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UNIVERSIDADE FEDERAL DO MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO CEZAR AUGUSTO DA SILVA FLORES A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO UNIFICADA SiSU: o caso do curso de enfermagem da Universidade Federal de Mato Grosso, Campus Universitário de Sinop CUIABÁ MT 2013

A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

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Page 1: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO MATO GROSSO

INSTITUTO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

CEZAR AUGUSTO DA SILVA FLORES

A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE

SELEÇÃO UNIFICADA – SiSU: o caso do curso de enfermagem

da Universidade Federal de Mato Grosso, Campus Universitário

de Sinop

CUIABÁ – MT

2013

Page 2: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

1

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

INSTITUTO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

CEZAR AUGUSTO DA SILVA FLORES

A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

UNIFICADA – SiSU: o caso do curso de enfermagem da Universidade

Federal de Mato Grosso, Campus Universitário de Sinop

CUIABÁ – MT

2013

Page 3: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

2

CEZAR AUGUSTO DA SILVA FLORES

A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

UNIFICADA – SiSU: o caso do curso de enfermagem da Universidade

Federal de Mato Grosso, Campus Universitário de Sinop

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Educação da Universidade Federal de

Mato Grosso como requisito para a obtenção do título

de Mestre em Educação na Linha de Pesquisa

Movimentos Sociais, Política e Educação Popular.

Orientadora:

Profª. Drª. Maria das Graças Martins da Silva.

Cuiabá – MT

2013

Page 4: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

3

Dados Internacionais de Catalogação na Fonte

F634e Flores, Cezar Augusto da Silva.

A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE

SELEÇÃO UNIFICADA – SiSU: : o caso do curso de enfermagem da

Universidade Federal de Mato Grosso, Campus Universitário de Sinop

/ Cezar Augusto da Silva Flores. -- 2013

181 f. : il. color. ; 30 cm.

Orientadora: Maria das Graças Martins da Silva.

Dissertação (mestrado) - Universidade Federal de Mato Grosso,

Instituto de Educação, Programa de Pós-Graduação em Educação,

Cuiabá, 2013.

Inclui bibliografia.

1. Educação Superior. 2. Ingresso. 3. ENEM/SiSU. 4. Enfermagem.

5. Escolha do curso. I. Título.

Ficha catalográfica elaborada automaticamente de acordo com os dados fornecidos pelo(a) autor(a).

Permitida a reprodução parcial ou total, desde que citada a fonte.

Page 5: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

4

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

PRÓ-REITORIA DE ENSINO DE PÓS-GRADUAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO Avenida Fernando Correia da Costa, 2367 – Boa Esperança – CEP: 78060-900 – CUIABÁ/MT

Tel.: (65) 3615-8431/3615-8429 – Email: [email protected]

FOLHA DE APROVAÇÃO

TÍTULO: “A escolha do curso superior no sistema de seleção unificada - SiSU: o caso do

curso de enfermagem da Universidade Federal de Mato Grosso, Campus Universitário

de Sinop”

AUTOR: Mestrando Cezar Augusto da Silva Flores

Dissertação defendida e aprovada em 18/03/2013

Composição da Banca Examinadora:

___________________________________________________________________________

Presidente Banca / Orientadora Doutora Maria das Graças Martins da Silva

Instituição: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

Examinadora Interna Doutora Tereza Christina Mertens Aguiar Veloso

Instituição: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

Examinadora Externa Doutora Elizeth Gonzaga dos Santos Lima

Instituição: UNIVERSIDADE DO ESTADO DE MATO GROSSO Examinador Suplente Doutor Cleomar Ferreira Gomes

Instituição: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

Cuiabá, 18/03/2013.

Page 6: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

5

Dedico essa dissertação a minha avó

Luiza, a pessoa mais iluminada que já conheci.

Page 7: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

6

AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus pela oportunidade em ter cursado esse mestrado, e ter vivido e

aprendido todas as experiências ímpares no decurso desse.

Ao Professor Dr. Cleomar Ferreira Gomes por ter confiado e acreditado em mim.

Agradeço eternamente a Professora Dra. Maria das Graças Martins da Silva por

ter aceitado me orientar já no meio da caminhada, e ter toda paciência e dedicação nessa

orientação, me conduzindo ao caminho certo em todos os momentos.

A banca examinadora, constituído pelos professores Dra. Tereza Christina

Mertens Aguiar Veloso, Dra. Elizeth Gonzaga dos Santos Lima e Dr. Cleomar Ferreira

Gomes pelas contribuições nesse processo.

A minha “nova” família, composta pelas minhas colegas de trabalho e de

mestrado, Suellen Rodrigues de Oliveira, Luciene Mantovani e Sonia Vivian de Jesus, pelo

convívio nesses 2 anos.

A todos os professores do PPGE, pelos ensinamentos, e pela paciência para com

os estudantes do programa Pró-ensino na saúde.

A minha família pelo apoio em todos os momentos nesses 2 anos de luta e estudos

no mestrado, em especial minha mãe, meu pai e minha irmã.

Aos meus amigos, que entenderam os motivos das minhas ausências, e aguardam

ansiosamente o fim desse mestrado.

A coordenadora do curso de enfermagem Profa. Dra. Pacífica Pinheiro Cavalcante

e ao coordenador do Instituto de Ciências da Saúde Prof. Dr. Paulo Sergio Andrade Moreira,

por ter me incentivado e flexibilizado meu horário de trabalho, para poder realizar esse

mestrado.

Aos meus alunos que compreenderam meus momentos difíceis durante o curso.

As minhas colegas do grupo de estudo e pesquisa em políticas educacionais

Manira, Jackeline, Grazi, Gisele, Patrícia e Nely, pela ajuda nos estudos.

Aos estudantes do 1° semestre do curso de enfermagem, turma 2012/1, que

participaram da presente pesquisa.

Enfim, a todos que colaboram diretamente ou indiretamente com essa dissertação.

Page 8: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

7

Combati o bom combate;

acabei a carreira;

guardei a fé.

II Timóteo 4:7

Page 9: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

8

RESUMO

FLORES, Cezar Augusto da Silva. A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA

DE SELEÇÃO UNIFICADA – SiSU: o caso do curso de enfermagem da Universidade

Federal de Mato Grosso, Campus Universitário de Sinop. Dissertação. Programa de Pós-

Graduação em Educação da Universidade Federal de Mato Grosso. 2013.

O ensino superior é almejado por grande parte da população brasileira, como uma estratégia

de ascensão social, entretanto não são todos que conseguem ingressar nesse nível de ensino,

sendo a causa principal o número insuficiente de vagas. Devido a essa realidade, foram

criados mecanismos de seleção com o objetivo de distinguir os estudantes mais aptos e

qualificados para ingressar no ensino superior. Na perspectiva de tratar dessa questão, esta

pesquisa tem por objetivo analisar o processo de ingresso acadêmico no curso de enfermagem

na Universidade Federal de Mato Grosso, Campus Universitário de Sinop, tomando como

base o período acadêmico de 2012/1, ressaltando o processo de decisão dos estudantes pelo

curso, em face da nova forma de seleção proposto pelo Ministério da Educação constituído do

Exame Nacional do Ensino Médio - ENEM/Sistema de Seleção Unificada - SiSU. Trata-se de

uma pesquisa qualitativa, cujo foco é identificar os fatores que levaram os estudantes a

escolher o curso de enfermagem, considerando, nesse processo decisório, a possível

influência da nova forma de ingresso. Os estudantes responderam a um questionário com

questões abertas e fechadas de caráter exploratório que teve por objetivo registrar, analisar e

correlacionar fenômenos ou fatos referentes à modalidade de escolha do curso que o sistema

SiSU apresenta. Observou-se que a escolha do curso de enfermagem está relacionada a vários

fatores, como vocação pessoal, percepção da enfermagem como profissão da área da saúde,

influência familiar e nota do ENEM ser compatível com a nota de corte para esse curso.

Portanto, há indícios que o novo mecanismo de seleção, constituído pelo ENEM/SiSU, tem

influenciado na escolha para o ingresso no curso de enfermagem por estudantes que não

tinham o desejo inicial de ingressar em tal curso, realizando essa escolha como estratégia para

o ingresso no ensino superior. Conclui-se que o sistema ENEM/SiSU representa mais um

processo de seleção que não é capaz de superar o modelo excludente, sendo necessário propor

novos mecanismos de seleção que visem aprimorar o método de escolha do curso para

enfrentar as contradições hoje existentes.

Palavras-chave: Educação Superior. Ingresso. ENEM/SiSU. Enfermagem. Escolha do curso.

Page 10: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

9

ABSTRACT

FLORES, Cezar Augusto da Silva. THE CHOICE OF HIGHER EDUCATION IN THE

UNIFIED NATIONAL SYSTEM (SISTEMA DE SELEÇÃO UNIFICADA) - SiSU: the

case of the nursing course at the Federal University of Mato Grosso, Sinop Campus.

Dissertation. Instituto de Educação. Universidade Federal de Mato Grosso, 2013.

Higher education is sought for a great part of the Brazilian population, as a strategy for social

ascension; however, are not all who manage to enter in this level of education, being the main

cause of the insufficient number of slots. Due to this reality, selection mechanisms have been

created with the goal of distinguishing the fittest and qualified students to ingress in higher

education. In order to address the issue, this research aims to study the process of admission

in nursing academic course at the Federal University of Mato Grosso, Campus Sinop, taking

as a basis the academic period 2012/1, noting the decision process of the students by the

course in the face of this new form of proposal selection by the High School National Exam

(Exame Nacional do Ensino Médio) - ENEM/Unified Selection System (Sistema de Seleção

Unificada) - SiSU. It is a qualitative research, whose focus is to identify the factors that led

students to choose the course of nursing, whereas, in that decision making process, the

possible influence of the new ingress forms. Students responded to a questionnaire with open

and closed questions of exploratory character that aimed to record, analyze and correlate facts

or phenomena concerning the choice of the mode of SiSU system features. It was noted that

the choice of the nursing course is related to several factors, such as personal vocation,

perception of nursing as a health care profession, family influence and ENEM‟s grade to be

compatible with the grade for this course. So, join the new check mechanism, consisting of

the ENEM/SiSU, has influenced the choice for entry into nursing course for students who had

no initial desire of entering such a course, making that choice as a strategy for higher

education. It was concluded that the system ENEM/SiSU represents more of a selection

process that is not able to overcome the exclusionary model and it‟s necessary to propose new

selection mechanisms aimed at improving the method of choice of the course to confront the

contradictions that there are nowadays.

Key words: Higher Education. Ingress. ENEM/SiSU. Nursing. Choice of the course.

Page 11: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

10

LISTA DE FLUXOGRAMA

Fluxograma 1 – Ordenação referente às Portarias MEC................................................... 108

Page 12: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

11

LISTA DE QUADROS

Quadro 1 - Comparativos entre os objetivos do ENEM da Portaria n. 438/1998 e a

Portaria n. 109/2009........................................................................................

99

Quadro 2 - Estruturação dos Editais SiSU 2010/2012....................................................... 109

Quadro 3 - Lista de chamada/ convocação para efetuar a matrícula no curso de

enfermagem na UFMT, CUS..........................................................................

147

Quadro 4 - Motivos que levaram os estudantes a escolherem o curso de enfermagem.... 152

Page 13: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

12

LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 - Número de estudantes que participaram da pesquisa e seu período de

ingresso...........................................................................................................

146

Gráfico 2 - Número processos seletivos antes do ingresso no curso de enfermagem

UFMT/CUS....................................................................................................

148

Gráfico 3 - Curso de desejo no término do Ensino Médio................................................ 149

Gráfico 4 - Curso de primeira opção na inscrição ao SiSU............................................... 150

Gráfico 5 - Influência da nota do ENEM na escolha do curso.......................................... 153

Gráfico 6 - Satisfação com o curso que ingressou - enfermagem..................................... 156

Gráfico 7 - Aprovação do modelo de escolha do curso pelo ENEM/SiSU....................... 157

Page 14: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

13

LISTA DE SIGLAS

ABEn – Associação Brasileira de Enfermagem

AI – Ato institucional

Andifes – Associação Nacional dos Dirigentes de Instituições Federais de Ensino Superior

CCEV – Comissão de Concursos e Exames Vestibulares

CD – Conselho Diretor

Cefet – Centro Federal de Educação Superior

CESPE – Centro de Seleção e de Promoção de Eventos

CEV – Coordenação de Exames Vestibulares

CFE – Conselho Federal de Educação

CNE – Conselho Nacional de Educação

CNPq – Conselho Nacional de Pesquisa

CONSEPE – Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão

COPEVE – Comissão Permanente do Vestibular

CUS – Campus Universitário de Sinop

DNE – Departamento Nacional de Educação

DNSP – Departamento Nacional de Saúde Pública

EAD – Educação a Distância

Eapes – Equipe de Assessoria ao Planejamento do Ensino Superior

EEUSP – Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo

ENEM – Exame Nacional do Ensino Médio

Epes – Equipe de Planejamento do Ensino Superior

FAEN – Faculdade de Enfermagem

FNDE – Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação

FUB - Fundação Universidade de Brasília

ICLC – Instituto de Ciências e Letras de Cuiabá

IES – Instituição de Ensino Superior

IFES – Instituição Federal de Ensino Superior

IFs – Instituições Federais

INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira

Ipes – Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais

ITA – Instituto Tecnológico de Aeronáutica

LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

Page 15: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

14

MEC – Ministério da Educação

PF – Polícia Federal

PM – Polícia Militar

PNE – Plano Nacional de Educação

PPC – Projeto Pedagógico do Curso

PROEG – Pró-reitoria de Ensino e Graduação

PROUNI – Programa Universidade para Todos

PSF – Programa de Saúde da Família

REUNI – Programa de Apoio ao Plano de Reestruturação e Expansão das Universidades

Federais

RJ – Rio de Janeiro

SARI – Secretaria de Articulação e Relações Institucionais

SAT – Scholastic Assessment Test

SC – Santa Catarina

SENADEn – Seminário Nacional de Diretrizes para a Educação em Enfermagem no Brasil

SiSU – Sistema de Seleção Unificada

UFABC - Universidade Federal do ABC

UFAM – Universidade Federal do Amazonas

UFBA – Universidade Federal da Bahia

UFCSPA - Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre

Ufersa - Universidade Federal Rural do Semi-Árido

UFLA – Universidade Federal de Lavras

UFMT – Universidade Federal de Mato Grosso

UFPel – Universidade Federal de Pelotas

UFPI – Universidade Federal do Piauí

UFRB - Universidade Federal do Recôncavo da Bahia

UFRRJ - Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro

UFSJ - Universidade Federal de São João del-Rei

UFT – Universidade Federal do Tocantins

UFVJM - Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri

UnB – Universidade de Brasília

UNE – União Nacional dos Estudantes

UNEMAT – Universidade do Estado de Mato Grosso

Page 16: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

15

UNIFAL - Universidade Federal de Alfenas

UNIFEI - Universidade Federal de Itajubá

Unifesp – Universidade Federal de São Paulo

Unirio – Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro

Univasf - Universidade Federal do Vale do São Francisco

Usaid – United States Agency for International Development

USP – Universidade de São Paulo

UTFPR - Universidade Tecnológica Federal do Paraná

Page 17: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

16

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO................................................................................................................ 17

PARTE I - CONSTRUÇÃO E CONSOLIDAÇÃO DO ENSINO SUPERIOR NO

BRASIL COM OBSERVÂNCIA NAS FORMAS DE INGRESSO............................

21

1.1 Dos Jesuítas à Reforma Pombalina (1572 – 1759)......................................... 22

1.2 Período Imperial (1808 – 1889)....................................................................... 28

1.3 Primeira República (1889 – 1930)................................................................... 34

1.4 Era Vargas (1930 – 1945)................................................................................. 41

1.5 República Populista (1945 – 1964).................................................................. 50

1.6 Ditadura Militar (1964 – 1985)........................................................................ 64

1.7 Nova República (1985 - 2012).......................................................................... 79

1.7.1 Formas de ingresso ao Ensino Superior nas décadas de 1980 a

2010.................................................................................................................

89

1.7.2 A forma de ingresso pelo “Exame Nacional do Ensino Médio –

ENEM/Sistema de Seleção Unificada - SiSU” ..............................................

97

PARTE II – A UFMT E SEUS PROCESSOS SELETIVOS (1972 A 2012)............... 114

2.1 Breve histórico do ensino superior em Mato Grosso e a criação da

Universidade Federal de Mato Grosso – UFMT..................................................

114

2.2 Formas de ingresso na Universidade Federal de Mato Grosso do

vestibular ao ENEM/SiSU.....................................................................................

121

2.3 A UFMT e o ENEM/SiSU................................................................................ 123

PARTE III – O CURSO DE ENFERMAGEM DA UFMT E A ESCOLHA DO

CURSO VIA SiSU: PONTOS DE (DES)ENCONTRO................................................

127

3.1 A origem das práticas do cuidar..................................................................... 127

3.2 O desenvolvimento da enfermagem no Brasil................................................ 131

3.3 A profissionalização da enfermagem.............................................................. 135

3.4 O processo histórico da enfermagem na UFMT............................................ 141

3.5 A escolha do curso de enfermagem pelo SiSU............................................... 143

CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................................... 165

REFERÊNCIAS............................................................................................................... 170

APÊNDICES..................................................................................................................... 179

Page 18: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

17

INTRODUÇÃO

Você vê as coisas como elas são e pergunta: por que?

Mas eu sonho com coisas que nunca foram e pergunto: por

que não?

Bernard Shaw

O ensino superior foi introduzido no Brasil pelos jesuítas, em 1572, por meio dos

cursos de artes e teologia, tendo tripla função: formar padres para a atividade missionária,

formar o aparelho burocrático do Estado e ilustrar as classes dominantes locais (filhos dos

proprietários de terras, de minas e dos mercadores metropolitanos)1. Após a reforma

pombalina, tal nível de ensino praticamente deixou de ter importância para uma sociedade que

estava preocupada com o trabalho braçal, fruto de uma economia extrativista.

Com a vinda da Família Real para o Brasil, em 1808, ressurgiu a necessidade da

educação superior, havendo interesse desse nível de educação apenas para a formação da elite

imperial que assumiria as funções administrativas no “novo” Estado.

Com o passar do Estado Colonial para Imperial e depois para Republicano, a

educação superior começou a ser considerada como forma de ascensão social pelas classes

menos favorecidas, e o número de candidatos que almejavam ingressar nesse nível de ensino

se tornou maior que o número de vagas disponíveis nas Instituições de Ensino Superior - IES.

Para “corrigir” tal impasse, foram criados mecanismos de seleção para o ingresso

no ensino superior, sendo que tais mecanismos realizam essa seleção por meio de testes de

conhecimentos, servindo, dessa forma, para selecionar os “melhores” candidatos com o

discurso de que esses estariam mais aptos a cursar o nível de ensino superior.

Portanto, o princípio do mérito era, e continua sendo, defendido como requisito

indispensável pelos mecanismos de seleção para o ingresso no ensino superior.

Sustentado nesse princípio, no Período Colonial até a Era Vargas, o ensino

superior foi destinado às classes dominantes. Somente na Primeira República se tornou

“disponível” às classes menos favorecidas socialmente; entretanto, se observa que, da

Primeira República até à Nova República teve uma abertura “velada” às classes menos

favorecidas, e os cursos considerados de maior prestígio social eram ocupados pelos

estudantes provenientes das classes mais favorecidas da sociedade, salvo raras exceções; já os

cursos superiores de menor prestígio social, geralmente as licenciaturas, eram ocupados por

estudantes de menor poder aquisitivo (OLIVEIRA, 1994).

1 Os termos ensino superior e educação superior serão utilizados nessa dissertação como sinônimos.

Page 19: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

18

O atual Estado brasileiro, considera o mérito como mecanismo democrático para a

seleção nos processos seletivos de ingresso no ensino superior, entretanto, a atual formação

social brasileira demonstra uma série de contradições, o que impossibilita considerar que

exista realmente um sistema democrático de ingresso na educação brasileira. Nessa relação

em que o mérito é levado mais em consideração do que a vocação pessoal, nos perguntamos,

como os estudantes, atualmente, realizam a escolha pelo curso superior? E como os

mecanismos de seleção afetam a escolha do curso desses estudantes?

O interesse central deste estudo foi analisar o processo de ingresso acadêmico no

curso de enfermagem da Universidade Federal de Mato Grosso - UFMT, Campus

Universitário de Sinop - CUS, tomando como base o período letivo de 2012/1, ressaltando o

processo de decisão dos estudantes pelo curso, em face da forma de seleção proposta pelo

Exame Nacional do Ensino Médio - ENEM/ Sistema de Seleção Unificada – SiSU,

compreendendo que esse dois procedimentos compõem um sistema integrado que designamos

nessa pesquisa por ENEM/SiSU.

O referido estudo surgiu da experiência profissional como docente do curso de

enfermagem da UFMT, CUS, ministrando aulas da disciplina Bases Históricas da

Enfermagem, no primeiro semestre do curso, em que pudemos observar, empiricamente, uma

mudança no perfil dos estudantes ingressantes no referido curso após a adoção do

ENEM/SiSU como forma de ingresso ao ensino superior e de como os estudantes se

comportam no início desse curso de graduação.

O foco da pesquisa é identificar os fatores que levaram os estudantes a escolher o

curso de enfermagem, considerando, nesse processo decisório, a possível influência da nova

forma de ingresso ENEM/SiSU. Nessa perspectiva, pretendemos investigar se esses

estudantes realmente desejavam ingressar na enfermagem ou se só o fizeram em decorrência

da oportunidade de ingressar no ensino superior devido às características que o sistema

ENEM/SiSU apresenta.

A hipótese que orienta a pesquisa é a de que, após a implantação do SiSU como

forma de ingresso ao ensino superior, houve uma “banalização”2 na escolha do curso, ou seja,

supomos que o mais importante para o estudante é ingressar no ensino superior e, nesse

sentido, a escolha do curso não é um fator determinante para ser nele incluído.

Portanto, o ponto chave a ser investigado é a forma como se estabelece a escolha

do curso. Anteriormente ao modelo de ingresso referido, os candidatos se inscreviam para a

2 Banalização é algo que teve sua imagem desgastada, ou algo de importância que se tornou menos importante

pela exaustão da repetição sobre um determinado assunto. Significa tornar algo banal, sem importância

(FERREIRA, 1975).

Page 20: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

19

prova de seleção de acordo com o interesse por um curso já determinado antes de realizar a

prova, ou seja, faziam o exame para o curso que almejavam. Com a implantação do

ENEM/SiSU, os candidatos fazem as provas e somente depois da obtenção das notas,

escolhem o curso que pretendem ingressar. Como o curso de enfermagem não apresenta uma

nota de corte elevada, é possível que seja escolhido por candidatos que almejam outros

cursos, mas, devido a sua pontuação ser inferior à nota de corte do curso pretendido, acabam

optando pela enfermagem para ingressar no ensino superior, e tentar, futuramente uma

transferência interna para outro curso de interesse, ou mesmo, realizar outros processos

seletivos.

Trata-se de um estudo de caso, realizado com os estudantes ingressantes do curso

de enfermagem, do período letivo de 2012/1, de caráter exploratório e descritivo com

abordagem qualitativa, com o objetivo de registrar, analisar e correlacionar fenômenos ou

fatos referentes à modalidade de escolha do curso que o SiSU apresenta.

Foi aplicado um questionário com questões abertas e fechadas com os estudantes

ingressantes no curso de enfermagem da UFMT, CUS, do período letivo de 2012/1, que

ingressaram através do SiSU, e que, depois de explicados os objetivos da pesquisa, aceitaram

participar da mesma.

O sonho de ingressar em uma universidade pública é almejado por grande parte da

população, mas não são todos que conseguem atingir esse objetivo. De acordo com o Plano

Nacional de Educação - PNE 2001-2011, 30% das vagas universitárias deveriam ser

preenchidas por estudantes na faixa etária entre 18 e 24 anos, mas tal meta não foi alcançada

no período previsto. De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio – PNAD,

apenas 14,4% das vagas do ensino superior no ano de 2009 foram preenchidas por estudantes

nessa faixa etária (CHAVES; LIMA; MEDEIROS, 200-?).

Neste estudo, algumas dificuldades foram encontradas durante a sua realização.

Inicialmente, o fato de ser o primeiro trabalho dessa magnitude realizado pelo pesquisador,

principiante na área de educação, sobretudo em Políticas Educacionais. Em seguida, a

escassez do assunto abordado, pois o SiSU, presente no cenário educacional desde 2010, até o

momento foi objeto de poucas pesquisas. E, em terceiro, a dúvida da participação na pesquisa

dos estudantes bem como a dificuldade em obter dados do Sistema Acadêmico da UFMT,

evento que só pode ser constatado no momento da pesquisa de campo.

No enfrentamento desses obstáculos, a pesquisa foi se constituindo, e sua

construção se apresenta em três partes, sendo assim dividida para melhor compor a sequência

lógica do raciocínio:

Page 21: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

20

Parte I: Traçamos a trajetória histórica do ensino superior no Brasil, do período

Colonial ao cenário atual da Educação Superior, tendo como foco as formas de ingresso a esse

nível de ensino, iniciando pelo “exame de estudo preparatório”, “exame de admissão”,

“exames vestibulares”, “concursos vestibulares” e “sistema de seleção unificada”. Foi

realizado também um estudo sobre a forma de ingresso pelo “concurso vestibular” e pelo

“ENEM/SiSU”.

Parte II: Contextualizamos, historicamente, a UFMT, com enfoque nas formas

de ingresso para os cursos de graduação nessa instituição, desde a sua criação, em 1972,

quando era utilizado, como forma de ingresso, o concurso vestibular, até o ano de 2012

quando a instituição utilizou como forma de ingresso o ENEM/SiSU.

Parte III: Realizamos uma trajetória histórica da enfermagem, para entender

como se tornou uma profissão, e como sua precursora, Florence Nightingale, defendia o

caráter vocacional para ingresso na mesma. Igualmente, fizemos uma abordagem sobre a

história do curso de enfermagem na UFMT e no CUS.

Em seguida, apresentamos os resultados da pesquisa e discussões, juntamente com

as considerações, evidenciando os dados da mesma.

Assim, buscamos desvendar uma realidade, cujos traços não são suficientemente

claros para interpretação. A esse propósito, Kosík (1976) afirma:

Captar o fenômeno de determinada coisa significa indagar e descrever como a coisa

em si se manifesta naquele fenômeno, e como ao mesmo tempo nele se esconde.

Compreender o fenômeno é atingir a essência. Sem o fenômeno, sem a sua

manifestação e revelação, a essência seria inatingível. (p. 65).

Assim, observamos a necessidade de pesquisar a respeito dos fatores que levaram

os estudantes a optar pelo curso de enfermagem, e se essa opção se fez pelo desejo de

ingressar nesse curso ou simplesmente pelo desejo de ingressar no ensino superior, tendo em

vista as características que o sistema ENEM/SiSU apresenta como processo seletivo e forma

de ingresso a partir de 2010. Esperamos, portanto, entender como a nova forma de ingresso ao

ensino superior, configurada pelo SiSU, tem influenciado a escolha do curso, perfazendo, com

isso, proposições para novas estratégias de superação de contradições que possam vir a se

apresentar.

Page 22: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

21

PARTE I - CONSTRUÇÃO E CONSOLIDAÇÃO DO ENSINO SUPERIOR NO

BRASIL COM OBSERVÂNCIA NAS FORMAS DE INGRESSO

“A história nunca se fecha por si mesma e nunca se fecha

para sempre. São os homens, em grupo e confrontando-se

como classes em conflito, que „fecham‟ ou „abrem‟ os

circuitos da história”.

Florestan Fernandes

O Brasil, país continental, situado na América do Sul, apresenta em sua história

traços marcados por antigas e novas contradições, tanto no campo político, quanto no

econômico e no social, o que reflete também no sistema educacional, com uma educação dual,

destinada aos dirigentes e aos dirigidos, ao público e ao privado, ao intelectual e ao

semianalfabeto, entre outros opostos.

Nessa perspectiva, apresenta-se na história do país um ensino superior, sobretudo,

dedicado às aplicações profissionais, como se a diplomação nesse nível de ensino garantisse a

ascensão social. Entretanto, o ensino superior vai além da atuação profissional. Conforme

defendia Freire (1987), tem-se como referência uma educação para a vida, uma educação para

a cidadania.

O ensino superior esteve atrelado à ascensão profissional, primeiramente realizada

em Coimbra – Portugal, depois trazida para as recém-criadas faculdades e colégios superiores

no Brasil. No período do Império, o sistema educacional era frequentado apenas pela elite da

então sociedade brasileira, o qual servia de trampolim para o emprego em cargos públicos.

Tal fato também caracteriza a proteção aos interesses das classes dominantes, que boicotavam

a criação de novas instituições justamente para impedir a concorrência nos postos de trabalho,

retardando mais ainda a criação e a expansão das universidades no Brasil (CUNHA, 2007a).

Ao abordarmos a criação das IES no Brasil, remetemos a uma história marcada

por fragmentações e descontinuidade. A primeira universidade criada no continente

americano foi em São Domingo, ainda no século XVI, mais precisamente em 1538, de curta

existência. Subsequente, em 1553, houve a criação de uma universidade no México, com

maior duração, e oferecendo os cursos de filosofia, cânone/direito, teologia e mais tarde

medicina. Também devemos citar a criação das Universidades de São Marcos (Peru), de São

Felipe (Chile), Córdoba (Argentina), entre outras. No total, haviam entre 26 a 27

universidades na América até o ano de 1882, sendo que, no Brasil, ainda não se permitia a

existência de universidades (CUNHA, 2007a).

Page 23: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

22

Nitidamente, haviam diferentes interesses, principalmente ideológicos, entre os

colonizadores espanhóis e os portugueses. A coroa portuguesa não queria incentivar a criação

do ensino e das ciências na colônia. O pouco que se fazia era destinar bolsas de estudo para

brasileiros irem estudar em Portugal, no caso, em Coimbra, sustentando, dessa forma, a

dependência da colônia (HOLANDA; CAMPOS, 1968 apud CUNHA, 2007a).

Também podemos observar as diferenças existentes na forma e na oferta de

ensino superior no próprio Império: enquanto a Espanha possuía, no século XVI, oito

universidades, com um total de seis mil alunos, Portugal, apenas uma universidade. Portanto,

havia na Espanha mais profissionais formados dispostos a vir para as Colônias, trabalhar nas

recém-criadas universidades, fato não verificado em Portugal.

A falta de universidades no Brasil não representa ausência de formas de ensino

superior no século XVI: enquanto nas colônias espanholas houve a criação de universidades

propriamente ditas, na colônia portuguesa o ensino superior foi realizado nas escolas jesuítas,

principalmente na Bahia, Rio de Janeiro, São Paulo, Olinda, Maranhão e Pará (CUNHA,

2007a).

Trazemos, nesta primeira parte do trabalho, uma contextualização histórica do

processo educacional do ensino superior realizado no Brasil, com enfoque nas formas de

ingresso para tal nível de ensino, e de que modo têm evoluído com o passar do tempo, de

acordo com os interesses sociais e políticos de cada período histórico. Para isso, o estudo foi

realizado de acordo com os períodos históricos vivenciados no Brasil, dividindo-se em sete:

dos Jesuítas à Reforma Pombalina (1572 – 1759); Período Imperial (1808 – 1889); Primeira

República (1889 – 1930); Era Vargas (1930 – 1945); República Populista (1945 – 1964);

Ditadura Militar (1964 – 1985); e Nova República (1985 - 2012).

Por fim, traremos uma abordagem no último tópico sobre o sistema ENEM/SiSU,

processo seletivo e de ingresso implantado desde o ano de 2010 e em vigor até o presente

momento.

1.1 Dos jesuítas à Reforma Pombalina (1572 – 1759)

A primeira iniciativa de criação de um curso de ensino superior no Brasil Colônia

foi datada de 1572, com a criação dos cursos de artes e teologia no colégio dos jesuítas da

Bahia (CUNHA, 2007a).

Corroborando com esse cenário temos as missões religiosas que aqui vieram

doutrinar empregando uma visão ideológica que legitimava a exploração colonial “para a

Page 24: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

23

aceitação da dominação metropolitana através do reconhecimento da figura do rei de

Portugal.” (CUNHA, 2007a, p. 25). Destaca-se a figura da Companhia de Jesus, representada

pelos jesuítas, que chegaram ao Brasil em 1549, cuja atividade educacional principal era a

catequese dos indígenas. Cabia também aos jesuítas:

[...] cumprir tripla função: de um lado, formar padres para a atividade missionária;

de outro, formar quadros para o aparelho repressivo (oficiais da Justiça, da Fazenda

e da Administração); de outro, ainda, ilustrar as classes dominantes no local, fossem

filhos de proprietários de terra e de minas, fossem os filhos dos mercadores

metropolitanos aqui residentes. (CUNHA, 2007a, p. 25).

Mesmo tendo a missão de catequizar e evangelizar, os jesuítas foram além,

criando instituições escolares, com normatização sistemática, o chamada Ratio Studiorum,

com currículo definido para os estudos escolares, que se dividia em dois graus:

primeiramente, o studia inferiora, que se assemelha a Educação Básica, e, posteriormente, o

studia superiora, que se assemelha a Educação Superior.

De acordo com Cunha (2007a), o método studia superiora apresentava quatro

graus de ensino:

O curso elementar: com duração provável de um ano, em que se aprendia a ler,

escrever e contar, assim como se ensinava a doutrina religiosa católica;

O curso de humanidades: com duração de dois anos, em que se ensinava a

gramática, a retórica e as humanidades, todos realizados em latim. Também era ensinado o

tupi-guarani, em vez de grego e hebraico, com vista à formação de estudantes que

ingressassem na vida religiosa, tornando-se missionários para a catequização dos indígenas;

O curso de artes, também chamado de ciências naturais ou filosofia: com

duração de três anos, eram ensinadas a lógica, a física, a matemática, a ética e a metafísica,

conferindo, ao final do curso, o grau de bacharel e de licenciado. O curso de artes era pré-

requisito para o ingresso aos cursos profissionais da Universidade de Coimbra (medicina,

cânone e direito);

O curso de teologia: com duração de quatro anos, conferia o grau de doutor,

seu currículo era basicamente proposto em duas disciplinas, sendo a primeira da “teologia

moral” que se “tratava de questões éticas relativas às práticas cotidianas”, e a segunda era a

“teologia especulativa” que consistia no estudo do dogma católico (CUNHA, 2007a).

O primeiro colégio jesuíta no Brasil foi fundado na Bahia, em 1550, período em

que esse estado era sede do governo-geral. O curso de humanidades teve início três anos após,

em 1553, e os cursos de artes e teologia tiveram início apenas em 1572 (CUNHA, 2007a).

Page 25: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

24

Os referidos cursos eram oferecidos em colégios para alunos externos e em

seminários em regime de internato. Tanto para alunos externos, como para alunos em regime

de internato não havia a finalidade exclusiva de preparação dos alunos para o sacerdócio,

sendo o ingresso dos estudantes aberto a todos os interessados. No total, os jesuítas criaram 17

colégios no Brasil Colônia, e todos ofereciam o curso elementar. Não há como precisar

quantos ofereciam o curso de humanidades; apenas oito ofereciam os cursos de Arte e/ou

Teologia (CUNHA, 2007a).

Leite (1938) quantifica o número de estudantes no Colégio Jesuíta da Bahia em

1589 em 120 estudantes no curso elementar, 57 no curso de humanidades, 24 no curso de

artes e 15 no curso de teologia. Interessante notar que, entre esses estudantes, havia os que

eram considerados estudantes “de casa”, que se preparavam para o exercício do sacerdócio, e

os estudantes “externos”, que não tinham essa pretensão, podendo, inclusive, ser de outras

ordens religiosas. Portanto, o ingresso ao ensino era realizado ainda no curso elementar,

destinado exclusivamente aos filhos dos colonos de posses e coronéis, podendo esses

continuarem seus estudos até chegarem aos cursos de arte e, posteriormente, de teologia. Já

aos indígenas e aos filhos da sociedade menos favorecida economicamente era oferecido

apenas o ensino da leitura e escrita, assim como dos princípios religiosos católicos, como

forma de catequização.

Nesse período colonial, não havia na sociedade um interesse maior pela formação

educacional, o que pode ser explicado pela forma de colonização do Brasil pelos portugueses,

a população na colônia brasileira era pouco numerosa e constituída de pessoas, em sua grande

maioria, sem formação superior, não havendo necessidade de um sistema de seleção para o

ingresso em quaisquer níveis de ensino, uma vez que a oferta de vagas no sistema educacional

conseguia suprir a demanda.

No ano de 1759, os jesuítas foram expulsos do reino português por meio do

Alvará de 28 de junho, de autoria do Marquês de Pombal, tendo todos os seus bens

confiscados, a grande maioria leiloada para pessoas físicas que passaram a explorar as

propriedades comercialmente. As instituições escolares foram fechadas ou passaram a

administração de outras ordens religiosas, a exemplo do colégio de Olinda, que passou a ser

dirigido pela ordem dos franciscanos. O colégio do Rio de Janeiro foi transformado em

hospital militar, onde futuramente seria implantada a Faculdade de Medicina pelo príncipe

regente. E o colégio da Bahia teve destino idêntico ao colégio do Rio de Janeiro, transformado

em hospital militar, e depois oferecendo “aula” de cirurgia (FÁVERO, 2006).

Page 26: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

25

Com a expulsão dos jesuítas, o sistema educacional passou para a administração

civil. Suas principais medidas foram:

1. Criação da Diretoria Geral de Estudos, direta e exclusivamente subordinada ao

rei, encarregada de gerir todos os assuntos ligados ao ensino [...].

2. Controle da atividade da formação dos professores através da proibição do ensino,

mesmo particular, por pessoas que não tiveram sido aprovadas em exames de

habilitação e idoneidade comprovada pela Diretoria Geral de Estudos e seus

delegados.

3. Controle do conteúdo do ensino pela criação da Real Mesa Censória, absorvendo

a censura de livros [...].

4. Criação das aulas régias, compreendendo tanto aulas de ler e escrever quanto as

de humanidade, mantidas pelo Estado através de um subsídio literário, imposto

cobrado sobre o consumo de carne e a produção de aguardente. (CUNHA, 2007a,

p.77).

Podemos observar que, em Portugal, o interesse naquele momento era destinado

aos “estudos menores”, sendo por meio dele que acontece a secularização do ensino público.

No Brasil, a secularização do ensino é apresentada tardiamente em comparação com o

Império. Havia poucas aulas régias com reduzido número de alunos e professores, que, por

sinal, recebiam baixos salários, além dos colégios religiosos ainda existentes serem de melhor

qualidade de ensino3.

Entretanto, efetivamente, até o momento da expulsão dos jesuítas, não havia

qualquer plano de reestruturação ou reforma educacional que seria implantada após a retirada

desses.

Em 1759, com a expulsão dos jesuítas, o que sofreu o Brasil não foi uma reforma de

ensino, mas a destruição pura e simples de todo o sistema colonial do ensino

jesuítico. Não foi um sistema ou tipo pedagógico que se transformou ou substituiu

por um outro, mas uma organização escolar que se extinguiu sem que essa

destruição fosse acompanhada de medidas imediatas, bastante eficazes para lhe

atenuar os efeitos ou reduzir a sua extensão. Quando o decreto do Marquês de

Pombal dispensou os padres da Companhia, expulsando-os da Colônia e

confiscando-lhes os bens, fecharam-se de um momento para outro todos os seus

colégios, de que não ficaram senão os edifícios, e se desconjuntou, desmoronando-se

completamente, o aparelhamento da educação, montado e dirigido pelos jesuítas no

território brasileiro. (AZEVEDO, 1971 apud CUNHA, 2007a, p. 52).

Podemos observar, pelo relato de Azevedo (1971), que, com a expulsão dos

jesuítas, o Brasil Colônia ficou desprovido de qualquer formato educacional, pois não havia

quem oferecesse um sistema educacional como o dos jesuítas. No total, foram fechadas 25

residências, 36 missões e 17 colégios e seminários maiores, sem contar os seminários menores

onde se ensinava apenas a ler e a escrever.

3 Colégios de outras ordens religiosas que não a jesuíta.

Page 27: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

26

Após, foram criadas aulas régias no Rio de Janeiro e em Olinda, constituídas em

aulas de Grego, Hebraico, Filosofia, Teologia, Retórica e Poética, Desenho e Figura,

Aritmética, Geometria, Francês, sendo que eram “aulas independentes, diversas e

desordenadas, em locais distintos e com professores mal preparados.” (OLIVEIRA, 1994, p.

90). É possível cogitar uma deterioração do sistema educacional nesse momento, não havendo

ainda um sistema de seleção para o ingresso de estudantes, uma vez que a educação oferecida

era de baixa qualidade, e os interessados em cursar o ensino superior migravam para a Coroa

portuguesa.

[...] A educação que era dada quase que exclusivamente em escolas confessionais, os

colégios de padres, passou a ser ministrada nas aulas e escolas régias por mestres

nomeados, de acordo com os bispos pelos padres – mestre e capelães de engenho,

que se tornaram, depois da saída dos jesuítas, os principais responsáveis pela

educação dos meninos brasileiros. Os mestres leigos dessas aulas e escolas, que não

chegaram a assimilar o espírito da reforma pombalina, mostravam, pelo geral,

segundo testemunhos da época, não só uma espessa ignorância das matérias que

ensinavam, mas uma absoluta ausência de senso pedagógico. Embora menos rígida e

disciplinadora que a dos jesuítas, de cujas tradições de ensino foram como que os

depositários, a atividade pedagógica dos padres e capelães de engenho, orientada

pelos mesmos objetivos, desempenhou um papel importante na conservação da

cultura brasileira no sentido nacional. (AZEVEDO, 1971 apud CUNHA, 2007a, p.

53).

Um dos primeiros cursos foi criado pelos frades franciscanos no Convento de

Santo Antônio do Rio de Janeiro, em 1776, seguindo a Reforma Universitária implantada por

Pombal na Universidade de Coimbra. Nessa instituição, havia o oferecimento de dois cursos

superiores, o de Filosofia e o de Teologia, sendo novamente o curso de Filosofia requisito

prévio para o ingresso no curso de Teologia. Esses cursos eram destinados principalmente à

preparação do profissional do sacerdócio, embora também frequentado por leigos que

buscavam ilustrar-se. O curso superior, no caso primeiramente de Filosofia, só tinha início

quando se formasse uma turma de pelo menos 12 estudantes aprovados nos “estudos

menores4”. Tanto o curso de Filosofia, como o de Teologia, tinha a duração de três anos cada,

e ao final de cada ano era realizado um exame por uma banca examinadora, que avaliava a

aptidão ou não do estudante (CUNHA, 2007a).

Mesmo com as aulas régias, o desenvolvimento educacional em Olinda veio por

meio de José Joaquim da Cunha de Azevedo Coutinho, bispo de Olinda entre 1779 a 1802.

Azevedo Coutinho estudou na Universidade de Coimbra, donde se filiou às ideias

pedagógicas progressistas da época. Em 1798, elaborou o Estatuto do Seminário Episcopal

4 Alunos que comprovassem saber ler e escrever, podendo te cursado, ou não, os cursos de elementar e de

humanidades.

Page 28: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

27

Nossa Senhora da Graça de Olinda, deixando claro que os destinatários do Seminário

deveriam ser as crianças pobres ou órfãs da Diocese de Pernambuco, embora se admitissem

também filhos da burguesia que contribuíam financeiramente com o Seminário:

[...] que o sujeito que houver de ser admitido a colegial do número deve ser natural

do bispado, podre, órfão, ou filho de pais pobres, que não tenham possibilidade para

o sustentar nos estudos; e que seja havido de legítimo matrimônio, sem nota ou

infâmia de geração dos reprovados em Direito; e que ao menos tenha 12 anos de

idade. Que saiba ler e escrever suficientemente; que seja de empenho vivo e bom

procedimento, e que não seja achacado, doente, ou contaminado de mal contagioso.

(ESTATUTO DO SEMINÁRIO EPISCOPAL NOSSA SENHORA DA GRAÇA

DE OLINDA, 1798, p. 109).

Para o ingresso nesse seminário, a idade mínima era 12 anos, permitida para o

ingresso em qualquer curso oferecido, com exceção do curso de teologia, cuja idade mínima

para ingresso era 18 anos.

Nesse seminário, não havia o curso de “primeiras letras”, embora houvesse um

professor cuja função era a de completar o ensino insuficiente que algum estudante tivesse

anteriormente. Os estudos no Seminário começavam pelo curso de Gramática com três anos

de duração, em seguida vinha o curso de Retórica (a arte do bem falar) com um ano de

duração. Finda essa etapa, iniciava-se o curso de Filosofia com dois anos de duração, e o

curso de Geometria com um ano de duração, embora não se saiba se o curso de Geometria

fosse posterior ou concomitante ao de Filosofia. Por fim, o último curso era o de Teologia,

com duração de três anos, e os estudantes teriam que ter mais de 18 anos de idade para o

ingresso. Era realizada no final de cada ano letivo a avaliação dos estudantes, consistindo na

defesa oral, perante uma banca de professores, sobre um tema sorteado com 24 horas de

antecedência.

Ressaltamos que tanto os cursos do Rio de Janeiro como os de Olinda já

evidenciavam a reforma educacional proposta pelo Iluminismo, em que o estatuto dos

franciscanos, próximo da reforma universitária de Coimbra, combatia veementemente a

escolástica5, e os estatutos de Azevedo Coutinho, “redigidos após a Revolução Francesa, não

escondiam a preocupação da defesa da monarquia e da religião católica.” (CUNHA, 2007a, p.

61).

5 Escolástica foi o método de pensamento crítico dominante no ensino nas universidades medievais europeias de

cerca de 1100 a 1500. Nasceu nas escolas monásticas cristãs, de modo a conciliar a fé cristã com um sistema de

pensamento racional, especialmente o da filosofia grega. Colocava uma forte ênfase na dialética para ampliar o

conhecimento por inferência, e resolver contradições. A obra-prima de Tomás de Aquino, Summa Theologica, é

frequentemente vista como exemplo maior da escolástica (SANTANA, 2008).

Page 29: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

28

1.2 Período Imperial (1808 – 1889)

O período imperial é caracterizado pela vinda da família real para o Brasil, em

1808, fugindo da perseguição das tropas napoleônicas, que se expandiam por todo o

continente europeu. A vinda da Coroa Portuguesa culminou com a transferência do império

português para a colônia brasileira, e, consequentemente, houve profundas transformações

sociais, econômicas, políticas e educacionais.

Com a vinda da família real para o Brasil, o sistema educacional foi mais bem

estruturado, tendo o ensino superior a função de formar o quadro de funcionário necessários

para o Estado. As elites reconheciam a importância da educação para o desenvolvimento do

País, e o ensino superior recebeu maior apoio do império em relação aos níveis de ensino.

Vale destacar que houve uma ampliação no nível educacional, principalmente, nos

cursos superiores, com a criação de vários cursos6, conforme a necessidade da sociedade, que

se configurava por nobres vindos de Portugal com a Família Real. Além disso, destaca-se a

vinda de estudantes formados nas Escolas Politécnicas de Paris, impregnados com a nova

doutrina positivista7 de Augusto Comte, que acabou contagiando médicos, engenheiros,

oficiais do exército, professores secundaristas, entre outros profissionais.

No Período Imperial, foram criadas as escolas superiores laicas, desvinculadas da

Igreja Católica; contudo, o ensino secundário ainda era oferecido por alguns seminários

episcopais, ou em várias aulas régias criadas após a reforma pombalina, sem apresentarem

uma estrutura curricular estabelecida e seriada.

Surgiu nesse momento a necessidade de selecionar os estudantes interessados em

ingressar no ensino superior. Não que essa seleção fosse em decorrência do número de

interessados, mas sim para comprovar se os estudantes ingressantes tinham realmente

condições para cursar o ensino superior. Foram criadas nesse momento as “aulas de

preparatório” e os “exames preparatórios”.

Como a clientela era restrita não havia o problema da disputa de vagas, ou seja,

todos os aprovados nos “exames preparatórios” tinham suas vagas asseguradas nas

6 Podemos citar a criação dos cursos de medicina, cirurgia, matemática, cursos militares (Academia Militar e

Academia da Marinha), agronomia, química, desenho técnico, economia política, arquitetura, história, música,

além da permanência dos cursos de Filosofia e Teologia (CUNHA, 2007a). 7 Positivismo é uma doutrina filosófica, sociológica e política. Surgiu como desenvolvimento sociológico do

Iluminismo, das crises social e moral do fim da Idade Média e do nascimento da sociedade industrial - processos

que tiveram como grande marco a Revolução Francesa (1789-1799). Em linhas gerais, ele propõe à existência

humana valores completamente humanos, afastando radicalmente a teologia e a metafísica (embora

incorporando-as em uma filosofia da história). Assim, o Positivismo associa uma interpretação das ciências e

uma classificação do conhecimento a uma ética humana radical (COMTE, 1989).

Page 30: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

29

escolas que fizeram os exames. Os não aprovados, se quisessem, poderiam

matricular-se nas “aulas preparatórias” (que não eram obrigatórias) e repetirem os

“exames preparatórios.” [...] Cada escola fixava as matérias e demais critérios de

acordo com o curso que seriam feitos os “exames preparatórios”. (OLIVEIRA,

1994, p. 91).

Portanto, as “aulas de preparatórios” serviam para preparar o estudante aos cursos

pretendidos, e o “exame preparatório” servia como critério de seleção para o ingresso ao

ensino superior. De acordo com o estatuto das escolas superiores dos cursos jurídicos,

anexadas à lei de 11 de agosto de 1827, havia duas condições para o ingresso do estudante ao

ensino superior: ter a idade mínima de 15 anos e ter aprovação nos “exames preparatórios”,

que eram constituídos de provas de língua latina e francesa, retórica, filosofia racional e

moral, aritmética e geometria.

Até esse momento, não havia menção a critérios como número de vagas,

estipulados pelas instituições de ensino superior, deduzindo-se que o número de ingressantes

não era expressivo e que as instituições conseguiam abarcar todos os interessados. O único

registro sobre número de vaga pode ser observado no curso de engenharia de Minas, em 1875,

que registrava 10 vagas para ingresso por ano.

Mesmo com a revolução educacional, os cursos superiores continuavam a ser

ministrados isoladamente, em instituições próprias, não havendo a compilação em uma

universidade.

A monarquia no território brasileiro compreende de 1808 até 1820, quando a

Revolução Constitucionalista do Porto exigiu a volta de João VI a Portugal. Nesse período, o

Brasil passou de Colônia a Reino Unido. Mesmo com a volta de D. João VI, seu filho Pedro

permaneceu no Brasil, juntamente com todo aparato administrativo trazido de Portugal, e, em

1822, toma para si a coroa, proclamando a independência do Brasil.

O sistema educacional também sofreu alterações nesse período, formando-se

núcleos de ensino superior donde germinaram instituições que existem até os dias atuais. O

ensino superior permaneceu praticamente o mesmo em todo o Império, com a criação da

Escola Politécnica, em 1874, no Rio de Janeiro, e a da Escola de Minas de Ouro Preto, em

1875.

As referidas transformações do sistema educacional se apresentavam

principalmente com base na mudança da ideologia trazida pela Corte portuguesa, segundo as

novas orientações existentes na metrópole. Em Portugal, até a época de Pombal, e no Brasil,

até a vinda da Corte, o ensino público era basicamente estatal e religioso, sendo as ordens

religiosas que desenvolviam os conteúdos ministrados, inclusive a formação de professores.

