suzannet, O Brasil, p. 145, 162

48"Vicissitudes da Indústria Mineira (1810)", Revista do Arquivo Púb1i

co Mineiro 3(1898), p. 80; Mary Catherine Karasch, "Slave Life in Riode Janeiro, 1808-1850)" (Tese de doutorado, University of Wisconsin,1972), p.525-27.

Page 64: A Economia Escravista de Minas Gerais no Século XIX

49Dados de documentos não~pub1icados da Saint John deI Rey Mining

Company, gentilmente cedidos por Doug1as Cole Libby.

50O Universal, 23/9/1835, citado por Sena, Compra e Venda, p.5. Meus

grifos.

51Usando dados de diversos autores estimamos em 1.493.224 as impor-

tações de escravos pelo Brasil entre 1801 e 1851. O Foreign Officebritânico registrou 1308 tumbeiros que se dirigiram ao Brasil entre1817 e 1843, carregando um total de 517.300 escravos. Os portos dedestino de 491.100 destes foram determinados: a fonte revela que 76,9porcento desembarcaram no Rio, e 7,1 porcento em portos paulistas. Asfontes são: Klein, The Midd1e Passage, p.55; Phi1ip D.Curtin, TheAt1antic Slave Trade: A Census (Madison, 1969), p.234; David E1tis,"The Direction and F1uctuation of the Transat1antic Slave Trade,1821-'1843: A Revis ion of the 1845 Par1iamen tary Paper", em The UncommonMarket: Essa s in the Economic History of the At1antic Slave Tradee s. H.A. Gemery e J.S. ogen orno Nova Iorque, 1979 , p. 289;Karasch, "Slave Life", p.140-41.

52Veja Martins, "Growing ln Si1ence", capo 4.

53Stan~ey J. Stein, Vassouras, a Brazi1ian Coffee Count , 1850-1890

(Nova Iorque, 1976), p. 18, 73-75. Os grl os sao meus. Veja tam emOrlando Va1verde, "La Fazenda de Café Esc1avista en e1 Brasil",Cuadernos Geográficos 3 (Universidade de los Andes, Venezuela, 1965),p.10.

54A população escrava dos Estados Unidos apresentou urna taxa de cres-

cimento interno de 23,9 por mil por ano entre 1820 e 1860. CláudiaGo1din, Urban Slavery in the American South, 1820-1860. A Quantitati-ve Histor~ (Chicago, 1975), p.57. Para que pudesse ter exportado umporcento e sua população escrava por ano, a taxa de crescimento in-terno dessa população em Minas teria que ter sido de 22 por mil entre1808 e 1819, e de 26 por mil entre 1819 e 1873. Veja Martins, "Growingin Si1ence".

55Curtin, lEpidemio10gy", p. 214-16. Para urna discussão da experiên-

cia demográfica dos escravos no Caribe veja Martins, "Growing inSi1ence".

56Martins, "Growing in Si1ence".

57Slenes, "The Demography", p.363-65

58Veja nota 22, acima.

Page 65: A Economia Escravista de Minas Gerais no Século XIX

59para estimativas das importações 'de escravos por outras provínciasbrasileiras veja Martins, "Growing in Silence". Segundo Curtin, TheAtlantic Slave Trade, p. 40, Cuba importou 616.200 africanos entre 1801e 1865.

60Não se pode deixar de cri ticar de forma veemente a análise fei ta porMerrick e Graham. Usando as grosseiras estimativas de Tomaz Pompeu deSouza Brazil para as populações escravas provinciais em 1864, esses demógrafos concluíram que "ainda em 1864 a velha região Nordeste tinha aproximadamente metade do número total de escravos no país e mais que aregião cafeeira do Sudeste. Em 1872, essas posições relativas tinhammudado abruptamente, com o Sudeste compreendendo quase 60 porcento dapopulação escrava e o Nordeste apenas 32 porcento. Portanto, o momen-to mais intenso das transferências inter-regionais de escravos no Brasil ocorreu na década de 1860 e no início da de 1870". Merrick e Graham-:-Population, p. 65-66. Os autores decidiram ignorar (e não se incomodaram em alertar.' o" leitor) uma forte advertência sobre a má qualidade dosdados, colocada na mesma página que contém as estimativas. Seessasestima tivas fossem corretas, a implicação seria de que pelo menos 360 milescravos teriam sido transferidos entre as províncias entre1864e 1872.Pernambuco e Bahia, por exemplo, teriam perdido algo como 153 e 108 milescravos, respectivamente, enquanto Minas teria importado 164 mil ca-tivos, no curto período de oito anos. Essas implicações absurdas devemser comparadas com as recentes estima tivas de que, em todo o período1850-1880, o tráfico entre o centro-sul e o resto do país não envolveumais de 200 mil migrantes, ou com o fato de que, em 1873, só havia emMinas 8578 escravos nascidos em outras províncias. Vej a Slenes, "TheDemograph,y", p. 136-38: Klein, The Middle Passage, p. 98, e Martins,"Growing in Silence".

