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UNIVERSIDADE FEDERAL DO MATO GROSSO
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
CEZAR AUGUSTO DA SILVA FLORES
A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE
SELEÇÃO UNIFICADA – SiSU: o caso do curso de enfermagem
da Universidade Federal de Mato Grosso, Campus Universitário
de Sinop
CUIABÁ – MT
2013
1
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
CEZAR AUGUSTO DA SILVA FLORES
A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO
UNIFICADA – SiSU: o caso do curso de enfermagem da Universidade
Federal de Mato Grosso, Campus Universitário de Sinop
CUIABÁ – MT
2013
2
CEZAR AUGUSTO DA SILVA FLORES
A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO
UNIFICADA – SiSU: o caso do curso de enfermagem da Universidade
Federal de Mato Grosso, Campus Universitário de Sinop
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Educação da Universidade Federal de
Mato Grosso como requisito para a obtenção do título
de Mestre em Educação na Linha de Pesquisa
Movimentos Sociais, Política e Educação Popular.
Orientadora:
Profª. Drª. Maria das Graças Martins da Silva.
Cuiabá – MT
2013
3
Dados Internacionais de Catalogação na Fonte
F634e Flores, Cezar Augusto da Silva.
A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE
SELEÇÃO UNIFICADA – SiSU: : o caso do curso de enfermagem da
Universidade Federal de Mato Grosso, Campus Universitário de Sinop
/ Cezar Augusto da Silva Flores. -- 2013
181 f. : il. color. ; 30 cm.
Orientadora: Maria das Graças Martins da Silva.
Dissertação (mestrado) - Universidade Federal de Mato Grosso,
Instituto de Educação, Programa de Pós-Graduação em Educação,
Cuiabá, 2013.
Inclui bibliografia.
1. Educação Superior. 2. Ingresso. 3. ENEM/SiSU. 4. Enfermagem.
5. Escolha do curso. I. Título.
Ficha catalográfica elaborada automaticamente de acordo com os dados fornecidos pelo(a) autor(a).
Permitida a reprodução parcial ou total, desde que citada a fonte.
4
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
PRÓ-REITORIA DE ENSINO DE PÓS-GRADUAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO Avenida Fernando Correia da Costa, 2367 – Boa Esperança – CEP: 78060-900 – CUIABÁ/MT
Tel.: (65) 3615-8431/3615-8429 – Email: [email protected]
FOLHA DE APROVAÇÃO
TÍTULO: “A escolha do curso superior no sistema de seleção unificada - SiSU: o caso do
curso de enfermagem da Universidade Federal de Mato Grosso, Campus Universitário
de Sinop”
AUTOR: Mestrando Cezar Augusto da Silva Flores
Dissertação defendida e aprovada em 18/03/2013
Composição da Banca Examinadora:
___________________________________________________________________________
Presidente Banca / Orientadora Doutora Maria das Graças Martins da Silva
Instituição: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
Examinadora Interna Doutora Tereza Christina Mertens Aguiar Veloso
Instituição: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
Examinadora Externa Doutora Elizeth Gonzaga dos Santos Lima
Instituição: UNIVERSIDADE DO ESTADO DE MATO GROSSO Examinador Suplente Doutor Cleomar Ferreira Gomes
Instituição: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
Cuiabá, 18/03/2013.
5
Dedico essa dissertação a minha avó
Luiza, a pessoa mais iluminada que já conheci.
6
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus pela oportunidade em ter cursado esse mestrado, e ter vivido e
aprendido todas as experiências ímpares no decurso desse.
Ao Professor Dr. Cleomar Ferreira Gomes por ter confiado e acreditado em mim.
Agradeço eternamente a Professora Dra. Maria das Graças Martins da Silva por
ter aceitado me orientar já no meio da caminhada, e ter toda paciência e dedicação nessa
orientação, me conduzindo ao caminho certo em todos os momentos.
A banca examinadora, constituído pelos professores Dra. Tereza Christina
Mertens Aguiar Veloso, Dra. Elizeth Gonzaga dos Santos Lima e Dr. Cleomar Ferreira
Gomes pelas contribuições nesse processo.
A minha “nova” família, composta pelas minhas colegas de trabalho e de
mestrado, Suellen Rodrigues de Oliveira, Luciene Mantovani e Sonia Vivian de Jesus, pelo
convívio nesses 2 anos.
A todos os professores do PPGE, pelos ensinamentos, e pela paciência para com
os estudantes do programa Pró-ensino na saúde.
A minha família pelo apoio em todos os momentos nesses 2 anos de luta e estudos
no mestrado, em especial minha mãe, meu pai e minha irmã.
Aos meus amigos, que entenderam os motivos das minhas ausências, e aguardam
ansiosamente o fim desse mestrado.
A coordenadora do curso de enfermagem Profa. Dra. Pacífica Pinheiro Cavalcante
e ao coordenador do Instituto de Ciências da Saúde Prof. Dr. Paulo Sergio Andrade Moreira,
por ter me incentivado e flexibilizado meu horário de trabalho, para poder realizar esse
mestrado.
Aos meus alunos que compreenderam meus momentos difíceis durante o curso.
As minhas colegas do grupo de estudo e pesquisa em políticas educacionais
Manira, Jackeline, Grazi, Gisele, Patrícia e Nely, pela ajuda nos estudos.
Aos estudantes do 1° semestre do curso de enfermagem, turma 2012/1, que
participaram da presente pesquisa.
Enfim, a todos que colaboram diretamente ou indiretamente com essa dissertação.
7
Combati o bom combate;
acabei a carreira;
guardei a fé.
II Timóteo 4:7
8
RESUMO
FLORES, Cezar Augusto da Silva. A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA
DE SELEÇÃO UNIFICADA – SiSU: o caso do curso de enfermagem da Universidade
Federal de Mato Grosso, Campus Universitário de Sinop. Dissertação. Programa de Pós-
Graduação em Educação da Universidade Federal de Mato Grosso. 2013.
O ensino superior é almejado por grande parte da população brasileira, como uma estratégia
de ascensão social, entretanto não são todos que conseguem ingressar nesse nível de ensino,
sendo a causa principal o número insuficiente de vagas. Devido a essa realidade, foram
criados mecanismos de seleção com o objetivo de distinguir os estudantes mais aptos e
qualificados para ingressar no ensino superior. Na perspectiva de tratar dessa questão, esta
pesquisa tem por objetivo analisar o processo de ingresso acadêmico no curso de enfermagem
na Universidade Federal de Mato Grosso, Campus Universitário de Sinop, tomando como
base o período acadêmico de 2012/1, ressaltando o processo de decisão dos estudantes pelo
curso, em face da nova forma de seleção proposto pelo Ministério da Educação constituído do
Exame Nacional do Ensino Médio - ENEM/Sistema de Seleção Unificada - SiSU. Trata-se de
uma pesquisa qualitativa, cujo foco é identificar os fatores que levaram os estudantes a
escolher o curso de enfermagem, considerando, nesse processo decisório, a possível
influência da nova forma de ingresso. Os estudantes responderam a um questionário com
questões abertas e fechadas de caráter exploratório que teve por objetivo registrar, analisar e
correlacionar fenômenos ou fatos referentes à modalidade de escolha do curso que o sistema
SiSU apresenta. Observou-se que a escolha do curso de enfermagem está relacionada a vários
fatores, como vocação pessoal, percepção da enfermagem como profissão da área da saúde,
influência familiar e nota do ENEM ser compatível com a nota de corte para esse curso.
Portanto, há indícios que o novo mecanismo de seleção, constituído pelo ENEM/SiSU, tem
influenciado na escolha para o ingresso no curso de enfermagem por estudantes que não
tinham o desejo inicial de ingressar em tal curso, realizando essa escolha como estratégia para
o ingresso no ensino superior. Conclui-se que o sistema ENEM/SiSU representa mais um
processo de seleção que não é capaz de superar o modelo excludente, sendo necessário propor
novos mecanismos de seleção que visem aprimorar o método de escolha do curso para
enfrentar as contradições hoje existentes.
Palavras-chave: Educação Superior. Ingresso. ENEM/SiSU. Enfermagem. Escolha do curso.
9
ABSTRACT
FLORES, Cezar Augusto da Silva. THE CHOICE OF HIGHER EDUCATION IN THE
UNIFIED NATIONAL SYSTEM (SISTEMA DE SELEÇÃO UNIFICADA) - SiSU: the
case of the nursing course at the Federal University of Mato Grosso, Sinop Campus.
Dissertation. Instituto de Educação. Universidade Federal de Mato Grosso, 2013.
Higher education is sought for a great part of the Brazilian population, as a strategy for social
ascension; however, are not all who manage to enter in this level of education, being the main
cause of the insufficient number of slots. Due to this reality, selection mechanisms have been
created with the goal of distinguishing the fittest and qualified students to ingress in higher
education. In order to address the issue, this research aims to study the process of admission
in nursing academic course at the Federal University of Mato Grosso, Campus Sinop, taking
as a basis the academic period 2012/1, noting the decision process of the students by the
course in the face of this new form of proposal selection by the High School National Exam
(Exame Nacional do Ensino Médio) - ENEM/Unified Selection System (Sistema de Seleção
Unificada) - SiSU. It is a qualitative research, whose focus is to identify the factors that led
students to choose the course of nursing, whereas, in that decision making process, the
possible influence of the new ingress forms. Students responded to a questionnaire with open
and closed questions of exploratory character that aimed to record, analyze and correlate facts
or phenomena concerning the choice of the mode of SiSU system features. It was noted that
the choice of the nursing course is related to several factors, such as personal vocation,
perception of nursing as a health care profession, family influence and ENEM‟s grade to be
compatible with the grade for this course. So, join the new check mechanism, consisting of
the ENEM/SiSU, has influenced the choice for entry into nursing course for students who had
no initial desire of entering such a course, making that choice as a strategy for higher
education. It was concluded that the system ENEM/SiSU represents more of a selection
process that is not able to overcome the exclusionary model and it‟s necessary to propose new
selection mechanisms aimed at improving the method of choice of the course to confront the
contradictions that there are nowadays.
Key words: Higher Education. Ingress. ENEM/SiSU. Nursing. Choice of the course.
10
LISTA DE FLUXOGRAMA
Fluxograma 1 – Ordenação referente às Portarias MEC................................................... 108
11
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 - Comparativos entre os objetivos do ENEM da Portaria n. 438/1998 e a
Portaria n. 109/2009........................................................................................
99
Quadro 2 - Estruturação dos Editais SiSU 2010/2012....................................................... 109
Quadro 3 - Lista de chamada/ convocação para efetuar a matrícula no curso de
enfermagem na UFMT, CUS..........................................................................
147
Quadro 4 - Motivos que levaram os estudantes a escolherem o curso de enfermagem.... 152
12
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1 - Número de estudantes que participaram da pesquisa e seu período de
ingresso...........................................................................................................
146
Gráfico 2 - Número processos seletivos antes do ingresso no curso de enfermagem
UFMT/CUS....................................................................................................
148
Gráfico 3 - Curso de desejo no término do Ensino Médio................................................ 149
Gráfico 4 - Curso de primeira opção na inscrição ao SiSU............................................... 150
Gráfico 5 - Influência da nota do ENEM na escolha do curso.......................................... 153
Gráfico 6 - Satisfação com o curso que ingressou - enfermagem..................................... 156
Gráfico 7 - Aprovação do modelo de escolha do curso pelo ENEM/SiSU....................... 157
13
LISTA DE SIGLAS
ABEn – Associação Brasileira de Enfermagem
AI – Ato institucional
Andifes – Associação Nacional dos Dirigentes de Instituições Federais de Ensino Superior
CCEV – Comissão de Concursos e Exames Vestibulares
CD – Conselho Diretor
Cefet – Centro Federal de Educação Superior
CESPE – Centro de Seleção e de Promoção de Eventos
CEV – Coordenação de Exames Vestibulares
CFE – Conselho Federal de Educação
CNE – Conselho Nacional de Educação
CNPq – Conselho Nacional de Pesquisa
CONSEPE – Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão
COPEVE – Comissão Permanente do Vestibular
CUS – Campus Universitário de Sinop
DNE – Departamento Nacional de Educação
DNSP – Departamento Nacional de Saúde Pública
EAD – Educação a Distância
Eapes – Equipe de Assessoria ao Planejamento do Ensino Superior
EEUSP – Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo
ENEM – Exame Nacional do Ensino Médio
Epes – Equipe de Planejamento do Ensino Superior
FAEN – Faculdade de Enfermagem
FNDE – Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação
FUB - Fundação Universidade de Brasília
ICLC – Instituto de Ciências e Letras de Cuiabá
IES – Instituição de Ensino Superior
IFES – Instituição Federal de Ensino Superior
IFs – Instituições Federais
INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
Ipes – Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais
ITA – Instituto Tecnológico de Aeronáutica
LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
14
MEC – Ministério da Educação
PF – Polícia Federal
PM – Polícia Militar
PNE – Plano Nacional de Educação
PPC – Projeto Pedagógico do Curso
PROEG – Pró-reitoria de Ensino e Graduação
PROUNI – Programa Universidade para Todos
PSF – Programa de Saúde da Família
REUNI – Programa de Apoio ao Plano de Reestruturação e Expansão das Universidades
Federais
RJ – Rio de Janeiro
SARI – Secretaria de Articulação e Relações Institucionais
SAT – Scholastic Assessment Test
SC – Santa Catarina
SENADEn – Seminário Nacional de Diretrizes para a Educação em Enfermagem no Brasil
SiSU – Sistema de Seleção Unificada
UFABC - Universidade Federal do ABC
UFAM – Universidade Federal do Amazonas
UFBA – Universidade Federal da Bahia
UFCSPA - Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre
Ufersa - Universidade Federal Rural do Semi-Árido
UFLA – Universidade Federal de Lavras
UFMT – Universidade Federal de Mato Grosso
UFPel – Universidade Federal de Pelotas
UFPI – Universidade Federal do Piauí
UFRB - Universidade Federal do Recôncavo da Bahia
UFRRJ - Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
UFSJ - Universidade Federal de São João del-Rei
UFT – Universidade Federal do Tocantins
UFVJM - Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri
UnB – Universidade de Brasília
UNE – União Nacional dos Estudantes
UNEMAT – Universidade do Estado de Mato Grosso
15
UNIFAL - Universidade Federal de Alfenas
UNIFEI - Universidade Federal de Itajubá
Unifesp – Universidade Federal de São Paulo
Unirio – Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro
Univasf - Universidade Federal do Vale do São Francisco
Usaid – United States Agency for International Development
USP – Universidade de São Paulo
UTFPR - Universidade Tecnológica Federal do Paraná
16
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO................................................................................................................ 17
PARTE I - CONSTRUÇÃO E CONSOLIDAÇÃO DO ENSINO SUPERIOR NO
BRASIL COM OBSERVÂNCIA NAS FORMAS DE INGRESSO............................
21
1.1 Dos Jesuítas à Reforma Pombalina (1572 – 1759)......................................... 22
1.2 Período Imperial (1808 – 1889)....................................................................... 28
1.3 Primeira República (1889 – 1930)................................................................... 34
1.4 Era Vargas (1930 – 1945)................................................................................. 41
1.5 República Populista (1945 – 1964).................................................................. 50
1.6 Ditadura Militar (1964 – 1985)........................................................................ 64
1.7 Nova República (1985 - 2012).......................................................................... 79
1.7.1 Formas de ingresso ao Ensino Superior nas décadas de 1980 a
2010.................................................................................................................
89
1.7.2 A forma de ingresso pelo “Exame Nacional do Ensino Médio –
ENEM/Sistema de Seleção Unificada - SiSU” ..............................................
97
PARTE II – A UFMT E SEUS PROCESSOS SELETIVOS (1972 A 2012)............... 114
2.1 Breve histórico do ensino superior em Mato Grosso e a criação da
Universidade Federal de Mato Grosso – UFMT..................................................
114
2.2 Formas de ingresso na Universidade Federal de Mato Grosso do
vestibular ao ENEM/SiSU.....................................................................................
121
2.3 A UFMT e o ENEM/SiSU................................................................................ 123
PARTE III – O CURSO DE ENFERMAGEM DA UFMT E A ESCOLHA DO
CURSO VIA SiSU: PONTOS DE (DES)ENCONTRO................................................
127
3.1 A origem das práticas do cuidar..................................................................... 127
3.2 O desenvolvimento da enfermagem no Brasil................................................ 131
3.3 A profissionalização da enfermagem.............................................................. 135
3.4 O processo histórico da enfermagem na UFMT............................................ 141
3.5 A escolha do curso de enfermagem pelo SiSU............................................... 143
CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................................... 165
REFERÊNCIAS............................................................................................................... 170
APÊNDICES..................................................................................................................... 179
17
INTRODUÇÃO
Você vê as coisas como elas são e pergunta: por que?
Mas eu sonho com coisas que nunca foram e pergunto: por
que não?
Bernard Shaw
O ensino superior foi introduzido no Brasil pelos jesuítas, em 1572, por meio dos
cursos de artes e teologia, tendo tripla função: formar padres para a atividade missionária,
formar o aparelho burocrático do Estado e ilustrar as classes dominantes locais (filhos dos
proprietários de terras, de minas e dos mercadores metropolitanos)1. Após a reforma
pombalina, tal nível de ensino praticamente deixou de ter importância para uma sociedade que
estava preocupada com o trabalho braçal, fruto de uma economia extrativista.
Com a vinda da Família Real para o Brasil, em 1808, ressurgiu a necessidade da
educação superior, havendo interesse desse nível de educação apenas para a formação da elite
imperial que assumiria as funções administrativas no “novo” Estado.
Com o passar do Estado Colonial para Imperial e depois para Republicano, a
educação superior começou a ser considerada como forma de ascensão social pelas classes
menos favorecidas, e o número de candidatos que almejavam ingressar nesse nível de ensino
se tornou maior que o número de vagas disponíveis nas Instituições de Ensino Superior - IES.
Para “corrigir” tal impasse, foram criados mecanismos de seleção para o ingresso
no ensino superior, sendo que tais mecanismos realizam essa seleção por meio de testes de
conhecimentos, servindo, dessa forma, para selecionar os “melhores” candidatos com o
discurso de que esses estariam mais aptos a cursar o nível de ensino superior.
Portanto, o princípio do mérito era, e continua sendo, defendido como requisito
indispensável pelos mecanismos de seleção para o ingresso no ensino superior.
Sustentado nesse princípio, no Período Colonial até a Era Vargas, o ensino
superior foi destinado às classes dominantes. Somente na Primeira República se tornou
“disponível” às classes menos favorecidas socialmente; entretanto, se observa que, da
Primeira República até à Nova República teve uma abertura “velada” às classes menos
favorecidas, e os cursos considerados de maior prestígio social eram ocupados pelos
estudantes provenientes das classes mais favorecidas da sociedade, salvo raras exceções; já os
cursos superiores de menor prestígio social, geralmente as licenciaturas, eram ocupados por
estudantes de menor poder aquisitivo (OLIVEIRA, 1994).
1 Os termos ensino superior e educação superior serão utilizados nessa dissertação como sinônimos.
18
O atual Estado brasileiro, considera o mérito como mecanismo democrático para a
seleção nos processos seletivos de ingresso no ensino superior, entretanto, a atual formação
social brasileira demonstra uma série de contradições, o que impossibilita considerar que
exista realmente um sistema democrático de ingresso na educação brasileira. Nessa relação
em que o mérito é levado mais em consideração do que a vocação pessoal, nos perguntamos,
como os estudantes, atualmente, realizam a escolha pelo curso superior? E como os
mecanismos de seleção afetam a escolha do curso desses estudantes?
O interesse central deste estudo foi analisar o processo de ingresso acadêmico no
curso de enfermagem da Universidade Federal de Mato Grosso - UFMT, Campus
Universitário de Sinop - CUS, tomando como base o período letivo de 2012/1, ressaltando o
processo de decisão dos estudantes pelo curso, em face da forma de seleção proposta pelo
Exame Nacional do Ensino Médio - ENEM/ Sistema de Seleção Unificada – SiSU,
compreendendo que esse dois procedimentos compõem um sistema integrado que designamos
nessa pesquisa por ENEM/SiSU.
O referido estudo surgiu da experiência profissional como docente do curso de
enfermagem da UFMT, CUS, ministrando aulas da disciplina Bases Históricas da
Enfermagem, no primeiro semestre do curso, em que pudemos observar, empiricamente, uma
mudança no perfil dos estudantes ingressantes no referido curso após a adoção do
ENEM/SiSU como forma de ingresso ao ensino superior e de como os estudantes se
comportam no início desse curso de graduação.
O foco da pesquisa é identificar os fatores que levaram os estudantes a escolher o
curso de enfermagem, considerando, nesse processo decisório, a possível influência da nova
forma de ingresso ENEM/SiSU. Nessa perspectiva, pretendemos investigar se esses
estudantes realmente desejavam ingressar na enfermagem ou se só o fizeram em decorrência
da oportunidade de ingressar no ensino superior devido às características que o sistema
ENEM/SiSU apresenta.
A hipótese que orienta a pesquisa é a de que, após a implantação do SiSU como
forma de ingresso ao ensino superior, houve uma “banalização”2 na escolha do curso, ou seja,
supomos que o mais importante para o estudante é ingressar no ensino superior e, nesse
sentido, a escolha do curso não é um fator determinante para ser nele incluído.
Portanto, o ponto chave a ser investigado é a forma como se estabelece a escolha
do curso. Anteriormente ao modelo de ingresso referido, os candidatos se inscreviam para a
2 Banalização é algo que teve sua imagem desgastada, ou algo de importância que se tornou menos importante
pela exaustão da repetição sobre um determinado assunto. Significa tornar algo banal, sem importância
(FERREIRA, 1975).
19
prova de seleção de acordo com o interesse por um curso já determinado antes de realizar a
prova, ou seja, faziam o exame para o curso que almejavam. Com a implantação do
ENEM/SiSU, os candidatos fazem as provas e somente depois da obtenção das notas,
escolhem o curso que pretendem ingressar. Como o curso de enfermagem não apresenta uma
nota de corte elevada, é possível que seja escolhido por candidatos que almejam outros
cursos, mas, devido a sua pontuação ser inferior à nota de corte do curso pretendido, acabam
optando pela enfermagem para ingressar no ensino superior, e tentar, futuramente uma
transferência interna para outro curso de interesse, ou mesmo, realizar outros processos
seletivos.
Trata-se de um estudo de caso, realizado com os estudantes ingressantes do curso
de enfermagem, do período letivo de 2012/1, de caráter exploratório e descritivo com
abordagem qualitativa, com o objetivo de registrar, analisar e correlacionar fenômenos ou
fatos referentes à modalidade de escolha do curso que o SiSU apresenta.
Foi aplicado um questionário com questões abertas e fechadas com os estudantes
ingressantes no curso de enfermagem da UFMT, CUS, do período letivo de 2012/1, que
ingressaram através do SiSU, e que, depois de explicados os objetivos da pesquisa, aceitaram
participar da mesma.
O sonho de ingressar em uma universidade pública é almejado por grande parte da
população, mas não são todos que conseguem atingir esse objetivo. De acordo com o Plano
Nacional de Educação - PNE 2001-2011, 30% das vagas universitárias deveriam ser
preenchidas por estudantes na faixa etária entre 18 e 24 anos, mas tal meta não foi alcançada
no período previsto. De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio – PNAD,
apenas 14,4% das vagas do ensino superior no ano de 2009 foram preenchidas por estudantes
nessa faixa etária (CHAVES; LIMA; MEDEIROS, 200-?).
Neste estudo, algumas dificuldades foram encontradas durante a sua realização.
Inicialmente, o fato de ser o primeiro trabalho dessa magnitude realizado pelo pesquisador,
principiante na área de educação, sobretudo em Políticas Educacionais. Em seguida, a
escassez do assunto abordado, pois o SiSU, presente no cenário educacional desde 2010, até o
momento foi objeto de poucas pesquisas. E, em terceiro, a dúvida da participação na pesquisa
dos estudantes bem como a dificuldade em obter dados do Sistema Acadêmico da UFMT,
evento que só pode ser constatado no momento da pesquisa de campo.
No enfrentamento desses obstáculos, a pesquisa foi se constituindo, e sua
construção se apresenta em três partes, sendo assim dividida para melhor compor a sequência
lógica do raciocínio:
20
Parte I: Traçamos a trajetória histórica do ensino superior no Brasil, do período
Colonial ao cenário atual da Educação Superior, tendo como foco as formas de ingresso a esse
nível de ensino, iniciando pelo “exame de estudo preparatório”, “exame de admissão”,
“exames vestibulares”, “concursos vestibulares” e “sistema de seleção unificada”. Foi
realizado também um estudo sobre a forma de ingresso pelo “concurso vestibular” e pelo
“ENEM/SiSU”.
Parte II: Contextualizamos, historicamente, a UFMT, com enfoque nas formas
de ingresso para os cursos de graduação nessa instituição, desde a sua criação, em 1972,
quando era utilizado, como forma de ingresso, o concurso vestibular, até o ano de 2012
quando a instituição utilizou como forma de ingresso o ENEM/SiSU.
Parte III: Realizamos uma trajetória histórica da enfermagem, para entender
como se tornou uma profissão, e como sua precursora, Florence Nightingale, defendia o
caráter vocacional para ingresso na mesma. Igualmente, fizemos uma abordagem sobre a
história do curso de enfermagem na UFMT e no CUS.
Em seguida, apresentamos os resultados da pesquisa e discussões, juntamente com
as considerações, evidenciando os dados da mesma.
Assim, buscamos desvendar uma realidade, cujos traços não são suficientemente
claros para interpretação. A esse propósito, Kosík (1976) afirma:
Captar o fenômeno de determinada coisa significa indagar e descrever como a coisa
em si se manifesta naquele fenômeno, e como ao mesmo tempo nele se esconde.
Compreender o fenômeno é atingir a essência. Sem o fenômeno, sem a sua
manifestação e revelação, a essência seria inatingível. (p. 65).
Assim, observamos a necessidade de pesquisar a respeito dos fatores que levaram
os estudantes a optar pelo curso de enfermagem, e se essa opção se fez pelo desejo de
ingressar nesse curso ou simplesmente pelo desejo de ingressar no ensino superior, tendo em
vista as características que o sistema ENEM/SiSU apresenta como processo seletivo e forma
de ingresso a partir de 2010. Esperamos, portanto, entender como a nova forma de ingresso ao
ensino superior, configurada pelo SiSU, tem influenciado a escolha do curso, perfazendo, com
isso, proposições para novas estratégias de superação de contradições que possam vir a se
apresentar.
21
PARTE I - CONSTRUÇÃO E CONSOLIDAÇÃO DO ENSINO SUPERIOR NO
BRASIL COM OBSERVÂNCIA NAS FORMAS DE INGRESSO
“A história nunca se fecha por si mesma e nunca se fecha
para sempre. São os homens, em grupo e confrontando-se
como classes em conflito, que „fecham‟ ou „abrem‟ os
circuitos da história”.
Florestan Fernandes
O Brasil, país continental, situado na América do Sul, apresenta em sua história
traços marcados por antigas e novas contradições, tanto no campo político, quanto no
econômico e no social, o que reflete também no sistema educacional, com uma educação dual,
destinada aos dirigentes e aos dirigidos, ao público e ao privado, ao intelectual e ao
semianalfabeto, entre outros opostos.
Nessa perspectiva, apresenta-se na história do país um ensino superior, sobretudo,
dedicado às aplicações profissionais, como se a diplomação nesse nível de ensino garantisse a
ascensão social. Entretanto, o ensino superior vai além da atuação profissional. Conforme
defendia Freire (1987), tem-se como referência uma educação para a vida, uma educação para
a cidadania.
O ensino superior esteve atrelado à ascensão profissional, primeiramente realizada
em Coimbra – Portugal, depois trazida para as recém-criadas faculdades e colégios superiores
no Brasil. No período do Império, o sistema educacional era frequentado apenas pela elite da
então sociedade brasileira, o qual servia de trampolim para o emprego em cargos públicos.
Tal fato também caracteriza a proteção aos interesses das classes dominantes, que boicotavam
a criação de novas instituições justamente para impedir a concorrência nos postos de trabalho,
retardando mais ainda a criação e a expansão das universidades no Brasil (CUNHA, 2007a).
Ao abordarmos a criação das IES no Brasil, remetemos a uma história marcada
por fragmentações e descontinuidade. A primeira universidade criada no continente
americano foi em São Domingo, ainda no século XVI, mais precisamente em 1538, de curta
existência. Subsequente, em 1553, houve a criação de uma universidade no México, com
maior duração, e oferecendo os cursos de filosofia, cânone/direito, teologia e mais tarde
medicina. Também devemos citar a criação das Universidades de São Marcos (Peru), de São
Felipe (Chile), Córdoba (Argentina), entre outras. No total, haviam entre 26 a 27
universidades na América até o ano de 1882, sendo que, no Brasil, ainda não se permitia a
existência de universidades (CUNHA, 2007a).
22
Nitidamente, haviam diferentes interesses, principalmente ideológicos, entre os
colonizadores espanhóis e os portugueses. A coroa portuguesa não queria incentivar a criação
do ensino e das ciências na colônia. O pouco que se fazia era destinar bolsas de estudo para
brasileiros irem estudar em Portugal, no caso, em Coimbra, sustentando, dessa forma, a
dependência da colônia (HOLANDA; CAMPOS, 1968 apud CUNHA, 2007a).
Também podemos observar as diferenças existentes na forma e na oferta de
ensino superior no próprio Império: enquanto a Espanha possuía, no século XVI, oito
universidades, com um total de seis mil alunos, Portugal, apenas uma universidade. Portanto,
havia na Espanha mais profissionais formados dispostos a vir para as Colônias, trabalhar nas
recém-criadas universidades, fato não verificado em Portugal.
A falta de universidades no Brasil não representa ausência de formas de ensino
superior no século XVI: enquanto nas colônias espanholas houve a criação de universidades
propriamente ditas, na colônia portuguesa o ensino superior foi realizado nas escolas jesuítas,
principalmente na Bahia, Rio de Janeiro, São Paulo, Olinda, Maranhão e Pará (CUNHA,
2007a).
Trazemos, nesta primeira parte do trabalho, uma contextualização histórica do
processo educacional do ensino superior realizado no Brasil, com enfoque nas formas de
ingresso para tal nível de ensino, e de que modo têm evoluído com o passar do tempo, de
acordo com os interesses sociais e políticos de cada período histórico. Para isso, o estudo foi
realizado de acordo com os períodos históricos vivenciados no Brasil, dividindo-se em sete:
dos Jesuítas à Reforma Pombalina (1572 – 1759); Período Imperial (1808 – 1889); Primeira
República (1889 – 1930); Era Vargas (1930 – 1945); República Populista (1945 – 1964);
Ditadura Militar (1964 – 1985); e Nova República (1985 - 2012).
Por fim, traremos uma abordagem no último tópico sobre o sistema ENEM/SiSU,
processo seletivo e de ingresso implantado desde o ano de 2010 e em vigor até o presente
momento.
1.1 Dos jesuítas à Reforma Pombalina (1572 – 1759)
A primeira iniciativa de criação de um curso de ensino superior no Brasil Colônia
foi datada de 1572, com a criação dos cursos de artes e teologia no colégio dos jesuítas da
Bahia (CUNHA, 2007a).
Corroborando com esse cenário temos as missões religiosas que aqui vieram
doutrinar empregando uma visão ideológica que legitimava a exploração colonial “para a
23
aceitação da dominação metropolitana através do reconhecimento da figura do rei de
Portugal.” (CUNHA, 2007a, p. 25). Destaca-se a figura da Companhia de Jesus, representada
pelos jesuítas, que chegaram ao Brasil em 1549, cuja atividade educacional principal era a
catequese dos indígenas. Cabia também aos jesuítas:
[...] cumprir tripla função: de um lado, formar padres para a atividade missionária;
de outro, formar quadros para o aparelho repressivo (oficiais da Justiça, da Fazenda
e da Administração); de outro, ainda, ilustrar as classes dominantes no local, fossem
filhos de proprietários de terra e de minas, fossem os filhos dos mercadores
metropolitanos aqui residentes. (CUNHA, 2007a, p. 25).
Mesmo tendo a missão de catequizar e evangelizar, os jesuítas foram além,
criando instituições escolares, com normatização sistemática, o chamada Ratio Studiorum,
com currículo definido para os estudos escolares, que se dividia em dois graus:
primeiramente, o studia inferiora, que se assemelha a Educação Básica, e, posteriormente, o
studia superiora, que se assemelha a Educação Superior.
De acordo com Cunha (2007a), o método studia superiora apresentava quatro
graus de ensino:
O curso elementar: com duração provável de um ano, em que se aprendia a ler,
escrever e contar, assim como se ensinava a doutrina religiosa católica;
O curso de humanidades: com duração de dois anos, em que se ensinava a
gramática, a retórica e as humanidades, todos realizados em latim. Também era ensinado o
tupi-guarani, em vez de grego e hebraico, com vista à formação de estudantes que
ingressassem na vida religiosa, tornando-se missionários para a catequização dos indígenas;
O curso de artes, também chamado de ciências naturais ou filosofia: com
duração de três anos, eram ensinadas a lógica, a física, a matemática, a ética e a metafísica,
conferindo, ao final do curso, o grau de bacharel e de licenciado. O curso de artes era pré-
requisito para o ingresso aos cursos profissionais da Universidade de Coimbra (medicina,
cânone e direito);
O curso de teologia: com duração de quatro anos, conferia o grau de doutor,
seu currículo era basicamente proposto em duas disciplinas, sendo a primeira da “teologia
moral” que se “tratava de questões éticas relativas às práticas cotidianas”, e a segunda era a
“teologia especulativa” que consistia no estudo do dogma católico (CUNHA, 2007a).
O primeiro colégio jesuíta no Brasil foi fundado na Bahia, em 1550, período em
que esse estado era sede do governo-geral. O curso de humanidades teve início três anos após,
em 1553, e os cursos de artes e teologia tiveram início apenas em 1572 (CUNHA, 2007a).
24
Os referidos cursos eram oferecidos em colégios para alunos externos e em
seminários em regime de internato. Tanto para alunos externos, como para alunos em regime
de internato não havia a finalidade exclusiva de preparação dos alunos para o sacerdócio,
sendo o ingresso dos estudantes aberto a todos os interessados. No total, os jesuítas criaram 17
colégios no Brasil Colônia, e todos ofereciam o curso elementar. Não há como precisar
quantos ofereciam o curso de humanidades; apenas oito ofereciam os cursos de Arte e/ou
Teologia (CUNHA, 2007a).