Page 31: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

30

Com a Reforma Pombalina, a Igreja Católica começa a perder algumas de suas atribuições,

entre elas, a gestão escolar, que passa a ser gerida por um corpo de funcionários do Estado de

padrões burocráticos. Assim, podemos perceber que o Estado começa a ganhar poderes em

relação à igreja, como cita Cunha (2007a, p.74):

[...] transferência ao Estado português, em formação, de uma série de poderes que a

Igreja considerava inalienavelmente seus. Os mais importantes foram os seguinte:

cobrança de dízimo; formação e suprimento de sacerdotes; nomeação de bispo.

Além desses, a Igreja reconheceu o poder do rei de censurar os documentos

eclesiásticos, até mesmo as bulas papais e a legitimidade do Estado como instância

jurídica superior no julgamento dos sacerdotes, cabendo-lhes o direito de recurso à

coroa nas questões puramente religiosas.

Portanto, cabia ao Estado o recolhimento dos dízimos e impostos, e, assim,

encarregavam-se da manutenção das igrejas, mosteiros, colégios e dos próprios religiosos.

Esse mecanismo de controle financeiro ficou conhecido como “padroado”.

Várias organizações religiosas poderiam desenvolver um sistema educacional;

mas isso não foi feito, e o principal motivo era justamente pela mudança das:

[...] concepções filosóficas e pedagógicas em que se inspiravam os educadores

progressistas portugueses que estavam intimamente ligadas às doutrinas políticas da

burguesia nascente que viam na defesa da secularização do ensino, na França, um

instrumento importante de combate dos remanescentes feudais que tinham na Igreja

Católica forte bases materiais e ideológicas. (CUNHA, 2007a, p.76).

Abarcando o ensino público, o Estado estaria aumentando sua própria força

administrativa, assim como atendendo aos interesses da classe burguesa industrial e mercantil.

A primeira iniciativa de criação de um sistema público aconteceu ainda em 1758

no Período Colonial, um ano antes da expulsão dos jesuítas, em que o império português

determinou a administração civil em substituição aos jesuítas, dos aldeamentos indígenas no

Pará e Maranhão, com a criação de duas “cadeiras” de primeira letra em lugar das escolas

jesuítas.

Houve a criação de escolas superiores estatais secularizadas, “marcando

devidamente o desenvolvimento posterior do sistema de ensino, já então controlado pelo

Estado Nacional, independente.” (CUNHA, 2007a, p.78). Nessa direção, as escolas religiosas

e as escolas abertas por pessoas individuais transformaram-se em instituições de ensino

particular.

Neste momento, deixou de haver a figura de religiosos no controle do serviço

educacional e o Estado passou a ser o fornecedor desse. Assim, uma das primeiras políticas

Page 32: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

31

educacionais do Estado deu-se por meio do ato adicional de 1834, que dividiu o setor estatal

de ensino em duas esferas, uma nacional, que abrangia o ensino primário e secundário na

Corte e o superior de todo país; a outra abrangia o ensino primário e secundário nas

províncias.

Não podemos nos esquecer da criação das instituições de ensino privado, pois, no

final do período colonial e no início do império, o ensino era livre, geralmente realizado por

ordens religiosas e/ou pessoas privadas. Nesse período da história, ainda não havia um órgão

regulador e fiscalizador das instituições de ensino estatais e privadas. Por isso, foi defendida a

criação de uma Universidade que controlasse todo o sistema educacional. Mas o que

prevaleceu foi a criação de um órgão burocrático que cumprisse essa função. O primeiro

órgão desse tipo foi criado em 1849, na Província do Rio de Janeiro, e, a partir dessa data,

foram criados outros em outras províncias.

A liberdade educacional começou a ganhar destaque no cenário nacional

principalmente a partir de 1870, quando maçons, liberais, conservadores e positivistas

passaram a defender a liberdade no ensino superior, contrários aos princípios do Estado, que

tinha no ensino a garantia de que sua doutrina seria hegemônica. A Igreja Católica também

passou a discutir a questão, defendendo a liberdade de ensino, juntamente com seus antigos

desafetos, os maçons e os positivistas. Esse impasse culminou, em 1874, com a chamada

“questão religiosa”, marcada por conflitos entre a burocracia do Estado e a Igreja.

Após três anos de conflitos, em 1877, a Comissão de Instrução Pública da

Assembleia Geral promulgou a abertura de cursos e estabelecimentos livres de ensino

superior, que deveriam se organizar com um patrimônio que as dispensasse da dependência

das verbas governamentais, assim como deveriam expedir seus próprios diplomas com valor

semelhante ao das escolas superiores do Estado.

Concretamente, as instituições com ensino liberal só passaram a ser criadas após

1879, com a promulgação do decreto n°7.247, do então ministro do Império, Carlos Leôncio

de Carvalho, que instituiu a liberdade de ensino primário e secundário no município da corte e

a do ensino superior em todo o país.

Pelo decreto, as escolas superiores particulares que viessem a ser criadas poderiam

conceder diplomas com privilégios iguais aos expedidos pelas escolas estatais

mediante o seu reconhecimento pelo Governo. Instituía, também, a frequência

livre nos cursos superiores. (CUNHA, 2007a, p.85).

Vale ressaltar que, nesse período, havia resistência para abertura do setor privado.

Muitos acreditavam que este diminuiria o controle do Estado e, consequentemente, degradaria

Page 33: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

32

a qualidade do ensino. Mas a real razão para tal resistência estava na defesa do monopólio de

concessão de diplomas juridicamente válidos, pois, com o aumento do número de

profissionais qualificados, principalmente para os cargos públicos, haveria perda do valor

intrínseco do diploma.

Dentre os primeiros cursos criados registravam-se os de medicina, odontologia,

farmácia e obstetrícia, em 1813, cujos requisitos para ingresso constituía conclusão do ensino

secundário e aprovação nos “exames preparatórios”. Em 1832, com a elevação dessas escolas

superiores para o nível de faculdade, os currículos foram reformados, bem como aumentadas

as exigências de tais exames (CUNHA, 2007a).

Outra forma de ingresso ao ensino superior se deu a partir de 1837, com a criação

do Colégio Pedro II. Esse Colégio foi criado para o ensino secundário, e era administrado

diretamente pelo poder central, no caso o Império, que considerava o ensino oferecido no

colégio suficiente para o ingresso no ensino superior. Portanto, os estudantes egressos do

Colégio Pedro II tinham livre acesso a qualquer curso do ensino superior do Império, sem ter

necessidade de realizar os “exames preparatórios”.

Esses exames sofreram várias transformações com o passar o tempo; até 1850,

eles eram realizados pelas próprias IES, tendo validade apenas no ano e na instituição onde o

estudante realizasse o exame. Após 1854, a aprovação já tinha validade por dois anos; no ano

de 1864 a aprovação tinha validade por quatro anos; e, a partir de 1877, a aprovação nos

“exames preparatórios” ganhou caráter permanente, podendo o aluno fazer as provas das

matérias que pretendesse, sendo possível, inclusive, parcelar a sua realização de acordo com a

matéria mais conveniente. Podia, ainda, realizar a prova de uma matéria num ano, de outra

matéria no próximo ano, e assim sucessivamente, até conseguir a aprovação em todas as

matérias solicitadas para o curso pretendido.

Tais transformações demonstram nitidamente uma tendência em facilitar o

ingresso ao ensino superior, até mesmo em razão da pressão exercida pelos estudantes de

outras instituições escolares que não os do Colégio Pedro II. Com isso, observamos que os

“exames preparatórios” não conseguiam mais selecionar os estudantes realmente aptos a

cursar o ensino superior, principalmente devido à flexibilidade de alternativas que o exame

passou a oferecer.

Contribuindo para agravar esse quadro frequentes atos da Assembleia Geral

concedendo matrícula especial a certos alunos, em certas escolas superiores, sem

que tivessem realizado todos os exames preparatórios. Além disso, a possibilidade

de se prestarem exames em faculdade que não as do curso de destino permitia que se

buscassem certificados das matérias onde a exigência era menor, como, por

Page 34: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

33

exemplo, Matemática numa faculdade de Direito, ou Francês na Academia da

Marinha. (CUNHA, 2007a, p. 115 - 116).

Outro fato que acabou acontecendo devido à facilitação dos “exames

preparatórios” refere-se à aprovação de candidatos sem a conclusão do ensino secundário:

como não era exigida a conclusão desse nível de ensino, os estudantes abandonavam a escola

secundarista, ou, muitas vezes, nem chegavam a iniciar, e ingressavam diretamente no ensino

superior.

Para enfrentar a situação, Rui Barbosa propôs, já no final do período Imperial, em

1889, a substituição dos “exames preparatórios” pelos “exames de madureza”, que seriam

realizados nas próprias escolas secundaristas para os alunos concluintes dessa modalidade de

ensino, e a aplicação da prova seria supervisionada por representantes do ensino superior.

Dessa forma, os “exames de madureza” garantiriam a organização do ensino, principalmente

o secundário, e também dariam maior autonomia às escolas particulares.

Como relata Cunha (2007a), tal medida visava em primeiro lugar à manutenção da

ordem sobre o ensino superior para as classes dominantes. Além disso, visava-se à

reconstrução do ensino superior por meio do ingresso de alunos realmente considerados

capacitados para frequentá-lo.

A maioria dos cursos criados e implantados durante o Período Imperial utilizavam

como mecanismo de ingresso os “exames preparatórios”. Os cursos que apresentavam

características distintas foram os de engenharia, mais especificamente o curso superior de

Minas, com oferta de apenas 10 vagas ao ano, para as quais os ingressantes deveriam ter o

curso geral de engenharia com notas elevadas e ter sido aprovados em exame eliminatório

sobre conhecimentos específicos de engenharia. O outro curso refere-se à Academia de Belas-

Artes, para o qual os ingressantes não necessitavam realizar os “exames preparatórios”,

apenas era exigido dos candidatos que soubessem ler, escrever e contar, conforme o estatuto

de 1855. A razão deve-se a que o ensino na Academia de Belas-Artes não garantia “aos

formandos o privilégio de ocuparem cargos na burocracia do Estado e nem de exercer

profissões liberais controladas por entidades corporativas.” (CUNHA, 2007a, p. 106).

Observamos também que o ensino superior desenvolvido no Brasil no período

Imperial, a partir de 1808, teve influência da cultura e ideologia francesas. Pode-se

exemplificar tal fato, primeiramente, pela não abertura de universidade, criando dessa forma

faculdades, academias, escolas e cursos isolados, que tinham os seus currículos embasados em

modelos franceses, inclusive com a utilização dos mesmos livros, o que levava,

principalmente nos cursos de Direito, a se dar importância ao conhecimento da língua

Page 35: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

34

francesa. Também podemos citar a criação da Escola de Minas de Ouro Preto, projetada pelo

Frances Claude Henri Gorceix nos moldes da Escola de Minas de Saint-Etienne, além da

Escola de Ouro Preto ter contato direto com Museus e com a Academia de Ciências de Paris.

Portanto, podemos observar que o Império Português tinha na Inglaterra um polo político e

econômico e, com a França, uma ligação cultural.

1.3 Primeira República (1889 – 1930)

A Primeira República, também conhecida como República Velha ou República

Oligárquica, compreendeu o período de 1889, com a Proclamação da República, até 1930,

quando começou a Era Vargas. As principais características desse período sofreram influência

positivista nas políticas educacionais, a reforma de Benjamin Constant em 1890 – 1891, e o

início da política educacional da era Vargas em 1930 – 1931.

Foi no período da Primeira República que surgiram as escolas superiores livres,

ditas como particulares, por não dependerem de verbas governamentais, tendo um

crescimento vertiginoso, principalmente por influência do positivismo e da necessidade de

suprimento da força de trabalho dotada de alta escolaridade, ocasionando, consequentemente,

uma facilitação de ingresso ao ensino superior, decorrente do aumento das vagas nessa

modalidade de ensino.

Na Primeira República, houve o surgimento da burguesia industrial com um

aumento das classes médias urbanas. Com isso, o ensino superior passou a ser procurado por

uma demanda maior de estudantes que viam em tal nível de ensino uma forma de ascensão

social.

Com o Estado sendo gerido por uma nova forma de organização burocrática,

houve necessidade de pessoal que assumisse as funções administrativas; por conseguinte,

cresceu o interesse na formação escolar e acadêmica, para cumprir as exigências de tais

funções:

[...] todo esse processo de ampliação e constituição da burocracia pública e privada

determinou o aumento da procura da educação escolar pela qual se processava a

formação profissional necessária ao desempenho das tarefas que lhe eram próprias.

Os latifundiários queriam filhos “doutores”, não só como meio de lhes dar a

formação desejável para o bom desempenho das atividades políticas e o aumento do

prestígio familiar, como, também, expediente para atenuar possíveis situações de

destituição. Os trabalhadores urbanos e os colonos, por sua vez, viam na

escolarização dos filhos um meio de aumentar as chances de estes ingressarem numa

ocupação burocrática. (CUNHA, 2007a, p. 147).

Page 36: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

35

Esse movimento de escolarização foi impulsionado e teve como protagonistas os

latifundiários que, com a crise no setor, imigravam para as cidades em busca de emprego no

comércio e na indústria, ingressando seus filhos nos estudos visando ao seu engajamento em

cargos burocráticos para alcançar ascensão social. Ressaltamos que houve um aumento do

número de cargos públicos após a modificação do aparelho do Estado para o Regime

Republicano, notadamente as atividades de “finanças, transportes, polícia e outras passaram a

ter repartições estaduais encarregadas de controlá-las ou exercê-las.” (CUNHA, 2007a,

p.148).

As ideias de universalização e democratização para o ensino8 surgiram nesse

período, embora pouco ou nenhum avanço se tenha configurado na realidade, principalmente

no que se refere à universalização.

O caminho da universalização e democratização da educação no Brasil, até o fim do

Estado Novo, se fará na medida em que o Estado toma a educação como instrumento

ideológico da disseminação da visão do mundo dominante, como mecanismo de

ampliação dos canais de ascensão das classes médias e como meio de formar a mão

de obra para a indústria. (OLIVEIRA, 1994, p. 88).

O principal destaque deu-se ao curso de direito, que, nessa época, mais se

caracterizava como um curso de cultura geral e garantia ao bacharel à alocação em qualquer

setor da burocracia estatal, pois a leitura e interpretação de portarias, avisos, proclamações

etc. era a principal atuação dos cargos da burocracia civil, garantindo o título de “doutores”

aos graduados com status muito especial por toda sociedade brasileira.

No cenário da educação superior, temos nesse período histórico uma facilitação

do acesso9 a esse nível de ensino, resultado das mudanças de admissão e da multiplicação das

faculdades, que foram determinados por dois fatores:

Um fator foi o aumento da procura de ensino superior produzido, por sua vez, pelas

transformações econômicas e institucionais [...]. Outro fator, este ideológico, foi a

luta de liberais e de positivistas pelo “ensino livre” e destes últimos contra os

privilégios ocupacionais conferidos pelos diplomas escolares. (CUNHA, 2007a, p.

151).

Destacamos a atuação de Benjamin Constant como ministro da Instrução Pública,

Correios e Telégrafos (1890 – 1891), e a influência positivista que predominou tanto com a

8 Nesse momento tais concepções eram destinadas apenas para os primeiros graus de ensino.

9 O termo acesso, segundo estudos realizados, faz parte de uma tríade de situações (ingresso, permanência e

qualidade da formação) (SILVA e VELOSO, 2010). Portanto, o que Cunha relata como acesso, a rigor,

corresponde ao ingresso.

Page 37: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

36

atuação de Constant no Ministério, como pela organização da Assembleia Constituinte

composta por militares, em que se redigiu a primeira Constituição da República em 1981.

O artigo 72 da Constituição, o que trata da declaração de direitos, determinava ser

laico o ensino ministrado nas escolas estatais. O artigo 34 dizia ser de competência

exclusiva do Congresso Nacional legislar sobre o ensino superior na capital federal.

O Congresso Nacional poderia criar, mas não privativamente, instituições de ensino

superior nos estados. Assim, fora da capital do país, tanto o Congresso Nacional

quanto as assembleias legislativas estaduais poderiam criar escolas superiores.

(CUNHA, 2007a, p.152).

Portanto, a Constituição tentou conciliar projeto liberais de secularização e

descentralização com a proposta positivista de desligamento do exercício das profissões e dos

privilégios concedidos pelos diplomas escolares, abolindo, dessa forma, o privilégio dos

diplomados no exercício da ocupação, principalmente nos cargos públicos, defendendo que os

diplomas escolares não atestavam o mérito dos profissionais, embora tal ideologia se

contrapusesse aos interesses de médicos, engenheiros e advogados, que detinham o

monopólio profissional garantido pelos diplomas escolares.

Mesmo com a facilitação do ingresso ao ensino superior proporcionada pelos

“exames preparatórios”, a maior demanda dos ingressantes continuava sendo dos estudantes

egressos do Colégio Pedro II.

Uma das primeiras medidas adotadas por Benjamin Constant foi o decreto 981 de

08 de novembro de 1890. Nele, o ministro redefinia o currículo do Colégio Pedro II, e os

alunos concluintes seriam submetidos a um “exame de madureza”; se aprovados, poderiam

ingressar em qualquer escola superior do país. Esse privilégio foi concedido a todos os

colégios organizados pelos governos estaduais, “desde que adotassem currículos semelhantes

ao do Colégio Pedro II.” (CUNHA, 2007a, p.155). Assim, os estudantes das escolas

particulares ficavam condicionados à realização dos “exames de madureza” nas escolas

oficiais, ou à realização dos “exames preparatórios” nas escolas superiores, sendo que o

“exame preparatório” deveria ser abolido quando implantada a nova estrutura curricular no

ensino secundário nas escolas particulares, havendo apenas o “exame de madureza”, como

forma de ingresso, para todas as instituições de ensino. Segundo Oliveira (1994, p. 95), “As

escolas e faculdades se multiplicaram ao mesmo tempo em que ocorreram mudanças no

processo de seleção. Essas mudanças, no entanto, apenas aperfeiçoam o caráter

seletivo/discriminatório da seleção.”.

Alguns estabelecimentos particulares passam a ter o privilégio de realizar os

“exames de madureza”. Pela configuração que assumiu, esse exame passou a ser mal

Page 38: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

37

interpretado. Sua função era atestar a qualificação do estudante que estava saindo do ensino

secundário, mas, em vez disso, era interpretado como um exame de ingresso ao ensino

superior, semelhante ao “exame preparatório”. Assim, os “exames de madureza” foram sendo

adiados, até serem extintos por completo em 1896.

Também é de autoria de Constant a legalidade das escolas superiores em conferir

diplomas reconhecidos, com o mesmo valor dos certificados expedidos pelas escolas federais,

por meio do decreto n° 1.232-G, que instituía o Conselho de Instrução Superior para inspeção

das faculdades livres, assim como para a criação de novos estabelecimentos de ensino, e do n°

1.232-H, que permitia a fundação de escolas de direito, desde que seus currículos incluíssem

as grades curriculares das faculdades federais, tendo assim diplomas expedidos com o mesmo

valor das tradicionais faculdades de São Paulo e Pernambuco.

Era comum estudantes que ainda não haviam concluído o ensino primário e

secundário, após aprovados nos exames preparatórios, abandonarem esse ensino para

ingressarem no superior.

É notório que, em razão da reforma promovida por Benjamim Constant, houve um

movimento de expansão quantitativa e qualitativa do ensino superior, que deixou de ser

subordinado aos setores estatais ou federais, e, em grande maioria, as escolas desse nível

começaram a ser criadas por pessoas ou entidades particulares. O reflexo de tal reforma pode

ter sido a criação de 27 escolas superiores do período de Constant (1891) à reforma de

Rivadávia Corrêa em 1911.

Portanto, as reformas educacionais propostas por Constant promoveram

facilitação do ingresso ao ensino superior, tanto pela multiplicação de escolas superiores

como pela diversidade de formatos de ingresso. O movimento de desoficialização do ensino

superior já vinha se conduzindo desde o período Imperial10

, e na República ganhou impulso

com a defesa da liberdade de ensino e da liberdade profissional, conduzida pelos liberais e

impulsionada pelos positivistas. Essa política gerou crítica em relação à qualidade do ensino

secundário e superior:

A reação contra esse quadro procurava mostrar o “desvio” do ensino secundário de

sua “função própria”, isto é, formativa, só por acréscimo ou por exceção

propedêutica. Seria necessário corrigir esse “desvio” impedindo que os estudantes,

impulsionados pelo bacharelismo, deixassem de se submeter ao ensino secundário

propriamente formativo e acabassem por se tornar advogados, médicos, engenheiros,

farmacêuticos, dentistas e outros profissionais diplomados mas não habilitados

científica, literária e tecnicamente. (CUNHA, 2007a, p. 161).

10

Decreto Leôncio de Carvalho, de 1879.

Page 39: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

38

Tanto os “Exames de Madureza” como a seriação do ensino secundário foram

tentativas para solucionar esse desvio, embora ambos não tivessem conseguido atingir seu

objetivo devido à pressão exercida pelos candidatos às escolas superiores.

Nesse momento, evidenciou-se a necessidade da criação de um mecanismo que

realmente selecionasse os candidatos aptos a cursar o ensino superior, de acordo com a

disponibilidade de vagas para esse nível de ensino. Surgiram, então, os “Exames

Vestibulares”, trazendo as mesmas características dos “Exames Preparatórios” (Período

Colonial), apenas alterando a designação.

O referido processo teve início em 1895, por intermédio do Deputado A. Gordo,

que propôs a extinção dos “Exames Preparatórios” e a seleção para o ingresso nas escolas

superiores, que seria realizada por uma junta de professores com competência para verificar a

capacidade dos candidatos. Tal projeto não foi aprovado até o ano de 1910, quando aconteceu

uma reforma geral dos ensinos secundário e superior proposta pelos deputados João

Simplício, Carlos Cavalcanti e Carlos Garcia, que apresentaram uma emenda à lei

orçamentária, estipulando a reforma do ensino secundário e superior mantidos pelo Governo

Federal.

[...] Aos estabelecimentos federais de ensino superior, a reforma deveria conceder

autonomia financeira, disciplinar, pedagógica e administrativa diante do governo; os

candidatos passariam a ser selecionados por exames de admissão. Aos

estabelecimentos secundários, além de conceder idêntica autonomia, a reforma

pretendia dar “ao seu ensino caráter prático, libertando-o da condição subalterna de

curso preparatório do ensino superior.”. (MARQUES JÚNIOR, 1967 apud CUNHA,

2007a, p. 162).

Assim, em 05 de abril de 1911, o então presidente da República, Marechal

Hermes da Fonseca, promulgou a Lei Orgânica do Ensino Fundamental e Superior da

República, Decreto n.º 8.659, redigida pelo ministro do interior, o deputado Rivadávia da

Cunha Correa, que determinava a desoficialização do ensino, abolia o ingresso direto do

Colégio Pedro II, ou de colégios equiparados, ao ensino superior, e criava os “exames de

admissão”, ou seja, exames de entrada ao ensino superior, realizados pelas próprias

instituições superiores de ensino.

A Lei Orgânica do Ensino apresentava-se com ênfase no melhoramento do ensino,

combatendo, dessa forma, a má qualidade do ensino secundário, que se preocupava apenas no

ingresso do estudante no ensino superior, e o mau funcionamento do ensino superior, que se

concentrava apenas em conceder títulos:

Page 40: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

39

[...] o título acadêmico transformou-se no sonho dourado de quase todas as famílias

brasileiras. Os resultados foram a avalanche de matrículas nos cursos superiores e as

imensas levas anuais de doutores e bacharéis. (MOACIR, 1941 – 1942 apud

CUNHA, 2007a, p. 165).

O Ministro do Interior, Rivadávia Corrêa, defendia a autonomia das escolas

superiores, assim como acreditava que os “Exames de Admissão” seriam a chave para o

melhoramento da qualidade do ensino secundário e superior.

[...] Nos debates em torno da lei orgânica, citava-se, em seu apoio, o fato de que o

primeiro exame de admissão à Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro tinha

reprovado 50% dos candidatos que, por serem portadores de certificados de

bacharéis em Letras, seriam automaticamente matriculados, não fossem os

dispositivos legais. (MOACIR, 1941 – 1942 apud CUNHA, 2007a, p. 165).

Fato concreto é que, durante a vigência da Lei Orgânica (1911 – 1915), houve um

aumento na oferta de cursos do ensino superior, num total de 9 escolas, 6 nas áreas de

Medicina, Odontologia e Farmácia; uma de Direito; uma de Engenharia; e uma em

Agronomia.

As críticas à Lei Orgânica também foram ferrenhas. A população da época relatou

que, com a adoção dos “Exames de Admissão” e sucessivamente com os “exames

vestibulares”, poucos estudantes conseguiam ingressar, sendo necessária uma facilitação no

processo para que as faculdades não ficassem vazias. Outro ponto refere-se à não fiscalização

das faculdades, o que permitia a abertura de qualquer instituição, facilitando o ingresso dos

estudantes a fim de aumentar a arrecadação.

Entretanto, os “exames de admissão” não foram capazes de diminuir o ingresso de

estudantes (processo de contenção), além de não serem capazes de selecionar realmente os

estudantes com condições intelectuais de ingressar no ensino superior. Em decorrência, foi

aprovada em 1915, a Reforma Carlos Maximiliano11

, em que se alterou o nome de “exames

de admissão” para “exames vestibulares” como forma de ingresso ao ensino superior. Além

da aprovação nesse exame, era necessário apresentar o certificado de aprovação das matérias

do curso ginasial, realizado no Colégio Pedro II ou nos colégios estaduais a ele equiparados.

Portanto, por meio da Reforma de Carlos Maximiliano, iniciou-se um processo de

controle adicional sobre o ingresso ao ensino superior, somando-se a isso a não gratuidade a

esse nível de ensino, o que reduziu ainda mais o ingresso.

O decreto estipulou mudanças no sistema educacional, embora três pontos da

antiga Lei Orgânica fossem mantidos: o não ingresso direto do ensino secundário para o

11

Decreto n.º 11.530, de 18 de março de 1915.

Page 41: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

40

superior pelos estudantes do Colégio Pedro II ou a ele equiparado; a adoção de “Exames de

admissão”, agora nomeados de “Exames Vestibulares”, para o ingresso ao ensino superior; e a

conservação do Conselho Superior de Ensino, acrescentada a função de fiscalizar as escolas

não mantidas pelo governo federal que deveriam pagar uma “taxa de fiscalização”.

Nessa prerrogativa, os “Exames Vestibulares” eram realizados uma vez ao ano e

avaliavam os candidatos com uma prova escrita e uma prova oral em que o conteúdo variava

de acordo com o curso pleiteado.

Os exames vestibulares, a serem realizados sempre em janeiro, consistiram de uma

prova escrita (tradução de textos em duas línguas estrangeiras, francês e inglês ou

alemão) e uma prova oral, de conteúdo variado conforme a escola: nas escolas de

Medicina, Física, Química e História Natural; nas de Direito, História Universal,

Psicologia, Lógica e História da Filosofia; na Escola Politécnica, Matemática

elementar. (CUNHA, 2006a, p. 169).

Dez anos mais tarde, em 1925, foi realizada uma nova reforma12

, tendo como

Ministro do Interior João Luís Alves, e como relator do processo o professor Rocha Vaz, que

deu nome à Reforma. Para fins da presente pesquisa, destacamos como interessante o fato de

que a mesma passou a fixar o número de vagas para ingresso ao ensino superior, uma vez que,

até então, não havia limites de vagas para ingresso: todos os candidatos aprovados nos

“exames vestibulares” poderiam matricular-se no ensino superior. A partir da reforma de

Rocha Vaz, o diretor de cada faculdade deveria fixar o número de vagas disponíveis a cada

ano, os candidatos obedeceriam a uma ordem de classificação de acordo com as notas obtidas

nos “exames vestibulares”.

A Reforma Rocha Vaz completou o ciclo de contenção de acesso ao ensino superior

que havia começado no final do Império e acelerado nas primeiras décadas do

regime republicano, sobretudo com a introdução dos exames de admissão em 1911

(exames vestibulares); em 1915, veio a exigência de certificado de conclusão do

ensino secundário; e, em 1925, a limitação de vagas e a introdução do critério

classificatório. (OLIVEIRA, 1994, p. 99-100).

Foi criado o Departamento Nacional do Ensino - DNE, em substituição ao

Conselho Superior de Ensino. Ao DNE cabia a decisão de equiparar tal ou qual

estabelecimento, e esse departamento tinha o diretor-geral nomeado pelo presidente da

República, sem qualquer restrição. Com isso, o processo de equiparação das faculdades livres

ficou muito mais rígido, pois a lista de exigências para conceder tal título aumentara:

12

Decreto n.º 16.782-A, de 13 de janeiro de 1925.

Page 42: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

41

O patrimônio das faculdades deveria ser superior a mil contos de réis, elas deveriam

estar funcionando há pelo menos três anos da data do pedido de autorização; deveria

ter “organização didática e administrativa idêntica à das faculdades oficiais”. Os

diplomas das faculdades oficiais e equiparadas deveriam ser registrados no DNE

para terem validade jurídica. (CUNHA, 2007a, p. 171).

Além da fixação anual do número de vagas para ingresso dos candidatos que

realizavam os “Exames Vestibulares”, outros pontos destacáveis nessa reforma foram: perda

do poder administrativo das faculdades, que deveriam agora seguir um currículo com cadeiras

fixas, e a determinação da obrigatoriedade da frequência dos estudantes.

[...] O objetivo dessa medida, conforme a exposição de motivos do ministro do

Interior, era dar maior eficiência ao ensino pela diminuição do número de

estudantes, em certos cursos, e conduzir os estudantes a cursos menos procurados.

(CUNHA, 2007a, p. 171).

O controle exercido pelo Estado aos alunos garantia, em parte, a ordem moral e

cívica da sociedade. Ressaltamos que, nesse período, o ensino superior era custeado pelo

próprio estudante, tanto nas escolas particulares como nas escolas oficiais. Apenas com a

Reforma Rocha Vaz (1925) houve a iniciativa de concessão de bolsas de estudos, sendo

fornecidas 5 bolsas de estudo por série, uma concedida ao candidato com maior pontuação no

“Exame Vestibular”, uma por indicação do governo, e as 3 restantes seriam indicadas pelos

próprios colegas de sala em reunião com a reitoria da faculdade.

[...] Pela reforma Rocha Vaz, de 1925, os estudantes estavam sujeitos, nos

estabelecimentos federais, às seguintes despesas: Taxa de exame vestibular, taxa de

matrícula em cada série, taxa de frequência em cada série, taxa de frequência de

cadeira dependente; taxas de exame; taxa de transferência. (CUNHA, 2007a, p.

177).

Até esse momento, conforme observamos, o sistema educacional era organizado

em função dos interesses da elite. Embora a evolução do ensino tentasse conciliar as múltiplas

correntes políticas e ideológicas referentes ao sistema educacional, observamos também que

as correntes conservadoras foram mais beneficiadas (OLIVEIRA, 1994).

1.4 Era Vargas (1930 – 1945)

Em decorrência do cenário econômico gerado pela crise de 1929, acirraram-se os

conflitos, no Brasil, pela disputa eleitoral de 1929-30. O então presidente da República,

Washington Luís, procurando estabelecer o câmbio monetário, promulgou medidas para

Page 43: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

42

impedir a desvalorização financeira, embora não favorecessem a burguesia cafeeira que teve a

exportação de tais produtos reduzida drasticamente devido à crise mundial.

Washington Luís rompeu também com a política de alternância da presidência da

república entre um paulista e um mineiro13

, lançando como candidato político outro paulista,

Júlio Prestes, contra o mineiro Antônio Carlos Ribeiro de Andrade, que tinha em seu discurso

outros interesses econômicos além da produção do café (industrialização, charque, algodão

etc.).

Ocorridas as eleições, Júlio Prestes saiu vitorioso e chegou a assumir a

Presidência da República, mas os dissidentes aliados à oligarquia e impulsionados pelo

assassinato do candidato à vice-presidência, João Pessoa, iniciaram uma nova revolta,

deflagrada em 03 de outubro de 1930, depondo o Presidente da República e conduzindo o

gaúcho Getúlio Vargas, contando, inclusive, com o apoio dos cafeicultores, que não viam

mais no presidente constitucionalista seu representante político.

O governo provisório instituído em novembro de 1930 dissolveu o Congresso e

passou a legislar por decretos-leis até a deposição de Vargas, em 1945, com a

exceção do curto período constitucional de 1934 a 1937. (CUNHA, 2007a, p.211).

O governo provisório foi mantido até 1934, quando, em 16 de julho, a Assembleia

Constituinte promulgou a nova Constituição, época em que Vargas foi eleito presidente

constitucional do Brasil, com mandato até 1938.

Em 1937, aproximava-se o período eleitoral, em que Vargas não poderia se

candidatar, de acordo com a Constituição de 1934. Assim, três outros candidatos14

se

organizavam para o pleito eleitoral, que aconteceria em janeiro de 1938. No cenário

econômico, vivenciava-se uma nova crise do café, que, após valorização em 1936, voltou a

declinar no ano seguinte.

Nesse processo, incutia-se, nas classes dominantes e na burocracia do Estado, a

ideia de que apenas Getúlio Vargas poderia “salvar o Brasil” das incertezas dos extremismos

de esquerda e direita. Vargas, assumindo o papel que lhe imputaram, deflagrou de dentro do

próprio governo um golpe de Estado em novembro de 1937, em que:

[...] o Senado e a Câmara dos Deputados foram fechados, dissolvidos todos os

partidos políticos, proibidas as milícias, uniformes e insígnias, controladas as

políticas militares estaduais pelo Exército, queimadas as bandeiras dos estados

13

Também conhecida como Política do “café com leite”. 14

Trata-se de Armando Salles de Oliveira, governador de São Paulo; José Américo de Almeida, antigo “tenente”

e político paraibano; e Plínio Salgado, o líder integralista.

Page 44: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

43

(símbolos de sua autonomia). Uma nova Constituição, redigida por Francisco

Campos, foi outorgada, [...]. Organizou-se o Departamento de Imprensa e

Propaganda, DIP, encarregado de censurar jornais e revistas, e divulgar as

excelências do Estado Novo [...]. A repressão dos líderes sindicais e dos liberais foi

a mais intensa desde o fim da Primeira República. (CUNHA, 2007a, p. 226).

Portanto, o regime adotado no Estado Novo foi tipicamente o regime do

autoritarismo.

Houve, no período da Era Vargas (1930 – 1945), interesse de aliança política e

econômica com a Igreja Católica, deixando de lado o discurso “laico” implantado

anteriormente pelo Estado. Tal aliança foi proposta tendo em vista que alguns representantes

viam na Igreja uma instituição que poderia obter das classes dominadas adesão à ordem

implantada.

No campo educacional, destacaram-se nesse período duas políticas educacionais

opostas, uma liberal e outra autoritária. A política educacional liberal pregava um liberalismo

igualitário, com interesses para as classes trabalhadoras e para as camadas médias. Já a

política educacional autoritária teve como objetivo “impedir contestações à ordem social

pelos trabalhadores e por setores da própria burocracia do Estado.” (CUNHA, 2007a, p.206).

Ressaltamos que o autoritarismo prevalecia na esfera educacional nacional.

A partir de 1935, a repressão generalizada retirou de cena as ideias educacionais

liberais, pela prisão de quem as sustentasse. Uns liberais se calaram, na cadeia ou em

casa. Outros aderiam à nova ordem. Assim, de 1937 em diante, foi sendo construída

uma estrutura educacional completamente nova, consistente com o regime

autoritário que se iniciava. (CUNHA, 2007a, p. 207).

Durante o governo Vargas, houve uma expansão no sistema educacional com a

criação de várias instituições educacionais. Entretanto, não houve alteração no elitismo e no

conservadorismo frente ao ingresso a esse nível de ensino. “Os cursos de nível superior

permanecem destinados à formação de uma elite com capital econômico e, às vezes, cultural.”

(OLIVEIRA, 1994, p. 106).

Enquanto o destino das elites era ingressar no ensino superior, o das camadas

populares, quando não evadiam do ensino, era chegar aos cursos profissionalizantes, que

apenas permitiam o ingresso nos cursos superiores da mesma área. “O acesso aos melhores

cursos, portanto, estava condicionado à situação econômica do candidato.” (OLIVEIRA,

1994, p. 106).

Page 45: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

44

Sobretudo no primeiro momento da Era Vargas, destacou-se a corrente

pedagógica embasada em uma política educacional liberal15

, que pregava “independência da

escola diante dos interesses particulares de classe, credo religioso ou político.” (CUNHA,

2007a, p.230).

A escola é vista como tendo a função de despertar e desenvolver os talentos e as

vocações dos indivíduos na medida de suas características inatas, de modo que eles

possam se posicionar na sociedade conforme suas aquisições e não conforme a

herança de dinheiro ou de títulos. (CUNHA, 2007a, p. 230).

Até o final da Era Vargas, havia no Brasil um quadro de “conservadorismo

elitista”, em que o ingresso ao ensino superior estava limitado às classes dominantes.

No contexto brasileiro, a primeira vertente do liberalismo foi o liberalismo elitista

proposto por Fernando de Azevedo, em 1926, mas apenas difundido em 1930, pautando-se na

formação escolar das classes médias e das classes dirigentes, incutindo, principalmente nas

camadas médias, a importância do “estudo intenso e esforços prolongados” como requisitos

para o ingresso nos estudos superiores, além de fornecer uma sólida cultura geral (CUNHA,

2007a).

Assim, Azevedo denunciava o ensino secundarista, que servia apenas como

requisito judicial para o ingresso nos cursos de ensino superior, constituído por escolas

profissionais que difundiam um saber não propriamente superior:

O saber que deveria ser produzido e transmitido no ensino superior seria o de “uma

cultura verdadeiramente superior, livre e desinteressada, desenvolvida em todas as

direções e capaz de contribuir, pela sua força orientadora e pelo seu poder criador,

não só para o progresso da nacionalidade em formação, como para o enriquecimento

de saber humano.”. (AZEVEDO, 1960 apud CUNHA, 2007a, p. 233).

Sob a liderança pedagógica de Fernando de Azevedo, em 1934, foi promulgado o

decreto de criação da Universidade de São Paulo, sendo incorporada a Faculdade de Direito, a

Escola Politécnica, a Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, a Faculdade de

Medicina, a Escola Veterinária, o Instituto de Educação, agora elevado à categoria de

Faculdade de Educação, e, com a criação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, o

Instituto de Ciências Econômicas e Comerciais e a Escola de Belas-Artes.

15

O liberalismo é um sistema de ideias construído por pensadores ingleses e franceses, nos séculos XVII e

XVIII, utilizado como a ideologia da burguesia nas lutas contra a aristocracia (CUNHA, 2007a).

Page 46: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

45

Nesse período, foi instituída a Reforma Francisco Campos16

, que deu origem ao

Estatuto das Universidades Brasileiras, instrumento que formaliza, homogeneíza, padroniza e

centraliza o ensino superior de todo País; contudo, para o ingresso nesse nível de ensino,

permaneceu como critério a aprovação nos “exames vestibulares”, conforme consta nos art.

81 e 82 do referido decreto:

Art. 81. A admissão inicial nos cursos universitários obedecerá às condições gerais

abaixo instituídas [...];

I - certificado do curso secundário fundamental de cinco anos, ou deste e de um

curso ginasial superior, com a adaptação didática, neste último, aos cursos

consecutivos;

II - idade mínima de 17 anos;

III - prova de identidade;

IV - prova de sanidade;

V - prova de idoneidade moral;

VI - pagamento das taxas exigidas.

Parágrafo único. Ao aluno matriculado em qualquer dos institutos universitários

será fornecido um cartão de matrícula devidamente autenticado, que provará a sua

identidade, e uma caderneta individual na qual será registrado o seu curriculum vitae

de estudante, tudo de acordo com dispositivos de cada instituto universitário.

Art. 82. Não será permitida a matrícula simultânea do estudante em mais de um

curso seriado, sendo, porém, permitido aos matriculados em qualquer curso seriado

a frequência de cursos avulsos, ou de aperfeiçoamento e especialização. (BRASIL,

1931a).

Tal estatuto veio com o objetivo de regulamentar a criação e o funcionamento das

instituições universitárias; mesmo assim, ainda se admitiam algumas variações regionais,

autorizadas pelo Ministério da Educação. Após a criação da Universidade do Rio de Janeiro,

em 1920, não foram estabelecidos padrões para as universidades que surgiriam depois.

A partir de 1932, começou a irradiar um novo modelo do pensamento liberal, o

liberalismo igualitarista, defendido por Anísio Teixeira17

. Nesse modelo, surgiu uma política

educacional voltada aos interesses das classes trabalhadoras e das camadas médias,

idealizando a construção da democracia, embasada nos princípios de John Dewey, idealizador

da Escola Nova.

O foco das disputas ideológicas nas políticas educacionais teve seu início em

dezembro de 1931, com a realização da IV Conferência Nacional de Educação, que aconteceu

em Niterói – Rio de Janeiro. Nesse evento, estavam dispostos dois grupos ideológicos, de um

16

Decreto n. 19.851, de 11 de abril de 1931. 17

Personagem central na história da educação no Brasil, nas décadas de 1920 e 1930, difundiu os pressupostos

do movimento da Escola Nova, que tinha como princípio a ênfase no desenvolvimento do intelecto e na

capacidade de julgamento, em preferência à memorização. Reformou o sistema educacional da Bahia e do Rio

de Janeiro, exercendo vários cargos executivos. Foi um dos mais destacados signatários do Manifesto dos

Pioneiros da Educação Nova, em defesa do ensino público, gratuito, laico e obrigatório, divulgado em 1932.

Fundou a Universidade do Distrito Federal, em 1935, depois transformada em Faculdade Nacional de Filosofia

da Universidade do Brasil (BRIZA, 2011).

Page 47: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

46

lado os defensores da política educacional liberal, divididos entre elitistas, liderados por

Fernando de Azevedo, e igualitaristas, liderados por Anísio Teixeira, e, do outro lado, os

defensores da política educacional autoritária.

Não havendo um consenso entre as políticas propostas pelos liberais, foi

divulgado um manifesto, em 1932, conhecido como “Manifesto dos Pioneiros da Educação

Nova”, em que os liberais elitistas expressaram sua preocupação com a articulação de todos

os graus e tipos de ensino, conhecido como reconstrução educacional; e os liberais

igualitaristas defendiam a criação de uma escola única para todos os indivíduos de quatro a

quatorze anos, “para se evitar o divórcio entre os trabalhadores manuais e intelectuais.”

(CUNHA, 2007a, p.246).

Para o ensino superior, o manifesto atribuiu à universidade a formação da elite

dirigente, dinâmica e aberta, além de começar a difundir os ideais políticos, como a

construção da democracia. Pregava também a gratuidade do ensino superior, uma vez que,

mesmo nas universidades estatais, eram comuns os pagamentos de taxas e mensalidades.

Decorrente da notoriedade do manifesto, Anísio Teixeira assumiu a Diretoria de

Educação do Distrito Federal, de 1932 a 1935, desenvolvendo importantes mudanças

educacionais nesse período, entre elas a criação da Universidade do Distrito Federal, em

1935, que era composta pelo Instituto de Educação, Escolas de Ciências, Economia e Direito,

Escola de Filosofia e Letras, e do Instituto de Artes, além da criação de vários cursos

superiores novos no Brasil, entre eles: administração e orientação escolar, auxiliares de

medicina e técnicas de laboratório, diplomacia, estatística, serviço social, jornalismo e

publicidade, biblioteconomia, arquivo e museus, cinema e arquitetura paisagística.

Outra corrente política educacional na Era Vargas, intitulada autoritária, merece

ser destacada neste estudo:

No caso do Estado autoritário, o sistema de poder emerge de condições reais de

atendimento das exigências da divisão social do trabalho, e não das necessidades do

domínio de uma elite ou uma classe sobre toda sociedade. O Estado autoritário

desempenha, então, a função de árbitro e interventor na realidade social,

administrando os conflitos acima dos interesses particulares dos grupos e classes

sociais, visando ao interesse coletivo. (CUNHA, 2007a, p.251).

Por meio dessa nova política educacional, o governo pretendia o controle

“passivo” da sociedade, tendo na educação um meio “pelos quais os intelectuais fazem

“irradiar” sobre todo o povo as ideias e aspirações dele mesmo sublimado”, em outras

palavras, o sistema educacional seria um mecanismo de difusão de uma nova ideologia

política e econômica, justamente com objetivo de “reforçar o aparelho de Estado no campo

Page 48: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

47

educacional, permitindo-lhe inculcar ideologias tendentes a impedir os trabalhadores e as

camadas médias de se organizarem politicamente e, no limite, de ameaçarem a ordem

capitalista.” (CUNHA, 2007a, p. 252-253).

Pela ascensão das políticas autoritárias, foi criado, no início do governo

provisório, o Ministério dos Negócios da Educação e Saúde Pública18

, sendo o Departamento

Nacional de Ensino incorporado a ele. Entretanto, o sistema educacional não foi de imediato

inserido nele, continuando os estados e o distrito federal a terem o controle da educação

primária, secundária, normal e profissional.

Uma das primeiras medidas educacionais defendidas pelo sistema autoritário foi a

permissão para que os alunos do ensino fundamental pudessem ter, facultativamente, aulas de

ensino religioso nas escolas estatais19

. Tal medida visava a uma aproximação entre o Estado e

a Igreja, fato contrário à Constituição de 1891, que instituía a educação como laica. Tanto os

liberais como a Associação Brasileira de Educação, contrários ao ensino religioso, tiveram

que aceitar a introdução de tal conteúdo na Constituição de 1934.

Outra medida adotada pelo regime autoritário foi a reforma do ensino secundário20

e do superior. Ambas aconteceram paralelamente, uma vez que os objetivos de uma

contemplavam os interesses da outra. O objetivo dessa reforma do ensino secundário era

principalmente:

[...] a formação do homem para todos os grandes setores da atividade nacional,

construindo no seu espírito todo um sistema de hábitos, atitudes e comportamentos

que o habilitem a viver por si mesmo e a tomar em qualquer situação as decisões

mais convenientes e mais seguras. (CUNHA, 2007a, p. 259).

Destacamos na reforma no ensino secundário o fato de que todos os estudantes

interessados em ingressar no ensino superior só poderiam fazê-lo depois de concluído o

ensino secundário e aprovados no exame vestibular, sendo permitida apenas a realização do

vestibular para o candidato que portasse o certificado de conclusão do ensino secundário, e os

egressos dos cursos médios profissionais poderiam ingressar apenas nos cursos superiores

relacionados com o curso anterior.

Outra exigência para o ingresso ao ensino superior era a apresentação de uma

“prova de idoneidade moral”. Deduzimos que tal requisito já era solicitado aos estudantes

18

Decreto 19.402, de 14 de novembro de 1930, sendo regulamento em 05 de janeiro de 1931. 19

Decreto 19.941, de 30 de abril de 1931. 20

Decreto 19.890, de 18 de abril de 1931, consolidado pelo Decreto 21.241, de 04 de abril de 1932.

Page 49: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

48

muito antes da criação dos “exames vestibulares”, contudo, nesse período, é ressaltada sua

importância pelas próprias características do período histórico.

A admissão aos institutos de ensino superior continuaria dependente de aprovação

nos exames vestibulares, além da apresentação, pelos candidatos, de certificado de

conclusão do curso secundário fundamental ou do complementar e de “prova de

idoneidade moral”, entre outras exigências. (CUNHA, 2007a, p. 264).

Para alcançar o objetivo de formar indivíduos politizados, era necessário adotar

uma pedagogia que privilegiasse o ensino das ciências naturais e com novos métodos de

aprendizagem. Com isso, uma nova estrutura curricular foi proposta, dividida em duas fases:

a primeira seria o “curso fundamental” com duração de cinco anos, que forneceria a cultura

geral necessária para a tomada de decisões, e a segunda seria o “curso complementar” com

duração de dois anos e função de preparar os candidatos para o ensino superior.

Por fim, evidenciamos a criação do Conselho Nacional de Educação - CNE,

preconizado pela Constituição de 1934, com a função de elaborar um plano nacional de

educação que “deveria orientar o trabalho do ministério e das secretarias estatuais.” (CUNHA,

2007a, p.273).

O projeto do plano nacional de educação, se implementado, viria a intensificar ainda

mais o caráter autoritário da política educacional. Em 504 artigos, procurava

regulamentar, nos mínimos detalhes, todos os graus, e tipos de ensino, na

preocupação de submeter a uma norma única toda a variedade do aparelho escolar,

contendo-o dentro da lei, nada deixando de fora. (CUNHA, 2007a, p. 273).

Relacionado ao ensino superior, o projeto do PNE pouco alteraria a constituição

das universidades, já proposta pelo Estatuto das Universidades Brasileiras de 1931. Ele

apenas implementava um “exame de estado” que deveria ser realizado pelos estudantes no

final dos cursos superiores, sendo que só receberiam o diploma os aprovados no exame.

Este projeto seria apresentado à Câmara dos Deputados, mas, devido ao golpe de

Estado de 1937, a Câmara foi destituída e o projeto esquecido, embora o CNE continuasse a

função de fiscalização do ensino secundário.

Em suma, o golpe político de 1937 pouco alterou a configuração das instituições

universitárias, que continuaram a seguir o Estatuto das Universidades Brasileiras de 1931. O

mesmo não pode ser dito sobre as outras instituições educacionais de graus inferiores, que, a

partir de 1942, sofreram várias transformações, como redefinição do seu currículo e

articulação entre cursos, ramos, ciclos e graus. As principais alterações foram: o Ensino

Page 50: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

49

Primário com quatro ou cinco anos de duração para crianças de 7 a 12 anos21

; e o Ensino

Médio para jovens de 12 anos ou mais, compreendendo cinco ramos: ensino secundário,

ensino industrial, ensino comercial, ensino normal e ensino agrícola.

Referente ao ingresso ao ensino superior, nove dias antes do golpe de 1937, o

Departamento Nacional de Educação passa a controlar a admissão dos candidatos a essa

forma de ensino “determinando as matérias e os programas detalhados que deveriam constar

nos exames vestibulares, o que competia, até então, a cada universidade e faculdade.”

(CUNHA, 2007a, p. 280).

Em 1942, foi instituída a Reforma Gustavo Capanema22

, que criou um novo

instrumento para ingresso ao ensino superior, chamado de “exames de licença”, que eram

realizados no término do segundo grau e davam direito ao estudante aprovado de matricular-

se em qualquer curso superior. Os “exames de licença” foram extintos em 1946, de acordo

com o Decreto-Lei n.º 9.303, de 27 de maio de 1946, que garantia apenas o fornecimento do

certificado de conclusão no final da 4.ª série do ginásio ou na 3.ª série do colegial.

À medida que a corrente autoritária tornava-se dominante, reprimiam-se as

políticas contrárias. Como exemplo, a Universidade do Distrito Federal, criada em 1935,

empregando uma política liberal, em 1939 foi incorporada à Universidade do Brasil, com seus

prédios, professores e estudantes23

, como represaria à política contrária à autoritária. Assim,

vemos que o governo tinha um interesse em centralizar todo formato de ensino,

principalmente o superior, para com isso controlar, mais diretamente, toda função política

e/ou ideológica empreendida dentro do ambiente universitário.