61 b . - . S N •.. b P d - A •.Se astlao FerreIra oares, otas EstatIstlcas so re a ro uçao grl-cola e Carestia dos Gêneros Alimenticios no Imperio do Brasil (Rio,1977), p. 135; Richard F. Burton, Explorations of the Highlands of theBrazil (Londres, 1869), vol. 1, p. 114-15; voI. 2, p. 104,-260. A informaçao de Burton é flagrantemente errada, pelo menos com respei to a SãoJoão deI Rei. Vela Martins, "Growing in Silence".

62J. McFaden Gaston, Hunting a Home in Brazil (Philadelphia, 1867), p.125 e 193.

63 - h d ~ . ~ .Joao Pedro Carval o e Moraes, Relatorlo apresentado ao MinisterIoda Agricultura, Commercio e Obras Publicas (Rio, 1870). p. 69

64Warren Dean, Rio Claro. A Brazilian Plantation System,(Stanford, 1976), p. 35, 55, 205.

65Dean, Rio Claro, p. 35; Gaston, Hunting ~ Home, p. 125.

66Martins, "Growing in Silence".

1820-1920

Page 66: A Economia Escravista de Minas Gerais no Século XIX

67Martins, "Growing in Silence"

68Martins, "Growing in Silence". Sobre as migrações de mineiros para

São Paulo vej a Pierre Monbe ig, Pionniers et" Planteurs de São Paulo (Paris, 1952), p. 116-20, e Mário LeIte, Paulistas e MIneiros, Plantadores de Cidades (São Paulo, 1961, 2a. parte. O Grande Refluxo'1.

69Martins, "Growing in Silence".

70Ve ja, por exemplo, Conrad, The De struction, p. 293".

71Slenes, "The D.emo~raphy", p. 341-46. As estimativas do tráfico por

município nesse perIodo e nos seguintes estão em Martins, "Growing inSilence", apêndice B.

72Relat5ri~ Agri~Ultura, Ministro Henrique d'Avila, 10/5/l883,p.lO.

73Veja Martins, "Growing in Silence", para essa análise, bem como pa-

ra um teste da confiabilidade dos sinais das estimativas por municí-pios. O teste mostra que, mesmo se as quantidades estimadas são bastante voláteis (por serem sensíveis à taxa de crescimento natural adotada),a direção dos fluxos ~ altamente confiável.

74Dos 8.~089 escravos entrados nos municípios, por ano, durante 1873-

80, uma parcela desconhecida mas provavelmente considerável veio defora da província, enquanto todos os 12.636 entrados por ano no período 1881-84 vieram de outros municípios de Minas. As fontes são: Rela~tório Agricultura, Ministro Henrique d'Avila, 1883, p.lO e RelatõriOAgricUltUra, Ministro João Ferreira de Moura, 1885, p.372.

75Relatório Agricultura, Ministro Antonio da Silva Prado, 14/5/1886,p.34

76Merrick e Graham afirmam que a manumissão era mais frequente em Mi-

nas que no Rio OU" São Paulo. Não apresentam nenhum suporte para essaafirmação. Veja a nota S,acima.

77Se M, Mc e Mn sao respectivamente as taxas de manumissão da provín-

cia inteira, da zona cafeeira e da região não cafeeira, então a últi-ma ~ dada por Mn = (M-Mc.Sc)/Sn onde Sc e Sn são as percentagens dasduas regiões na população escrava provincial.