Leite (1938) quantifica o número de estudantes no Colégio Jesuíta da Bahia em
1589 em 120 estudantes no curso elementar, 57 no curso de humanidades, 24 no curso de
artes e 15 no curso de teologia. Interessante notar que, entre esses estudantes, havia os que
eram considerados estudantes “de casa”, que se preparavam para o exercício do sacerdócio, e
os estudantes “externos”, que não tinham essa pretensão, podendo, inclusive, ser de outras
ordens religiosas. Portanto, o ingresso ao ensino era realizado ainda no curso elementar,
destinado exclusivamente aos filhos dos colonos de posses e coronéis, podendo esses
continuarem seus estudos até chegarem aos cursos de arte e, posteriormente, de teologia. Já
aos indígenas e aos filhos da sociedade menos favorecida economicamente era oferecido
apenas o ensino da leitura e escrita, assim como dos princípios religiosos católicos, como
forma de catequização.
Nesse período colonial, não havia na sociedade um interesse maior pela formação
educacional, o que pode ser explicado pela forma de colonização do Brasil pelos portugueses,
a população na colônia brasileira era pouco numerosa e constituída de pessoas, em sua grande
maioria, sem formação superior, não havendo necessidade de um sistema de seleção para o
ingresso em quaisquer níveis de ensino, uma vez que a oferta de vagas no sistema educacional
conseguia suprir a demanda.
No ano de 1759, os jesuítas foram expulsos do reino português por meio do
Alvará de 28 de junho, de autoria do Marquês de Pombal, tendo todos os seus bens
confiscados, a grande maioria leiloada para pessoas físicas que passaram a explorar as
propriedades comercialmente. As instituições escolares foram fechadas ou passaram a
administração de outras ordens religiosas, a exemplo do colégio de Olinda, que passou a ser
dirigido pela ordem dos franciscanos. O colégio do Rio de Janeiro foi transformado em
hospital militar, onde futuramente seria implantada a Faculdade de Medicina pelo príncipe
regente. E o colégio da Bahia teve destino idêntico ao colégio do Rio de Janeiro, transformado
em hospital militar, e depois oferecendo “aula” de cirurgia (FÁVERO, 2006).
25
Com a expulsão dos jesuítas, o sistema educacional passou para a administração
civil. Suas principais medidas foram:
1. Criação da Diretoria Geral de Estudos, direta e exclusivamente subordinada ao
rei, encarregada de gerir todos os assuntos ligados ao ensino [...].
2. Controle da atividade da formação dos professores através da proibição do ensino,
mesmo particular, por pessoas que não tiveram sido aprovadas em exames de
habilitação e idoneidade comprovada pela Diretoria Geral de Estudos e seus
delegados.
3. Controle do conteúdo do ensino pela criação da Real Mesa Censória, absorvendo
a censura de livros [...].
4. Criação das aulas régias, compreendendo tanto aulas de ler e escrever quanto as
de humanidade, mantidas pelo Estado através de um subsídio literário, imposto
cobrado sobre o consumo de carne e a produção de aguardente. (CUNHA, 2007a,
p.77).
Podemos observar que, em Portugal, o interesse naquele momento era destinado
aos “estudos menores”, sendo por meio dele que acontece a secularização do ensino público.
No Brasil, a secularização do ensino é apresentada tardiamente em comparação com o
Império. Havia poucas aulas régias com reduzido número de alunos e professores, que, por
sinal, recebiam baixos salários, além dos colégios religiosos ainda existentes serem de melhor
qualidade de ensino3.
Entretanto, efetivamente, até o momento da expulsão dos jesuítas, não havia
qualquer plano de reestruturação ou reforma educacional que seria implantada após a retirada
desses.
Em 1759, com a expulsão dos jesuítas, o que sofreu o Brasil não foi uma reforma de
ensino, mas a destruição pura e simples de todo o sistema colonial do ensino
jesuítico. Não foi um sistema ou tipo pedagógico que se transformou ou substituiu
por um outro, mas uma organização escolar que se extinguiu sem que essa
destruição fosse acompanhada de medidas imediatas, bastante eficazes para lhe
atenuar os efeitos ou reduzir a sua extensão. Quando o decreto do Marquês de
Pombal dispensou os padres da Companhia, expulsando-os da Colônia e
confiscando-lhes os bens, fecharam-se de um momento para outro todos os seus
colégios, de que não ficaram senão os edifícios, e se desconjuntou, desmoronando-se
completamente, o aparelhamento da educação, montado e dirigido pelos jesuítas no
território brasileiro. (AZEVEDO, 1971 apud CUNHA, 2007a, p. 52).
Podemos observar, pelo relato de Azevedo (1971), que, com a expulsão dos
jesuítas, o Brasil Colônia ficou desprovido de qualquer formato educacional, pois não havia
quem oferecesse um sistema educacional como o dos jesuítas. No total, foram fechadas 25
residências, 36 missões e 17 colégios e seminários maiores, sem contar os seminários menores
onde se ensinava apenas a ler e a escrever.
3 Colégios de outras ordens religiosas que não a jesuíta.
26
Após, foram criadas aulas régias no Rio de Janeiro e em Olinda, constituídas em
aulas de Grego, Hebraico, Filosofia, Teologia, Retórica e Poética, Desenho e Figura,
Aritmética, Geometria, Francês, sendo que eram “aulas independentes, diversas e
desordenadas, em locais distintos e com professores mal preparados.” (OLIVEIRA, 1994, p.
90). É possível cogitar uma deterioração do sistema educacional nesse momento, não havendo
ainda um sistema de seleção para o ingresso de estudantes, uma vez que a educação oferecida
era de baixa qualidade, e os interessados em cursar o ensino superior migravam para a Coroa
portuguesa.
[...] A educação que era dada quase que exclusivamente em escolas confessionais, os
colégios de padres, passou a ser ministrada nas aulas e escolas régias por mestres
nomeados, de acordo com os bispos pelos padres – mestre e capelães de engenho,
que se tornaram, depois da saída dos jesuítas, os principais responsáveis pela
educação dos meninos brasileiros. Os mestres leigos dessas aulas e escolas, que não
chegaram a assimilar o espírito da reforma pombalina, mostravam, pelo geral,
segundo testemunhos da época, não só uma espessa ignorância das matérias que
ensinavam, mas uma absoluta ausência de senso pedagógico. Embora menos rígida e
disciplinadora que a dos jesuítas, de cujas tradições de ensino foram como que os
depositários, a atividade pedagógica dos padres e capelães de engenho, orientada
pelos mesmos objetivos, desempenhou um papel importante na conservação da
cultura brasileira no sentido nacional. (AZEVEDO, 1971 apud CUNHA, 2007a, p.
53).
Um dos primeiros cursos foi criado pelos frades franciscanos no Convento de
Santo Antônio do Rio de Janeiro, em 1776, seguindo a Reforma Universitária implantada por
Pombal na Universidade de Coimbra. Nessa instituição, havia o oferecimento de dois cursos
superiores, o de Filosofia e o de Teologia, sendo novamente o curso de Filosofia requisito
prévio para o ingresso no curso de Teologia. Esses cursos eram destinados principalmente à
preparação do profissional do sacerdócio, embora também frequentado por leigos que
buscavam ilustrar-se. O curso superior, no caso primeiramente de Filosofia, só tinha início
quando se formasse uma turma de pelo menos 12 estudantes aprovados nos “estudos
menores4”. Tanto o curso de Filosofia, como o de Teologia, tinha a duração de três anos cada,
e ao final de cada ano era realizado um exame por uma banca examinadora, que avaliava a
aptidão ou não do estudante (CUNHA, 2007a).
Mesmo com as aulas régias, o desenvolvimento educacional em Olinda veio por
meio de José Joaquim da Cunha de Azevedo Coutinho, bispo de Olinda entre 1779 a 1802.
Azevedo Coutinho estudou na Universidade de Coimbra, donde se filiou às ideias
pedagógicas progressistas da época. Em 1798, elaborou o Estatuto do Seminário Episcopal
4 Alunos que comprovassem saber ler e escrever, podendo te cursado, ou não, os cursos de elementar e de
humanidades.
27
Nossa Senhora da Graça de Olinda, deixando claro que os destinatários do Seminário
deveriam ser as crianças pobres ou órfãs da Diocese de Pernambuco, embora se admitissem
também filhos da burguesia que contribuíam financeiramente com o Seminário:
[...] que o sujeito que houver de ser admitido a colegial do número deve ser natural
do bispado, podre, órfão, ou filho de pais pobres, que não tenham possibilidade para
o sustentar nos estudos; e que seja havido de legítimo matrimônio, sem nota ou
infâmia de geração dos reprovados em Direito; e que ao menos tenha 12 anos de
idade. Que saiba ler e escrever suficientemente; que seja de empenho vivo e bom
procedimento, e que não seja achacado, doente, ou contaminado de mal contagioso.
(ESTATUTO DO SEMINÁRIO EPISCOPAL NOSSA SENHORA DA GRAÇA
DE OLINDA, 1798, p. 109).
Para o ingresso nesse seminário, a idade mínima era 12 anos, permitida para o
ingresso em qualquer curso oferecido, com exceção do curso de teologia, cuja idade mínima
para ingresso era 18 anos.
Nesse seminário, não havia o curso de “primeiras letras”, embora houvesse um
professor cuja função era a de completar o ensino insuficiente que algum estudante tivesse
anteriormente. Os estudos no Seminário começavam pelo curso de Gramática com três anos
de duração, em seguida vinha o curso de Retórica (a arte do bem falar) com um ano de
duração. Finda essa etapa, iniciava-se o curso de Filosofia com dois anos de duração, e o
curso de Geometria com um ano de duração, embora não se saiba se o curso de Geometria
fosse posterior ou concomitante ao de Filosofia. Por fim, o último curso era o de Teologia,
com duração de três anos, e os estudantes teriam que ter mais de 18 anos de idade para o
ingresso. Era realizada no final de cada ano letivo a avaliação dos estudantes, consistindo na
defesa oral, perante uma banca de professores, sobre um tema sorteado com 24 horas de
antecedência.
Ressaltamos que tanto os cursos do Rio de Janeiro como os de Olinda já
evidenciavam a reforma educacional proposta pelo Iluminismo, em que o estatuto dos
franciscanos, próximo da reforma universitária de Coimbra, combatia veementemente a
escolástica5, e os estatutos de Azevedo Coutinho, “redigidos após a Revolução Francesa, não
escondiam a preocupação da defesa da monarquia e da religião católica.” (CUNHA, 2007a, p.
61).
5 Escolástica foi o método de pensamento crítico dominante no ensino nas universidades medievais europeias de
cerca de 1100 a 1500. Nasceu nas escolas monásticas cristãs, de modo a conciliar a fé cristã com um sistema de
pensamento racional, especialmente o da filosofia grega. Colocava uma forte ênfase na dialética para ampliar o
conhecimento por inferência, e resolver contradições. A obra-prima de Tomás de Aquino, Summa Theologica, é
frequentemente vista como exemplo maior da escolástica (SANTANA, 2008).
28
1.2 Período Imperial (1808 – 1889)
O período imperial é caracterizado pela vinda da família real para o Brasil, em
1808, fugindo da perseguição das tropas napoleônicas, que se expandiam por todo o
continente europeu. A vinda da Coroa Portuguesa culminou com a transferência do império
português para a colônia brasileira, e, consequentemente, houve profundas transformações
sociais, econômicas, políticas e educacionais.
Com a vinda da família real para o Brasil, o sistema educacional foi mais bem
estruturado, tendo o ensino superior a função de formar o quadro de funcionário necessários
para o Estado. As elites reconheciam a importância da educação para o desenvolvimento do
País, e o ensino superior recebeu maior apoio do império em relação aos níveis de ensino.
Vale destacar que houve uma ampliação no nível educacional, principalmente, nos
cursos superiores, com a criação de vários cursos6, conforme a necessidade da sociedade, que
se configurava por nobres vindos de Portugal com a Família Real. Além disso, destaca-se a
vinda de estudantes formados nas Escolas Politécnicas de Paris, impregnados com a nova
doutrina positivista7 de Augusto Comte, que acabou contagiando médicos, engenheiros,
oficiais do exército, professores secundaristas, entre outros profissionais.
No Período Imperial, foram criadas as escolas superiores laicas, desvinculadas da
Igreja Católica; contudo, o ensino secundário ainda era oferecido por alguns seminários
episcopais, ou em várias aulas régias criadas após a reforma pombalina, sem apresentarem
uma estrutura curricular estabelecida e seriada.
Surgiu nesse momento a necessidade de selecionar os estudantes interessados em
ingressar no ensino superior. Não que essa seleção fosse em decorrência do número de
interessados, mas sim para comprovar se os estudantes ingressantes tinham realmente
condições para cursar o ensino superior. Foram criadas nesse momento as “aulas de
preparatório” e os “exames preparatórios”.
Como a clientela era restrita não havia o problema da disputa de vagas, ou seja,
todos os aprovados nos “exames preparatórios” tinham suas vagas asseguradas nas
6 Podemos citar a criação dos cursos de medicina, cirurgia, matemática, cursos militares (Academia Militar e
Academia da Marinha), agronomia, química, desenho técnico, economia política, arquitetura, história, música,
além da permanência dos cursos de Filosofia e Teologia (CUNHA, 2007a). 7 Positivismo é uma doutrina filosófica, sociológica e política. Surgiu como desenvolvimento sociológico do
Iluminismo, das crises social e moral do fim da Idade Média e do nascimento da sociedade industrial - processos
que tiveram como grande marco a Revolução Francesa (1789-1799). Em linhas gerais, ele propõe à existência
humana valores completamente humanos, afastando radicalmente a teologia e a metafísica (embora
incorporando-as em uma filosofia da história). Assim, o Positivismo associa uma interpretação das ciências e
uma classificação do conhecimento a uma ética humana radical (COMTE, 1989).
29
escolas que fizeram os exames. Os não aprovados, se quisessem, poderiam
matricular-se nas “aulas preparatórias” (que não eram obrigatórias) e repetirem os
“exames preparatórios.” [...] Cada escola fixava as matérias e demais critérios de
acordo com o curso que seriam feitos os “exames preparatórios”. (OLIVEIRA,
1994, p. 91).
Portanto, as “aulas de preparatórios” serviam para preparar o estudante aos cursos
pretendidos, e o “exame preparatório” servia como critério de seleção para o ingresso ao
ensino superior. De acordo com o estatuto das escolas superiores dos cursos jurídicos,
anexadas à lei de 11 de agosto de 1827, havia duas condições para o ingresso do estudante ao
ensino superior: ter a idade mínima de 15 anos e ter aprovação nos “exames preparatórios”,
que eram constituídos de provas de língua latina e francesa, retórica, filosofia racional e
moral, aritmética e geometria.
Até esse momento, não havia menção a critérios como número de vagas,
estipulados pelas instituições de ensino superior, deduzindo-se que o número de ingressantes
não era expressivo e que as instituições conseguiam abarcar todos os interessados. O único
registro sobre número de vaga pode ser observado no curso de engenharia de Minas, em 1875,
que registrava 10 vagas para ingresso por ano.
Mesmo com a revolução educacional, os cursos superiores continuavam a ser
ministrados isoladamente, em instituições próprias, não havendo a compilação em uma
universidade.
A monarquia no território brasileiro compreende de 1808 até 1820, quando a
Revolução Constitucionalista do Porto exigiu a volta de João VI a Portugal. Nesse período, o
Brasil passou de Colônia a Reino Unido. Mesmo com a volta de D. João VI, seu filho Pedro
permaneceu no Brasil, juntamente com todo aparato administrativo trazido de Portugal, e, em
1822, toma para si a coroa, proclamando a independência do Brasil.
O sistema educacional também sofreu alterações nesse período, formando-se
núcleos de ensino superior donde germinaram instituições que existem até os dias atuais. O
ensino superior permaneceu praticamente o mesmo em todo o Império, com a criação da
Escola Politécnica, em 1874, no Rio de Janeiro, e a da Escola de Minas de Ouro Preto, em
1875.
As referidas transformações do sistema educacional se apresentavam
principalmente com base na mudança da ideologia trazida pela Corte portuguesa, segundo as
novas orientações existentes na metrópole. Em Portugal, até a época de Pombal, e no Brasil,
até a vinda da Corte, o ensino público era basicamente estatal e religioso, sendo as ordens
religiosas que desenvolviam os conteúdos ministrados, inclusive a formação de professores.
30
Com a Reforma Pombalina, a Igreja Católica começa a perder algumas de suas atribuições,
entre elas, a gestão escolar, que passa a ser gerida por um corpo de funcionários do Estado de
padrões burocráticos. Assim, podemos perceber que o Estado começa a ganhar poderes em
relação à igreja, como cita Cunha (2007a, p.74):
[...] transferência ao Estado português, em formação, de uma série de poderes que a
Igreja considerava inalienavelmente seus. Os mais importantes foram os seguinte:
cobrança de dízimo; formação e suprimento de sacerdotes; nomeação de bispo.
Além desses, a Igreja reconheceu o poder do rei de censurar os documentos
eclesiásticos, até mesmo as bulas papais e a legitimidade do Estado como instância
jurídica superior no julgamento dos sacerdotes, cabendo-lhes o direito de recurso à
coroa nas questões puramente religiosas.
Portanto, cabia ao Estado o recolhimento dos dízimos e impostos, e, assim,
encarregavam-se da manutenção das igrejas, mosteiros, colégios e dos próprios religiosos.
Esse mecanismo de controle financeiro ficou conhecido como “padroado”.
Várias organizações religiosas poderiam desenvolver um sistema educacional;
mas isso não foi feito, e o principal motivo era justamente pela mudança das:
[...] concepções filosóficas e pedagógicas em que se inspiravam os educadores
progressistas portugueses que estavam intimamente ligadas às doutrinas políticas da
burguesia nascente que viam na defesa da secularização do ensino, na França, um
instrumento importante de combate dos remanescentes feudais que tinham na Igreja
Católica forte bases materiais e ideológicas. (CUNHA, 2007a, p.76).
Abarcando o ensino público, o Estado estaria aumentando sua própria força
administrativa, assim como atendendo aos interesses da classe burguesa industrial e mercantil.
A primeira iniciativa de criação de um sistema público aconteceu ainda em 1758
no Período Colonial, um ano antes da expulsão dos jesuítas, em que o império português
determinou a administração civil em substituição aos jesuítas, dos aldeamentos indígenas no
Pará e Maranhão, com a criação de duas “cadeiras” de primeira letra em lugar das escolas
jesuítas.
Houve a criação de escolas superiores estatais secularizadas, “marcando
devidamente o desenvolvimento posterior do sistema de ensino, já então controlado pelo
Estado Nacional, independente.” (CUNHA, 2007a, p.78). Nessa direção, as escolas religiosas
e as escolas abertas por pessoas individuais transformaram-se em instituições de ensino
particular.
Neste momento, deixou de haver a figura de religiosos no controle do serviço
educacional e o Estado passou a ser o fornecedor desse. Assim, uma das primeiras políticas
31
educacionais do Estado deu-se por meio do ato adicional de 1834, que dividiu o setor estatal
de ensino em duas esferas, uma nacional, que abrangia o ensino primário e secundário na
Corte e o superior de todo país; a outra abrangia o ensino primário e secundário nas
províncias.
Não podemos nos esquecer da criação das instituições de ensino privado, pois, no
final do período colonial e no início do império, o ensino era livre, geralmente realizado por
ordens religiosas e/ou pessoas privadas. Nesse período da história, ainda não havia um órgão
regulador e fiscalizador das instituições de ensino estatais e privadas. Por isso, foi defendida a
criação de uma Universidade que controlasse todo o sistema educacional. Mas o que
prevaleceu foi a criação de um órgão burocrático que cumprisse essa função. O primeiro
órgão desse tipo foi criado em 1849, na Província do Rio de Janeiro, e, a partir dessa data,
foram criados outros em outras províncias.
A liberdade educacional começou a ganhar destaque no cenário nacional
principalmente a partir de 1870, quando maçons, liberais, conservadores e positivistas
passaram a defender a liberdade no ensino superior, contrários aos princípios do Estado, que
tinha no ensino a garantia de que sua doutrina seria hegemônica. A Igreja Católica também
passou a discutir a questão, defendendo a liberdade de ensino, juntamente com seus antigos
desafetos, os maçons e os positivistas. Esse impasse culminou, em 1874, com a chamada
“questão religiosa”, marcada por conflitos entre a burocracia do Estado e a Igreja.
Após três anos de conflitos, em 1877, a Comissão de Instrução Pública da
Assembleia Geral promulgou a abertura de cursos e estabelecimentos livres de ensino
superior, que deveriam se organizar com um patrimônio que as dispensasse da dependência
das verbas governamentais, assim como deveriam expedir seus próprios diplomas com valor
semelhante ao das escolas superiores do Estado.
Concretamente, as instituições com ensino liberal só passaram a ser criadas após
1879, com a promulgação do decreto n°7.247, do então ministro do Império, Carlos Leôncio
de Carvalho, que instituiu a liberdade de ensino primário e secundário no município da corte e
a do ensino superior em todo o país.
Pelo decreto, as escolas superiores particulares que viessem a ser criadas poderiam
conceder diplomas com privilégios iguais aos expedidos pelas escolas estatais
mediante o seu reconhecimento pelo Governo. Instituía, também, a frequência
livre nos cursos superiores. (CUNHA, 2007a, p.85).
Vale ressaltar que, nesse período, havia resistência para abertura do setor privado.
Muitos acreditavam que este diminuiria o controle do Estado e, consequentemente, degradaria
32
a qualidade do ensino. Mas a real razão para tal resistência estava na defesa do monopólio de
concessão de diplomas juridicamente válidos, pois, com o aumento do número de
profissionais qualificados, principalmente para os cargos públicos, haveria perda do valor
intrínseco do diploma.
Dentre os primeiros cursos criados registravam-se os de medicina, odontologia,
farmácia e obstetrícia, em 1813, cujos requisitos para ingresso constituía conclusão do ensino
secundário e aprovação nos “exames preparatórios”. Em 1832, com a elevação dessas escolas
superiores para o nível de faculdade, os currículos foram reformados, bem como aumentadas
as exigências de tais exames (CUNHA, 2007a).
Outra forma de ingresso ao ensino superior se deu a partir de 1837, com a criação
do Colégio Pedro II. Esse Colégio foi criado para o ensino secundário, e era administrado
diretamente pelo poder central, no caso o Império, que considerava o ensino oferecido no
colégio suficiente para o ingresso no ensino superior. Portanto, os estudantes egressos do
Colégio Pedro II tinham livre acesso a qualquer curso do ensino superior do Império, sem ter
necessidade de realizar os “exames preparatórios”.
Esses exames sofreram várias transformações com o passar o tempo; até 1850,
eles eram realizados pelas próprias IES, tendo validade apenas no ano e na instituição onde o
estudante realizasse o exame. Após 1854, a aprovação já tinha validade por dois anos; no ano
de 1864 a aprovação tinha validade por quatro anos; e, a partir de 1877, a aprovação nos
“exames preparatórios” ganhou caráter permanente, podendo o aluno fazer as provas das
matérias que pretendesse, sendo possível, inclusive, parcelar a sua realização de acordo com a
matéria mais conveniente. Podia, ainda, realizar a prova de uma matéria num ano, de outra
matéria no próximo ano, e assim sucessivamente, até conseguir a aprovação em todas as
matérias solicitadas para o curso pretendido.
Tais transformações demonstram nitidamente uma tendência em facilitar o
ingresso ao ensino superior, até mesmo em razão da pressão exercida pelos estudantes de
outras instituições escolares que não os do Colégio Pedro II. Com isso, observamos que os
“exames preparatórios” não conseguiam mais selecionar os estudantes realmente aptos a
cursar o ensino superior, principalmente devido à flexibilidade de alternativas que o exame
passou a oferecer.
Contribuindo para agravar esse quadro frequentes atos da Assembleia Geral
concedendo matrícula especial a certos alunos, em certas escolas superiores, sem
que tivessem realizado todos os exames preparatórios. Além disso, a possibilidade
de se prestarem exames em faculdade que não as do curso de destino permitia que se
buscassem certificados das matérias onde a exigência era menor, como, por
33
exemplo, Matemática numa faculdade de Direito, ou Francês na Academia da
Marinha. (CUNHA, 2007a, p. 115 - 116).
Outro fato que acabou acontecendo devido à facilitação dos “exames
preparatórios” refere-se à aprovação de candidatos sem a conclusão do ensino secundário:
como não era exigida a conclusão desse nível de ensino, os estudantes abandonavam a escola
secundarista, ou, muitas vezes, nem chegavam a iniciar, e ingressavam diretamente no ensino
superior.
Para enfrentar a situação, Rui Barbosa propôs, já no final do período Imperial, em
1889, a substituição dos “exames preparatórios” pelos “exames de madureza”, que seriam
realizados nas próprias escolas secundaristas para os alunos concluintes dessa modalidade de
ensino, e a aplicação da prova seria supervisionada por representantes do ensino superior.
Dessa forma, os “exames de madureza” garantiriam a organização do ensino, principalmente
o secundário, e também dariam maior autonomia às escolas particulares.
Como relata Cunha (2007a), tal medida visava em primeiro lugar à manutenção da
ordem sobre o ensino superior para as classes dominantes. Além disso, visava-se à
reconstrução do ensino superior por meio do ingresso de alunos realmente considerados
capacitados para frequentá-lo.
A maioria dos cursos criados e implantados durante o Período Imperial utilizavam
como mecanismo de ingresso os “exames preparatórios”. Os cursos que apresentavam
características distintas foram os de engenharia, mais especificamente o curso superior de
Minas, com oferta de apenas 10 vagas ao ano, para as quais os ingressantes deveriam ter o
curso geral de engenharia com notas elevadas e ter sido aprovados em exame eliminatório
sobre conhecimentos específicos de engenharia. O outro curso refere-se à Academia de Belas-
Artes, para o qual os ingressantes não necessitavam realizar os “exames preparatórios”,
apenas era exigido dos candidatos que soubessem ler, escrever e contar, conforme o estatuto
de 1855. A razão deve-se a que o ensino na Academia de Belas-Artes não garantia “aos
formandos o privilégio de ocuparem cargos na burocracia do Estado e nem de exercer
profissões liberais controladas por entidades corporativas.” (CUNHA, 2007a, p. 106).
Observamos também que o ensino superior desenvolvido no Brasil no período
Imperial, a partir de 1808, teve influência da cultura e ideologia francesas. Pode-se
exemplificar tal fato, primeiramente, pela não abertura de universidade, criando dessa forma
faculdades, academias, escolas e cursos isolados, que tinham os seus currículos embasados em
modelos franceses, inclusive com a utilização dos mesmos livros, o que levava,
principalmente nos cursos de Direito, a se dar importância ao conhecimento da língua
34
francesa. Também podemos citar a criação da Escola de Minas de Ouro Preto, projetada pelo
Frances Claude Henri Gorceix nos moldes da Escola de Minas de Saint-Etienne, além da
Escola de Ouro Preto ter contato direto com Museus e com a Academia de Ciências de Paris.
Portanto, podemos observar que o Império Português tinha na Inglaterra um polo político e
econômico e, com a França, uma ligação cultural.
1.3 Primeira República (1889 – 1930)
A Primeira República, também conhecida como República Velha ou República
Oligárquica, compreendeu o período de 1889, com a Proclamação da República, até 1930,
quando começou a Era Vargas. As principais características desse período sofreram influência
positivista nas políticas educacionais, a reforma de Benjamin Constant em 1890 – 1891, e o
início da política educacional da era Vargas em 1930 – 1931.
Foi no período da Primeira República que surgiram as escolas superiores livres,
ditas como particulares, por não dependerem de verbas governamentais, tendo um
crescimento vertiginoso, principalmente por influência do positivismo e da necessidade de
suprimento da força de trabalho dotada de alta escolaridade, ocasionando, consequentemente,
uma facilitação de ingresso ao ensino superior, decorrente do aumento das vagas nessa
modalidade de ensino.
Na Primeira República, houve o surgimento da burguesia industrial com um
aumento das classes médias urbanas. Com isso, o ensino superior passou a ser procurado por
uma demanda maior de estudantes que viam em tal nível de ensino uma forma de ascensão
social.
Com o Estado sendo gerido por uma nova forma de organização burocrática,
houve necessidade de pessoal que assumisse as funções administrativas; por conseguinte,
cresceu o interesse na formação escolar e acadêmica, para cumprir as exigências de tais
funções:
[...] todo esse processo de ampliação e constituição da burocracia pública e privada
determinou o aumento da procura da educação escolar pela qual se processava a
formação profissional necessária ao desempenho das tarefas que lhe eram próprias.
Os latifundiários queriam filhos “doutores”, não só como meio de lhes dar a
formação desejável para o bom desempenho das atividades políticas e o aumento do
prestígio familiar, como, também, expediente para atenuar possíveis situações de
destituição. Os trabalhadores urbanos e os colonos, por sua vez, viam na
escolarização dos filhos um meio de aumentar as chances de estes ingressarem numa
ocupação burocrática. (CUNHA, 2007a, p. 147).
35
Esse movimento de escolarização foi impulsionado e teve como protagonistas os
latifundiários que, com a crise no setor, imigravam para as cidades em busca de emprego no
comércio e na indústria, ingressando seus filhos nos estudos visando ao seu engajamento em
cargos burocráticos para alcançar ascensão social. Ressaltamos que houve um aumento do
número de cargos públicos após a modificação do aparelho do Estado para o Regime
Republicano, notadamente as atividades de “finanças, transportes, polícia e outras passaram a
ter repartições estaduais encarregadas de controlá-las ou exercê-las.” (CUNHA, 2007a,
p.148).
As ideias de universalização e democratização para o ensino8 surgiram nesse
período, embora pouco ou nenhum avanço se tenha configurado na realidade, principalmente
no que se refere à universalização.
O caminho da universalização e democratização da educação no Brasil, até o fim do
Estado Novo, se fará na medida em que o Estado toma a educação como instrumento
ideológico da disseminação da visão do mundo dominante, como mecanismo de
ampliação dos canais de ascensão das classes médias e como meio de formar a mão
de obra para a indústria. (OLIVEIRA, 1994, p. 88).
O principal destaque deu-se ao curso de direito, que, nessa época, mais se
caracterizava como um curso de cultura geral e garantia ao bacharel à alocação em qualquer
setor da burocracia estatal, pois a leitura e interpretação de portarias, avisos, proclamações
etc. era a principal atuação dos cargos da burocracia civil, garantindo o título de “doutores”
aos graduados com status muito especial por toda sociedade brasileira.
No cenário da educação superior, temos nesse período histórico uma facilitação
do acesso9 a esse nível de ensino, resultado das mudanças de admissão e da multiplicação das
faculdades, que foram determinados por dois fatores:
Um fator foi o aumento da procura de ensino superior produzido, por sua vez, pelas
transformações econômicas e institucionais [...]. Outro fator, este ideológico, foi a
luta de liberais e de positivistas pelo “ensino livre” e destes últimos contra os
privilégios ocupacionais conferidos pelos diplomas escolares. (CUNHA, 2007a, p.
151).
Destacamos a atuação de Benjamin Constant como ministro da Instrução Pública,
Correios e Telégrafos (1890 – 1891), e a influência positivista que predominou tanto com a
8 Nesse momento tais concepções eram destinadas apenas para os primeiros graus de ensino.
9 O termo acesso, segundo estudos realizados, faz parte de uma tríade de situações (ingresso, permanência e
qualidade da formação) (SILVA e VELOSO, 2010). Portanto, o que Cunha relata como acesso, a rigor,
corresponde ao ingresso.
36
atuação de Constant no Ministério, como pela organização da Assembleia Constituinte
composta por militares, em que se redigiu a primeira Constituição da República em 1981.
O artigo 72 da Constituição, o que trata da declaração de direitos, determinava ser
laico o ensino ministrado nas escolas estatais. O artigo 34 dizia ser de competência
exclusiva do Congresso Nacional legislar sobre o ensino superior na capital federal.
O Congresso Nacional poderia criar, mas não privativamente, instituições de ensino
superior nos estados. Assim, fora da capital do país, tanto o Congresso Nacional
quanto as assembleias legislativas estaduais poderiam criar escolas superiores.
(CUNHA, 2007a, p.152).
Portanto, a Constituição tentou conciliar projeto liberais de secularização e
descentralização com a proposta positivista de desligamento do exercício das profissões e dos
privilégios concedidos pelos diplomas escolares, abolindo, dessa forma, o privilégio dos
diplomados no exercício da ocupação, principalmente nos cargos públicos, defendendo que os
diplomas escolares não atestavam o mérito dos profissionais, embora tal ideologia se
contrapusesse aos interesses de médicos, engenheiros e advogados, que detinham o
monopólio profissional garantido pelos diplomas escolares.
Mesmo com a facilitação do ingresso ao ensino superior proporcionada pelos
“exames preparatórios”, a maior demanda dos ingressantes continuava sendo dos estudantes
egressos do Colégio Pedro II.
Uma das primeiras medidas adotadas por Benjamin Constant foi o decreto 981 de
08 de novembro de 1890. Nele, o ministro redefinia o currículo do Colégio Pedro II, e os
alunos concluintes seriam submetidos a um “exame de madureza”; se aprovados, poderiam
ingressar em qualquer escola superior do país. Esse privilégio foi concedido a todos os
colégios organizados pelos governos estaduais, “desde que adotassem currículos semelhantes
ao do Colégio Pedro II.” (CUNHA, 2007a, p.155). Assim, os estudantes das escolas
particulares ficavam condicionados à realização dos “exames de madureza” nas escolas
oficiais, ou à realização dos “exames preparatórios” nas escolas superiores, sendo que o
“exame preparatório” deveria ser abolido quando implantada a nova estrutura curricular no
ensino secundário nas escolas particulares, havendo apenas o “exame de madureza”, como
forma de ingresso, para todas as instituições de ensino. Segundo Oliveira (1994, p. 95), “As
escolas e faculdades se multiplicaram ao mesmo tempo em que ocorreram mudanças no
processo de seleção. Essas mudanças, no entanto, apenas aperfeiçoam o caráter
seletivo/discriminatório da seleção.”.