Paralelo a esse fato, existia a iniciativa da Igreja Católica. Liderado pelo arcebispo

Sebastião Leme, em 1932, inicia-se o projeto para a criação do Instituto Católico de Estudos

Superiores, que ofereceria cursos de filosofia, economia, sociologia, pedagogia, biologia e

literatura, embora que iniciativa tivesse êxito apenas oito anos mais tarde:

Em outubro de 1940, o presidente da República autorizou o funcionamento das

Faculdades Católicas, no Rio de Janeiro, abrangendo duas unidades, a Faculdade de

Direito e a Faculdade de Filosofia, oferecendo esta os cursos de Filosofia, Letras

Clássicas, Letras Neolatinas, Letras Anglo-germânicas, Geografia e História,

Ciências Sociais, Pedagogia. Em março de 1941, com a presença do ministro da

Educação, Gustavo Capanema, e de 84 estudantes (70 de Filosofia e 14 de Direito),

os cursos foram solenemente inaugurados. Em 1943, foi incorporado ao conjunto a

Escola de Serviço Social e, em janeiro de 1946, depois de criada a Escola

21

Decreto-lei n.º 8.529, de 2 de janeiro de 1946. 22

Decreto-lei n.º 4.244 de 09 de abril de 1942. 23

Decreto-lei n.º 1.063, de 20 de janeiro de 1939.

Page 51: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

50

Politécnica, as Faculdades Católicas foram reconhecidas pelo Estado como

universidades.24

(CUNHA, 2007a, p. 281 – 282).

Outro fato que podemos observar nesse período refere-se ao ingresso que era

direcionado à classe social mais favorecida, pois a taxa de exame vestibular era abusiva;

sendo assim, os exames realizavam a seleção mais pelo nível de renda do que pela capacidade

intelectual dos estudantes (CUNHA, 2007a).

Portanto, ainda durante a Era Vargas, o elitismo e o conservadorismo para o

ingresso no ensino superior continuaram presentes na sociedade brasileira. “O discurso de

democratização e universalização do ensino não chegou com intensidade ao ensino superior e,

portanto, não ameaçou a hierarquização elitista do sistema de ensino brasileiro.” (OLIVEIRA,

1994, p. 110).

Finda a Segunda Guerra Mundial e com a suspensão do Departamento de

Imprensa e Propaganda, as revoltas populares e estudantis reiniciaram, e, em decorrência da

própria fragilidade que o Estado Novo já expressava, foi extinta a política autoritária,

iniciando um novo período histórico, com a implantação de um Estado liberal-democrático.

“Os liberais, voltando à cena política, trouxeram para o Estado a política educacional pela

qual lutaram no período de 1930 – 1935.” (CUNHA, 2007a, p.293).

1.5 República Populista (1945 – 1964)

O presente item trata do período conhecido como República Populista, que iniciou

em 1945, após a deposição de Getúlio Vargas, estendendo-se até 1964, com o golpe militar.

Durante esse período, houve expansão no ensino superior decorrente do processo

de redemocratização do país, tendo contribuído para tanto a chamada política de

“federalização” de faculdades privadas e estaduais, que as reunia em instituições

universitárias de caráter público, além da multiplicação de instituições privadas, que passaram

a se constituir principalmente em faculdades. Havemos de ressaltar que essas instituições

universitárias, tanto públicas como privadas, pouco representavam realmente como

universidades, no sentido integral do termo, pois continuavam a se organizar como faculdades

isoladas, com pouco ou nenhum desenvolvimento em pesquisa e extensão.

Embora a criação das universidades ainda fosse orientada pelo Estatuto das

Universidades Brasileiras de 1931, que preconiza a universidade como “padrão” para a

organização do ensino superior, houve a liberação para criação de estabelecimentos isolados,

24

Decreto-lei n.º 8.681, de 15 de janeiro de 1946.

Page 52: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

51

no caso instituições particulares. A extensão do setor particular de ensino no período irá

transformar o quadro de oferta de vagas para estudantes atendidos nessas instituições, pois em

1964 as instituições públicas representavam 56% do total de estudantes no ensino superior, e

em 2004 passaram a representar apenas 27% do total (CUNHA, 2007b).

Em 1945, o ensino superior brasileiro compreendia cinco universidades25

, no sentido

estrito, e 293 estabelecimentos isolados, matriculando, no total 27.253 estudantes.

Essas universidades tinham se organizado pela aglutinação de estabelecimentos

isolados, à exceção da Universidade de Porto Alegre, que se formou pela

diferenciação da Escola de Engenharia. (CUNHA, 2007b, p. 17).

Diante do ímpeto universitário que se forjava, duas medidas se destacaram:

primeiramente, a gratuidade do ensino oferecido nas Instituições Federais de Ensino Superior

– IFES26

; segundo, a substituição do sistema de cátedras para a organização acadêmica em

regime departamental.

Referente ao formato de ingresso ao ensino superior, no citado período,

permaneceram os “exames vestibulares”, obedecendo à ordem de classificação para o número

de vagas disponível; além disso, o candidato precisava apresentar certificado de conclusão do

ensino médio, “prova de idoneidade moral”, e outras exigências (CUNHA, 2007b).

Ressaltamos também os movimentos estudantis deflagrados no período populista,

com o ingresso de jovens oriundos das camadas médias, contestadores da ordem social

vigente e das injustiças sociais. “[...] As escolas superiores foram os lugares privilegiados

desse espaço político, através do qual eram difundidas ideologias surgidas e elaboradas fora

do aparelho escolar, nele penetrando à revelia.” (CUNHA, 2007b, p. 20).

Outro ponto interessante foi a migração de cientistas e pesquisadores do Rio de

Janeiro para São Paulo, atraídos pelos investimentos em pesquisas, que se tornaram escassos

na antiga capital do país. Mas esses investimentos eram destinados a pesquisadores

individuais, acarretando uma crise para aqueles empregados em institutos de pesquisas

paulistas. Essa realidade fez surgir, em 1948, a Sociedade Brasileira para o Progresso da

Ciência (SBPC), com o objetivo de divulgação da ciência para angariar patrocínio do Estado e

da sociedade civil; o intercâmbio entre os cientistas das diversas especialidades; a divulgação

da verdade científica e a liberdade da pesquisa.

Mesmo com a ideologia liberal, resquícios do autoritarismo mantinham-se

presentes na sociedade, de forma mascarada ou não. Na própria Constituição de 1946, quarta

25

São elas: Universidade do Brasil, Universidade de Porto Alegre, Universidade de São Paulo, Universidade de

Minas Gerais e Universidade Católica do Rio de Janeiro. 26

De acordo com as Constituições de 1946 e 1967.

Page 53: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

52

Constituição do período republicano, havia partes regidas pela política autoritária, partes

regidas pela política liberal. Outro ponto que destacamos: a maioria dos líderes liberais estava

“na cadeia, no exílio ou confinados em municípios do interior.” (CUNHA, 2007b, p. 27).

No campo educacional, a organização escolar permaneceu a mesma regida

durante o Estado Novo, com leves mudanças na política autoritária, transformada agora em

política “liberal”. No ensino superior, retornou a garantia da liberdade das cátedras; no plano

nacional, a Reforma Universitária modernizava o ensino superior, sobretudo com uma

reforma pedagógica, lutando pela liberdade de pensamento, de cátedras, de imprensa, da

seleção dos estudantes por critérios de capacidade, entre outros, em função dos interesses

populares. Contudo, os analfabetos continuam sem ter direito a voto.

O ímpeto em formação gera nas classes médias o desejo pela busca de estudo,

havendo uma intensa procura em todos os níveis de ensino, gerando na população a “crença

no Estado intervencionista e promotor de política de bem-estar-social” (OLIVEIRA, 1994, p.

111), que garantiria o ingresso ao nível superior de educação.

Podemos observar que o processo de crescimento econômico passa pela formação

escolar, o que acarreta mudanças na sociedade, por exemplo, o êxodo rural. No período da

república populista, a vida na cidade era mais vantajosa que a vida no campo, considerando

que oferecia melhores salários e condições mais dignas de trabalho.

Os salários pagos nas cidades, a vigência aí da legislação trabalhista, limitando a

exploração da força de trabalho, a existência de serviços públicos de saúde e

educação foram, certamente, fatores adicionais de atração da força de trabalho

deslocada do campo. (CUNHA, 2007b, p. 39).

Outro fato que aumentou o fluxo migratório foi o desenvolvimento da

industrialização, que ocasionou a crise do artesanato e da pequena indústria, fazendo com que

os funcionários dessas migrassem para cidades maiores em busca de emprego.

Destacamos também as rebeliões estudantis, principalmente na segunda metade da

década de 1950, com maior intensidade na década de 1960, que se apresentavam mais

voltados para a classe trabalhadora, em busca da construção de uma nova ordem social. Esses

acontecimentos foram gerados por dois fatores: primeiramente, pela ordem social vigente, que

impedia as pessoas sem formação “adequada” de assumir cargos no alto da burocracia do

Estado, e, em segundo lugar, pelo acesso às informações marxistas, que adentravam no

ambiente acadêmico.

Page 54: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

53

[...] os estudantes passaram a conhecer teorias elaboradas a partir da luta de classes e

destinadas justamente a intervir nela como instrumento ideológico do proletariado.

A descoberta de sua situação “privilegiada” numa sociedade organizada em função

da exploração do homem pelo homem levava a sentimentos culposos que conduziam

os estudantes, frequentemente, a posições extremadas de rebeldia contra a ordem

social: “conscientizados”, engajavam-se na “revolução”. (CUNHA, 2007b, p. 59).

Durante a república populista, o discurso por um sistema educacional se

intensificava nas plataformas políticas, de modo que a educação passou a ser tratada como um

bem de consumo, em que a população tinha o direito dela usufruir.

Construir mais salas de aulas nas escolas existente e abrir mais escolas eram meios

de mostrar que o Estado (“realizador” dessas benfeitorias) preocupava-se com as

necessidades do povo e atuava para suprimi-las. Era merecedor, portanto, do apoio

político dos beneficiados e dos que pretendiam se valer dessa política “popular”.

[...]. (CUNHA, 2007b, p. 64).

Foi o estado de São Paulo que primeiro constituiu um sistema de ensino, já

totalmente implantado em 1940, passando a desenvolver a partir de então o ensino secundário.

Isso o diferenciava dos outros estados, que, mesmo depois de 1940, ainda lutavam para

desenvolver um sistema de ensino primário. Tal característica pode ser analisada como moeda

de troca, uma vez que São Paulo oferecia um sistema de ensino secundário que era mais

solicitado pela população, enquanto os outros estados ofereciam o ensino primário, que era a

necessidade básica da população. Notamos também que a criação das escolas era distinta:

enquanto em São Paulo era a Assembleia Legislativa que decretava a criação das escolas, nos

outros estados era o Ministério da Educação que desenvolvia tal atribuição.

Com intensa procura da população por ensino, o secundário e principalmente o

superior, iniciou-se uma pressão das camadas interessadas por maior número de vagas ao

ensino secundário, e por facilitação no ingresso ao ensino superior. Nesse período, o ensino

secundário era dividido em dois ciclos, de modo que o primeiro era propedêutico ao segundo;

no primeiro ciclo, o estudante poderia ingressar em cursos profissionalizantes como o curso

comercial, industrial e agrícola; no segundo ciclo, da mesma forma, o estudante poderia

ingressar nos cursos profissionalizantes, sendo eles o clássico ou científico. Apenas ao final

do segundo ciclo do ensino secundário o estudante poderia realizar os exames vestibulares

para o ingresso no ensino superior, e aqueles que realizaram cursos profissionalizantes

também poderiam fazê-lo, mas apenas para a área do curso profissionalizante concluído.

Para Cunha (2007b), uma maior demanda ao ensino superior, com uma ampliação

do número de vagas, não implica o aumento de chances para o ingresso ao ensino superior,

uma vez que essa chance será menor para os egressos de escolas comerciais em comparação

Page 55: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

54

com os egressos das escolas secundárias, onde o currículo estava voltado para a realização dos

“exames vestibulares”.

Devido às pressões estudantis já mencionadas, o Estado tomou medidas para

suprimi-las produzindo a chamada lei de “equivalência27

”, que estabelecia, entre outros

atributos, a equivalência do curso técnico comercial com o segundo ciclo do ensino

secundário; portanto, os estudantes poderiam cursar apenas o primeiro ciclo e o curso técnico

comercial, e prestar o exame vestibular para ingressar no ensino superior, e também os

egressos do curso comercial poderiam se inscrever em qualquer curso de ensino superior, não

mais somente nos cursos relacionados ao anterior. Em 1953, essa concessão foi estendida para

os egressos dos cursos industrial, agrícola e normal, e também para egressos dos seminários

maiores (CUNHA, 2007b).

Contudo, no mesmo ano (1953), foi regulamentado28

o formato de ingresso ao

ensino superior, de forma que os egressos do segundo ciclo do ensino secundário poderiam

ingressar em qualquer curso de ensino superior; já os egressos dos cursos técnicos estavam

restritos à candidatura dos cursos relacionados com sua formação.

Os saídos do ensino industrial podiam ingressar nas escolas de Engenharia, Química

e Desenho das faculdades de Filosofia. Aos concluintes do Curso Agrícola estavam

abertos os cursos das escolas de Agronomia, Veterinária, Engenharia e os de Física,

Química, História Natural e Ciências Naturais das faculdades de Filosofia. Os

formados pelas escolas normais podiam fazer os cursos de Pedagogia, Letras

Neolatinas e Letras Anglo-Germânicas nas faculdades de Filosofia. Os ex-

seminaristas podiam estudar Direito, ou, então, Filosofia, Letras Clássicas, Letras

Neolatinas, Letras Anglo-Germânicas e Pedagogia, nas Faculdades de Filosofia.

(CUNHA, 2007b, p. 69).

Desde 1937, o Ministério da Educação regulamentava os exames vestibulares por

meio de circulares e portarias, em que determinava datas, matérias e outros pontos na

realização do exame, características da política autoritária do período. A partir de 1947, o

mesmo Ministério da Educação passou a estabelecer a realização dos exames vestibulares

como competência das próprias instituições de ensino, descentralizando o processo.

Proveniente de uma política liberal e democrática, e em decorrência da abertura e

da expansão do ensino superior, chegou-se a discutir a possibilidade do ingresso universal ao

ensino superior com a extinção dos “exames vestibulares”, mas a aprovação da Lei de

Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB/61 foi “decepcionante para aqueles que

esperavam uma educação pública democrática libertadora.” (OLIVEIRA, 1994, p. 114).

27

A primeira medida foi a Lei n.º 1.076 de março de 1950, seguida pela lei n.º 1.821, de março de 1953. 28

Decreto n.º 34.330, de outubro de 1953.

Page 56: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

55

Mesmo decepcionante, a LDB/61 promoveu a equivalência dos cursos médios existentes, para

efeito de ingresso ao ensino superior.

Decorrente de todo processo de facilitação ao ingresso no ensino superior, o

exame vestibular passou a ser visto como o grande empecilho para o ingresso, e,

consequentemente, políticas contra esse exame começaram a ser difundidas. Contudo, a

própria LDB/1961 e o Parecer 58/196229

estabelecem que não deveria haver interferência nos

exames vestibulares, que eram de responsabilidades das IES que os realizassem, limitando-se

ao Conselho Federal de Ensino – CFE e posteriormente ao Ministério da Educação

estabelecer os princípios gerais a serem seguidos nesse exame. O Parecer 58/1962 ainda

propunha que os exames vestibulares deveriam classificar os candidatos de acordo com as

notas obtidas por eles no exame, de acordo com o número de vagas disponíveis para o curso e

instituição; como exemplo disso, temos a Faculdade de Filosofia da Universidade do Brasil,

que, com base nesse parecer, implantou tal sistema de classificação em 1963 e 1964.

A LDB/61 não alterou a forma de seleção, permanecendo o mesmo mecanismo

instituído pelo Estatuto das Universidades Brasileiras de 1931, os “exames vestibulares”.

Contudo, esse mecanismo de seleção já começava a apresentar críticas pelo seu formato

seletista. Uma das primeiras manifestações surgiu por meio da UNE, que defendia a

realização do vestibular classificatório apenas na medida que o número de vagas fosse menor

que o número de candidatos; caso contrário, não haveria necessidade de tal exame. Outro

formato de ingresso defendido pela UNE seria pelo “ranqueamento” dos candidatos pela

média obtida durante o ensino médio.

[...] a abertura, expansão e “massificação” do ensino superior nesta fase da

democracia populista, marcada pelo nacionalismo e desenvolvimentismo, pode ser

vista no crescimento do número de estabelecimentos de ensino superior, e

consequentemente, na ampliação do número de vagas que permitiu o acesso de

setores populares. O projeto político-econômico-social no Populismo permitiu a

federalização de estabelecimentos de ensino superior, a criação de novas

universidade e escolas, e equivalência dos cursos médios, a “tomada de consciência”

da educação como direito de todos e a discussão da supressão do exame vestibular e

da acessibilidade universal. (OLIVEIRA, 1994, p. 118).

Com a crescente demanda ao ensino superior, iniciou-se uma política voltada à

expansão de vagas universitárias. Como exemplo, temos o Plano Trienal de Educação

(1963/65), que previa generosos investimentos para a implantação de cursos paralelos aos já

existentes, dobrando dessa forma o número de vagas. O decreto 54.642, de fevereiro de 1964,

instituiu o Programa Nacional de Expansão das Matrículas, que previa também a duplicação

29

Parecer 58/62 de Valnir Chagas.

Page 57: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

56

de vagas às áreas de saúde e tecnologia; contudo, essas políticas de expansão de vagas não

chegaram a se concretizar, em decorrência do golpe militar de março/abril de 1964.

Com o fim da República Populista e a iminência do golpe militar, as IES

promoveram uma política de facilitação ao ingresso, propondo um mecanismo de unificação

dos exames vestibulares. Assim, sete IES30

do estado de São Paulo realizaram, em 1964, o

primeiro exame de vestibular unificado, obtendo sucesso na sua realização, sendo, então,

organizado o Centro de Seleção de Candidatos às Escolas Médicas e Biológicas (Cescem),

cuja responsabilidade seria a realização desse exame.

[...] A vantagem que se anunciava aos estudantes era a de diminuir as despesas

financeiras com taxas de inscrição e com deslocamento para várias cidades e/ou

faculdades, além de não serem surpreendidos pela coincidência de datas. Para as

escolas, as vantagens estariam na diminuição dos gastos com as provas, no seu

aperfeiçoamento e no aproveitamento dos melhores alunos, eliminando-se os

bloqueios financeiros e de datas de exames. (CUNHA, 2007b, p. 76).

Outra forma de facilitação, no contexto do acesso ao ensino superior, deve-se à

diminuição e/ou barateamento das taxas cobradas, culminando, em 1950, com a gratuidade do

ensino superior nas escolas oficiais. Algumas taxas foram mantidas sem reajustes, por já

serem consideradas altas, e, devido ao processo inflacionário, o valor já era considerado

ínfimo, passou a ser desnecessário cobrar. Importante salientar que não houve qualquer lei,

decreto ou portaria que extinguisse as taxas nas escolas superiores oficiais. Na verdade, as

instituições superiores passaram a ter mais investimentos do estado e da União, valendo mais

a pena ser custeadas por esses do que pelos estudantes.

O ensino superior no Brasil foi sempre pago pelos estudantes desde o início do

século XIX. A Constituição de 1946 dizia ser o ensino superior oficial (como o

médio) gratuito “para quantos provarem falta ou insuficiência de recursos”. Mas

certos setores do Estado defendiam, já no início da república populista, a gratuidade

total do ensino superior oficial [...]. (CUNHA, 2007b, p. 76).

Incrementada pelas reivindicações estudantis, dos professores e do funcionalismo

público federal, foi aprovada a Lei n.º 1.254, de 1950, que federalizou “estabelecimentos de

ensino superior mantidos pelos estados, pelos municípios e por particulares.”31

(CUNHA,

2007b, p. 78).

30

Faculdade de Medicina, da USP; Faculdade de Farmácia e Bioquímica, da USP; Faculdade de Medicina

Veterinária, da USP; Escola Paulista de Medicina; Faculdade de Medicina de Sorocaba, da PUC-SP; Faculdade

de Medicina, de Campinas; Faculdade de Ciências Médicas e Biológicas, de Botucatu. 31

No total foram 39 instituições federalizadas neste período.

Page 58: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

57

Na década de 1960, a União já não conseguia manter os investimentos no setor da

educação superior, e o próprio CFE instituiu que nenhuma nova federalização deveria

acontecer enquanto as despesas do governo estivessem acima do teto orçamentário32

.

Em setembro de 1963, o CFE entregou o plano ao ministério da Educação, cobrindo

o período de 1963/70, [...] esses compromissos estabeleciam para 1970 a meta de

matricular pelo menos a metade dos que terminassem o grau médio e de estender o

regime de tempo integral a pelo menos 30% de professores e alunos. No entanto, o

texto do plano dizia que os recursos previstos para o Fundo Nacional do Ensino

Superior eram insuficientes até mesmo para manter o sistema funcionando, ainda

mais para propiciar o atingimento daquela meta. (CUNHA, 2007b, p. 79).

Nos últimos anos da República Populista, o ensino superior ficou concentrado no

ensino universitário, com 65% do total de matrículas. A expansão do ensino superior também

pode ser observada pelo crescimento vertiginoso do número de vagas, que saltou de 27.253

estudantes em 1945 para 142.386 estudantes em 1964, ou seja, um crescimento anual linear de

12,5%. Importante destacar que, na década de 1950, houve o processo de federalização, em

que escolas isoladas foram transformadas em instituições federais de ensino e, na década de

1960, houve um novo processo de federação, com a criação de novas universidades federais.

Ambos os processos resultaram num aumento exponencial do número de matrículas, que na

década de 1960 chegou a 81% do total (CUNHA, 2007b).

O grande aumento na procura das instituições universitárias gerou o problema dos

excedentes, que são candidatos aprovados nos vestibulares, mas impedidos de se matricular

pela limitação das vagas. Tal fenômeno estendeu-se principalmente após 1964, o que agravou

a crise no sistema educacional nesse período. “A política educacional pós-1964 definiu-se

pela fragmentação interna do ensino superior, pela segregação das universidades em campus e

pela privatização, aproveitando as vias abertas na república populista.” (CUNHA, 2007b, p.

84).

Referente ao ensino superior, o anteprojeto da LDB/1961 propunha mudanças

substanciais na constituição das universidades, embora com maior flexibilidade, bem

diferente da rigidez imposta pelo Estatuto das Universidades de 1931. Dentre as principais

mudanças, a LDB propunha “a autonomia universitária, em termos didáticos, administrativos

e financeiros.” (CUNHA, 2007b).

Ainda que as instituições universitárias conseguissem mais liberdade

administrativa, continuavam a ser supervisionadas pelo CNE, que tinha o poder de aprovar ou

vetar os estatutos dos estabelecimentos, reconhecer ou não os cursos oferecidos e conceder ou

32

Parecer 60/64.

Page 59: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

58

não a certificação dos diplomas. Essa concepção foi chamada por Villalobos (1969 apud

Cunha, 2007b) de “liberdade vigiada”.

O ensino privado seria reconhecido apenas se não fizesse concorrência às

instituições públicas, pois a concessão de muitos títulos poderia rebaixar o nível do ensino,

uma vez que o ensino superior deveria ser destinado apenas aos que possuíssem “nível

intelectual e aptidão adequada”; para que pessoas desqualificadas não ingressassem no ensino

superior, o anteprojeto também modificava o mecanismo de seleção dos candidatos. De

acordo com o anteprojeto:

[...] O ingresso nele dependeria de exame de admissão, exigindo-se, para os

estudantes provenientes das escolas técnicas, o estudo das disciplinas do secundário

porventura não cursadas. O exame de admissão para o colégio universitário deveria

verificar, também, a capacidade do candidato de “redigir corretamente na língua

vernácula”. Os aprovados em um dos cursos do colégio universitário poderiam se

matricular no curso superior ao qual aquele estivesse ligado. Os egressos das escolas

médias profissionais poderiam se candidatar apenas nos cursos das escolas

superiores ou dos colégios universitários relacionados com os cursos previamente

realizados. (CUNHA, 2007b, p. 98).

O anteprojeto foi encaminhado pelo Presidente da República ao Congresso

Nacional, tendo sofrido críticas, principalmente dos defensores da pedagogia autoritária e das

instituições privadas. Foi, então, “engavetado” e praticamente esquecido, até retornar ao

debate em meados da década de 1950, impulsionado pela defesa da liberdade de ensino, fato

principalmente defendido pelas instituições privadas referentes ao ensino médio. Portanto, os

educadores liberais defendiam as propostas contidas no anteprojeto de 1948, almejando, com

isso, uma reforma do sistema escolar.

No Congresso Nacional, a retomada da discussão sobre o anteprojeto da LDB

culminou com incontáveis vetos e artigos substitutivos, que ora agradavam a bancada

populista/liberais, ora agradavam a bancada autoritarista. A bancada que rompeu com essa

disputa foi a bancada religiosa, no caso a católica, que entrou no debate em defesa da

liberdade de ensino.

Entre discussões e novos artigos, surgiu uma nova estruturação da LDB em 1958.

O anteprojeto pouco se referia ao ensino superior, abrindo ao máximo a autonomia dos

estabelecimentos de ensino e atribuindo ao CNE o poder de reconhecer as IES, fazendo-o

julgar os pedidos a partir das recomendações das universidades (CUNHA, 2007b).

Surgiu nesse momento um movimento conhecido como “Campanha de Defesa da

Escola Pública”, que defendia a expansão da escola pública como condicionante para o

processo democrático, a igualdade de oportunidades e o desenvolvimento econômico baseado

Page 60: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

59

na industrialização. Tal campanha foi impulsionada por vários setores da sociedade,

principalmente entre as classes estudantis e trabalhadoras. Como exemplo, temos a realização

da I Convenção Operária em Defesa da Escola Pública, realizada em fevereiro de 1961, que

contou com o apoio do Sindicato dos Metalúrgicos da Cidade de São Paulo.

Por fim, o anteprojeto da LDB foi apresentado ao Congresso, tendo sofrido

alterações referentes ao aspecto técnico-pedagógico, semelhante ao anteprojeto de 1948, e

com alterações nos dispositivos privatistas. Essa versão foi apresentada à Câmara em janeiro

de 1960, tendo sofrido poucas alterações; depois foi encaminhada ao Senado, em agosto de

1961, que inseriu novos elementos ao projeto. Em dezembro do mesmo ano, foi encaminhada

ao Presidente da República, João Goulart, que sancionou a LDB33

e:

[...] legitimou as principais reivindicações dos interesses privativistas, denominados

interesses da “liberdade do ensino”, objeto, aliás, de todo um título do texto legal.

Apesar de determinar a obrigatoriedade do ensino primário [...]. Ao Estado caberia o

dever de fornecer à família os recursos indispensáveis para que ela pudesse se

desobrigar dos encargos da educação, quando deles tivesse carência. (CUNHA,

2007b, p. 112, grifo nosso).

Referente ao ensino superior, mesmo com a promulgação da LDB/1961, o

formato de ingresso permaneceu o mesmo, com a realização dos “exames vestibulares”, em

que o candidato teria que ter concluído o ensino médio e portar o certificado de conclusão

deste para poder ingressar no ensino superior.

Outro fato importante foi a substituição do CNE pelo CFE, que tinha o poder de

decidir sobre o funcionamento dos estabelecimentos isolados de ensino superior (oficial ou

particular), além de determinar o reconhecimento das universidades.

[...] Ele tinha o poder de intervir em qualquer universidade, oficial ou particular,

nomeando um reitor pro tempore, chamando a si a atribuição do conselho

universitário, assim como decidindo sobre recursos encaminhados contra decisões

deste mediante simples inquérito administrativo. Ao CFE cabia, também, indicar as

disciplinas obrigatórias para o ensino médio, a duração e o currículo mínimo dos

cursos superiores que visassem à obtenção de “diploma capaz de assegurar

privilégios para o exercício de profissão liberal.”. (CUNHA, 2007b, p. 113).

No fim do período populista, ocorreu o início das reivindicações estudantis,

principalmente no início de 1963, em que os estudantes passaram a se mobilizar em defesa

dos seus próprios interesses.

Uma das principais reivindicações estudantis referiu-se ao aumento de sua

participação na gestão das IES, crescendo sua representatividade para um terço (33,3%) dos

33

Lei n.º 4.024, de 20 de dezembro de 1961.

Page 61: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

60

representantes das comissões deliberativas. Para tanto, iniciaram uma das maiores greves34

deflagradas dos estudantes, que perdurou do início de junho a meados de agosto. A iniciativa

não logrou o êxito esperado, e “a greve foi suspensa pelos estudantes, em razão do desgaste

interno do movimento e, também, de ameaças cruzadas de golpe [...].” (CUNHA, 2007b, p.

119).

No intento de prosperidade e desenvolvimento do ensino superior, foram os

militares que desenvolveram um segmento especificamente educacional voltado ao ensino

superior. Trata-se do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), inaugurado em 1947, no

Rio de Janeiro, apresentando inovações acadêmicas nunca vistas nas IES no Brasil até aquele

momento, como podemos observar:

[...] (1) os professores não ocupavam cátedras vitalícias, ganhas por concurso ou

nomeação, mas eram escolhidos pela congregação através do exame dos seus

currículos e contratados pela legislação trabalhista, a qual possibilitava seu

desligamento se eles não correspondessem às expectativas quanto à capacidade e

eficiência; (2) a carreira de magistério se estruturava de modo que o primeiro

degrau, o de “auxiliar de ensino”, fosse em geral ocupado por estudantes de pós-

graduação e os demais, “professores assistentes”, “associados” e “plenos”, fossem

sendo galgados pelo merecimento comprovado, independentemente da abertura de

vagas; (3) a organização era departamental, reunindo professores e auxiliares

técnicos e administrativos, bem como recursos materiais para as atividades de ensino

e pesquisa em um campo profissional ou assuntos afins, substituindo, assim, a

cátedra como unidade básica do ensino superior; (4) os professores e os estudantes

residiam no campus e dedicavam-se exclusivamente ao ensino e à pesquisa; (5) os

professores estavam à disposição dos estudantes fora do tempo das aulas, de modo

que as dúvidas e os temas relacionados podiam ser explorados de modo produtivo;

(6) o currículo era flexível, podendo-se acrescentar ou subtrair disciplina conforme

as necessidades e a disponibilidade de pessoal docente; (7) as cinco séries do curso

estavam divididas em uma parte “fundamental”, de dois anos – na qual se estudavam

os assuntos comuns a todas as especializações, e corrigiam-se os defeitos trazidos do

curso secundário e alertavam-se os estudantes para a importância da ciência pura

para a engenharia do “amanhã” -, e uma parte “profissional”, de três anos, na qual se

concentravam as disciplinas que levavam às especializações; (8) promoção do

autogoverno e da autodisciplina, tornando a “cola” um expediente raro; (9) estímulo

à investigação e à pesquisa, principalmente nos cursos de pós-graduação, visando

formar novos docentes e pesquisadores. (TOLLE, 1964 apud CUNHA, 2007b, p.

129 -130).

Podemos afirmar que o ITA já começava a desenvolver uma reestruturação no

ensino superior, com propostas renovadoras no cenário educacional, propostas que

desencadearam uma mudança de comportamento tanto dos setores governamentais, como dos

professores e dos estudantes.

34

Esta greve ficou conhecida como greve do “um terço”, devido à própria reivindicação grevista.

Page 62: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

61

O sistema de ingresso ao ITA também era diferenciado, pois eram “selecionados

por exames intelectuais de rigor inigualado por nenhuma outra escola do país, completados

por exames psicotécnicos, estes ausentes nas demais.” (CUNHA, 2007b, p. 130).

Dois anos depois de criado o ITA, o almirante Álvaro Alberto da Mota e Silva

propôs um anteprojeto para a criação do Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq), que foi

encaminhado ao Congresso em 1949 e regulamentado35

em 1951. A iniciativa, assim como

outras de criar um instituto de pesquisa externo às universidades, deve-se à própria tentativa

de suprir essa necessidade, claramente deficiente nas universidades presentes até aquele

momento. Vários professores bolsistas do CNPq foram para países estrangeiros realizar

pesquisas científicas, e quando voltaram, puderam iniciar pesquisas no Brasil, nos moldes

desenvolvidos nos outros países. Essa constitui uma contribuição, mesmo que indireta, do

CNPq ao desenvolvimento de pesquisas no país.

A modernização do ensino superior iniciada pela criação do ITA chegou ao auge

com a proposta de criação de uma universidade no centro do país, a UnB. Em dezembro de

196136

, o Congresso Nacional autorizou o executivo a instituir esta universidade como

fundação de direito público. No ano seguinte, o Presidente da República criou a Fundação

Universitária de Brasília37

, e no mesmo ano foi aprovado o seu estatuto38

. “[...] O plano da

nova universidade negava a estrutura e o funcionamento do ensino superior existente,

almejando realizar uma utopia universitária.” (CUNHA, 2007b, p. 140).

Portanto, com a criação de uma nova visão de instituição universitária, se iniciava

uma proposta de renovação do ensino superior. Dentro dessa proposta, para o interesse do

presente estudo, detemo-nos no formato de ingresso. Observamos que havia dois tipos de

estudantes: os regulares, que buscavam formação em nível de graduação ou de pós-graduação,

e os estudantes especiais, que procuravam o ensino de disciplinas específicas, ao qual eram

destinados 10% das vagas. Para os alunos regulares, o formato de ingresso seriam os exames

vestibulares, realizados em diversos pontos do território nacional, com a inclusão de testes

vocacionais e de aptidão. Já os alunos especiais não precisavam realizar os exames

vestibulares, pois não era exigido o atestado de escolaridade do ensino secundário, de modo

que os candidatos apenas deveriam ter os conhecimentos necessários para o estudo da

disciplina solicitada.

35

Lei n.º 1.310, de 15 de janeiro de 1951. 36

Lei n.º 3.998, de 05 de dezembro de 1961. 37

Decreto n.º 500, de 15 de janeiro de 1962. 38

Decreto n.º 1.872, de 12 de dezembro de 1962.

Page 63: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

62

Mais de um crítico da Universidade de Brasília advertiu que por esta porta larga e

democrática dos “estudantes especiais” a universidade terminaria vendo simples

pedreiros assistir a seus cursos de construção civil. O que nos estranha é pensar que

não tenha sido precisamente para isso que ela abriu suas portas. (RIBEIRO, 1969

apud CUNHA, 2007b, p. 145).

Uma segunda pauta foi a criação do “ano do vestibular”, em que todos os

candidatos ao ingresso no ensino superior fariam um ano de estudos prévios, sendo

observados pelos professores, que, ao final desse ano, escolheriam os estudantes melhores e

mais aptos, orientando-os para a carreira adaptadas à vocação de cada um.

Em 1962, foi introduzido o regime departamental dentro das universidades,

substituindo a antiga composição em cátedras. Contudo, a resistência à extinção das cátedras

era grande devido à própria presença de catedráticos dentro do CFE, culminando com a

decisão de permanência das cátedras dentro das instituições federais de ensino superior. Já as

instituições estaduais, municipais e particulares poderiam escolher entre o regime de cátedras

ou departamental.

O departamento era aconselhado como a forma mais eficiente de organização de

recursos humanos e materiais para o ensino e a pesquisa, recomendando-se a eleição

do chefe pelos seus pares, inclusive os professores não catedráticos. (CUNHA,

2007b, p. 155).

Não podemos deixar de citar que o movimento de modernização do ensino

superior no Brasil teve influências do governo dos Estados Unidos da América,

principalmente após 1961, quando se intensificou o combate ao comunismo, em pleno vigor

da ameaça da Guerra Fria.

Uma das primeiras reivindicações para a reforma universitária refere-se ao caráter

pedagógico-administrativo, pois se considerava “que os métodos educacionais atualmente em

vigor, no país, são em muitos aspectos, arcaicos, rotineiros e prejudiciais ao desenvolvimento

e formação da mocidade, apesar do constante esforço do poder público no sentido de melhorá-

los.” (CUNHA, 2007b, p. 170).

Também foram reivindicados os direitos políticos como movimento da reforma

universitário, conforme relata Cunha (2007b):

[...] “o exercício das liberdades de pensamento, de cátedra, de imprensa, de crítica e

de tribuna, de acordo com as necessidades e fins sociais”; a seleção dos estudantes

pelo “critério das capacidades comprovadas cientificamente, e não critérios

econômicos”; a eleição dos reitores das universidades e dos diretores das escolas por

professores e estudantes representados nos conselhos; a livre associação dos

estudantes dentro da universidade com representação paritária nos conselhos

universitários (da universidade) e técnico-administrativos (de cada escola). (p. 170).

Page 64: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

63

Vale destacar que, no ano de 1918, foi criada na Argentina a Federação

Universitária Argentina, reunindo delegados das universidades presentes nesse país39

. No

mesmo ano, foi realizado o primeiro congresso em Córdoba, tratando-se da reforma

universitária argentina. Nesse evento, foi firmada a Carta Magna da Reforma Universitária,

também conhecida como Carta de Córdoba, que definia como principais pontos da reforma

universitária:

[...] participação dos estudantes e dos formados na direção da universidade (o

princípio do co-gobierno); autonomia universitária; assistência livre, como meio de

forçar professores a melhor prepararem as aulas; seleção dos mais capazes e não dos

mais favorecidos economicamente; instituição de livre-docência com valor igual ao

do curso oficial; periodicidade das cátedras; publicidade dos atos universitários;

extensão universitária; ajuda social aos estudantes; diferenciação das universidades

conforme as peculiaridades regionais; orientação social dos estudantes

universitários, abordando os grandes problemas nacionais. (CUNHA, 2007b, p.

172).

No Brasil, o I Seminário Nacional da Reforma Universitária foi realizado em

Salvador/Bahia, em 20 a 27 de maio de 1961, apresentando seis temáticas40

em torno da

reforma universitária, sendo apenas um dos relatórios temáticos reprovados41

. Resultou desse

Seminário um conjunto de propostas para a reforma universitária, que ficou conhecida como

“Carta da Bahia”. (UNIÃO NACIONAL DOS ESTUDANTES, 1961 apud CUNHA, 2007b).

Um dos principais objetivos da reforma universitária era conquistar a autonomia

da universidade diante do governo, para, com isso, ter direito de realizar mudanças

necessárias dentro do próprio ambiente universitário, sem repressão governamental. Uma

dessas mudanças referia-se a modificar o sistema de ingresso e aprovação.

Mas os estudantes e intelectuais que pregavam a reforma universitária sofreram

um grande golpe: quando encerrou o Seminário em Salvador, souberam da aprovação pelo

Congresso Nacional da LDB/61, que vinha com propostas contrárias às defendidas no

Seminário, principalmente no que se tratava da defesa da escola pública.

No ano de 1962, foi realizado o II Seminário Nacional de Reforma Universitária

em Curitiba/Paraná, que apresentou seis grupos temáticos relacionados à análise da

39

Havia universidades em Buenos Aires, Córdoba, La Plata, Tucumán e Santa Fé. 40

As temáticas eram: (1) O exame vestibular, o programa e o currículo, o sistema de aprovação; (2) A

administração da universidade, a participação do corpo discente na administração da universidade, a autonomia

da universidade; (3) Condições de funcionamento: instalações, salas de aula etc., pesquisa; (4) Realidade

brasileira, mercado de trabalho; (5) Corpo docente, cátedras vitalícia, tempo integral; (6) Função da

universidade. 41

O único relatório temático reprovado foi o de Condições de funcionamento: instalação, salas de aula etc.,

pesquisa.

Page 65: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

64

universidade42

. O documento final do seminário constituiu a “Carta do Paraná”, com maior

consistência que a própria Carta da Bahia, por apresentar propostas mais inovadoras, como a

defendida por Vieira Pinto do abandono da reivindicação da autonomia universitária, além de

outras proposições:

São dois os magnos objetivos da reforma universitária e que precisam ser bem

conhecidos; o primeiro, como sendo a criação da intelectualidade revolucionária que

esteja impregnada de ideologia a serviço das massas trabalhadoras, e levem a

soluções socializantes as lutas dessas classes; e, em segundo ponto, a pesquisa das

referidas soluções inéditas que a realidade brasileira implica, embora ainda pouco se

possa dizer sobre suas possibilidades. Mas um fato de repercussão tão vasta sobre a

vida nacional não deve nem de longe ser afastado do quadro das lutas de classe, mas

entendido como uma das suas manifestações mais violentas. Já se compreende que a

manutenção da antiga estrutura universitária é impossível, e, portanto, a divisão das

lutas é em torno da reforma como deverá ser feita. (UNIÃO NACIONAL DOS

ESTUDANTES, 1962 apud CUNHA, 2007b, p. 193).

Mas o objetivo central da reforma universitária, presente na Carta do Paraná, era o

de “eliminar os entraves ao desenvolvimento do capitalismo no Brasil”, trazendo como

propostas a “eliminação do analfabetismo e do pauperismo urbano e rural, e a promoção da

politização das massas”. Lembramos que uma das principais manifestações produzidas pela

Carta do Paraná foi a greve do “um terço”, pois a representação estudantil era um dos pontos

mais importantes das reivindicações desta Carta.

Contudo, conforme Cunha (2007b), Vieira Pinto ressaltava que a luta pela

Reforma Universitária estava sendo travada mais fora das universidades do que no seu

interior, o que, talvez, demonstrasse a pouca expressividade do ambiente universitário e o

enfraquecimento desse movimento.

Em síntese, a mobilização estudantil dos professores e dos reitores propiciou o

fortalecimento de uma política, propondo a reforma universitária. Embora essas

reivindicações iniciassem no período da República Populista, apenas em 1968 foi aprovada a

Reforma Universitária com postos-chaves para definir as bases do ensino superior e as

diretrizes para sua modernização, como veremos a seguir.

1.6 Ditadura Militar (1964 – 1985)

O fim da República Populista é marcado pela posse do vice João Goulart na

presidência da República, no lugar de Jânio Quadros, que renunciara ao cargo em 1961, sete

42

Os grupos temáticos foram divididos em: (1) do ponto de vista estrutural (duas comissões); (2) do ponto de

vista regional; (3) do ponto de vista cultural; (4) do ponto de vista político-social; e (5) teorização da

universidade.

Page 66: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

65

meses após sua posse. Embora empossado, Goulart pouca autonomia apresentava no cargo de

Presidente, uma vez que opositores militares instalaram um estado de governo, onde as

principais decisões eram tomadas por uma junta militar.

A luta contra o comunismo e o interesse político que cercava a política governista

desencadeou o golpe militar em 31 de março de 1964, destituindo Goulart, e conduzindo para

a Presidência o Marechal Castelo Branco, sucedido, com eleições indiretas no Congresso

Nacional, pelo General Arthur Costa e Silva.

No período da Ditadura Militar, no âmbito do ensino superior, surgiu uma política

de modernização, com inovações que já vinham se desenvolvendo desde 1940, e agora foram

intensificadas, com novas propostas, como a criação de agência de fomento para o

desenvolvimento de pesquisas, como é o caso do Banco Nacional de Desenvolvimento

Econômico - BNDE, da Financiadora de Estudos e Projetos - Finep, do CNPq e da

Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Capes; e a extinção das

cátedras, formando agora como estrutura a carreira docente (CUNHA, 2007c).

Nos primeiros anos da Ditadura Militar, também observamos uma expansão do

ensino superior; contudo, a ótica nesse momento estava centrada em um projeto liberal

autoritário, conservador, desmobilizador e excludente. “Esse projeto conduzirá o ensino

superior a um processo crescente de vulgarização, deterioração, controle e privatização.”

(OLIVEIRA, 1994, p. 121).

O Estado passou a valorizar a iniciativa privada justamente para se desobrigar da

responsabilidade pela educação, criando mecanismos para, por exemplo, eliminar a gratuidade

do ensino, principalmente no ensino superior.

A discriminação dos estudantes pobres se dá, portanto, através do ensino de má

qualidade das escolas privadas e isoladas e de outros mecanismos de seleção

socioeconômica como o vestibular, por exemplo. (OLIVEIRA, 1994, p. 122).

Portanto, nesse período, diferente dos anteriores, temos finalmente o objetivo de

reestruturação do ensino, principalmente o ensino superior, com propostas para implantação

de verdadeiras universidades no Brasil. Tendo ocorrido o golpe em 1964, quatro anos após, os

militares adotaram uma política autoritária e ditatorial, sendo em novembro de 1968

promulgada a Lei n.º 5.540, que trata da Reforma Universitária.

Tal reforma tinha como objetivo desvincular os antigos modelos cultuados nas

universidades brasileiras, como o modelo francês de Napoleão Bonaparte ou o alemão de

Humboldt, para promover sua modernização na direção do modelo norte-americano.

Page 67: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

66

Com efeito, a modernização do ensino superior na direção do modelo norte-

americano já vinha ganhando terreno lenta, mas solidamente, desde os anos 1940

[...]. A própria Universidade de Brasília expunha esse modelo à pronta difusão.

(CUNHA, 2007c, p. 20).

Embora o golpe militar tenha acontecido em 1964 e a Reforma Universitária em

1968, durante esse período já era desenvolvido um programa de reestruturação do ensino,

através de um projeto desenvolvido pelo Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (Ipes); e se a

lei da Reforma Universitária não foi rapidamente promulgada (isso em 1964), é porque essa já

estava, pelo menos parcialmente, implantada, necessitando apenas neutralizar (ou eliminar) os

opositores a essa nova estrutura educacional (CUNHA, 2007c).

Reitores foram demitidos, professores foram afastados, bibliotecas foram

expurgadas, mas a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e o Conselho

Federal de Educação, com seus pareceres e resoluções, mais o Plano Nacional de

Educação, foram mantidos, vindo este último a ser o alvo de algumas modificações

[...]. (CUNHA, 2007c, p. 23).

Por meio da Reforma Universitária, o “exame vestibular” passou a se chamar

“concurso vestibular”, tendo como prerrogativa um vestibular unificado e classificatório43

,

constituído de provas objetivas. Com esse novo modelo de vestibular, esperava-se a

diminuição das pressões causadas pelos excedentes, assim como aumentar a produtividade do

sistema com a ocupação de todas as vagas acadêmicas.

Houve também, em decorrência da Reforma Universitária, uma expansão do

ensino superior, pois a partir desse momento o título acadêmico era almejado, e se tornara um

produto que poderia ser comercializado para aqueles que não conseguiam ingressar em uma

IFES.

A maioria dos candidatos pobres dos concursos vestibulares não conseguia ser

aprovada nos cursos “nobres” das universidades gratuitas e acabava sendo (re)

classificado para os cursos pagos e em geral de pior qualidade das instituições

particulares. (OLIVEIRA, 1994, p. 126).

Outro mecanismo de contenção ao ensino superior surgiu com a criação dos

cursos profissionalizantes no 2.º grau44

, justamente para que os estudantes egressos do

segundo grau já entrassem no mercado de trabalho, não chegando a ingressar no ensino

43

Mesmo contendo na reforma universitária a unificação do vestibular assim como o sistema classificatório,

foram necessários dois decretos-leis para legitimá-los, assim foi instituído o Decreto-Lei n.º 464 de 11 de

fevereiro de 1969, referente ao vestibular unificado por região e/ou por tipo de curso; e o Decreto n.º 68.908 que

instituía o sistema classificatório de ingresso ao ensino superior de acordo com as notas obtidas no “concurso

vestibular”. 44

Lei n.º 5.692/71.

Page 68: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

67

superior. Tal medida, além de diminuir o número de candidatos ao ensino superior, também

tinha como objetivo a proteção do valor intrínseco do diploma, temendo-se a perda do valor

econômico e do valor simbólico dos portadores de títulos acadêmicos. Recomeçava nesse

momento a discriminação socioeconômica do processo seletivo, em que só deveriam ingressar

no ensino superior as pessoas pertencentes às classes dominantes (OLIVEIRA, 1994).

Faz-se necessário citar nesse momento o acordo firmado entre o Ministério da

Educação - MEC e a United States Agency for International Development – Usaid, em que

esse último ficaria responsável por desenvolver a reforma do ensino brasileiro, seguindo os

moldes e princípios da economia capitalista. Nesse acordo, conhecido como Acordo MEC-

Usaid, houve a reestruturação do sistema educacional, com a junção do curso primário e

ginasial, surgindo, dessa forma, o Primeiro Grau (em 8 anos). Houve também a junção dos

cursos clássico e científico, vindo a ser chamado de Segundo Grau (em 3 anos), e o ensino

superior passou a ser chamado de Terceiro Grau. Esse acordo exigia o assessoramento norte-

americano, assim como também exigia o ensino da Língua Inglesa desde o início da

escolarização dos estudantes a e retirada de algumas disciplinas consideradas obsoletas como

filosofia, latim e educação política.

No processo da reforma universitária, vale destacar o projeto da Universidade do

Brasil, que propôs a separação entre a representação discente e os diretórios estudantis, para

com isso bloquear os movimentos estudantis, além do projeto do Ipes, com propostas de

modernização tecnológica e de privatizações no setor educacional.

Nos primeiros anos da ditadura, iniciou-se um processo de censura visando à

contenção das ideias comunistas, ou simplesmente ideias “exóticas” ou “alienígenas”; com

isso, vários professores e administradores universitários perderam seu cargo, sendo demitidos

sem uma causa aparente.

A UnB, no ano de 1964, foi palco dos maiores confrontos entre estudantes e

militares, sendo o reitor, Anísio Teixeira, e o vice-reitor, Almir de Castro, demitidos de seus

cargos, assim como todo Conselho de Fundação da Universidade de Brasília.

O campus da Universidade de Brasília foi tomado como se fosse um reduto armado

de tropas inimigas. Só isso explica por que 400 homens da Polícia Militar do Estado

de Minas Gerais ocuparam a universidade no dia 9 de abril de 1964, secundados por

tropas do exército oriundo de Mato Grosso. Os soldados procederam à ampla revista

das pessoas e das instalações, interditando departamentos e biblioteca, apreendendo

livros considerados subversivos. (CUNHA, 2007c, p. 40).

Page 69: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

68

O CFE reduziu o número de cursos na UnB, assim como fixou a estrutura dos

currículos mínimos dos cursos; portanto, os estudantes já deviam se definir ao curso

pretendido no momento da inscrição ao exame vestibular.

[...] Em 1965, dos 1.085 alunos regulares, 264 estudavam Direito; 146, Letras

Brasileiras; 45, Biblioteconomia; 51, Jornalismo; 121, Artes; 35, Psicologia; 17,

Cinema. O número de alunos seria, também, muito baixo em relação ao de

professores: 3,8. Em cursos de alto custo havia um número injustificadamente

pequeno de estudantes, como o de Química (6 estudantes). (CUNHA, 2007c, p. 47).

No cargo de ministro da Educação, Suplicy de Lacerda baixou uma portaria45

que

determinava que os reitores das universidades e os diretores das faculdades cumprissem o Ato

Institucional n.º1, implantando, dessa forma, uma comissão de inquérito dentro de cada

instituição universitária.

Isso gerou várias repercussões no âmbito acadêmico, como aconteceu na

Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil, em que foram fechados os cursos

pré-vestibulares mantidos pelo Diretório Acadêmico, extintos os cursos noturnos e eliminado

o critério classificatório nos exames vestibular, embora esse último tenha retornado devido à

reforma universitária em 1968.

A desestabilização do movimento estudantil foi outro ponto marcante da política

militar no período da ditadura. Ainda no Período Republicano, a participação dos estudantes

universitários foi bastante ampliada, principalmente com a participação desses no Fórum

Universitário46

, isso em 1963. Entretanto, quinze dias após o golpe militar, Gama e Silva,

então ministro da Educação, cuidou de retirar a representação estudantil desse Fórum.