78Veja Lenharo, As Tropas. Já indicamos acima que esse estudo coloca

excessiva ênfase no significado do mercado carioca para a economiamineira.

Page 67: A Economia Escravista de Minas Gerais no Século XIX

79Kenneth Maxwell, Conflicts and Conspiracies: Brazil and Portugal,

1750-1808 (Cambridge), p.87.

80Martins, "Growing in Silence".

81Eschwege, "Notícias", p.747; Pohl, Viagem, vol.l, p. 190; Spix e

Martius, Viagem, vol.l, p.187; vol. 2, p. 236, 241-48 passim.

82Mafalda ~Zemella, O Abastecimento da Capitania de Minas Gerais no

Século XVIII (São Paulo, 1951), p.254.

83Spix e Martius, Viagem, vol. 1, p.118. Vários outros viajantes rel~

tam o desenvolvimento dessa indústria no início do século. Lobo, "Economia do Rio de Janeiro", E.136,140 anota que os comerciantes doRio se queixavam da concorrencia que o tecido mineiro fazia ao produ-to importado.

84Iglésias, política Econômica, p.70-8l passim. Para uma análise da

economia mineira na Republica Velha, desenfatizando o café e focaliza~do sua diversificação interna veja Amilcar Martins Filho, "Minas e SãoPaulo na Primeira República Brasileira: A política 'Café com Leite'(1900-1930)" (Tese de Mestrado, Dept9 de Ciência política, UFMG,1978).

85Martins, "Growing in Silence". As exportações não-cafeeiras consti-

tuiram 31 porcento.do valor total das exportações no período 1850-88,mas uma grande parte delas era produzida na zona cafeeira.

86Para as fontes dos dados de população e dos dados originais utiliza-

dos na computação do índice de preços das exportações veja Martins,"Growing in Silence". o deflator usado foi o índice ideal de Fisher,incluindo os seguintes produtos: fumo, gado, porcos, carne de porco etoucinho, queijo, algodão e têxteis de algodão. Esses produtos corres-pondiam a 84.6 porcento do valor total exportado (não-café) em 1819 ea mais de 90 porcento dos demais anos.

87Louis François de Tollenare, Notas Dominicais tomadas durante uma

viagem em Portugal e no Brasil em 1816, 1817 e 1818 (Salvador, 1956),p.3l3

88Gado em pe, porcos e produtos pecuários como toucinho, banha, carne

de porco, queijo e couros responderam por aproximadamente 70 porcentodo valor das exportações não-cafeeiras ~urante todo o período. Parauma análise das exportações mineiras, bem como evidências sobre o usode escravos na pecuária, veja Martins, "Growing in Silence".

89Citado por Miguel Costa Filho, A Cana de Açúçar em Minas Gerais(Rio,

1963), p.2l6.

Page 68: A Economia Escravista de Minas Gerais no Século XIX

90Wells, Exploringand Travelling, vol.l, p.lll.

91Wells, Exploring and Travelling, vol.l, p.297-98.

92FalIa ... presidente Antonio Gonçalves Chaves, 1883, p.37-38.

93Great Britain. Foreign Office 1887. Miscellaneous Series. No. 58.

Reports on Subjects of General and Commercia1 Interest. Brazil. Reporton the Province of Minas Geraes. British Sessional Papers. House ofCommons, 1887. vol.82, no. 58.

'94No ano fiscal de 1886-87 a arrecadação per capita (incluindo as re-

ceitas provinciais e do governo central) em Minas foi de 1,59mil-réis.Compare com os dados de algumas outras províncias: Maiores arrecada-ções: 39,54 (Pará), 19,60(Amazonas), l2,46(Pernambuco), 11,35 (RioGrande do Sul), 10,75(São Paulo), 8,32(Rio de Janeiro). Menores arre-cadações: 2,66(Ceará), 2,12(Rio Grande do Norte), 2,03 (Piaui), 2,01(Paraiba) e 1,32(Goiás).Computado a partir de dados em Breve Notíciado Estado Financeiro das Províncias or anizado or ordem de S.Ex. oSr.Barão de Cotegipe, presi ente do Consel o de Ministros Rio,1887),tabela n9 3; e Recenseamento de 1890.