Alguns estabelecimentos particulares passam a ter o privilégio de realizar os
“exames de madureza”. Pela configuração que assumiu, esse exame passou a ser mal
37
interpretado. Sua função era atestar a qualificação do estudante que estava saindo do ensino
secundário, mas, em vez disso, era interpretado como um exame de ingresso ao ensino
superior, semelhante ao “exame preparatório”. Assim, os “exames de madureza” foram sendo
adiados, até serem extintos por completo em 1896.
Também é de autoria de Constant a legalidade das escolas superiores em conferir
diplomas reconhecidos, com o mesmo valor dos certificados expedidos pelas escolas federais,
por meio do decreto n° 1.232-G, que instituía o Conselho de Instrução Superior para inspeção
das faculdades livres, assim como para a criação de novos estabelecimentos de ensino, e do n°
1.232-H, que permitia a fundação de escolas de direito, desde que seus currículos incluíssem
as grades curriculares das faculdades federais, tendo assim diplomas expedidos com o mesmo
valor das tradicionais faculdades de São Paulo e Pernambuco.
Era comum estudantes que ainda não haviam concluído o ensino primário e
secundário, após aprovados nos exames preparatórios, abandonarem esse ensino para
ingressarem no superior.
É notório que, em razão da reforma promovida por Benjamim Constant, houve um
movimento de expansão quantitativa e qualitativa do ensino superior, que deixou de ser
subordinado aos setores estatais ou federais, e, em grande maioria, as escolas desse nível
começaram a ser criadas por pessoas ou entidades particulares. O reflexo de tal reforma pode
ter sido a criação de 27 escolas superiores do período de Constant (1891) à reforma de
Rivadávia Corrêa em 1911.
Portanto, as reformas educacionais propostas por Constant promoveram
facilitação do ingresso ao ensino superior, tanto pela multiplicação de escolas superiores
como pela diversidade de formatos de ingresso. O movimento de desoficialização do ensino
superior já vinha se conduzindo desde o período Imperial10
, e na República ganhou impulso
com a defesa da liberdade de ensino e da liberdade profissional, conduzida pelos liberais e
impulsionada pelos positivistas. Essa política gerou crítica em relação à qualidade do ensino
secundário e superior:
A reação contra esse quadro procurava mostrar o “desvio” do ensino secundário de
sua “função própria”, isto é, formativa, só por acréscimo ou por exceção
propedêutica. Seria necessário corrigir esse “desvio” impedindo que os estudantes,
impulsionados pelo bacharelismo, deixassem de se submeter ao ensino secundário
propriamente formativo e acabassem por se tornar advogados, médicos, engenheiros,
farmacêuticos, dentistas e outros profissionais diplomados mas não habilitados
científica, literária e tecnicamente. (CUNHA, 2007a, p. 161).
10
Decreto Leôncio de Carvalho, de 1879.
38
Tanto os “Exames de Madureza” como a seriação do ensino secundário foram
tentativas para solucionar esse desvio, embora ambos não tivessem conseguido atingir seu
objetivo devido à pressão exercida pelos candidatos às escolas superiores.
Nesse momento, evidenciou-se a necessidade da criação de um mecanismo que
realmente selecionasse os candidatos aptos a cursar o ensino superior, de acordo com a
disponibilidade de vagas para esse nível de ensino. Surgiram, então, os “Exames
Vestibulares”, trazendo as mesmas características dos “Exames Preparatórios” (Período
Colonial), apenas alterando a designação.
O referido processo teve início em 1895, por intermédio do Deputado A. Gordo,
que propôs a extinção dos “Exames Preparatórios” e a seleção para o ingresso nas escolas
superiores, que seria realizada por uma junta de professores com competência para verificar a
capacidade dos candidatos. Tal projeto não foi aprovado até o ano de 1910, quando aconteceu
uma reforma geral dos ensinos secundário e superior proposta pelos deputados João
Simplício, Carlos Cavalcanti e Carlos Garcia, que apresentaram uma emenda à lei
orçamentária, estipulando a reforma do ensino secundário e superior mantidos pelo Governo
Federal.
[...] Aos estabelecimentos federais de ensino superior, a reforma deveria conceder
autonomia financeira, disciplinar, pedagógica e administrativa diante do governo; os
candidatos passariam a ser selecionados por exames de admissão. Aos
estabelecimentos secundários, além de conceder idêntica autonomia, a reforma
pretendia dar “ao seu ensino caráter prático, libertando-o da condição subalterna de
curso preparatório do ensino superior.”. (MARQUES JÚNIOR, 1967 apud CUNHA,
2007a, p. 162).
Assim, em 05 de abril de 1911, o então presidente da República, Marechal
Hermes da Fonseca, promulgou a Lei Orgânica do Ensino Fundamental e Superior da
República, Decreto n.º 8.659, redigida pelo ministro do interior, o deputado Rivadávia da
Cunha Correa, que determinava a desoficialização do ensino, abolia o ingresso direto do
Colégio Pedro II, ou de colégios equiparados, ao ensino superior, e criava os “exames de
admissão”, ou seja, exames de entrada ao ensino superior, realizados pelas próprias
instituições superiores de ensino.
A Lei Orgânica do Ensino apresentava-se com ênfase no melhoramento do ensino,
combatendo, dessa forma, a má qualidade do ensino secundário, que se preocupava apenas no
ingresso do estudante no ensino superior, e o mau funcionamento do ensino superior, que se
concentrava apenas em conceder títulos:
39
[...] o título acadêmico transformou-se no sonho dourado de quase todas as famílias
brasileiras. Os resultados foram a avalanche de matrículas nos cursos superiores e as
imensas levas anuais de doutores e bacharéis. (MOACIR, 1941 – 1942 apud
CUNHA, 2007a, p. 165).
O Ministro do Interior, Rivadávia Corrêa, defendia a autonomia das escolas
superiores, assim como acreditava que os “Exames de Admissão” seriam a chave para o
melhoramento da qualidade do ensino secundário e superior.
[...] Nos debates em torno da lei orgânica, citava-se, em seu apoio, o fato de que o
primeiro exame de admissão à Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro tinha
reprovado 50% dos candidatos que, por serem portadores de certificados de
bacharéis em Letras, seriam automaticamente matriculados, não fossem os
dispositivos legais. (MOACIR, 1941 – 1942 apud CUNHA, 2007a, p. 165).
Fato concreto é que, durante a vigência da Lei Orgânica (1911 – 1915), houve um
aumento na oferta de cursos do ensino superior, num total de 9 escolas, 6 nas áreas de
Medicina, Odontologia e Farmácia; uma de Direito; uma de Engenharia; e uma em
Agronomia.
As críticas à Lei Orgânica também foram ferrenhas. A população da época relatou
que, com a adoção dos “Exames de Admissão” e sucessivamente com os “exames
vestibulares”, poucos estudantes conseguiam ingressar, sendo necessária uma facilitação no
processo para que as faculdades não ficassem vazias. Outro ponto refere-se à não fiscalização
das faculdades, o que permitia a abertura de qualquer instituição, facilitando o ingresso dos
estudantes a fim de aumentar a arrecadação.
Entretanto, os “exames de admissão” não foram capazes de diminuir o ingresso de
estudantes (processo de contenção), além de não serem capazes de selecionar realmente os
estudantes com condições intelectuais de ingressar no ensino superior. Em decorrência, foi
aprovada em 1915, a Reforma Carlos Maximiliano11
, em que se alterou o nome de “exames
de admissão” para “exames vestibulares” como forma de ingresso ao ensino superior. Além
da aprovação nesse exame, era necessário apresentar o certificado de aprovação das matérias
do curso ginasial, realizado no Colégio Pedro II ou nos colégios estaduais a ele equiparados.
Portanto, por meio da Reforma de Carlos Maximiliano, iniciou-se um processo de
controle adicional sobre o ingresso ao ensino superior, somando-se a isso a não gratuidade a
esse nível de ensino, o que reduziu ainda mais o ingresso.
O decreto estipulou mudanças no sistema educacional, embora três pontos da
antiga Lei Orgânica fossem mantidos: o não ingresso direto do ensino secundário para o
11
Decreto n.º 11.530, de 18 de março de 1915.
40
superior pelos estudantes do Colégio Pedro II ou a ele equiparado; a adoção de “Exames de
admissão”, agora nomeados de “Exames Vestibulares”, para o ingresso ao ensino superior; e a
conservação do Conselho Superior de Ensino, acrescentada a função de fiscalizar as escolas
não mantidas pelo governo federal que deveriam pagar uma “taxa de fiscalização”.
Nessa prerrogativa, os “Exames Vestibulares” eram realizados uma vez ao ano e
avaliavam os candidatos com uma prova escrita e uma prova oral em que o conteúdo variava
de acordo com o curso pleiteado.
Os exames vestibulares, a serem realizados sempre em janeiro, consistiram de uma
prova escrita (tradução de textos em duas línguas estrangeiras, francês e inglês ou
alemão) e uma prova oral, de conteúdo variado conforme a escola: nas escolas de
Medicina, Física, Química e História Natural; nas de Direito, História Universal,
Psicologia, Lógica e História da Filosofia; na Escola Politécnica, Matemática
elementar. (CUNHA, 2006a, p. 169).
Dez anos mais tarde, em 1925, foi realizada uma nova reforma12
, tendo como
Ministro do Interior João Luís Alves, e como relator do processo o professor Rocha Vaz, que
deu nome à Reforma. Para fins da presente pesquisa, destacamos como interessante o fato de
que a mesma passou a fixar o número de vagas para ingresso ao ensino superior, uma vez que,
até então, não havia limites de vagas para ingresso: todos os candidatos aprovados nos
“exames vestibulares” poderiam matricular-se no ensino superior. A partir da reforma de
Rocha Vaz, o diretor de cada faculdade deveria fixar o número de vagas disponíveis a cada
ano, os candidatos obedeceriam a uma ordem de classificação de acordo com as notas obtidas
nos “exames vestibulares”.
A Reforma Rocha Vaz completou o ciclo de contenção de acesso ao ensino superior
que havia começado no final do Império e acelerado nas primeiras décadas do
regime republicano, sobretudo com a introdução dos exames de admissão em 1911
(exames vestibulares); em 1915, veio a exigência de certificado de conclusão do
ensino secundário; e, em 1925, a limitação de vagas e a introdução do critério
classificatório. (OLIVEIRA, 1994, p. 99-100).
Foi criado o Departamento Nacional do Ensino - DNE, em substituição ao
Conselho Superior de Ensino. Ao DNE cabia a decisão de equiparar tal ou qual
estabelecimento, e esse departamento tinha o diretor-geral nomeado pelo presidente da
República, sem qualquer restrição. Com isso, o processo de equiparação das faculdades livres
ficou muito mais rígido, pois a lista de exigências para conceder tal título aumentara:
12
Decreto n.º 16.782-A, de 13 de janeiro de 1925.
41
O patrimônio das faculdades deveria ser superior a mil contos de réis, elas deveriam
estar funcionando há pelo menos três anos da data do pedido de autorização; deveria
ter “organização didática e administrativa idêntica à das faculdades oficiais”. Os
diplomas das faculdades oficiais e equiparadas deveriam ser registrados no DNE
para terem validade jurídica. (CUNHA, 2007a, p. 171).
Além da fixação anual do número de vagas para ingresso dos candidatos que
realizavam os “Exames Vestibulares”, outros pontos destacáveis nessa reforma foram: perda
do poder administrativo das faculdades, que deveriam agora seguir um currículo com cadeiras
fixas, e a determinação da obrigatoriedade da frequência dos estudantes.
[...] O objetivo dessa medida, conforme a exposição de motivos do ministro do
Interior, era dar maior eficiência ao ensino pela diminuição do número de
estudantes, em certos cursos, e conduzir os estudantes a cursos menos procurados.
(CUNHA, 2007a, p. 171).
O controle exercido pelo Estado aos alunos garantia, em parte, a ordem moral e
cívica da sociedade. Ressaltamos que, nesse período, o ensino superior era custeado pelo
próprio estudante, tanto nas escolas particulares como nas escolas oficiais. Apenas com a
Reforma Rocha Vaz (1925) houve a iniciativa de concessão de bolsas de estudos, sendo
fornecidas 5 bolsas de estudo por série, uma concedida ao candidato com maior pontuação no
“Exame Vestibular”, uma por indicação do governo, e as 3 restantes seriam indicadas pelos
próprios colegas de sala em reunião com a reitoria da faculdade.
[...] Pela reforma Rocha Vaz, de 1925, os estudantes estavam sujeitos, nos
estabelecimentos federais, às seguintes despesas: Taxa de exame vestibular, taxa de
matrícula em cada série, taxa de frequência em cada série, taxa de frequência de
cadeira dependente; taxas de exame; taxa de transferência. (CUNHA, 2007a, p.
177).
Até esse momento, conforme observamos, o sistema educacional era organizado
em função dos interesses da elite. Embora a evolução do ensino tentasse conciliar as múltiplas
correntes políticas e ideológicas referentes ao sistema educacional, observamos também que
as correntes conservadoras foram mais beneficiadas (OLIVEIRA, 1994).
1.4 Era Vargas (1930 – 1945)
Em decorrência do cenário econômico gerado pela crise de 1929, acirraram-se os
conflitos, no Brasil, pela disputa eleitoral de 1929-30. O então presidente da República,
Washington Luís, procurando estabelecer o câmbio monetário, promulgou medidas para
42
impedir a desvalorização financeira, embora não favorecessem a burguesia cafeeira que teve a
exportação de tais produtos reduzida drasticamente devido à crise mundial.
Washington Luís rompeu também com a política de alternância da presidência da
república entre um paulista e um mineiro13
, lançando como candidato político outro paulista,
Júlio Prestes, contra o mineiro Antônio Carlos Ribeiro de Andrade, que tinha em seu discurso
outros interesses econômicos além da produção do café (industrialização, charque, algodão
etc.).
Ocorridas as eleições, Júlio Prestes saiu vitorioso e chegou a assumir a
Presidência da República, mas os dissidentes aliados à oligarquia e impulsionados pelo
assassinato do candidato à vice-presidência, João Pessoa, iniciaram uma nova revolta,
deflagrada em 03 de outubro de 1930, depondo o Presidente da República e conduzindo o
gaúcho Getúlio Vargas, contando, inclusive, com o apoio dos cafeicultores, que não viam
mais no presidente constitucionalista seu representante político.
O governo provisório instituído em novembro de 1930 dissolveu o Congresso e
passou a legislar por decretos-leis até a deposição de Vargas, em 1945, com a
exceção do curto período constitucional de 1934 a 1937. (CUNHA, 2007a, p.211).
O governo provisório foi mantido até 1934, quando, em 16 de julho, a Assembleia
Constituinte promulgou a nova Constituição, época em que Vargas foi eleito presidente
constitucional do Brasil, com mandato até 1938.
Em 1937, aproximava-se o período eleitoral, em que Vargas não poderia se
candidatar, de acordo com a Constituição de 1934. Assim, três outros candidatos14
se
organizavam para o pleito eleitoral, que aconteceria em janeiro de 1938. No cenário
econômico, vivenciava-se uma nova crise do café, que, após valorização em 1936, voltou a
declinar no ano seguinte.
Nesse processo, incutia-se, nas classes dominantes e na burocracia do Estado, a
ideia de que apenas Getúlio Vargas poderia “salvar o Brasil” das incertezas dos extremismos
de esquerda e direita. Vargas, assumindo o papel que lhe imputaram, deflagrou de dentro do
próprio governo um golpe de Estado em novembro de 1937, em que:
[...] o Senado e a Câmara dos Deputados foram fechados, dissolvidos todos os
partidos políticos, proibidas as milícias, uniformes e insígnias, controladas as
políticas militares estaduais pelo Exército, queimadas as bandeiras dos estados
13
Também conhecida como Política do “café com leite”. 14
Trata-se de Armando Salles de Oliveira, governador de São Paulo; José Américo de Almeida, antigo “tenente”
e político paraibano; e Plínio Salgado, o líder integralista.
43
(símbolos de sua autonomia). Uma nova Constituição, redigida por Francisco
Campos, foi outorgada, [...]. Organizou-se o Departamento de Imprensa e
Propaganda, DIP, encarregado de censurar jornais e revistas, e divulgar as
excelências do Estado Novo [...]. A repressão dos líderes sindicais e dos liberais foi
a mais intensa desde o fim da Primeira República. (CUNHA, 2007a, p. 226).
Portanto, o regime adotado no Estado Novo foi tipicamente o regime do
autoritarismo.
Houve, no período da Era Vargas (1930 – 1945), interesse de aliança política e
econômica com a Igreja Católica, deixando de lado o discurso “laico” implantado
anteriormente pelo Estado. Tal aliança foi proposta tendo em vista que alguns representantes
viam na Igreja uma instituição que poderia obter das classes dominadas adesão à ordem
implantada.
No campo educacional, destacaram-se nesse período duas políticas educacionais
opostas, uma liberal e outra autoritária. A política educacional liberal pregava um liberalismo
igualitário, com interesses para as classes trabalhadoras e para as camadas médias. Já a
política educacional autoritária teve como objetivo “impedir contestações à ordem social
pelos trabalhadores e por setores da própria burocracia do Estado.” (CUNHA, 2007a, p.206).
Ressaltamos que o autoritarismo prevalecia na esfera educacional nacional.
A partir de 1935, a repressão generalizada retirou de cena as ideias educacionais
liberais, pela prisão de quem as sustentasse. Uns liberais se calaram, na cadeia ou em
casa. Outros aderiam à nova ordem. Assim, de 1937 em diante, foi sendo construída
uma estrutura educacional completamente nova, consistente com o regime
autoritário que se iniciava. (CUNHA, 2007a, p. 207).
Durante o governo Vargas, houve uma expansão no sistema educacional com a
criação de várias instituições educacionais. Entretanto, não houve alteração no elitismo e no
conservadorismo frente ao ingresso a esse nível de ensino. “Os cursos de nível superior
permanecem destinados à formação de uma elite com capital econômico e, às vezes, cultural.”
(OLIVEIRA, 1994, p. 106).
Enquanto o destino das elites era ingressar no ensino superior, o das camadas
populares, quando não evadiam do ensino, era chegar aos cursos profissionalizantes, que
apenas permitiam o ingresso nos cursos superiores da mesma área. “O acesso aos melhores
cursos, portanto, estava condicionado à situação econômica do candidato.” (OLIVEIRA,
1994, p. 106).
44
Sobretudo no primeiro momento da Era Vargas, destacou-se a corrente
pedagógica embasada em uma política educacional liberal15
, que pregava “independência da
escola diante dos interesses particulares de classe, credo religioso ou político.” (CUNHA,
2007a, p.230).
A escola é vista como tendo a função de despertar e desenvolver os talentos e as
vocações dos indivíduos na medida de suas características inatas, de modo que eles
possam se posicionar na sociedade conforme suas aquisições e não conforme a
herança de dinheiro ou de títulos. (CUNHA, 2007a, p. 230).
Até o final da Era Vargas, havia no Brasil um quadro de “conservadorismo
elitista”, em que o ingresso ao ensino superior estava limitado às classes dominantes.
No contexto brasileiro, a primeira vertente do liberalismo foi o liberalismo elitista
proposto por Fernando de Azevedo, em 1926, mas apenas difundido em 1930, pautando-se na
formação escolar das classes médias e das classes dirigentes, incutindo, principalmente nas
camadas médias, a importância do “estudo intenso e esforços prolongados” como requisitos
para o ingresso nos estudos superiores, além de fornecer uma sólida cultura geral (CUNHA,
2007a).
Assim, Azevedo denunciava o ensino secundarista, que servia apenas como
requisito judicial para o ingresso nos cursos de ensino superior, constituído por escolas
profissionais que difundiam um saber não propriamente superior:
O saber que deveria ser produzido e transmitido no ensino superior seria o de “uma
cultura verdadeiramente superior, livre e desinteressada, desenvolvida em todas as
direções e capaz de contribuir, pela sua força orientadora e pelo seu poder criador,
não só para o progresso da nacionalidade em formação, como para o enriquecimento
de saber humano.”. (AZEVEDO, 1960 apud CUNHA, 2007a, p. 233).
Sob a liderança pedagógica de Fernando de Azevedo, em 1934, foi promulgado o
decreto de criação da Universidade de São Paulo, sendo incorporada a Faculdade de Direito, a
Escola Politécnica, a Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, a Faculdade de
Medicina, a Escola Veterinária, o Instituto de Educação, agora elevado à categoria de
Faculdade de Educação, e, com a criação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, o
Instituto de Ciências Econômicas e Comerciais e a Escola de Belas-Artes.
15
O liberalismo é um sistema de ideias construído por pensadores ingleses e franceses, nos séculos XVII e
XVIII, utilizado como a ideologia da burguesia nas lutas contra a aristocracia (CUNHA, 2007a).
45
Nesse período, foi instituída a Reforma Francisco Campos16
, que deu origem ao
Estatuto das Universidades Brasileiras, instrumento que formaliza, homogeneíza, padroniza e
centraliza o ensino superior de todo País; contudo, para o ingresso nesse nível de ensino,
permaneceu como critério a aprovação nos “exames vestibulares”, conforme consta nos art.
81 e 82 do referido decreto:
Art. 81. A admissão inicial nos cursos universitários obedecerá às condições gerais
abaixo instituídas [...];
I - certificado do curso secundário fundamental de cinco anos, ou deste e de um
curso ginasial superior, com a adaptação didática, neste último, aos cursos
consecutivos;
II - idade mínima de 17 anos;
III - prova de identidade;
IV - prova de sanidade;
V - prova de idoneidade moral;
VI - pagamento das taxas exigidas.
Parágrafo único. Ao aluno matriculado em qualquer dos institutos universitários
será fornecido um cartão de matrícula devidamente autenticado, que provará a sua
identidade, e uma caderneta individual na qual será registrado o seu curriculum vitae
de estudante, tudo de acordo com dispositivos de cada instituto universitário.
Art. 82. Não será permitida a matrícula simultânea do estudante em mais de um
curso seriado, sendo, porém, permitido aos matriculados em qualquer curso seriado
a frequência de cursos avulsos, ou de aperfeiçoamento e especialização. (BRASIL,
1931a).
Tal estatuto veio com o objetivo de regulamentar a criação e o funcionamento das
instituições universitárias; mesmo assim, ainda se admitiam algumas variações regionais,
autorizadas pelo Ministério da Educação. Após a criação da Universidade do Rio de Janeiro,
em 1920, não foram estabelecidos padrões para as universidades que surgiriam depois.
A partir de 1932, começou a irradiar um novo modelo do pensamento liberal, o
liberalismo igualitarista, defendido por Anísio Teixeira17
. Nesse modelo, surgiu uma política
educacional voltada aos interesses das classes trabalhadoras e das camadas médias,
idealizando a construção da democracia, embasada nos princípios de John Dewey, idealizador
da Escola Nova.
O foco das disputas ideológicas nas políticas educacionais teve seu início em
dezembro de 1931, com a realização da IV Conferência Nacional de Educação, que aconteceu
em Niterói – Rio de Janeiro. Nesse evento, estavam dispostos dois grupos ideológicos, de um
16
Decreto n. 19.851, de 11 de abril de 1931. 17
Personagem central na história da educação no Brasil, nas décadas de 1920 e 1930, difundiu os pressupostos
do movimento da Escola Nova, que tinha como princípio a ênfase no desenvolvimento do intelecto e na
capacidade de julgamento, em preferência à memorização. Reformou o sistema educacional da Bahia e do Rio
de Janeiro, exercendo vários cargos executivos. Foi um dos mais destacados signatários do Manifesto dos
Pioneiros da Educação Nova, em defesa do ensino público, gratuito, laico e obrigatório, divulgado em 1932.
Fundou a Universidade do Distrito Federal, em 1935, depois transformada em Faculdade Nacional de Filosofia
da Universidade do Brasil (BRIZA, 2011).
46
lado os defensores da política educacional liberal, divididos entre elitistas, liderados por
Fernando de Azevedo, e igualitaristas, liderados por Anísio Teixeira, e, do outro lado, os
defensores da política educacional autoritária.
Não havendo um consenso entre as políticas propostas pelos liberais, foi
divulgado um manifesto, em 1932, conhecido como “Manifesto dos Pioneiros da Educação
Nova”, em que os liberais elitistas expressaram sua preocupação com a articulação de todos
os graus e tipos de ensino, conhecido como reconstrução educacional; e os liberais
igualitaristas defendiam a criação de uma escola única para todos os indivíduos de quatro a
quatorze anos, “para se evitar o divórcio entre os trabalhadores manuais e intelectuais.”
(CUNHA, 2007a, p.246).
Para o ensino superior, o manifesto atribuiu à universidade a formação da elite
dirigente, dinâmica e aberta, além de começar a difundir os ideais políticos, como a
construção da democracia. Pregava também a gratuidade do ensino superior, uma vez que,
mesmo nas universidades estatais, eram comuns os pagamentos de taxas e mensalidades.
Decorrente da notoriedade do manifesto, Anísio Teixeira assumiu a Diretoria de
Educação do Distrito Federal, de 1932 a 1935, desenvolvendo importantes mudanças
educacionais nesse período, entre elas a criação da Universidade do Distrito Federal, em
1935, que era composta pelo Instituto de Educação, Escolas de Ciências, Economia e Direito,
Escola de Filosofia e Letras, e do Instituto de Artes, além da criação de vários cursos
superiores novos no Brasil, entre eles: administração e orientação escolar, auxiliares de
medicina e técnicas de laboratório, diplomacia, estatística, serviço social, jornalismo e
publicidade, biblioteconomia, arquivo e museus, cinema e arquitetura paisagística.
Outra corrente política educacional na Era Vargas, intitulada autoritária, merece
ser destacada neste estudo:
No caso do Estado autoritário, o sistema de poder emerge de condições reais de
atendimento das exigências da divisão social do trabalho, e não das necessidades do
domínio de uma elite ou uma classe sobre toda sociedade. O Estado autoritário
desempenha, então, a função de árbitro e interventor na realidade social,
administrando os conflitos acima dos interesses particulares dos grupos e classes
sociais, visando ao interesse coletivo. (CUNHA, 2007a, p.251).
Por meio dessa nova política educacional, o governo pretendia o controle
“passivo” da sociedade, tendo na educação um meio “pelos quais os intelectuais fazem
“irradiar” sobre todo o povo as ideias e aspirações dele mesmo sublimado”, em outras
palavras, o sistema educacional seria um mecanismo de difusão de uma nova ideologia
política e econômica, justamente com objetivo de “reforçar o aparelho de Estado no campo
47
educacional, permitindo-lhe inculcar ideologias tendentes a impedir os trabalhadores e as
camadas médias de se organizarem politicamente e, no limite, de ameaçarem a ordem
capitalista.” (CUNHA, 2007a, p. 252-253).
Pela ascensão das políticas autoritárias, foi criado, no início do governo
provisório, o Ministério dos Negócios da Educação e Saúde Pública18
, sendo o Departamento
Nacional de Ensino incorporado a ele. Entretanto, o sistema educacional não foi de imediato
inserido nele, continuando os estados e o distrito federal a terem o controle da educação
primária, secundária, normal e profissional.
Uma das primeiras medidas educacionais defendidas pelo sistema autoritário foi a
permissão para que os alunos do ensino fundamental pudessem ter, facultativamente, aulas de
ensino religioso nas escolas estatais19
. Tal medida visava a uma aproximação entre o Estado e
a Igreja, fato contrário à Constituição de 1891, que instituía a educação como laica. Tanto os
liberais como a Associação Brasileira de Educação, contrários ao ensino religioso, tiveram
que aceitar a introdução de tal conteúdo na Constituição de 1934.
Outra medida adotada pelo regime autoritário foi a reforma do ensino secundário20
e do superior. Ambas aconteceram paralelamente, uma vez que os objetivos de uma
contemplavam os interesses da outra. O objetivo dessa reforma do ensino secundário era
principalmente:
[...] a formação do homem para todos os grandes setores da atividade nacional,
construindo no seu espírito todo um sistema de hábitos, atitudes e comportamentos
que o habilitem a viver por si mesmo e a tomar em qualquer situação as decisões
mais convenientes e mais seguras. (CUNHA, 2007a, p. 259).
Destacamos na reforma no ensino secundário o fato de que todos os estudantes
interessados em ingressar no ensino superior só poderiam fazê-lo depois de concluído o
ensino secundário e aprovados no exame vestibular, sendo permitida apenas a realização do
vestibular para o candidato que portasse o certificado de conclusão do ensino secundário, e os
egressos dos cursos médios profissionais poderiam ingressar apenas nos cursos superiores
relacionados com o curso anterior.
Outra exigência para o ingresso ao ensino superior era a apresentação de uma
“prova de idoneidade moral”. Deduzimos que tal requisito já era solicitado aos estudantes
18
Decreto 19.402, de 14 de novembro de 1930, sendo regulamento em 05 de janeiro de 1931. 19
Decreto 19.941, de 30 de abril de 1931. 20
Decreto 19.890, de 18 de abril de 1931, consolidado pelo Decreto 21.241, de 04 de abril de 1932.
48
muito antes da criação dos “exames vestibulares”, contudo, nesse período, é ressaltada sua
importância pelas próprias características do período histórico.
A admissão aos institutos de ensino superior continuaria dependente de aprovação
nos exames vestibulares, além da apresentação, pelos candidatos, de certificado de
conclusão do curso secundário fundamental ou do complementar e de “prova de
idoneidade moral”, entre outras exigências. (CUNHA, 2007a, p. 264).
Para alcançar o objetivo de formar indivíduos politizados, era necessário adotar
uma pedagogia que privilegiasse o ensino das ciências naturais e com novos métodos de
aprendizagem. Com isso, uma nova estrutura curricular foi proposta, dividida em duas fases:
a primeira seria o “curso fundamental” com duração de cinco anos, que forneceria a cultura
geral necessária para a tomada de decisões, e a segunda seria o “curso complementar” com
duração de dois anos e função de preparar os candidatos para o ensino superior.
Por fim, evidenciamos a criação do Conselho Nacional de Educação - CNE,
preconizado pela Constituição de 1934, com a função de elaborar um plano nacional de
educação que “deveria orientar o trabalho do ministério e das secretarias estatuais.” (CUNHA,
2007a, p.273).
O projeto do plano nacional de educação, se implementado, viria a intensificar ainda
mais o caráter autoritário da política educacional. Em 504 artigos, procurava
regulamentar, nos mínimos detalhes, todos os graus, e tipos de ensino, na
preocupação de submeter a uma norma única toda a variedade do aparelho escolar,
contendo-o dentro da lei, nada deixando de fora. (CUNHA, 2007a, p. 273).
Relacionado ao ensino superior, o projeto do PNE pouco alteraria a constituição
das universidades, já proposta pelo Estatuto das Universidades Brasileiras de 1931. Ele
apenas implementava um “exame de estado” que deveria ser realizado pelos estudantes no
final dos cursos superiores, sendo que só receberiam o diploma os aprovados no exame.
Este projeto seria apresentado à Câmara dos Deputados, mas, devido ao golpe de
Estado de 1937, a Câmara foi destituída e o projeto esquecido, embora o CNE continuasse a
função de fiscalização do ensino secundário.
Em suma, o golpe político de 1937 pouco alterou a configuração das instituições
universitárias, que continuaram a seguir o Estatuto das Universidades Brasileiras de 1931. O
mesmo não pode ser dito sobre as outras instituições educacionais de graus inferiores, que, a
partir de 1942, sofreram várias transformações, como redefinição do seu currículo e
articulação entre cursos, ramos, ciclos e graus. As principais alterações foram: o Ensino
49
Primário com quatro ou cinco anos de duração para crianças de 7 a 12 anos21
; e o Ensino
Médio para jovens de 12 anos ou mais, compreendendo cinco ramos: ensino secundário,
ensino industrial, ensino comercial, ensino normal e ensino agrícola.
Referente ao ingresso ao ensino superior, nove dias antes do golpe de 1937, o
Departamento Nacional de Educação passa a controlar a admissão dos candidatos a essa
forma de ensino “determinando as matérias e os programas detalhados que deveriam constar
nos exames vestibulares, o que competia, até então, a cada universidade e faculdade.”
(CUNHA, 2007a, p. 280).
Em 1942, foi instituída a Reforma Gustavo Capanema22
, que criou um novo
instrumento para ingresso ao ensino superior, chamado de “exames de licença”, que eram
realizados no término do segundo grau e davam direito ao estudante aprovado de matricular-
se em qualquer curso superior. Os “exames de licença” foram extintos em 1946, de acordo
com o Decreto-Lei n.º 9.303, de 27 de maio de 1946, que garantia apenas o fornecimento do
certificado de conclusão no final da 4.ª série do ginásio ou na 3.ª série do colegial.
À medida que a corrente autoritária tornava-se dominante, reprimiam-se as
políticas contrárias. Como exemplo, a Universidade do Distrito Federal, criada em 1935,
empregando uma política liberal, em 1939 foi incorporada à Universidade do Brasil, com seus
prédios, professores e estudantes23
, como represaria à política contrária à autoritária. Assim,
vemos que o governo tinha um interesse em centralizar todo formato de ensino,
principalmente o superior, para com isso controlar, mais diretamente, toda função política
e/ou ideológica empreendida dentro do ambiente universitário.
Paralelo a esse fato, existia a iniciativa da Igreja Católica. Liderado pelo arcebispo
Sebastião Leme, em 1932, inicia-se o projeto para a criação do Instituto Católico de Estudos
Superiores, que ofereceria cursos de filosofia, economia, sociologia, pedagogia, biologia e
literatura, embora que iniciativa tivesse êxito apenas oito anos mais tarde:
Em outubro de 1940, o presidente da República autorizou o funcionamento das
Faculdades Católicas, no Rio de Janeiro, abrangendo duas unidades, a Faculdade de
Direito e a Faculdade de Filosofia, oferecendo esta os cursos de Filosofia, Letras
Clássicas, Letras Neolatinas, Letras Anglo-germânicas, Geografia e História,
Ciências Sociais, Pedagogia. Em março de 1941, com a presença do ministro da
Educação, Gustavo Capanema, e de 84 estudantes (70 de Filosofia e 14 de Direito),
os cursos foram solenemente inaugurados. Em 1943, foi incorporado ao conjunto a
Escola de Serviço Social e, em janeiro de 1946, depois de criada a Escola
21
Decreto-lei n.º 8.529, de 2 de janeiro de 1946. 22
Decreto-lei n.º 4.244 de 09 de abril de 1942. 23
Decreto-lei n.º 1.063, de 20 de janeiro de 1939.