Contudo, os movimentos estudantis não foram sempre motivo de contestação,

pois a universidade, o empresariado e o próprio governo procuravam apoio dos estudantes em

participação política. Um exemplo disso foi a criação da extensão universitária, em que as

universidades poderiam colocar seus recursos materiais, humanos e de pesquisa a serviço da

comunidade, sem a necessidade de mercado de trabalho, para inserir esse trabalho

desenvolvido a nível acadêmico.

Referente à modernização do ensino superior, fazia parte dos planos do novo

regime o processo de modernização, observado pelo Programa de Ação Econômica do

Governo – 1964/1966, que consistia em um detalhamento do projeto que o Ipes havia

formulado antes de 1964.

45

Portaria s/n, de 20 de abril de 1964. 46

Órgão colegiado de assessoria ao ministro da Educação criado pela Portaria 67, de 27 de fevereiro de 1962.

Page 70: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

69

Para o ensino superior, o PNE de 1962 foi marcante, pois se refere à necessidade

de conter o ritmo de crescimento do ensino superior; contudo, julgava haver um déficit de

vagas nessa modalidade de ensino, indicando que:

[...] apenas os jovens de uma certa faixa etária das cidades de um certo porte

poderiam ter reconhecido seu direito de candidatura ao ensino superior; admitiu a

necessidade de um aumento de 180 mil matrículas até 1970 para atender a critérios

que permitissem que a população das cidades com mais de 50 mil habitantes

tivessem um aluno matriculado para cada 100 habitantes, ou uma matrícula para 11

habitantes de 20 a 24 anos. Com isso, previa a matrícula de 300 mil alunos no ensino

superior, em 1970, cerca de três alunos por mil habitantes. (BRASIL, 1965 apud

CUNHA, 2007c, p. 68).

Esse Plano também previa a concessão de contribuição direta ou de bolsa

restituível, em que o governo financiava o estudante em estabelecimentos oficiais

particulares; contudo, essas bolsas seriam concedidas aos estudantes em cursos considerados

prioritários para a sociedade ou caso o estudante tivesse um excelente aproveitamento de

estudos e comprovassem incapacidade financeira de pagar pelo curso.

O PNE foi revisto em 1965. Nesse, o ensino superior manteve os mesmos

objetivos anteriores, em admitir, em 1970, pelo menos metade dos concluintes do ensino

médio, e manter pelo menos 30% dos cursos superiores em período integral. Determinava

também a aplicação do recurso nas instituições federais já existentes, para promover o

aumento de matrículas por ganho de produtividade, embora o financiamento de estudos em

instituições privadas continuasse a aumentar, chegando a tal ponto que, em 1973, “39% dos

recursos públicos despendidos com o ensino do grau superior consistiam em subsídios a

escolas particulares.” (CUNHA, 2007c, p. 70).

O modelo para reforma de base pretendida ao ensino superior brasileiro era

baseado no modelo vigente nos Estados Unidos, que tinha sua estrutura administrativa e

pedagógica enaltecida: “a estrutura das “melhores universidades norte-americanas” era

colocada como a que deveria orientar a reforma das brasileiras.” (CUNHA, 2007c, p. 71).

Assim, várias IES no Brasil tiveram seu padrão organizacional segundo as universidades

norte-americanas, como a UnB, o ITA e a Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto.

Referente ao ingresso no ensino superior, nesse período ainda havia como porta

para o ingresso a realização do exame vestibular. Não era classificatório, mas sim

eliminatório, e todo estudante que obtivesse média maior que cinco pontos seria considerado

apto. Como o número de candidatos aprovados era superior ao número de vagas, passaram a

existir os chamados “excedentes”, formados por estudantes aprovados nos exames

vestibulares, mas que não conseguiam se matricular por falta de vagas.

Page 71: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

70

Mesmo com a Reforma Rocha Vaz, ocorrida em 1925, que determinava a fixação

do número de vagas a cada ano, e para cada curso, instituindo desta forma o sistema

classificatório, a legislação do vestibular dava margem para interpretar a aprovação47

como

requisito que garantiria o direito à matrícula nas IES (CUNHA, 2007c).

A cada ano, surgiam mais estudantes “excedentes”, em consequência do aumento

pela procura de vagas nos cursos superiores. Com isso, o MEC passou a induzir as

universidades federais a aumentarem as vagas, principalmente nos cursos mais procurados,

como Medicina e Engenharia.

[...] Para as escolas de medicina, o número de candidatos por vagas variou entre 6,3

e 8,3 no período 1964/68; para as de engenharia, ente 3,6 e 4,7, no mesmo período.

Enquanto isso, para os demais cursos, o número de candidatos por vaga mal se

aproximava de 2. (BRASIL, 1970 apud CUNHA, 2007c, p. 83).

Assim, uma estratégia que passou a ser utilizada pelos estudantes excedentes

foram os mandatos judiciais, em que os mesmos entravam na justiça para solicitar a matrícula

nos cursos das IES. Uma lei também aprovada pelo Congresso Nacional autorizava as

instituições particulares a matricularem os excedentes recusados nas universidades oficiais

por falta de vaga.

[...] alguns juízes deferiam os mandatos de segurança impetrados por grupos inteiros

de candidatos aprovados, mas não matriculados por falta de vagas. As escolas

ficavam, então, obrigadas a receber esses estudantes, improvisando recursos

materiais e humanos. [...]. (CUNHA, 2007c, p. 83).

Outro fator de insatisfação referente ao regime pós-64 refere-se às camadas

médias da sociedade, que não eram beneficiadas pelas políticas educacionais do regime

militar, por exemplo, os próprios “excedentes”, em sua grande maioria, faziam parte dessa

classe social. E quando necessitava de recursos para outros fins, o governo federal

simplesmente cortava verbas das universidades, e/ou protelava a entrega de verbas constantes

do orçamento. Assim, o ensino superior via sua situação deteriorando a cada semestre.

Embora o grande problema fossem os excedentes, também houve situação

contrária a essa, em que não havia estudantes para preencher as vagas disponíveis, como era o

caso dos estabelecimentos de ensino agrícola. Para tanto, foi criada a lei n.º 5.46548

, de 3 de

julho de 1968, que estabelecia a reserva de vagas para esses cursos (agricultura e veterinária)

pelo menos metade de suas vagas para “candidatos agricultores ou filhos destes, proprietários

47

Essa aprovação configurava-se como a obtenção de nota igual ou superior a 5,0 (cinco) pontos. 48

Também conhecida como “lei do boi”.

Page 72: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

71

ou não de terras.” (CUNHA, 2007c, p.85), que residissem em zona rural, e outros 30% das

vagas para os candidatos nessas condições mas que residissem nas cidades ou vilas.

Essas medidas foram paliativas, pois cada vez mais crescia o número de

estudantes interessados em ingressar no ensino superior, tornando cada vez maior o número

de excedentes. Somando-se a isso, o movimento estudantil ganhava força, impulsionado pela

demanda dos próprios excedentes e pelas condições de ensino insatisfatório, o que alimentava

a ideia de que o ensino superior precisava de uma urgente reforma.

Nos dois primeiros anos da Ditadura Militar, a ação dos militares se restringiu,

basicamente, a ações repressivas, com prisões e demissão de professores e funcionários, e

expulsão de estudantes considerados “baderneiros”, gerando consequentemente o

sucateamento do ensino superior:

O funcionamento do ensino superior foi definido como precário, pois não havia salas

de aulas adequadas, os currículos não estavam atualizados, o corpo docente não era

competente nem trabalhava em tempo integral, a organização administrativa era

deficiente. Além disso tudo, ainda prevalecia uma espécie de peleguismo acadêmico,

que consistia na prática “de um sistema de empregos administrativos entre parentes

dos catedráticos.”. (CUNHA, 2007c, p. 87).

Outro ponto a ser destacado, que gerava muita tensão, é referente à cobrança de

anuidade nas IES, pois nas IES, onde os movimentos estudantis eram mais fortes, as taxas

eram mínimas ou nem existiam, e, nas IES onde os movimentos estudantis eram fracos, as

taxas chegavam ao nível de mercado. Havia outras revindicações que precisavam ser

equacionadas, como o problema dos excedentes de 1967, que lutavam pela garantia de vagas

em 1968; as paralisações que comprometiam os 180 dias dos calendários acadêmicos; a

cobraça descontrolada de mensalidades nas faculdades particulares; o alto preço dos livros

didáticos que sempre tinham seus conteúdos alterados, entre outras situações.

No pensamento da comissão49

, o ensino superior brasileiro estaria passando por um

verdadeiro “clima de falência de autoridade”. A causa desse clima seria a Lei de

Diretrizes e Bases de Educação Nacional, de 1961, que instituiu autonomia

administrativa e disciplinar das universidades e escolas isoladas, bem como atribuiu

ao Conselho Federal de Educação poderes bastante grandes, muito superiores aos

dos conselhos que o antecederam. (CUNHA, 2007c, p. 91).

Pelo exposto, era clara a necessidade de se implantar uma completa reforma no

ensino superior, para, dessa forma, organizar esse nível de ensino. Uma das soluções seria a

adoção do regime de créditos, pois permitiria o ingresso de mais de uma turma por ano para

49

Comissão que elaborou o Relatório Meira Matos.

Page 73: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

72

“aumentar o ritmo de trabalho de pessoal docente e articular melhor os horários no sentido de

aproveitamento total dos recursos existentes (salas de aula, laboratórios etc.).” (CUNHA,

2007c, p. 95).

Desde os anos de 1940, os norte-americanos já exerciam influência na educação

brasileira, ganhando forma nos anos de 1950 e se intensificando nos anos de 1960, graças ao

acordo firmado entre o governo brasileiro e a agência norte-americana Usaid. Nesse acordo, o

principal objetivo era desenvolver políticas educacionais voltadas para o ensino primário50

,

por se tratar da grande massa populacional “que a Aliança para o Progresso queria retirar da

influência comunista.” (CUNHA, 2007c, p. 155).

Contudo, chega um momento em que os estudantes do ensino fundamental

ingressam no ensino superior, havendo, dessa forma, a necessidade de aplicação de políticas

que atingissem esse grau de ensino, que nessa época se destinava às elites. Isso iniciou

precisamente no ano de 1963, quando veio para o Brasil uma nova equipe de consultores para

analisar a situação do ensino superior brasileiro, e propor estratégias para melhorá-lo.

O objetivo do Higher Education Team51

era descobrir meios para adequar a

assistência ao ensino superior à estratégia geral da Usaid e opinar sobre a

conveniência de se organizar um programa especificamente voltado para o ensino

superior, como já havia para outras áreas. (CUNHA, 2007c, p. 156).

Em 30 de junho de 1966 que foi firmado o convênio entre o MEC e a Usaid,

visando à modernização da administração universitária, com o seguinte diagnóstico da

situação nesse nível de ensino:

[...] da situação atual, que abria o convênio, dizia que o rápido crescimento do

número de universidades no Brasil (de 3, em 1944, para 37, em 1966) não deixou

tempo para que se cuidasse da administração universitária. Como resultado, antevia-

se o surgimento de problemas nas áreas de exames vestibulares, planejamento

acadêmico, administração financeira e planejamento físico das cidades

universitárias, que “tornar-se-ão tão complexos que limitarão severamente a

eficiência destas instituições e terão fatalmente efeito prejudicial no

desenvolvimento do ensino superior no Brasil.”. (CUNHA, 2007c, p. 203).

Tais consultores chegaram à conclusão de que o ensino superior brasileiro era

inadequado em termos qualitativos e quantitativos. Com exceção do Instituto Tecnológico da

50

De 1945 a 1966 foram destinados 57,4 milhões de dólares no ensino primário e apenas 5,5 milhões no ensino

superior. 51

Comissão de consultores contratados pela Usaid, composta por Rosson L. Cardwell, Raymond D. Larson, W.

Nelson Peach e Charles Wegley.

Page 74: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

73

Aeronáutica e da recém-criada UnB, as demais instituições diferiam muito dos padrões norte-

americanos:

[...] Os currículos eram rígidos; a maioria dos professores só dedicavam umas

poucas horas por semana à universidade; faltavam equipamentos nos laboratórios; as

bibliotecas eram pequenas, inadequadas e mal organizadas; os edifícios eram mal

utilizados; as condições de ingresso eram tão severas que não se chegava a

completar as vagas; a grande maioria dos estudantes só frequentava a universidade

uma parte do dia, como se trabalhassem em regime de tempo integral; os livros e

outros materiais didáticos eram escassos. (CUNHA, 2007c, p. 156-157).

Além desses pontos, o número de estudantes matriculados era irrisório se

comparado com os estudantes de países vizinhos como Argentina e Uruguai, assim como o

número de professores das universidades em todo Brasil ser menor que o número de

professores da cidade de Nova York.

Diante disso tudo, dizia o grupo não ser difícil entender por que os estudantes

brasileiros estavam tão frequentemente em greve e mais dedicados á política do que

aos estudos, assim como os professores brasileiros estarem procurando emprego nos

Estados Unidos e em outros países. (CUNHA, 2007c, p. 157).

O trabalho dos consultores da Higler Education Team foi interrompido pelo golpe

de estado em 1964; mesmo assim, tal comissão produziu um denso relatório sobre as

condições do ensino superior no Brasil, assim como elaboraram projetos para o melhoramento

desse nível de ensino que beneficiariam várias universidades e outras instituições ligadas ao

ensino superior.

Desses projetos, os cursos de pós-graduação foram os mais favorecidos, com a

estratégia de formar professores para os cursos superiores, pois que “a Usaid sozinha

concedeu 3.800 bolsas de estudo a brasileiros no período de 1965-1970.” (CUNHA, 2007c, p.

161). Contudo, dois projetos merecem ser apreciados com maiores detalhes, o primeiro se

refere à organização de uma Equipe de Assessoria ao Planejamento do Ensino Superior,

composta por técnicos brasileiros e norte-americanos, sendo que esse convênio ficou

conhecido como convênio MEC-Usaid. E o segundo trata-se da intenção de modernizar a

administração das universidades com o auxílio de consultores norte-americanos e da

concessão de bolsas de estudos nos Estados Unidos.

Em 1965, foi firmado convênio entre o MEC (através da Diretoria do ensino

superior) e a Usaid, em que foi constituída uma Equipe de Planejamento do Ensino Superior

(Epes), com a doação de 500 mil dólares por parte da Usaid, e de recurso do governo

brasileiro “não expresso em termos monetários.” (CUNHA, 2007c, p. 162). Da mesma forma

Page 75: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

74

como em 1965, em 1967, foi firmado um novo convênio entre o MEC e a Usaid devido,

principalmente, ao movimento estudantil contrário ao acordo MEC-Usaid. Esse novo acordo

tinha como estratégia apenas o de assessorar o planejamento do ensino superior. A antiga

Epes foi substituída pela Eapes – Equipe de Assessoria ao Planejamento do Ensino Superior,

cabendo “às autoridades brasileiras competentes a responsabilidade de determinar a política e

as normas de Educação, bem como de aprovar ou não todos os planos elaborados.” (CUNHA,

2007c, 166).

Tanto a Epes como a Eapes eram comissões formadas metade por representantes

norte-americanos e a outra metade por representantes brasileiros; ao final dos trabalhos dessas

comissões, foram emitidos pareceres em separado (textos dos norte-americanos e textos dos

brasileiros), com propostas para o ensino superior.

Em nível de interesse deste trabalho, vemos a seguir as deliberações propostas

pelas comissões norte-americana e brasileira para o sistema de ingresso ao ensino superior.

A Eapes criticou duramente os critérios utilizados nos exames vestibulares,

principalmente por não prestar nem à previsão do êxito dos candidatos ao exame, nem à

seleção para as vagas disponíveis; para o primeiro problema foi sugerido que uma comissão

de brasileiros elaborasse um conjunto de testes aplicados aos candidatos a curso de ensino

superior, “os testes teriam como objetivo medir a capacidade de raciocínio, a capacidade de

manipular conceitos abstratos e analíticos; a capacidade de leitura e de compreensão.”

(CUNHA, 2007c, p. 173).

Já para o problema das vagas disponíveis, os consultores norte-americanos

criticaram as características dos alunos brasileiros, que não migravam para outros estados em

busca do curso pretendido, assim como os mesmos não realizavam teste de aptidão para a

candidatura aos cursos superiores, fato diverso dos estudantes norte-americanos que quase

sempre cursam o ensino superior em estado diferente do que cursou o ensino médio, além de

realizarem testes de aptidões e confiarem neles.

Portanto, para solucionar o problema dos excedentes, os consultores propuseram

que os exames vestibulares adotassem o critério classificatório, pela ordem decrescente das

notas obtidas nos exames de acordo com a quantidade de vagas disponível. “A combinação

dos testes de aptidão para estudos superiores com a admissão pela ordem de notas levaria à

alteração da própria estrutura desse grau de ensino.” (CUNHA, 2007c, p. 174). A comissão

também citou, brevemente, sem maiores detalhes, que os exames vestibulares deveriam ser

unificados por instituição, e não mais aplicados separadamente por cursos ou departamentos.

Page 76: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

75

Já nos relatórios do grupo de brasileiros da Eapes, apresentou-se a necessidade de

aumentar o número de vagas no ensino superior, de modo a atingir pelo menos 50% dos

estudantes concluintes do 2° grau; para tanto, essa comissão propôs mudanças nas IES, assim

como na administração das mesmas. Propôs, mais enfaticamente que os norte-americanos o

fizeram, a adoção do sistema classificatório nos exames vestibulares. “Os brasileiros diziam

que não deveria haver aprovações nem reprovações, preenchendo-se todas as vagas

disponíveis e previamente anunciadas.” (CUNHA, 2007c, p. 182). E, com o aumento do

número de candidatos, seria necessário que as provas fossem objetivas, corrigidas por

computador, abandonando a prova de redação, assim como a redução de número de matérias

para apenas as cursadas no 2.º grau52

.

[...] Além disso, recomendava que se estudasse a viabilidade de um sistema de testes

para ser aplicado nos alunos do último ano do 2.º grau, em todo o país, para ajudar a

classificá-los para os cursos superiores, na mesma linha sugerida por Hunter.

(CUNHA, 2007c, p. 183).

Também propunham que os vestibulares deveriam ser unificados dentro das

universidades, de acordo com o tipo de escola, “mas não lhes pareceu aconselhável adotar o

exame vestibular único para todo o país” (CUNHA, 2007c, p. 183), pois havia o receio de que

alunos considerados fracos poderiam ingressar no ensino superior.

Assim, a comissão brasileira esperava rebaixar a barreira do vestibular e transferir

a responsabilidade do ingresso para dentro das universidades, contudo, tal comissão também

propôs limitar o número de vezes que um candidato pudesse se inscrever no exame vestibular,

“medida essa que supunham não fosse lesiva aos direitos dos jovens, pois os reincidentes

seriam aqueles que insistiriam em um determinado curso ou escola.” (CUNHA, 2007c, p.

183).

O limite de realização do exame vestibular, assim como o vestibular por área e a

instituição do ciclo básico nos primeiros anos do ensino superior eram estratégias para diluir

estudantes em cursos mais procurados e redirecioná-los para cursos menos disputados.

O acordo firmado entre o MEC e a Usaid sofreu várias críticas, principalmente

pelos movimentos sociais; os norte-americanos, que no primeiro momento (1965) foram

chamados para planejarem (junto com uma comissão de brasileiros) o ensino superior,

passaram, no segundo momento (1967), a apenas assessorar as políticas desse nível de ensino.

Verificamos também que os projetos propostos pelas comissões não se desenvolveram como

o esperado, pois tanto os objetivos como aos métodos não eram “realistas” para a realidade

52

Foram adotadas apenas as matérias de Português, Matemática e uma Língua estrangeira que não o Espanhol.

Page 77: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

76

brasileira, além da falta de colaboração de trabalho entre as equipes dos norte-americanos e

brasileiros. Cunha (2007c) elenca os principais motivos do fracasso do acordo proposto: 1) a

dificuldade da língua; 2) as severas críticas que o acordo recebeu por vários movimentos

sociais; 3) o “relativo isolamento” em que ficaram os consultores norte-americanos; 4) e a

deficiente bibliografia brasileira sobre o ensino superior. Portanto, os relatórios elaborados

pela Eapes, podemos afirmar, mostram um trabalho muito abaixo dos objetivos propostos

pelo acordo MEC-Usaid para o ensino superior, e, com o fim dos recursos financeiros em

1973, extinguiram-se as comissões de trabalho.

Tratemos, a partir de então, propriamente da Reforma Universitária realizada em

1968, impulsionada pelas manifestações populares, principalmente pelos estudantes da classe

média, que reivindicavam ingresso a esse nível de ensino. Essa categoria, em parte, auxiliou o

golpe realizado pelos militares em 1964, assim o governo foi “obrigado” a ouvir as suas

sugestões e encabeçar um projeto de reforma para o ensino superior.

Em julho de 1968, foi constituído um grupo de trabalho que apresentaria relatórios

sobre as reformas necessárias para o ensino superior. Esses relatórios se transformaram num

anteprojeto de lei, “sendo um da reforma universitária, e de decretos regulando aspectos de

interesse dessa questão.” (CUNHA, 2007c, p. 219).

O referido grupo de trabalho foi instituído pelo Decreto 62.937, de 02 de julho de

1968, composto por onze membros designados pelo Presidente da República. O presidente

desse grupo seria o ministro da Educação, e o principal objetivo, “estudar a reforma da

Universidade brasileira, visando à sua eficiência, modernização, flexibilidade administrativa e

formação de recursos humanos de alto nível para o desenvolvimento do País.” (CUNHA,

2007c, p. 219 – 220).

O primeiro trabalho desenvolvido pelo GT foi definir o conceito de universidade e

o que competia a essa instituição, qualificando-a como um “tipo natural de estrutura para o

ensino superior.” (CUNHA, 2007c, p. 224).

Uma das propostas do GT foi a divisão dos cursos de graduação em dois ciclos, o

primeiro seria chamado de ciclo básico, que abordaria conteúdos em geral com objetivo de

recuperar falhas do ensino médio assim como orientar o estudante para uma carreira

profissional, o segundo ciclo seria o profissional, com matérias específicas para cada carreira

profissional. Essa estratégia também tinha como justificativa a realização do vestibular, já

empregado como desvantajoso à realização do vestibular específico para um determinado

curso, por estudantes tão jovens e sem nenhuma orientação vocacional. Assim, o GT saiu em

defesa da unificação do vestibular, primeiramente por cursos afins e depois atingindo todos os

Page 78: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

77

cursos de uma universidade, e futuramente todas as universidades e escolas isoladas de uma

determinada região até atingir regiões inteiras do País.

Outro ponto decisivo dos trabalhos do GT foi no sentido de sancionar o que já

havia sido decretado pela Constituição de 1967, no que se refere à extinção das cátedras, que

deveriam ser substituídas pelo regime departamental. Também defendia o regime de carreira

docente dos professores universitários, por meio de concurso de títulos e provas para os níveis

inicial e final; contudo, os professores catedráticos ora existentes deveriam ser elevados à

categoria mais alta da nova estrutura da carreira docente.

[...] Assim, dizia o Relatório que em lugar da cátedra deveria surgir o departamento,

“organismo muito mais amplo, que programará, solidariamente, as atribuições de

ensino e pesquisa dos docentes, representando um passo decisivo para o progresso e

aperfeiçoamento das nossas instituições universitárias.”. (CUNHA, 2007c, p. 231).

Consequentemente, com o surgimento do regime departamental, via-se a

necessidade de estruturação do regime acadêmico, passando de seriado para o regime de

créditos, de modo que o estudante teria controle sobre sua integralização curricular.

Para aumentar a dotação orçamentária foram também introduzidas no Relatório do

GT as novas deliberações a respeito do financiamento para o ensino superior; nesse quesito,

sugeriu-se a criação do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação – FNDE; a doação

financeira por parte de pessoas físicas ou jurídicas ao FNDE, que seria abatida no imposto de

renda dos doadores; e a destinação de 20% da receita proveniente da loteria desportiva.

Também se pretendia a racionalização dos recursos para o ensino superior com a

minimização dos custos das matrículas adicionais. Para isso, fora proposta a associação de

escolas isoladas a instituições federais e a mudança da estrutura interna das universidades

fazendo com que houvesse mais vagas acadêmicas com menor custo, “isso porque, com o

aumento de produtividade dos recursos materiais (salas, bibliotecas, laboratórios, quadras de

esporte) e humanos (professores), cada aluno custaria em média cada vez menos.” (CUNHA,

2007c, p. 237).

Portanto, o Relatório elaborado pelo GT, que começou suas atividades em 10 de

julho de 1968, foi encaminhado ao presidente da República no dia 16 de agosto do mesmo

ano, sendo, então, enviado em 02 de outubro para o Congresso Nacional, que um mês depois,

02 de novembro, aprovou a referida lei, sofrendo vários vetos sobre sua redação inicial, sendo

Page 79: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

78

sancionada pelo presidente da República sob o número 5.540 de 28 de novembro de 196853

(CUNHA, 2007c).

Referente à forma de ingresso, a lei da Reforma Universitária previa a

permanência da seleção pelos “exames vestibulares”, mas com novas determinações para o

critério classificatório, “exames vestibulares” passaram a “concursos vestibulares”,

justamente pela mudança do princípio de aprovação e reprovação, para o princípio de

classificação, condizente com o termo concurso.

Assim, os concursos vestibulares chegaram a todo o ensino superior brasileiro, de

modo que as provas deveriam ser formuladas de acordo com o conteúdo ministrado no ensino

médio, para avaliar os conhecimentos desses estudantes, assim como garantir que os mesmos

tivessem conhecimento suficiente para ingressar no ensino superior.

O GT também estipulou um prazo de 3 a 5 anos para ocorrer a unificação do

vestibular “para todos os cursos ou áreas de conhecimentos afins, no âmbito da universidade,

da federação de escolas ou do estabelecimento isolado de organização pluricurricular.”

(CUNHA, 2007c, p. 263).

Houve uma intenção, nesse momento, de unificar a realização do concurso

vestibular em âmbito regional, embora o intento tenha sido retirado do texto oficial pelo

senador Carvalho Pinto, Arena (SP), que justificou:

[...] O vestibular regional, diante das disparidades regionais brasileiras só poderia ser

feito no nível da mediocridade, impedindo a possibilidade das instituições de ensino

superior lutarem pela excelência que é seu objetivo precípuo. (CUNHA, 2007c, p.

263).

Contudo, o Congresso Nacional foi vencido pelo AI-5, foi promulgado o decreto

464/69, em que o MEC, por meio de convênios, deveria organizar a realização de concursos

vestibulares unificados em âmbito regional. Tal formato de vestibular manifestou-se no

Decreto 68.908, de 13 de julho de 1971, que corrobora com o decreto anteriormente citado,

ampliando ainda mais o âmbito dos vestibulares unificados, que deveriam ser realizados em

regiões cada vez mais amplas do país.

Assim, foi proposta a lei da Reforma Universitária, que poucas contestações

sofreu dos seus opositores, até mesmo porque, depois de sancionada (28 de novembro de

1968), foi decretado o AI-5, um dos maiores instrumentos de repressão existentes até hoje no

Brasil, que desestimulou e amedrontou os críticos do sistema então vigente.

53

A referida lei foi sancionada 15 dias antes da promulgação do Ato Institucional 5.

Page 80: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

79

1.7 Nova República (1985 - 201254

)

O exame de aspectos políticos que regem a sociedade permite ponderar que “[...]

o Estado não existe como obra da classe dominante, mas, ao surgir como o resultado do modo

material de vida dos indivíduos, assume a forma da vontade dominante.” (PERONI, 2003, p.

21).

O período que antecede à Nova República no Brasil revela que o processo de

construção da democracia foi contraditório, tendo nos setores populares a pressão contra o

regime militar para se instalar o sistema democrático liberal. Assim, realizaram-se eleições

indiretas no dia 15 de janeiro de 1985, elegendo Tancredo Neves como Presidente da

República por seis anos a partir de 15 de março de 1985; contudo, devido a um quadro clínico

de infecção hospitalar, Tancredo Neves faleceu em 21 de abril, sendo então empossado seu

vice, José Sarney. O Estado, então, ganhou novas configurações, atualizando o modo de

produção capitalista sob bases específicas.

Desde a década de 1990, o Brasil segue uma tendência mundial de reordenação

social, impulsionado por organizações como o FMI e o Banco Mundial.

Para entender as mudanças operadas nacionalmente, é necessário vislumbrar o

cenário internacional, no qual se processa a passagem do chamado Estado de Bem-Estar

Social para o modelo Neoliberal. Como refere Peroni (2003):

No período pós-Segunda Guerra Mundial, O Estado capitalista assumiu novas

obrigações, pois a produção em massa requeria investimentos em capital fixo e

condições de demanda relativamente estáveis para que fosse lucrativa. O Estado

tinha o papel de controlar os ciclos econômicos, combinando políticas fiscais e

monetárias. As políticas eram direcionadas para o investimento público,

principalmente para os setores vinculados ao crescimento da produção e do consumo

em massa, e tinha, ainda, o objetivo de garantir o pleno emprego. O salário era

complementado pelos governos através de seguridade social, assistência médica,

educação, habitação. O Estado acabava exercendo, também, o papel de regular direta

ou indiretamente os acordos salariais e os direitos dos trabalhadores na produção;

era o chamado Estado de bem-estar social. (PERONI, 2003, p.22).

Entretanto, o Estado de Bem-Estar Social não se desenvolveu da mesma forma em

todos os países, por exemplo, nos países de Terceiro Mundo, em que o fordismo55

apenas

54

Refere-se à data de realização da pesquisa, sendo que o período a Nova República continua após o ano de

2012. 55

Trata-se de uma forma de racionalização da produção capitalista baseada em inovações técnicas e

organizacionais que se articulam tendo em vista, de um lado, a produção em massa e, do outro, o consumo em

massa (PERONI, 2003).

Page 81: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

80

salienta a dominação capitalista da elite, e a maioria da população tem poucos ganhos em

termos de qualidade de vida e de bem-estar social prometidos pelo Estado.

O modelo então vigente gerou uma crise no sistema econômico, pressionando a

uma reorganização. Seguiu-se a ofensiva neoliberal como estratégia de mudança, sem que

fosse alterada a ordem social estruturante, baseada no capitalismo.

Em meados dos XX observaram-se mudanças no modelo de produção, pautadas

na produção vinculada à demanda, no trabalho em equipe, na produção flexível, no melhor

aproveitamento possível do tempo de produção na organização de grupos de trabalhadores

para discutir desempenho e melhoria da produtividade. Nessa estrutura, houve uma

reorganização da economia embasada no Neoliberalismo, em torno de ações de

desregulamentação, privatização e crítica ao Estado provedor (SILVA, 2008).

A lógica do pensamento neoliberal está na tensão entre a liberdade individual e a

democracia. Para Hayek, a maximilização da liberdade está em proteger-se o sistema

de mercado, necessário e suficiente para a existência da liberdade individual. Assim,

o mercado deve ser protegido contra o Estado e, também, da tirania das maiorias.

(PERONI, 2003, p. 27).

Nesse processo, devemos distinguir o que é governo, transitório e responsável por

políticas públicas, e o que é Estado, que permanece com as regras gerais e que dá garantia à

liberdade e à propriedade, sendo o governo provedor de políticas para manutenção do Estado,

e assim responsável ou pela estabilidade ou pela crise do mesmo.

[...] verificamos que mesmo os governos mais comprometidos com a lógica

neoliberal não intervencionista têm sido grandes interventores a favor do grande

capital, o que ressalta, mais uma vez, o caráter classista do Estado, que, ao mesmo

tempo que se torna Estado mínimo para as políticas sociais e de distribuição de

renda, configura-se como Estado máximo para o grande capital. (PERONI, 2003, p.

33).

A análise feita por Peroni (2003) aplica-se fundamentalmente ao governo Cardoso

(1994 – 1998/1998 – 2002), que foi marcado pela estabilidade econômica alcançada por meio

do Plano Real56

, e pelo programa de racionalização e modernização da economia, visando

diminuir as funções do Estado como provedor de serviço. Esse governo foi responsável pela

privatização de empresas públicas e mudanças na forma de gestão do setor público,

caracterizado pela descentralização administrativa. Tais mudanças também repercutiram no

56

O Plano Real foi desenvolvido no governo de Itamar Franco, tendo FHC como ministro da Fazenda à frente da

equipe do Ministério da Fazenda. O objetivo do Plano foi controlar a hiperinflação para pôr fim a quase três

décadas de inflação elevada, o que implicou a substituição da antiga moeda pelo Real, a partir de 01 de julho de

1994 (OLIVEIRA, 2009).

Page 82: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

81

quesito educacional, por exemplo, a extinção do CFE, e a criação do CNE, atribuindo dessa

forma, maior autonomia ao setor privado com sua expansão na educação superior

(OLIVEIRA, 2009).

A modernização do país se daria através da diminuição e secundarização do Estado,

da livre iniciativa, da competitividade, da liberdade ou desregulamentação dos

mecanismos de mercado, da desqualificação e secundarização das políticas públicas.

Na realidade esse projeto luta contra o estatismo, o planejamento econômico de

estado, o protecionismo e o socialismo. (OLIVEIRA, 1994, p. 130).

Observamos nessa gestão a alternância de políticas Neoliberais e de Terceira via.

O segundo modelo citado propôs um Estado mais “enxuto, mantendo relativo grau de

intervenção nas políticas sociais, e a combinação pública não estatal para o atendimento de

determinados serviços (educação, saúde, pesquisa, etc.)” (PERONI, 2003, p. 55), embora

também defendesse privatizações que permaneceram no aparelho do Estado.

Uma das primeiras ações apresentadas pelo governo Cardoso foi em direção à

reforma do Estado, criando, para isso, um ministério que se encarregaria dessa função, o

Ministério da Administração e Reforma do Estado no ano de 1995, apresentando o Plano

Diretor da Reforma do Aparelho de Estado em que redefinia o papel do aparelho do Estado

“que deixa de ser o responsável direto pelo desenvolvimento econômico e social pela via da

produção de bens e serviços, para fortalecer-se na função de promotor e regulador desse

desenvolvimento.” (PERONI, 2003, p. 58).

Ressaltamos nesse Plano o mecanismo de descentralização das estruturas

organizacionais e a redução dos níveis hierárquicos, no sentido que a administração pública

fosse mais próxima e flexível às entidades privadas e também para a sociedade civil, o que

garantiria maior eficiência no serviço.

Observamos também a priorização de outros objetivos políticos, como o

pagamento da dívida externa, ao invés de investimentos em projetos nacionais ou

melhoramento de serviços já existentes. O novo Plano Diretor instituiu a transformação de

instituições por meio de:

[...] privatizações (transformar a empresa estatal em privada), a publicização

(transformar uma organização estatal em organização de direito privado, mas

pública não estatal); e a terceirização (transferência para o setor privado de serviços

auxiliares ou de apoio). (SILVA, 2008, p. 43).

A Terceira via surge nessa nova conjuntura com a premissa de tornar as fundações

públicas em organizações sociais, definidas por Pereira (1998) como “entidades públicas de

Page 83: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

82

direito privado que celebram um contrato de gestão com o Estado e assim são financiadas

parcial ou mesmo totalmente pelo orçamento público.” (p. 70).

Cabe ressaltar que na configuração apresentada pelo capitalismo potencializa-se

uma capacidade de “tornar mercadoria tudo e todos, avançando sobre áreas até pouco tempo

intocadas” (SILVA, 2008, p. 38), promovendo valores coletivos pautados na individualidade,

o consumismo e a competição. Nesse processo de mercantilização, a educação passou a ser

regida pelas leis de mercado, desobrigando o Estado de sua responsabilidade, “sobretudo, das

tentativas de se eliminar a gratuidade do ensino superior e da destinação de recursos públicas

para o setor privado.” (OLIVEIRA, 1994, p. 131).

É possível afirmar que algumas políticas públicas organizadas nessa gestão

contrariam as determinações constitucionais.

[...] A partir de então, a vocação universal na condução de tais políticas afirmada na

Constituição Federal de 1988 passa a ser substituída pela noção de priorização aos

mais necessitados, a público-alvo específico. O conjunto de reformas implantadas na

educação brasileira nesse período resultou na reestruturação do ensino no Brasil nos

seus aspectos relativos à organização escolar, à redefinição dos currículos, à

avaliação, à gestão e ao seu financiamento. (OLIVEIRA, 2009, p. 199).

As mudanças nas políticas educacionais promovidas no governo Cardoso tiveram

respaldo legal pela promulgação da LDB/9657

, seguindo uma política internacional que tinha

como objetivo a melhoria da economia nacional através do vínculo entre escolarização,

emprego, produtividade e comércio; melhoria do desempenho dos estudantes em relação ao

emprego; maior controle sobre o currículo e a avaliação; redução dos gastos do governo com

a educação; e aumento da participação da comunidade em assuntos ligados à educação

(OLIVEIRA, 2009).

Essas iniciativas foram instituídas com inspiração e adesão aos projetos do Banco

Mundial, que tinham por objetivo colocar o sistema educacional aberto ao mercado e

consequentemente à ampla concorrência da população que clamava por formação

educacional, principalmente do nível superior.

Nesse quadro, destacamos que a LDB/96 estabelece que o ensino superior seja

ministrado por instituições de cunho público e privado. Silva (1999, p. 32), referindo-se ao

artigo 45 da Lei, entende que: “obedecendo à flexibilidade e à diversidade, princípios

defendidos pelo Banco Mundial, o artigo abre as portas para a proliferação de várias

modalidades de ensino superior.”

57

Lei n.º 9.394 de 20 de dezembro de 1996.

Page 84: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

83

É pertinente também registrar que:

[...] a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), que possibilitou um

novo ordenamento jurídico para a educação e introduziu inúmeras modificações no

campo da educação superior. Dentre delas, devem-se ressaltar as seguintes: a

existência de instituições de ensino superior públicas ou privadas, com variados

graus de abrangência ou especialização (art. 45 da LDB); a distribuição entre as IES

públicas, IES privadas sem fins lucrativos e IES privadas com fins lucrativos

(Decreto n. 2.306, de 19 de agosto de 1997) [...]. (FERREIRA, 2012, p. 459-460).

Outrossim, vale destacar a promulgação do Decreto n.º 2.306/97 que

regulamentou um conjunto de novos tipos de instituição e especificou as formas como as

entidades mantenedoras deveriam se organizar, classificando as instituições em universidades,

universidades especializadas, centros universitários, faculdades integradas, faculdades e

institutos superiores ou escolas superiores. Esse decreto sofreu alterações, sendo substituído

pelo Decreto n.º 5.773/2006 em que a classificação das IES passou a ser constituída por

faculdades, centros universitários e universidades. Nessa nova estrutura, a universidade

permaneceria com as mesmas atribuições da Constituição de 1988:

[...] são instituições que se caracterizam pela indissociabilidade das atividades de

ensino, pesquisa e extensão, com autonomia didático-pedagógica, administrativa e

gestão financeira e patrimonial, devendo ter um terço do corpo docente, pelo menos,

com titulação acadêmica de mestrado e doutorado. Os centros universitários serão

quase universidades, isto é, „instituições de ensino superior pluricurriculares,

abrangendo uma ou mais áreas do conhecimento, que se caracterizam pela

excelência do ensino oferecido, comprovada pela qualificação do seu corpo docente

e pelas condições de trabalho acadêmicas oferecidas a comunidade escolar‟ (Dec. n°

2.207, de 15/04/07, artigo 6°). A diferença, como observa a Folha de S. Paulo

(17/04/97) é que não precisam se dedicar à pesquisa, mas devem ter „excelência de

ensino‟. As faculdades integradas constituirão um conjunto de faculdades que

certamente não atingirão a „excelência de ensino‟ para funcionar como centro

universitário. E, por fim, há as faculdades que são universidades isoladas e as

escolas superiores ou institutos superiores que, em geral, oferecem apenas um curso.

(AGUIAR, 1997 apud SILVA, 1999, p. 33).

Nesse processo de mudanças, houve facilitação para o credenciamento e

reconhecimento dos estabelecimentos universitários, em que “apenas três critérios são

apresentados: produção intelectual, um terço do corpo docente, pelo menos, com mestrado e

doutorado e um terço dos docentes em regime de dedicação exclusiva.” (SILVA, 1999, p. 34).

Naquele momento, deixava-se de lado a manutenção ou incremento da infraestrutura das

instituições, principalmente no que se referia à pesquisa.

A flexibilização oferecida pela LDB/96 favoreceu a grande expansão do número

de instituições educacionais privadas, expansão iniciada na década de 1970, praticamente

estagnada na década de 1980 e impulsionada a partir de 1996.

Page 85: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

84

Tais reformas eram justificadas pelo discurso mundial de modernização que

chegou ao Brasil, país que carecia de mão de obra melhor qualificada para estruturar a

sociedade aos parâmetros internacionais. Surge também, nesse momento, um sistema de

avaliação da educação, que avalia a formação educacional por meio dos concluintes do

sistema; para tanto foram desenvolvidos o “Provão” – Exame Nacional de Curso para o

ensino superior, e o ENEM para avaliar o Ensino Médio.

Também nesse período foi instituído o PNE58

, conforme recomendação da própria

LDB/96, constituída de diretrizes e metas para todos os níveis de educação, pelo prazo de dez

anos. Mesmo sendo uma determinação da LDB, o PNE somente foi aprovado após nove vetos

presidenciais, principalmente no que se referia ao financiamento da educação, com destaque

para o ensino superior.

Dentre as principais metas do PNE (2001 – 2010), podemos citar: prover, até o

final da década, a oferta de educação superior para, pelo menos, 30% da faixa etária de 18 a

24 anos; estabelecer um amplo sistema interativo de educação à distância; diversificar o

sistema superior de ensino, favorecendo e valorizando estabelecimentos não universitários

que ofereçam ensino de qualidade e que atendam clientelas com demandas específicas de

formação: tecnológica, profissional liberal, em novas profissões, para exercício do magistério

ou de formação geral; diversificar a oferta de ensino, incentivando a criação de cursos

noturnos com propostas inovadoras, de cursos sequenciais e de cursos modulares; criar

políticas que facilitem às minorias, vítimas de discriminação, o acesso à educação superior,

através de programas de compensação de deficiências de sua formação escolar anterior,

permitindo-lhes, desta forma, competir em igualdade de condições nos processos de seleção e

admissão a esse nível de ensino (BRASIL, 2001).

Também se destacaram no governo Cardoso: a introdução de outras medidas de

reestruturação da educação superior, como: Lei n.º 10.260, de 07 de dezembro de 2001, que

dispõe sobre o Fundo de Financiamento do Estudante do Ensino Superior (FIES), que

propiciou a alocação de verbas públicas nas instituições privadas e a Lei n.º 10.168, de 29 de

dezembro de 2000, que dispõe sobre o Programa de Estímulo à Interação Universidade-

Empresa para o Apoio à Inovação, visando à parceria entre universidades, centro de pesquisa

e o setor privado.

Ao que podemos notar, a reforma educacional no governo Cardoso seguiu-se à

descentralização administrativa, financeira e pedagógica, repassando tais responsabilidades

58

Lei n.º 10.172, de 09 de janeiro de 2001.

Page 86: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

85

para o nível local de gestão, “por meio da transferência de ações e processos de

implementação, atribuindo grande relevância à gestão escolar.” (OLIVEIRA, 2009).

Assim, as instituições públicas de ensino viram crescer sua autonomia

institucional, direcionada à busca de recursos financeiros além do auxílio do Estado, que

passou a “desresponsabilizar-se” por elas.

Em suma, o que observamos na gestão de Cardoso, referente ao setor educacional,

foi uma redução de recursos, corroborando essa política com a lógica neoliberal de contenção

de gastos públicos:

No governo FHC, as diretrizes políticas passaram pela tentativa de caracterização da

educação superior como um serviço público não estatal; da diminuição significativa

do financiamento estatal na manutenção das universidades federais; da mudança do

papel do Estado, de financiador para regulador; da privatização; do incentivo de

fontes alternativas de financiamento; das parcerias público-privadas; da

diferenciação e competitividade entre instituições; da expansão de baixo custo; do

ensino a distância; dos sistemas de avaliação; da formação para atender ao mercado

de trabalho. Nessa perspectiva, as universidades passaram a ser vistas a partir de

uma visão mais pragmática e utilitária dos seus serviços, seja na formação

profissional, seja na produção da ciência e da tecnologia, modificando

expressivamente os referenciais da sua finalidade e relevância social. (FERREIRA,

2012, p. 461).

O Estado continuou responsável pelo financiamento dos serviços sociais, mas o

controle político e ideológico passou a ser responsabilidade das organizações públicas não

estatais. Entretanto, como ressalta Peroni (2003), há uma contradição nesse sistema, pois:

[...] conforme o plano de reforma, o Estado tem fortalecido suas funções de

regulação e coordenação, particularmente em nível federal, mas, ao passar o controle

político-ideológico para as organizações públicas não estatais, apenas financiando-

as, ele transfere também a coordenação e a regulação dessas organizações para o

mercado. [...] Assim sendo, quem as regula é o mercado e não o Estado. (p. 62).

Nesse momento do país, temos a configuração de um Estado social liberal,

responsável pelos direitos básicos da população, como educação e saúde, mas esses direitos,

embora sob sua responsabilidade, passaram a ter a participação, de forma crescente, de

organizações públicas não estatais competitivas, ou seja, os serviços de direitos sociais da

população continuaram a ser assegurados pelo Estado, mas gerenciados ou executados pelo

mercado.

Em 01 de janeiro de 2003, assumiu a presidência da República, Luis Inácio Lula

da Silva (2003 – 2006), também reeleito para o mandato 2007 – 2010. Nesse governo,

observamos uma política assistencial e compensatória, responsável em grande parte pela

diminuição das desigualdades de renda no país; nessa política, destacamos o programa Bolsa-

Page 87: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

86

Família, criado pelo Decreto n.º 5.209, de 17 de setembro de 2004, substituindo o antigo

programa Bolsa-Escola, criado no governo Cardoso (OLIVEIRA, 2009).

Com a eleição de Lula, houve um deslocamento de alinhamento político

proveniente das ideologias político-partidárias (PSDB59

para PT60

), entretanto ideias e práticas

do governo Cardoso foram mantidas. Nessa transição governamental, o Neoliberalismo

apresentou mudanças em sua própria configuração. No primeiro momento, apresentou o

Estado em crise, sendo preciso retirar o setor social de sua responsabilidade, e, no segundo

momento, já defendeu o “crescimento apoiado na elevação da competitividade sistêmica, e no

reforço a mecanismos de modernização e flexibilização.” (DRAIBE, 1993, p. 92).

Nesse compasso, a educação foi eleita como ferramenta indispensável, aliada ao

desenvolvimento de programas sociais dirigidos aos mais pobres.

Observa-se, assim, que como política social a educação tem cumprido relevante

tarefa na distribuição de renda aos mais pobres que se encontram na condição de

assistidos, exercendo muitas vezes importante papel na seleção de públicos

atingidos. (OLIVEIRA, 2009).

Para o ensino superior, foram regulamentadas as Políticas de Ação Afirmativas,

tendo início com o Projeto de Lei n.º 3.627/04, sendo sancionada apenas em 201261

, assim

instituída:

Art. 1o As instituições federais de educação superior vinculadas ao Ministério da

Educação reservarão, em cada concurso seletivo para ingresso nos cursos de

graduação, por curso e turno, no mínimo 50% (cinquenta por cento) de suas vagas

para estudantes que tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas

públicas.

Parágrafo único. No preenchimento das vagas de que trata o caput deste artigo, 50%

(cinquenta por cento) deverão ser reservados aos estudantes oriundos de famílias

com renda igual ou inferior a 1,5 salário mínimo (um salário mínimo e meio) per

capita. (BRASIL, 2012).

O objetivo de tal lei era fornecer condições de as classes menos favorecidas

economicamente ingressarem em instituições públicas de ensino superior, assim como

ingressarem nos cursos nobres dessas instituições, fato, provavelmente, impossibilitado pela

deficiência do ensino básico público e pelo caráter seletivo dos mecanismos de seleção.

No governo Lula se expressou intervenção maior do Estado, voltada ao

assistencialismo, com aumento de recursos públicos, sobretudo para as políticas sociais de

59

Partido da Social Democracia Brasileira. 60

Partido dos Trabalhadores. 61

Lei n.º 12.711, de 29 de agosto de 2012, no governo de Dilma Rousseff.

Page 88: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

87

combate à pobreza. Assim, ocorreu uma participação mais ativa do Estado em relação às

políticas públicas, caracterizando um Estado mais envolvido com as políticas sociais, a

exemplo da educação, com a promessa de desenvolvimento nesse setor.

[...] o processo de retomada de certas atribuições do Estado, considerando-se em

especial a expansão da educação superior, é atravessado por contradições, levando-

se em conta: a) a introdução de formas de gestão privada nas instituições públicas;

b) a alocação de verbas públicas no setor privado, como a Lei n.º 11.096 de

13/01/2005 – Programa Universidade para Todos (PROUNI). (SILVA, 2008, p. 44).

Outra estratégia governamental foi instituída com o Programa Universidade para

Todos62

(PROUNI), criado em 2005, visando à concessão de bolsas de estudos integral e

parcial, nas IES particulares, para os estudantes egressos do ensino médio de escolas públicas,

e com renda familiar de até três salários mínimos, sendo que as IES particulares que aderirem

ao programa teriam abatimento e/ou isenção de alguns impostos governamentais.

O PROUNI representou uma tentativa diferenciada do governo Lula em relação ao

governo FHC de tratar a expansão do ensino superior ao associar o financiamento

estatal das instituições privadas com e sem fins lucrativos, por meio de isenção

fiscal, à incorporação de parcela da população estudantil historicamente sub-

representada no sistema da educação superior. (GOMES, 2008 apud FERREIRA,

2012, p. 462).

Além das políticas já citadas, observamos a implantação do Sistema Nacional de

Avaliação da Educação Superior (SINAES)63

, que avalia as condições de oferta dos cursos de

graduação; Lei de Inovação Tecnológica64

, que incentivou à inovação e à pesquisa científica e

tecnológica no ambiente produtivo; Lei n.º 11.079, de 30 de novembro de 2004, que instituiu

as normas legais para licitação e contratação de parceria público-privado no âmbito da

administração pública; Lei n.º 5.225, de 1 de outubro de 2004, que instituiu sobre a

organização dos Centros Federais de Educação Tecnológica; Lei n.º 11.892, de 29 de

dezembro de 2008, que instituiu a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e

Tecnológica, e criou os Institutos Federais de Educação, Ciências e Tecnologia (IF); Decreto

Presidencial n.º 5.205, de 14 de setembro de 2004, que regulamentou as fundações de apoio

privadas no interior das instituições federais de ensino superior; Decreto Presidencial n.º

5.622, de 19 de dezembro de 2005, que regulamentou a educação a distância, formalizando a

abertura do mercado educacional ao capital estrangeiro; criação do Programa “Expandir” e da

62

Lei n.º 11.096, de 13 de janeiro de 2005. 63

Lei n.º 10.861, de 14 de abril de 2004. 64

Lei n.º 10.973, de 2 de dezembro de 2004.