95Relatório Agricultura, Ministro Rodrigo Silva, 1888, p.24.

96Pierre Denis, Le Brésil au XXe Siecle(Paris, 1909), p.6-7.

97Pohl, Viagem, vol.2, p.287. Esse autor descreve outras fazendas em

vol.l, p.2l7-l8; vol.2, p.229,375.

98Spix e Martius, Viagem, vol.l, p.84-85, 279.

99Saint-Hilaire, Viagem às Províncias, vol.2, p.286.

100Gardner, Viagem, p.447-48.

101Francis Castelnau, Expedição às Regiões Centrais da América do Sul

(São Paulo, 1949), vol.2, p.122-23.

102Burton, Explorations, vol.2, p.39-40.

Page 69: A Economia Escravista de Minas Gerais no Século XIX

103Wells, Exploring and Travelling, vol.l, p.163-65. Para outras des

crições de fazendas e sítios veja vol.l, p.105,125-27, 134,160-61,202,209,224,258,275-76, 301-302,315-16.

104O impacto da Guerra Civil nos Estados Unidos foi muito limitado em

Minas. As exportações provinciais de algodão em rama tiveram um sensível aumento por um curto período, mas nunca chegaram a atingir 2 por--cento das exportações brasileiras. Veja Martins, "Growing in Silence"para uma análise das exportações mineiras de algodão.

105Spix e Martius, Viagem, vol.l, p.120,148,187.

106J.J.Sturz, A Review, FinanciaI, Statistical and Commercial of the

Empire of Brazil and its Resources (Londres,1837), p.l04-l05,111;John Casper Branner, Cotton in the E~ire of Brazil (Washington,1885),p.41.

107Sobre a decadência e a sobrevida da indústria textil doméstica e a

emergência das fábricas de tecidos veja Martins, "Growing in Silence",e Daniel de Carvalho, Notícia Histórica sobre o Algodão em Minas (Rio,1916).

108Martins, "Growing in Silence".

110Martins, "Growing in Silence". Em 1883 um professor da recém-criada

Escola de Minas informava que a maior parte das fundições ainda depen-dia do trabalho escravo. Iglésias, política Econ6mica, p.97.

111Conrad, The Destruction, p.65, 300; Slenes, "The Demography",p.79.

Embora esses autores nao sejam responsáveis pelos erros do censo, algumas inconsistências evidentes deveriam tê-los alertado para o problem~Os quase 280 mil escravos lavradores de Minas significariam que virtu-almente todos os escravos entre 11 e 60 anos estavam empregados nessesetor. Os 326.142 escravos com profissões declaradas implicariam quepraticamente todos os escravos com mais de 6 anos tinham uma profissãoespecífica, incluindo 35 mil acima de 60 anos. O primeiro autor a apontar os enormes erros da tabela provincial de ocupações do censo de 72-foi Amilcar Martins Filho.

112Entre 1819 e 1890 a população de Minas cresceu a uma taxa de 2,3 por

cento ao ano, enquanto a população brasileira cresceu a 1,6 porcento aoano.

Page 70: A Economia Escravista de Minas Gerais no Século XIX

113Burton, Explorations, vol.2, p.62

114Adam Smith, The Wealth of Nations (Nova Iorque, 1937), p. 365.

115E.G. Wakefield, A View of the Art of Colonization(Nova Iorque,1969),

p. 323.

116Wakefield, A View, p. 324.

117Eschwege, Pluto Brasiliensis, vo1.2, p.42l-22, 447.

118Saint-Hilaire, Viagem às Nascentes, vol.l, p.24,163; Viagem às Províncias, vol.2, p.237. val.I, p.263. ---------------

119Spix e Martius, Viagem, vol.l, p.368-69

120Wells, Exploring and Travelling, vol. 1, p.168, 103, 267

121Eschwege, Pluto Brasiliensis, vol.2~ p. 422-23. Enfase no original.

122Wells, Exploring and Travelling, vol.2, p.7l.