50
Politécnica, as Faculdades Católicas foram reconhecidas pelo Estado como
universidades.24
(CUNHA, 2007a, p. 281 – 282).
Outro fato que podemos observar nesse período refere-se ao ingresso que era
direcionado à classe social mais favorecida, pois a taxa de exame vestibular era abusiva;
sendo assim, os exames realizavam a seleção mais pelo nível de renda do que pela capacidade
intelectual dos estudantes (CUNHA, 2007a).
Portanto, ainda durante a Era Vargas, o elitismo e o conservadorismo para o
ingresso no ensino superior continuaram presentes na sociedade brasileira. “O discurso de
democratização e universalização do ensino não chegou com intensidade ao ensino superior e,
portanto, não ameaçou a hierarquização elitista do sistema de ensino brasileiro.” (OLIVEIRA,
1994, p. 110).
Finda a Segunda Guerra Mundial e com a suspensão do Departamento de
Imprensa e Propaganda, as revoltas populares e estudantis reiniciaram, e, em decorrência da
própria fragilidade que o Estado Novo já expressava, foi extinta a política autoritária,
iniciando um novo período histórico, com a implantação de um Estado liberal-democrático.
“Os liberais, voltando à cena política, trouxeram para o Estado a política educacional pela
qual lutaram no período de 1930 – 1935.” (CUNHA, 2007a, p.293).
1.5 República Populista (1945 – 1964)
O presente item trata do período conhecido como República Populista, que iniciou
em 1945, após a deposição de Getúlio Vargas, estendendo-se até 1964, com o golpe militar.
Durante esse período, houve expansão no ensino superior decorrente do processo
de redemocratização do país, tendo contribuído para tanto a chamada política de
“federalização” de faculdades privadas e estaduais, que as reunia em instituições
universitárias de caráter público, além da multiplicação de instituições privadas, que passaram
a se constituir principalmente em faculdades. Havemos de ressaltar que essas instituições
universitárias, tanto públicas como privadas, pouco representavam realmente como
universidades, no sentido integral do termo, pois continuavam a se organizar como faculdades
isoladas, com pouco ou nenhum desenvolvimento em pesquisa e extensão.
Embora a criação das universidades ainda fosse orientada pelo Estatuto das
Universidades Brasileiras de 1931, que preconiza a universidade como “padrão” para a
organização do ensino superior, houve a liberação para criação de estabelecimentos isolados,
24
Decreto-lei n.º 8.681, de 15 de janeiro de 1946.
51
no caso instituições particulares. A extensão do setor particular de ensino no período irá
transformar o quadro de oferta de vagas para estudantes atendidos nessas instituições, pois em
1964 as instituições públicas representavam 56% do total de estudantes no ensino superior, e
em 2004 passaram a representar apenas 27% do total (CUNHA, 2007b).
Em 1945, o ensino superior brasileiro compreendia cinco universidades25
, no sentido
estrito, e 293 estabelecimentos isolados, matriculando, no total 27.253 estudantes.
Essas universidades tinham se organizado pela aglutinação de estabelecimentos
isolados, à exceção da Universidade de Porto Alegre, que se formou pela
diferenciação da Escola de Engenharia. (CUNHA, 2007b, p. 17).
Diante do ímpeto universitário que se forjava, duas medidas se destacaram:
primeiramente, a gratuidade do ensino oferecido nas Instituições Federais de Ensino Superior
– IFES26
; segundo, a substituição do sistema de cátedras para a organização acadêmica em
regime departamental.
Referente ao formato de ingresso ao ensino superior, no citado período,
permaneceram os “exames vestibulares”, obedecendo à ordem de classificação para o número
de vagas disponível; além disso, o candidato precisava apresentar certificado de conclusão do
ensino médio, “prova de idoneidade moral”, e outras exigências (CUNHA, 2007b).
Ressaltamos também os movimentos estudantis deflagrados no período populista,
com o ingresso de jovens oriundos das camadas médias, contestadores da ordem social
vigente e das injustiças sociais. “[...] As escolas superiores foram os lugares privilegiados
desse espaço político, através do qual eram difundidas ideologias surgidas e elaboradas fora
do aparelho escolar, nele penetrando à revelia.” (CUNHA, 2007b, p. 20).
Outro ponto interessante foi a migração de cientistas e pesquisadores do Rio de
Janeiro para São Paulo, atraídos pelos investimentos em pesquisas, que se tornaram escassos
na antiga capital do país. Mas esses investimentos eram destinados a pesquisadores
individuais, acarretando uma crise para aqueles empregados em institutos de pesquisas
paulistas. Essa realidade fez surgir, em 1948, a Sociedade Brasileira para o Progresso da
Ciência (SBPC), com o objetivo de divulgação da ciência para angariar patrocínio do Estado e
da sociedade civil; o intercâmbio entre os cientistas das diversas especialidades; a divulgação
da verdade científica e a liberdade da pesquisa.
Mesmo com a ideologia liberal, resquícios do autoritarismo mantinham-se
presentes na sociedade, de forma mascarada ou não. Na própria Constituição de 1946, quarta
25
São elas: Universidade do Brasil, Universidade de Porto Alegre, Universidade de São Paulo, Universidade de
Minas Gerais e Universidade Católica do Rio de Janeiro. 26
De acordo com as Constituições de 1946 e 1967.
52
Constituição do período republicano, havia partes regidas pela política autoritária, partes
regidas pela política liberal. Outro ponto que destacamos: a maioria dos líderes liberais estava
“na cadeia, no exílio ou confinados em municípios do interior.” (CUNHA, 2007b, p. 27).
No campo educacional, a organização escolar permaneceu a mesma regida
durante o Estado Novo, com leves mudanças na política autoritária, transformada agora em
política “liberal”. No ensino superior, retornou a garantia da liberdade das cátedras; no plano
nacional, a Reforma Universitária modernizava o ensino superior, sobretudo com uma
reforma pedagógica, lutando pela liberdade de pensamento, de cátedras, de imprensa, da
seleção dos estudantes por critérios de capacidade, entre outros, em função dos interesses
populares. Contudo, os analfabetos continuam sem ter direito a voto.
O ímpeto em formação gera nas classes médias o desejo pela busca de estudo,
havendo uma intensa procura em todos os níveis de ensino, gerando na população a “crença
no Estado intervencionista e promotor de política de bem-estar-social” (OLIVEIRA, 1994, p.
111), que garantiria o ingresso ao nível superior de educação.
Podemos observar que o processo de crescimento econômico passa pela formação
escolar, o que acarreta mudanças na sociedade, por exemplo, o êxodo rural. No período da
república populista, a vida na cidade era mais vantajosa que a vida no campo, considerando
que oferecia melhores salários e condições mais dignas de trabalho.
Os salários pagos nas cidades, a vigência aí da legislação trabalhista, limitando a
exploração da força de trabalho, a existência de serviços públicos de saúde e
educação foram, certamente, fatores adicionais de atração da força de trabalho
deslocada do campo. (CUNHA, 2007b, p. 39).
Outro fato que aumentou o fluxo migratório foi o desenvolvimento da
industrialização, que ocasionou a crise do artesanato e da pequena indústria, fazendo com que
os funcionários dessas migrassem para cidades maiores em busca de emprego.
Destacamos também as rebeliões estudantis, principalmente na segunda metade da
década de 1950, com maior intensidade na década de 1960, que se apresentavam mais
voltados para a classe trabalhadora, em busca da construção de uma nova ordem social. Esses
acontecimentos foram gerados por dois fatores: primeiramente, pela ordem social vigente, que
impedia as pessoas sem formação “adequada” de assumir cargos no alto da burocracia do
Estado, e, em segundo lugar, pelo acesso às informações marxistas, que adentravam no
ambiente acadêmico.
53
[...] os estudantes passaram a conhecer teorias elaboradas a partir da luta de classes e
destinadas justamente a intervir nela como instrumento ideológico do proletariado.
A descoberta de sua situação “privilegiada” numa sociedade organizada em função
da exploração do homem pelo homem levava a sentimentos culposos que conduziam
os estudantes, frequentemente, a posições extremadas de rebeldia contra a ordem
social: “conscientizados”, engajavam-se na “revolução”. (CUNHA, 2007b, p. 59).
Durante a república populista, o discurso por um sistema educacional se
intensificava nas plataformas políticas, de modo que a educação passou a ser tratada como um
bem de consumo, em que a população tinha o direito dela usufruir.
Construir mais salas de aulas nas escolas existente e abrir mais escolas eram meios
de mostrar que o Estado (“realizador” dessas benfeitorias) preocupava-se com as
necessidades do povo e atuava para suprimi-las. Era merecedor, portanto, do apoio
político dos beneficiados e dos que pretendiam se valer dessa política “popular”.
[...]. (CUNHA, 2007b, p. 64).
Foi o estado de São Paulo que primeiro constituiu um sistema de ensino, já
totalmente implantado em 1940, passando a desenvolver a partir de então o ensino secundário.
Isso o diferenciava dos outros estados, que, mesmo depois de 1940, ainda lutavam para
desenvolver um sistema de ensino primário. Tal característica pode ser analisada como moeda
de troca, uma vez que São Paulo oferecia um sistema de ensino secundário que era mais
solicitado pela população, enquanto os outros estados ofereciam o ensino primário, que era a
necessidade básica da população. Notamos também que a criação das escolas era distinta:
enquanto em São Paulo era a Assembleia Legislativa que decretava a criação das escolas, nos
outros estados era o Ministério da Educação que desenvolvia tal atribuição.
Com intensa procura da população por ensino, o secundário e principalmente o
superior, iniciou-se uma pressão das camadas interessadas por maior número de vagas ao
ensino secundário, e por facilitação no ingresso ao ensino superior. Nesse período, o ensino
secundário era dividido em dois ciclos, de modo que o primeiro era propedêutico ao segundo;
no primeiro ciclo, o estudante poderia ingressar em cursos profissionalizantes como o curso
comercial, industrial e agrícola; no segundo ciclo, da mesma forma, o estudante poderia
ingressar nos cursos profissionalizantes, sendo eles o clássico ou científico. Apenas ao final
do segundo ciclo do ensino secundário o estudante poderia realizar os exames vestibulares
para o ingresso no ensino superior, e aqueles que realizaram cursos profissionalizantes
também poderiam fazê-lo, mas apenas para a área do curso profissionalizante concluído.
Para Cunha (2007b), uma maior demanda ao ensino superior, com uma ampliação
do número de vagas, não implica o aumento de chances para o ingresso ao ensino superior,
uma vez que essa chance será menor para os egressos de escolas comerciais em comparação
54
com os egressos das escolas secundárias, onde o currículo estava voltado para a realização dos
“exames vestibulares”.
Devido às pressões estudantis já mencionadas, o Estado tomou medidas para
suprimi-las produzindo a chamada lei de “equivalência27
”, que estabelecia, entre outros
atributos, a equivalência do curso técnico comercial com o segundo ciclo do ensino
secundário; portanto, os estudantes poderiam cursar apenas o primeiro ciclo e o curso técnico
comercial, e prestar o exame vestibular para ingressar no ensino superior, e também os
egressos do curso comercial poderiam se inscrever em qualquer curso de ensino superior, não
mais somente nos cursos relacionados ao anterior. Em 1953, essa concessão foi estendida para
os egressos dos cursos industrial, agrícola e normal, e também para egressos dos seminários
maiores (CUNHA, 2007b).
Contudo, no mesmo ano (1953), foi regulamentado28
o formato de ingresso ao
ensino superior, de forma que os egressos do segundo ciclo do ensino secundário poderiam
ingressar em qualquer curso de ensino superior; já os egressos dos cursos técnicos estavam
restritos à candidatura dos cursos relacionados com sua formação.
Os saídos do ensino industrial podiam ingressar nas escolas de Engenharia, Química
e Desenho das faculdades de Filosofia. Aos concluintes do Curso Agrícola estavam
abertos os cursos das escolas de Agronomia, Veterinária, Engenharia e os de Física,
Química, História Natural e Ciências Naturais das faculdades de Filosofia. Os
formados pelas escolas normais podiam fazer os cursos de Pedagogia, Letras
Neolatinas e Letras Anglo-Germânicas nas faculdades de Filosofia. Os ex-
seminaristas podiam estudar Direito, ou, então, Filosofia, Letras Clássicas, Letras
Neolatinas, Letras Anglo-Germânicas e Pedagogia, nas Faculdades de Filosofia.
(CUNHA, 2007b, p. 69).
Desde 1937, o Ministério da Educação regulamentava os exames vestibulares por
meio de circulares e portarias, em que determinava datas, matérias e outros pontos na
realização do exame, características da política autoritária do período. A partir de 1947, o
mesmo Ministério da Educação passou a estabelecer a realização dos exames vestibulares
como competência das próprias instituições de ensino, descentralizando o processo.
Proveniente de uma política liberal e democrática, e em decorrência da abertura e
da expansão do ensino superior, chegou-se a discutir a possibilidade do ingresso universal ao
ensino superior com a extinção dos “exames vestibulares”, mas a aprovação da Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB/61 foi “decepcionante para aqueles que
esperavam uma educação pública democrática libertadora.” (OLIVEIRA, 1994, p. 114).
27
A primeira medida foi a Lei n.º 1.076 de março de 1950, seguida pela lei n.º 1.821, de março de 1953. 28
Decreto n.º 34.330, de outubro de 1953.
55
Mesmo decepcionante, a LDB/61 promoveu a equivalência dos cursos médios existentes, para
efeito de ingresso ao ensino superior.
Decorrente de todo processo de facilitação ao ingresso no ensino superior, o
exame vestibular passou a ser visto como o grande empecilho para o ingresso, e,
consequentemente, políticas contra esse exame começaram a ser difundidas. Contudo, a
própria LDB/1961 e o Parecer 58/196229
estabelecem que não deveria haver interferência nos
exames vestibulares, que eram de responsabilidades das IES que os realizassem, limitando-se
ao Conselho Federal de Ensino – CFE e posteriormente ao Ministério da Educação
estabelecer os princípios gerais a serem seguidos nesse exame. O Parecer 58/1962 ainda
propunha que os exames vestibulares deveriam classificar os candidatos de acordo com as
notas obtidas por eles no exame, de acordo com o número de vagas disponíveis para o curso e
instituição; como exemplo disso, temos a Faculdade de Filosofia da Universidade do Brasil,
que, com base nesse parecer, implantou tal sistema de classificação em 1963 e 1964.
A LDB/61 não alterou a forma de seleção, permanecendo o mesmo mecanismo
instituído pelo Estatuto das Universidades Brasileiras de 1931, os “exames vestibulares”.
Contudo, esse mecanismo de seleção já começava a apresentar críticas pelo seu formato
seletista. Uma das primeiras manifestações surgiu por meio da UNE, que defendia a
realização do vestibular classificatório apenas na medida que o número de vagas fosse menor
que o número de candidatos; caso contrário, não haveria necessidade de tal exame. Outro
formato de ingresso defendido pela UNE seria pelo “ranqueamento” dos candidatos pela
média obtida durante o ensino médio.
[...] a abertura, expansão e “massificação” do ensino superior nesta fase da
democracia populista, marcada pelo nacionalismo e desenvolvimentismo, pode ser
vista no crescimento do número de estabelecimentos de ensino superior, e
consequentemente, na ampliação do número de vagas que permitiu o acesso de
setores populares. O projeto político-econômico-social no Populismo permitiu a
federalização de estabelecimentos de ensino superior, a criação de novas
universidade e escolas, e equivalência dos cursos médios, a “tomada de consciência”
da educação como direito de todos e a discussão da supressão do exame vestibular e
da acessibilidade universal. (OLIVEIRA, 1994, p. 118).
Com a crescente demanda ao ensino superior, iniciou-se uma política voltada à
expansão de vagas universitárias. Como exemplo, temos o Plano Trienal de Educação
(1963/65), que previa generosos investimentos para a implantação de cursos paralelos aos já
existentes, dobrando dessa forma o número de vagas. O decreto 54.642, de fevereiro de 1964,
instituiu o Programa Nacional de Expansão das Matrículas, que previa também a duplicação
29
Parecer 58/62 de Valnir Chagas.
56
de vagas às áreas de saúde e tecnologia; contudo, essas políticas de expansão de vagas não
chegaram a se concretizar, em decorrência do golpe militar de março/abril de 1964.
Com o fim da República Populista e a iminência do golpe militar, as IES
promoveram uma política de facilitação ao ingresso, propondo um mecanismo de unificação
dos exames vestibulares. Assim, sete IES30
do estado de São Paulo realizaram, em 1964, o
primeiro exame de vestibular unificado, obtendo sucesso na sua realização, sendo, então,
organizado o Centro de Seleção de Candidatos às Escolas Médicas e Biológicas (Cescem),
cuja responsabilidade seria a realização desse exame.
[...] A vantagem que se anunciava aos estudantes era a de diminuir as despesas
financeiras com taxas de inscrição e com deslocamento para várias cidades e/ou
faculdades, além de não serem surpreendidos pela coincidência de datas. Para as
escolas, as vantagens estariam na diminuição dos gastos com as provas, no seu
aperfeiçoamento e no aproveitamento dos melhores alunos, eliminando-se os
bloqueios financeiros e de datas de exames. (CUNHA, 2007b, p. 76).
Outra forma de facilitação, no contexto do acesso ao ensino superior, deve-se à
diminuição e/ou barateamento das taxas cobradas, culminando, em 1950, com a gratuidade do
ensino superior nas escolas oficiais. Algumas taxas foram mantidas sem reajustes, por já
serem consideradas altas, e, devido ao processo inflacionário, o valor já era considerado
ínfimo, passou a ser desnecessário cobrar. Importante salientar que não houve qualquer lei,
decreto ou portaria que extinguisse as taxas nas escolas superiores oficiais. Na verdade, as
instituições superiores passaram a ter mais investimentos do estado e da União, valendo mais
a pena ser custeadas por esses do que pelos estudantes.
O ensino superior no Brasil foi sempre pago pelos estudantes desde o início do
século XIX. A Constituição de 1946 dizia ser o ensino superior oficial (como o
médio) gratuito “para quantos provarem falta ou insuficiência de recursos”. Mas
certos setores do Estado defendiam, já no início da república populista, a gratuidade
total do ensino superior oficial [...]. (CUNHA, 2007b, p. 76).
Incrementada pelas reivindicações estudantis, dos professores e do funcionalismo
público federal, foi aprovada a Lei n.º 1.254, de 1950, que federalizou “estabelecimentos de
ensino superior mantidos pelos estados, pelos municípios e por particulares.”31
(CUNHA,
2007b, p. 78).
30
Faculdade de Medicina, da USP; Faculdade de Farmácia e Bioquímica, da USP; Faculdade de Medicina
Veterinária, da USP; Escola Paulista de Medicina; Faculdade de Medicina de Sorocaba, da PUC-SP; Faculdade
de Medicina, de Campinas; Faculdade de Ciências Médicas e Biológicas, de Botucatu. 31
No total foram 39 instituições federalizadas neste período.
57
Na década de 1960, a União já não conseguia manter os investimentos no setor da
educação superior, e o próprio CFE instituiu que nenhuma nova federalização deveria
acontecer enquanto as despesas do governo estivessem acima do teto orçamentário32
.
Em setembro de 1963, o CFE entregou o plano ao ministério da Educação, cobrindo
o período de 1963/70, [...] esses compromissos estabeleciam para 1970 a meta de
matricular pelo menos a metade dos que terminassem o grau médio e de estender o
regime de tempo integral a pelo menos 30% de professores e alunos. No entanto, o
texto do plano dizia que os recursos previstos para o Fundo Nacional do Ensino
Superior eram insuficientes até mesmo para manter o sistema funcionando, ainda
mais para propiciar o atingimento daquela meta. (CUNHA, 2007b, p. 79).
Nos últimos anos da República Populista, o ensino superior ficou concentrado no
ensino universitário, com 65% do total de matrículas. A expansão do ensino superior também
pode ser observada pelo crescimento vertiginoso do número de vagas, que saltou de 27.253
estudantes em 1945 para 142.386 estudantes em 1964, ou seja, um crescimento anual linear de
12,5%. Importante destacar que, na década de 1950, houve o processo de federalização, em
que escolas isoladas foram transformadas em instituições federais de ensino e, na década de
1960, houve um novo processo de federação, com a criação de novas universidades federais.
Ambos os processos resultaram num aumento exponencial do número de matrículas, que na
década de 1960 chegou a 81% do total (CUNHA, 2007b).
O grande aumento na procura das instituições universitárias gerou o problema dos
excedentes, que são candidatos aprovados nos vestibulares, mas impedidos de se matricular
pela limitação das vagas. Tal fenômeno estendeu-se principalmente após 1964, o que agravou
a crise no sistema educacional nesse período. “A política educacional pós-1964 definiu-se
pela fragmentação interna do ensino superior, pela segregação das universidades em campus e
pela privatização, aproveitando as vias abertas na república populista.” (CUNHA, 2007b, p.
84).
Referente ao ensino superior, o anteprojeto da LDB/1961 propunha mudanças
substanciais na constituição das universidades, embora com maior flexibilidade, bem
diferente da rigidez imposta pelo Estatuto das Universidades de 1931. Dentre as principais
mudanças, a LDB propunha “a autonomia universitária, em termos didáticos, administrativos
e financeiros.” (CUNHA, 2007b).
Ainda que as instituições universitárias conseguissem mais liberdade
administrativa, continuavam a ser supervisionadas pelo CNE, que tinha o poder de aprovar ou
vetar os estatutos dos estabelecimentos, reconhecer ou não os cursos oferecidos e conceder ou
32
Parecer 60/64.
58
não a certificação dos diplomas. Essa concepção foi chamada por Villalobos (1969 apud
Cunha, 2007b) de “liberdade vigiada”.
O ensino privado seria reconhecido apenas se não fizesse concorrência às
instituições públicas, pois a concessão de muitos títulos poderia rebaixar o nível do ensino,
uma vez que o ensino superior deveria ser destinado apenas aos que possuíssem “nível
intelectual e aptidão adequada”; para que pessoas desqualificadas não ingressassem no ensino
superior, o anteprojeto também modificava o mecanismo de seleção dos candidatos. De
acordo com o anteprojeto:
[...] O ingresso nele dependeria de exame de admissão, exigindo-se, para os
estudantes provenientes das escolas técnicas, o estudo das disciplinas do secundário
porventura não cursadas. O exame de admissão para o colégio universitário deveria
verificar, também, a capacidade do candidato de “redigir corretamente na língua
vernácula”. Os aprovados em um dos cursos do colégio universitário poderiam se
matricular no curso superior ao qual aquele estivesse ligado. Os egressos das escolas
médias profissionais poderiam se candidatar apenas nos cursos das escolas
superiores ou dos colégios universitários relacionados com os cursos previamente
realizados. (CUNHA, 2007b, p. 98).
O anteprojeto foi encaminhado pelo Presidente da República ao Congresso
Nacional, tendo sofrido críticas, principalmente dos defensores da pedagogia autoritária e das
instituições privadas. Foi, então, “engavetado” e praticamente esquecido, até retornar ao
debate em meados da década de 1950, impulsionado pela defesa da liberdade de ensino, fato
principalmente defendido pelas instituições privadas referentes ao ensino médio. Portanto, os
educadores liberais defendiam as propostas contidas no anteprojeto de 1948, almejando, com
isso, uma reforma do sistema escolar.
No Congresso Nacional, a retomada da discussão sobre o anteprojeto da LDB
culminou com incontáveis vetos e artigos substitutivos, que ora agradavam a bancada
populista/liberais, ora agradavam a bancada autoritarista. A bancada que rompeu com essa
disputa foi a bancada religiosa, no caso a católica, que entrou no debate em defesa da
liberdade de ensino.
Entre discussões e novos artigos, surgiu uma nova estruturação da LDB em 1958.
O anteprojeto pouco se referia ao ensino superior, abrindo ao máximo a autonomia dos
estabelecimentos de ensino e atribuindo ao CNE o poder de reconhecer as IES, fazendo-o
julgar os pedidos a partir das recomendações das universidades (CUNHA, 2007b).
Surgiu nesse momento um movimento conhecido como “Campanha de Defesa da
Escola Pública”, que defendia a expansão da escola pública como condicionante para o
processo democrático, a igualdade de oportunidades e o desenvolvimento econômico baseado
59
na industrialização. Tal campanha foi impulsionada por vários setores da sociedade,
principalmente entre as classes estudantis e trabalhadoras. Como exemplo, temos a realização
da I Convenção Operária em Defesa da Escola Pública, realizada em fevereiro de 1961, que
contou com o apoio do Sindicato dos Metalúrgicos da Cidade de São Paulo.
Por fim, o anteprojeto da LDB foi apresentado ao Congresso, tendo sofrido
alterações referentes ao aspecto técnico-pedagógico, semelhante ao anteprojeto de 1948, e
com alterações nos dispositivos privatistas. Essa versão foi apresentada à Câmara em janeiro
de 1960, tendo sofrido poucas alterações; depois foi encaminhada ao Senado, em agosto de
1961, que inseriu novos elementos ao projeto. Em dezembro do mesmo ano, foi encaminhada
ao Presidente da República, João Goulart, que sancionou a LDB33
e:
[...] legitimou as principais reivindicações dos interesses privativistas, denominados
interesses da “liberdade do ensino”, objeto, aliás, de todo um título do texto legal.
Apesar de determinar a obrigatoriedade do ensino primário [...]. Ao Estado caberia o
dever de fornecer à família os recursos indispensáveis para que ela pudesse se
desobrigar dos encargos da educação, quando deles tivesse carência. (CUNHA,
2007b, p. 112, grifo nosso).
Referente ao ensino superior, mesmo com a promulgação da LDB/1961, o
formato de ingresso permaneceu o mesmo, com a realização dos “exames vestibulares”, em
que o candidato teria que ter concluído o ensino médio e portar o certificado de conclusão
deste para poder ingressar no ensino superior.
Outro fato importante foi a substituição do CNE pelo CFE, que tinha o poder de
decidir sobre o funcionamento dos estabelecimentos isolados de ensino superior (oficial ou
particular), além de determinar o reconhecimento das universidades.
[...] Ele tinha o poder de intervir em qualquer universidade, oficial ou particular,
nomeando um reitor pro tempore, chamando a si a atribuição do conselho
universitário, assim como decidindo sobre recursos encaminhados contra decisões
deste mediante simples inquérito administrativo. Ao CFE cabia, também, indicar as
disciplinas obrigatórias para o ensino médio, a duração e o currículo mínimo dos
cursos superiores que visassem à obtenção de “diploma capaz de assegurar
privilégios para o exercício de profissão liberal.”. (CUNHA, 2007b, p. 113).
No fim do período populista, ocorreu o início das reivindicações estudantis,
principalmente no início de 1963, em que os estudantes passaram a se mobilizar em defesa
dos seus próprios interesses.
Uma das principais reivindicações estudantis referiu-se ao aumento de sua
participação na gestão das IES, crescendo sua representatividade para um terço (33,3%) dos
33
Lei n.º 4.024, de 20 de dezembro de 1961.
60
representantes das comissões deliberativas. Para tanto, iniciaram uma das maiores greves34
deflagradas dos estudantes, que perdurou do início de junho a meados de agosto. A iniciativa
não logrou o êxito esperado, e “a greve foi suspensa pelos estudantes, em razão do desgaste
interno do movimento e, também, de ameaças cruzadas de golpe [...].” (CUNHA, 2007b, p.
119).
No intento de prosperidade e desenvolvimento do ensino superior, foram os
militares que desenvolveram um segmento especificamente educacional voltado ao ensino
superior. Trata-se do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), inaugurado em 1947, no
Rio de Janeiro, apresentando inovações acadêmicas nunca vistas nas IES no Brasil até aquele
momento, como podemos observar:
[...] (1) os professores não ocupavam cátedras vitalícias, ganhas por concurso ou
nomeação, mas eram escolhidos pela congregação através do exame dos seus
currículos e contratados pela legislação trabalhista, a qual possibilitava seu
desligamento se eles não correspondessem às expectativas quanto à capacidade e
eficiência; (2) a carreira de magistério se estruturava de modo que o primeiro
degrau, o de “auxiliar de ensino”, fosse em geral ocupado por estudantes de pós-
graduação e os demais, “professores assistentes”, “associados” e “plenos”, fossem
sendo galgados pelo merecimento comprovado, independentemente da abertura de
vagas; (3) a organização era departamental, reunindo professores e auxiliares
técnicos e administrativos, bem como recursos materiais para as atividades de ensino
e pesquisa em um campo profissional ou assuntos afins, substituindo, assim, a
cátedra como unidade básica do ensino superior; (4) os professores e os estudantes
residiam no campus e dedicavam-se exclusivamente ao ensino e à pesquisa; (5) os
professores estavam à disposição dos estudantes fora do tempo das aulas, de modo
que as dúvidas e os temas relacionados podiam ser explorados de modo produtivo;
(6) o currículo era flexível, podendo-se acrescentar ou subtrair disciplina conforme
as necessidades e a disponibilidade de pessoal docente; (7) as cinco séries do curso
estavam divididas em uma parte “fundamental”, de dois anos – na qual se estudavam
os assuntos comuns a todas as especializações, e corrigiam-se os defeitos trazidos do
curso secundário e alertavam-se os estudantes para a importância da ciência pura
para a engenharia do “amanhã” -, e uma parte “profissional”, de três anos, na qual se
concentravam as disciplinas que levavam às especializações; (8) promoção do
autogoverno e da autodisciplina, tornando a “cola” um expediente raro; (9) estímulo
à investigação e à pesquisa, principalmente nos cursos de pós-graduação, visando
formar novos docentes e pesquisadores. (TOLLE, 1964 apud CUNHA, 2007b, p.
129 -130).
Podemos afirmar que o ITA já começava a desenvolver uma reestruturação no
ensino superior, com propostas renovadoras no cenário educacional, propostas que
desencadearam uma mudança de comportamento tanto dos setores governamentais, como dos
professores e dos estudantes.
34
Esta greve ficou conhecida como greve do “um terço”, devido à própria reivindicação grevista.
61
O sistema de ingresso ao ITA também era diferenciado, pois eram “selecionados
por exames intelectuais de rigor inigualado por nenhuma outra escola do país, completados
por exames psicotécnicos, estes ausentes nas demais.” (CUNHA, 2007b, p. 130).
Dois anos depois de criado o ITA, o almirante Álvaro Alberto da Mota e Silva
propôs um anteprojeto para a criação do Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq), que foi
encaminhado ao Congresso em 1949 e regulamentado35
em 1951. A iniciativa, assim como
outras de criar um instituto de pesquisa externo às universidades, deve-se à própria tentativa
de suprir essa necessidade, claramente deficiente nas universidades presentes até aquele
momento. Vários professores bolsistas do CNPq foram para países estrangeiros realizar
pesquisas científicas, e quando voltaram, puderam iniciar pesquisas no Brasil, nos moldes
desenvolvidos nos outros países. Essa constitui uma contribuição, mesmo que indireta, do
CNPq ao desenvolvimento de pesquisas no país.
A modernização do ensino superior iniciada pela criação do ITA chegou ao auge
com a proposta de criação de uma universidade no centro do país, a UnB. Em dezembro de
196136
, o Congresso Nacional autorizou o executivo a instituir esta universidade como
fundação de direito público. No ano seguinte, o Presidente da República criou a Fundação
Universitária de Brasília37
, e no mesmo ano foi aprovado o seu estatuto38
. “[...] O plano da
nova universidade negava a estrutura e o funcionamento do ensino superior existente,
almejando realizar uma utopia universitária.” (CUNHA, 2007b, p. 140).
Portanto, com a criação de uma nova visão de instituição universitária, se iniciava
uma proposta de renovação do ensino superior. Dentro dessa proposta, para o interesse do
presente estudo, detemo-nos no formato de ingresso. Observamos que havia dois tipos de
estudantes: os regulares, que buscavam formação em nível de graduação ou de pós-graduação,
e os estudantes especiais, que procuravam o ensino de disciplinas específicas, ao qual eram
destinados 10% das vagas. Para os alunos regulares, o formato de ingresso seriam os exames
vestibulares, realizados em diversos pontos do território nacional, com a inclusão de testes
vocacionais e de aptidão. Já os alunos especiais não precisavam realizar os exames
vestibulares, pois não era exigido o atestado de escolaridade do ensino secundário, de modo
que os candidatos apenas deveriam ter os conhecimentos necessários para o estudo da
disciplina solicitada.
35
Lei n.º 1.310, de 15 de janeiro de 1951. 36
Lei n.º 3.998, de 05 de dezembro de 1961. 37
Decreto n.º 500, de 15 de janeiro de 1962. 38
Decreto n.º 1.872, de 12 de dezembro de 1962.
62
Mais de um crítico da Universidade de Brasília advertiu que por esta porta larga e
democrática dos “estudantes especiais” a universidade terminaria vendo simples
pedreiros assistir a seus cursos de construção civil. O que nos estranha é pensar que
não tenha sido precisamente para isso que ela abriu suas portas. (RIBEIRO, 1969
apud CUNHA, 2007b, p. 145).
Uma segunda pauta foi a criação do “ano do vestibular”, em que todos os
candidatos ao ingresso no ensino superior fariam um ano de estudos prévios, sendo
observados pelos professores, que, ao final desse ano, escolheriam os estudantes melhores e
mais aptos, orientando-os para a carreira adaptadas à vocação de cada um.
Em 1962, foi introduzido o regime departamental dentro das universidades,
substituindo a antiga composição em cátedras. Contudo, a resistência à extinção das cátedras
era grande devido à própria presença de catedráticos dentro do CFE, culminando com a
decisão de permanência das cátedras dentro das instituições federais de ensino superior. Já as
instituições estaduais, municipais e particulares poderiam escolher entre o regime de cátedras
ou departamental.
O departamento era aconselhado como a forma mais eficiente de organização de
recursos humanos e materiais para o ensino e a pesquisa, recomendando-se a eleição
do chefe pelos seus pares, inclusive os professores não catedráticos. (CUNHA,
2007b, p. 155).
Não podemos deixar de citar que o movimento de modernização do ensino
superior no Brasil teve influências do governo dos Estados Unidos da América,
principalmente após 1961, quando se intensificou o combate ao comunismo, em pleno vigor
da ameaça da Guerra Fria.
Uma das primeiras reivindicações para a reforma universitária refere-se ao caráter
pedagógico-administrativo, pois se considerava “que os métodos educacionais atualmente em
vigor, no país, são em muitos aspectos, arcaicos, rotineiros e prejudiciais ao desenvolvimento
e formação da mocidade, apesar do constante esforço do poder público no sentido de melhorá-
los.” (CUNHA, 2007b, p. 170).