Page 89: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

88

Universidade Aberta do Brasil (UAB)65

, que visava à criação de dez novas universidades e 48

campi e ampliação da rede federal de educação tecnológica e profissional; e o Programa de

Apoio a Plano de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI)66

, que traz

como metas para as universidades até 201267

: aumento as vagas nos cursos de graduação,

ampliar os cursos noturnos, propiciar inovações pedagógicas (revisar estrutura acadêmica,

atualizar metodologias de ensino e aprendizagem, diversificar modalidades de graduação),

combater a evasão, elevar a taxa de aprovação para 90%, atingir a proporção de 18 alunos por

professor e ampliar a mobilidade estudantil entre as instituições, cursos e programas de

educação superior (NOGUEIRA, 2012).

De forma dual, o governo Lula deu continuidade em certos aspectos à política

adotada no governo anterior, mas imprimiu avanços substanciais em diversas áreas, como no

que se refere à certificação da qualidade na educação básica e aumento substancial de

recursos públicos para as IFES, o que culminou com a contratação de novos professores e

servidores técnicos administrativos, e a expansão dos campi situados no interior dos estados.

Também podemos observar que o PROUNI e o REUNI foram ferramentas utilizadas para

ampliar o acesso à educação superior, tendo tais políticas uma continuação no próximo

governo, de Dilma Rousseff (FERREIRA, 2012).

Em 01 de janeiro de 2011, assumiu a presidência Dilma Rousseff, primeira

mulher eleita para o cargo de presidente da República, com mandato até 2014. Nos dois

primeiros anos desse governo, também houve nítida continuidade das políticas educacionais

adotadas pelo seu antecessor, anunciadas pela continuidade da política de expansão com a

criação de quatro novas universidades federais, 47 novos campi universitários e 208 novos IF

(FERREIRA, 2012).

A expansão da educação superior na ótica desse governo tem por objetivo: expandir

e interiorizar os institutos e universidade federais, principalmente nos municípios

populosos com baixa receita per capita; promover a formação de profissionais para

o desenvolvimento regional, bem como estimular a permanência desses profissionais

no interior do país; potencializar a função e o engajamento dos institutos e

universidades como expressão das políticas do governo na superação da miséria e na

redução das iniquidades sociais. (FERREIRA, 2012, p. 466).

No ano de 2010, iniciou-se a discussão para a criação de consórcio entre as

universidades, tendo como referências as universidades do sul-sudeste mineiro, contando com

65

Lei n.º 5.800, de 8 de junho de 2006. 66

Decreto n.º 6.096, de 24 de abril de 2007. 67

As universidades que aderiram ao REUNI tiveram acréscimo de até 20% no orçamento para cumprir as metas

propostas (FERREIRA, 2012).

Page 90: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

89

parceria de sete IFES68

, para a criação do primeiro campus multiuniversitário em Caxambu

(MG). Essa iniciativa também assumiu a finalidade social de promover o desenvolvimento

regional, a formação de recursos humanos qualificados, a transferência de tecnologia,

estímulo à geração de empreendimentos que comercializam produtos e processos inovadores

(FERREIRA, 2012).

A política para a educação superior do governo Dilma vem enfatizando os seguintes

parâmetros a serem incorporados pelas universidades: inovação, empreendedorismo,

competitividade, formação e atração de capital humano, mobilidade internacional,

universidade como agente de desenvolvimento econômico e social, foco em áreas

estratégicas/prioritárias de estudo e de pesquisa, internacionalização da educação

superior [...]. (FERREIRA, 2012, p. 468).

Portanto, nas políticas para o ensino superior no governo Dilma, assim como no

governo Lula, observamos a adoção de ações compensatórias, bem como de programas como

o Fies, o PROUNI, a UAB e as Ações afirmativas. O discurso de equidade social teve início

ainda no governo Cardoso, ganhando projeção no governo Lula com a ampliação de tais

programas, tendo continuidade no governo Dilma, incluindo neste último, o discurso da

sustentabilidade da economia em relação à distribuição de renda.

1.7.1 Formas de ingresso ao Ensino Superior nas décadas de 1980 a 2010

Referente ao Ensino Superior e às formas de ingresso a esse nível de ensino,

observamos que, durante a Nova República, a universidade começou a defender uma posição

mais crítica frente à sociedade, assumindo sua responsabilidade pela construção de um país

democrático. Denúncias quanto à seletividade e à discriminação socioeconômica referente ao

ingresso no ensino superior começaram a aflorar nesse momento:

[...] Nesse sentido, são demonstrados a influência dos fatores socioeconômicos que

determinam a seleção como: renda familiar, escolaridade do pai, situação

ocupacional dos vestibulandos e situação educacional (turno de realização do 2°

grau, tipo de escola, frequência a “cursinhos” etc.). (OLIVEIRA, 1994, p. 133).

As produções científicas contrárias ao caráter reprodutor, discriminatório e

seletivo do vestibular, que favorecia apenas a classe dominante, ganharam adeptos, o que

pressiona o governo federal a implantar medidas que efetivamente fossem democratizantes

para o ingresso no ensino superior. Em dezembro de 1985, aconteceu em Brasília o Seminário

68

Universidade Federal de Alfenas (UNIFALMG), Itajubá (UNIFEI), Juiz de Fora (UFJF), Lavras (UFLA),

Outro Preto (UFOP), São João del-Rei (UFSJ) e Viçosa (UFV).

Page 91: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

90

“Vestibular Hoje” que culminou com a assinatura de uma portaria em que o Ministro da

Educação, Marco Maciel, comprometeu-se em estabelecer uma nova forma de seleção

assegurando a igualdade de oportunidades a todos os candidatos.

Subsequentemente, novos seminários foram realizados com o mesmo foco,

discutindo a seletividade do vestibular e a adoção de novos mecanismos de seleção:

[...] No entanto, como não houve acordo em torno da “proposta do governo”, o

vestibular permaneceu sob a forma de provas (tipo-teste) objetivas e discursivas com

realização, quase sempre, em duas etapas, a primeira mais eliminatória e a segunda

mais classificatória. (OLIVEIRA, 1994, p. 135).

Um novo modelo de ingresso chegou a ser discutido, em que seriam realizadas

avaliações no final de cada ano letivo do 2° grau, e, ao final do 3° ano desse nível de ensino,

os estudantes teriam realizado três avaliações, que constituiriam uma média de pontuação;

com essa pontuação, eles poderiam se candidatar a uma vaga nos cursos de ensino superior.

Tal proposta, embora adotada por algumas instituições, como por exemplo, a

UnB69

, foi duramente criticada e rejeitada pela grande maioria das instituições. As discussões

sobre o vestibular começaram a declinar uma vez que outros assuntos surgiram no cenário

nacional, assuntos como a expansão do ensino superior, a seletividade social, a

democratização do acesso, a qualidade do ensino, a autonomia universitária e as privatizações.

Assim, as discussões sobre a seletividade do vestibular foram engavetadas e esquecidas pelas

autoridades, permanecendo com a utilização do “concurso vestibular” como única e prioritária

forma de ingresso ao ensino superior.

Nesse momento, passou-se a entender e a defender que a democratização do

ingresso seria garantida com a expansão das vagas no ensino superior, tanto que essa

expansão deu-se de forma “descontrolada”, sem preocupação ou compromisso com a

qualidade do ensino. Cabe destacar que a população das camadas populares, mais necessitada

do ensino gratuito, é que faz uso do ensino produzido nas instituições isoladas particulares,

sobretudo.

O fato é que a democratização das oportunidades educacionais não se faz com a

expansão desordenada de vagas, com a privatização do ensino e com o

descompromisso com a qualidade; essa democratização se “relaciona com a

democratização dos demais setores da vida social.”. (OLIVEIRA, 1994, p. 137).

69

Programa de Avaliações Seriadas – PAS.

Page 92: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

91

Como determina a Constituição Federal no seu artigo 205, a educação é um dever

do Estado e da família. Observamos também que o artigo 208, inciso V da Constituição,

atribui que o acesso ao nível mais elevado de ensino (educação superior) siga a “capacidade

de cada um”, respeitando-se, dessa forma, o princípio da meritocracia (BRASIL, 1988).

Nessa concepção, o vestibular torna-se a barreira mais séria e comprometida com

o elitismo social, constituindo-se um mecanismo que filtra os estudantes, ranqueando-os,

selecionando apenas os “melhores”, que geralmente já foram selecionados socialmente

durante a trajetória escolar, e excluindo os “desabilitados” (OLIVEIRA, 1994).

O vestibular também se torna uma ferramenta da política educacional, política

universitária e política de graduação. O vestibular centralizado, realizado em modelo

unificado garantia o controle da vida universitária pelo Estado. A partir da década de 1980,

entrou em foco a discussão da autonomia universitária, em que as universidades defendiam o

poder de gozar de total autonomia frente às decisões que lhe diziam respeito, dentre elas a

realização do vestibular, devendo a própria universidade fixar os critérios de seleção de seus

futuros alunos.

A autonomia universitária para realizar seus próprios vestibulares foi concedida

por meio do Decreto n.º 99.490, de 30 de agosto de 1990, que no seu artigo 1° institui: “As

instituições de ensino superior realizarão seus concursos vestibulares nos termos da lei, de

seus estatutos e regimentos.” (BRASIL, 1990).

A LDB/1996, no inciso II do art. 44, propõe que o acesso70

seja garantido por

meio da realização e aprovação de algum instrumento de avaliação, sendo tal processo

nomeado como “processo seletivo”, conforme: “de graduação, abertos a candidatos que

tenham concluído o ensino médio ou equivalente e tenham sido classificados em processo

seletivo.” (BRASIL, 1996, p. 12, grifo nosso).

Observamos ainda que o Decreto n.º 99.490/90 foi respaldado e legitimado pela

LDB/96, que instituiu a liberdade para as IES determinar os processos seletivos para o

ingresso dos seus estudantes, ressaltando apenas que o termo “exame vestibular”, usado desde

1915, ou “concurso vestibular” como intitulou a Reforma Universitária de 1968, não foi

citado na LDB, o que se traduzia, a partir de então, em uma alteração no sistema de ingresso

nas IES, tendo como princípio a flexibilização dos formatos de ingresso ao ensino superior.

Em outras palavras: não havia mais um parâmetro fixo para determinar a forma de um

processo seletivo.

70

É usado pela Constituição Federal o termo “acesso”, mas, na perspectiva do referencial teórico utilizado nesta

pesquisa, o termo adequado seria “ingresso”.

Page 93: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

92

Complementando esse processo, o CNE, em um parecer aprovado em 1999,

determinou que os processos seletivos:

[...] deveriam assegurar igualdade de oportunidades no acesso; avaliar a capacidade

do estudante para cursar seus estudos; exigir a conclusão do ensino médio; fixar o

número de vagas; divulgar resultado classificatório baseado em igualdade de

critérios no julgamento sobre a capacidade para entrar e prosseguir na formação; e

realizar prova de redação em língua portuguesa. (PEIXOTO apud PAULA;

LAMARRA, 2011, p. 230).

Desde então, vem ocorrendo uma diversificação de formas de seleção para o

ingresso no ensino superior, traduzidas em mudanças significativas nos critérios de seleção,

assim como a criação de novos modelos.

De acordo com a pesquisa de Oliveira (1994), a diversificação dos modelos de

seleção tem como objetivo atender valores como igualdade, democratização, seletividade,

autonomia, qualidade, eficiência, excelência, liberdade, progressividade e elitização.

Entretanto, pelo formato como se configuram os processos de seleção, tal objetivo não é

atendido pelo mecanismo do vestibular, devido à própria característica do tipo de seleção,

“que se promove numa sociedade marcada pela ausência de democracia social, econômica e

política mais ampla.” [...] “A seleção se institui com vistas a pincelar „os melhores‟ numa

sociedade tida como homogênea ou heterogênea, tanto faz.” (OLIVEIRA, 1994, p. 145).

Tal característica é típica do mecanismo seletivo constituído pelo vestibular, que

tem como objetivo selecionar apenas os melhores, e esses são pertencentes à classe

dominante, salvo raras exceções.

Nos primeiros anos da autonomia das IES, início da década de 1990, em que

poderiam constituir seus próprios mecanismos de seleção, o modelo de seleção constituído

pelo vestibular continuou sendo o mais utilizado, contudo constituído de diferentes logísticas

para sua realização entre as diversas IES.

Os vestibulares nas IES federais, mesmo com a autonomia concedida,

praticamente não apresentaram grandes mudanças na sua estrutura e realização,

permanecendo com a aplicação de provas tipo teste (múltipla escolha ou proposições

múltiplas) e discursiva, com duas etapas (juntas ou separadas).

A ênfase continuou sendo em selecionar “os melhores”:

[...] selecionar com mais isenção e qualidade. Esse aprimoramento parece estar

vinculado a uma ênfase nas provas discursivas julgadas mais adequadas para seleção

dos que realmente sabem mais. (OLIVEIRA, 1994, p. 148).

Page 94: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

93

As IES, nesse momento, apresentaram uma preocupação quanto ao preenchimento

das vagas ociosas; para tanto, são propostos mecanismos que rompessem com tal situação.

Entre eles, podemos citar: “ênfase no vestibular classificatório, classificação e reclassificação

dos candidatos, dispensa de 2° Etapa para os cursos com número de vagas maior ou igual ao

número de inscritos, e duas ou mais opções de curso no ato da inscrição.” (OLIVEIRA, 1994,

p. 148).

Já nos vestibulares oferecidos pelas IES estaduais, houve aplicações de novas

tendências no mecanismo de seleção. Tal fato se caracterizou pela própria constituição das

instituições estaduais, que geralmente eram descentralizadas, com estruturas “multi-campi”, o

que, em alguns casos, acabou gerando o fenômeno das vagas ociosas, sobretudo nos cursos de

menor prestígio social.

A grande descentralização das IES estaduais em termos de curso e projetos em

vários “campi”, especialmente das licenciaturas, têm tornado estas IES mais

suscetíveis ao “fenômeno” recente das vagas ociosas, sobretudo, nos cursos de

menor prestigio social (em geral as licenciaturas). É provável que, por isso, a partir

de 1991 os modelos de vestibular dessas IES vem se mostrado mais flexíveis e até

mais “democrático” quanto ao acesso das camadas menos favorecidas da sociedade.

(OLIVEIRA, 1994, p. 177).

Dentre essas flexibilidades no vestibular, podemos citar: possibilidade de fazer

dois, três até quatro opções de curso no momento da matrícula; conteúdo programático do

vestibular abrangendo os conteúdos pertencentes ao 2.º grau, assim como abordar a realidade

do ensino no Estado da instituição; provas realizadas em fase única e no menor tempo

possível (2 ou 3 dias de provas); várias chamadas para preenchimento das vagas e

constituição de lista de espera.

Conforme os estudos de Oliveira (1994), os vestibulares das IES estaduais

apresentaram maior ênfase em realizar provas objetivas, com um desprestígio na aplicação

das provas discursivas. Além disso, o autor destaca que as Comissões de Vestibular, quando

presentes, apresentavam pouca autonomia frente à elaboração das provas e aplicação das

mesmas, determinando-se que deveriam apenas executar de maneira técnica e objetiva o

“concurso vestibular”.

As IES particulares foram as que mais sofreram mudança na sua constituição

interna, assim como na realização de processos de seleção de seus estudantes. Desde os anos

1990, essas instituições têm sofrido com o desprestígio do seu ensino, “classificadas” como

possuidoras de um ensino de baixa qualidade, o que direcionava os estudantes para outras

instituições, no caso as públicas (OLIVEIRA, 1994).

Page 95: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

94

As instituições particulares também apresentavam um quadro de vagas ociosas.

Além disso, enfrentavam a situação de que seus cursos destinavam-se a estudantes que não

conseguiam ingressar nas instituições públicas, o que caracteriza os “menos” aptos ao ensino

superior.

Decorrente dos problemas das vagas ociosas e da baixa qualificação dos

estudantes, as instituições particulares viram a necessidade de implantar mudanças nos meios

de seleção que se tornaram classificatórios e mais simplificados. Por isso, “vem ocorrendo um

rebaixamento nos critérios de seleção e de classificação final.” (OLIVEIRA, 1994, p. 208).

Diante dessa diversificação de modelos, os vestibulares das IES particulares

puderam apresentar em sua estrutura: fase única realizada em até 3 dias; provas de múltipla

escolha com pesos diferentes entre as matérias; prova de redação; eliminação do ponto de

corte71

; 3 a 4 opções de curso; reopção de cursos e remanejamento para outros campi da

mesma instituição; confirmação do vestibular para alguns cursos quando as inscrições se

mostram suficientes ou não; recriar os ciclos básicos de cursos afins para diminuir os custos

institucionais (OLIVEIRA, 1994).

Também havia privilégio nas provas objetivas:

[...] as provas de múltipla escolha (provas objetivas) permitem selecionar os

candidatos com mais objetividade e justiça. Afasta-se a maior margem de erro na

seleção causada pela subjetividade das provas discursivas. Afirma-se também que as

provas objetivas – quando bem preparadas e com número de questões mais

adequado – elimina o acerto ocasional. Quanto maior a demanda para o curso, mais

certa será a seleção em termos de classificação dos melhores. (OLIVEIRA, 1994, p.

209).

Tais medidas, citadas anteriormente, têm ajudado as IES particulares a manterem

seu funcionamento, recompondo parte da demanda dos seus cursos. Conforme verificamos,

havia uma variedade de formatos e modelos de vestibulares para o ingresso no ensino

superior, também que não havia uma política nacional de acesso ao Ensino Superior e que o

vestibular continuava sendo um mecanismo seletivo marcado por contradições e desafios,

principalmente, para as classes sociais menos favorecidas socialmente.

Ocorreu em 1994, em Minas Gerais, o Seminário Nacional sobre Vestibular,

realizado em decorrência da elitização dos ingressantes nas IES públicas e da falta de

democratização em relação ao ingresso nessas instituições. Ambas as motivações do evento

consideravam o processo seletivo vestibular como elitizante e antidemocrático; entretanto,

não se via alternativas para resolver tais situações, apenas com mudanças no vestibular ou

71

O candidato só não podia zerar em nenhuma das disciplinas, assim como na redação.

Page 96: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

95

com outro formato de seleção, uma vez que o problema maior consistiria na democratização

da sociedade, mais precisamente no sistema de ensino, começando por um sistema de ensino

básico de boa qualidade.

Desse seminário, emergiram diretrizes para o ingresso ao ensino superior, entre

elas: aplicação de novos modelos de seleção com espaço e tempo de experimentação;

democratização das oportunidades de acesso ao ensino superior; o processo seletivo não pode

estar desvinculado da questão da qualidade na graduação; socialização dos formatos de

ingresso com a participação dos cursos nessa formulação; vestibular classificatório;

preenchimento de todas as vagas disponíveis, impedindo o surgimento das vagas ociosas72

;

desenvolvimento de pesquisas sobre o ingresso ao ensino superior e a autonomia das IES em

realizarem seus processos de seleção (OLIVEIRA, 1994).

Podemos concluir que o vestibular, pela sua própria constituição, naquele período

apresentava um caráter seletivo, discriminatório e reprodutivo e serve para selecionar os

“melhores”, dentro de uma sociedade marcada pelas injustiças sociais. Constitui um

instrumento de seleção, em que, baseado no paradigma da igualdade de oportunidades,

apresenta uma tentativa de minimizar as barreiras sociais, econômicas e culturais para que

prevaleçam os critérios naturais de seleção. Ou seja, manter as aptidões e as capacidades

naturais, como no paradigma da eficiência e da qualidade, em que não há, no processo de

seleção, uma preocupação com as barreiras sociais, econômicas e culturais, havendo dessa

forma, naturalização do processo de seleção. Serve, em ambos os casos, como mecanismo

para selecionar os melhores candidatos, e, com isso, garantir a qualidade da seleção.

Há uma tentativa de naturalizar a seleção através de idealização de modelos com

instrumentos mais isentos e mais justos. Procura-se diminuir o peso das variáveis ou

determinantes sócio-econômico-culturais de seleção, de modo que prevaleçam os

critérios naturais de aptidão e de capacidade/inteligência. (OLIVEIRA, 1994, p.

316).

Nesse contexto, observamos que no Brasil ora prevaleceu o discurso técnico-

metodológico, visando à seleção dos melhores, e ora o discurso político, de democratização e

igualdade de oportunidades, embora quase sempre o primeiro tenha conseguido sobressair ao

segundo, ocultando e adiando a problemática política-social do ingresso. Essa discussão sobre

o ingresso só veio a ser abordada novamente na década de 1980 quando se evidenciou, por

meio de pesquisas, o caráter seletivo e discriminatório do vestibular, e novas formas de

seleção passaram a ser discutidas e propostas, entretanto “o discurso da igualdade de

72

OLIVEIRA (1994) intitula as vagas ociosas como “antidemocrático”.

Page 97: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

96

oportunidades e da democratização do acesso nunca se materializou enquanto um modelo de

seleção democrático que conserve e amplie a qualidade de ensino.” (OLIVEIRA, 1994, p.

320).

Outra tendência do vestibular, em IES de pequeno ou grande porte, refere-se à

facilitação operacional ocorrida por motivos variados, sendo a principal delas em virtude de

se evitar vagas ociosas e, consequentemente, o fechamento de determinados cursos.

Nesse processo, nos cursos de maior demanda, irão ingressar os melhores

estudantes. É o que o Ribeiro (1988) define como “pré-seleção social”, ou seja, os cursos

superiores de maior prestígio serão destinados para as classes sociais mais elevadas, enquanto

os cursos de menos prestígio social serão destinados para as classes sociais menos favorecidas

(RIBEIRO, 1988 apud OLIVEIRA, 1994).

Mesmo quando há um discurso democrático por trás da construção dos modelos de

seleção, nas IES de maior prestígio social, isso não se materializa na proposta

técnico-metodológica da seleção que, a rigor, continua a pincelar “os melhores” que,

invariavelmente, são também os que são mais favorecidos econômica e

culturalmente. (OLIVEIRA, 1994, p. 324).

Nessa concepção, as IES que historicamente eram responsáveis pela formação da

elite intelectual passam agora a dividir-se em relação aos estudantes ingressantes, uma vez

que as IES com maior prestígio social, assim como os cursos de melhor status social e

cultural, continuam sendo destinados para a formação da elite, e as instituições e os cursos de

menos prestígio social ficam destinados para a formação das classes menos favorecidas.

Mais uma vez evidenciamos que, nesse processo de seleção, as instituições de

maior prestígio social conseguem manter o caráter elitista dos estudantes ingressantes, por

mecanismos de seleção que favoreçam essas características, enquanto as instituições de menor

prestígio social promovem uma facilitação no ingresso para conseguir manter seus cursos e

seus estudantes na instituição evitando vagas ociosas, ocorrendo a oferta de “[...] um ensino

de qualidade para as elites econômicas e culturais e de um ensino “qualquer” para os

segmentos menos favorecidos que conseguem chegar a ingressar no Ensino Superior.”

(OLIVEIRA, 1994, p. 326).

Verificamos também que, embora concedida, em 1990, autonomia dos formatos

de seleção para as IES, os concursos de ingresso permaneceram excludentes, não havendo

rupturas com os modelos de seleção anteriores, principalmente nos grandes centros de

excelência.

Page 98: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

97

Na essência, tem-se ainda um único modelo de seleção baseado em provas que

visam aferir conhecimentos e/ou habilidades e que fora instituído em 1911. Não

houve, portanto, nenhuma ruptura com o modelo de seleção instituído que privilegia

os candidatos com maior capital econômico e cultural. (OLIVEIRA, 1994, p. 326).

Registramos também que, depois de decretada a autonomia das IES em formular

seus próprios processos de seleção, não houve mais um acompanhamento e/ou avaliação por

parte das autoridades educacionais dos instrumentos e formatos de seleção.

1.7.2 A forma de ingresso pelo “Exame Nacional do Ensino Médio – ENEM/Sistema de

Seleção Unificada - SiSU”

O ENEM foi criado pela Portaria Ministerial n.º 438, de 28 de maio de 1998. Sua

aplicação está a cargo do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio

Teixeira – INEP, que, por meio da Lei n.º 9.448/97, deve, ainda, deliberar os parâmetros e

critérios para a realização dos mecanismos de seleção.

O objetivo inicial era instituir um exame que avaliasse o estudante no final do

ensino médio, para determinar como esse concluía tal nível de ensino, e, com isso, elaborar

propostas para políticas educacionais. Interessante que, desde a criação do ENEM, o Governo

Federal já tinha a intenção de utilizá-lo como processo de seleção auxiliar nas IES. Tal

determinação foi regulamentada pelo Parecer Final73

do CNE:

Vale ressaltar desde logo que os concursos vestibulares continuam a ser processo

válido para ingresso no ensino superior; a inovação é que deixaram de ser o único e

exclusivo mecanismo de acesso, podendo as instituições desenvolver e aperfeiçoar

novos métodos de seleção e admissão alternativos que, a seu juízo, melhor atendam

aos interessados e às suas especificidades.

No entanto, é indispensável encontrar formas que garantam a todos os candidatos

interessados, à luz dos princípios já enunciados, igualdade de oportunidades de

acesso, o que obriga que o processo seletivo, qualquer que seja, assegure equidade

de tratamento na avaliação realizada sobre a capacidade de cada um para cursar,

com proveito o curso superior pretendido [...]. (BRASIL, 1999a).

Nas instituições privadas, o ENEM foi incorporado mais facilmente como forma

de ingresso total e/ou parcial de suas vagas, já nas instituições públicas o processo de

implantação do ENEM como forma de ingresso foi mais “cautelosa”. Mesmo com respaldo da

LBD/96, as IFES apresentaram resistência em adotar outras formas de processo seletivo em

suas instituições que não o vestibular. No caso do ENEM, apenas algumas IFES adotaram tal

sistema de seleção, ainda assim de forma parcial, sendo a nota do ENEM somada à nota do

73

CNE/CP n.º 98/1999, de 6 de julho de 1999.

Page 99: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

98

vestibular, ou com reserva de uma pequena porcentagem de vagas para o ingresso via ENEM

(CUNHA, 2003).

No ano de 2005, durante o governo Lula, o ENEM passou a ser usado como

forma de ingresso no PROUNI, de modo que o sistema utilizava a nota obtida pelos

estudantes em tal exame para classificá-los em ordem decrescente com bolsas de estudos para

cursos em instituições particulares.

Em 2009, o Ministério da Educação apresentou o documento “Proposta à

Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior”, em que

defendeu a criação de um novo sistema de ingresso, alegando que ofereceria benefícios, como

a reestruturação curricular do ensino médio, maior democratização das oportunidades de

concorrência às vagas de ensino superior, além da mobilidade acadêmica.

Exames descentralizados favorecem aqueles estudantes com mais condições de se

deslocar pelo país, a fim de diversificar as oportunidades de acesso às vagas em

instituições federais nas diferentes regiões. A centralização do processo seletivo nas

IFES pode torná-lo mais isonômico em relação ao mérito dos participantes.

(BRASIL, 2009a).

Em 8 de abril de 2009, foi apresentado pelo Ministério da Educação o “Termo de

Referência – Novo ENEM e Sistema de Seleção Unificada”, que modificou o formato do

ENEM, passando, nesse momento a ser denominado “Novo ENEM”. Em relação à forma,

houve a “consequente valorização dos conteúdos acadêmicos próprios do ensino médio, que

gera a possibilidade de utilização dos resultados desse exame para a seleção dos ingressantes

no ensino superior.” (BRASIL, 2009b, p. 01). Em relação ao conteúdo, o ENEM passou a ter

uma proposta de prova interpretativa e com conteúdos integrados, diferente do vestibular,

pautado em conteúdos específicos e fragmentados.

Os objetivos do ENEM foram ampliados. De acordo com a Portaria n.º 438/98

havia quatro objetivos para a aplicação do exame; a partir da Portaria n.º 109/2009, esses

objetivos foram ampliados para sete, sendo mantidos os quatro anteriores e acrescidos mais

três, como mostramos no Quadro 1:

Page 100: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

99

Quadro 1 - Comparativos entre os objetivos do ENEM da Portaria n. 438/1998 e a Portaria n.

109/2009.

Objetivos do ENEM de acordo com a Portaria

n.º 438/1998

Objetivos do ENEM de acordo com a Portaria

n.º 109/2009

Artigo 1.º - Instituir o Exame Nacional do Ensino

Médio – ENEM, como procedimento de avaliação

do desempenho do aluno, tendo por objetivos:

Art. 2.º Constituem objetivos do Enem:

I – conferir ao cidadão parâmetro para

autoavaliação, com vistas à continuidade de sua

formação e à sua inserção no mercado de trabalho;

I - oferecer uma referência para que cada cidadão

possa proceder à sua autoavaliação com vistas às

suas escolhas futuras, tanto em relação ao mundo

do trabalho quanto em relação à continuidade de

estudos;

II – criar referência nacional para os egressos de

qualquer das modalidades do ensino médio;

II - estruturar uma avaliação ao final da educação

básica que sirva como modalidade alternativa ou

complementar aos processos de seleção nos

diferentes setores do mundo do trabalho;

III – fornecer subsídios às diferentes modalidades

de acesso à educação superior;

III - estruturar uma avaliação ao final da educação

básica que sirva como modalidade alternativa ou

complementar aos exames de acesso aos cursos

profissionalizantes, pós-médios e à Educação

Superior;

IV – constituir-se em modalidade de acesso a

cursos profissionalizantes pós-médio.

IV - possibilitar a participação e criar condições de

acesso a programas governamentais;

V - promover a certificação de jovens e adultos no

nível de conclusão do ensino médio nos termos do

artigo 38, §§ 1o e 2º da Lei n.º 9.394/96 - Lei das

Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB);

VI - promover avaliação do desempenho

acadêmico das escolas de ensino médio, de forma

que cada unidade escolar receba o resultado

global;

VII - promover avaliação do desempenho

acadêmico dos estudantes ingressantes nas

Instituições de Educação Superior;

Fonte: Elaborado pelo autor

Nesse sentido, foi proposta a unificação da seleção para o ingresso às vagas do

ensino superior.

Page 101: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

100

Na nova estrutura, entendemos que o ENEM passou a configurar o processo

seletivo, constituído de provas de conhecimentos, aplicados em dois dias, com questões

divididas em quatro grupos74

. Por sua vez, o SiSU seria a forma de ingresso ao ensino

superior, constituído de um sistema informatizado, em que o estudante acessa via internet, e

escolhe o curso e a instituição em que deseja estudar, utilizando-se da nota obtida no ENEM

para fazer sua inscrição (VELOSO; LUZ, 2012). Entendemos que os dois procedimentos

configuram um sistema integrado que compõe o que designamos nesta pesquisa por

ENEM/SiSU.

O “MEC se inspira no Scholastic Assessment Test (SAT)” (MÁXIMO, 2011, p.

01), para a adoção do novo modo de ingresso ENEM/SiSU. O SAT é um exame educacional

utilizado nos Estados Unidos, criado em 1926, para os estudantes do ensino médio, que serve

como critério para a admissão no ensino superior. O SAT é realizado sete vezes ao ano, e

estudantes de outros países podem realizar o exame se desejam ingressar em universidades

norte-americanas. O referido teste foi dividido em dois tipos de provas: o SAT Reasoning

Test, composto por 3 seções (Matemática, Leitura crítica e Redação); e o SAT Subject Test,

composto por questões de múltipla escolha de matérias como Literatura Inglesa, História e

Estudos Sociais, Matemática, Ciências (Biologia, Física e Química) e Línguas (MÁXIMO,

2011).

No Brasil, após a promulgação do Termo de Referência que instituiu o Novo

ENEM e o SiSU, as IES que desejassem utilizar tal sistema como formato de ingresso

deveriam efetuar a adesão a ele. Isso implicava assinar digitalmente o termo de participação,

informando os cursos, habilitações, turnos de cada campus ou unidade educacional, número

de vagas; indicar pesos diferentes para cada uma das cinco provas; informar a adoção ou não

de políticas afirmativas (cotas e/ou sobrevagas)75

. Os estudantes interessados fariam sua

inscrição via internet na página eletrônica do SiSU, indicando se concorreriam ou não às

vagas pela política afirmativa, podendo, no ano de 2010, se inscrever em até cinco opções de

cursos e instituições de sua preferência (BRASIL, 2009b). Na página eletrônica do SiSU, o

candidato teria acesso às seguintes informações:

a. Divulgação das vagas ofertadas em cada curso de cada campus ou unidade

educacional da IES, de forma que o candidato possa visualizar as opções disponíveis

antes de iniciar sua inscrição;

74

Linguagem, Código e suas Tecnologias (incluindo Redação); Ciências Humanas e suas Tecnologias; Ciências

da Natureza e suas Tecnologias e Matemática e suas Tecnologias 75

Nesse primeiro ano de adoção do ENEM e SiSU, fizeram parte 51 IFES, entre universidades e institutos

tecnológicos, contabilizando 47 mil vagas (PEQUENO, 2010).

Page 102: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

101

b. Divulgação das notas de corte em cada curso. Essas notas serão atualizadas

diariamente, conforme as inscrições dos candidatos. Por meio desta funcionalidade,

o candidato poderá visualizar a nota do último candidato selecionado dentro do

número de vagas ofertadas e comparar com a sua, de forma a saber se esta nota será

suficiente para obter a vaga, antes mesmo de efetuar sua inscrição;

c. Possibilidade de alteração das suas opções a qualquer tempo e quantas vezes

julgar necessário, até o encerramento do prazo das inscrições. Cada candidato

poderá, assim, acompanhar as notas de corte e rever suas opções, de forma a alterá-

la, aumentando suas possibilidades de seleção. (BRASIL, 2009b, p. 01).

Da mesma forma como o ENEM, também houve resistência das IFES em adotar o

modelo de ingresso proposto pelo ENEM/SiSU, provavelmente devido à proposta ser

apresentada em meados de 2009, e prever a seleção para 2010. Houve também pressões

políticas, em que o governo federal subsidiria maior contrapartida financeira para as

instituições que tivessem maior grau de adesão ao ENEM/SiSU76

; assim como a grande

demanda dos estudantes que realizavam o ENEM “incentivou” essas instituições a adotarem

tal processo de seleção (REUNIÃO ORDINÁRIA DO CONSELHO PLENO DA ANDIFES,

2009 apud LUZ; VELOSO, 2012).

Ainda de acordo com o Termo de Referência, as IES não precisavam abdicar de

suas formas de seleção, conforme recomendação da própria LDB. O Termo instituiu que a

nova forma de seleção pode ser utilizada de duas formas distintas:

2. Essa utilização pode se dar de duas formas. A primeira, mediante simples

informação, pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio

Teixeira- Inep, à IES, dos boletins de resultados dos candidatos que tiverem

realizado o novo ENEM, adotado como prova de seleção com base em Edital

próprio publicado pela IES, facultando-se sua utilização como fase única ou

primeira fase do processo seletivo.

3. A segunda forma de utilização do novo ENEM consiste na adesão ao Sistema

de Seleção Unificada, sistema informatizado do Ministério da Educação apto a

processar o registro das vagas especificamente oferecidas pelas IES (“vagas

ENEM”), em confronto com as listas ordenadas de candidatos, em ordem

decrescente, por curso, segundo a pontuação no Exame. O pressuposto da adesão ao

Sistema de Seleção Unificado é a utilização do novo ENEM como fase única, sem

prejuízo de eventual realização de exame de aptidão para áreas específicas (desde

que esse se dê em tempo compatível com o calendário da primeira e segunda

chamadas do Sistema de Seleção Unificado). (BRASIL, 2009b, p. 01 - 02).

A apresentação pelo MEC/INEP da nova forma de ingresso ao ensino superior

tinha como meta aplicar o ENEM no mesmo ano do anúncio, ou seja, no segundo semestre de

2009, para a utilização das notas como forma de ingresso já no ano de 2010. Devido a isso,

houve pouco debate a respeito dessa nova forma de ingresso, bem como certo desconforto em

relação aos estudantes e as IES que já se preparavam para a realização do tradicional

76

Tal financiamento não é explícito nas legislações e portarias.

Page 103: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

102

vestibular; ambos tiveram que romper abruptamente com o sistema anterior, para se adaptar

ao processo de seleção que estava por vir (CONRADO, 2010).

Ressaltamos que a forma de ingresso pelo ENEM/SiSU poderia ser adotada como

forma de ingresso única de todas as vagas acadêmicas, ou associada a outras formas de

seleção. Já no primeiro ano de implantação do ENEM/SiSU (2010), das 58 instituições

vinculadas à Associação Nacional dos Dirigentes de Instituições Federais de Ensino Superior

(Andifes), 14 aderiam ao SiSU como forma única de ingresso acadêmico, entre elas a UFMT.

A Andifes faz o seguinte registro:

Além das 14 instituições que selecionarão candidatos apenas por meio do Enem,

outras 9 experimentarão o novo método em parte de suas vagas ou em parte de seus

cursos. É o caso da Universidade Federal do Piauí (UFPI) e da Universidade Federal

de Tocantins (UFT) que destinarão, respectivamente, 50% e 25% das vagas ao

sistema de seleção pelo novo Enem. Em outras iniciativas, como na Federal de São

Paulo (Unifesp) e na Federal da Bahia (UFBA), a separação vem por cursos – na

Unifesp, das 26 graduações oferecidas, 19 selecionarão estudantes pelo novo Enem e

na UFBA o novo método só será usado na seleção dos bacharelados

interdisciplinares e no curso superior de tecnologia.

Os dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep) mostram

que das 58 instituições ligadas à Andifes, 23 entrarão (parcial ou totalmente) no

sistema de seleção unificado e 17 usarão o exame nas outras três opções permitidas

pela proposta do MEC: como primeira fase, como parte da nota do vestibular ou

para preencher vagas remanescentes. Em 16 universidades, o novo Enem está

descartado para a seleção de 2009 ou ainda é uma proposta em discussão.

De acordo com o último censo da Educação Superior realizado pelo Inep, das

instituições que aderiram ao sistema de seleção unificado, apenas uma está entre as

dez maiores universidades federais do país, a UFBA, que ocupa a 9ª posição no

ranking. Porém, na UFBA, a nota do novo Enem selecionará estudantes para 950 das

6.400 vagas oferecidas, já que a universidade adotou parcialmente o novo método. (ANDIFES, 2009, p. 01).

O sistema de ingresso ENEM/SiSU tinha como intenção proporcionar a

concorrência de vagas em cursos acadêmicos em qualquer IES que tivesse aderido ao sistema;

portanto, o estudante realizaria a prova na sua própria cidade e estado, e não mais precisaria

realizar as provas em outras cidades, como na época do vestibular. Assim, o sistema

proporciona a oportunidade do candidato concorrer à vaga em nível nacional sem a

necessidade de grandes custos financeiros.

Uma das características da proposta do Ministério da Educação (MEC) é a

flexibilidade de escolha das instituições por parte dos candidatos, permitida pela

unificação dos processos seletivos, já que o egresso do Ensino Médio poderá, de

posse da nota do Enem, pleitear vagas em cinco instituições. Das 58 instituições

associadas à Andifes, em 2009, os estudantes poderão migrar (com a nota do Enem)

entre 23 delas: uma na região centro-oeste (UFMT), duas na região Norte (UFT e

UFAM) três na região Sul (UFPel, UTFPR e UFCSPA), sete na região Nordeste

(UFRPE, UFPI, UFRB, Univasf, Ufersa, UFMA, UFBA) e dez na região sudeste

Page 104: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

103

(UFABC, Unifesp,UFVJM, UFRRJ, Unifal,Unifei,Ufla, UFSJ,Unirio e Cefet-RJ).

(ANDIFES, 2009, p. 01).

Após a instituição de várias portarias complementares, o ENEM foi finalmente

normatizado pela Portaria MEC n.º 807, de 18 de junho de 2010. Entretanto, o primeiro

processo seletivo, utilizando-se da nova forma de ingresso ENEM/SiSU, foi definido

anteriormente a essa, pela Portaria n.º 109 de 27 de maio de 2009, que tinha como objetivo:

I - oferecer uma referência para que cada cidadão possa proceder à sua autoavaliação

com vistas às suas escolhas futuras, tanto em relação ao mundo do trabalho quanto

em relação à continuidade de estudos;

II - estruturar uma avaliação ao final da educação básica que sirva como modalidade

alternativa ou complementar aos processos de seleção nos diferentes setores do

mundo do trabalho;

III - estruturar uma avaliação ao final da educação básica que sirva como

modalidade alternativa ou complementar aos exames de acesso aos cursos

profissionalizantes, pós-médios e à Educação Superior;

IV - possibilitar a participação e criar condições de acesso a programas

governamentais;

V - promover a certificação de jovens e adultos no nível de conclusão do ensino

médio nos termos do artigo 38, §§ 1o e 2º da Lei no 9.394/96 - Lei das Diretrizes e

Bases da Educação Nacional (LDB);

VI - promover avaliação do desempenho acadêmico das escolas de ensino médio, de

forma que cada unidade escolar receba o resultado global;

VII - promover avaliação do desempenho acadêmico dos estudantes ingressantes nas

Instituições de Educação Superior. (BRASIL, 2009c, p. 01, grifo nosso).

Ainda de acordo com essa Portaria (109), o ENEM passou a ser considerado como

estratégia de ingresso ao ensino superior, conforme a proposta governamental defendida no

Termo de Referência; o prazo de inscrições dos estudantes ao ENEM 2009 foi de 15 de junho

a 17 de julho, e deveriam pagar uma taxa de inscrição de R$ 35,00 reais, estando isentos todos

os estudantes egressos do ensino médio de escola pública, ou que declarassem ser de família

de baixa renda.

Conforme o referido Edital, os estudantes inscritos no ENEM deveriam responder

a um questionário socioeconômico, que seria enviado junto com o Manual do Candidato, e

esse questionário deveria ser entregue no primeiro dia de prova. Quanto à estrutura da

avaliação do ENEM, ela seria constituída por quatro provas objetivas com quarenta e cinco

(45) questões de múltipla escolha cada, totalizando 180 questões, e uma proposta de redação.

As provas teriam a seguinte estrutura:

§ 1°- As 04 (quatro) provas serão estruturadas nas seguintes áreas do conhecimento:

- Prova I - Linguagens, Códigos e suas Tecnologias e Redação;

- Prova II - Matemática e suas Tecnologias;

- Prova III - Ciências Humanas e suas Tecnologias;

- Prova IV - Ciências da Natureza e suas Tecnologias. (BRASIL, 2009c, p. 01).

Page 105: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

104

Os exames estavam agendados para serem realizados nos dias 03 e 04 de outubro,

mas houve necessidade de ser cancelado, pelo furto das provas, conforme denúncia do jornal

“O Estado de São Paulo”, que teve acesso às provas roubadas, que estavam sendo

comercializadas. Com o cancelamento, o exame foi reagendado e aplicado nos dias 5 e 6 de

dezembro do mesmo ano, para um total de 4,1 milhões de inscritos, sendo que 37,7% desses

não compareceram para realizar o exame (CONRADO, 2010).

O MEC estabeleceu novos contratos, sem realizar licitações, com o consórcio

formado pela Fub/Cespe e Cesgranrio e para segurança da operação contou com a

ajuda das forças armadas, PF, Correios e PM. Dessa vez não houve fraudes, porém

várias foram as queixas em relação à prova e aos episódios posteriores a ela, entre

eles se destaca o fato de estudantes serem colocados para realizarem a prova em

locais muito distantes de suas residências, os longos enunciados das questões, sendo

a prova considerada por muitos como extremamente cansativa, a divulgação de

gabarito errado pelo Inep, a anulação de uma questão [...]. (CONRADO, 2010, p.

25).

Em 2010, realizou-se o primeiro ingresso ao ensino superior via SiSU. A Portaria

Normativa n° 2, de 26 de janeiro de 2010, instituiu e regulamentou o mesmo:

Art. 1º Fica instituído o Sistema de Seleção Unificada - SiSU, sistema informatizado

gerenciado pelo Ministério da Educação - MEC, por meio do qual são selecionados

candidatos a vagas em cursos de graduação disponibilizadas pelas instituições

públicas de educação superior participantes.

§ 1º A seleção dos candidatos às vagas disponibilizadas por meio do SiSU será

efetuada com base nos resultados obtidos pelos estudantes no Exame Nacional do

Ensino Médio - ENEM, a partir da edição referente ao ano de 2009. (BRASIL,

2010a, p. 01).

A referida Portaria regulamentou a participação das IES no processo de seleção

SiSU, sendo que essas deveriam assinar digitalmente o termo de participação, conforme:

I - os cursos e turnos participantes, bem como o respectivo número de vagas a serem

ofertadas por meio do SiSU;

II - as políticas de ações afirmativas eventualmente adotadas pela instituição, bem

como a definição de sua abrangência no âmbito da instituição;

III - os pesos e as notas mínimas eventualmente estabelecidos pela instituição para

cada uma das provas do ENEM, em cada curso e turno;

IV - os documentos necessários para a realização da matrícula dos candidatos

selecionados, inclusive aqueles referentes à comprovação do preenchimento dos

requisitos exigidos nas políticas de ações afirmativas eventualmente adotadas pela

instituição.

Parágrafo único. É facultado à instituição participante do SiSU atribuir bônus à nota

do ENEM do candidato como forma de política de ação afirmativa. (BRASIL,

2010a, p. 01).

Page 106: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

105

A seleção e a classificação dos candidatos seriam realizadas tendo como base o

desempenho dos mesmos na realização do ENEM do ano anterior, portanto, na edição do

SiSU de 2010, as notas utilizadas seriam do ENEM 2009. No momento de inscrição do

candidato no sistema SiSU, o mesmo deveria preencher a ficha de inscrição e, em cada etapa,

informar uma opção de instituição, curso, turno e modalidade de concorrência a qual

desejasse concorrer. O sistema disponibilizaria, periodicamente, as notas de corte para cada

curso, turno e modalidade de concorrência, apenas ao nível de informação para os candidatos.

Findo o período de inscrição, o sistema classificaria os candidatos de acordo com as notas

decrescentes do ENEM.

Observamos também que todos os processos (inscrição, seleção e ocupação das

vagas) seriam realizados no sistema SiSU. Apenas a matrícula nos cursos realizar-se-ia na

própria instituição de ensino, respeitando a data e horários estabelecidos pelas instituições.

A Portaria normativa n.º 02 também determinou que o candidato poderia se

inscrever em fases subsequentes ao SiSU, mesmo que já tivesse sido inscrito, classificado ou

matriculado em qualquer curso proveniente do SiSU. Contudo, para se matricular em curso

subsequente, teria que cancelar a matrícula no curso anteriormente ocupado.

Para cada processo de seleção pelo SiSU, faz-se necessária uma regulamentação

por edital de cronograma do processo seletivo referente ao ano de realização, por parte do

Ministério da Educação MEC/INEP. No ano de 2010, houve dois editais de cronogramas do

processo seletivo SiSU. O primeiro foi o Edital MEC n.º 1, de 26 de janeiro de 2010, que

dividiu o processo em duas etapas, fora a etapa suplementar. As inscrições da primeira etapa

seriam realizadas de 29 de janeiro a 03 de fevereiro de 2010 e o resultado seria divulgado em

05 de fevereiro, e as matrículas nas IES seriam de 08 a 12 de fevereiro; finda a primeira etapa

começaria a segunda etapa, para as vagas remanescentes, em que as inscrições no SiSU

seriam de 15 a 20 de fevereiro, a divulgação do resultado no dia 22 de fevereiro e as

matrículas nas IES de 23 a 26 de fevereiro. Caso ainda houvesse vagas não preenchidas,

haveria uma etapa suplementar em que as inscrições seriam de 01 a 03 de março, o resultado

sairia dia 05 de março e as matrículas de 09 a 12 de março.

O segundo Edital de 2010 foi o Edital n.º 6, de 8 de junho de 2010. Segundo esse,

haveria apenas uma data para inscrição no sistema, de 10 a 14 de junho de 2010, seguindo-se

de até três chamadas de divulgação de resultados e matrículas. Após as três chamadas, o

estudante que não fosse convocado em nenhuma delas, poderia se inscrever numa lista de

espera, conforme consta:

Page 107: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

106

6.1 De 10 a 14 de julho de 2010, o candidato não selecionado na 3ª chamada do

processo seletivo, que tiver interesse em constar na Lista de Espera do SiSU para

o(s) curso(s) no(s) qual(is) efetuou sua inscrição deverá, nos termos do artigo 18-A

da Portaria Normativa MEC no- 2, de 2010, confirmar, por meio do sistema, seu

interesse na(s) vaga(s). (BRASIL, 2010b, p. 01).

Já o ENEM de 2010 (que correspondia ao ingresso de 2011) foi regido, como já

relatado, por uma nova portaria ministerial77

, que o respalda até o presente momento (2012).

A partir de 2010, houve a promulgação dos editais de abertura dos processos seletivos, sendo

o primeiro, que regeria o ENEM de 2010, o Edital n.º 01, de 18 de junho de 2010. Nele

continha praticamente os mesmos dispositivos da Portaria anterior (109/2009), apenas com

mudanças de datas (inscrições do dia 21 de junho a 09 de junho de 2010), além de discriminar

como seriam realizadas as correções das provas de redação:

7.1.4. A redação é corrigida por dois corretores de forma independente, sem que um

conheça a nota atribuída pelo outro. A nota final corresponde à média simples das

notas atribuídas pelos dois corretores.

7.1.4.1. Caso haja discrepância de 500 (quinhentos) pontos ou mais na nota atribuída

pelos corretores, a redação passará por uma terceira correção, realizada por um

supervisor, sem que este conheça as notas dos demais. A nota atribuída pelo

supervisor substitui a nota dos demais corretores. (BRASIL, 2010c, p. 01).

A Prova foi aplicada nos dias 6 e 7 de novembro de 2010, apresentando problemas

em sua estruturação, com erros na folha de resposta e também nas provas de cor amarela. Em

discurso oficial, o Ministério da Educação confirmou o erro de impressão em 21 mil cadernos

de prova amarela, e 33 mil cadernos foram impressos com defeito de ordenação. Devido aos

erros ocorridos, as provas foram reaplicadas no dia 15 de dezembro de 2010 apenas para os

estudantes lesados pela aplicação das provas de cor amarelas (CONRADO; LUZ; SILVA

apud SILVA, 2011).

O SiSU, da mesma forma que no ano anterior, foi regido por dois editais, sendo o

primeiro o Edital n.º 2, de 17 de janeiro de 2011, e o segundo o Edital n.º 7, de 08 de junho de

2011. Da mesma forma que no Edital SiSU 2010/2, nos editais de 2011 constava apenas uma

data para inscrições no sistema, seguindo-se a da divulgação do resultado e da matrícula para

os aprovados, no edital de janeiro constava a realização de três chamadas de convocação e no

edital de junho, apenas duas chamadas. Em ambos os editais, continha a confecção da “lista

de espera” para candidatos não selecionados anteriormente, e a utilização dessa lista, ou de

outra forma de preenchimento das vagas remanescentes, ficaria a critério da IES.

77

Portaria MEC n.º 807, de 18 de junho de 2010.

Page 108: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

107

Houve também mudanças em alguns pontos logísticos, por exemplo, a opção dos

cursos, em que o estudante só poderia se inscrever em duas opções, podendo fazer as

alterações até o fechamento do sistema. Outro diferencial foi que os estudantes aprovados na

primeira opção de curso seriam excluídos do sistema, não sendo mais convocados nas

chamadas posteriores. Haveria apenas três chamadas no Edital 2011/1 e duas chamadas no

Edital 2011/2, e, se ainda existissem vagas remanescentes, as instituições convocariam os

estudantes a partir da lista de espera gerada pelo sistema, se assim quisessem (CONRADO,

2010).