123Veja a esse respeito: E.G.Wakefield, A View; Wakefield England and

America (Nova Iorque, 1967); Marx, O Capital; Herman Merivale, Lectureson Colonization and Colonies (Nova Iorque, 1967); H.J.Nieboer, Slaveryas an Industrial System:Ethnological Researches (Haia, 1900); AcnilleLoria, Le Basi Economiche della -,Castituzione Sociale (Turim, 1913),Willemina Kloosterboer, Involuntary raDor since the Abolition ofSlavery (Leiden, 1960}; Evsey Domar, "The Causes of Slavery andSerfdom: A Hypothesis", Journal of Economic History 30 (Março 1970).Segundo Marx ahipôtesédeWakefield ja havia sido formulada porMirabeau Pere e por economistas ingleses do século dezoito. Proposiçõesmuito semelhantes, focando a relação entre altos salários e terras livres são encontradas nos escritos dos "founding fathers" americanos.Entre autores brasileiros veja José Joaquim da Cunha de Azeredo Coutinh~Obras Econômicas de J.J. da Cunha de Azeredo Coutinho (1974-1804) (SãoPaulo, 1966), p. 255; e Jose da Silva Lisboa, observaçoes sobre a Franqueza da Indústria e Estabelecimento de Fábricas-no Brasil (1811), citado Por Eulalia Maria Lahmeyer Lobo, Histôria do Rio de Janeiro (DoCapital Comercial ao Capital Industriar-e-FlnancelroJ(Rlo, 1978JvoI.~p. 106.124

A citação é de Wakefield, England and America, P. 217.

Page 71: A Economia Escravista de Minas Gerais no Século XIX

125Arthur Bernardes, citado por Wirth, Minas Gerais, p. 16.

126Wells, Exploring and Travelling, vol. 2, p. 5.

127Theodoro Sampaio, O Rio São Francisco e a Chapada Diamantina (Sal

vador, 1938), p. 132.128

Deputado Manuel Antônio Galvão, em 1843, citado por Warren Dean,"Latifundia and Land Policy in Nineteenth Century Brazil", HispanicAmerican Historical Review 41 (Novembro 1971), p. 612.129

Ig1ésias, política Econômica, p. 66-67.130

Relatório preso Ferreira Bretas, 1870, p. 10.131

Eschwege, P1uto, vo1. 2, p. 449.132

We11s, Ex~ring and Trave11ing, vo1. 1, p. 104, 168, 390.133

Sampaio, O Rio são Francisco, p. 105.

Fontes citadas nas tabelas, não incluídas nas notas acima

- Joaquim Norberto de Souza e Silva, Investigações sobre os Recenseamentos da População Geral do Império e de cada Província de per se,tentados desde os tempos co10niaes até hoje (Rio de Janeiro, 1870)

- Maria Luiza Marcí1io, "Evolução da População Brasileira através dosCensos até 1872", Anais de História de Anis 6 (1974). .

- Char1es Ralph Boxer, The Go1den Age of Brazi1, 1695-1750. GrowingPains of a Colonial Society-rBerkeley, 1962).

- Affonso de E. Taunay, História do Café no Brasil (Rio de Janeiro,1939-41).

- Pedro Carvalho de Mello, "The Economics of Labor in Brazi1ian CoffeeP1antations, 1850-1888". Tese de doutorado, University of Chicago,1977.

- Sócrates A1vim, "Projeção Econômica e Social da Lavoura Cafeeira emMinas", Minas e o Bicentenário do Cafeeiro no Brasil (Belo Horizogte, 1929).

- F.W. Dafert, "Quadro Estatístico da Produção de Café no Estado deSão Paulo no anno de 1886". Em Dafert, F.W. Coleção .dos TrabalhosAgrícolas extraídos dos Relatórios Annuaes de-r888-l893. InstitutoAgronomico do Estado de Sao Paulo (Campinas) Sao Paulo, 1895).

- Relatório da Secção de Estatística anexa ã 3~ Directoria da Secre-taria de Estado dos Negocios do Imperio (Rio de Janeiro, 107571883).

- F.J. Oliveira Vianna, "Resumo Histórico dos Inquéritos Censitáriosrealizados no Brasil". Em Directoria Geral de Estatística, Recense!mento do BRazil realizado em 19 de setembro de 1920 (Rio, 1922- 29),vo~~

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- Directoria Geral de Estatística, Recenseamento da poau1aãão do Im-pério do Brazi1 a que se procedeu no dia 19 de Agosto e 1 72 (Rio,1873-76) .