Também foram reivindicados os direitos políticos como movimento da reforma
universitário, conforme relata Cunha (2007b):
[...] “o exercício das liberdades de pensamento, de cátedra, de imprensa, de crítica e
de tribuna, de acordo com as necessidades e fins sociais”; a seleção dos estudantes
pelo “critério das capacidades comprovadas cientificamente, e não critérios
econômicos”; a eleição dos reitores das universidades e dos diretores das escolas por
professores e estudantes representados nos conselhos; a livre associação dos
estudantes dentro da universidade com representação paritária nos conselhos
universitários (da universidade) e técnico-administrativos (de cada escola). (p. 170).
63
Vale destacar que, no ano de 1918, foi criada na Argentina a Federação
Universitária Argentina, reunindo delegados das universidades presentes nesse país39
. No
mesmo ano, foi realizado o primeiro congresso em Córdoba, tratando-se da reforma
universitária argentina. Nesse evento, foi firmada a Carta Magna da Reforma Universitária,
também conhecida como Carta de Córdoba, que definia como principais pontos da reforma
universitária:
[...] participação dos estudantes e dos formados na direção da universidade (o
princípio do co-gobierno); autonomia universitária; assistência livre, como meio de
forçar professores a melhor prepararem as aulas; seleção dos mais capazes e não dos
mais favorecidos economicamente; instituição de livre-docência com valor igual ao
do curso oficial; periodicidade das cátedras; publicidade dos atos universitários;
extensão universitária; ajuda social aos estudantes; diferenciação das universidades
conforme as peculiaridades regionais; orientação social dos estudantes
universitários, abordando os grandes problemas nacionais. (CUNHA, 2007b, p.
172).
No Brasil, o I Seminário Nacional da Reforma Universitária foi realizado em
Salvador/Bahia, em 20 a 27 de maio de 1961, apresentando seis temáticas40
em torno da
reforma universitária, sendo apenas um dos relatórios temáticos reprovados41
. Resultou desse
Seminário um conjunto de propostas para a reforma universitária, que ficou conhecida como
“Carta da Bahia”. (UNIÃO NACIONAL DOS ESTUDANTES, 1961 apud CUNHA, 2007b).
Um dos principais objetivos da reforma universitária era conquistar a autonomia
da universidade diante do governo, para, com isso, ter direito de realizar mudanças
necessárias dentro do próprio ambiente universitário, sem repressão governamental. Uma
dessas mudanças referia-se a modificar o sistema de ingresso e aprovação.
Mas os estudantes e intelectuais que pregavam a reforma universitária sofreram
um grande golpe: quando encerrou o Seminário em Salvador, souberam da aprovação pelo
Congresso Nacional da LDB/61, que vinha com propostas contrárias às defendidas no
Seminário, principalmente no que se tratava da defesa da escola pública.
No ano de 1962, foi realizado o II Seminário Nacional de Reforma Universitária
em Curitiba/Paraná, que apresentou seis grupos temáticos relacionados à análise da
39
Havia universidades em Buenos Aires, Córdoba, La Plata, Tucumán e Santa Fé. 40
As temáticas eram: (1) O exame vestibular, o programa e o currículo, o sistema de aprovação; (2) A
administração da universidade, a participação do corpo discente na administração da universidade, a autonomia
da universidade; (3) Condições de funcionamento: instalações, salas de aula etc., pesquisa; (4) Realidade
brasileira, mercado de trabalho; (5) Corpo docente, cátedras vitalícia, tempo integral; (6) Função da
universidade. 41
O único relatório temático reprovado foi o de Condições de funcionamento: instalação, salas de aula etc.,
pesquisa.
64
universidade42
. O documento final do seminário constituiu a “Carta do Paraná”, com maior
consistência que a própria Carta da Bahia, por apresentar propostas mais inovadoras, como a
defendida por Vieira Pinto do abandono da reivindicação da autonomia universitária, além de
outras proposições:
São dois os magnos objetivos da reforma universitária e que precisam ser bem
conhecidos; o primeiro, como sendo a criação da intelectualidade revolucionária que
esteja impregnada de ideologia a serviço das massas trabalhadoras, e levem a
soluções socializantes as lutas dessas classes; e, em segundo ponto, a pesquisa das
referidas soluções inéditas que a realidade brasileira implica, embora ainda pouco se
possa dizer sobre suas possibilidades. Mas um fato de repercussão tão vasta sobre a
vida nacional não deve nem de longe ser afastado do quadro das lutas de classe, mas
entendido como uma das suas manifestações mais violentas. Já se compreende que a
manutenção da antiga estrutura universitária é impossível, e, portanto, a divisão das
lutas é em torno da reforma como deverá ser feita. (UNIÃO NACIONAL DOS
ESTUDANTES, 1962 apud CUNHA, 2007b, p. 193).
Mas o objetivo central da reforma universitária, presente na Carta do Paraná, era o
de “eliminar os entraves ao desenvolvimento do capitalismo no Brasil”, trazendo como
propostas a “eliminação do analfabetismo e do pauperismo urbano e rural, e a promoção da
politização das massas”. Lembramos que uma das principais manifestações produzidas pela
Carta do Paraná foi a greve do “um terço”, pois a representação estudantil era um dos pontos
mais importantes das reivindicações desta Carta.
Contudo, conforme Cunha (2007b), Vieira Pinto ressaltava que a luta pela
Reforma Universitária estava sendo travada mais fora das universidades do que no seu
interior, o que, talvez, demonstrasse a pouca expressividade do ambiente universitário e o
enfraquecimento desse movimento.
Em síntese, a mobilização estudantil dos professores e dos reitores propiciou o
fortalecimento de uma política, propondo a reforma universitária. Embora essas
reivindicações iniciassem no período da República Populista, apenas em 1968 foi aprovada a
Reforma Universitária com postos-chaves para definir as bases do ensino superior e as
diretrizes para sua modernização, como veremos a seguir.
1.6 Ditadura Militar (1964 – 1985)
O fim da República Populista é marcado pela posse do vice João Goulart na
presidência da República, no lugar de Jânio Quadros, que renunciara ao cargo em 1961, sete
42
Os grupos temáticos foram divididos em: (1) do ponto de vista estrutural (duas comissões); (2) do ponto de
vista regional; (3) do ponto de vista cultural; (4) do ponto de vista político-social; e (5) teorização da
universidade.
65
meses após sua posse. Embora empossado, Goulart pouca autonomia apresentava no cargo de
Presidente, uma vez que opositores militares instalaram um estado de governo, onde as
principais decisões eram tomadas por uma junta militar.
A luta contra o comunismo e o interesse político que cercava a política governista
desencadeou o golpe militar em 31 de março de 1964, destituindo Goulart, e conduzindo para
a Presidência o Marechal Castelo Branco, sucedido, com eleições indiretas no Congresso
Nacional, pelo General Arthur Costa e Silva.
No período da Ditadura Militar, no âmbito do ensino superior, surgiu uma política
de modernização, com inovações que já vinham se desenvolvendo desde 1940, e agora foram
intensificadas, com novas propostas, como a criação de agência de fomento para o
desenvolvimento de pesquisas, como é o caso do Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico - BNDE, da Financiadora de Estudos e Projetos - Finep, do CNPq e da
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Capes; e a extinção das
cátedras, formando agora como estrutura a carreira docente (CUNHA, 2007c).
Nos primeiros anos da Ditadura Militar, também observamos uma expansão do
ensino superior; contudo, a ótica nesse momento estava centrada em um projeto liberal
autoritário, conservador, desmobilizador e excludente. “Esse projeto conduzirá o ensino
superior a um processo crescente de vulgarização, deterioração, controle e privatização.”
(OLIVEIRA, 1994, p. 121).
O Estado passou a valorizar a iniciativa privada justamente para se desobrigar da
responsabilidade pela educação, criando mecanismos para, por exemplo, eliminar a gratuidade
do ensino, principalmente no ensino superior.
A discriminação dos estudantes pobres se dá, portanto, através do ensino de má
qualidade das escolas privadas e isoladas e de outros mecanismos de seleção
socioeconômica como o vestibular, por exemplo. (OLIVEIRA, 1994, p. 122).
Portanto, nesse período, diferente dos anteriores, temos finalmente o objetivo de
reestruturação do ensino, principalmente o ensino superior, com propostas para implantação
de verdadeiras universidades no Brasil. Tendo ocorrido o golpe em 1964, quatro anos após, os
militares adotaram uma política autoritária e ditatorial, sendo em novembro de 1968
promulgada a Lei n.º 5.540, que trata da Reforma Universitária.
Tal reforma tinha como objetivo desvincular os antigos modelos cultuados nas
universidades brasileiras, como o modelo francês de Napoleão Bonaparte ou o alemão de
Humboldt, para promover sua modernização na direção do modelo norte-americano.
66
Com efeito, a modernização do ensino superior na direção do modelo norte-
americano já vinha ganhando terreno lenta, mas solidamente, desde os anos 1940
[...]. A própria Universidade de Brasília expunha esse modelo à pronta difusão.
(CUNHA, 2007c, p. 20).
Embora o golpe militar tenha acontecido em 1964 e a Reforma Universitária em
1968, durante esse período já era desenvolvido um programa de reestruturação do ensino,
através de um projeto desenvolvido pelo Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (Ipes); e se a
lei da Reforma Universitária não foi rapidamente promulgada (isso em 1964), é porque essa já
estava, pelo menos parcialmente, implantada, necessitando apenas neutralizar (ou eliminar) os
opositores a essa nova estrutura educacional (CUNHA, 2007c).
Reitores foram demitidos, professores foram afastados, bibliotecas foram
expurgadas, mas a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e o Conselho
Federal de Educação, com seus pareceres e resoluções, mais o Plano Nacional de
Educação, foram mantidos, vindo este último a ser o alvo de algumas modificações
[...]. (CUNHA, 2007c, p. 23).
Por meio da Reforma Universitária, o “exame vestibular” passou a se chamar
“concurso vestibular”, tendo como prerrogativa um vestibular unificado e classificatório43
,
constituído de provas objetivas. Com esse novo modelo de vestibular, esperava-se a
diminuição das pressões causadas pelos excedentes, assim como aumentar a produtividade do
sistema com a ocupação de todas as vagas acadêmicas.
Houve também, em decorrência da Reforma Universitária, uma expansão do
ensino superior, pois a partir desse momento o título acadêmico era almejado, e se tornara um
produto que poderia ser comercializado para aqueles que não conseguiam ingressar em uma
IFES.
A maioria dos candidatos pobres dos concursos vestibulares não conseguia ser
aprovada nos cursos “nobres” das universidades gratuitas e acabava sendo (re)
classificado para os cursos pagos e em geral de pior qualidade das instituições
particulares. (OLIVEIRA, 1994, p. 126).
Outro mecanismo de contenção ao ensino superior surgiu com a criação dos
cursos profissionalizantes no 2.º grau44
, justamente para que os estudantes egressos do
segundo grau já entrassem no mercado de trabalho, não chegando a ingressar no ensino
43
Mesmo contendo na reforma universitária a unificação do vestibular assim como o sistema classificatório,
foram necessários dois decretos-leis para legitimá-los, assim foi instituído o Decreto-Lei n.º 464 de 11 de
fevereiro de 1969, referente ao vestibular unificado por região e/ou por tipo de curso; e o Decreto n.º 68.908 que
instituía o sistema classificatório de ingresso ao ensino superior de acordo com as notas obtidas no “concurso
vestibular”. 44
Lei n.º 5.692/71.
67
superior. Tal medida, além de diminuir o número de candidatos ao ensino superior, também
tinha como objetivo a proteção do valor intrínseco do diploma, temendo-se a perda do valor
econômico e do valor simbólico dos portadores de títulos acadêmicos. Recomeçava nesse
momento a discriminação socioeconômica do processo seletivo, em que só deveriam ingressar
no ensino superior as pessoas pertencentes às classes dominantes (OLIVEIRA, 1994).
Faz-se necessário citar nesse momento o acordo firmado entre o Ministério da
Educação - MEC e a United States Agency for International Development – Usaid, em que
esse último ficaria responsável por desenvolver a reforma do ensino brasileiro, seguindo os
moldes e princípios da economia capitalista. Nesse acordo, conhecido como Acordo MEC-
Usaid, houve a reestruturação do sistema educacional, com a junção do curso primário e
ginasial, surgindo, dessa forma, o Primeiro Grau (em 8 anos). Houve também a junção dos
cursos clássico e científico, vindo a ser chamado de Segundo Grau (em 3 anos), e o ensino
superior passou a ser chamado de Terceiro Grau. Esse acordo exigia o assessoramento norte-
americano, assim como também exigia o ensino da Língua Inglesa desde o início da
escolarização dos estudantes a e retirada de algumas disciplinas consideradas obsoletas como
filosofia, latim e educação política.
No processo da reforma universitária, vale destacar o projeto da Universidade do
Brasil, que propôs a separação entre a representação discente e os diretórios estudantis, para
com isso bloquear os movimentos estudantis, além do projeto do Ipes, com propostas de
modernização tecnológica e de privatizações no setor educacional.
Nos primeiros anos da ditadura, iniciou-se um processo de censura visando à
contenção das ideias comunistas, ou simplesmente ideias “exóticas” ou “alienígenas”; com
isso, vários professores e administradores universitários perderam seu cargo, sendo demitidos
sem uma causa aparente.
A UnB, no ano de 1964, foi palco dos maiores confrontos entre estudantes e
militares, sendo o reitor, Anísio Teixeira, e o vice-reitor, Almir de Castro, demitidos de seus
cargos, assim como todo Conselho de Fundação da Universidade de Brasília.
O campus da Universidade de Brasília foi tomado como se fosse um reduto armado
de tropas inimigas. Só isso explica por que 400 homens da Polícia Militar do Estado
de Minas Gerais ocuparam a universidade no dia 9 de abril de 1964, secundados por
tropas do exército oriundo de Mato Grosso. Os soldados procederam à ampla revista
das pessoas e das instalações, interditando departamentos e biblioteca, apreendendo
livros considerados subversivos. (CUNHA, 2007c, p. 40).
68
O CFE reduziu o número de cursos na UnB, assim como fixou a estrutura dos
currículos mínimos dos cursos; portanto, os estudantes já deviam se definir ao curso
pretendido no momento da inscrição ao exame vestibular.
[...] Em 1965, dos 1.085 alunos regulares, 264 estudavam Direito; 146, Letras
Brasileiras; 45, Biblioteconomia; 51, Jornalismo; 121, Artes; 35, Psicologia; 17,
Cinema. O número de alunos seria, também, muito baixo em relação ao de
professores: 3,8. Em cursos de alto custo havia um número injustificadamente
pequeno de estudantes, como o de Química (6 estudantes). (CUNHA, 2007c, p. 47).
No cargo de ministro da Educação, Suplicy de Lacerda baixou uma portaria45
que
determinava que os reitores das universidades e os diretores das faculdades cumprissem o Ato
Institucional n.º1, implantando, dessa forma, uma comissão de inquérito dentro de cada
instituição universitária.
Isso gerou várias repercussões no âmbito acadêmico, como aconteceu na
Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil, em que foram fechados os cursos
pré-vestibulares mantidos pelo Diretório Acadêmico, extintos os cursos noturnos e eliminado
o critério classificatório nos exames vestibular, embora esse último tenha retornado devido à
reforma universitária em 1968.
A desestabilização do movimento estudantil foi outro ponto marcante da política
militar no período da ditadura. Ainda no Período Republicano, a participação dos estudantes
universitários foi bastante ampliada, principalmente com a participação desses no Fórum
Universitário46
, isso em 1963. Entretanto, quinze dias após o golpe militar, Gama e Silva,
então ministro da Educação, cuidou de retirar a representação estudantil desse Fórum.
Contudo, os movimentos estudantis não foram sempre motivo de contestação,
pois a universidade, o empresariado e o próprio governo procuravam apoio dos estudantes em
participação política. Um exemplo disso foi a criação da extensão universitária, em que as
universidades poderiam colocar seus recursos materiais, humanos e de pesquisa a serviço da
comunidade, sem a necessidade de mercado de trabalho, para inserir esse trabalho
desenvolvido a nível acadêmico.
Referente à modernização do ensino superior, fazia parte dos planos do novo
regime o processo de modernização, observado pelo Programa de Ação Econômica do
Governo – 1964/1966, que consistia em um detalhamento do projeto que o Ipes havia
formulado antes de 1964.
45
Portaria s/n, de 20 de abril de 1964. 46
Órgão colegiado de assessoria ao ministro da Educação criado pela Portaria 67, de 27 de fevereiro de 1962.
69
Para o ensino superior, o PNE de 1962 foi marcante, pois se refere à necessidade
de conter o ritmo de crescimento do ensino superior; contudo, julgava haver um déficit de
vagas nessa modalidade de ensino, indicando que:
[...] apenas os jovens de uma certa faixa etária das cidades de um certo porte
poderiam ter reconhecido seu direito de candidatura ao ensino superior; admitiu a
necessidade de um aumento de 180 mil matrículas até 1970 para atender a critérios
que permitissem que a população das cidades com mais de 50 mil habitantes
tivessem um aluno matriculado para cada 100 habitantes, ou uma matrícula para 11
habitantes de 20 a 24 anos. Com isso, previa a matrícula de 300 mil alunos no ensino
superior, em 1970, cerca de três alunos por mil habitantes. (BRASIL, 1965 apud
CUNHA, 2007c, p. 68).
Esse Plano também previa a concessão de contribuição direta ou de bolsa
restituível, em que o governo financiava o estudante em estabelecimentos oficiais
particulares; contudo, essas bolsas seriam concedidas aos estudantes em cursos considerados
prioritários para a sociedade ou caso o estudante tivesse um excelente aproveitamento de
estudos e comprovassem incapacidade financeira de pagar pelo curso.
O PNE foi revisto em 1965. Nesse, o ensino superior manteve os mesmos
objetivos anteriores, em admitir, em 1970, pelo menos metade dos concluintes do ensino
médio, e manter pelo menos 30% dos cursos superiores em período integral. Determinava
também a aplicação do recurso nas instituições federais já existentes, para promover o
aumento de matrículas por ganho de produtividade, embora o financiamento de estudos em
instituições privadas continuasse a aumentar, chegando a tal ponto que, em 1973, “39% dos
recursos públicos despendidos com o ensino do grau superior consistiam em subsídios a
escolas particulares.” (CUNHA, 2007c, p. 70).
O modelo para reforma de base pretendida ao ensino superior brasileiro era
baseado no modelo vigente nos Estados Unidos, que tinha sua estrutura administrativa e
pedagógica enaltecida: “a estrutura das “melhores universidades norte-americanas” era
colocada como a que deveria orientar a reforma das brasileiras.” (CUNHA, 2007c, p. 71).
Assim, várias IES no Brasil tiveram seu padrão organizacional segundo as universidades
norte-americanas, como a UnB, o ITA e a Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto.
Referente ao ingresso no ensino superior, nesse período ainda havia como porta
para o ingresso a realização do exame vestibular. Não era classificatório, mas sim
eliminatório, e todo estudante que obtivesse média maior que cinco pontos seria considerado
apto. Como o número de candidatos aprovados era superior ao número de vagas, passaram a
existir os chamados “excedentes”, formados por estudantes aprovados nos exames
vestibulares, mas que não conseguiam se matricular por falta de vagas.
70
Mesmo com a Reforma Rocha Vaz, ocorrida em 1925, que determinava a fixação
do número de vagas a cada ano, e para cada curso, instituindo desta forma o sistema
classificatório, a legislação do vestibular dava margem para interpretar a aprovação47
como
requisito que garantiria o direito à matrícula nas IES (CUNHA, 2007c).
A cada ano, surgiam mais estudantes “excedentes”, em consequência do aumento
pela procura de vagas nos cursos superiores. Com isso, o MEC passou a induzir as
universidades federais a aumentarem as vagas, principalmente nos cursos mais procurados,
como Medicina e Engenharia.
[...] Para as escolas de medicina, o número de candidatos por vagas variou entre 6,3
e 8,3 no período 1964/68; para as de engenharia, ente 3,6 e 4,7, no mesmo período.
Enquanto isso, para os demais cursos, o número de candidatos por vaga mal se
aproximava de 2. (BRASIL, 1970 apud CUNHA, 2007c, p. 83).
Assim, uma estratégia que passou a ser utilizada pelos estudantes excedentes
foram os mandatos judiciais, em que os mesmos entravam na justiça para solicitar a matrícula
nos cursos das IES. Uma lei também aprovada pelo Congresso Nacional autorizava as
instituições particulares a matricularem os excedentes recusados nas universidades oficiais
por falta de vaga.
[...] alguns juízes deferiam os mandatos de segurança impetrados por grupos inteiros
de candidatos aprovados, mas não matriculados por falta de vagas. As escolas
ficavam, então, obrigadas a receber esses estudantes, improvisando recursos
materiais e humanos. [...]. (CUNHA, 2007c, p. 83).
Outro fator de insatisfação referente ao regime pós-64 refere-se às camadas
médias da sociedade, que não eram beneficiadas pelas políticas educacionais do regime
militar, por exemplo, os próprios “excedentes”, em sua grande maioria, faziam parte dessa
classe social. E quando necessitava de recursos para outros fins, o governo federal
simplesmente cortava verbas das universidades, e/ou protelava a entrega de verbas constantes
do orçamento. Assim, o ensino superior via sua situação deteriorando a cada semestre.
Embora o grande problema fossem os excedentes, também houve situação
contrária a essa, em que não havia estudantes para preencher as vagas disponíveis, como era o
caso dos estabelecimentos de ensino agrícola. Para tanto, foi criada a lei n.º 5.46548
, de 3 de
julho de 1968, que estabelecia a reserva de vagas para esses cursos (agricultura e veterinária)
pelo menos metade de suas vagas para “candidatos agricultores ou filhos destes, proprietários
47
Essa aprovação configurava-se como a obtenção de nota igual ou superior a 5,0 (cinco) pontos. 48
Também conhecida como “lei do boi”.
71
ou não de terras.” (CUNHA, 2007c, p.85), que residissem em zona rural, e outros 30% das
vagas para os candidatos nessas condições mas que residissem nas cidades ou vilas.
Essas medidas foram paliativas, pois cada vez mais crescia o número de
estudantes interessados em ingressar no ensino superior, tornando cada vez maior o número
de excedentes. Somando-se a isso, o movimento estudantil ganhava força, impulsionado pela
demanda dos próprios excedentes e pelas condições de ensino insatisfatório, o que alimentava
a ideia de que o ensino superior precisava de uma urgente reforma.
Nos dois primeiros anos da Ditadura Militar, a ação dos militares se restringiu,
basicamente, a ações repressivas, com prisões e demissão de professores e funcionários, e
expulsão de estudantes considerados “baderneiros”, gerando consequentemente o
sucateamento do ensino superior:
O funcionamento do ensino superior foi definido como precário, pois não havia salas
de aulas adequadas, os currículos não estavam atualizados, o corpo docente não era
competente nem trabalhava em tempo integral, a organização administrativa era
deficiente. Além disso tudo, ainda prevalecia uma espécie de peleguismo acadêmico,
que consistia na prática “de um sistema de empregos administrativos entre parentes
dos catedráticos.”. (CUNHA, 2007c, p. 87).
Outro ponto a ser destacado, que gerava muita tensão, é referente à cobrança de
anuidade nas IES, pois nas IES, onde os movimentos estudantis eram mais fortes, as taxas
eram mínimas ou nem existiam, e, nas IES onde os movimentos estudantis eram fracos, as
taxas chegavam ao nível de mercado. Havia outras revindicações que precisavam ser
equacionadas, como o problema dos excedentes de 1967, que lutavam pela garantia de vagas
em 1968; as paralisações que comprometiam os 180 dias dos calendários acadêmicos; a
cobraça descontrolada de mensalidades nas faculdades particulares; o alto preço dos livros
didáticos que sempre tinham seus conteúdos alterados, entre outras situações.
No pensamento da comissão49
, o ensino superior brasileiro estaria passando por um
verdadeiro “clima de falência de autoridade”. A causa desse clima seria a Lei de
Diretrizes e Bases de Educação Nacional, de 1961, que instituiu autonomia
administrativa e disciplinar das universidades e escolas isoladas, bem como atribuiu
ao Conselho Federal de Educação poderes bastante grandes, muito superiores aos
dos conselhos que o antecederam. (CUNHA, 2007c, p. 91).
Pelo exposto, era clara a necessidade de se implantar uma completa reforma no
ensino superior, para, dessa forma, organizar esse nível de ensino. Uma das soluções seria a
adoção do regime de créditos, pois permitiria o ingresso de mais de uma turma por ano para
49
Comissão que elaborou o Relatório Meira Matos.
72
“aumentar o ritmo de trabalho de pessoal docente e articular melhor os horários no sentido de
aproveitamento total dos recursos existentes (salas de aula, laboratórios etc.).” (CUNHA,
2007c, p. 95).
Desde os anos de 1940, os norte-americanos já exerciam influência na educação
brasileira, ganhando forma nos anos de 1950 e se intensificando nos anos de 1960, graças ao
acordo firmado entre o governo brasileiro e a agência norte-americana Usaid. Nesse acordo, o
principal objetivo era desenvolver políticas educacionais voltadas para o ensino primário50
,
por se tratar da grande massa populacional “que a Aliança para o Progresso queria retirar da
influência comunista.” (CUNHA, 2007c, p. 155).
Contudo, chega um momento em que os estudantes do ensino fundamental
ingressam no ensino superior, havendo, dessa forma, a necessidade de aplicação de políticas
que atingissem esse grau de ensino, que nessa época se destinava às elites. Isso iniciou
precisamente no ano de 1963, quando veio para o Brasil uma nova equipe de consultores para
analisar a situação do ensino superior brasileiro, e propor estratégias para melhorá-lo.
O objetivo do Higher Education Team51
era descobrir meios para adequar a
assistência ao ensino superior à estratégia geral da Usaid e opinar sobre a
conveniência de se organizar um programa especificamente voltado para o ensino
superior, como já havia para outras áreas. (CUNHA, 2007c, p. 156).
Em 30 de junho de 1966 que foi firmado o convênio entre o MEC e a Usaid,
visando à modernização da administração universitária, com o seguinte diagnóstico da
situação nesse nível de ensino:
[...] da situação atual, que abria o convênio, dizia que o rápido crescimento do
número de universidades no Brasil (de 3, em 1944, para 37, em 1966) não deixou
tempo para que se cuidasse da administração universitária. Como resultado, antevia-
se o surgimento de problemas nas áreas de exames vestibulares, planejamento
acadêmico, administração financeira e planejamento físico das cidades
universitárias, que “tornar-se-ão tão complexos que limitarão severamente a
eficiência destas instituições e terão fatalmente efeito prejudicial no
desenvolvimento do ensino superior no Brasil.”. (CUNHA, 2007c, p. 203).
Tais consultores chegaram à conclusão de que o ensino superior brasileiro era
inadequado em termos qualitativos e quantitativos. Com exceção do Instituto Tecnológico da
50
De 1945 a 1966 foram destinados 57,4 milhões de dólares no ensino primário e apenas 5,5 milhões no ensino
superior. 51
Comissão de consultores contratados pela Usaid, composta por Rosson L. Cardwell, Raymond D. Larson, W.
Nelson Peach e Charles Wegley.
73
Aeronáutica e da recém-criada UnB, as demais instituições diferiam muito dos padrões norte-
americanos:
[...] Os currículos eram rígidos; a maioria dos professores só dedicavam umas
poucas horas por semana à universidade; faltavam equipamentos nos laboratórios; as
bibliotecas eram pequenas, inadequadas e mal organizadas; os edifícios eram mal
utilizados; as condições de ingresso eram tão severas que não se chegava a
completar as vagas; a grande maioria dos estudantes só frequentava a universidade
uma parte do dia, como se trabalhassem em regime de tempo integral; os livros e
outros materiais didáticos eram escassos. (CUNHA, 2007c, p. 156-157).
Além desses pontos, o número de estudantes matriculados era irrisório se
comparado com os estudantes de países vizinhos como Argentina e Uruguai, assim como o
número de professores das universidades em todo Brasil ser menor que o número de
professores da cidade de Nova York.
Diante disso tudo, dizia o grupo não ser difícil entender por que os estudantes
brasileiros estavam tão frequentemente em greve e mais dedicados á política do que
aos estudos, assim como os professores brasileiros estarem procurando emprego nos
Estados Unidos e em outros países. (CUNHA, 2007c, p. 157).
O trabalho dos consultores da Higler Education Team foi interrompido pelo golpe
de estado em 1964; mesmo assim, tal comissão produziu um denso relatório sobre as
condições do ensino superior no Brasil, assim como elaboraram projetos para o melhoramento
desse nível de ensino que beneficiariam várias universidades e outras instituições ligadas ao
ensino superior.
Desses projetos, os cursos de pós-graduação foram os mais favorecidos, com a
estratégia de formar professores para os cursos superiores, pois que “a Usaid sozinha
concedeu 3.800 bolsas de estudo a brasileiros no período de 1965-1970.” (CUNHA, 2007c, p.
161). Contudo, dois projetos merecem ser apreciados com maiores detalhes, o primeiro se
refere à organização de uma Equipe de Assessoria ao Planejamento do Ensino Superior,
composta por técnicos brasileiros e norte-americanos, sendo que esse convênio ficou
conhecido como convênio MEC-Usaid. E o segundo trata-se da intenção de modernizar a
administração das universidades com o auxílio de consultores norte-americanos e da
concessão de bolsas de estudos nos Estados Unidos.
Em 1965, foi firmado convênio entre o MEC (através da Diretoria do ensino
superior) e a Usaid, em que foi constituída uma Equipe de Planejamento do Ensino Superior
(Epes), com a doação de 500 mil dólares por parte da Usaid, e de recurso do governo
brasileiro “não expresso em termos monetários.” (CUNHA, 2007c, p. 162). Da mesma forma
74
como em 1965, em 1967, foi firmado um novo convênio entre o MEC e a Usaid devido,
principalmente, ao movimento estudantil contrário ao acordo MEC-Usaid. Esse novo acordo
tinha como estratégia apenas o de assessorar o planejamento do ensino superior. A antiga
Epes foi substituída pela Eapes – Equipe de Assessoria ao Planejamento do Ensino Superior,
cabendo “às autoridades brasileiras competentes a responsabilidade de determinar a política e
as normas de Educação, bem como de aprovar ou não todos os planos elaborados.” (CUNHA,
2007c, 166).
Tanto a Epes como a Eapes eram comissões formadas metade por representantes
norte-americanos e a outra metade por representantes brasileiros; ao final dos trabalhos dessas
comissões, foram emitidos pareceres em separado (textos dos norte-americanos e textos dos
brasileiros), com propostas para o ensino superior.
Em nível de interesse deste trabalho, vemos a seguir as deliberações propostas
pelas comissões norte-americana e brasileira para o sistema de ingresso ao ensino superior.
A Eapes criticou duramente os critérios utilizados nos exames vestibulares,
principalmente por não prestar nem à previsão do êxito dos candidatos ao exame, nem à
seleção para as vagas disponíveis; para o primeiro problema foi sugerido que uma comissão
de brasileiros elaborasse um conjunto de testes aplicados aos candidatos a curso de ensino
superior, “os testes teriam como objetivo medir a capacidade de raciocínio, a capacidade de
manipular conceitos abstratos e analíticos; a capacidade de leitura e de compreensão.”
(CUNHA, 2007c, p. 173).
Já para o problema das vagas disponíveis, os consultores norte-americanos
criticaram as características dos alunos brasileiros, que não migravam para outros estados em
busca do curso pretendido, assim como os mesmos não realizavam teste de aptidão para a
candidatura aos cursos superiores, fato diverso dos estudantes norte-americanos que quase
sempre cursam o ensino superior em estado diferente do que cursou o ensino médio, além de
realizarem testes de aptidões e confiarem neles.
Portanto, para solucionar o problema dos excedentes, os consultores propuseram
que os exames vestibulares adotassem o critério classificatório, pela ordem decrescente das
notas obtidas nos exames de acordo com a quantidade de vagas disponível. “A combinação
dos testes de aptidão para estudos superiores com a admissão pela ordem de notas levaria à
alteração da própria estrutura desse grau de ensino.” (CUNHA, 2007c, p. 174). A comissão
também citou, brevemente, sem maiores detalhes, que os exames vestibulares deveriam ser
unificados por instituição, e não mais aplicados separadamente por cursos ou departamentos.
75
Já nos relatórios do grupo de brasileiros da Eapes, apresentou-se a necessidade de
aumentar o número de vagas no ensino superior, de modo a atingir pelo menos 50% dos
estudantes concluintes do 2° grau; para tanto, essa comissão propôs mudanças nas IES, assim
como na administração das mesmas. Propôs, mais enfaticamente que os norte-americanos o
fizeram, a adoção do sistema classificatório nos exames vestibulares. “Os brasileiros diziam
que não deveria haver aprovações nem reprovações, preenchendo-se todas as vagas
disponíveis e previamente anunciadas.” (CUNHA, 2007c, p. 182). E, com o aumento do
número de candidatos, seria necessário que as provas fossem objetivas, corrigidas por
computador, abandonando a prova de redação, assim como a redução de número de matérias
para apenas as cursadas no 2.º grau52
.
[...] Além disso, recomendava que se estudasse a viabilidade de um sistema de testes
para ser aplicado nos alunos do último ano do 2.º grau, em todo o país, para ajudar a
classificá-los para os cursos superiores, na mesma linha sugerida por Hunter.
(CUNHA, 2007c, p. 183).
Também propunham que os vestibulares deveriam ser unificados dentro das
universidades, de acordo com o tipo de escola, “mas não lhes pareceu aconselhável adotar o
exame vestibular único para todo o país” (CUNHA, 2007c, p. 183), pois havia o receio de que
alunos considerados fracos poderiam ingressar no ensino superior.
Assim, a comissão brasileira esperava rebaixar a barreira do vestibular e transferir
a responsabilidade do ingresso para dentro das universidades, contudo, tal comissão também
propôs limitar o número de vezes que um candidato pudesse se inscrever no exame vestibular,
“medida essa que supunham não fosse lesiva aos direitos dos jovens, pois os reincidentes
seriam aqueles que insistiriam em um determinado curso ou escola.” (CUNHA, 2007c, p.
183).