O ENEM 2011 foi regido pelo Edital n.º 07, de 18 de maio de 2011, e apresentava

as mesmas prerrogativas do Edital 2010, alterando apenas as datas das inscrições, que seriam

do dia 23 de maio a 10 de junho de 2011. Na correção da prova de redação, foi especificado

que a discrepância entre as notas do primeiro avaliador e do segundo não poderia exceder 300

pontos, ou seria corrigida por um terceiro avaliador.

No fluxograma 1, mostramos como aconteceu, em ordem cronológica, a

regulamentação do ENEM (ou Novo ENEM) e do SiSU, assim como portarias

complementares desses.

Continuando com a exposição dos problemas que têm acompanhado a realização

dos exames, na edição do ENEM 2011, realizada nos dias 22 e 23 de novembro de 2011,

houve “vazamento” de pelo menos 13 questões aplicadas no pré-teste do ENEM no Colégio

Christus, em Fortaleza, além do tema de redação, “redes sociais”, ser igual ao simulado do

Colégio e à prova do ENEM. O MEC reconheceu que aplicou um pré-teste no referido

Colégio, mas negou que houve furto ou extravio que alguma prova. O Colégio também se

defendeu, relatando que os alunos foram consultados na preparação do simulado, e que os

mesmos poderiam ter formulado as questões idênticas ao ENEM, com base na participação no

pré-teste. Depois de muito clamor e até solicitação de anulação do ENEM, a decisão tomada

pelo MEC foi anular as questões do ENEM, idênticas ao simulado, para os alunos do Colégio

Christus (SILVA, 2012).

O cronograma do Processo Seletivo SiSU de 2012 foi regulamentado pelos

Editais n.º 14, de 21 de dezembro de 2011 (2012/1), e Edital n.º 7, de 8 de junho de 2012

(2012/2), seguindo os mesmos dispositivos do Edital de 2011/2, com uma data única para

inscrição no sistema, duas chamadas para divulgação do resultado, matrícula na IES, e a

manifestação de interesse para constar na lista de espera.

A seguir, apresentamos fluxograma com a ordenação cronológica das portarias e

editais que instituem o ENEM e o SiSU:

Page 109: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

108

Fluxograma 1 – Ordenação referente às Portarias MEC

Fonte: Elaborado pelo autor.

Apresentamos no quadro 2 o teor das principais mudanças na estrutura de

funcionamento do SiSU:

Page 110: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

109

Quadro 2 - Estruturação dos Editais SiSU 2010/2012

Semestre Edital Inscrições Chamadas Divulgação dos

resultados

Matrícula Ocupação de

vagas

Lista de Espera

2010/1 Edital MEC n.º 1,

de 26 de janeiro

de 2010

Divididas em

duas etapas, com

mais uma etapa

suplementar.

Não consta. Dividida em duas

etapas, com mais

uma etapa

suplementar.

Dividida em duas

etapas, com mais

uma etapa

suplementar.

Dividida em

duas etapas,

com mais uma

etapa

suplementar.

Apresenta um edital próprio para

a Lista de Espera. Edital n.º 3, de

9 de março de 2010.

2010/2 Edital n.º 6, de 8

de junho de 2010

Apenas um

período de

inscrição no

sistema.

Divididas em 3

chamadas

sucessivas.

Não consta. Divididas em 3

chamadas

sucessivas

Divididas em 3

chamadas

sucessivas

Sim. O Edital prevê que os

candidatos que não foram

selecionados nas 3 chamadas

realizadas podem se inscrever na

lista de espera.

2011/1 Edital n.º 2, de 17

de janeiro de 2011

Apenas um

período de

inscrição no

sistema

Divididas em 3

chamadas

sucessivas.

Divididas em 3

chamadas

sucessivas.

Divididas em 3

chamadas

sucessivas

Divididas em 3

chamadas

sucessivas

Sim. O Edital prevê que os

candidatos que não foram

selecionados nas 3 chamadas

realizadas podem se inscrever na

lista de espera.

2011/2 Edital n.º 7, de 8

de junho de 2011

Apenas um

período de

inscrição no

sistema

Divididas em 2

chamadas

sucessivas

Divididas em 2

chamadas

sucessivas

Divididas em 2

chamadas

sucessivas

Divididas em 2

chamadas

sucessivas

Sim. O Edital prevê que os

candidatos que não foram

selecionados nas 2 chamadas,

podem se inscrever na lista de

espera para a 1.ª opção de curso.

Page 111: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

110

Semestre Edital Inscrições Chamadas Divulgação dos

resultados

Matrícula Ocupação de

vagas

Lista de Espera

2012/1 Edital n.º 14, de

21 de dezembro

de 2011

Apenas um

período de

inscrição no

sistema

Divididas em 2

chamadas

sucessivas

Divididas em 2

chamadas

sucessivas

Divididas em 2

chamadas

sucessivas

Divididas em 2

chamadas

sucessivas

Sim. O Edital prevê que os

candidatos que não foram

selecionados nas 2 chamadas

realizadas podem se inscrever na

lista de espera para a 1.ª opção de

curso.

2012/2 Edital n.º 7, de 8

de junho de 2012

Apenas um

período de

inscrição no

sistema

Divididas em 2

chamadas

sucessivas

Divididas em 2

chamadas

sucessivas

Divididas em 2

chamadas

sucessivas

Divididas em 2

chamadas

sucessivas

Sim. O Edital prevê que os

candidatos que não foram

selecionados nas 2 chamadas

realizadas podem se inscrever na

lista de espera para a 1.ª opção de

curso.

Fonte: Elaborado pelo autor.

Page 112: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

111

A visualização do Quadro 2 mostra que, ao longo das edições do SiSU, as

alterações têm incidido principalmente sobre o número de inscrição possível no sistema,

sendo o primeiro edital com dois períodos de inscrição e mais um complementar, e do

segundo edital em diante, o estudante pode realizar apenas uma inscrição. A forma de

divulgação dos resultados e as chamadas também sofreram alterações: na primeira edição,

eram realizadas duas divulgações de resultados com mais uma suplementar, seguindo o

critério de inscrição dessa edição, e, nas edições subsequentes, passaram a três chamadas

(2010/2 e 2011/1), e depois duas chamadas (2011/2 em diante), de acordo com o número de

vagas remanescentes. No primeiro edital do SiSU, não constava a realização da lista de

espera, sendo instituído um Edital complementar que trazia tal especificação, a partir do

Edital de 2010/2 em diante já apresenta a confecção da lista de espera.

O processo seletivo ENEM/2012 nem acontecera e já repercutia na imprensa,

motivando o então Ministro da Educação, Fernando Haddad, a cancelar a realização do

exame, que seria realizado em abril daquele ano. De acordo com a nota oficial do Ministério,

ainda não havia condições de aplicar duas provas do ENEM num mesmo ano, pois isso

“sobrecarregariam as estruturas de logística do exame”, ficando, então, confirmada apenas a

sua realização nos dias 03 e 04 de novembro do corrente ano (G1, 2012).

Podemos verificar, pelo discurso oficial, que a intenção do ENEM/SiSU era

avaliar as “habilidades e competências e não apenas a capacidade de reproduzir conteúdos”

(HELENE, 2011, p. 01), como acontecia no antigo vestibular, dando, dessa forma, mais

chance para os alunos menos favorecidos por condições materiais de ingressar no ensino

superior. Entretanto, pelas análises realizadas por Helene (2011), até o momento, não se pode

perceber tal fato.

Qualquer que seja o tipo de exame que eleve à classificação de estudantes (seja de

múltipla escolha ou dissertativo, seja baseado em habilidades e competências ou em

conteúdos curriculares ortodoxos ou considere uma reles média ou parâmetro de

desempenho ajustado por métodos estatísticos sofisticados), desde que

suficientemente bem feito, o resultado é basicamente o mesmo. Se a ordem dos

classificados por um procedimento de avaliação não é exatamente igual à do outro

procedimento, havendo um pequeno embaralhamento, isso é irrelevante para

qualquer finalidade prática, não existindo nenhum critério objetivo que permita

afirmar que uma sequência apresentada seja melhor que outra. E no topo da lista

sempre estarão os estudantes que frequentaram boas escolas e provenientes das

camadas mais favorecidas da população. Enfim, para esse grave problema da

segregação social e econômica do nosso sistema escolar, o Enem não se tornou uma

solução. (HELENE, 2011, p. 01).

Page 113: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

112

Outro aspecto argumentado pelo MEC na defesa do SiSU refere-se à facilitação

para participar da disputa por vaga em cursos concorridos. Nesses casos, na vigência do

vestibular, o candidato precisava realizar vários exames em instituições diferentes e às vezes

em regiões distantes, o que excluía o candidato carente, que não dispunha de recurso

financeiro para essa “peregrinação”. Já a atual formatação do ENEM/SiSU permite que o

estudante se inscreva em apenas duas opções de curso/instituição. Contudo, segundo Helene

(2011), o estudante que não tem condições de realizar o vestibular em outras localidades,

também não terá condições de se manter fora de casa, caso consiga inscrever-se em uma IES

distante. Assim: “ao alocar um candidato para um curso concorrido em um lugar distante de

sua moradia, não apenas impedirá que alguma pessoa daquela região ocupe aquela vaga como

contribuirá para o aumento da evasão” (p. 01). Nesse sentido, também Pequeno (2010)

pondera que:

Acontece que o Brasil é marcado por duas grandes desigualdades, uma geográfica

(ou regional), onde se sobressaem as regiões Sul e Sudeste; e uma outra social,

discriminadora pelo poder econômico. Ambas as desigualdades são acentuadas pela

seleção unificada [...]. (PEQUENO, 2010, p. 01).

Entretanto, a mobilidade acadêmica é defendida pelos formuladores do

ENEM/SiSU, baseando-se em que, com ela, os estudantes teriam uma ampla concorrência

para disputa de vagas acadêmicas, pois realizariam apenas um processo seletivo, e com esse

poderia se candidatar a vagas acadêmicas em mais de uma IES pelo Brasil. No entanto, é

preciso destacar que, para que isso ocorra, é necessário estruturar as universidades,

oferecendo, por exemplo, residência universitária, restaurante universitário, transporte escolar,

bolsas permanências, entre outros benefícios. Como refere Faria Filho (2012):

Sem que as universidades tenham, por exemplo, alojamento para receber os alunos

oriundos de outras regiões do País, corre o risco de o Enem, ao permitir a

competição nacional pelas vagas, acabar funcionando muito mais como um

mecanismo de elitização das universidades públicas do que de sua efetiva

democratização. (p. 01).

Pequeno (2010) demonstra dados referentes ao “deslocamento” de estudantes

pelos estados brasileiros, de acordo com o poder econômico de cada estado. Assim, registra

que São Paulo “exportou” 2.531 estudantes e “importou” apenas 169; já o Piauí “exportou” 85

estudantes, e “importou” 612. Portanto, segundo o autor: “o privilégio econômico é fator

decisivo tanto para se conseguir a vaga, como também, para permitir o descolamento para

cursar universidade em outro Estado.” (p. 01). Essa situação é contestada pelo Secretário de

Page 114: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

113

Educação Superior do Ministério da Educação, Luiz Cláudio Costa, que relata que a

migração, embora aconteça, é pontual, e está sendo acompanhada criteriosamente pelo

Ministério: “Dos estudantes que saíram de São Paulo, o estado mais rico do país, só 4,13%

foram para universidades localizadas nas regiões Norte e Nordeste. Em Minas Gerais, esse

mesmo número foi de 10,7%; e, no Rio de Janeiro, de 17%.” (O GLOBO, 2011, p. 01).

Ressaltamos que as questões relacionadas aos problemas estruturais e logísticos

(furto de provas, erros de impressão, problemas na elaboração, aplicação do pré-teste etc.)

podem ter encoberto as contradições de um sistema de avaliação unificado, como é o caso do

ENEM/SiSU. Embora o sistema de ingresso tenha apresentado problemas técnicos na

operacionalização, supomos que tais problemas sejam passíveis de correção em futuros

processos. Contudo, estudos e pesquisas devem ser realizados referentes ao perfil dos

estudantes ingressantes pelo novo sistema, assim como o acompanhamento de desistência e

evasão, em comparação com o antigo vestibular, para que sejam efetivamente dimensionadas

as questões relacionadas à elitização ou não do sistema de ingresso em questão.

Mesmo com tantos questionamentos e problemas logísticos, o formato de ingresso

via ENEM/SiSU tem crescido em número de instituições que passaram a adotá-lo como

sistema de ingresso. Conforme dados da ANDIFES, no ano de 2012, 96 IFES adotaram tal

sistema como forma de ingresso, sendo 59 universidades e 37 institutos; ainda relacionado às

96 IFES que adotaram o novo sistema de seleção, 41 aderiam ao SiSU como única forma de

ingresso, enquanto 55 aderiram de forma parcial ou associada a outros mecanismos de seleção

(LORDELO et al., 2011).

Veremos na Parte II como se deu a implantação do sistema de ingresso

ENEM/SiSU, na UFMT, a partir de 2010.

Page 115: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

114

PARTE II – A UFMT E SEUS PROCESSOS SELETIVOS (1972 A 2012)

O sistema de ensino superior ocupa uma posição

estratégica e fundamental no processo de

modernização e desenvolvimento do país...

Carlos Benedito Martins

Nessa parte, iremos historiar a criação do ensino superior no estado de Mato

Grosso até o surgimento da primeira universidade no estado, no caso, a UFMT. Faremos,

ainda, uma abordagem dos programas de expansão e interiorização que culminaram com a

criação do CUS. E finalizaremos apresentando as formas de ingresso aos cursos de graduação

na UFMT, desde o primeiro processo vestibular em 1972 até o processo seletivo e forma de

ingresso proposto pelo ENEM/SiSU, no ano de 2012, ano de realização desta pesquisa.

2.1 Breve histórico do ensino superior em Mato Grosso e a criação da Universidade

Federal de Mato Grosso – UFMT

Referente ao ensino superior no estado de Mato Grosso, temos registro de uma

aula inaugural de anatomia e cirurgia em 1808 em decorrência da necessidade de cirurgiões

no estado, e também pelos festejos da chegada de D. João VI ao Brasil. Esse curso foi

estruturado pelo cirurgião-mor da província, com estudo teórico e prático de anatomia e

cirurgia em quatro anos de curso.

Apenas um século depois, em 1908, voltamos a ter registros de desenvolvimento

do sistema educacional em Mato Grosso. Foi quando o Governador Pedro Celestino Correa da

Costa criou duas escolas, a Normal Pedro Celestino e o Modelo Barão de Melgaço, uma para

formação de professores e outra para o curso primário, e logo foram criadas outras escolas

primárias nos municípios próximos a Cuiabá (VELOSO, 2000).

Em 1910, foi criada em Cuiabá a Escola de Aprendizes Artífices78

, a primeira

escola, de nível técnico, mantida pelo governo federal no estado. O primeiro curso de ensino

superior em Cuiabá foi criado79

em 1914, na Escola Superior de Comércio, sendo oficializada

em 1929 e rebatizada como Escola Comercial Antônio Correa; entretanto, não conseguiu

permanecer como ensino superior, prosseguindo apenas em nível técnico.

78

Atualmente tem o nome de Instituo Federal de Mato Grosso. 79

Lei n.º 682, de 23 de julho de 1914.

Page 116: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

115

Temos também no ano de 1929, em Campo Grande, a criação da Faculdade Mato-

Grossense de Odontologia e Farmácia, embora essa não tenha perdurado, foi extinta

aproximadamente em 1932 (VELOSO, 2000).

A primeira Instituição de Ensino Superior - IES a realmente perdurar, mesmo com

descontinuidades em seu início, foi a Faculdade de Direito de Cuiabá, fundada em 1934,

sendo inclusive reconhecida pelo interventor estadual80

, seguindo o modelo da Universidade

do Brasil.

Apenas no ano seguinte, em 1935, pelo Decreto-lei n.º 87, foi concedida dotação

orçamentária para a Faculdade de Direito, assim como feita a nomeação de seus professores,

embora a maioria desses já fossem funcionários do estado, ocupando cargos públicos. Em

1937, devido à Constituição de 10 de novembro, os mesmos não poderiam acumular cargos

públicos, assim aconteceu o encerramento das atividades da Faculdade de Direito, por falta de

professores.

Em 1937, encerram-se as atividades dessa faculdade em razão ao cumprimento à

Constituição de 10 de novembro de 1937, art. 159 onde “é vedada a acumulação de

cargos públicos remunerados da União, Estado e dos Municípios”. A maioria dos

professores, juízes, desembargadores e promotores, foram impedidos pela

fiscalização federal de continuar a lecionar. (VELOSO, 2000, p. 30).

A partir de então, a população mato-grossense começa a discutir e reivindicar a

criação de uma IES no estado, pois alegavam que, como Cuiabá era uma cidade pequena, e

pela distância com os grandes centros urbanos, havia necessidade da criação de uma IES.

Além disso, Mato Grosso era o único estado brasileiro a não possuir uma IES. “Nós éramos

conhecidos, em outros estados, como campeões negativos do ensino superior no país.”

(ARRUDA, 1985 apud VELOSO, 2000, p. 31).

O ensino superior retornou apenas em 1952, quando foi proposta à Assembleia

Legislativa a criação da Faculdade de Direito de Mato Grosso; a proposta foi bem aceita e

logo transformada na lei Estadual n.º 486, de 05 de setembro de 1952, criando definitivamente

a Faculdade de Direito de Mato Grosso, inaugurada em 1954, no prédio do Colégio Estadual

de Mato Grosso.

No mesmo ano, 1954, foi realizado o primeiro exame vestibular para ingresso na

Faculdade de Direito, contando com a inscrição de noventa candidatos para disputar setenta

vagas, o limite de vagas oferecido pela instituição (VELOSO, 2000).

80

Decreto Estadual n.º 394, de 28 de novembro de 1934.

Page 117: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

116

No ano seguinte, 1955, foi solicitado o reconhecimento da Faculdade de Direito.

Somente então foi percebido que a mesma não tinha autorização para funcionar, sendo

fechada de acordo com o Decreto Estadual n.º 2.248. Contudo, foi elaborado um novo

processo para reconhecimento da Faculdade, o que culminou com a reabertura da instituição

em 1956, com a retomada das aulas em 1957. Entretanto, os estudantes que haviam

ingressado na Faculdade em 1954 tiveram que realizar um novo vestibular para ingressar no

curso que já faziam, além de cursar novamente o primeiro e segundo ano; com isso, a

primeira turma concluiu o curso em 1961, totalizando sete anos de estudos.

A referida Faculdade foi finalmente reconhecida em 1959, através do Decreto n.º

47.339 de 03 de setembro:

Essa Faculdade funcionou segundo a estrutura da Universidade do Brasil, sem

atividades de pesquisa e tendo como atividade de extensão a Semana Jurídica,

realizada por meio de palestras nos meses de maio a agosto. (VELOSO, 2000, p.

32).

Em 1961, essa Faculdade foi federalizada com o nome de Faculdade de Direito de

Cuiabá, tendo seu nome corrigido para Faculdade de Direito de Mato Grosso.

Outra iniciativa de IES no estado teve início em 1962, com a criação da Faculdade

de Filosofia, Ciências e Letras81

, oferecendo os cursos superiores de Matemática, História

Natural, Geografia e Letras. As atividades dessa instituição tiveram início apenas em 1966

devido à escassez de recursos humanos na área e às dificuldades financeiras do estado.

A ideia de criação de uma universidade no estado foi aflorada em 1962, quando o

Secretário da Educação e Cultura do Estado entrou em contato com Darcy Ribeiro. No mesmo

ano, o Presidente da República determinou o início dos estudos para a criação de uma

universidade, que, em seu projeto inicial, propunha que fosse aos moldes da UnB.

Em 1965, foi instituída a Faculdade de Ciências Econômicas, sendo essa no ano

seguinte, 1966, incorporada ao Instituto de Ciências e Letras de Cuiabá – ICLC82

, juntamente

com a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras. O Governador na época, Pedro Pedrossian,

determinou a criação do ICLC na capital do Estado, e a criação do Instituto de Ciências

Biológicas em Campo Grande, onde seriam oferecidos os cursos de Farmácia, Odontologia e

Medicina.

O ICLC logo foi dividido em faculdades e a Faculdade de Filosofia, Ciências e

Letras teve seu nome alterado para Faculdade de Educação, integrada pelos cursos de

81

Lei n.º 1.754, de 09 de novembro de 1962. 82

Lei n.º 2.629, de 26 de junho de 1966.

Page 118: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

117

Matemática, Geografia, História Natural, Letras, Química, Física e Pedagogia. Além dessa,

havia também a Faculdade de Engenharia Civil, criada em 1968, e a Faculdade de Serviço

Social, criada em 1970.

Seguindo o modelo da Faculdade de Direito, o ICLC também teve sua estrutura

baseada na UnB, “tendo o departamento como sua célula mater.” (VELOSO, 2000, p. 35). E,

como forma de ingresso, o ICLC também adotou o exame vestibular, sendo o primeiro

aplicado em janeiro de 1968 para aproximadamente quatrocentos e cinquenta candidatos.

A criação da Universidade era um desejo de toda a população do estado, porém

havia uma disputa entre cuiabanos e campo-grandenses sobre o local onde se instalaria a sede

dessa instituição, e ambas as cidades iniciaram a construção do campus universitário. Tal

questão foi resolvida apenas quando, em 1969, o então Presidente da República, o militar

Emílio Garrastazu Médici, assinou o Projeto de lei que criava a UFMT83

, com sede em

Cuiabá.

Em decorrência da criação da Universidade Federal em Cuiabá, o Governador

Pedro Pedrossian criou a Universidade Estadual em 25 de novembro de 1970, com sede em

Campo Grande.

Com a criação da UFMT, a Faculdade de Direito de Mato Grosso e o Instituto de

Ciências e Letras de Cuiabá foram incorporados a essa Universidade, transferindo seus cursos

para o campus do Coxipó, em 1971.

A Universidade foi implantada obedecendo às diretrizes da Lei da Reforma

Universitária, a lei 5.540/68. Ela nasceu dentro desse domínio de reestruturação do

sistema universitário do país, estruturando-se já com o sistema de Centros e

Departamentos e com a carreira de magistério estruturada nas classes de professores

titulares, adjuntos e assistentes. (VELOSO, 2000, p. 38).

Como foi criada no mês de dezembro, mês em que já havia encerrado o orçamento

da União para o ano seguinte, no ano de 1971 a UFMT sofreu com a falta de recursos,

contando apenas com os recursos provenientes do apoio do Governo Estadual e dos

orçamentos da Faculdade de Direito e do ICLC.

O primeiro professor a assumir a Reitoria da UFMT foi Gabriel Novis Neves, em

1971, e a instituição apenas conseguiu se estruturar em 1972, com doze cursos já existentes:

Direito, Economia, Ciências Contábeis, Serviço Social, Geografia, Letras, Pedagogia,

83

Após aprovação do projeto pelo Senado Federal, o Presidente sancionou a Lei n.º 5.647, de 10 de dezembro de

1970.

Page 119: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

118

Engenharia Civil, Física, Química, Matemática e História Natural. Desses, apenas o primeiro

(Direito) era reconhecido pelo MEC.

[...] o desafio era agrupar as Unidades, a fim de que as mesmas se tornassem uma

unidade, vencendo obstáculos como a precariedade de recursos materiais e humanos

especializados. (DORILEO, 1977 apud VELOSO, 2000, p. 40-41).

Desde a sua criação, a UFMT utilizou como forma de ingresso para os cursos em

sua instituição o concurso vestibular. Após aprovação no vestibular, os alunos iniciavam o

curso, que se dividia em dois ciclos. Quando o estudante ingressava na universidade, não fazia

a opção por um curso definido, apenas realizava uma pré-opção de curso. O estudante tinha

que primeiramente cursar o 1° ciclo, que consistia em áreas básicas a todos os cursos, sendo

que esse ciclo tinha como objetivo corrigir defasagens demonstradas no vestibular.

[...] Numa sala de aula eram misturados alunos de todos os cursos, pois eles não

estavam ali para se especializarem em nenhuma profissão. Eles estavam ali para

recuperarem insuficiências evidenciadas no vestibular e para sondarem suas

aptidões. Eles só eram agrupados por curso (da pré-opção) em algumas disciplinas

que deveriam servir de embasamento para o curso posterior ao 1° ciclo. (ARRUDA,

1985 apud VELOSO, 2000, p. 41).

Mas essa estrutura em ciclos apresentava problemas: ao final do 1.º ciclo, a

maioria dos estudantes escolhia os cursos de Direito ou Engenharia, não havendo vagas

suficientes para todos e os excedentes acabavam remanejados para os cursos de segunda

opção. Outra questão discutida era a falta de entrosamento entre os estudantes, pois em cada

disciplina ministrada eram agrupados em turmas diferentes. Além disso, os professores da

instituição elencaram ser desvantajoso trabalhar conteúdos sem poder aprofundar em uma

determinada área de atuação.

O interesse do estudante era ingressar na primeira opção de curso realizada no

momento do vestibular: “não estavam interessados em sondagens de aptidões ou reopção para

nova carreira.” (VELOSO, 2000, p. 42).

No ano de 1974, iniciou-se na UFMT uma política de interiorização, com o plano

de criar unidades de ensino superior nas cidades de Rondonópolis, Barra do Garças e Cáceres.

Nesse mesmo ano, foi criado o Centro Pedagógico de Rondonópolis, vinculado à

Universidade Estadual de Campo Grande, e, depois da divisão do estado, essa unidade foi

incorporada à UFMT.

Em 1981, foi criado o Centro Pedagógico de Barra do Garças, oferecendo cursos

de Licenciatura Plena em Letras, História, Geografia e Ciências. Atualmente, é nomeado de

Page 120: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

119

Instituto Universitário do Araguaia, e está dividido em duas unidades, sendo uma localizada

em Barra do Garças e a outra, em Pontal do Araguaia. Em Cáceres, os cursos superiores eram

ministrados pela Escola Superior Municipal, diretamente vinculada à UFMT, sendo que essa

unidade se transformou na Universidade do Estado de Mato Grosso – UNEMAT.

O plano de interiorização se caracteriza pela extrapolação dos limites físicos da

universidade às regiões localizadas em sua área de influência, proporcionando-lhes

através de ações específicas, meios e recursos necessários ao desenvolvimento

sócio-econômico-cultural de cada uma delas, em consonância com as peculiaridades

local e regional. (VELOSO, 2000, p 51).

Vale destacar a criação do Centro de Ciências Biológicas e da Saúde da UFMT,

em 1977, oferecendo os cursos de Biologia, Educação Física e Enfermagem, cursos criados

ainda em 1976; no ano de 1977, foi somado o curso de Nutrição e, em 1980, o curso de

Medicina.

Seguindo o intento da interiorização, em 1992, foi criado o Instituto Universitário

do Norte Mato-grossense (IUNMAT)84

, no município de Sinop, instituído pela Resolução do

Conselho Diretor n.º 27/1992, embora essa proposta já viesse desde os anos de 1980.

O município de Sinop fica localizado a 551 km de Cuiabá, a 345m de altitude,

possuidor de uma área de 3.194 km², e uma população de 105.762 mil habitantes. É o

principal polo econômico e universitário do norte do estado, e conta, além da UFMT, com um

campus da Universidade do Estado de Mato Grosso (UNEMAT), que atua no município

desde 1992.

A primeira proposta de criação do CUS aconteceu em 1981, com a doação, pelo

colonizador Ênio Pipino, de um terreno com 60 hectares; entretanto, a criação do núcleo

Pedagógico Norte Mato-grossense ocorreu somente com a instalação de cursos na modalidade

de “turmas especiais”85

no ano de 1992, ofertando os cursos de Direito, Engenharia Florestal,

Ciências Contábeis e Ciências Biológicas.

A proposta da criação do CUS visava à formação de graduados nas áreas relativas

à agropecuária, à saúde e à formação de professores, áreas bastante ausentes na região. Sua

organização administrativa está vinculada ao campus de Cuiabá, onde se encontra a

administração central (Reitoria, Vice-Reitoria e Pró-Reitorias). A Pró-Reitoria do campus é

constituída por três Institutos, sendo eles o Instituto de Ciências Agrárias e Ambientais –

ICAA, Instituto de Ciências Naturais, Humanas e Sociais - ICNHS, e o Instituto de Ciências

84

Resolução do Conselho Diretor n.º 27/1992. 85

Nos anos de 1991 a 2004 a UFMT intensificou suas ações no interior no estado com a criação de cursos de

graduação temporários, modalidade parcelada, a distância e com turmas especiais (NOGUEIRA, 2012).

Page 121: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

120

da Saúde – ICS, a que estão subordinados os cursos de Enfermagem, Medicina Veterinária e

Farmácia.

No mesmo ano (1992), foi também instituído na UFMT o Núcleo de Educação a

Distância (NEAD), com o objetivo de formar professores da rede básica que já atuavam na

rede educacional, mas sem a devida formação, ou atuavam em outra área que não a de sua

formação inicial. Também foi realizada a Reforma Administrativa na UFMT, criando os

Institutos, as Faculdades e as Coordenações de Curso, assim como a Comissão Permanente de

Vestibular – COPEVE, rebatizada de Coordenação de Exames Vestibulares – CEV, e depois

de Coordenação de Concursos e Exames Vestibulares – CCEV; atualmente, novembro de

2012, passou a ser Secretaria de Articulação e Relações Institucionais – SARI.

Em 1995, a UFMT passou a oferecer cursos de graduação no interior do estado,

na modalidade de “turmas especiais”, em parcerias com as prefeituras locais.

A partir do ano 2000, a UFMT começou a participar de programas para expandir a

oferta de vagas dos cursos nos campi da universidade, como o Programa Expansão, em 2000;

e o REUNI, em 2007.

Dentro do Programa Expansão, a UFMT tinha como proposta a ampliação no

campus de Rondonópolis por meio de três novos cursos: os de Engenharia

Mecânica, Engenharia Agrícola Ambiental e Enfermagem, integralizando 180 novas

vagas. No campus do Médio Araguaia, houve a sugestão de instituir dois novos

cursos: o de Engenharia de Alimentos e de Enfermagem. Por fim, no campus de

Sinop a ideia foi de ofertar os cursos: Agronomia, Enfermagem, Engenharia

Florestal, Medicina Veterinária, Zootecnia, Licenciatura em Ciências da Natureza

(Habilitação em Física, Química e Matemática). (NOGUEIRA, 2012, p.83).

Desde 2012, a UFMT conta com uma oferta diversificada de cursos entre seus

campi, sendo que no Campus de Cuiabá são oferecidos 52 cursos; no Campus de

Rondonópolis são oferecidos 21; no Campus do Araguaia são oferecidos oito cursos em Barra

do Garças e oito cursos em Pontal do Araguaia; no Campus de Sinop são oferecidos dez

cursos. Além desses a UFMT ainda oferece dois cursos na modalidade Educação a Distância86

- EAD. Em 2012, foram oferecidas 5.462 vagas nos cursos de graduação da instituição, em

que se inscreverem um total de 73.564 candidatos. No ano de 2011, a UFMT contava com

1.493 docentes em sua instituição, e desses, 1.358 eram concursados como 40H e Dedicação

Exclusiva, 115 com 40H, e 20 com 20H. Desse total de docentes concursados, há 28 docentes

com graduação na área, 99 com especialização, 543 com mestrado e 823 com doutorado

(UFMT, 2012a).

86

Disponível em: http://www.ufmt.br/ufmt/unidade/index.php/secao/visualizar/243/PROEG.

Page 122: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

121

2.2 Formas de ingresso na Universidade Federal de Mato Grosso do vestibular ao

ENEM/SiSU

Pela data de fundação da UFMT, 1970, a aplicação do processo seletivo já se

configurava como concurso vestibular, como preconizava a Reforma Universitária de 1968,

ou seja, o vestibular respeitava o princípio classificatório de seleção, com o estabelecimento

de limite de vagas para cada um de seus cursos.

Nos primeiros anos de aplicação do vestibular na UFMT, mais precisamente de

1972 a 1975, eram realizados dois processos de seleção a cada ano, sendo o primeiro

realizado em janeiro e o segundo, no mês de junho ou julho.

Nos anos de 1978 a 1981, o vestibular da UFMT foi “terceirizado”, sendo sua

formulação e aplicação de responsabilidade da Fundação Carlos Chagas. A partir de 1982,

volta novamente a ser realizado pela própria UFMT, mais especificamente pela COPEVE,

sendo realizado apenas um concurso por ano, com chamadas para os dois semestres letivos.

Quanto à questão da opção pelo curso, desde sua aplicação na UFMT, em 1972, o

vestibular oferecia ao candidato, no momento da inscrição, a opção pela escolha de dois

cursos de sua preferência, sendo um como primeira opção e outro como segunda opção, caso

não fosse aprovado ou não houvesse mais vagas para a primeira opção.

Dorileo (1977) refere-se ao receio, no ano de 1974, com a questões das vagas

ociosas que começavam a aparecer na instituição, em alguns cursos de menor procura, como

Matemática, Física e História Natural, sugerindo a possibilidade de uma terceira opção de

cursos, para os alunos que viessem “cursá-los pela oportunidade da terceira chamada –

terceira opção ou chamado „vale tudo‟.” (p.125, grifo nosso).

A partir de 1983, o vestibular da UFMT foi regulamentado por Resolução do seu

Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão – CONSEPE87

, passando a oferecer apenas uma

opção de curso para os candidatos, exceto para os que exigiam testes de habilidades, pois o

candidato que reprovava nesses testes ainda poderia concorrer a outro curso de graduação.

Ficou também estabelecido que o vestibular fosse realizado apenas uma vez ao ano, e a prova

consistiria em duas etapas, a primeira eliminatória e a segunda classificatória.

A COPEVE realizou um estudo sobre o perfil dos candidatos classificados no

vestibular. Tal material gerou uma publicação intitulada “Quem procura a UFMT?”, contendo

uma análise do perfil dos estudantes classificados nos vestibulares dos anos de 1983 a 1986.

87

Resolução CONSEPE n.º 41/81.

Page 123: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

122

Referente à escolha do curso, a maioria dos estudantes declarou como mais importante a

influência de leituras (livros, jornais, revistas), seguindo-se a influência de parentes e amigos.

O trabalho destaca a influência praticamente nula da família, considerada em

isolado, e da escola quanto à escolha feita, esta última marca a ausência da ação

escolar, tornando-se um indicativo de falhas no Sistema Educacional Brasileiro;

ainda sobre a influência na escolha da carreira, mostra que um elevado percentual

dos candidatos declarou ter sido sua escolha motivada pela adequação da carreira às

suas aptidões, seguida de perto pelo interesse em melhorar atividades que já

desempenha, ambas de grande importância para a auto realização do candidato.

(VELOSO, 2000, p. 54).

No ano de 1996, o vestibular passou por outra modificação, tanto na sua

operacionalização quanto em seus instrumentos. Passou a ser realizado em etapa única,

contendo uma prova de redação e mais oito provas de matérias distintas com questões de

proposições múltiplas, de julgamento falso ou verdadeiro, e questões discursivas, referentes a

conteúdos que envolviam cálculos. O vestibular continuou sendo classificatório, mas também

apresentando caráter eliminatório para os candidatos que zerassem em qualquer uma das

provas de conhecimento. No mesmo ano, houve aproximação da UFMT com as instituições

de Ensino Médio, no sentido de apresentar a nova proposta a essas escolas, e de receber

sugestões e propostas para incrementá-la.

A justificativa, para o novo sistema de acesso a UFMT, apresentado às Escolas de 2°

grau, no I Seminário de Avaliação do Concurso Vestibular, realizado em junho de

1995 pela CEV, foi que a partir da análise de dados de desempenho dos candidatos

nos últimos vestibulares da UFMT, sentiu-se a necessidade de rever os instrumentos

e critérios utilizados no ingresso a essa instituição, baseando-se o novo sistema nas

características dessa Instituição e na análise de instrumentos e critérios de outras

Instituições de Ensino Superior. (VELOSO, 2000, p. 58).

Após amplo debate com a comunidade, o CONSEPE aprovou a nova

regulamentação do vestibular da UFMT, por meio das Resoluções n.º 25, de 31 de julho,

Resolução n.º 42, de 26 de setembro, e Resolução n.º 43, de 02 de outubro, todas no ano de

1995.

A partir de 1996, foi introduzida a opção do idioma espanhol na prova de Língua

Estrangeira. Nesse mesmo ano, todos os candidatos que realizaram o vestibular, passaram a

receber seu boletim de desempenho de cada disciplina no referido concurso, sendo

classificado ou não.

Page 124: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

123

Além disso, a CEV, nos anos de 1995 e 1998, oferece palestras às instituições de

ensino de 2° grau em todo o Estado com o objetivo de esclarecer as dúvidas sobre o

sistema de acesso à UFMT. (VELOSO, 2000, p. 59).

Outras particularidades históricas quanto à modalidade de ingresso na UFMT

foram instituídas por meio da Resolução CONSEPE n.º 42, de 03 de maio de 1999, que

estabeleceu o ingresso mediante a realização de vestibular para os cursos na modalidade

EAD. A Resolução CONSEPE n.º 22, de 13 de fevereiro de 2006, instituiu o sistema de

ingresso via transferência facultativa de estudantes da própria UFMT ou de outros IES, em

que os mesmos deveriam realizar um processo seletivo em duas fases, sendo a primeira

constituída de uma prova com 60 questões de múltipla escolha das disciplinas português e

matemática, e a segunda fase de uma prova dissertativa com cinco questões de conhecimento

específico do curso.

Ainda na diversificação das formas de ingresso na UFMT foi instituída através da

Resolução CONSEPE n.º 82, de 12 de setembro de 2007, o Programa de Inclusão de

Estudantes Indígenas “Guerreiros da Caneta” - PROIND, que disponibilizou 100 vagas

acadêmicas a serem preenchidas em um período de cinco anos, sendo que esses estudantes

seriam selecionados por um processo seletivo específico e diferenciado, elaborado pela Pró-

reitoria de Ensino e Graduação – PROEG.

Por fim, a partir de 2009, a UFMT adotou como processo seletivo e forma de

ingresso aos cursos de graduação na instituição o ENEM/SiSU, que veremos com maiores

detalhes na próxima parte.

2.3 A UFMT e o ENEM/SiSU

No ano de 2001, a UFMT passou a aceitar uma nova particularidade na forma de

ingresso em seus cursos, por meio da adoção das notas que os estudantes obtivessem no

ENEM, e, no processo de ingresso na UFMT, o estudante poderia optar por concorrer ao

Concurso Vestibular Unificado, com peso de 100% ou ao Concurso Vestibular Unificado,

com peso de 80% somando com o resultado do ENEM, com peso de 20%, entretanto essa

segunda escolha, utilizando a nota no ENEM, apenas seria efetivada se o sistema

comprovasse que não iria prejudicar o estudante em sua pontuação final.

Após a apresentação pelo MEC do Novo Enem e do SiSU, no ano de 2009, a

UFMT sinalizou sua intenção de participar do novo processo de seleção, convocando o

Page 125: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

124

CONSEPE nos dias 11 e 14 de maio do mesmo ano, para apreciação da proposta e votação no

sentido de aderir ao novo sistema ou permanecer com o sistema anterior.

Entretanto, nos dias das reuniões do CONSEPE, a sala das Sessões dos Órgãos

Colegiados Superiores foi ocupada por estudantes da própria UFMT e também por estudantes

do Ensino Médio que eram contra a adesão da UFMT ao sistema ENEM/SiSU. Inviabilizada a

seção, a reitora da Universidade, Maria Lúcia Cavalli Neder, assinou “Ad Referendum” o

termo de adesão da UFMT ao novo sistema de ingresso na instituição.

Sendo assim, em maio de 2009, foi aprovada a Resolução CONSEPE n. 8388

, de 14

de maio, que em seu art. 1° deliberou por “participar, ad referendum do Conselho de

Ensino, Pesquisa e Extensão da Universidade Federal de Mato Grosso, do Sistema

Unificado de Seleção, Novo ENEM, para os ingressantes a partir do ano letivo de

2010.” (CONRADO, 2010, p. 33).

Finalmente, em 01 de junho de 2009, pela Resolução CONSEPE n.º 96, foi

definida a participação da UFMT “no Sistema de Seleção Unificada – Novo ENEM, na

modalidade „fase única‟, para os ingressantes do ano letivo de 2010, nos cursos de graduação

de seus campi, na totalidade das vagas.” (CONRADO, 2010, p. 34).

Devido à adesão tumultuada ao ENEM/SiSU pela UFMT, ainda no ano de 2009

foi instituída uma Comissão de Acompanhamento da realização do ENEM/SiSU na

universidade, conforme Resolução CONSEPE n.º 143. No ano de 2012, foi instituída uma

nova comissão, sendo essa para avaliar89

o SiSU na UFMT, conforme Resolução CONSEPE

n.º 10, de 26 de março de 2012.

O processo seletivo realizado na UFMT através do SiSU, continua gerando

polêmicas: no dia 29 de março de 2010, foi realizado a plenária “ENEM: solução ou

mais crise na educação?”, convocado pela Associação dos Docentes da UFMT

(ADUFMAT), que debateu sobre os reflexos do SiSU na instituição, como, por

exemplo, as mais de mil vagas ociosas geradas após implantação do vestibular

unificado. O Vice-Reitor da UFMT Francisco Souto ficou encarregado de levar à

Reitora e à comissão encarregada de analisar os impactos do SiSU as informações

referentes ao que foi discutido, sobretudo a reivindicação de que a UFMT volte ao

modelo anterior de seleção, em que o vestibulando optava também pelo nota do

Enem. (CONRADO, 2010, p. 34).

Referente aos dados socioeconômicos dos estudantes ingressantes na UFMT, a

instituição realizava anualmente tal levantamento através do formulário preenchido pelos

estudantes no ato da inscrição no concurso vestibular. No ano de 2010, devido à adoção do

88

A Resolução CONSEPE n.º 83 foi homologada pela Resolução CONSEPE n.º 95, de 01 de junho de 2009. 89

Até o final do ano de 2012, a referida Comissão não havia entregado o relatório sobre a avaliação do SiSU.

Page 126: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

125

ENEM/SiSU como forma de ingresso na UFMT, a instituição não obteve tais dados, pois os

mesmos não foram disponibilizados pelo INEP, responsável pelo processo seletivo.

Já no ano de 2011, a UFMT voltou a realizar o levantamento do perfil dos

estudantes ingressantes em sua instituição, através do preenchimento do formulário do perfil

socioeconômico pelo próprio estudante no momento da matrícula na instituição.

Os dados do perfil dos estudantes de 2011 foram disponibilizados ao Conselho de

Ensino Pesquisa e Extensão – CONSEPE da UFMT, em setembro de 2012, época em que este

pesquisador fazia parte do referido Conselho. Os dados foram fornecidos pela Pró-Reitoria de

Ensino e Graduação – PROEG, quando se debatia a permanência da UFMT em adotar o

ENEM/SiSU como forma de ingresso aos cursos de graduação, observamos a seguir os dados

referentes a esse perfil dos estudantes ingressantes no ano de 2011.

A grande maioria, 77,10%, concluiu o ensino médio no próprio estado de Mato

Grosso, enquanto 22,90% concluíram o ensino médio em outro estado da federação.

Observamos também que 57,02% desses estudantes concluíram o ensino médio em escola

pública, enquanto 42,98% eram concluintes do ensino médio em escolas particulares. Quanto

à questão da cor/raça, 50,99% dos ingressantes se declararam ser da cor branca, enquanto

35,88% declararam ser da cor parda, 8,92%, da cor preta, 2,35%, da cor amarela, 0,08%,

indígenas, e 1,78% não declararam. Quanto ao sexo, observamos predominância do sexo

feminino com 51,94%, contra 48,06% do sexo masculino. A grande maioria, 82,93%,

declarou que no momento da inscrição no sistema SiSU já residia em Mato Grosso, sendo

apenas 17,07% de estudantes que residiam em outros estados no momento da inscrição no

SiSU. Quanto a renda familiar, 0,30% relataram ter renda familiar acima de 50 salários

mínimos, 0,99% relatou ter renda de 30 a 50 salários mínimos, 7,83% declararam ter renda de

10 a 30 salários mínimos, 18,47% afirmaram ter renda entre 5 e 10 salários mínimos, a

maioria, 38,96, declarou ter renda entre 2 a 5 salários mínimos, seguido de 24,17% que

afirmaram ter renda entre 1 a 2 salários mínimos, 8,19% relataram ter renda de até 1 salário

mínimo, e 1,09% declararam não terem nenhum tipo de renda familiar.

Importante ressaltar que, a cada processo seletivo de ingresso, a instituição

(UFMT) deve aprovar uma Resolução pela continuidade em adotar o SiSU como forma de

ingresso. No ano de 2010, houve regulamentação pela Resolução CONSEPE n.º 35, de 24 de

maio, para o ingresso em 2011; e no ano de 2011, foi regulamentado pela Resolução

CONSEPE n.º 100, de 21 de novembro, para o ingresso em 2012.

A cada ano, a CCEV (atual SARI) da UFMT institui um edital para o processo

seletivo de ingresso na sua instituição. No ano de 2009, foi promulgado o Edital n.º 04, de 10

Page 127: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

126

de junho, referente ao ingresso em 2010, nos cursos de graduação da UFMT, conforme

decisão do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão - Resolução CONSEPE n.º 96, de 01 de

junho de 2009. Esse Edital foi seguido de um complementar, sendo esse, o Edital n.º 07/2009,

contendo normas, rotinas e procedimentos que regem a Certificação de Habilidades

Específicas; e dois editais de retificação ao Edital n.º 04/2009, sendo eles: o Edital n.º 01/2010

e o Edital n.º 002/2010.

O processo seletivo de 2011 foi regido pelo Edital n.º 05, de 24 de junho de 2010,

trazendo as mesmas determinações do edital de 2009. Esse teve um edital complementar,

Edital n.º 002/2011 – CCEV/UFMT, que estabelecia o cronograma das convocatórias para

matrícula e da efetivação das matrículas na UFMT dos candidatos constantes da lista de

espera da UFMT gerada a partir do encerramento do SiSU; e um edital de retificação, Edital

n.º 001/2011 – CCEV/UFMT.

Já no processo seletivo de 2012, tivemos a aprovação das políticas de Ações

Afirmativas, mediante a Resolução CONSEPE n.º 97, de 31 de outubro de 2011, e da

Resolução CONSEPE n.º 105, de 21 de novembro de 2011. Foram lançados quatro editais

para o processo seletivo, sendo eles: Edital n.º 02/2011 que estabelecia normas, rotinas e

procedimentos necessários ao ingresso em 2012 nos cursos de graduação; Edital n.º 03/2011,

que também estabelecia normas, rotinas e procedimentos para ingresso nos cursos de

graduação, mas na modalidade do SiSU, nas categorias Ampla Concorrência e Ação

Afirmativa; Edital n.º 04/2011, que estabelecia normas, rotinas e procedimentos para ingresso

no curso de graduação de Licenciatura em Música, por meio do Processo Seletivo Específico;

e Edital n.º 05/2011 que estabelecia normas, rotinas e procedimentos de ingresso nos cursos

de graduação no processo seletivo específico para as sobrevagas destinadas a estudantes

negros de família de baixa renda. Para esses editais, tivemos seis editais de retificação e

complementação, são eles: Edital n.º 08/2011, Edital n.º 09/2011, Edital n.º 10/2011, Edital

n.º 01/2012, Edital n.º 02/2012 e Edital n.º 03/2012.

Page 128: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

127

PARTE III – O CURSO DE ENFERMAGEM DA UFMT E A ESCOLHA DO CURSO

VIA SiSU: PONTOS DE (DES)ENCONTRO

A enfermagem é uma arte; e para realizá-la como arte, requer uma

devoção tão exclusiva, um preparo tão rigoroso quanto a obra de

qualquer pintor ou escultor; pois o que é tratar da tela morta ou do

frio mármore comparado ao tratar do corpo vivo, o templo do espírito

de Deus? É uma das artes; poder-se-ia dizer, a mais bela das artes!

Florence Nightingale

Nessa parte, iremos historiar a trajetória histórica da enfermagem, fazendo um

breve percurso histórico desde a prática intuitiva, até a profissionalização dessa profissão.

Faremos uma abordagem sobre a criação do curso de enfermagem na UFMT, assim como no

CUS, e encerraremos essa parte, com os dados da pesquisa, e com as necessárias análises

sobre os mesmos.

3.1 A origem das práticas do cuidar

Desde a Pré-história, a enfermagem era desenvolvida dentro das relações humanas

existentes, mesmo quando essa ainda não era reconhecida como profissão. Nesse momento

histórico, a enfermagem era, na verdade, uma atribuição, cabendo à figura da mulher

desempenhar os trabalhos inerentes à ação do cuidado. Analisando as práticas de cuidar na

Antiguidade, observamos que essas sempre estiveram relacionadas ao trabalho da mãe no

cuidado com os filhos, na nutrição desses ou de outras pessoas dependentes, como idosos e

feridos.

Como a figura da mulher sempre esteve relacionada à maternidade, uma das

primeiras atribuições destinadas a ela foi quanto aos cuidados com o parto, surgindo, dessa

forma, a figura da parteira. Registramos que a atividade de parteira tornou-se profissão no

Brasil, e praticamente em todo mundo, muito antes da profissionalização da enfermagem. As

parteiras não tinham formação acadêmica e sua prática se pautava em conhecimentos

empíricos de mulheres “experientes e sábias” (GEOVANINI et al., 2010).

Somente no século XI, com o início das expedições militares conhecidas como

Cruzadas90

, a ação do cuidar deixou de ser uma atribuição dividida de acordo com o sexo, no

caso, o sexo feminino, e passou a ser empregada como uma tarefa de caridade, exercida por

religiosos e pessoas da sociedade que buscavam a salvação. Houve nesse período a construção

90

Confronto organizado pelos cristãos que tinham como objetivo o de libertar e recuperar Jerusalém, ou Terra

Santa, que havia caído em poder dos muçulmanos no século VII (OGUISSO, 2007).

Page 129: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

128

tanto de hospitais para atendimento a mulheres, em que as cuidadoras eram mulheres

(Hospital de Santa Maria Madalena) e hospitais para homens, em que os cuidadores eram

homens (Hospital de São João de Jerusalém) (OGUISSO, 2007).

Ainda no início do período Renascentista, a enfermagem continuou sendo

relacionada aos cuidados prestados pela caridade, sendo assim desenvolvida pelas ordens

religiosas. Apenas no século XIX, começaram a desenvolver iniciativas de se criar

instituições para o ensino da enfermagem; uma das primeiras foi liderada pelo pastor

protestante Theodor Fliedner na Alemanha, que, juntamente com sua esposa Frederika

Fliedner, criaram a Escola das Diaconisas de Kaiserswerth em 1836.

Houve também a tentativa de criar cursos para ensinar a cuidar de doentes, cursos

realizados pelos médicos, que “sentiam a necessidade de ter ao lado pessoas mais preparadas

para ajudar em seu trabalho.” (OGUISSO, 2007, p. 59). Dentre essas iniciativas, destacou-se,

em Nova York, o médico cirurgião Valentine Seaman que começou a dar cursos regulares

com aulas teóricas e práticas de anatomia, fisiologia e pediatria, para mulheres interessadas

em trabalhar como enfermeiras. Em Londres, também houve a criação de curso de

enfermagem na Casa de São João91

com o objetivo de estabelecer treinamento sistemático de

jovens mulheres para se tornarem enfermeiras.