O limite de realização do exame vestibular, assim como o vestibular por área e a
instituição do ciclo básico nos primeiros anos do ensino superior eram estratégias para diluir
estudantes em cursos mais procurados e redirecioná-los para cursos menos disputados.
O acordo firmado entre o MEC e a Usaid sofreu várias críticas, principalmente
pelos movimentos sociais; os norte-americanos, que no primeiro momento (1965) foram
chamados para planejarem (junto com uma comissão de brasileiros) o ensino superior,
passaram, no segundo momento (1967), a apenas assessorar as políticas desse nível de ensino.
Verificamos também que os projetos propostos pelas comissões não se desenvolveram como
o esperado, pois tanto os objetivos como aos métodos não eram “realistas” para a realidade
52
Foram adotadas apenas as matérias de Português, Matemática e uma Língua estrangeira que não o Espanhol.
76
brasileira, além da falta de colaboração de trabalho entre as equipes dos norte-americanos e
brasileiros. Cunha (2007c) elenca os principais motivos do fracasso do acordo proposto: 1) a
dificuldade da língua; 2) as severas críticas que o acordo recebeu por vários movimentos
sociais; 3) o “relativo isolamento” em que ficaram os consultores norte-americanos; 4) e a
deficiente bibliografia brasileira sobre o ensino superior. Portanto, os relatórios elaborados
pela Eapes, podemos afirmar, mostram um trabalho muito abaixo dos objetivos propostos
pelo acordo MEC-Usaid para o ensino superior, e, com o fim dos recursos financeiros em
1973, extinguiram-se as comissões de trabalho.
Tratemos, a partir de então, propriamente da Reforma Universitária realizada em
1968, impulsionada pelas manifestações populares, principalmente pelos estudantes da classe
média, que reivindicavam ingresso a esse nível de ensino. Essa categoria, em parte, auxiliou o
golpe realizado pelos militares em 1964, assim o governo foi “obrigado” a ouvir as suas
sugestões e encabeçar um projeto de reforma para o ensino superior.
Em julho de 1968, foi constituído um grupo de trabalho que apresentaria relatórios
sobre as reformas necessárias para o ensino superior. Esses relatórios se transformaram num
anteprojeto de lei, “sendo um da reforma universitária, e de decretos regulando aspectos de
interesse dessa questão.” (CUNHA, 2007c, p. 219).
O referido grupo de trabalho foi instituído pelo Decreto 62.937, de 02 de julho de
1968, composto por onze membros designados pelo Presidente da República. O presidente
desse grupo seria o ministro da Educação, e o principal objetivo, “estudar a reforma da
Universidade brasileira, visando à sua eficiência, modernização, flexibilidade administrativa e
formação de recursos humanos de alto nível para o desenvolvimento do País.” (CUNHA,
2007c, p. 219 – 220).
O primeiro trabalho desenvolvido pelo GT foi definir o conceito de universidade e
o que competia a essa instituição, qualificando-a como um “tipo natural de estrutura para o
ensino superior.” (CUNHA, 2007c, p. 224).
Uma das propostas do GT foi a divisão dos cursos de graduação em dois ciclos, o
primeiro seria chamado de ciclo básico, que abordaria conteúdos em geral com objetivo de
recuperar falhas do ensino médio assim como orientar o estudante para uma carreira
profissional, o segundo ciclo seria o profissional, com matérias específicas para cada carreira
profissional. Essa estratégia também tinha como justificativa a realização do vestibular, já
empregado como desvantajoso à realização do vestibular específico para um determinado
curso, por estudantes tão jovens e sem nenhuma orientação vocacional. Assim, o GT saiu em
defesa da unificação do vestibular, primeiramente por cursos afins e depois atingindo todos os
77
cursos de uma universidade, e futuramente todas as universidades e escolas isoladas de uma
determinada região até atingir regiões inteiras do País.
Outro ponto decisivo dos trabalhos do GT foi no sentido de sancionar o que já
havia sido decretado pela Constituição de 1967, no que se refere à extinção das cátedras, que
deveriam ser substituídas pelo regime departamental. Também defendia o regime de carreira
docente dos professores universitários, por meio de concurso de títulos e provas para os níveis
inicial e final; contudo, os professores catedráticos ora existentes deveriam ser elevados à
categoria mais alta da nova estrutura da carreira docente.
[...] Assim, dizia o Relatório que em lugar da cátedra deveria surgir o departamento,
“organismo muito mais amplo, que programará, solidariamente, as atribuições de
ensino e pesquisa dos docentes, representando um passo decisivo para o progresso e
aperfeiçoamento das nossas instituições universitárias.”. (CUNHA, 2007c, p. 231).
Consequentemente, com o surgimento do regime departamental, via-se a
necessidade de estruturação do regime acadêmico, passando de seriado para o regime de
créditos, de modo que o estudante teria controle sobre sua integralização curricular.
Para aumentar a dotação orçamentária foram também introduzidas no Relatório do
GT as novas deliberações a respeito do financiamento para o ensino superior; nesse quesito,
sugeriu-se a criação do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação – FNDE; a doação
financeira por parte de pessoas físicas ou jurídicas ao FNDE, que seria abatida no imposto de
renda dos doadores; e a destinação de 20% da receita proveniente da loteria desportiva.
Também se pretendia a racionalização dos recursos para o ensino superior com a
minimização dos custos das matrículas adicionais. Para isso, fora proposta a associação de
escolas isoladas a instituições federais e a mudança da estrutura interna das universidades
fazendo com que houvesse mais vagas acadêmicas com menor custo, “isso porque, com o
aumento de produtividade dos recursos materiais (salas, bibliotecas, laboratórios, quadras de
esporte) e humanos (professores), cada aluno custaria em média cada vez menos.” (CUNHA,
2007c, p. 237).
Portanto, o Relatório elaborado pelo GT, que começou suas atividades em 10 de
julho de 1968, foi encaminhado ao presidente da República no dia 16 de agosto do mesmo
ano, sendo, então, enviado em 02 de outubro para o Congresso Nacional, que um mês depois,
02 de novembro, aprovou a referida lei, sofrendo vários vetos sobre sua redação inicial, sendo
78
sancionada pelo presidente da República sob o número 5.540 de 28 de novembro de 196853
(CUNHA, 2007c).
Referente à forma de ingresso, a lei da Reforma Universitária previa a
permanência da seleção pelos “exames vestibulares”, mas com novas determinações para o
critério classificatório, “exames vestibulares” passaram a “concursos vestibulares”,
justamente pela mudança do princípio de aprovação e reprovação, para o princípio de
classificação, condizente com o termo concurso.
Assim, os concursos vestibulares chegaram a todo o ensino superior brasileiro, de
modo que as provas deveriam ser formuladas de acordo com o conteúdo ministrado no ensino
médio, para avaliar os conhecimentos desses estudantes, assim como garantir que os mesmos
tivessem conhecimento suficiente para ingressar no ensino superior.
O GT também estipulou um prazo de 3 a 5 anos para ocorrer a unificação do
vestibular “para todos os cursos ou áreas de conhecimentos afins, no âmbito da universidade,
da federação de escolas ou do estabelecimento isolado de organização pluricurricular.”
(CUNHA, 2007c, p. 263).
Houve uma intenção, nesse momento, de unificar a realização do concurso
vestibular em âmbito regional, embora o intento tenha sido retirado do texto oficial pelo
senador Carvalho Pinto, Arena (SP), que justificou:
[...] O vestibular regional, diante das disparidades regionais brasileiras só poderia ser
feito no nível da mediocridade, impedindo a possibilidade das instituições de ensino
superior lutarem pela excelência que é seu objetivo precípuo. (CUNHA, 2007c, p.
263).
Contudo, o Congresso Nacional foi vencido pelo AI-5, foi promulgado o decreto
464/69, em que o MEC, por meio de convênios, deveria organizar a realização de concursos
vestibulares unificados em âmbito regional. Tal formato de vestibular manifestou-se no
Decreto 68.908, de 13 de julho de 1971, que corrobora com o decreto anteriormente citado,
ampliando ainda mais o âmbito dos vestibulares unificados, que deveriam ser realizados em
regiões cada vez mais amplas do país.
Assim, foi proposta a lei da Reforma Universitária, que poucas contestações
sofreu dos seus opositores, até mesmo porque, depois de sancionada (28 de novembro de
1968), foi decretado o AI-5, um dos maiores instrumentos de repressão existentes até hoje no
Brasil, que desestimulou e amedrontou os críticos do sistema então vigente.
53
A referida lei foi sancionada 15 dias antes da promulgação do Ato Institucional 5.
79
1.7 Nova República (1985 - 201254
)
O exame de aspectos políticos que regem a sociedade permite ponderar que “[...]
o Estado não existe como obra da classe dominante, mas, ao surgir como o resultado do modo
material de vida dos indivíduos, assume a forma da vontade dominante.” (PERONI, 2003, p.
21).
O período que antecede à Nova República no Brasil revela que o processo de
construção da democracia foi contraditório, tendo nos setores populares a pressão contra o
regime militar para se instalar o sistema democrático liberal. Assim, realizaram-se eleições
indiretas no dia 15 de janeiro de 1985, elegendo Tancredo Neves como Presidente da
República por seis anos a partir de 15 de março de 1985; contudo, devido a um quadro clínico
de infecção hospitalar, Tancredo Neves faleceu em 21 de abril, sendo então empossado seu
vice, José Sarney. O Estado, então, ganhou novas configurações, atualizando o modo de
produção capitalista sob bases específicas.
Desde a década de 1990, o Brasil segue uma tendência mundial de reordenação
social, impulsionado por organizações como o FMI e o Banco Mundial.
Para entender as mudanças operadas nacionalmente, é necessário vislumbrar o
cenário internacional, no qual se processa a passagem do chamado Estado de Bem-Estar
Social para o modelo Neoliberal. Como refere Peroni (2003):
No período pós-Segunda Guerra Mundial, O Estado capitalista assumiu novas
obrigações, pois a produção em massa requeria investimentos em capital fixo e
condições de demanda relativamente estáveis para que fosse lucrativa. O Estado
tinha o papel de controlar os ciclos econômicos, combinando políticas fiscais e
monetárias. As políticas eram direcionadas para o investimento público,
principalmente para os setores vinculados ao crescimento da produção e do consumo
em massa, e tinha, ainda, o objetivo de garantir o pleno emprego. O salário era
complementado pelos governos através de seguridade social, assistência médica,
educação, habitação. O Estado acabava exercendo, também, o papel de regular direta
ou indiretamente os acordos salariais e os direitos dos trabalhadores na produção;
era o chamado Estado de bem-estar social. (PERONI, 2003, p.22).
Entretanto, o Estado de Bem-Estar Social não se desenvolveu da mesma forma em
todos os países, por exemplo, nos países de Terceiro Mundo, em que o fordismo55
apenas
54
Refere-se à data de realização da pesquisa, sendo que o período a Nova República continua após o ano de
2012. 55
Trata-se de uma forma de racionalização da produção capitalista baseada em inovações técnicas e
organizacionais que se articulam tendo em vista, de um lado, a produção em massa e, do outro, o consumo em
massa (PERONI, 2003).
80
salienta a dominação capitalista da elite, e a maioria da população tem poucos ganhos em
termos de qualidade de vida e de bem-estar social prometidos pelo Estado.
O modelo então vigente gerou uma crise no sistema econômico, pressionando a
uma reorganização. Seguiu-se a ofensiva neoliberal como estratégia de mudança, sem que
fosse alterada a ordem social estruturante, baseada no capitalismo.
Em meados dos XX observaram-se mudanças no modelo de produção, pautadas
na produção vinculada à demanda, no trabalho em equipe, na produção flexível, no melhor
aproveitamento possível do tempo de produção na organização de grupos de trabalhadores
para discutir desempenho e melhoria da produtividade. Nessa estrutura, houve uma
reorganização da economia embasada no Neoliberalismo, em torno de ações de
desregulamentação, privatização e crítica ao Estado provedor (SILVA, 2008).
A lógica do pensamento neoliberal está na tensão entre a liberdade individual e a
democracia. Para Hayek, a maximilização da liberdade está em proteger-se o sistema
de mercado, necessário e suficiente para a existência da liberdade individual. Assim,
o mercado deve ser protegido contra o Estado e, também, da tirania das maiorias.
(PERONI, 2003, p. 27).
Nesse processo, devemos distinguir o que é governo, transitório e responsável por
políticas públicas, e o que é Estado, que permanece com as regras gerais e que dá garantia à
liberdade e à propriedade, sendo o governo provedor de políticas para manutenção do Estado,
e assim responsável ou pela estabilidade ou pela crise do mesmo.
[...] verificamos que mesmo os governos mais comprometidos com a lógica
neoliberal não intervencionista têm sido grandes interventores a favor do grande
capital, o que ressalta, mais uma vez, o caráter classista do Estado, que, ao mesmo
tempo que se torna Estado mínimo para as políticas sociais e de distribuição de
renda, configura-se como Estado máximo para o grande capital. (PERONI, 2003, p.
33).
A análise feita por Peroni (2003) aplica-se fundamentalmente ao governo Cardoso
(1994 – 1998/1998 – 2002), que foi marcado pela estabilidade econômica alcançada por meio
do Plano Real56
, e pelo programa de racionalização e modernização da economia, visando
diminuir as funções do Estado como provedor de serviço. Esse governo foi responsável pela
privatização de empresas públicas e mudanças na forma de gestão do setor público,
caracterizado pela descentralização administrativa. Tais mudanças também repercutiram no
56
O Plano Real foi desenvolvido no governo de Itamar Franco, tendo FHC como ministro da Fazenda à frente da
equipe do Ministério da Fazenda. O objetivo do Plano foi controlar a hiperinflação para pôr fim a quase três
décadas de inflação elevada, o que implicou a substituição da antiga moeda pelo Real, a partir de 01 de julho de
1994 (OLIVEIRA, 2009).
81
quesito educacional, por exemplo, a extinção do CFE, e a criação do CNE, atribuindo dessa
forma, maior autonomia ao setor privado com sua expansão na educação superior
(OLIVEIRA, 2009).
A modernização do país se daria através da diminuição e secundarização do Estado,
da livre iniciativa, da competitividade, da liberdade ou desregulamentação dos
mecanismos de mercado, da desqualificação e secundarização das políticas públicas.
Na realidade esse projeto luta contra o estatismo, o planejamento econômico de
estado, o protecionismo e o socialismo. (OLIVEIRA, 1994, p. 130).
Observamos nessa gestão a alternância de políticas Neoliberais e de Terceira via.
O segundo modelo citado propôs um Estado mais “enxuto, mantendo relativo grau de
intervenção nas políticas sociais, e a combinação pública não estatal para o atendimento de
determinados serviços (educação, saúde, pesquisa, etc.)” (PERONI, 2003, p. 55), embora
também defendesse privatizações que permaneceram no aparelho do Estado.
Uma das primeiras ações apresentadas pelo governo Cardoso foi em direção à
reforma do Estado, criando, para isso, um ministério que se encarregaria dessa função, o
Ministério da Administração e Reforma do Estado no ano de 1995, apresentando o Plano
Diretor da Reforma do Aparelho de Estado em que redefinia o papel do aparelho do Estado
“que deixa de ser o responsável direto pelo desenvolvimento econômico e social pela via da
produção de bens e serviços, para fortalecer-se na função de promotor e regulador desse
desenvolvimento.” (PERONI, 2003, p. 58).
Ressaltamos nesse Plano o mecanismo de descentralização das estruturas
organizacionais e a redução dos níveis hierárquicos, no sentido que a administração pública
fosse mais próxima e flexível às entidades privadas e também para a sociedade civil, o que
garantiria maior eficiência no serviço.
Observamos também a priorização de outros objetivos políticos, como o
pagamento da dívida externa, ao invés de investimentos em projetos nacionais ou
melhoramento de serviços já existentes. O novo Plano Diretor instituiu a transformação de
instituições por meio de:
[...] privatizações (transformar a empresa estatal em privada), a publicização
(transformar uma organização estatal em organização de direito privado, mas
pública não estatal); e a terceirização (transferência para o setor privado de serviços
auxiliares ou de apoio). (SILVA, 2008, p. 43).
A Terceira via surge nessa nova conjuntura com a premissa de tornar as fundações
públicas em organizações sociais, definidas por Pereira (1998) como “entidades públicas de
82
direito privado que celebram um contrato de gestão com o Estado e assim são financiadas
parcial ou mesmo totalmente pelo orçamento público.” (p. 70).
Cabe ressaltar que na configuração apresentada pelo capitalismo potencializa-se
uma capacidade de “tornar mercadoria tudo e todos, avançando sobre áreas até pouco tempo
intocadas” (SILVA, 2008, p. 38), promovendo valores coletivos pautados na individualidade,
o consumismo e a competição. Nesse processo de mercantilização, a educação passou a ser
regida pelas leis de mercado, desobrigando o Estado de sua responsabilidade, “sobretudo, das
tentativas de se eliminar a gratuidade do ensino superior e da destinação de recursos públicas
para o setor privado.” (OLIVEIRA, 1994, p. 131).
É possível afirmar que algumas políticas públicas organizadas nessa gestão
contrariam as determinações constitucionais.
[...] A partir de então, a vocação universal na condução de tais políticas afirmada na
Constituição Federal de 1988 passa a ser substituída pela noção de priorização aos
mais necessitados, a público-alvo específico. O conjunto de reformas implantadas na
educação brasileira nesse período resultou na reestruturação do ensino no Brasil nos
seus aspectos relativos à organização escolar, à redefinição dos currículos, à
avaliação, à gestão e ao seu financiamento. (OLIVEIRA, 2009, p. 199).
As mudanças nas políticas educacionais promovidas no governo Cardoso tiveram
respaldo legal pela promulgação da LDB/9657
, seguindo uma política internacional que tinha
como objetivo a melhoria da economia nacional através do vínculo entre escolarização,
emprego, produtividade e comércio; melhoria do desempenho dos estudantes em relação ao
emprego; maior controle sobre o currículo e a avaliação; redução dos gastos do governo com
a educação; e aumento da participação da comunidade em assuntos ligados à educação
(OLIVEIRA, 2009).
Essas iniciativas foram instituídas com inspiração e adesão aos projetos do Banco
Mundial, que tinham por objetivo colocar o sistema educacional aberto ao mercado e
consequentemente à ampla concorrência da população que clamava por formação
educacional, principalmente do nível superior.
Nesse quadro, destacamos que a LDB/96 estabelece que o ensino superior seja
ministrado por instituições de cunho público e privado. Silva (1999, p. 32), referindo-se ao
artigo 45 da Lei, entende que: “obedecendo à flexibilidade e à diversidade, princípios
defendidos pelo Banco Mundial, o artigo abre as portas para a proliferação de várias
modalidades de ensino superior.”
57
Lei n.º 9.394 de 20 de dezembro de 1996.
83
É pertinente também registrar que:
[...] a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), que possibilitou um
novo ordenamento jurídico para a educação e introduziu inúmeras modificações no
campo da educação superior. Dentre delas, devem-se ressaltar as seguintes: a
existência de instituições de ensino superior públicas ou privadas, com variados
graus de abrangência ou especialização (art. 45 da LDB); a distribuição entre as IES
públicas, IES privadas sem fins lucrativos e IES privadas com fins lucrativos
(Decreto n. 2.306, de 19 de agosto de 1997) [...]. (FERREIRA, 2012, p. 459-460).
Outrossim, vale destacar a promulgação do Decreto n.º 2.306/97 que
regulamentou um conjunto de novos tipos de instituição e especificou as formas como as
entidades mantenedoras deveriam se organizar, classificando as instituições em universidades,
universidades especializadas, centros universitários, faculdades integradas, faculdades e
institutos superiores ou escolas superiores. Esse decreto sofreu alterações, sendo substituído
pelo Decreto n.º 5.773/2006 em que a classificação das IES passou a ser constituída por
faculdades, centros universitários e universidades. Nessa nova estrutura, a universidade
permaneceria com as mesmas atribuições da Constituição de 1988:
[...] são instituições que se caracterizam pela indissociabilidade das atividades de
ensino, pesquisa e extensão, com autonomia didático-pedagógica, administrativa e
gestão financeira e patrimonial, devendo ter um terço do corpo docente, pelo menos,
com titulação acadêmica de mestrado e doutorado. Os centros universitários serão
quase universidades, isto é, „instituições de ensino superior pluricurriculares,
abrangendo uma ou mais áreas do conhecimento, que se caracterizam pela
excelência do ensino oferecido, comprovada pela qualificação do seu corpo docente
e pelas condições de trabalho acadêmicas oferecidas a comunidade escolar‟ (Dec. n°
2.207, de 15/04/07, artigo 6°). A diferença, como observa a Folha de S. Paulo
(17/04/97) é que não precisam se dedicar à pesquisa, mas devem ter „excelência de
ensino‟. As faculdades integradas constituirão um conjunto de faculdades que
certamente não atingirão a „excelência de ensino‟ para funcionar como centro
universitário. E, por fim, há as faculdades que são universidades isoladas e as
escolas superiores ou institutos superiores que, em geral, oferecem apenas um curso.
(AGUIAR, 1997 apud SILVA, 1999, p. 33).
Nesse processo de mudanças, houve facilitação para o credenciamento e
reconhecimento dos estabelecimentos universitários, em que “apenas três critérios são
apresentados: produção intelectual, um terço do corpo docente, pelo menos, com mestrado e
doutorado e um terço dos docentes em regime de dedicação exclusiva.” (SILVA, 1999, p. 34).
Naquele momento, deixava-se de lado a manutenção ou incremento da infraestrutura das
instituições, principalmente no que se referia à pesquisa.
A flexibilização oferecida pela LDB/96 favoreceu a grande expansão do número
de instituições educacionais privadas, expansão iniciada na década de 1970, praticamente
estagnada na década de 1980 e impulsionada a partir de 1996.
84
Tais reformas eram justificadas pelo discurso mundial de modernização que
chegou ao Brasil, país que carecia de mão de obra melhor qualificada para estruturar a
sociedade aos parâmetros internacionais. Surge também, nesse momento, um sistema de
avaliação da educação, que avalia a formação educacional por meio dos concluintes do
sistema; para tanto foram desenvolvidos o “Provão” – Exame Nacional de Curso para o
ensino superior, e o ENEM para avaliar o Ensino Médio.
Também nesse período foi instituído o PNE58
, conforme recomendação da própria
LDB/96, constituída de diretrizes e metas para todos os níveis de educação, pelo prazo de dez
anos. Mesmo sendo uma determinação da LDB, o PNE somente foi aprovado após nove vetos
presidenciais, principalmente no que se referia ao financiamento da educação, com destaque
para o ensino superior.
Dentre as principais metas do PNE (2001 – 2010), podemos citar: prover, até o
final da década, a oferta de educação superior para, pelo menos, 30% da faixa etária de 18 a
24 anos; estabelecer um amplo sistema interativo de educação à distância; diversificar o
sistema superior de ensino, favorecendo e valorizando estabelecimentos não universitários
que ofereçam ensino de qualidade e que atendam clientelas com demandas específicas de
formação: tecnológica, profissional liberal, em novas profissões, para exercício do magistério
ou de formação geral; diversificar a oferta de ensino, incentivando a criação de cursos
noturnos com propostas inovadoras, de cursos sequenciais e de cursos modulares; criar
políticas que facilitem às minorias, vítimas de discriminação, o acesso à educação superior,
através de programas de compensação de deficiências de sua formação escolar anterior,
permitindo-lhes, desta forma, competir em igualdade de condições nos processos de seleção e
admissão a esse nível de ensino (BRASIL, 2001).
Também se destacaram no governo Cardoso: a introdução de outras medidas de
reestruturação da educação superior, como: Lei n.º 10.260, de 07 de dezembro de 2001, que
dispõe sobre o Fundo de Financiamento do Estudante do Ensino Superior (FIES), que
propiciou a alocação de verbas públicas nas instituições privadas e a Lei n.º 10.168, de 29 de
dezembro de 2000, que dispõe sobre o Programa de Estímulo à Interação Universidade-
Empresa para o Apoio à Inovação, visando à parceria entre universidades, centro de pesquisa
e o setor privado.
Ao que podemos notar, a reforma educacional no governo Cardoso seguiu-se à
descentralização administrativa, financeira e pedagógica, repassando tais responsabilidades
58
Lei n.º 10.172, de 09 de janeiro de 2001.
85
para o nível local de gestão, “por meio da transferência de ações e processos de
implementação, atribuindo grande relevância à gestão escolar.” (OLIVEIRA, 2009).
Assim, as instituições públicas de ensino viram crescer sua autonomia
institucional, direcionada à busca de recursos financeiros além do auxílio do Estado, que
passou a “desresponsabilizar-se” por elas.
Em suma, o que observamos na gestão de Cardoso, referente ao setor educacional,
foi uma redução de recursos, corroborando essa política com a lógica neoliberal de contenção
de gastos públicos:
No governo FHC, as diretrizes políticas passaram pela tentativa de caracterização da
educação superior como um serviço público não estatal; da diminuição significativa
do financiamento estatal na manutenção das universidades federais; da mudança do
papel do Estado, de financiador para regulador; da privatização; do incentivo de
fontes alternativas de financiamento; das parcerias público-privadas; da
diferenciação e competitividade entre instituições; da expansão de baixo custo; do
ensino a distância; dos sistemas de avaliação; da formação para atender ao mercado
de trabalho. Nessa perspectiva, as universidades passaram a ser vistas a partir de
uma visão mais pragmática e utilitária dos seus serviços, seja na formação
profissional, seja na produção da ciência e da tecnologia, modificando
expressivamente os referenciais da sua finalidade e relevância social. (FERREIRA,
2012, p. 461).
O Estado continuou responsável pelo financiamento dos serviços sociais, mas o
controle político e ideológico passou a ser responsabilidade das organizações públicas não
estatais. Entretanto, como ressalta Peroni (2003), há uma contradição nesse sistema, pois:
[...] conforme o plano de reforma, o Estado tem fortalecido suas funções de
regulação e coordenação, particularmente em nível federal, mas, ao passar o controle
político-ideológico para as organizações públicas não estatais, apenas financiando-
as, ele transfere também a coordenação e a regulação dessas organizações para o
mercado. [...] Assim sendo, quem as regula é o mercado e não o Estado. (p. 62).
Nesse momento do país, temos a configuração de um Estado social liberal,
responsável pelos direitos básicos da população, como educação e saúde, mas esses direitos,
embora sob sua responsabilidade, passaram a ter a participação, de forma crescente, de
organizações públicas não estatais competitivas, ou seja, os serviços de direitos sociais da
população continuaram a ser assegurados pelo Estado, mas gerenciados ou executados pelo
mercado.
Em 01 de janeiro de 2003, assumiu a presidência da República, Luis Inácio Lula
da Silva (2003 – 2006), também reeleito para o mandato 2007 – 2010. Nesse governo,
observamos uma política assistencial e compensatória, responsável em grande parte pela
diminuição das desigualdades de renda no país; nessa política, destacamos o programa Bolsa-
86
Família, criado pelo Decreto n.º 5.209, de 17 de setembro de 2004, substituindo o antigo
programa Bolsa-Escola, criado no governo Cardoso (OLIVEIRA, 2009).
Com a eleição de Lula, houve um deslocamento de alinhamento político
proveniente das ideologias político-partidárias (PSDB59
para PT60
), entretanto ideias e práticas
do governo Cardoso foram mantidas. Nessa transição governamental, o Neoliberalismo
apresentou mudanças em sua própria configuração. No primeiro momento, apresentou o
Estado em crise, sendo preciso retirar o setor social de sua responsabilidade, e, no segundo
momento, já defendeu o “crescimento apoiado na elevação da competitividade sistêmica, e no
reforço a mecanismos de modernização e flexibilização.” (DRAIBE, 1993, p. 92).
Nesse compasso, a educação foi eleita como ferramenta indispensável, aliada ao
desenvolvimento de programas sociais dirigidos aos mais pobres.
Observa-se, assim, que como política social a educação tem cumprido relevante
tarefa na distribuição de renda aos mais pobres que se encontram na condição de
assistidos, exercendo muitas vezes importante papel na seleção de públicos
atingidos. (OLIVEIRA, 2009).
Para o ensino superior, foram regulamentadas as Políticas de Ação Afirmativas,
tendo início com o Projeto de Lei n.º 3.627/04, sendo sancionada apenas em 201261
, assim
instituída:
Art. 1o As instituições federais de educação superior vinculadas ao Ministério da
Educação reservarão, em cada concurso seletivo para ingresso nos cursos de
graduação, por curso e turno, no mínimo 50% (cinquenta por cento) de suas vagas
para estudantes que tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas
públicas.
Parágrafo único. No preenchimento das vagas de que trata o caput deste artigo, 50%
(cinquenta por cento) deverão ser reservados aos estudantes oriundos de famílias
com renda igual ou inferior a 1,5 salário mínimo (um salário mínimo e meio) per
capita. (BRASIL, 2012).
O objetivo de tal lei era fornecer condições de as classes menos favorecidas
economicamente ingressarem em instituições públicas de ensino superior, assim como
ingressarem nos cursos nobres dessas instituições, fato, provavelmente, impossibilitado pela
deficiência do ensino básico público e pelo caráter seletivo dos mecanismos de seleção.
No governo Lula se expressou intervenção maior do Estado, voltada ao
assistencialismo, com aumento de recursos públicos, sobretudo para as políticas sociais de
59
Partido da Social Democracia Brasileira. 60
Partido dos Trabalhadores. 61
Lei n.º 12.711, de 29 de agosto de 2012, no governo de Dilma Rousseff.
87
combate à pobreza. Assim, ocorreu uma participação mais ativa do Estado em relação às
políticas públicas, caracterizando um Estado mais envolvido com as políticas sociais, a
exemplo da educação, com a promessa de desenvolvimento nesse setor.
[...] o processo de retomada de certas atribuições do Estado, considerando-se em
especial a expansão da educação superior, é atravessado por contradições, levando-
se em conta: a) a introdução de formas de gestão privada nas instituições públicas;
b) a alocação de verbas públicas no setor privado, como a Lei n.º 11.096 de
13/01/2005 – Programa Universidade para Todos (PROUNI). (SILVA, 2008, p. 44).
Outra estratégia governamental foi instituída com o Programa Universidade para
Todos62
(PROUNI), criado em 2005, visando à concessão de bolsas de estudos integral e
parcial, nas IES particulares, para os estudantes egressos do ensino médio de escolas públicas,
e com renda familiar de até três salários mínimos, sendo que as IES particulares que aderirem
ao programa teriam abatimento e/ou isenção de alguns impostos governamentais.
O PROUNI representou uma tentativa diferenciada do governo Lula em relação ao
governo FHC de tratar a expansão do ensino superior ao associar o financiamento
estatal das instituições privadas com e sem fins lucrativos, por meio de isenção
fiscal, à incorporação de parcela da população estudantil historicamente sub-
representada no sistema da educação superior. (GOMES, 2008 apud FERREIRA,
2012, p. 462).
Além das políticas já citadas, observamos a implantação do Sistema Nacional de
Avaliação da Educação Superior (SINAES)63
, que avalia as condições de oferta dos cursos de
graduação; Lei de Inovação Tecnológica64
, que incentivou à inovação e à pesquisa científica e
tecnológica no ambiente produtivo; Lei n.º 11.079, de 30 de novembro de 2004, que instituiu
as normas legais para licitação e contratação de parceria público-privado no âmbito da
administração pública; Lei n.º 5.225, de 1 de outubro de 2004, que instituiu sobre a
organização dos Centros Federais de Educação Tecnológica; Lei n.º 11.892, de 29 de
dezembro de 2008, que instituiu a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e
Tecnológica, e criou os Institutos Federais de Educação, Ciências e Tecnologia (IF); Decreto
Presidencial n.º 5.205, de 14 de setembro de 2004, que regulamentou as fundações de apoio
privadas no interior das instituições federais de ensino superior; Decreto Presidencial n.º
5.622, de 19 de dezembro de 2005, que regulamentou a educação a distância, formalizando a
abertura do mercado educacional ao capital estrangeiro; criação do Programa “Expandir” e da
62
Lei n.º 11.096, de 13 de janeiro de 2005. 63
Lei n.º 10.861, de 14 de abril de 2004. 64
Lei n.º 10.973, de 2 de dezembro de 2004.
88
Universidade Aberta do Brasil (UAB)65
, que visava à criação de dez novas universidades e 48
campi e ampliação da rede federal de educação tecnológica e profissional; e o Programa de
Apoio a Plano de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI)66
, que traz
como metas para as universidades até 201267
: aumento as vagas nos cursos de graduação,
ampliar os cursos noturnos, propiciar inovações pedagógicas (revisar estrutura acadêmica,
atualizar metodologias de ensino e aprendizagem, diversificar modalidades de graduação),
combater a evasão, elevar a taxa de aprovação para 90%, atingir a proporção de 18 alunos por
professor e ampliar a mobilidade estudantil entre as instituições, cursos e programas de
educação superior (NOGUEIRA, 2012).
De forma dual, o governo Lula deu continuidade em certos aspectos à política
adotada no governo anterior, mas imprimiu avanços substanciais em diversas áreas, como no
que se refere à certificação da qualidade na educação básica e aumento substancial de
recursos públicos para as IFES, o que culminou com a contratação de novos professores e
servidores técnicos administrativos, e a expansão dos campi situados no interior dos estados.
Também podemos observar que o PROUNI e o REUNI foram ferramentas utilizadas para
ampliar o acesso à educação superior, tendo tais políticas uma continuação no próximo
governo, de Dilma Rousseff (FERREIRA, 2012).
Em 01 de janeiro de 2011, assumiu a presidência Dilma Rousseff, primeira
mulher eleita para o cargo de presidente da República, com mandato até 2014. Nos dois
primeiros anos desse governo, também houve nítida continuidade das políticas educacionais
adotadas pelo seu antecessor, anunciadas pela continuidade da política de expansão com a
criação de quatro novas universidades federais, 47 novos campi universitários e 208 novos IF
(FERREIRA, 2012).
A expansão da educação superior na ótica desse governo tem por objetivo: expandir
e interiorizar os institutos e universidade federais, principalmente nos municípios
populosos com baixa receita per capita; promover a formação de profissionais para
o desenvolvimento regional, bem como estimular a permanência desses profissionais
no interior do país; potencializar a função e o engajamento dos institutos e
universidades como expressão das políticas do governo na superação da miséria e na
redução das iniquidades sociais. (FERREIRA, 2012, p. 466).
No ano de 2010, iniciou-se a discussão para a criação de consórcio entre as
universidades, tendo como referências as universidades do sul-sudeste mineiro, contando com
65
Lei n.º 5.800, de 8 de junho de 2006. 66
Decreto n.º 6.096, de 24 de abril de 2007. 67
As universidades que aderiram ao REUNI tiveram acréscimo de até 20% no orçamento para cumprir as metas
propostas (FERREIRA, 2012).
89
parceria de sete IFES68
, para a criação do primeiro campus multiuniversitário em Caxambu
(MG). Essa iniciativa também assumiu a finalidade social de promover o desenvolvimento
regional, a formação de recursos humanos qualificados, a transferência de tecnologia,
estímulo à geração de empreendimentos que comercializam produtos e processos inovadores
(FERREIRA, 2012).
A política para a educação superior do governo Dilma vem enfatizando os seguintes
parâmetros a serem incorporados pelas universidades: inovação, empreendedorismo,
competitividade, formação e atração de capital humano, mobilidade internacional,
universidade como agente de desenvolvimento econômico e social, foco em áreas
estratégicas/prioritárias de estudo e de pesquisa, internacionalização da educação
superior [...]. (FERREIRA, 2012, p. 468).
Portanto, nas políticas para o ensino superior no governo Dilma, assim como no
governo Lula, observamos a adoção de ações compensatórias, bem como de programas como
o Fies, o PROUNI, a UAB e as Ações afirmativas. O discurso de equidade social teve início
ainda no governo Cardoso, ganhando projeção no governo Lula com a ampliação de tais
programas, tendo continuidade no governo Dilma, incluindo neste último, o discurso da
sustentabilidade da economia em relação à distribuição de renda.
1.7.1 Formas de ingresso ao Ensino Superior nas décadas de 1980 a 2010
Referente ao Ensino Superior e às formas de ingresso a esse nível de ensino,
observamos que, durante a Nova República, a universidade começou a defender uma posição
mais crítica frente à sociedade, assumindo sua responsabilidade pela construção de um país
democrático. Denúncias quanto à seletividade e à discriminação socioeconômica referente ao
ingresso no ensino superior começaram a aflorar nesse momento:
[...] Nesse sentido, são demonstrados a influência dos fatores socioeconômicos que
determinam a seleção como: renda familiar, escolaridade do pai, situação
ocupacional dos vestibulandos e situação educacional (turno de realização do 2°
grau, tipo de escola, frequência a “cursinhos” etc.). (OLIVEIRA, 1994, p. 133).
As produções científicas contrárias ao caráter reprodutor, discriminatório e
seletivo do vestibular, que favorecia apenas a classe dominante, ganharam adeptos, o que
pressiona o governo federal a implantar medidas que efetivamente fossem democratizantes
para o ingresso no ensino superior. Em dezembro de 1985, aconteceu em Brasília o Seminário
68
Universidade Federal de Alfenas (UNIFALMG), Itajubá (UNIFEI), Juiz de Fora (UFJF), Lavras (UFLA),
Outro Preto (UFOP), São João del-Rei (UFSJ) e Viçosa (UFV).
90
“Vestibular Hoje” que culminou com a assinatura de uma portaria em que o Ministro da
Educação, Marco Maciel, comprometeu-se em estabelecer uma nova forma de seleção
assegurando a igualdade de oportunidades a todos os candidatos.
Subsequentemente, novos seminários foram realizados com o mesmo foco,
discutindo a seletividade do vestibular e a adoção de novos mecanismos de seleção:
[...] No entanto, como não houve acordo em torno da “proposta do governo”, o
vestibular permaneceu sob a forma de provas (tipo-teste) objetivas e discursivas com
realização, quase sempre, em duas etapas, a primeira mais eliminatória e a segunda
mais classificatória. (OLIVEIRA, 1994, p. 135).
Um novo modelo de ingresso chegou a ser discutido, em que seriam realizadas
avaliações no final de cada ano letivo do 2° grau, e, ao final do 3° ano desse nível de ensino,
os estudantes teriam realizado três avaliações, que constituiriam uma média de pontuação;
com essa pontuação, eles poderiam se candidatar a uma vaga nos cursos de ensino superior.
Tal proposta, embora adotada por algumas instituições, como por exemplo, a
UnB69
, foi duramente criticada e rejeitada pela grande maioria das instituições. As discussões
sobre o vestibular começaram a declinar uma vez que outros assuntos surgiram no cenário
nacional, assuntos como a expansão do ensino superior, a seletividade social, a
democratização do acesso, a qualidade do ensino, a autonomia universitária e as privatizações.
Assim, as discussões sobre a seletividade do vestibular foram engavetadas e esquecidas pelas
autoridades, permanecendo com a utilização do “concurso vestibular” como única e prioritária
forma de ingresso ao ensino superior.
Nesse momento, passou-se a entender e a defender que a democratização do
ingresso seria garantida com a expansão das vagas no ensino superior, tanto que essa
expansão deu-se de forma “descontrolada”, sem preocupação ou compromisso com a
qualidade do ensino. Cabe destacar que a população das camadas populares, mais necessitada
do ensino gratuito, é que faz uso do ensino produzido nas instituições isoladas particulares,
sobretudo.
O fato é que a democratização das oportunidades educacionais não se faz com a
expansão desordenada de vagas, com a privatização do ensino e com o
descompromisso com a qualidade; essa democratização se “relaciona com a
democratização dos demais setores da vida social.”. (OLIVEIRA, 1994, p. 137).
69
Programa de Avaliações Seriadas – PAS.
91
Como determina a Constituição Federal no seu artigo 205, a educação é um dever
do Estado e da família. Observamos também que o artigo 208, inciso V da Constituição,
atribui que o acesso ao nível mais elevado de ensino (educação superior) siga a “capacidade
de cada um”, respeitando-se, dessa forma, o princípio da meritocracia (BRASIL, 1988).
Nessa concepção, o vestibular torna-se a barreira mais séria e comprometida com
o elitismo social, constituindo-se um mecanismo que filtra os estudantes, ranqueando-os,
selecionando apenas os “melhores”, que geralmente já foram selecionados socialmente
durante a trajetória escolar, e excluindo os “desabilitados” (OLIVEIRA, 1994).
O vestibular também se torna uma ferramenta da política educacional, política
universitária e política de graduação. O vestibular centralizado, realizado em modelo
unificado garantia o controle da vida universitária pelo Estado. A partir da década de 1980,
entrou em foco a discussão da autonomia universitária, em que as universidades defendiam o
poder de gozar de total autonomia frente às decisões que lhe diziam respeito, dentre elas a
realização do vestibular, devendo a própria universidade fixar os critérios de seleção de seus
futuros alunos.
A autonomia universitária para realizar seus próprios vestibulares foi concedida
por meio do Decreto n.º 99.490, de 30 de agosto de 1990, que no seu artigo 1° institui: “As
instituições de ensino superior realizarão seus concursos vestibulares nos termos da lei, de
seus estatutos e regimentos.” (BRASIL, 1990).
A LDB/1996, no inciso II do art. 44, propõe que o acesso70
seja garantido por
meio da realização e aprovação de algum instrumento de avaliação, sendo tal processo
nomeado como “processo seletivo”, conforme: “de graduação, abertos a candidatos que
tenham concluído o ensino médio ou equivalente e tenham sido classificados em processo
seletivo.” (BRASIL, 1996, p. 12, grifo nosso).
Observamos ainda que o Decreto n.º 99.490/90 foi respaldado e legitimado pela
LDB/96, que instituiu a liberdade para as IES determinar os processos seletivos para o
ingresso dos seus estudantes, ressaltando apenas que o termo “exame vestibular”, usado desde
1915, ou “concurso vestibular” como intitulou a Reforma Universitária de 1968, não foi
citado na LDB, o que se traduzia, a partir de então, em uma alteração no sistema de ingresso
nas IES, tendo como princípio a flexibilização dos formatos de ingresso ao ensino superior.
Em outras palavras: não havia mais um parâmetro fixo para determinar a forma de um
processo seletivo.
70
É usado pela Constituição Federal o termo “acesso”, mas, na perspectiva do referencial teórico utilizado nesta
pesquisa, o termo adequado seria “ingresso”.
92
Complementando esse processo, o CNE, em um parecer aprovado em 1999,
determinou que os processos seletivos:
[...] deveriam assegurar igualdade de oportunidades no acesso; avaliar a capacidade
do estudante para cursar seus estudos; exigir a conclusão do ensino médio; fixar o
número de vagas; divulgar resultado classificatório baseado em igualdade de
critérios no julgamento sobre a capacidade para entrar e prosseguir na formação; e
realizar prova de redação em língua portuguesa. (PEIXOTO apud PAULA;
LAMARRA, 2011, p. 230).
Desde então, vem ocorrendo uma diversificação de formas de seleção para o
ingresso no ensino superior, traduzidas em mudanças significativas nos critérios de seleção,
assim como a criação de novos modelos.
De acordo com a pesquisa de Oliveira (1994), a diversificação dos modelos de
seleção tem como objetivo atender valores como igualdade, democratização, seletividade,
autonomia, qualidade, eficiência, excelência, liberdade, progressividade e elitização.
Entretanto, pelo formato como se configuram os processos de seleção, tal objetivo não é
atendido pelo mecanismo do vestibular, devido à própria característica do tipo de seleção,
“que se promove numa sociedade marcada pela ausência de democracia social, econômica e
política mais ampla.” [...] “A seleção se institui com vistas a pincelar „os melhores‟ numa
sociedade tida como homogênea ou heterogênea, tanto faz.” (OLIVEIRA, 1994, p. 145).
Tal característica é típica do mecanismo seletivo constituído pelo vestibular, que
tem como objetivo selecionar apenas os melhores, e esses são pertencentes à classe
dominante, salvo raras exceções.
Nos primeiros anos da autonomia das IES, início da década de 1990, em que
poderiam constituir seus próprios mecanismos de seleção, o modelo de seleção constituído
pelo vestibular continuou sendo o mais utilizado, contudo constituído de diferentes logísticas
para sua realização entre as diversas IES.
Os vestibulares nas IES federais, mesmo com a autonomia concedida,
praticamente não apresentaram grandes mudanças na sua estrutura e realização,
permanecendo com a aplicação de provas tipo teste (múltipla escolha ou proposições
múltiplas) e discursiva, com duas etapas (juntas ou separadas).
A ênfase continuou sendo em selecionar “os melhores”:
[...] selecionar com mais isenção e qualidade. Esse aprimoramento parece estar
vinculado a uma ênfase nas provas discursivas julgadas mais adequadas para seleção
dos que realmente sabem mais. (OLIVEIRA, 1994, p. 148).
93
As IES, nesse momento, apresentaram uma preocupação quanto ao preenchimento
das vagas ociosas; para tanto, são propostos mecanismos que rompessem com tal situação.
Entre eles, podemos citar: “ênfase no vestibular classificatório, classificação e reclassificação
dos candidatos, dispensa de 2° Etapa para os cursos com número de vagas maior ou igual ao
número de inscritos, e duas ou mais opções de curso no ato da inscrição.” (OLIVEIRA, 1994,
p. 148).
Já nos vestibulares oferecidos pelas IES estaduais, houve aplicações de novas
tendências no mecanismo de seleção. Tal fato se caracterizou pela própria constituição das
instituições estaduais, que geralmente eram descentralizadas, com estruturas “multi-campi”, o
que, em alguns casos, acabou gerando o fenômeno das vagas ociosas, sobretudo nos cursos de
menor prestígio social.
A grande descentralização das IES estaduais em termos de curso e projetos em
vários “campi”, especialmente das licenciaturas, têm tornado estas IES mais
suscetíveis ao “fenômeno” recente das vagas ociosas, sobretudo, nos cursos de
menor prestigio social (em geral as licenciaturas). É provável que, por isso, a partir
de 1991 os modelos de vestibular dessas IES vem se mostrado mais flexíveis e até
mais “democrático” quanto ao acesso das camadas menos favorecidas da sociedade.
(OLIVEIRA, 1994, p. 177).
Dentre essas flexibilidades no vestibular, podemos citar: possibilidade de fazer
dois, três até quatro opções de curso no momento da matrícula; conteúdo programático do
vestibular abrangendo os conteúdos pertencentes ao 2.º grau, assim como abordar a realidade
do ensino no Estado da instituição; provas realizadas em fase única e no menor tempo
possível (2 ou 3 dias de provas); várias chamadas para preenchimento das vagas e
constituição de lista de espera.
Conforme os estudos de Oliveira (1994), os vestibulares das IES estaduais
apresentaram maior ênfase em realizar provas objetivas, com um desprestígio na aplicação
das provas discursivas. Além disso, o autor destaca que as Comissões de Vestibular, quando
presentes, apresentavam pouca autonomia frente à elaboração das provas e aplicação das
mesmas, determinando-se que deveriam apenas executar de maneira técnica e objetiva o
“concurso vestibular”.
As IES particulares foram as que mais sofreram mudança na sua constituição
interna, assim como na realização de processos de seleção de seus estudantes. Desde os anos
1990, essas instituições têm sofrido com o desprestígio do seu ensino, “classificadas” como
possuidoras de um ensino de baixa qualidade, o que direcionava os estudantes para outras
instituições, no caso as públicas (OLIVEIRA, 1994).
94
As instituições particulares também apresentavam um quadro de vagas ociosas.
Além disso, enfrentavam a situação de que seus cursos destinavam-se a estudantes que não
conseguiam ingressar nas instituições públicas, o que caracteriza os “menos” aptos ao ensino
superior.
Decorrente dos problemas das vagas ociosas e da baixa qualificação dos
estudantes, as instituições particulares viram a necessidade de implantar mudanças nos meios
de seleção que se tornaram classificatórios e mais simplificados. Por isso, “vem ocorrendo um
rebaixamento nos critérios de seleção e de classificação final.” (OLIVEIRA, 1994, p. 208).
Diante dessa diversificação de modelos, os vestibulares das IES particulares
puderam apresentar em sua estrutura: fase única realizada em até 3 dias; provas de múltipla
escolha com pesos diferentes entre as matérias; prova de redação; eliminação do ponto de
corte71
; 3 a 4 opções de curso; reopção de cursos e remanejamento para outros campi da
mesma instituição; confirmação do vestibular para alguns cursos quando as inscrições se
mostram suficientes ou não; recriar os ciclos básicos de cursos afins para diminuir os custos
institucionais (OLIVEIRA, 1994).
Também havia privilégio nas provas objetivas:
[...] as provas de múltipla escolha (provas objetivas) permitem selecionar os
candidatos com mais objetividade e justiça. Afasta-se a maior margem de erro na
seleção causada pela subjetividade das provas discursivas. Afirma-se também que as
provas objetivas – quando bem preparadas e com número de questões mais
adequado – elimina o acerto ocasional. Quanto maior a demanda para o curso, mais
certa será a seleção em termos de classificação dos melhores. (OLIVEIRA, 1994, p.
209).
Tais medidas, citadas anteriormente, têm ajudado as IES particulares a manterem
seu funcionamento, recompondo parte da demanda dos seus cursos. Conforme verificamos,
havia uma variedade de formatos e modelos de vestibulares para o ingresso no ensino
superior, também que não havia uma política nacional de acesso ao Ensino Superior e que o
vestibular continuava sendo um mecanismo seletivo marcado por contradições e desafios,
principalmente, para as classes sociais menos favorecidas socialmente.
Ocorreu em 1994, em Minas Gerais, o Seminário Nacional sobre Vestibular,
realizado em decorrência da elitização dos ingressantes nas IES públicas e da falta de
democratização em relação ao ingresso nessas instituições. Ambas as motivações do evento
consideravam o processo seletivo vestibular como elitizante e antidemocrático; entretanto,
não se via alternativas para resolver tais situações, apenas com mudanças no vestibular ou
71
O candidato só não podia zerar em nenhuma das disciplinas, assim como na redação.
95
com outro formato de seleção, uma vez que o problema maior consistiria na democratização
da sociedade, mais precisamente no sistema de ensino, começando por um sistema de ensino
básico de boa qualidade.
Desse seminário, emergiram diretrizes para o ingresso ao ensino superior, entre
elas: aplicação de novos modelos de seleção com espaço e tempo de experimentação;
democratização das oportunidades de acesso ao ensino superior; o processo seletivo não pode
estar desvinculado da questão da qualidade na graduação; socialização dos formatos de
ingresso com a participação dos cursos nessa formulação; vestibular classificatório;
preenchimento de todas as vagas disponíveis, impedindo o surgimento das vagas ociosas72
;
desenvolvimento de pesquisas sobre o ingresso ao ensino superior e a autonomia das IES em
realizarem seus processos de seleção (OLIVEIRA, 1994).
Podemos concluir que o vestibular, pela sua própria constituição, naquele período
apresentava um caráter seletivo, discriminatório e reprodutivo e serve para selecionar os
“melhores”, dentro de uma sociedade marcada pelas injustiças sociais. Constitui um
instrumento de seleção, em que, baseado no paradigma da igualdade de oportunidades,
apresenta uma tentativa de minimizar as barreiras sociais, econômicas e culturais para que
prevaleçam os critérios naturais de seleção. Ou seja, manter as aptidões e as capacidades
naturais, como no paradigma da eficiência e da qualidade, em que não há, no processo de
seleção, uma preocupação com as barreiras sociais, econômicas e culturais, havendo dessa
forma, naturalização do processo de seleção. Serve, em ambos os casos, como mecanismo
para selecionar os melhores candidatos, e, com isso, garantir a qualidade da seleção.
Há uma tentativa de naturalizar a seleção através de idealização de modelos com
instrumentos mais isentos e mais justos. Procura-se diminuir o peso das variáveis ou
determinantes sócio-econômico-culturais de seleção, de modo que prevaleçam os
critérios naturais de aptidão e de capacidade/inteligência. (OLIVEIRA, 1994, p.
316).
Nesse contexto, observamos que no Brasil ora prevaleceu o discurso técnico-
metodológico, visando à seleção dos melhores, e ora o discurso político, de democratização e
igualdade de oportunidades, embora quase sempre o primeiro tenha conseguido sobressair ao
segundo, ocultando e adiando a problemática política-social do ingresso. Essa discussão sobre
o ingresso só veio a ser abordada novamente na década de 1980 quando se evidenciou, por
meio de pesquisas, o caráter seletivo e discriminatório do vestibular, e novas formas de
seleção passaram a ser discutidas e propostas, entretanto “o discurso da igualdade de
72
OLIVEIRA (1994) intitula as vagas ociosas como “antidemocrático”.
96
oportunidades e da democratização do acesso nunca se materializou enquanto um modelo de
seleção democrático que conserve e amplie a qualidade de ensino.” (OLIVEIRA, 1994, p.
320).
Outra tendência do vestibular, em IES de pequeno ou grande porte, refere-se à
facilitação operacional ocorrida por motivos variados, sendo a principal delas em virtude de
se evitar vagas ociosas e, consequentemente, o fechamento de determinados cursos.
Nesse processo, nos cursos de maior demanda, irão ingressar os melhores
estudantes. É o que o Ribeiro (1988) define como “pré-seleção social”, ou seja, os cursos
superiores de maior prestígio serão destinados para as classes sociais mais elevadas, enquanto
os cursos de menos prestígio social serão destinados para as classes sociais menos favorecidas
(RIBEIRO, 1988 apud OLIVEIRA, 1994).
Mesmo quando há um discurso democrático por trás da construção dos modelos de
seleção, nas IES de maior prestígio social, isso não se materializa na proposta
técnico-metodológica da seleção que, a rigor, continua a pincelar “os melhores” que,
invariavelmente, são também os que são mais favorecidos econômica e
culturalmente. (OLIVEIRA, 1994, p. 324).
Nessa concepção, as IES que historicamente eram responsáveis pela formação da
elite intelectual passam agora a dividir-se em relação aos estudantes ingressantes, uma vez
que as IES com maior prestígio social, assim como os cursos de melhor status social e
cultural, continuam sendo destinados para a formação da elite, e as instituições e os cursos de
menos prestígio social ficam destinados para a formação das classes menos favorecidas.
Mais uma vez evidenciamos que, nesse processo de seleção, as instituições de
maior prestígio social conseguem manter o caráter elitista dos estudantes ingressantes, por
mecanismos de seleção que favoreçam essas características, enquanto as instituições de menor
prestígio social promovem uma facilitação no ingresso para conseguir manter seus cursos e
seus estudantes na instituição evitando vagas ociosas, ocorrendo a oferta de “[...] um ensino
de qualidade para as elites econômicas e culturais e de um ensino “qualquer” para os
segmentos menos favorecidos que conseguem chegar a ingressar no Ensino Superior.”
(OLIVEIRA, 1994, p. 326).
Verificamos também que, embora concedida, em 1990, autonomia dos formatos
de seleção para as IES, os concursos de ingresso permaneceram excludentes, não havendo
rupturas com os modelos de seleção anteriores, principalmente nos grandes centros de
excelência.
97
Na essência, tem-se ainda um único modelo de seleção baseado em provas que
visam aferir conhecimentos e/ou habilidades e que fora instituído em 1911. Não
houve, portanto, nenhuma ruptura com o modelo de seleção instituído que privilegia
os candidatos com maior capital econômico e cultural. (OLIVEIRA, 1994, p. 326).
Registramos também que, depois de decretada a autonomia das IES em formular
seus próprios processos de seleção, não houve mais um acompanhamento e/ou avaliação por
parte das autoridades educacionais dos instrumentos e formatos de seleção.
1.7.2 A forma de ingresso pelo “Exame Nacional do Ensino Médio – ENEM/Sistema de
Seleção Unificada - SiSU”
O ENEM foi criado pela Portaria Ministerial n.º 438, de 28 de maio de 1998. Sua
aplicação está a cargo do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio
Teixeira – INEP, que, por meio da Lei n.º 9.448/97, deve, ainda, deliberar os parâmetros e
critérios para a realização dos mecanismos de seleção.
O objetivo inicial era instituir um exame que avaliasse o estudante no final do
ensino médio, para determinar como esse concluía tal nível de ensino, e, com isso, elaborar
propostas para políticas educacionais. Interessante que, desde a criação do ENEM, o Governo
Federal já tinha a intenção de utilizá-lo como processo de seleção auxiliar nas IES. Tal
determinação foi regulamentada pelo Parecer Final73
do CNE:
Vale ressaltar desde logo que os concursos vestibulares continuam a ser processo
válido para ingresso no ensino superior; a inovação é que deixaram de ser o único e
exclusivo mecanismo de acesso, podendo as instituições desenvolver e aperfeiçoar
novos métodos de seleção e admissão alternativos que, a seu juízo, melhor atendam
aos interessados e às suas especificidades.
No entanto, é indispensável encontrar formas que garantam a todos os candidatos
interessados, à luz dos princípios já enunciados, igualdade de oportunidades de
acesso, o que obriga que o processo seletivo, qualquer que seja, assegure equidade
de tratamento na avaliação realizada sobre a capacidade de cada um para cursar,
com proveito o curso superior pretendido [...]. (BRASIL, 1999a).
Nas instituições privadas, o ENEM foi incorporado mais facilmente como forma
de ingresso total e/ou parcial de suas vagas, já nas instituições públicas o processo de
implantação do ENEM como forma de ingresso foi mais “cautelosa”. Mesmo com respaldo da
LBD/96, as IFES apresentaram resistência em adotar outras formas de processo seletivo em
suas instituições que não o vestibular. No caso do ENEM, apenas algumas IFES adotaram tal
sistema de seleção, ainda assim de forma parcial, sendo a nota do ENEM somada à nota do
73
CNE/CP n.º 98/1999, de 6 de julho de 1999.
98
vestibular, ou com reserva de uma pequena porcentagem de vagas para o ingresso via ENEM
(CUNHA, 2003).
No ano de 2005, durante o governo Lula, o ENEM passou a ser usado como
forma de ingresso no PROUNI, de modo que o sistema utilizava a nota obtida pelos
estudantes em tal exame para classificá-los em ordem decrescente com bolsas de estudos para
cursos em instituições particulares.
Em 2009, o Ministério da Educação apresentou o documento “Proposta à
Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior”, em que
defendeu a criação de um novo sistema de ingresso, alegando que ofereceria benefícios, como
a reestruturação curricular do ensino médio, maior democratização das oportunidades de
concorrência às vagas de ensino superior, além da mobilidade acadêmica.
Exames descentralizados favorecem aqueles estudantes com mais condições de se
deslocar pelo país, a fim de diversificar as oportunidades de acesso às vagas em
instituições federais nas diferentes regiões. A centralização do processo seletivo nas
IFES pode torná-lo mais isonômico em relação ao mérito dos participantes.
(BRASIL, 2009a).
Em 8 de abril de 2009, foi apresentado pelo Ministério da Educação o “Termo de
Referência – Novo ENEM e Sistema de Seleção Unificada”, que modificou o formato do
ENEM, passando, nesse momento a ser denominado “Novo ENEM”. Em relação à forma,
houve a “consequente valorização dos conteúdos acadêmicos próprios do ensino médio, que
gera a possibilidade de utilização dos resultados desse exame para a seleção dos ingressantes
no ensino superior.” (BRASIL, 2009b, p. 01). Em relação ao conteúdo, o ENEM passou a ter
uma proposta de prova interpretativa e com conteúdos integrados, diferente do vestibular,
pautado em conteúdos específicos e fragmentados.
Os objetivos do ENEM foram ampliados. De acordo com a Portaria n.º 438/98
havia quatro objetivos para a aplicação do exame; a partir da Portaria n.º 109/2009, esses
objetivos foram ampliados para sete, sendo mantidos os quatro anteriores e acrescidos mais
três, como mostramos no Quadro 1:
99
Quadro 1 - Comparativos entre os objetivos do ENEM da Portaria n. 438/1998 e a Portaria n.
109/2009.
Objetivos do ENEM de acordo com a Portaria
n.º 438/1998
Objetivos do ENEM de acordo com a Portaria
n.º 109/2009
Artigo 1.º - Instituir o Exame Nacional do Ensino
Médio – ENEM, como procedimento de avaliação
do desempenho do aluno, tendo por objetivos:
Art. 2.º Constituem objetivos do Enem:
I – conferir ao cidadão parâmetro para
autoavaliação, com vistas à continuidade de sua
formação e à sua inserção no mercado de trabalho;
I - oferecer uma referência para que cada cidadão
possa proceder à sua autoavaliação com vistas às
suas escolhas futuras, tanto em relação ao mundo
do trabalho quanto em relação à continuidade de
estudos;
II – criar referência nacional para os egressos de
qualquer das modalidades do ensino médio;
II - estruturar uma avaliação ao final da educação
básica que sirva como modalidade alternativa ou
complementar aos processos de seleção nos
diferentes setores do mundo do trabalho;
III – fornecer subsídios às diferentes modalidades
de acesso à educação superior;
III - estruturar uma avaliação ao final da educação
básica que sirva como modalidade alternativa ou
complementar aos exames de acesso aos cursos
profissionalizantes, pós-médios e à Educação
Superior;
IV – constituir-se em modalidade de acesso a
cursos profissionalizantes pós-médio.
IV - possibilitar a participação e criar condições de
acesso a programas governamentais;
V - promover a certificação de jovens e adultos no
nível de conclusão do ensino médio nos termos do
artigo 38, §§ 1o e 2º da Lei n.º 9.394/96 - Lei das
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB);
VI - promover avaliação do desempenho
acadêmico das escolas de ensino médio, de forma
que cada unidade escolar receba o resultado
global;
VII - promover avaliação do desempenho
acadêmico dos estudantes ingressantes nas
Instituições de Educação Superior;
Fonte: Elaborado pelo autor
Nesse sentido, foi proposta a unificação da seleção para o ingresso às vagas do
ensino superior.
100
Na nova estrutura, entendemos que o ENEM passou a configurar o processo
seletivo, constituído de provas de conhecimentos, aplicados em dois dias, com questões
divididas em quatro grupos74
. Por sua vez, o SiSU seria a forma de ingresso ao ensino
superior, constituído de um sistema informatizado, em que o estudante acessa via internet, e
escolhe o curso e a instituição em que deseja estudar, utilizando-se da nota obtida no ENEM
para fazer sua inscrição (VELOSO; LUZ, 2012). Entendemos que os dois procedimentos
configuram um sistema integrado que compõe o que designamos nesta pesquisa por
ENEM/SiSU.
O “MEC se inspira no Scholastic Assessment Test (SAT)” (MÁXIMO, 2011, p.
01), para a adoção do novo modo de ingresso ENEM/SiSU. O SAT é um exame educacional
utilizado nos Estados Unidos, criado em 1926, para os estudantes do ensino médio, que serve
como critério para a admissão no ensino superior. O SAT é realizado sete vezes ao ano, e
estudantes de outros países podem realizar o exame se desejam ingressar em universidades
norte-americanas. O referido teste foi dividido em dois tipos de provas: o SAT Reasoning
Test, composto por 3 seções (Matemática, Leitura crítica e Redação); e o SAT Subject Test,
composto por questões de múltipla escolha de matérias como Literatura Inglesa, História e
Estudos Sociais, Matemática, Ciências (Biologia, Física e Química) e Línguas (MÁXIMO,
2011).
No Brasil, após a promulgação do Termo de Referência que instituiu o Novo
ENEM e o SiSU, as IES que desejassem utilizar tal sistema como formato de ingresso
deveriam efetuar a adesão a ele. Isso implicava assinar digitalmente o termo de participação,
informando os cursos, habilitações, turnos de cada campus ou unidade educacional, número
de vagas; indicar pesos diferentes para cada uma das cinco provas; informar a adoção ou não
de políticas afirmativas (cotas e/ou sobrevagas)75
. Os estudantes interessados fariam sua
inscrição via internet na página eletrônica do SiSU, indicando se concorreriam ou não às
vagas pela política afirmativa, podendo, no ano de 2010, se inscrever em até cinco opções de
cursos e instituições de sua preferência (BRASIL, 2009b). Na página eletrônica do SiSU, o
candidato teria acesso às seguintes informações:
a. Divulgação das vagas ofertadas em cada curso de cada campus ou unidade
educacional da IES, de forma que o candidato possa visualizar as opções disponíveis
antes de iniciar sua inscrição;
74
Linguagem, Código e suas Tecnologias (incluindo Redação); Ciências Humanas e suas Tecnologias; Ciências
da Natureza e suas Tecnologias e Matemática e suas Tecnologias 75
Nesse primeiro ano de adoção do ENEM e SiSU, fizeram parte 51 IFES, entre universidades e institutos
tecnológicos, contabilizando 47 mil vagas (PEQUENO, 2010).
101
b. Divulgação das notas de corte em cada curso. Essas notas serão atualizadas
diariamente, conforme as inscrições dos candidatos. Por meio desta funcionalidade,
o candidato poderá visualizar a nota do último candidato selecionado dentro do
número de vagas ofertadas e comparar com a sua, de forma a saber se esta nota será
suficiente para obter a vaga, antes mesmo de efetuar sua inscrição;
c. Possibilidade de alteração das suas opções a qualquer tempo e quantas vezes
julgar necessário, até o encerramento do prazo das inscrições. Cada candidato
poderá, assim, acompanhar as notas de corte e rever suas opções, de forma a alterá-
la, aumentando suas possibilidades de seleção. (BRASIL, 2009b, p. 01).
Da mesma forma como o ENEM, também houve resistência das IFES em adotar o
modelo de ingresso proposto pelo ENEM/SiSU, provavelmente devido à proposta ser
apresentada em meados de 2009, e prever a seleção para 2010. Houve também pressões
políticas, em que o governo federal subsidiria maior contrapartida financeira para as
instituições que tivessem maior grau de adesão ao ENEM/SiSU76
; assim como a grande
demanda dos estudantes que realizavam o ENEM “incentivou” essas instituições a adotarem
tal processo de seleção (REUNIÃO ORDINÁRIA DO CONSELHO PLENO DA ANDIFES,
2009 apud LUZ; VELOSO, 2012).
Ainda de acordo com o Termo de Referência, as IES não precisavam abdicar de
suas formas de seleção, conforme recomendação da própria LDB. O Termo instituiu que a
nova forma de seleção pode ser utilizada de duas formas distintas:
2. Essa utilização pode se dar de duas formas. A primeira, mediante simples
informação, pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio
Teixeira- Inep, à IES, dos boletins de resultados dos candidatos que tiverem
realizado o novo ENEM, adotado como prova de seleção com base em Edital
próprio publicado pela IES, facultando-se sua utilização como fase única ou
primeira fase do processo seletivo.
3. A segunda forma de utilização do novo ENEM consiste na adesão ao Sistema
de Seleção Unificada, sistema informatizado do Ministério da Educação apto a
processar o registro das vagas especificamente oferecidas pelas IES (“vagas
ENEM”), em confronto com as listas ordenadas de candidatos, em ordem
decrescente, por curso, segundo a pontuação no Exame. O pressuposto da adesão ao
Sistema de Seleção Unificado é a utilização do novo ENEM como fase única, sem
prejuízo de eventual realização de exame de aptidão para áreas específicas (desde
que esse se dê em tempo compatível com o calendário da primeira e segunda
chamadas do Sistema de Seleção Unificado). (BRASIL, 2009b, p. 01 - 02).
A apresentação pelo MEC/INEP da nova forma de ingresso ao ensino superior
tinha como meta aplicar o ENEM no mesmo ano do anúncio, ou seja, no segundo semestre de
2009, para a utilização das notas como forma de ingresso já no ano de 2010. Devido a isso,
houve pouco debate a respeito dessa nova forma de ingresso, bem como certo desconforto em
relação aos estudantes e as IES que já se preparavam para a realização do tradicional
76
Tal financiamento não é explícito nas legislações e portarias.
102
vestibular; ambos tiveram que romper abruptamente com o sistema anterior, para se adaptar
ao processo de seleção que estava por vir (CONRADO, 2010).
Ressaltamos que a forma de ingresso pelo ENEM/SiSU poderia ser adotada como
forma de ingresso única de todas as vagas acadêmicas, ou associada a outras formas de
seleção. Já no primeiro ano de implantação do ENEM/SiSU (2010), das 58 instituições
vinculadas à Associação Nacional dos Dirigentes de Instituições Federais de Ensino Superior
(Andifes), 14 aderiam ao SiSU como forma única de ingresso acadêmico, entre elas a UFMT.