Nesse momento, ocorreu a criação de cursos de enfermagem dentro de um

princípio médico, conhecidos como Enfermagem Médica ou Enfermagem Antiga,

caracterizadas pelos cuidados de enfermagem que se restringiam ao ensino de práticas ditadas

pelos médicos. Em tal modelo, a enfermagem não tinha qualquer autonomia frente aos

cuidados com o paciente, podendo executar apenas aquilo que os médicos pré-determinavam.

O modelo de Enfermagem Médica surgiu com maior “força” na França, sendo um dos

principais defensores e difusores o doutor Desiré Magloire Bourneville (1840 – 1909), que

criou as principais escolas de enfermagem com base nesse princípio.

Destacou-se na Inglaterra, em 1853, a figura de Florence Nightingale, nascida na

Itália em 12 de maio de 1820, tendo mudado para Inglaterra ainda criança. Florence teve uma

“inspiração” desde jovem para dedicar-se ao trabalho de cuidar. Era proveniente de uma

família da aristocracia, portanto, gozava de boas condições financeiras, e desde pequena

recebeu instrução do seu próprio pai, o intelectual Willian Edward Nightingale, adquirindo

vastos conhecimentos de história, matemática, ciências, canto e piano, além de saber seis

idiomas fluentemente92

(GEOVANINI et al., 2010).

91

Mais tarde a Casa de São João foi associada ao Hospital King‟s College. 92

Latim, grego, inglês, francês, alemão e italiano.

Page 130: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

129

Com o fim da Guerra da Crimeia, em 1856, Florence retornou para a Inglaterra,

recebendo o reconhecimento da população inglesa pelo trabalho desenvolvido no campo de

batalha. “Seu nome era sinônimo de doçura, eficiência e heroísmo” (OGUISSO, 2007, p. 75);

e o retorno das tropas inglesas ficara relacionado ao trabalho de enfermagem desenvolvido

por Florence e sua equipe durante a referida guerra.

A sociedade inglesa, assim como os governantes, reconheceu a importância do

trabalho da enfermagem, iniciando uma campanha na Inglaterra para a arrecadação de

recursos financeiros para criação e desenvolvimento de uma escola de enfermagem. Essa

iniciativa ficou conhecida como Fundo Nightingale, e arrecadou um total de 200 mil dólares.

Com esse montante, Florence, mesmo enferma por uma doença contraída durante a guerra93

,

organizou a criação de uma escola adotando um novo princípio de enfermagem, diferente do

estudo de Enfermagem Médica que vigorava na época. “Florence afirmava que não queria

criar uma nova ordem ou congregação feminina, mas estabelecer uma carreira secular para as

mulheres.” (OGUISSO, 2007, p. 75).

Assim, quatro anos depois de retornar da Guerra da Crimeia, Florence inaugurou a

Escola de Enfermagem no Hospital Saint Thomas, com uma turma composta por 15 alunas,

iniciando as aulas no dia 09 de julho de 1860. Para Florence, a enfermagem deveria ser uma

profissão secular exercida apenas por mulheres, pelo próprio caráter instintivo pertencente a

esse gênero; o currículo da escola procurava estimular o desenvolvimento individual de cada

aluna, que já mostrava talento, precisando apenas desabrochá-lo. Florence defendia que as

candidatas selecionadas para ingressar no curso de enfermagem já deveriam ter a vocação

para atuar como enfermeiras, sendo que o curso apenas despertaria e aprimoraria essa

vocação.

Portanto, para Florence, a enfermagem seria uma profissão destinada às mulheres,

assim como o direito e a medicina eram para os homens; as mulheres que ingressassem na

enfermagem teriam essa profissão como uma vocação pertencente ao instinto feminino.

Devido a sua enfermidade, Florence delegou a direção da escola de enfermagem a

sua amiga Sarah Elizabeth Wardroper, entretanto, a seleção das candidatas permaneceu sob

sua responsabilidade. Fato interessante recai sobre essa forma de seleção: era a própria

Florence Nightingale que realizava a seleção das candidatas. Devido às salas de aulas serem

pequenas e a enfermagem ser considerada por Florence como uma profissão destinada apenas

93

Pelos relatos, Florence teria contraído Febre Tifoide já no final da Guerra.

Page 131: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

130

às mulheres com vocação, o número de candidatas selecionadas variava de 15 a 20, de um

total de 1 mil a 2 mil candidatas.

Para ingressar na escola de enfermagem, as candidatas deveriam saber ler e

escrever, ter conhecimento sobre assuntos gerais, demonstrar habilidade como cuidadora e

caráter moral. Florence acreditava que apenas realizando uma seleção rígida das candidatas a

ocupar o cargo de enfermeira já bastaria para manter o status da profissão em alto patamar,

não sendo, dessa forma, necessária a criação de órgão de classe ou fiscalizações profissionais.

Na escola de enfermagem de Florence Nightingale, passou a ser desenvolvido um

novo modelo de serviço de enfermagem, que vigora até os dias atuais, conhecido como

Enfermagem Moderna, ou Enfermagem Nightingaleana, que tem como característica:

A direção de escolas e de serviço de enfermagem e o ensino de enfermagem seriam

feitos por enfermeiras. Além disso, esse ensino deveria ser teórico-prático e as

candidatas deveriam ser selecionadas sob o ponto de vista físico, moral, intelectual e

de aptidão profissional. (BAER, 1985 apud OGUISSO, 2007, p. 65).

Devido à formação que as enfermeiras receberam na escola de enfermagem do

Hospital Saint Thomas e pela qualidade da formação e pelos excelentes trabalhos que vinham

realizando, elas se tornaram reconhecidas internacionalmente. Logo essas enfermeiras

migraram para outros países da Europa e fundaram novas escolas de enfermagem, seguindo o

novo princípio, e as escolas de enfermagem no estilo médico vão perdendo prestígio até serem

extintas por completo.

Como já relatado, Florence defendia que a enfermagem era uma vocação e só

poderia exercer essa profissão quem se dedicasse exclusivamente a ela e passasse por uma

árdua seleção e preparação. Defendia também que as enfermeiras não poderiam ficar

afastadas das atividades políticas, “sob pena de não se conseguirem as reformas necessárias

para a preparação de bons cuidados à saúde.” (OGUISSO, 2007, p. 82).

O modelo de enfermagem moderno chegou a outros países por meio das

enfermeiras formadas na escola de Florence Nightingale, sendo assimilado e incorporado

gradativamente, seja por força da sociedade médica, seja pelos governos locais. Quinze anos

após o início das atividades da escola de enfermagem de Florence Nightingale, todos os

hospitais do mundo já solicitavam enfermeiras “Nightingale” para trabalharem em suas

instituições.

Page 132: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

131

3.2 O desenvolvimento da enfermagem no Brasil

Um dos fatores que estimulou o desenvolvimento da enfermagem no Brasil

decorreu da Reforma Psiquiátrica. Esse movimento teve início na Itália, defendido pelos

médicos Pinel e Esquirol, que lutavam pela realização do tratamento dos pacientes com

transtornos mentais, haja vista que eram apenas excluídos do convívio social devido a sua

doença, mantidos “trancafiados” em manicômios sem realizar um tratamento que os

reabilitasse.

No Brasil, aconteceu a mesma forma de “tratamento” dos pacientes com

transtornos mentais: ficavam internados nos porões da Santa Casa de Misericórdia, instituição

conhecida como Hospício Pedro II, e lá não recebiam qualquer espécie de tratamento, sendo

mantidos “presos” por período indeterminado.

Proveniente da Reforma Psiquiátrica, em 1890, o Hospício Pedro II foi

desvinculado da Santa Casa de Misericórdia e transferido para outro local próximo à praia

vermelha no Rio de Janeiro, sendo a partir de então nomeado como Hospício Nacional de

Alienados. Nesse momento, quem prestava os serviços de cuidados eram as Irmãs de

Caridade, assim como faziam na Santa Casa de Misericórdia; devido ao processo de

laicização94

, as Irmãs de Caridade saíram do Hospício e deixaram de prestar os cuidados aos

doentes mentais. Em decorrência disso, os médicos psiquiatras resolveram criar uma escola

para formação de enfermeiras, semelhante ao ocorrido na Europa.

A saída das Irmãs de Caridade, em agosto de 1890, provocou uma série crise no

Hospício Nacional de Alienados: não havia quem cuidasse dos doentes mentais. Foi

quando os médicos e/ou psiquiatras tiveram a ideia de criar uma escola que

preparasse pessoal para cuidar dos enfermos [...]. (OGUISSO, 2007, p. 105).

Os médicos criaram95

a primeira escola de enfermagem no Brasil, chamada de

Escola de Enfermeiros e Enfermeiras no Hospício Nacional de Alienados, seguindo o modelo

de Enfermagem Médica ou Enfermagem Antiga. Para trabalhar no referido hospício, assim

também na escola de enfermagem, como instrutoras das alunas de enfermagem “foram

contratadas enfermeiras francesas, oriunda de Salpêtrière, não religiosas, pelo Senhor

Ministro do Brasil.” (BRANDÃO, 1897 apud OGUISSO, 2007, p. 106).

94

Choque entre o conhecimento médico e o conhecimento religioso, que culminou com a saída dos(as)

religiosos(as) dos cuidados de enfermagem dos hospitais (OGUISSO, 2007). 95

Decreto n.º 791, de 27 de setembro de 1890.

Page 133: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

132

Analisando o Decreto de criação da escola de enfermagem, observamos que a

admissão dos estudantes nessa escola, como trata o Art. 4°, estava condicionada a:

Art. 4°. Para ser admitido à matrícula, o pretendente severa:

1. ter 18 anos, pelo menos, de idade;

2. saber ler e escrever corretamente e conhecer aritmética elementar;

3. apresentar atestações de bons costumes. (BRASIL, 1890, p. 02).

Registramos que o decreto de criação da escola de enfermagem estipulava que os

alunos poderiam ser admitidos em regime de internos, que residiriam no hospício, e em

regime de externo. Os alunos aceitos em regime de internos receberiam além de aposentos e

alimentação, uma “gratificação” de 20$ no primeiro ano e 25$ no segundo ano. O curso tinha

duração de até dois anos, e o profissional formado poderia se aposentar após 25 anos de

trabalho.

A finalidade do curso da Escola Profissional de Enfermeiros e Enfermeiras era, sem

dúvida, preparar o pessoal que já trabalhava no próprio hospital e dar oportunidade

de trabalho a mulheres e órfãs que não tinham como sobreviver sem uma profissão

que as sustentasse, após os 18 anos, quando saíam dos orfanatos. (OGUISSO, 2007,

p. 110).

Outro fato interessante referente à Escola de Enfermeiros e Enfermeiras do

Hospício Nacional dos Alienados, como o próprio nome já indica, diz respeito a que a mesma

aceitava o ingresso de estudantes do sexo masculino. Tal fato se deve a criação dessa escola

estar vinculada ao hospital psiquiátrico; nesse período, havia necessidade de pessoas do sexo

masculino na equipe de enfermagem para lidar com os pacientes psiquiátricos que tinham

uma grande força física, ficavam muitas vezes agitados, necessitando ser contidos.

A Escola de Enfermeiros e Enfermeiras do Hospício Nacional dos Alienados,

mesmo sofrendo descontinuidades no início de sua vida, e futuramente mudando seu modelo

de Enfermagem Médico para Nightingaleano, existe até os dias atuais. Atualmente, a Escola

de Enfermagem Alfredo Pinto é vinculada à Universidade Federal do Estado do Rio de

Janeiro (Unirio).

Em setembro de 1918, disseminou-se no Rio de Janeiro a epidemia de gripe

espanhola, que dizimou grande parte da população, com aproximadamente 13 mil pessoas

mortas. Demonstrou-se, com isso, a ineficiência do serviço de saúde presente naquele

momento no país (GEOVANINI et al., 2010).

Na presidência de Epitácio Pessoa (1919 – 1922), foi criado o Departamento

Nacional de Saúde Pública – DNSP, que tinha como diretor Carlos Chagas. Logo depois de

Page 134: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

133

criado tal departamento, foi firmado um convênio de cooperação técnica com a fundação

Rockefeller, empresa norte-americana que, entre outras atribuições, deveria desenvolver o

serviço de enfermagem no DNSP.

Para isso, a fundação Rockefeller contratou a enfermeira norte-americana Ethel

Parson, em 1922, para assumir a superintendência do serviço de enfermagem do DNSP. Nessa

função, Parson trouxe sete enfermeiras norte-americanas para ministrarem cursos para as

“visitadoras de higiene” que existiam nesse momento e prestavam serviços de vigilância à

saúde. Entretanto, Parson observou que não bastava a formação de “visitadoras de higiene”,

se não havia enfermeiras para supervisionar o serviço daquelas. Portanto, viu-se a necessidade

de criar escolas de enfermagem no Brasil que seguissem o modelo nightingaleano.

Devido à necessidade constatada, foi inaugurado em 19 de fevereiro de 1923, a

Escola de Enfermeiras do Departamento Nacional de Saúde Pública, contando como diretora

e principal organizadora a enfermeira Clara Louise Kieninger. Essa primeira turma contava

com 15 alunas que estudavam em regime de internato; logo no início, Kieninger instituiu a

Associação do Governo Interno das Alunas com a finalidade de:

[...] homogeneizar e controlar o corpo social da escola de modo a desenvolver um

forte sentimento de responsabilidade individual e elevar o nível social da instituição.

Nessa associação as alunas tiveram expediência de aprendizagem em administração,

planejando eventos, elaborando normas, rotinas, regulamentos e atas, e até mesmo

de expressão verbal. (OGUISSO, 2007, p. 90).

A primeira turma de enfermeiras formou-se em 19 de junho de 1925 e ficaram

conhecidas como “As pioneiras”. Desse grupo surgiu o interesse em formar uma associação

de ex-alunas, fato comum nos Estados Unidos, mas que somente se concretizou em 1926 com

a criação da Associação Nacional de Enfermeiras Diplomadas Brasileiras, hoje conhecida

como Associação Brasileira de Enfermagem (ABEn).

Em 1926, a Escola de Enfermeiras do DNSP teve seu nome alterado para Escola

de Enfermagem Ana Nery em homenagem à baiana, heroína de guerra que atuou como

enfermeira na Guerra do Paraguai (1864 – 1870), desenvolvendo serviços de enfermagem

semelhantes aos de Florence Nightingale na Guerra da Crimeia (LIMA, 2006).

Pelos esforços de Ethel Parson, foi promulgado o Decreto n.º 20.109 de 15 de

junho de 1931, que regulamentava o ensino da enfermagem, fazendo menções à exigência de

formação cada vez mais especializada para as interessadas em atuar como enfermeiras.

Entretanto, o decreto ainda não incorporou a Escola de Enfermagem Ana Nery à Universidade

do Rio de Janeiro, determinando apenas que a Escola de Enfermagem Ana Nery fosse

Page 135: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

134

considerada como um modelo de ensino “oficial-padrão”, e que todas as escolas de

enfermagem criadas a partir de então, deveriam seguir o modelo dessa escola para serem

reconhecidas como ensino oficial, ou seja, a enfermagem embora reconhecida como uma

profissão de importância para a sociedade, ainda não era considerada como um curso de

ensino superior.

[...] devido a conveniências da organização sanitária, não convém transferir agora

para a Universidade do Rio de Janeiro a Escola de Enfermeiras Ana Nery, anexa ao

Departamento Nacional de Saúde Pública, apesar de a mesma satisfazer aos bons

padrões técnicos encontrados em universidades de outros países. (BRASIL, 1931b,

p. 01).

O Decreto n.º 20.109/31 acabou dificultando a criação de novas escolas de

enfermagem, pois a partir desse decreto, para se fundar uma escola de enfermagem, era

necessário seguir o mesmo padrão existente na Escola de Enfermagem Ana Nery, ou seja, a

ela ser equiparado. Mesmo com esse empecilho, houve a criação de algumas instituições de

ensino de enfermagem, como a Escola de Enfermagem Carlos Chagas em Belo Horizonte,

Minas Gerais, em 1933, com objetivo de formar enfermeiras religiosas no Brasil. Duas

escolas foram criadas em Goiás, uma em Rio Verde, em 1933, e outra em Anápolis, em 1937,

ambas por iniciativa da igreja evangélica. A Cruz Vermelha também desempenhou importante

papel na criação de escolas de enfermagem, tanto no Rio de Janeiro como em São Paulo. E

ainda a criação da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo (EEUSP) em 194296

.

A incorporação da Escola de Enfermagem Ana Nery ao ambiente universitário

aconteceu em 1937, quando a referida escola foi incorporada à Universidade do Brasil97

,

passando a oferecer curso de enfermagem e de serviço social; entretanto, mesmo a instituição

pertencendo ao ambiente universitário, o curso de enfermagem ainda não era considerado

como nível superior. Foi somente por meio do Decreto n.º 21.321, de 18 de junho de 1946,

aprovando o estatuto da Universidade do Brasil, que elevou a escola de enfermagem

definitivamente como ensino superior.

[...] Com esse ato, a escola foi dissociada do Serviço de Enfermagem do DNSP,

passando a funcionar na universidade, com subordinação administrativa do

Departamento Nacional de Educação [...]. (OGUISSO, 2007, p. 93).

96

Decreto n.º 13.040, de 31 de outubro de 1942. 97

Lei n.º 452, de 05 de julho de 1937.

Page 136: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

135

Somente em 1949, foi decretada a Lei n.º 775, pela qual as escolas de enfermagem

deixaram de ser equiparadas ao modelo da Escola de Enfermagem Ana Nery, e passaram a ser

reconhecidas pelo Ministério da Educação.

Quanto à forma de ingresso no ensino da enfermagem, a Escola de Enfermeiros e

Enfermeiras do DNSP, futuramente Escola de Enfermagem Ana Nery, tinha seus próprios

mecanismos de seleção, como preconizava Florence Nightingale; as interessadas em ingressar

deveriam se inscrever na escola, ser solteiras, mais de 18 anos e saber ler e escrever.

Somente quando a Escola de Enfermagem Ana Nery foi incorporada à

Universidade do Brasil, futura Universidade Federal do Rio de Janeiro, a forma de seleção das

candidatas passou a vigorar conforme os moldes da instituição universitária, ou seja, com a

adoção dos “Exames Vestibulares” e, depois da Reforma Universitária, “Concursos

Vestibulares”. Assim aconteceu em praticamente todas as instituições de ensino de

enfermagem, que, depois que passaram a ser subordinadas ao DNE, tiveram que adequar as

formas de ingresso ao que esse Departamento determinava.

3.3 A profissionalização da enfermagem

De acordo com os dicionaristas Michaelis (1998) e Ferreira (1975), profissão seria

o ato ou efeito de professar. Pode significar trabalho, dever, papel, obrigação, ofício, serviço

ou modo de vida, e desenvolver-se de forma manual ou mecânica. A própria Constituição

Federal determina no seu art. 5º que “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou

profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelece.” (BRASIL, 1988).

O significado de profissão e/ou ofício é dinâmico e, em cada período, é

compreendido dentro de contexto social em que está inserido; portanto, não se pode igualar o

sentido de profissionalização do início das escolas de enfermagem, em 1890, com o da

atualidade. Vale dizer, entretanto, que atualmente chegamos ao consenso de que as profissões

na área da saúde realizam serviços destinados a promover, manter ou recuperar a saúde e

prevenir doenças (GEOVANINI et al., 2010).

A enfermagem no Brasil, antes de 1890, era praticada com base na solidariedade

humana, no misticismo, no senso comum e/ou em crendices. A profissionalização somente

surgiu devido à sistematização do ensino da prática do cuidar, resultado de um processo

político que necessitava de pessoas com treinamento e características adequadas para cuidar

dos pacientes com transtornos mentais.

Page 137: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

136

Entendemos por enfermagem profissional aquela atividade exercida por pessoas que

passaram por um processo formal de aprendizado, com base em um ensino

sistematizado, com currículo definido e estabelecido por um ato normativo, e que, ao

término do curso receberam um diploma e a titulação específica. (OGUISSO, 2007,

p. 103).

Segundo Kisil (1994 apud OGUISSO, 2007), o processo de profissionalização só

teve início quando se identificou uma necessidade social não atendida, ou mal atendida,

“abrindo” dessa forma, a possibilidade de surgir, ou se criar, uma profissão que executasse tal

atividade.

Na enfermagem, evidenciamos tal característica. Mesmo existindo desde os

primórdios da humanidade, foi somente em função da necessidade social, ocasionada pelo

processo de laicização, que surgiu a necessidade social de uma cuidadora formada e

capacitada para trabalhar dentro dos hospitais, sendo responsável pelos cuidados dos

pacientes.

O Decreto n.º 791, de 27 de setembro de 1890, que tratava da criação da Escola de

Enfermeiros e Enfermeiras no Hospício Nacional dos Alienados, foi o primeiro instrumento

normativo que determinou a enfermagem como uma profissão, pois instruía o preparo dos

profissionais para exercer esse cargo; a remuneração que os mesmos receberiam para executar

a ação de cuidar; e a aposentadoria após determinado tempo de serviço. Portanto, naquele

momento, iniciou-se o processo de profissionalização de enfermagem no Brasil.

O processo de reformulação do Hospício Nacional de Alienados é tido como marco

do surgimento da psiquiatria no país. E, por ter-se originado em seu interior a

primeira escola para a formação de profissionais de enfermagem, pode ser também

considerada o local onde ocorreu a institucionalização do ensino formal de

enfermagem no Brasil. (OGUISSO, 2007, p. 105).

O próximo passo para a profissionalização decorreu das mudanças dos programas

de treinamento ora existentes para programas curriculares definidos nas escolas oficiais, como

foi o caso da Escola de Enfermagem Ana Nery; processo decorrente do novo modelo de

enfermagem criado por Florence Nightingale e “incrementado” nos Estados Unidos.

Verificamos, desde a criação da Escola de Enfermagem do DNSP, que a mesma

apresentava um programa de ensino, assim como uma forma de seleção com características de

ensino superior. Em decorrência da rigidez do seu programa, o desenvolvimento da

enfermagem no Brasil foi “lentificado”, principalmente, devido à precária formação das

mulheres daquela época, que tinham pouco acesso à educação, diferente do que acontecia nos

Estados Unidos.

Page 138: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

137

Com a criação do primeiro curso de enfermagem, na Escola de Enfermagem do

DNSP, pertencente ao modelo moderno, foi instituído o primeiro programa de ensino de

enfermagem, em 1923, centrado na formação de enfermeiras hospitalares, inspirado nos

Estados Unidos. Como essa escola foi considerada a escola oficial-padrão, logo esse currículo

foi modelo de várias outras instituições de ensino de enfermagem criadas no mesmo período.

Com a mudança de nome de Escola de Enfermagem do DNSP para Escola de

Enfermagem Ana Nery, em 1926, seu programa curricular também sofreu alterações nesse

ano, embora tais alterações não apresentassem diferenças significativas em relação ao

anterior, com ênfase na formação de base clínica em detrimento a área de saúde pública98

.

Em 1949, foi estruturado outro currículo, elaborado pela Divisão de Educação da

ABEn, contendo um vasto conteúdo de especialidades médicas, vinculando a enfermagem ao

ambiente hospitalar.

O currículo de 1949 era pouco inovador relacionado ao programa inicial, prevalece a

ênfase no fazer, mais do que no pensar, na repetição de técnicas que tolhiam a

criatividade das alunas e com a centralização no estado da doença e não do doente.

(GARCIA; CHIANCA; MOREIRA, 1995).

Tendo como “problema” o baixo nível das candidatas que ingressavam nos cursos

de enfermagem, o que ocasionava altas taxas de reprovação, ainda no ano de 1949 foi

instituído o Decreto 775, em que os cursos de enfermagem deixaram de ser equiparados e

passaram a ser reconhecidos pelo Ministério da Educação. Para solucionar o problema das

candidatas com baixa instrução, foi recomendado no VII Congresso Nacional de

Enfermagem, realizado em 1954, que a seleção das candidatas aos cursos de enfermagem

deixasse de ser realizada pelos critérios estabelecidos nas escolas de enfermagem e fosse

realizado a partir de exames vestibulares. Também foi recomendado o uso de testes

psicotécnicos para avaliar as condições das ingressantes.

Como estratégia para aumento no número de candidatas aos cursos de

enfermagem, em 1957 foi elaborado um relatório pelas Diretoras de Escolas de Enfermagem,

que estipulava que a formação da enfermagem poderia ser realizada em três níveis: superior,

médio e elementar. O ensino médio seria para formar técnicas de enfermagem que, após a

conclusão desse curso de 3 anos, poderiam ingressar no curso superior; o ensino elementar

seria para formar auxiliares de enfermagem, destinado à mulheres com pouca instrução e que

não conseguiriam ingressar no curso médio ou superior.

98

Registramos que 90% do ensino prático eram desenvolvidos no ambiente hospitalar, o que demonstra a nítida

vertente o ensino da enfermagem para o ambiente hospitalar (GALLEGUILLOS; OLIVEIRA, 2001).

Page 139: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

138

Decorrente da LDB de 196199

, foi constituída uma comissão de peritos pelo CFE,

para estruturar o currículo do curso de enfermagem. A referida comissão entregou seu

relatório estruturando um curso de enfermagem, de nível superior, com duração de quatro

anos, distribuídos em nove cadeiras de enfermagem e onze disciplinas, “com a recomendação

que fossem realizados concursos de ingresso e cursos de pós-graduação.” (CARVALHO,

1976 apud GALLEGUILLOS; OLIVEIRA, 2001, p. 82).

Em decorrência da LDB/61, em 1962 foi fixado o primeiro currículo mínimo para

o curso de enfermagem mantendo as disciplinas clínico-hospitalares e a disciplina de Saúde

Pública foi apresentada como optativa nos currículos, presente apenas como disciplina

obrigatória na pós-graduação.

Após a Reforma Universitária de 1968, voltou-se a discutir o currículo mínimo do

curso de enfermagem; pela nova proposta da Comissão de Educação da ABEn, o curso seria

dividido em dois semestres básicos e seis semestres de formação profissional, e, no último

ano de formação, as alunas poderiam optar pela área de formação, disposta em: Enfermagem

Obstétrica, Enfermagem da Comunidade e Enfermagem Médico-Cirúrgica

(GALLEGUILLOS; OLIVEIRA, 2001).

No ano de 1968, foi discutida, no Seminário realizado na EEUSP, a evasão nos

cursos de enfermagem, sendo apontada como a maior causa a falta de recursos financeiros das

alunas e a impossibilidade de conciliar estudos e trabalho. Para dirimir tal problema, foi

estipulada na nova estrutura curricular dos cursos de enfermagem, a redução do período de

férias estudantis e a redução da carga horária de aulas de campo, para, dessa forma, permitir

que as alunas pudessem conciliar estudo e trabalho, sem abandonar o curso.

Em decorrência da especificação do sistema econômico capitalista nos anos de

1970, o CFE promulgou o Parecer n.º 163/72, reformulando mais uma vez o currículo mínimo

dos cursos de enfermagem, com a criação de disciplinas que poderiam ser cursadas de forma

optativa100

.

[...] o Parecer n. 163/72 enfatizava a necessidade do enfermeiro dominar cada vez

mais as técnicas avançadas em saúde, em razão da evolução científica, uma vez que

a profissão médica passara a necessitar de uma enfermagem especializada para

juntas atuarem na assistência curativa. (GALLEGUILLOS; OLIVEIRA, 2001, p.

83).

99

Lei n.º 4.024/61. 100

Dentre essas disciplinas optativas, destacavam-se as habilitações em Saúde Pública, Enfermagem Médico-

Cirúrgica e Obstetrícia.

Page 140: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

139

Nos anos de 1980, a sociedade brasileira lutava por melhores condições de vida e

clamava por um sistema de saúde que atendesse toda a população. Somando-se à crise

econômica e política que atingia a área de saúde, surgiram as primeiras discussões em torno

da criação do Sistema Único de Saúde (SUS), com o objetivo de planejar e executar uma

política nacional de saúde.

Devido ao debate em torno do novo sistema de saúde, inúmeras críticas incidiram

sobre o currículo mínimo de enfermagem, principalmente pela falta da cadeira de Saúde

Pública, tão necessária perante as configurações sociais e políticas do Brasil. Assim, a ABEn,

juntamente com as escolas de enfermagem e a Comissão de Especialistas de Enfermagem da

Secretaria de Educação Superior (SESu), realizaram em 1989, no Rio de Janeiro, o Seminário

Nacional sobre Currículo Mínimo para a Formação do Enfermeiro, que gerou uma proposta

de reformulação do currículo mínimo de enfermagem encaminhada somente em 1991.

As reformulações incluíam a extinção das habilitações, o aumento de carga horária,

o redimensionamento dos conteúdos das ciências humanas e biológicas, a

valorização do compromisso com a sociedade e a reflexão sobre a prática

profissional. Considerava perfil sanitário e epidemiológico da população, a

organização dos serviços de saúde, o processo de trabalho em enfermagem e a

articulação entre o ensino e os serviços. (CHRISTÓFARO, 1991 apud

GALLEGUILLOS; OLIVEIRA, 2001, p. 84).

Essa proposta resultou no Parecer n.º 314/94, que instituiu o novo currículo

mínimo de enfermagem. De acordo com esse parecer, o ensino da enfermagem seria oferecido

em três níveis (médio, superior e pós-graduação), excluindo a partir de então a formação

elementar de auxiliar de enfermagem. “Mas é na formação do enfermeiro que a sua

interferência (ABEn) será maior e as definições mais precisas.” (GALLEGUILLOS;

OLIVEIRA, 2001, p. 84). Portanto, em 1994, foi definida a nova diretriz para o ensino da

enfermagem101

, dividido em quatro áreas temáticas, sendo elas: Bases Biológicas e Sociais da

Enfermagem, Fundamentos da Enfermagem, Assistência de Enfermagem e Administração em

Enfermagem. Além disso, “A carga horária mínima passou a ser de 3.500 horas/aula,

incluindo as 500 horas destinadas ao estágio currículos, com duração não inferior a dois

semestres letivos e desenvolvido sob supervisão docente.” (GALLEGUILLOS; OLIVEIRA,

2001, p. 84).

A disciplina de Saúde Pública anteriormente retirada do currículo, nesse momento

retornou com a denominação de Saúde Coletiva, entretanto a formação ainda é

prioritariamente voltada à assistência curativa e individual (hospitalar).

101

Parecer n.º 314, de 06 de abril de 1994.

Page 141: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

140

Em 1996, foi promulgada a LDB, Lei n.º 9.394, de 20 de dezembro de 1996,

reinterando a responsabilidade da educação para a família e para o Estado. Com vista à

educação superior, a LDB reforçou a tendência profissionalizante dos cursos superiores e

flexibilizou a formação de diferentes perfis profissionais a partir da vocação de cada curso e

de cada IES, que passaram a ter liberdade para definir parte considerável de seus currículos

plenos (GALLEGUILLOS; OLIVEIRA, 2001).

Em 1997, foi promovida uma nova discussão sobre as Diretrizes Curriculares dos

cursos superiores. Referente à enfermagem, foi realizado o Seminário Nacional de Diretrizes

para a Educação em Enfermagem no Brasil (SENADEn), com objetivo de discutir e

estabelecer as diretrizes gerais para a educação em enfermagem.

As discussões se pautaram centralmente na formação “hospitalocêntrica” do

enfermeiro e no perfil de enfermagem que se desejava formar, um “profissional generalista,

crítico e reflexivo, com competência técnico-científica, ético-política, social e educativa.”

(SENADEn, 1998). Entretanto, a estrutura curricular foi mantida semelhante à de 1994, com

acréscimos dos conteúdos de Filosofia e Comunicação, e a cadeira de Psiquiatria passou a ser

designada Saúde Mental.

As IES deveriam compor um curso respeitando o mínimo de 4.000 horas-aula e oito

semestres letivos. O estágio curricular deveria ser no mínimo de 500 horas, sob

coordenação docente e contando com a participação de enfermeiros dos serviços de

saúde. [...] A proposta privilegiava a formação do enfermeiro “crítico e reflexivo

com competência técnico-científico-ético-político-social-educativa.”. (BRASIL,

1999b apud GALLEGUILLOS; OLIVEIRA, 2001, p. 85).

Os cursos de graduação em enfermagem, atualmente, seguem as orientações da

resolução CNE/CES n.º 3, de 7 de novembro de 2001, que implantou as Diretrizes

Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Enfermagem. A resolução n.º 4, de 6 de

abril de 2009, estipulou as cargas horárias mínimas dos cursos de graduação; refere que no

curso de enfermagem a carga horária mínima deve ser superior a 4000 horas/aula, e o tempo

limite para integralização ser de cinco anos.

As alterações na estrutura curricular do curso de enfermagem variam de acordo

com o momento histórico e os interesses “dominantes”, voltados para o mercado de trabalho,

que, em muitos casos, atende às necessidades de uma minoria, ao invés de contemplar a

coletividade. Observamos, por exemplo, que a redução da carga horária das aulas práticas,

justificada como uma alternativa para a redução da evasão escolar teve como pano de fundo a

Page 142: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

141

redução dos custos para as instituições privadas, em ampla expansão na década de 1970, com

a redução do número de professores (GALLEGUILLOS; OLIVEIRA, 2001).

A tendência para a habilitação do profissional em enfermagem, no contexto atual,

é voltada para a articulação desse profissional com o ensino, a pesquisa e a extensão; assim

como o estágio curricular supervisionado dever ser realizado no final da formação curricular,

devendo efetuar a articulação entre ensino e serviço.

3.4 O processo histórico da enfermagem na UFMT

O curso de enfermagem foi um dos primeiros a serem oferecidos na área da saúde

pela UFMT. A criação do curso data do ano de 1975, por meio da Resolução CD nº. 80, de 08

de outubro de 1975, com a primeira turma ingressando no ano de 1976, com uma matriz

curricular composta de 2.540 horas, distribuídas em três anos ou seis semestres letivos.

Foi o primeiro curso de graduação de enfermagem no estado, “criado com o

objetivo de formar pessoal necessário ao funcionamento adequado dos serviços de saúde.”

(DORILEO, 2005, p. 139-140). Era comum na época pessoas executarem as funções de

atendente de enfermagem sem ter realizado qualquer curso de preparação (UNIVERSIDADE

FEDERAL DE MATO GROSSO, 2010).

A primeira proposta curricular foi elaborada em consonância com as diretrizes

preconizadas pelo Conselho Federal de Educação, adotando o modelo de ensino

integrado. Essa primeira proposta veio atender à necessidade regional de rápida

capacitação de profissionais para o mercado de trabalho. (UNIVERSIDADE

FEDERAL DE MATO GROSSO, 2010, p. 16).

Almejando a inserção dos alunos no campo profissional, assim como a integração

desses no ensino-assistência, o curso de enfermagem da UFMT logo assumiu o serviço

assistencial de enfermagem em duas unidades de saúde de Cuiabá: o Centro de Saúde Escola,

no período de 1982 a 1985, e o Hospital Universitário Júlio Muller (HUJM), desde 1984, ano

de sua inauguração.

Na década de 1980, houve predomínio nas atividades de ensino de graduação

nesse curso, assim como intensa qualificação do corpo docente em nível de mestrado e

doutorado, iniciando de forma secundária a extensão e a pesquisa.

Nos anos de 1990, depois da reforma administrativa da UFMT, ocorreu a criação

da Faculdade de Enfermagem e Nutrição (FEN), a qual veio a ser desmembrada nos anos de

Page 143: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

142

2004/2005 com a criação da Faculdade de Enfermagem (FAEN) e da Faculdade de Nutrição

(FANUT).

Um dos marcos para a consolidação da pesquisa e da pós-graduação no curso de

enfermagem foi a criação do Curso de Mestrado Acadêmico na FAEN no ano de 2006. Da

mesma forma, foi importante o processo de interiorização deste curso devido à solicitação do

governo do estado para a criação de uma turma especial de graduação em enfermagem em

Rondonópolis, no período de 2004 a 2008, e, no final dessa turma, foi implantado o curso

regular.

Devido à carência de profissionais na área de enfermagem102

, foi proposta a

interiorização do curso de enfermagem para os três Campi Universitários da UFMT,

localizados em municípios do interior, entre eles Sinop, Rondonópolis e Barra do Garças.

Assim, foi criado no ano de 2006, pela Resolução CONSEPE n.º 13 do mesmo

ano, o curso regular de enfermagem da UFMT no CUS, apresentando uma carga horária de

4.190 horas, distribuídas nesse momento em 4,5 anos, em sistema de créditos semestrais.

A proposta curricular do Curso de Graduação em Enfermagem do Campus

Universitário de Sinop da UFMT está centrada na assistência de enfermagem

voltada ao ser humano e na complexidade organizacional dos serviços de saúde,

entendendo as necessidades básicas de saúde e assegurando a integralidade da

atenção e a qualidade e humanização do atendimento. (UNIVERSIDADE

FEDERAL DE MATO GROSSO, 2009, p. 12).

O sistema de ingresso ao curso de enfermagem no CUS seguiu as determinações

institucionais e, desde sua criação, a forma de ingresso é realizada pelo concurso vestibular,

alterando em 2010, quando a instituição passou a adotar o ENEM/SiSU como forma de

ingresso para todos os cursos de graduação.

De acordo com o primeiro Projeto Pedagógico do Curso – PPC, o curso de

enfermagem oferecia 100 (cem) vagas anuais, sendo 50 para o primeiro semestre e 50 para o

segundo semestre; como o curso iniciou em 2006/2, nesse ano ingressaram apenas 50

estudantes.

Nos anos entre 2007 e 2010, foram ofertadas 100 (cem) vagas acadêmicas por ano

letivo. No ano de 2010, foi aprovado o novo PPC do curso103

, em que o número de ingressos

diminuiu de 100 (cem) para 60 (sessenta) anuais, com duas entradas de 30 (trinta) estudantes

102

De acordo com o Organização Mundial de Saúde, é preconizada a relação de um enfermeiro para 100 mil

habitantes, meta não alcançada no estado de Mato Grosso na época de criação do curso. 103

Resolução Nº 146, de 22/11/2010, homologada pela Resolução Nº 150, de 29/11/2010.

Page 144: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

143

por semestre. Essa redução deu-se pela carência de campos de estágio na região e também

pela carência de professores para atenderem à demanda crescente de estudantes.

3.5 A escolha do curso de enfermagem pelo SiSU

Antes de abordarmos os resultados da pesquisa, vale destacar os significados de

expressões utilizadas nesta dissertação, para melhor compreender o processo de escolha do

curso no ensino superior.

De acordo com os dicionaristas Ferreira (1975) e Michaelis (1998), a palavra

escolha tem como significado o ato ou efeito de escolher, selecionar, preferir, optar. Já a

palavra opção tem como definição a “faculdade, ação de optar, de escolher entre duas ou

várias coisas. Direito de opção, faculdade, concedida por lei, de preferir uma de duas ou mais

coisas, um de dois ou mais direitos.” (FERREIRA, 1975). Por fim, a palavra desejo tem como

definição dos dicionaristas acima citados a vontade de possuir ou fazer algo.

Trataremos primeiramente de uma análise das pesquisas consultadas que tratam

do assunto referente a escolha do curso, nessas, observamos que há uma relação entre as três

palavras anteriormente citadas, contudo, há momentos específicos em que poderá haver

divergências nos significados, podendo acontecer o caso da “...opção, na verdade, não ser

opção.” (ALMEIDA, 2009, p. 89).

Sabemos que a educação superior no Brasil ainda não está disponível para as

amplas camadas da população, ou seja, a universalização do acesso a esse nível de ensino está

submetida a condicionantes econômicos, sociais e culturais. Dessa forma, a democratização

do acesso ao ensino superior só poderá ocorrer com amplo investimento da União na oferta

desse nível de ensino, assim como aumento de gastos públicos na educação básica e no ensino

médio (ZAGO, 2006).

Conforme estudo de Oliveira et al. (2008), no cenário atual da educação brasileira,

a democratização do ingresso à educação superior é mais compreendida no sentido da

ampliação de vagas do que pelos modelos de processo de seleção. Entretanto, a expansão

acontecida no ensino superior nos últimos anos não beneficiou a população de baixa renda,

que depende essencialmente do ensino básico público (ZAGO, 2006). Havemos de considerar

que essa situação tende a se alterar gradativamente, considerando a política de ações

afirmativas, efetivada nos governos Lula e Dilma Rousseff.

Nas camadas populares menos favorecidas economicamente, a problemática de

ingressar no ensino superior inicia mesmo antes da escolha em uma determinada carreira,

Page 145: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

144

inicia no momento da decisão em realizar ou não o processo de seleção. Pesquisas como a de

Zago (2006) demonstram que muitos estudantes potencialmente qualificados para ingressar

no ensino superior104

não o fazem pela previsão de fracasso nesse processo. Por já

conhecerem sua trajetória de vida e o seu próprio conhecimento intelectual e cultural, esses

estudantes preferem já se inserir no mercado de trabalho ou procurar cursos técnicos onde o

ingresso é mais fácil. A referida autora nomeia esse processo de “autoexclusão”. Outro fato

interessante acontece quando os estudantes decidem fazer o processo de seleção e são

aprovados; na maioria dos casos, atribuem à aprovação à “sorte”, ao invés de considerar o

próprio sucesso pessoal.

Referente ao ingresso no ensino superior, essa realização remete à escolha

profissional que traz embutida um significado de autorrealização e de autonomia econômica

que idealizam a liberdade pessoal e econômica do indivíduo.

Fato que merece relevância quanto ao ingresso no ensino superior refere-se à

Reforma Universitária de 1968, que introduziu o sistema classificatório nos concursos

vestibulares. Após tal determinação, ficou evidente que no ensino superior não há vagas para

todos, sendo admitidos apenas os “melhores”, os “mais aptos”. Nesse sistema, os candidatos

“aprenderam” que a escolha do curso superior não depende apenas do desejo pessoal. Como

relatam os trabalhos de Oliveira et al. (2008) e Borges e Carnielli (2005), a escolha do curso

superior também está condicionada a questões socioeconômicas dos candidatos. “Para

Schwartzman105

pode-se dizer que escolher uma carreira, no Brasil, pouco tem a ver com

“vocação” e muito mais com condições pessoais e sociais que condicionam esta escolha.”

(VARGAS, 2007, p. 2).

A concorrência por vagas nos cursos de maior prestígio social é acentuada tanto nas

instituições públicas como nas privadas. Esse prestígio social prende-se, por sua vez,

à hierarquia das ocupações, ou seja, à estratificação social. [...] a escolha das

carreiras é decorrente do condicionamento social da educação, que contribui

decisivamente para o encaminhamento e distribuição dos candidatos pelos diversos

cursos superiores. (BORGES; CARNIELLI, 2005, p. 115).

Sobre a escolha do curso para ingresso no ensino superior, deparamos com uma

realidade que pode ser contraditória, pois pode não representar o desejo do estudante, que

realiza determinada escolha devido a várias influências que recaem sobre ele no momento de

optar por determinado curso e/ou instituição. Como exemplo, observamos na pesquisa de

104

Concluíram o ensino médio em escolas públicas. 105

SCHWARTZMAN, Simon. A diferenciação do ensino superior no Brasil. Disponível em

Http://www.schwartzman.org.br/simon/diferent.htm. Acesso em 20/10/2012.

Page 146: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

145

Zago (2006) que os estudantes com menor poder aquisitivo pensam na educação superior

como estratégia de investimentos para aumentar suas chances no mercado de trabalho,

portanto, para conseguir ingressar nesse nível de ensino, os mesmos avaliam as reais chances

de sucesso e fazem a opção pelo curso conforme essa análise, ou seja, procuram os cursos

menos concorridos nos quais terão mais chance de aprovação. Assim: “Essa observação

suscita uma reflexão sobre o que normalmente chamamos “escolha”. Quem de fato escolhe?

Sob esse termo genérico escondem-se diferenças e desigualdades sociais importantes.”

(ZAGO, 2006, p. 232).

Alguns fazem um curso diferente daquele tido, inicialmente, como desejo. Mais

ainda, justificam o porquê da mudança ao dizerem que o curso atual contempla, em

termos suficientes, a opção não conseguida. Em outras palavras, há “compensações”

realizadas por um subgrupo de alunos que acabou indo para carreiras menos

disputadas. A vaga não obtida em uma carreira os impeliu a buscar cursos próximos

no campo temático. (ALMEIDA, 2009, p. 84).

De acordo com estudos de Almeida (2009), realizados com estudantes da USP,

vários fatores influenciam a escolha do curso no momento de se inscrever no vestibular da

instituição. Alguns estudantes entrevistados mostraram o desejo de ingressar em determinado

curso, mas não o fizeram em decorrência de vários fatores, como a alta concorrência pela

disputa das vagas, o alto nível da pontuação para o ingresso, o período integral do curso, o

que impede conciliar estudo e trabalho, a influência familiar por determinado curso e a

remuneração de acordo com o mercado de trabalho. Ou seja, o estudante parece compreender

a sua realidade, e, dentro dela, passa a discutir o que está ao seu alcance, o que é possível

conseguir.

Entretanto, mesmo tendo consciência da sua realidade e do que pode

conseguir/alcançar, o candidato que tem seus desejos frustrados provavelmente se submeterá

a uma angústia constante, por estar em conflito, no limite entre o possível e o desejável. No

caso da educação superior, ingressar em outro curso que não seja o desejado, nem sempre será

um atenuante ao estudante (ALMEIDA, 2009).

[...] Ou seja, a opção, na verdade, não é opção, o que possibilita matizar ainda mais o

processo de “escolha” que determinados estudantes fazem. Foi o que sobrou para

fazer próximo daquilo que no âmago queria, em uma graduação que vai, cada vez

mais, afastando-se do desejo inicial alimentado antes da entrada na USP.

(ALMEIDA, 2009, p. 90).

Assim, procurando decifrar essas questões, a presente pesquisa teve como

objetivo analisar o processo de ingresso acadêmico no curso de enfermagem da UFMT, CUS,

Page 147: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

146

tomando como base os anos de 2012, ressaltando o processo de decisão dos estudantes pelo

curso, em face da forma de seleção proposta pelo sistema ENEM/SiSU.

A pesquisa foi realizada com os estudantes ingressantes no curso de enfermagem,

da UFMT, CUS, em 5 de outubro de 2012, que ingressaram no referido curso no período

letivo de 2012/1. Ressaltamos que o semestre letivo de 2012/1 teve início no dia 05 de março

e o seu término em 10 de novembro de 2012, fato decorrente da greve docente ocorrida de

maio a setembro do mesmo ano.

O pesquisador respeitou os princípios envolvendo a pesquisa com seres humanos,

conforme Diretrizes e Normas Regulamentadoras de Pesquisa em Seres Humanos, Resolução

196/96. Todos os pesquisados foram orientados sobre a presente pesquisa e, após o

consentimento em participar da mesma, foram entregues os questionários semiestruturados

com questões abertas e fechadas para tentar desvendar o processo de decisão dos estudantes

pelo curso, em face da forma de seleção proposta pelo sistema ENEM/SiSU.

Do total de 30 ingressos nesse período letivo (2012/1), 24 estudantes que estavam

presentes em sala de aula aceitaram participar da pesquisa106

.

No gráfico 1, podemos observar o período de ingresso dos estudantes. Do

universo de 24 estudantes pesquisados, 87,50% ingressaram no semestre de 2012/1, estando

no período letivo normal para o ingresso, e 8,33% ingressaram no semestre letivo de 2011/2,

estando ainda cursando o 1° semestre do curso devido à reprovação por média – RM ou

reprovação por média e falta - RMF. Um estudante não respondeu essa questão (4,16%).

Gráfico 1 – Número de estudantes que participaram da pesquisa e seu período de ingresso

Fonte: Gráfico elaborado pelo autor.

106

Conforme relato dos estudantes, pelo menos cinco estudantes ingressantes no período 2012/1 já haviam

desistido do curso até a realização da presente pesquisa.

Período letivo

2

21

1

2011/2 2012/1 Não responderam

Page 148: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

147

A questão seguinte foi aberta e indagava ao estudante em qual lista de chamada do

SiSU foi chamado/convocado para efetuar a matrícula no curso de enfermagem da UFMT,

CUS. Nessa questão, 25,00% dos estudantes responderam que foram chamados na primeira

lista classificatória, 16,67% na segunda lista classificatória e 33,33% responderam terem sido

chamados na lista de espera do SiSU. Registramos que 25,00% dos estudantes responderam

não lembrar em qual lista foram chamados ou deixaram a questão em branco.

Nesse dado, podemos observar o baixo número de estudantes que ingressou pela

primeira lista de ingressantes, ou seja, das 30 vagas acadêmicas oferecidas, apenas seis

estudantes ingressaram na primeira lista, resultando em 24 vagas ainda em aberto para a

segunda lista. Desses seis estudantes que relataram ingressar pela primeira lista de chamada,

cinco escolheram a enfermagem como primeira opção e apenas um a escolheu como segunda

opção.

Já entre os quatro estudantes que ingressaram pela segunda lista de chamada,

todos escolheram a enfermagem como primeira opção. Da mesma forma todos os estudantes

que relataram ingressar pela lista de espera (oito estudantes) escolheram a enfermagem como

primeira opção. Dos seis estudantes que relataram não se lembrar, ou deixaram em branco a

questão referente à qual lista foi classificado, cinco escolheram a enfermagem como primeira

opção e apenas um escolheu a enfermagem como segunda opção.

Quadro 3 – Lista de chamada/convocação para efetuar a matrícula no curso de enfermagem na

UFMT, CUS

Chamada

Chamada

Lista de

Espera

Não

responderam

Vagas para o curso de enfermagem

2012/1

30 24 20 --

Estudantes ingressantes em 2012/1 6 (25,00%) 4 (16,67%) 8 (33,33%) 6 (25,00%)

Enfermagem como 1° opção 5 (20,83%) 4 (16,67%) 8 (33,33%) 5 (20,83%)

Enfermagem como 2° opção 1 (4,16%) -- (0%) -- (0%) 1 (4,16%)

Fonte: Elaborado pelo autor.

O gráfico 2 apresenta o número de vezes que os estudantes haviam realizado

algum tipo de processo seletivo (vestibular, ENEM/SiSU), antes de ingressar no curso de

enfermagem.

Page 149: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

148

Registramos que a grande maioria dos estudantes pesquisados ingressou no curso

de enfermagem já no primeiro processo seletivo realizado (62,50%), o que pode ser observado

na sala de aula pela faixa etária dos estudantes, que basicamente saíram do Ensino Médio e já

ingressaram no ensino superior, o que corrobora com as metas oficiais de adequação

idade/série para o ingresso no ensino superior de estudantes entre 18 a 24 anos.

Gráfico 2 – Número de processos seletivos antes do ingresso no curso de enfermagem

UFMT/CUS

Fonte: Gráfico elaborado pelo autor.

Em relação ao curso superior em que desejavam ingressar quando concluíram o

Ensino Médio, um grande número respondeu que já desejava ingressar no curso de

enfermagem naquele momento (41,66%); entretanto, 58,33% dos ingressantes do curso de

enfermagem desejavam ingressar em outros cursos, como medicina (37,50%), odontologia

(8,33%), farmácia (4,16%), engenharia sanitária e ambiental (4,16%) e jornalismo (4,16%).

Assim, na turma de enfermagem, mais da metade dos estudantes não aspirava ingressar no

referido curso, antes de vivenciá-lo.

Processo seletivo

15

6

12

Uma vez Duas vezes Três vezes Mais de três vezes

Page 150: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

149

Gráfico 3 - Curso de desejo no término do Ensino Médio

Fonte: Gráfico elaborado pelo autor.

Na pergunta seguinte foi questionado se os estudantes conseguiram ingressar no

curso que desejavam, e 12 deles (50,00%) responderam que sim, que ingressaram no curso

que desejavam, e o mesmo percentual (50,00%) responderam que não ingressaram no curso

que desejavam. Fato interessante observamos nessa questão, e o questionamento que segue

refere-se ao motivo desses estudantes optarem ou escolherem ingressar na enfermagem.

Na pesquisa realizada por Barlem et al. (2012), observamos:

À semelhança de nossos achados, foi identificado que, entre os motivos que

direcionaram estudantes para outras áreas das ciências da saúde, estava a dificuldade

ou mesmo impossibilidade em fazer o curso de preferência, em especial medicina e

odontologia. (p. 11).

No gráfico 4, apresentamos qual foi o curso de primeira opção dos estudantes, no

momento de inscrição no SiSU.

Verificamos que, mesmo sendo a enfermagem o desejo de apenas 41,66% dos

candidatos quando concluíram o Ensino Médio e que 50,00% deles responderam não terem

ingressado no curso que desejavam no momento da inscrição dos mesmos no SiSU, 91,66%

dos estudantes escolheram a enfermagem como primeira opção de curso para ingresso no

ensino superior. Nessa análise, fica o questionamento: por que, mesmo não tendo o desejo de

ingressar no curso de enfermagem, esses estudantes de inscreveram nesse curso como

primeira opção? Essa questão volta a ser discutida na sequência.

Cursos

109

21 1 1

Enfermagem Medicina

Odontologia Farmácia

Engenharia sanitária e ambiental Jornalismo

Page 151: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

150

Gráfico 4 - Curso de primeira opção na inscrição ao SiSU

Fonte: Gráfico elaborado pelo autor.

A luz dos editais do SiSU, compreendemos que a escolha do curso em primeira

opção deveria ser feita de acordo com o desejo pessoal dos estudantes, uma vez que o sistema

os convoca nessa opção, e apenas os convocará em segunda opção caso sua nota não seja

suficiente para aprovação na primeira opção. Entretanto, observamos que a resposta dos

estudantes contraria esse entendimento, porque, aparentemente, os mesmos escolhem o curso

em primeira opção de acordo com a nota que obtêm para o ingresso.

Da mesma forma, quando questionados qual foi a segunda opção de curso em que

se inscreveram no SiSU, a maioria (25,00%) relatou ter se inscrito no curso de enfermagem,

seguido pelos cursos de medicina veterinária e farmácia com 12,50% cada; psicologia e

engenharia florestal com 8,33% cada; e engenharia agrícola e ambiental, moda e designer,

biologia, química, medicina e odontologia com 4,16% cada. Registramos que dois

pesquisados (8,33%) responderam não se lembrar da escolha realizada em segunda opção.

Interessante observar que há escolhas de cursos em segunda opção em áreas bem

diferentes da área de enfermagem, por exemplo, o curso de engenharia florestal, engenharia

agrícola e ambiental, moda e designer e química, ressaltando dessa forma o mecanismo

contraditório de escolha do curso, identificando certa “banalização” nessa escolha.

Cabe também registrar que, dos 24 pesquisados, apenas cinco (20,83%) se

inscreveram para o curso de enfermagem como primeira e segunda opção, em instituições

diferentes da UFMT.

Também foi perguntado aos pesquisados quais deles já haviam atuado na área de

enfermagem, e apenas dois (8,33%) responderam já terem atuado na enfermagem como

técnicos de enfermagem.

Cursos

22

1 1

Enfermagem Odontologia Farmácia

Page 152: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

151

A seguir, foi perguntado sobre os motivos que levaram esses estudantes a

escolherem o curso de enfermagem. Essa questão era fechada e continha 11 possíveis

respostas para os estudantes escolherem os cinco motivos principais que os levaram a

realizarem essa escolha. Esses cinco motivos elencados deveriam ser escalonados de um a

cinco, sendo um para a maior importância e cinco para a menor. Para análise dessa questão,

foi atribuída uma escala de pontuação para as respostas apresentadas: a questão que

considerava o mais importante motivo para escolha do curso recebeu numeração um (1) do

estudante, foi atribuído o valor de cinco pontos; para a numeração dois (2), foi atribuído o

valor de quatro pontos; para a numeração três (3), o valor de três pontos; para a numeração

quatro (4), o valor de dois pontos; e para a numeração cinco (5), o valor de um ponto.

A soma dos valores das pontuações apresentou o resultado que segue. A maior

influência para a escolha do curso foi demonstrada por estudantes acreditarem ter “aptidões

pessoais (vocação)” para serem enfermeiros(as), seguida da “conversa com profissionais que

atuam na área”, geralmente familiares, como veremos na próxima questão. Em terceiro lugar,

ficaram empatados a “possibilidade de contribuir para a sociedade” e a “proximidade da

enfermagem com as demais profissões da área da saúde”, o que pode ser explicado pela

“mística” existente de que o curso de enfermagem seja próximo a outros cursos como, por

exemplo, a medicina. Em seguida, foi identificada a “possibilidade de absorção no trabalho e

possibilidade salarial”, observando que a enfermagem, mesmo sendo um dos cursos que mais

expandiu nos últimos anos, ainda registra carência profissional. A “influência da família e

amigos” também foi observada uma vez que grande parte dos entrevistados (25,00%) tem

familiares nessa área profissional. A “leitura e reportagens sobre a profissão de enfermagem”

apareceu na sétima posição, demonstrando que a enfermagem ainda é uma profissão pouco

difundida, ou que desperta pouco interesse nos candidatos. A “nota obtida no ENEM”

também foi considerada como motivadora para o ingresso nesse curso, uma vez que os

estudantes não apresentaram uma nota de corte elevada, garantindo ou facilitando o ingresso.

E, por fim, temos a “orientação profissional”, seguida da “baixa concorrência” como os

menos motivadores para o ingresso no curso de enfermagem. Nenhum candidato pontuou a

questão “permitir conciliar aula e trabalho”, uma vez que o curso de enfermagem é oferecido

no período integral, o que dificulta a articulação com o trabalho.

Page 153: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

152

Quadro 4 – Motivos que levaram os estudantes a escolherem o curso de enfermagem

Questão Pontuação

Adequação às aptidões pessoais (vocação), cursar algo de que gosta 87 pontos

Conversa com profissionais que atuam na área 49 pontos

Possibilidade de contribuir para a sociedade 48 pontos

Proximidade da enfermagem com as demais profissões da área da saúde 48 pontos

Possibilidade de absorção no trabalho e possibilidade salarial 30 pontos

Influência dos familiares e amigos 28 pontos

Leituras e reportagens sobre a profissão de enfermagem 27 pontos

Nota obtida no ENEM ser equivalente à nota de corte de enfermagem 23 pontos

Orientação profissional 17 pontos

Baixa concorrência pela vaga 03 pontos

Permitir conciliar aula e trabalho 00 pontos

Fonte: Quadro elaborado pelo autor.

Os resultados obtidos corroboram com as pesquisas realizadas por Barlem et al.

(2012) em que a escolha pelo curso de enfermagem “esteve associada à vocação pessoal e à

percepção da enfermagem como uma profissão do cuidado, justificando sua escola inicial, em

virtude da sua nobreza, beleza e propósitos.” (p. 07). E também com a pesquisa de Borges e

Carnielli (2005) em que a escolha dos cursos de medicina, engenharia civil e direito também

estavam relacionados predominantemente à “vocação”, “oportunidade no mercado de

trabalho” e ao “prestígio social da carreira”.

[...] A “vocação” e a “oportunidade no mercado de trabalho”, razões de escolha do

curso, são resultantes de uma história de vida e socialmente produzidas para atender

necessidades econômicas, políticas e ideológicas. Políticas e ideológicas porque os

pais almejam para os filhos a manutenção, no mínimo, da atual situação de classe.

As necessidades econômicas são mais vulneráveis, dependem da situação de

mercado. (BORGES; CARNIELLI, 2005, p. 135).

Também nos estudos de Ojeda et al. (2009), observamos que os estudantes

receberam influência da família para realizar a escolha do curso, “os estudantes referiram a

forte influência dos pais a ponto de gerar dúvidas no processo de decisão.” (p. 04).

No gráfico 5, as respostas mostram que a nota obtida no ENEM teve influência na

escolha do curso de enfermagem, e apenas seis (25,00%) dos pesquisados relataram ter

escolhido o curso sem influência da nota obtida no ENEM; os demais (75,00%) responderam

Page 154: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

153

que foram influenciados pela nota do ENEM a escolherem o curso de enfermagem, sendo

20,83% totalmente influenciados e 54,17% parcialmente influenciados.

Assim, vemos que existe uma contradição entre os pesquisados, pois no Quadro 4,

os estudantes relataram que o maior motivo para escolherem o curso de enfermagem foi

decorrente de aptidões pessoais. Viu-se que a nota obtida no ENEM foi elencada apenas na

oitava posição. Já na presente questão quando perguntamos diretamente se a nota do ENEM

teve influência, 75,00% relataram que sim.

Gráfico 5 - Influência da nota do ENEM na escolha do curso

Fonte: Gráfico elaborado pelo autor.

Ponderamos a pertinência de expor dados específicos somente em relação aos

75% dos estudantes que responderam sofrer influência pela nota obtida no ENEM para a

escolha do curso de enfermagem.

Esse recorte aplicamos a quatro questões, a seguir descritas, considerando sua

pertinência para o debate da escolha do curso, sob a influência do SiSU. Dos 18 pesquisados

que relataram terem sido influenciados pela nota do ENEM na escolha do curso de

enfermagem (75,00%), oito (44,44%) relataram que desejavam ingressar no curso de

enfermagem quando concluíram o Ensino Médio. Entretanto, quanto questionados se

ingressaram no curso desejado, a metade (50,00%) dos pesquisados respondeu que sim, e a

outra metade (50,00%) respondeu que não. Mesmo havendo divergências entre essas duas

questões, essa se torna pequena, pois a diferença é de apenas um pesquisado que relatou não

desejar cursar a enfermagem na saída do Ensino Médio e depois relatou que ingressou no

curso desejado.

Influência da nota do ENEM

5

13

6

Influenciou totalmente Influenciou parcialmente Não influenciou

Page 155: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

154

Ainda nos atendo aos estudantes que foram influenciados pela nota do ENEM,

registramos que 17 pesquisados (94,44%) escolheram a enfermagem como primeira opção,

tendo apenas um pesquisado (5,56%) escolhido a enfermagem como segunda opção.

E quando questionados quanto ao desejo de realizar outro processo seletivo, 12

pesquisados (66,67%) relataram o desejo de realizar outro processo seletivo e apenas seis

(33,33%) relataram que não. Esses números parecem justificar o abandono do curso

verificado empiricamente em sala de aula, o que deve ser motivo de estudos específicos.

Retornando ao todo da pesquisa, outro fato interessante foi quando questionados

se conheciam a enfermagem como profissão antes de ingressar no curso. Dos 24 pesquisados,

três (12,50%) responderam que não conheciam a enfermagem. Aqui fica outro

questionamento: o que pode representar para o estudante o fato de ingressar num curso que

não conhece?

Sobre essa questão, Ojeda et al. (2004) aborda que o ingresso em determinado

curso, muitas vezes, se dá por uma soma de fatores, independentes de desejo ou vocação; da

mesma forma essa escolha pode se dar ocasionalmente por alguém que pouco conhece a área,

[...] mas que traz concepções e valores que circulam socialmente: [...] foi meio que

um baque, porque não era bem aquilo o que eu queria daí eu mudei de opinião,

porque eu ia fazer odonto e deu pra nutrição, „ah vou fazer pra ver se eu gosto‟ daí

eu estou adorando agora, não quero mais trocar, eu quero nutrição. (OJEDA et.al,

2004, p. 06).

Sobre os que responderam conhecer a profissão de enfermagem, observamos que,

pela resposta, a maioria conheceu a enfermagem por ter alguém, familiares ou amigos

próximos, da referida área:

Comecei a conhecer a enfermagem através de familiares que atuam na área, em

seguida fui pesquisando sobre o assunto. (Estudante 6).

Através da minha irmã que está concluindo o curso de enfermagem e outros

profissionais. (Estudante 8).

Conheço a enfermagem e suas áreas de atuação, pois desde pequeno amigas da

minha mãe frequentam minha casa e assim pude situar-me a respeito de sua função

social e proximidade com minhas aptidões. (Estudante 17).

Através de pessoas da minha família que exercem esta profissão. (Estudante 19).

Conheci a enfermagem através de uma grande amiga que é enfermeira, e como

sempre fui apaixonada pela área da saúde, me apaixonei pela enfermagem em si.

(Estudante 20).

Minha mãe fez curso técnico em enfermagem. (Estudante 21)

Page 156: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

155

Há também os que relataram conhecer a enfermagem por considerarem ter uma

vocação pessoal para essa profissão, exercendo as ações do cuidar:

Admirando o serviço prestado, e abrindo o leque de interesses para mudar alguns

comportamentos em relação ao posicionamento e relação enfermeiro/paciente.

(Estudante 2).

Através do curso técnico em enfermagem que firmou minha vontade, fascinação e

vocação para a área do cuidar do ser humano como um todo. (Estudante 3).

Através do interesse pela enfermagem, busquei informações com profissionais da

área, pesquisei sobre a profissão, atuação do enfermeiro, e vi que é o que eu

realmente buscava. (Estudante 4).

Através de pessoas que atuam na área, como sempre gostei de cuidar das pessoas

acabei escolhendo o curso, eu sempre quis algo que me ajuda-se a cuidar das

pessoas. (Estudante 5).

Há os que conheceram a enfermagem após internações próprias ou de parentes,

despertando a vontade de ingressar nesse curso após esse episódio.

Na prática hospitalar, quando familiares usaram do serviço de saúde, como

internação. (Estudante 15).

Pelas vezes que fiquei internada, por cerca de 3 semanas. (Estudante 18).

Dois pesquisados relataram já terem atuado na área de enfermagem ou próximo a

esse profissional.

Trabalhei como auxiliar de serviços gerais no PSF em minha cidade. (Estudante 9).

Trabalhei durante 8 meses como técnica em enfermagem e desde esta época a

enfermagem me cativou e obtive um interesse maior pela profissão. (Estudante 10).

E, por fim, um dos pesquisados relatou ter conhecido a enfermagem pela

proximidade desse curso com áreas com as quais tinha afinidade.

Ao ter contato com área da biologia no qual sempre tive uma boa afinidade.

(Estudante 11).

Também nesse quesito, observamos na pesquisa de Barlem et al. (2012) e na

pesquisa de Ojeda et al. (2009) que os estudantes tiveram contato com a enfermagem por

meio de situações de doença familiar e também pelo contato com pessoas próximas que atuam

na área, geralmente familiares. Portanto, podemos observar pelas pesquisas realizadas que

Page 157: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

156

ainda falta uma difusão ampla da enfermagem como uma profissão digna e autônoma nos

meios sociais, pois a maioria dos ingressantes desse curso só ingressou por ter conhecido a

enfermagem em situações específicas.

No gráfico 6, questionamos se os estudantes ingressantes estão decididos a

concluir o curso de enfermagem. Observamos que, mesmo tendo um percentual considerável

de estudantes que se considera decidido a continuar e concluir o curso, há um percentual

(12,5%) que está indeciso107

.

Os três estudantes que relataram indecisão quanto ao curso escolhido, o que

representa 12,5%, alegaram que os principais motivos para essa indecisão relacionam-se à

“dúvida quanto ao seu real interesse pela área escolhida”, “dúvida quanto as suas habilidade

para a opção feita”, e “o interesse em ingressar no ensino superior, independente do curso”.

Gráfico 6 - Satisfação com o curso que ingressou - enfermagem

Fonte: Gráfico elaborado pelo autor.

Quando os estudantes foram questionados se pretendem fazer outro processo

seletivo ENEM/SiSU, 54,16% (13 estudantes) relataram que sim, que pretendem fazer outro

processo seletivo. Entre os motivos apresentados para realizar outro processo seletivo, 8

estudantes (33,33%) relataram que irão realizá-lo para tentar ingressar no curso de medicina;

1 estudante (4,169%) relatou que tentará ingressar no curso de odontologia; 1 estudante

(4,16%) irá tentar pleitear programas governamentais fornecidos de acordo com notas do

107

Registramos que a presente pesquisa foi realizada no final do período letivo 2012/1, depois de período de 4

meses de greve docente que atingiu as Instituições Federais de Ensino Superior, e alguns estudantes já haviam

desistido do curso antes da aplicação da pesquisa.

Decidido/indeciso

8

3

10

21

Absolutamente decidido Muito decidido Decidido Indeciso Muito indeciso

Page 158: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

157

ENEM108

; 1 estudante (4,16%) relatou que realizará o ENEM/SiSU para ingressar no curso de

enfermagem na sua cidade natal; e 2 estudantes (8,33%) relataram realizar o ENEM apenas

para testar conhecimentos, como “treineiros”. Nessa questão, podemos observar que mesmo

tendo ingressado no curso de enfermagem, nove estudantes não estão satisfeitos e pretendem

mudar de curso com a realização de outro processo de seleção, contudo, se não conseguirem

êxito no próximo processo seletivo, pretendem continuar no curso de enfermagem, o que

descaracteriza o caráter vocacional de uma profissão, mantendo os estudos nesse curso pelo

insucesso de ingressar no curso de desejo.

O gráfico 7 apresenta o grau de aprovação desses estudantes quanto ao método de

escolha do curso proposto pelo ENEM/SiSU.

Verificamos que 50,00% dos estudantes aprovam o sistema de ingresso proposto

pelo ENEM/SiSU. Os principais argumentos para essa aprovação são atribuídos à facilitação

no ingresso, à democratização, à mobilidade, e à forma do ingresso.

Gráfico 7 - Aprovação do modelo de escolha do curso pelo ENEM/SiSU

Fonte: Gráfico elaborado pelo autor.

Dos pesquisados, três responderam que aprovam o sistema ENEM/SiSU pela

facilitação no ingresso que o sistema adota, como podemos observar abaixo.

Pois permite mais facilmente a entrada ao ensino superior. Sendo algo mais real e

mais próximo à realidade educacional brasileira. (Estudante 2).

Há várias possibilidades e uma porta a mais para o ingresso. No meu caso me senti

muito satisfeito com o programa, pois possibilitou meu ingresso em uma faculdade

108

Pelo dizer do estudante, deseja pleitear uma vaga nos programas PROUNI ou Fies, contudo não especifica

qual curso irá pleitear.

Aprovação

12

2

10

Sim Não Em partes

Page 159: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

158

pública. Creio que se não fosse o ENEM/SiSU, talvez não teria essa chance, ou

fosse mais difícil entrar na faculdade. (Estudante 3).

Aprovo por que abrange maiores oportunidades de escolhas para as diversas

universidades do Brasil. (Estudante 9).

Dois dos pesquisados relataram que o sistema ENEM/SiSU é democrático,

seguindo o próprio discurso governamental de democratização das oportunidades de ingresso

no ensino superior.

Acredito que seja democrático. (Estudante 4).

Porque assim todos tem a chance de ingressar em uma faculdade. (Estudante 5).

Entretanto, seria realmente o sistema ENEM/SiSU democrático? Entendendo por

democracia o poder de tomar decisões pelo cidadão, e que todos tenham os mesmos direitos

sociais, ainda não observamos nos sistemas de seleção ora expostos uma sistema democrático,

uma vez que o Brasil apresenta contradições marcantes em sua população, o que

descaracteriza um sistema democrático na disputa por uma vaga acadêmica. Para realmente

haver uma democratização no ingresso ao ensino superior, serão necessárias “certamente

políticas para a ampliação do acesso e fortalecimento do ensino público, em todos os seus

níveis, mas requer também políticas voltadas para a permanência dos estudantes no sistema

educacional de ensino.” (ZAGO, 2006, p. 228).

Ainda houve um pesquisado que atribuiu a aprovação ao sistema ENEM/SiSU

pela mobilidade acadêmica que o sistema adota.

Dá mais possibilidade para que pessoas de outras regiões possam conhecer lugares

diferentes, por várias universidades aderirem, a chance de ingresso é maior etc.

(Estudante 6).

E mais três pesquisados relataram aprovar o ENEM/SiSU pela forma de ingresso

que o sistema apresenta. Um deles, na primeira fala, aprovou o sistema de ingresso devido à

oportunidade de ingressar no ensino superior, independentemente do curso de desejo do

estudante.

Porque mesmo que não tenhamos obtido nota para entrar no curso desejado, você

pode escolher outro em que sua nota foi suficiente. (Estudante 7).

Devido a este modelo, me foi permitido estar aqui em Sinop/MT, cursando

enfermagem. Este modelo de avaliação amplia a possibilidade de ingressar em uma

universidade federal. (Estudante 10).

Page 160: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

159

Com o sistema utilizado, você não possui tanta indecisão, podendo escolher duas

áreas e até mesmo duas faculdades diferentes, em qualquer lugar do país. Esse

sistema criou maior acessibilidade. (Estudante 22).

Quanto aos estudantes que relataram aprovar em parte o sistema de ingresso

proposto pelo ENEM/SiSU, observamos que as principais justificativas giram em torno do

sistema de cotas proposto como política de ingresso, e não necessariamente no sistema de

ingresso proposto pelo ENEM/SiSU, com estudantes que concordam com o sistema de cotas e

estudantes que discordam desse sistema. Registramos que o sistema de cotas, instituído pela

Lei n.º 12.711 de 29 de agosto de 2012, é uma lei independente do sistema de ingresso

proposto pelo ENEM/SiSU, entretanto, na visão de alguns estudantes, o sistema de cotas seria

complementar ao sistema ENEM/SiSU, uma vez que ambas as políticas são apresentadas

muitas vezes juntas em discursos oficiais do governo federal.

Porque não concordo com as cotas. (Estudante 12).

Pois há muito a ser melhorado, como a sistema de cotas. (Estudante 13)

Pois o ENEM/SiSU foi criado para uma educação para todos e sabemos que esta

forma não é igualitária, deveria ter cotas para quem estudou na escolas

particulares, sendo uma abertura menor para eles ou ambos, particular e pública

tem uma educação igual e boa. (Estudante 14).

Não concordo com cotas em hipótese alguma. (Estudante 15).

O sistema de cotas, ao contrário do projetado pelo governo, aumenta as

disparidades sociais, já que nem todos os ingressados estão na universidade por seu

destaque intelectual (melhores notas), mas sim por diferenças étnicas e

educacionais. (Estudante 17).

Referente ao sistema ENEM/SiSU, os estudantes que relataram aprovar em parte

essa forma de ingresso atribuem que ela não é igualitária devido à heterogeneidade do sistema

educacional brasileiro. Há também um estudante que relatou que o sistema SiSU deveria dar

mais opções de curso e/ou instituição para disputa das vagas acadêmicas.

Deveria ter mais opção de escolha de curso ou pelo menos de faculdades em um

mesmo curso. (Estudante 18).

Devido a achar e acreditar que é uma forma de ingresso “mascarada”, porque não

existe um direito igual para ambas as pessoas que ingressam, pois aquelas que

tiveram um preparo melhor no período escolar, ou seja, em escolas particulares,

estarão concorrendo com aquelas que não foram beneficiados com um bom preparo

vindo das más condições de estudo em escolas do Governo. Os mais preparados

ingressarão mais facilmente, então, na Universidade. O ideal talvez seria preparar

a todos igualmente e, assim, nessas condições, poderiam concorrer igualmente.

(Estudante 19).

Page 161: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

160

Como o ENEM é aberto para todas as pessoas do Brasil, há muita concorrência, os

menos favorecidos concorrem com pessoas muito bem de vida que sempre

estudaram em escolas particulares, pra mim é uma injustiça para algumas pessoas,

porém o ENEM dá oportunidade para todas as pessoas, o que muda é cada um.

(Estudante 20).

Um dos pesquisados atribuiu a aprovação em parte do sistema ENEM/SiSU à

mobilidade acadêmica que o sistema apresenta, relatando que essa pode ser um empecilho

para o ingresso, quando o estudante é aprovado em uma cidade distante de onde reside.

Porque temos que concorrer com muitas cidades, e muitas vezes o local onde

passamos não é em nossa cidade. (Estudante 23).

Há, ainda, os que não aprovam o sistema ENEM/SiSU, justificando que o mesmo

não é democrático, uma vez que a concorrência para uma vaga acadêmica é ampliada a todo

Brasil, e apenas aqueles estudantes mais preparados irão conseguir a aprovação no curso

desejado. Referente a esse ponto, Borges e Carnielli (2005) ressaltam, em sua pesquisa, que o

fato dos alunos serem aprovados nos cursos de maior prestígio social (medicina, direito e

engenharia civil) não desqualifica o mérito desses estudantes que foram aprovados em

processo seletivo público, aberto a todos os interessados. Entretanto, essa democratização

precisa ser analisada, pois os candidatos, quando realizam o processo seletivo, não estão todos

em igualdade de condições, havendo uma disputa entre desiguais por causa da estratificação

social, ou seja, estudantes mais bem preparados, provenientes de escolas particulares e que em

grande maioria tiveram acesso a “cursinhos” pré-vestibulares, contra estudantes provenientes

de escolas públicas, com menor preparo intelectual. Portanto, só haverá democratização

quando houver igualdade de condições para concorrer a uma vaga no ensino superior,

principalmente em cursos nobres.

Concorremos com pessoas de todo Brasil e que consequentemente tem a educação

mais estruturada. Ex. SP, SC, RJ, RS e etc. Acaba ocupando vagas de quem está

aqui. (Estudante 21).

Pois fazer com que pessoas que receberam um melhor ensino, como as do Sul e

Sudeste concorrerem com as do Centro-Oeste ou Norte, que receberam um ensino

de menor qualidade é injusto, pois aqueles que estão melhor preparados

ingressarão nas universidades, fazendo com que a UFMT, por exemplo tenha

poucos alunos do próprio estado. (Estudante 24).

Os estudantes, ao fazerem determinada escolha para um curso superior, sabem

dimensionar o que essa escolha representa para sua vida, tanto pessoal como profissional.

Page 162: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

161

“Para Carlos, o curso foi escolhido mensurando suas possibilidades de sucesso na disputa pela

vaga e o ganho econômico da profissão.” (ALMEIDA, 2009, p. 93).

Vários estudos, como os de Gouveia (1968), Amaral (1998), Borges e Carnielli

(2005) e Braga, Peixoto e Bogutchi (2001), sustentam a tese de que a escolha do curso de

ingresso nas instituições de ensino superior públicas tem relação direta com o segmento social

do candidato.

[...] Os dados indicam que, de maneira geral, os alunos originários de famílias de

classe média alta estão inseridos nos cursos de maior prestigio e/ou tradicionais, que

dão acesso às carreiras mais valorizadas socialmente [...], enquanto os oriundos de

famílias com baixo poder aquisitivo, em sua maioria, optam por cursos cuja relação

candidato/vaga é menor. (BORGES; CARNIELLI, 2005, p. 119-120).

Entre os estudantes do curso de enfermagem da UFMT, CUS, observamos que

essa escolha está atrelada ao desejo de ingressar nesse curso, mas também há outros fatores

que incidem em tal escolha, como a possibilidade de obter a aprovação no mesmo, pois esse

curso apresenta uma concorrência e uma nota de corte moderada, ou seja, enquadra-se na nota

do ENEM obtida pelos estudantes, sendo essa nota insatisfatória para o ingresso em cursos

mais concorridos como medicina e odontologia.

Tal questão pode ser comprovada quando analisamos o Anuário 2012 da UFMT,

tendo como ano base 2011, em que observamos a concorrência candidato/vaga para o curso

de enfermagem no CUS foi de 20,8 candidato por vaga. Já para o curso de medicina, por

exemplo, a relação foi de 60,4 candidato por vaga, o que demonstra a maior dificuldade para o

ingresso no segundo curso em relação ao primeiro (UFMT, 2012b).

Há também entre os estudantes da enfermagem a crença de que esse seja “similar”

a outros cursos da área da saúde, como medicina, e que, após algum tempo cursando a

graduação em enfermagem, o estudante poderia conseguir uma transferência interna para

outro curso de maior desejo.

Entretanto, conforme a pesquisa de Barlem et al. (2012), os estudantes que

ingressaram na enfermagem com a ideia de que o conteúdo desse seria semelhante ao

conteúdo de outros cursos da área da saúde, fato inverídico, acabaram por evadir do curso de

enfermagem, após cursados os primeiros semestres, mais precisamente quando começaram as

disciplinas específicas da enfermagem. Barlem et al. (2012) trazem como questão para a

presente pesquisa: os estudantes que ingressaram na enfermagem sem o desejo de realizar tal

curso, sendo influenciados, por exemplo, pelo mecanismo de seleção, após algum tempo

cursando o referido curso, poderão evadir-se do mesmo, quando observarem que seu desejo

Page 163: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

162

não está sendo atendido, aumentando dessa forma os índices de desistência e evasão

acadêmica?

Em pesquisas, como a realizada por Oliveira et al. (2008), observamos que,

mesmo com as inovações nos modelos de seleção, esses ainda não se representam

verdadeiramente como democráticos para a seleção dos estudantes que ingressaram no ensino

superior, pois “não modificaram o paradigma de escolha elitista existente no país.”

(OLIVEIRA et al., 2008, p. 12).

[...] A LDB não ocasionou, na realidade, qualquer ruptura com o padrão de seleção

instituído que privilegia os candidatos com maior capital econômico e cultural.

Continua, desse modo, a seleção baseada nas aptidões e capacidades naturais que,

historicamente, tem assegurado que a educação superior, sobretudo os cursos de

maior prestígio social, seja destinada a uma elite econômica e cultural privilegiada.

(OLIVEIRA et al., 2008, p. 13).

Por meio da pesquisa ora realizada, é possível inferir que grande parte dos

estudantes já desejava ingressar na enfermagem, mesmo não sendo esse o seu primeiro desejo,

mas, em face da realidade, era nesse curso que os mesmos poderiam ingressar no ensino

superior, o que parece ter sido o fator que se impôs na sua decisão.

Relacionado ao sistema de ingresso proposto pelo ENEM/SiSU, e pela forma

como ele se apresenta, em que a escolha do curso acontece após a obtenção da nota no

processo seletivo, há indícios que esse sistema acaba influenciando os estudantes a

escolherem o curso de acordo com a sua nota obtida no ENEM e a nota de corte fornecida

pelo sistema SiSU.

Outro fato observado é que o sistema de ingresso ora apresentado também

estimula no estudante o desejo de ingressar no ensino superior, independente do curso que

desejava ingressar, como se fosse uma vitória pessoal. A decisão parece se submeter à

seguinte lógica: constatar que a pontuação é condizente com a nota de corte de um

determinado curso, inscrever-se nele para ser aprovado e, consequentemente, ser chamado

para matrícula na IES.

O curso de enfermagem, desde que foi elevado à categoria de ensino superior, é

considerado como “marginalizado”, o que pode ser explicado pela sua própria história de

segregação e inferioridade frente aos demais profissionais da área da saúde. Assim, pesquisas

(BARLEM et al., 2012; OJEDA et al., 2009; TRAVERSO-YEPEZ; MORAIS, 2004) têm

demonstrado que o ingresso na enfermagem esteve condicionado à não aprovação em outros

cursos de graduação de maior desejo do estudantes. Também pode ser observado que a

Page 164: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

163

graduação em enfermagem tradicionalmente apresenta um considerável índice de desistência,

reprovação e evasão, o que talvez esteja relacionado ao fato de haver ingressado em uma

graduação que não desejava.

A disparidade em relação à estratificação social que pode contribuir com a escolha

do curso superior, demonstra que o sistema educacional tanto pode contribuir como fator de

mudança e mobilidade social, como também pode contribuir para a manutenção das

desigualdades sociais.

Pelas pesquisas consultadas e utilizadas nesta dissertação, podemos observar que a

escolha do curso no ensino superior está intimamente ligada às condições sociais, culturais e

econômicas e ao histórico escolar dos estudantes109

. Ressaltamos mais uma vez que, mesmo

com a expansão do ensino superior nos últimos anos, ainda não há vagas para todos no ensino

superior, principalmente para os cursos de maior prestígio social como é o caso da medicina,

odontologia, direito e das engenharias. Portanto, para a grande maioria dos estudantes, não

existe verdadeiramente uma escolha para o curso de ensino superior, mas sim uma adaptação

que o candidato julgar mais condizente com sua realidade e que representar menor chance de

exclusão no sistema.

Observamos, pela presente pesquisa, que os mecanismos de seleção ora propostos

pelo ENEM/SiSU podem contribuir para uma escolha de curso de forma aleatória, cujo

interesse está no sucesso representado pela aprovação, pelo ingresso no ensino superior.

Assim, da mesma forma como a escolha, a opção e o desejo podem estar

relacionados, mas também podem não estar, como apresentado neste trabalho, em que a opção

e a escolha, em alguns casos, não tiveram relação com o desejo de ingressar no curso de

enfermagem.

Os conflitos relacionados à opção e à escolha do curso podem ser potencializados

pelo mecanismo de ingresso ao ensino superior proposto pelo ENEM/SiSU, pois esse sistema

apresenta especificidades em sua proposta, como a forma de pontuação atribuída na prova do

ENEM; a escolha do curso de acordo com a nota obtida no ENEM; a possibilidade de fazer

duas opções de curso e de instituição; o acompanhamento da nota de corte no sistema SiSU,

podendo alterar a escolha do curso em qualquer momento até o fechamento do sistema; entre

outros.

109

Embora essa questão da estratificação social não seja abordada na pesquisa ora realizada, trazemos esse

recorte, pois em grande parte das fontes pesquisas essa temática está envolvida quando relacionada à escolha do

curso.

Page 165: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

164

Contudo, esse é um novo mecanismo de seleção que vigora no Brasil há apenas

três anos e, por isso, deve ser mais bem acompanhado, além de mais pesquisas serem

realizadas para realmente identificar o impacto que esse sistema provoca nas escolhas do

curso, bem como no sistema educacional como um todo.

Page 166: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

165

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta pesquisa teve como objetivo geral desvendar o processo de escolha para o

ingresso acadêmico no curso de enfermagem da UFMT, CUS, tomando como base o ano de

2012, ressaltando o processo de decisão dos estudantes pelo curso, em face da forma de

seleção proposta pelo sistema ENEM/SiSU.

Para realizá-la, foi necessário, primeiramente, uma investigação de caráter

histórico sobre o ensino superior no Brasil, destacando as formas de ingresso na educação

superior. Também foi realizado um levantamento das pesquisas sobre as formas de ingresso

no ensino superior, sobre a implantação e o funcionamento do ENEM/SiSU e as alterações

desses sistemas, sobre os procedimentos normativos para a escolha do curso no sistema

vestibular e no sistema ENEM/SiSU, o caráter histórico da UFMT, destacando as formas de

ingresso, assim como o processo de implantação do ENEM/SiSU nessa instituição. Também

foram investigados os fatores de decisão que fizeram os estudantes optarem pelo ingresso no

curso de enfermagem.

Considerando a historicização realizada das formas de ingresso no ensino

superior, observamos que desde a Primeira República até os dias atuais, a forma de ingresso

no ensino superior sustenta-se na “seleção dos melhores”. O que diferencia são as estratégias

utilizadas nesses processos de seleção.

Portanto, de acordo com essa historicização, podemos afirmar que a seleção para

ingresso no ensino superior surgiu num momento em que o número de vagas disponibilizadas

era insuficiente para a demanda. Nesse sentido, ela surge na perspectiva do “mérito”, o qual é

baseado na concepção de igualdade de oportunidades. Sinteticamente, estudos referentes aos

mecanismos de seleção utilizados na história da educação superior brasileira demonstraram

poucas mudanças em sua essência, que, ao ocorrerem, eram apenas operacionais.

Em função da expansão do ensino superior, principalmente após a promulgação

da LDB/96, criaram-se formas alternativas de seleção, como tentativa de substituir o antigo

vestibular. Nesse sentido, foi criado em 1998 o ENEM para avaliar a formação dos estudantes

do Ensino Médio, por meio de uma avaliação aplicada aos egressos desse nível de ensino.

Mesmo sendo criado para avaliar o desempenho desses estudantes, a intenção do governo

federal era utilizá-lo como mecanismo de ingresso nos cursos de graduação das IES.

Observamos, nesse momento, um fato curioso nas políticas governamentais, pois os processos

de seleção, que em tempos anteriores eram unificados, passaram a ser descentralizados para as

Page 167: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

166

IES, e com a criação do ENEM, o governo federal retornou à política de unificação e

centralização dos processos de seleção.

No ano de 2009, o ENEM foi apresentado com uma nova configuração, sendo

nomeado de “Novo ENEM”, constituindo-se em dois processos distintos, sendo o primeiro o

próprio ENEM, com aplicação de avaliações para aferir o conhecimento dos estudantes, e o

segundo o próprio sistema de ingresso, constituído pelo SiSU, sistema informatizado em que

o estudante acessa e realiza sua inscrição no curso e instituição de sua preferência, utilizando

a nota obtida no ENEM.

Destacamos nesse processo a escolha do curso pelo estudante. No vestibular

tradicional, o estudante realizava o processo seletivo já tendo escolhido o curso em que

almejava ingressar, nesse novo método de ingresso, constituído pelo ENEM/SiSU, o

estudante realiza o processo seletivo e, somente após a obtenção da nota, decidirá em que

curso pretende concorrer com aquela nota, ressaltando que, durante a inscrição no sistema

SiSU, é informado periodicamente a nota de corte para cada curso e instituição, ou seja, o

sistema informa a nota do último candidato inscrito para aquele determinado curso a ser

considerado aprovado para matrícula. Em posse dessa informação, o estudante pode fazer

alterações de curso na inscrição do SiSU, em qualquer momento, até o fechamento do

sistema.

O SiSU foi criado com a intenção de possibilitar a concorrência das vagas em IES

que aderiram a esse modelo, evitando o que acontecia no vestibular tradicional, em que era

preciso que o estudante se submetesse a um processo de seleção diferente para cada IES onde

quisesse pleitear uma vaga, locomovendo-se para todas as cidades onde pretendesse prestar o

vestibular e pagando uma taxa de inscrição para cada processo de seleção que fosse participar.

O referido formato traria, segundo o discurso oficial, como possíveis benefícios a

democratização do acesso às universidades públicas e a mobilidade acadêmica.

À luz desses novos acontecimentos, essa pesquisa propôs a investigação ora

realizada, sob a hipótese de que o estudante acaba sendo influenciado na escolha de um

determinado curso de acordo com a nota obtida no ENEM, o que poderia não ser condizente

com seu desejo.

O estudo foi realizado na Universidade Federal de Mato Grosso. Registramos que

o primeiro processo de seleção para os estudantes dessa instituição aconteceu em 1972, em

que foi utilizado o “concurso vestibular”, conforme determinação da Reforma Universitária

de 1968. O sistema de ingresso na UFMT apenas foi alterado em 2010, quando a instituição

Page 168: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

167

aderiu ao mecanismo de ingresso proposto pelo Governo Federal constituído pelo

ENEM/SiSU.

A presente pesquisa foi realizada com a turma de ingressantes de 2012/1, da

UFMT, CUS, em que foi aplicado um questionário com questões abertas e fechadas para os

estudantes responderem de acordo com as percepções de cada um sobre os fatores que

determinaram ou influenciaram na escolha pelo curso de enfermagem, mais especificamente

relacionados à escolha do curso utilizando-se do novo processo constituído pelo ENEM/SiSU.

A partir da análise dos dados, foi possível observar que os estudantes escolheram

ingressar na enfermagem por acreditarem ter uma aptidão pessoal (vocação) para trabalhar na

enfermagem; também foi observado que essa escolha fora influenciada por contatos com

profissionais da área, por vínculos de familiares e amigos, leitura e reportagens sobre a

enfermagem, e, ainda, pela nota obtida no ENEM ser equivalente à nota de corte da

enfermagem. O fato de a maioria ter definido a “vocação” como fator preponderante na

escolha do curso pode estar relacionado aos aspectos humanitários que caracterizam a

identidade do curso. Tal traço pode ter sido atraente na escolha do curso para o grupo

pesquisado, mesmo que não fosse exatamente enfermagem o curso desejado.

Observamos evidências de que a utilização do processo seletivo constituído pelo

ENEM/SiSU tem influenciado na escolha do curso superior, havendo certa “banalização”

nessa escolha, devido o foco do estudante indicar estar em ingressar no ensino superior

independente do curso.

Fato curioso surge nesse sistema de ingresso com a possibilidade de duas opções

de curso, uma em primeira opção e outra em segunda opção. Nesse processo, mesmo havendo

50% dos estudantes relatando que não desejavam ingressar no curso de enfermagem, 91,66%

realizaram a escolha desse curso como primeira opção, o que demonstra que, mesmo não

desejando ingressar na enfermagem, o fazem devido a alguma influência.

A influência do sistema de ingresso proposto pelo ENEM/SiSU na escolha do

curso de enfermagem pode ser observada na medida em que 75% dos pesquisados

responderam que a nota do ENEM influenciou parcial ou totalmente na escolha pelo curso de

ingresso, o que pode ser um indício de que a escolha esteve relacionada a outros fatores que

não ao desejo do estudante.

Verificamos também que 12,50% dos ingressantes de enfermagem relataram não

conhecer o curso até ingressarem, o que reafirma que a escolha esteve mais relacionada ao

fato de ingressar no ensino superior; esse dado também demonstra que a enfermagem ainda

precisa ser mais e melhor difundida dentro da sociedade.

Page 169: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

168

A mesma porcentagem (12,50%) também foi apresentada por estudantes que

demonstraram grau de indecisão em permanecer e/ou concluir o curso de ingresso, podendo

desistir de tal curso para ingresso em outro ou mesmo evadir-se do ensino superior.

Por fim, outro fato observado foi que 54,16% dos estudantes do curso de

enfermagem relataram que pretendem realizar outro processo seletivo (vestibular,

ENEM/SiSU, entre outros) para ingresso em outros cursos; ingresso no mesmo curso

(enfermagem) em localidades mais próximas à família; ou apenas para testar conhecimento

como “treineiro”.

Em síntese...

Ao concluir o ensino médio, 41,66% dos pesquisados desejavam ingressar no curso de

enfermagem;

A metade dos pesquisados (50%) relatou que ingressou no curso de desejo;

91,66% escolheram a enfermagem como primeira opção no processo seletivo SiSU;

A maior motivação para a escolha do curso de enfermagem foi a “vocação”;

75% dos pesquisados relataram sofrer influência da nota obtida no ENEM para a

escolha do curso;

87,5% referiram o desejo de concluírem o curso de enfermagem;

E 54,16% relataram o desejo em realizar outro processo seletivo.

Em torno da metade dos pesquisados não ingressou no curso desejado e pretende

realizar outro processo seletivo. Mesmo assim, majoritariamente, foi escolhido esse curso

como primeira opção. Aparentemente, isso se deve à nota de corte obtida no SiSU, visto que a

maioria reconhece ter sido influenciado na escolha do curso, total ou parcialmente.

Outra questão refere-se à maioria dos estudantes aprovarem o atual mecanismo de

seleção, e, quando observadas as suas falas, evidenciamos que os mesmos desconhecem o

funcionamento do modelo SiSU, quando relataram que, com esse modelo, as chances de

ingresso no ensino superior são maiores, ou quando relataram que as Ações Afirmativas

fazem parte do sistema SiSU.

E a reflexão continua...

Portanto, com base nos dados, evidenciamos que o objetivo da pesquisa foi

respondido, demonstrando que o novo modelo de ingresso ao ensino superior da sinais de

influenciar o estudante na escolha do curso.

A criação de novos mecanismos de seleção surgiu com o objetivo de alterar a

lógica constituída pelo vestibular, por meio de novas fórmulas e técnicas de seleção. Contudo,

Page 170: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

169

observamos que as mudanças se restringiram ao nome e à operacionalização, visto que o

sistema excludente de seleção continua o mesmo.

O fundamento parece ser o fato de que não há vagas para todos no nível superior,

sendo necessário criar mecanismos que realizem seleção para as vagas disponíveis. Esses

sistemas de seleção apenas serão democráticos quando toda população tiver acesso a uma

educação básica de boa qualidade, além de ser necessária a ampliação de vagas acadêmicas

nas IFES. Portanto, os sistemas de seleção para ingresso no ensino superior apenas

“camuflam” uma realidade, visto que o problema essencial está no fato que não se consegue

nitidamente visualizar: não há vagas acadêmicas para todos.

Os estudantes que participaram desta pesquisa conseguiram ingressar no ensino

superior, mas isso representaria seu “sucesso escolar”? O “sucesso escolar” vai além,

dependendo também de outras variáveis como a escolha do tipo de curso para o ingresso, as

condições de inserção, de sobrevivência no sistema de ensino, a permanência nesse nível de

ensino, entre outras questões que necessitam de maior investigação.

Considerando o conjunto de dados e reflexões realizadas, devemos pensar em

processos seletivos que contribuam efetivamente para a construção da educação pública e da

sociedade democrática, o que significa romper com os fundamentos que favorecem a

meritocracia e a seletividade social.

Page 171: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

170

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Apêndice 1- Questionários

UFMT - UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

PPGE – PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

IE – INSTITUTO DE EDUCAÇÃO

MESTRADO EM EDUCAÇÃO

Projeto de Pesquisa “A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE

SELEÇÃO UNIFICADA – SiSU: o caso do curso de Enfermagem da Universidade

Federal de Mato Grosso, Campus Universitário de Sinop.”

Prof. Esp. Cezar Augusto da Silva Flores

1) Informar o ano e semestre de ingresso no curso de enfermagem: ____________________________

2) Se ingressou pelo ENEM/SiSU, foi chamado em qual lista classificatória?_____________________

__________________________________________________________________________________

3) Quantas vezes você já prestou vestibular/processo seletivo ENEM/SiSU até ingressar no

curso de enfermagem?

(__) Uma vez (__) Duas vez (__) Três vezes (__) Mais de três vezes

4) Qual era o curso que você desejava ingressar quando terminou o Ensino Médio? ________

___________________________________________________________________________

5) Você conseguiu ingressar no curso em que desejava? (__) Sim (__) Não

6) No Processo seletivo ENEM/SiSU em que ingressou na UFMT, haviam duas opções de

cursos/ instituição para sua escolha, qual curso e instituição foram a sua PRIMEIRA opção?

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

7) No Processo seletivo ENEM/SiSU em que ingressou na UFMT, haviam duas opções de

cursos/ instituição para sua escolha, qual curso e instituição foram a sua SEGUNDA opção?

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

8) Você já atua ou atuou na área de enfermagem?

(__) Não (__) Sim, como:

(__) Técnica de enfermagem

(__) Auxiliar de enfermagem

(__) Atendente de enfermagem

9) O que te motivou a escolher o curso de enfermagem? Escolha até cinco opções, elencando

de 01 para maior motivação até 05 para menor motivação.

(__) Possibilidade de absorção no trabalho e possibilidade salarial

(__) Adequação às aptidões pessoais (vocação), cursar algo que gosta

(__) Nota obtida no ENEM ser equivalente à nota de corte de enfermagem

(__) Influência dos familiares e amigos

(__) Conversa com profissionais que atuam na área

(__) Leituras e reportagens sobre a profissão de enfermagem

Page 181: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

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(__) Orientação profissional

(__) Possibilidade de contribuir para a sociedade

(__) Proximidade da enfermagem com as demais profissões da área da saúde

(__) Baixa concorrência pela vaga

(__) Permitir conciliar aula e trabalho

10) A nota que você obteve no ENEM, te influenciou na escolha do curso de enfermagem?

(__) Influenciou totalmente

(__) Influenciou parcialmente

(__) Não influenciou

11) Você conhecia a atuação da enfermagem como profissão? (__) Sim (__) Não

12) Se a sua resposta anterior for “sim”, como você conheceu a enfermagem? _____________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

13) Quanto à sua escolha pelo curso de enfermagem, você se considera:

(__) Absolutamente decidido

(__) Muito decidido

(__) Decidido

(__) Indeciso

(__) Muito indeciso

14) No caso de ter respondido indeciso ou muito indeciso, o que contribuiu para sua

indecisão?

(__) Ter dúvidas quanto ás suas habilidades para a opção feita

(__) Ter dúvidas quanto ao seu real interesse pela área escolhida

(__) Ter dúvidas quanto às possibilidades de inserção no mercado de trabalho

(__) Falta de maior conhecimento sobre o curso

(__) Falta de maior conhecimento sobre a profissão escolhida

(__) Meu real interesse era ingressar no ensino superior, independente do curso.

15) Pretende fazer outro vestibular ou processo seletivo ENEM/SiSU?

(__) Não (__) Sim.

Por que?________________________________________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

Para que curso?___________________________________________________

16) Você aprova o modelo de escolha do curso proposto pelo ENEM/SiSU?

(__) Sim (__) Não (__) Em parte

Independente da resposta acima, explique por que:______________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

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Apêndice 2 – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

UNIVERSIDADE FEDERAL DO MATO GROSSO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

INSTITUTO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

Título do Projeto: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO

UNIFICADA – SiSU: o caso do curso de enfermagem da Universidade Federal de Mato Grosso,

Campus Universitário de Sinop.

A pesquisa será desenvolvida pelo Programa de Pós-graduação em Educação – Mestrado em

Educação da Universidade Federal de Mato Grosso, sob responsabilidade do Prof. Cezar Augusto da

Silva Flores, orientado pela Profa. Dra. Maria das Graças Martins da Silva da Universidade Federal de

Mato Grosso, PPGE.

O interesse central é analisar o processo de ingresso acadêmico no curso de enfermagem da

Universidade Federal de Mato Grosso, Campus Universitário de Sinop, tendo como base o ano de

2012/1, ressaltando o processo de decisão dos estudantes pelo curso, em face da forma de seleção

proposta pelo sistema ENEM/SiSU.

Será garantida ausência de riscos para os pesquisados. É garantido aos participantes do estudo

acesso aos dados em qualquer período, durante sua elaboração.

Eu Cezar Augusto da Silva Flores, portador do RG.: 1282565-4 SSP/MT, e do CPF:

728.435.431-34, e-mail: [email protected] e telefone celular: (66) 9985-6906, garanto que

se requisitado, serão retirados os dados da pesquisa, sem prejuízo ao indivíduo. Os dados recolhidos

serão anônimos, e a participação sigilosa. O questionário será utilizado para coleta dos dados

relacionados à escolha do curso utilizando como forma de ingresso o Sistema de Seleção Unificada -

SiSU, no curso de enfermagem da UFMT, Campus de Sinop. O pesquisado não terá recompensas ou

gastos participando da pesquisa, e receberá uma cópia deste termo de consentimento, podendo contatar

o pesquisador para esclarecimentos.

Em caso de dúvida vocês poderão procurar o Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital

Universitário Júlio Müller - UFMT- pelo telefone (65) 3615- 8254, sob coordenação da Prof.ª Shirley

F. Pereira.

Assim, constituem como sujeitos da pesquisa, os acadêmicos do primeiro semestre do curso de

enfermagem de 2012/1, cuja assinatura conta em anexo, com as devidas identificações, estando ciente

de todos os pontos que lhes integram nesse processo, afirmando estar de acordo, e declarando que

entendeu os objetivos e benefícios da participação desta pesquisa, concordando em participar

voluntariamente.

Assinatura do pesquisador

Local e data: Sinop/MT, 05/10/2012.