A Andifes faz o seguinte registro:
Além das 14 instituições que selecionarão candidatos apenas por meio do Enem,
outras 9 experimentarão o novo método em parte de suas vagas ou em parte de seus
cursos. É o caso da Universidade Federal do Piauí (UFPI) e da Universidade Federal
de Tocantins (UFT) que destinarão, respectivamente, 50% e 25% das vagas ao
sistema de seleção pelo novo Enem. Em outras iniciativas, como na Federal de São
Paulo (Unifesp) e na Federal da Bahia (UFBA), a separação vem por cursos – na
Unifesp, das 26 graduações oferecidas, 19 selecionarão estudantes pelo novo Enem e
na UFBA o novo método só será usado na seleção dos bacharelados
interdisciplinares e no curso superior de tecnologia.
Os dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep) mostram
que das 58 instituições ligadas à Andifes, 23 entrarão (parcial ou totalmente) no
sistema de seleção unificado e 17 usarão o exame nas outras três opções permitidas
pela proposta do MEC: como primeira fase, como parte da nota do vestibular ou
para preencher vagas remanescentes. Em 16 universidades, o novo Enem está
descartado para a seleção de 2009 ou ainda é uma proposta em discussão.
De acordo com o último censo da Educação Superior realizado pelo Inep, das
instituições que aderiram ao sistema de seleção unificado, apenas uma está entre as
dez maiores universidades federais do país, a UFBA, que ocupa a 9ª posição no
ranking. Porém, na UFBA, a nota do novo Enem selecionará estudantes para 950 das
6.400 vagas oferecidas, já que a universidade adotou parcialmente o novo método. (ANDIFES, 2009, p. 01).
O sistema de ingresso ENEM/SiSU tinha como intenção proporcionar a
concorrência de vagas em cursos acadêmicos em qualquer IES que tivesse aderido ao sistema;
portanto, o estudante realizaria a prova na sua própria cidade e estado, e não mais precisaria
realizar as provas em outras cidades, como na época do vestibular. Assim, o sistema
proporciona a oportunidade do candidato concorrer à vaga em nível nacional sem a
necessidade de grandes custos financeiros.
Uma das características da proposta do Ministério da Educação (MEC) é a
flexibilidade de escolha das instituições por parte dos candidatos, permitida pela
unificação dos processos seletivos, já que o egresso do Ensino Médio poderá, de
posse da nota do Enem, pleitear vagas em cinco instituições. Das 58 instituições
associadas à Andifes, em 2009, os estudantes poderão migrar (com a nota do Enem)
entre 23 delas: uma na região centro-oeste (UFMT), duas na região Norte (UFT e
UFAM) três na região Sul (UFPel, UTFPR e UFCSPA), sete na região Nordeste
(UFRPE, UFPI, UFRB, Univasf, Ufersa, UFMA, UFBA) e dez na região sudeste
103
(UFABC, Unifesp,UFVJM, UFRRJ, Unifal,Unifei,Ufla, UFSJ,Unirio e Cefet-RJ).
(ANDIFES, 2009, p. 01).
Após a instituição de várias portarias complementares, o ENEM foi finalmente
normatizado pela Portaria MEC n.º 807, de 18 de junho de 2010. Entretanto, o primeiro
processo seletivo, utilizando-se da nova forma de ingresso ENEM/SiSU, foi definido
anteriormente a essa, pela Portaria n.º 109 de 27 de maio de 2009, que tinha como objetivo:
I - oferecer uma referência para que cada cidadão possa proceder à sua autoavaliação
com vistas às suas escolhas futuras, tanto em relação ao mundo do trabalho quanto
em relação à continuidade de estudos;
II - estruturar uma avaliação ao final da educação básica que sirva como modalidade
alternativa ou complementar aos processos de seleção nos diferentes setores do
mundo do trabalho;
III - estruturar uma avaliação ao final da educação básica que sirva como
modalidade alternativa ou complementar aos exames de acesso aos cursos
profissionalizantes, pós-médios e à Educação Superior;
IV - possibilitar a participação e criar condições de acesso a programas
governamentais;
V - promover a certificação de jovens e adultos no nível de conclusão do ensino
médio nos termos do artigo 38, §§ 1o e 2º da Lei no 9.394/96 - Lei das Diretrizes e
Bases da Educação Nacional (LDB);
VI - promover avaliação do desempenho acadêmico das escolas de ensino médio, de
forma que cada unidade escolar receba o resultado global;
VII - promover avaliação do desempenho acadêmico dos estudantes ingressantes nas
Instituições de Educação Superior. (BRASIL, 2009c, p. 01, grifo nosso).
Ainda de acordo com essa Portaria (109), o ENEM passou a ser considerado como
estratégia de ingresso ao ensino superior, conforme a proposta governamental defendida no
Termo de Referência; o prazo de inscrições dos estudantes ao ENEM 2009 foi de 15 de junho
a 17 de julho, e deveriam pagar uma taxa de inscrição de R$ 35,00 reais, estando isentos todos
os estudantes egressos do ensino médio de escola pública, ou que declarassem ser de família
de baixa renda.
Conforme o referido Edital, os estudantes inscritos no ENEM deveriam responder
a um questionário socioeconômico, que seria enviado junto com o Manual do Candidato, e
esse questionário deveria ser entregue no primeiro dia de prova. Quanto à estrutura da
avaliação do ENEM, ela seria constituída por quatro provas objetivas com quarenta e cinco
(45) questões de múltipla escolha cada, totalizando 180 questões, e uma proposta de redação.
As provas teriam a seguinte estrutura:
§ 1°- As 04 (quatro) provas serão estruturadas nas seguintes áreas do conhecimento:
- Prova I - Linguagens, Códigos e suas Tecnologias e Redação;
- Prova II - Matemática e suas Tecnologias;
- Prova III - Ciências Humanas e suas Tecnologias;
- Prova IV - Ciências da Natureza e suas Tecnologias. (BRASIL, 2009c, p. 01).
104
Os exames estavam agendados para serem realizados nos dias 03 e 04 de outubro,
mas houve necessidade de ser cancelado, pelo furto das provas, conforme denúncia do jornal
“O Estado de São Paulo”, que teve acesso às provas roubadas, que estavam sendo
comercializadas. Com o cancelamento, o exame foi reagendado e aplicado nos dias 5 e 6 de
dezembro do mesmo ano, para um total de 4,1 milhões de inscritos, sendo que 37,7% desses
não compareceram para realizar o exame (CONRADO, 2010).
O MEC estabeleceu novos contratos, sem realizar licitações, com o consórcio
formado pela Fub/Cespe e Cesgranrio e para segurança da operação contou com a
ajuda das forças armadas, PF, Correios e PM. Dessa vez não houve fraudes, porém
várias foram as queixas em relação à prova e aos episódios posteriores a ela, entre
eles se destaca o fato de estudantes serem colocados para realizarem a prova em
locais muito distantes de suas residências, os longos enunciados das questões, sendo
a prova considerada por muitos como extremamente cansativa, a divulgação de
gabarito errado pelo Inep, a anulação de uma questão [...]. (CONRADO, 2010, p.
25).
Em 2010, realizou-se o primeiro ingresso ao ensino superior via SiSU. A Portaria
Normativa n° 2, de 26 de janeiro de 2010, instituiu e regulamentou o mesmo:
Art. 1º Fica instituído o Sistema de Seleção Unificada - SiSU, sistema informatizado
gerenciado pelo Ministério da Educação - MEC, por meio do qual são selecionados
candidatos a vagas em cursos de graduação disponibilizadas pelas instituições
públicas de educação superior participantes.
§ 1º A seleção dos candidatos às vagas disponibilizadas por meio do SiSU será
efetuada com base nos resultados obtidos pelos estudantes no Exame Nacional do
Ensino Médio - ENEM, a partir da edição referente ao ano de 2009. (BRASIL,
2010a, p. 01).
A referida Portaria regulamentou a participação das IES no processo de seleção
SiSU, sendo que essas deveriam assinar digitalmente o termo de participação, conforme:
I - os cursos e turnos participantes, bem como o respectivo número de vagas a serem
ofertadas por meio do SiSU;
II - as políticas de ações afirmativas eventualmente adotadas pela instituição, bem
como a definição de sua abrangência no âmbito da instituição;
III - os pesos e as notas mínimas eventualmente estabelecidos pela instituição para
cada uma das provas do ENEM, em cada curso e turno;
IV - os documentos necessários para a realização da matrícula dos candidatos
selecionados, inclusive aqueles referentes à comprovação do preenchimento dos
requisitos exigidos nas políticas de ações afirmativas eventualmente adotadas pela
instituição.
Parágrafo único. É facultado à instituição participante do SiSU atribuir bônus à nota
do ENEM do candidato como forma de política de ação afirmativa. (BRASIL,
2010a, p. 01).
105
A seleção e a classificação dos candidatos seriam realizadas tendo como base o
desempenho dos mesmos na realização do ENEM do ano anterior, portanto, na edição do
SiSU de 2010, as notas utilizadas seriam do ENEM 2009. No momento de inscrição do
candidato no sistema SiSU, o mesmo deveria preencher a ficha de inscrição e, em cada etapa,
informar uma opção de instituição, curso, turno e modalidade de concorrência a qual
desejasse concorrer. O sistema disponibilizaria, periodicamente, as notas de corte para cada
curso, turno e modalidade de concorrência, apenas ao nível de informação para os candidatos.
Findo o período de inscrição, o sistema classificaria os candidatos de acordo com as notas
decrescentes do ENEM.
Observamos também que todos os processos (inscrição, seleção e ocupação das
vagas) seriam realizados no sistema SiSU. Apenas a matrícula nos cursos realizar-se-ia na
própria instituição de ensino, respeitando a data e horários estabelecidos pelas instituições.
A Portaria normativa n.º 02 também determinou que o candidato poderia se
inscrever em fases subsequentes ao SiSU, mesmo que já tivesse sido inscrito, classificado ou
matriculado em qualquer curso proveniente do SiSU. Contudo, para se matricular em curso
subsequente, teria que cancelar a matrícula no curso anteriormente ocupado.
Para cada processo de seleção pelo SiSU, faz-se necessária uma regulamentação
por edital de cronograma do processo seletivo referente ao ano de realização, por parte do
Ministério da Educação MEC/INEP. No ano de 2010, houve dois editais de cronogramas do
processo seletivo SiSU. O primeiro foi o Edital MEC n.º 1, de 26 de janeiro de 2010, que
dividiu o processo em duas etapas, fora a etapa suplementar. As inscrições da primeira etapa
seriam realizadas de 29 de janeiro a 03 de fevereiro de 2010 e o resultado seria divulgado em
05 de fevereiro, e as matrículas nas IES seriam de 08 a 12 de fevereiro; finda a primeira etapa
começaria a segunda etapa, para as vagas remanescentes, em que as inscrições no SiSU
seriam de 15 a 20 de fevereiro, a divulgação do resultado no dia 22 de fevereiro e as
matrículas nas IES de 23 a 26 de fevereiro. Caso ainda houvesse vagas não preenchidas,
haveria uma etapa suplementar em que as inscrições seriam de 01 a 03 de março, o resultado
sairia dia 05 de março e as matrículas de 09 a 12 de março.
O segundo Edital de 2010 foi o Edital n.º 6, de 8 de junho de 2010. Segundo esse,
haveria apenas uma data para inscrição no sistema, de 10 a 14 de junho de 2010, seguindo-se
de até três chamadas de divulgação de resultados e matrículas. Após as três chamadas, o
estudante que não fosse convocado em nenhuma delas, poderia se inscrever numa lista de
espera, conforme consta:
106
6.1 De 10 a 14 de julho de 2010, o candidato não selecionado na 3ª chamada do
processo seletivo, que tiver interesse em constar na Lista de Espera do SiSU para
o(s) curso(s) no(s) qual(is) efetuou sua inscrição deverá, nos termos do artigo 18-A
da Portaria Normativa MEC no- 2, de 2010, confirmar, por meio do sistema, seu
interesse na(s) vaga(s). (BRASIL, 2010b, p. 01).
Já o ENEM de 2010 (que correspondia ao ingresso de 2011) foi regido, como já
relatado, por uma nova portaria ministerial77
, que o respalda até o presente momento (2012).
A partir de 2010, houve a promulgação dos editais de abertura dos processos seletivos, sendo
o primeiro, que regeria o ENEM de 2010, o Edital n.º 01, de 18 de junho de 2010. Nele
continha praticamente os mesmos dispositivos da Portaria anterior (109/2009), apenas com
mudanças de datas (inscrições do dia 21 de junho a 09 de junho de 2010), além de discriminar
como seriam realizadas as correções das provas de redação:
7.1.4. A redação é corrigida por dois corretores de forma independente, sem que um
conheça a nota atribuída pelo outro. A nota final corresponde à média simples das
notas atribuídas pelos dois corretores.
7.1.4.1. Caso haja discrepância de 500 (quinhentos) pontos ou mais na nota atribuída
pelos corretores, a redação passará por uma terceira correção, realizada por um
supervisor, sem que este conheça as notas dos demais. A nota atribuída pelo
supervisor substitui a nota dos demais corretores. (BRASIL, 2010c, p. 01).
A Prova foi aplicada nos dias 6 e 7 de novembro de 2010, apresentando problemas
em sua estruturação, com erros na folha de resposta e também nas provas de cor amarela. Em
discurso oficial, o Ministério da Educação confirmou o erro de impressão em 21 mil cadernos
de prova amarela, e 33 mil cadernos foram impressos com defeito de ordenação. Devido aos
erros ocorridos, as provas foram reaplicadas no dia 15 de dezembro de 2010 apenas para os
estudantes lesados pela aplicação das provas de cor amarelas (CONRADO; LUZ; SILVA
apud SILVA, 2011).
O SiSU, da mesma forma que no ano anterior, foi regido por dois editais, sendo o
primeiro o Edital n.º 2, de 17 de janeiro de 2011, e o segundo o Edital n.º 7, de 08 de junho de
2011. Da mesma forma que no Edital SiSU 2010/2, nos editais de 2011 constava apenas uma
data para inscrições no sistema, seguindo-se a da divulgação do resultado e da matrícula para
os aprovados, no edital de janeiro constava a realização de três chamadas de convocação e no
edital de junho, apenas duas chamadas. Em ambos os editais, continha a confecção da “lista
de espera” para candidatos não selecionados anteriormente, e a utilização dessa lista, ou de
outra forma de preenchimento das vagas remanescentes, ficaria a critério da IES.
77
Portaria MEC n.º 807, de 18 de junho de 2010.
107
Houve também mudanças em alguns pontos logísticos, por exemplo, a opção dos
cursos, em que o estudante só poderia se inscrever em duas opções, podendo fazer as
alterações até o fechamento do sistema. Outro diferencial foi que os estudantes aprovados na
primeira opção de curso seriam excluídos do sistema, não sendo mais convocados nas
chamadas posteriores. Haveria apenas três chamadas no Edital 2011/1 e duas chamadas no
Edital 2011/2, e, se ainda existissem vagas remanescentes, as instituições convocariam os
estudantes a partir da lista de espera gerada pelo sistema, se assim quisessem (CONRADO,
2010).
O ENEM 2011 foi regido pelo Edital n.º 07, de 18 de maio de 2011, e apresentava
as mesmas prerrogativas do Edital 2010, alterando apenas as datas das inscrições, que seriam
do dia 23 de maio a 10 de junho de 2011. Na correção da prova de redação, foi especificado
que a discrepância entre as notas do primeiro avaliador e do segundo não poderia exceder 300
pontos, ou seria corrigida por um terceiro avaliador.
No fluxograma 1, mostramos como aconteceu, em ordem cronológica, a
regulamentação do ENEM (ou Novo ENEM) e do SiSU, assim como portarias
complementares desses.
Continuando com a exposição dos problemas que têm acompanhado a realização
dos exames, na edição do ENEM 2011, realizada nos dias 22 e 23 de novembro de 2011,
houve “vazamento” de pelo menos 13 questões aplicadas no pré-teste do ENEM no Colégio
Christus, em Fortaleza, além do tema de redação, “redes sociais”, ser igual ao simulado do
Colégio e à prova do ENEM. O MEC reconheceu que aplicou um pré-teste no referido
Colégio, mas negou que houve furto ou extravio que alguma prova. O Colégio também se
defendeu, relatando que os alunos foram consultados na preparação do simulado, e que os
mesmos poderiam ter formulado as questões idênticas ao ENEM, com base na participação no
pré-teste. Depois de muito clamor e até solicitação de anulação do ENEM, a decisão tomada
pelo MEC foi anular as questões do ENEM, idênticas ao simulado, para os alunos do Colégio
Christus (SILVA, 2012).
O cronograma do Processo Seletivo SiSU de 2012 foi regulamentado pelos
Editais n.º 14, de 21 de dezembro de 2011 (2012/1), e Edital n.º 7, de 8 de junho de 2012
(2012/2), seguindo os mesmos dispositivos do Edital de 2011/2, com uma data única para
inscrição no sistema, duas chamadas para divulgação do resultado, matrícula na IES, e a
manifestação de interesse para constar na lista de espera.
A seguir, apresentamos fluxograma com a ordenação cronológica das portarias e
editais que instituem o ENEM e o SiSU:
108
Fluxograma 1 – Ordenação referente às Portarias MEC
Fonte: Elaborado pelo autor.
Apresentamos no quadro 2 o teor das principais mudanças na estrutura de
funcionamento do SiSU:
109
Quadro 2 - Estruturação dos Editais SiSU 2010/2012
Semestre Edital Inscrições Chamadas Divulgação dos
resultados
Matrícula Ocupação de
vagas
Lista de Espera
2010/1 Edital MEC n.º 1,
de 26 de janeiro
de 2010
Divididas em
duas etapas, com
mais uma etapa
suplementar.
Não consta. Dividida em duas
etapas, com mais
uma etapa
suplementar.
Dividida em duas
etapas, com mais
uma etapa
suplementar.
Dividida em
duas etapas,
com mais uma
etapa
suplementar.
Apresenta um edital próprio para
a Lista de Espera. Edital n.º 3, de
9 de março de 2010.
2010/2 Edital n.º 6, de 8
de junho de 2010
Apenas um
período de
inscrição no
sistema.
Divididas em 3
chamadas
sucessivas.
Não consta. Divididas em 3
chamadas
sucessivas
Divididas em 3
chamadas
sucessivas
Sim. O Edital prevê que os
candidatos que não foram
selecionados nas 3 chamadas
realizadas podem se inscrever na
lista de espera.
2011/1 Edital n.º 2, de 17
de janeiro de 2011
Apenas um
período de
inscrição no
sistema
Divididas em 3
chamadas
sucessivas.
Divididas em 3
chamadas
sucessivas.
Divididas em 3
chamadas
sucessivas
Divididas em 3
chamadas
sucessivas
Sim. O Edital prevê que os
candidatos que não foram
selecionados nas 3 chamadas
realizadas podem se inscrever na
lista de espera.
2011/2 Edital n.º 7, de 8
de junho de 2011
Apenas um
período de
inscrição no
sistema
Divididas em 2
chamadas
sucessivas
Divididas em 2
chamadas
sucessivas
Divididas em 2
chamadas
sucessivas
Divididas em 2
chamadas
sucessivas
Sim. O Edital prevê que os
candidatos que não foram
selecionados nas 2 chamadas,
podem se inscrever na lista de
espera para a 1.ª opção de curso.
110
Semestre Edital Inscrições Chamadas Divulgação dos
resultados
Matrícula Ocupação de
vagas
Lista de Espera
2012/1 Edital n.º 14, de
21 de dezembro
de 2011
Apenas um
período de
inscrição no
sistema
Divididas em 2
chamadas
sucessivas
Divididas em 2
chamadas
sucessivas
Divididas em 2
chamadas
sucessivas
Divididas em 2
chamadas
sucessivas
Sim. O Edital prevê que os
candidatos que não foram
selecionados nas 2 chamadas
realizadas podem se inscrever na
lista de espera para a 1.ª opção de
curso.
2012/2 Edital n.º 7, de 8
de junho de 2012
Apenas um
período de
inscrição no
sistema
Divididas em 2
chamadas
sucessivas
Divididas em 2
chamadas
sucessivas
Divididas em 2
chamadas
sucessivas
Divididas em 2
chamadas
sucessivas
Sim. O Edital prevê que os
candidatos que não foram
selecionados nas 2 chamadas
realizadas podem se inscrever na
lista de espera para a 1.ª opção de
curso.
Fonte: Elaborado pelo autor.
111
A visualização do Quadro 2 mostra que, ao longo das edições do SiSU, as
alterações têm incidido principalmente sobre o número de inscrição possível no sistema,
sendo o primeiro edital com dois períodos de inscrição e mais um complementar, e do
segundo edital em diante, o estudante pode realizar apenas uma inscrição. A forma de
divulgação dos resultados e as chamadas também sofreram alterações: na primeira edição,
eram realizadas duas divulgações de resultados com mais uma suplementar, seguindo o
critério de inscrição dessa edição, e, nas edições subsequentes, passaram a três chamadas
(2010/2 e 2011/1), e depois duas chamadas (2011/2 em diante), de acordo com o número de
vagas remanescentes. No primeiro edital do SiSU, não constava a realização da lista de
espera, sendo instituído um Edital complementar que trazia tal especificação, a partir do
Edital de 2010/2 em diante já apresenta a confecção da lista de espera.
O processo seletivo ENEM/2012 nem acontecera e já repercutia na imprensa,
motivando o então Ministro da Educação, Fernando Haddad, a cancelar a realização do
exame, que seria realizado em abril daquele ano. De acordo com a nota oficial do Ministério,
ainda não havia condições de aplicar duas provas do ENEM num mesmo ano, pois isso
“sobrecarregariam as estruturas de logística do exame”, ficando, então, confirmada apenas a
sua realização nos dias 03 e 04 de novembro do corrente ano (G1, 2012).
Podemos verificar, pelo discurso oficial, que a intenção do ENEM/SiSU era
avaliar as “habilidades e competências e não apenas a capacidade de reproduzir conteúdos”
(HELENE, 2011, p. 01), como acontecia no antigo vestibular, dando, dessa forma, mais
chance para os alunos menos favorecidos por condições materiais de ingressar no ensino
superior. Entretanto, pelas análises realizadas por Helene (2011), até o momento, não se pode
perceber tal fato.
Qualquer que seja o tipo de exame que eleve à classificação de estudantes (seja de
múltipla escolha ou dissertativo, seja baseado em habilidades e competências ou em
conteúdos curriculares ortodoxos ou considere uma reles média ou parâmetro de
desempenho ajustado por métodos estatísticos sofisticados), desde que
suficientemente bem feito, o resultado é basicamente o mesmo. Se a ordem dos
classificados por um procedimento de avaliação não é exatamente igual à do outro
procedimento, havendo um pequeno embaralhamento, isso é irrelevante para
qualquer finalidade prática, não existindo nenhum critério objetivo que permita
afirmar que uma sequência apresentada seja melhor que outra. E no topo da lista
sempre estarão os estudantes que frequentaram boas escolas e provenientes das
camadas mais favorecidas da população. Enfim, para esse grave problema da
segregação social e econômica do nosso sistema escolar, o Enem não se tornou uma
solução. (HELENE, 2011, p. 01).
112
Outro aspecto argumentado pelo MEC na defesa do SiSU refere-se à facilitação
para participar da disputa por vaga em cursos concorridos. Nesses casos, na vigência do
vestibular, o candidato precisava realizar vários exames em instituições diferentes e às vezes
em regiões distantes, o que excluía o candidato carente, que não dispunha de recurso
financeiro para essa “peregrinação”. Já a atual formatação do ENEM/SiSU permite que o
estudante se inscreva em apenas duas opções de curso/instituição. Contudo, segundo Helene
(2011), o estudante que não tem condições de realizar o vestibular em outras localidades,
também não terá condições de se manter fora de casa, caso consiga inscrever-se em uma IES
distante. Assim: “ao alocar um candidato para um curso concorrido em um lugar distante de
sua moradia, não apenas impedirá que alguma pessoa daquela região ocupe aquela vaga como
contribuirá para o aumento da evasão” (p. 01). Nesse sentido, também Pequeno (2010)
pondera que:
Acontece que o Brasil é marcado por duas grandes desigualdades, uma geográfica
(ou regional), onde se sobressaem as regiões Sul e Sudeste; e uma outra social,
discriminadora pelo poder econômico. Ambas as desigualdades são acentuadas pela
seleção unificada [...]. (PEQUENO, 2010, p. 01).
Entretanto, a mobilidade acadêmica é defendida pelos formuladores do
ENEM/SiSU, baseando-se em que, com ela, os estudantes teriam uma ampla concorrência
para disputa de vagas acadêmicas, pois realizariam apenas um processo seletivo, e com esse
poderia se candidatar a vagas acadêmicas em mais de uma IES pelo Brasil. No entanto, é
preciso destacar que, para que isso ocorra, é necessário estruturar as universidades,
oferecendo, por exemplo, residência universitária, restaurante universitário, transporte escolar,
bolsas permanências, entre outros benefícios. Como refere Faria Filho (2012):
Sem que as universidades tenham, por exemplo, alojamento para receber os alunos
oriundos de outras regiões do País, corre o risco de o Enem, ao permitir a
competição nacional pelas vagas, acabar funcionando muito mais como um
mecanismo de elitização das universidades públicas do que de sua efetiva
democratização. (p. 01).
Pequeno (2010) demonstra dados referentes ao “deslocamento” de estudantes
pelos estados brasileiros, de acordo com o poder econômico de cada estado. Assim, registra
que São Paulo “exportou” 2.531 estudantes e “importou” apenas 169; já o Piauí “exportou” 85
estudantes, e “importou” 612. Portanto, segundo o autor: “o privilégio econômico é fator
decisivo tanto para se conseguir a vaga, como também, para permitir o descolamento para
cursar universidade em outro Estado.” (p. 01). Essa situação é contestada pelo Secretário de
113
Educação Superior do Ministério da Educação, Luiz Cláudio Costa, que relata que a
migração, embora aconteça, é pontual, e está sendo acompanhada criteriosamente pelo
Ministério: “Dos estudantes que saíram de São Paulo, o estado mais rico do país, só 4,13%
foram para universidades localizadas nas regiões Norte e Nordeste. Em Minas Gerais, esse
mesmo número foi de 10,7%; e, no Rio de Janeiro, de 17%.” (O GLOBO, 2011, p. 01).
Ressaltamos que as questões relacionadas aos problemas estruturais e logísticos
(furto de provas, erros de impressão, problemas na elaboração, aplicação do pré-teste etc.)
podem ter encoberto as contradições de um sistema de avaliação unificado, como é o caso do
ENEM/SiSU. Embora o sistema de ingresso tenha apresentado problemas técnicos na
operacionalização, supomos que tais problemas sejam passíveis de correção em futuros
processos. Contudo, estudos e pesquisas devem ser realizados referentes ao perfil dos
estudantes ingressantes pelo novo sistema, assim como o acompanhamento de desistência e
evasão, em comparação com o antigo vestibular, para que sejam efetivamente dimensionadas
as questões relacionadas à elitização ou não do sistema de ingresso em questão.
Mesmo com tantos questionamentos e problemas logísticos, o formato de ingresso
via ENEM/SiSU tem crescido em número de instituições que passaram a adotá-lo como
sistema de ingresso. Conforme dados da ANDIFES, no ano de 2012, 96 IFES adotaram tal
sistema como forma de ingresso, sendo 59 universidades e 37 institutos; ainda relacionado às
96 IFES que adotaram o novo sistema de seleção, 41 aderiam ao SiSU como única forma de
ingresso, enquanto 55 aderiram de forma parcial ou associada a outros mecanismos de seleção
(LORDELO et al., 2011).
Veremos na Parte II como se deu a implantação do sistema de ingresso
ENEM/SiSU, na UFMT, a partir de 2010.
114
PARTE II – A UFMT E SEUS PROCESSOS SELETIVOS (1972 A 2012)
O sistema de ensino superior ocupa uma posição
estratégica e fundamental no processo de
modernização e desenvolvimento do país...
Carlos Benedito Martins
Nessa parte, iremos historiar a criação do ensino superior no estado de Mato
Grosso até o surgimento da primeira universidade no estado, no caso, a UFMT. Faremos,
ainda, uma abordagem dos programas de expansão e interiorização que culminaram com a
criação do CUS. E finalizaremos apresentando as formas de ingresso aos cursos de graduação
na UFMT, desde o primeiro processo vestibular em 1972 até o processo seletivo e forma de
ingresso proposto pelo ENEM/SiSU, no ano de 2012, ano de realização desta pesquisa.
2.1 Breve histórico do ensino superior em Mato Grosso e a criação da Universidade
Federal de Mato Grosso – UFMT
Referente ao ensino superior no estado de Mato Grosso, temos registro de uma
aula inaugural de anatomia e cirurgia em 1808 em decorrência da necessidade de cirurgiões
no estado, e também pelos festejos da chegada de D. João VI ao Brasil. Esse curso foi
estruturado pelo cirurgião-mor da província, com estudo teórico e prático de anatomia e
cirurgia em quatro anos de curso.
Apenas um século depois, em 1908, voltamos a ter registros de desenvolvimento
do sistema educacional em Mato Grosso. Foi quando o Governador Pedro Celestino Correa da
Costa criou duas escolas, a Normal Pedro Celestino e o Modelo Barão de Melgaço, uma para
formação de professores e outra para o curso primário, e logo foram criadas outras escolas
primárias nos municípios próximos a Cuiabá (VELOSO, 2000).
Em 1910, foi criada em Cuiabá a Escola de Aprendizes Artífices78
, a primeira
escola, de nível técnico, mantida pelo governo federal no estado. O primeiro curso de ensino
superior em Cuiabá foi criado79
em 1914, na Escola Superior de Comércio, sendo oficializada
em 1929 e rebatizada como Escola Comercial Antônio Correa; entretanto, não conseguiu
permanecer como ensino superior, prosseguindo apenas em nível técnico.
78
Atualmente tem o nome de Instituo Federal de Mato Grosso. 79
Lei n.º 682, de 23 de julho de 1914.
115
Temos também no ano de 1929, em Campo Grande, a criação da Faculdade Mato-
Grossense de Odontologia e Farmácia, embora essa não tenha perdurado, foi extinta
aproximadamente em 1932 (VELOSO, 2000).
A primeira Instituição de Ensino Superior - IES a realmente perdurar, mesmo com
descontinuidades em seu início, foi a Faculdade de Direito de Cuiabá, fundada em 1934,
sendo inclusive reconhecida pelo interventor estadual80
, seguindo o modelo da Universidade
do Brasil.
Apenas no ano seguinte, em 1935, pelo Decreto-lei n.º 87, foi concedida dotação
orçamentária para a Faculdade de Direito, assim como feita a nomeação de seus professores,
embora a maioria desses já fossem funcionários do estado, ocupando cargos públicos. Em
1937, devido à Constituição de 10 de novembro, os mesmos não poderiam acumular cargos
públicos, assim aconteceu o encerramento das atividades da Faculdade de Direito, por falta de
professores.
Em 1937, encerram-se as atividades dessa faculdade em razão ao cumprimento à
Constituição de 10 de novembro de 1937, art. 159 onde “é vedada a acumulação de
cargos públicos remunerados da União, Estado e dos Municípios”. A maioria dos
professores, juízes, desembargadores e promotores, foram impedidos pela
fiscalização federal de continuar a lecionar. (VELOSO, 2000, p. 30).
A partir de então, a população mato-grossense começa a discutir e reivindicar a
criação de uma IES no estado, pois alegavam que, como Cuiabá era uma cidade pequena, e
pela distância com os grandes centros urbanos, havia necessidade da criação de uma IES.
Além disso, Mato Grosso era o único estado brasileiro a não possuir uma IES. “Nós éramos
conhecidos, em outros estados, como campeões negativos do ensino superior no país.”
(ARRUDA, 1985 apud VELOSO, 2000, p. 31).
O ensino superior retornou apenas em 1952, quando foi proposta à Assembleia
Legislativa a criação da Faculdade de Direito de Mato Grosso; a proposta foi bem aceita e
logo transformada na lei Estadual n.º 486, de 05 de setembro de 1952, criando definitivamente
a Faculdade de Direito de Mato Grosso, inaugurada em 1954, no prédio do Colégio Estadual
de Mato Grosso.
No mesmo ano, 1954, foi realizado o primeiro exame vestibular para ingresso na
Faculdade de Direito, contando com a inscrição de noventa candidatos para disputar setenta
vagas, o limite de vagas oferecido pela instituição (VELOSO, 2000).
80
Decreto Estadual n.º 394, de 28 de novembro de 1934.
116
No ano seguinte, 1955, foi solicitado o reconhecimento da Faculdade de Direito.
Somente então foi percebido que a mesma não tinha autorização para funcionar, sendo
fechada de acordo com o Decreto Estadual n.º 2.248. Contudo, foi elaborado um novo
processo para reconhecimento da Faculdade, o que culminou com a reabertura da instituição
em 1956, com a retomada das aulas em 1957. Entretanto, os estudantes que haviam
ingressado na Faculdade em 1954 tiveram que realizar um novo vestibular para ingressar no
curso que já faziam, além de cursar novamente o primeiro e segundo ano; com isso, a
primeira turma concluiu o curso em 1961, totalizando sete anos de estudos.
A referida Faculdade foi finalmente reconhecida em 1959, através do Decreto n.º
47.339 de 03 de setembro:
Essa Faculdade funcionou segundo a estrutura da Universidade do Brasil, sem
atividades de pesquisa e tendo como atividade de extensão a Semana Jurídica,
realizada por meio de palestras nos meses de maio a agosto. (VELOSO, 2000, p.
32).
Em 1961, essa Faculdade foi federalizada com o nome de Faculdade de Direito de
Cuiabá, tendo seu nome corrigido para Faculdade de Direito de Mato Grosso.
Outra iniciativa de IES no estado teve início em 1962, com a criação da Faculdade
de Filosofia, Ciências e Letras81
, oferecendo os cursos superiores de Matemática, História
Natural, Geografia e Letras. As atividades dessa instituição tiveram início apenas em 1966
devido à escassez de recursos humanos na área e às dificuldades financeiras do estado.
A ideia de criação de uma universidade no estado foi aflorada em 1962, quando o
Secretário da Educação e Cultura do Estado entrou em contato com Darcy Ribeiro. No mesmo
ano, o Presidente da República determinou o início dos estudos para a criação de uma
universidade, que, em seu projeto inicial, propunha que fosse aos moldes da UnB.
Em 1965, foi instituída a Faculdade de Ciências Econômicas, sendo essa no ano
seguinte, 1966, incorporada ao Instituto de Ciências e Letras de Cuiabá – ICLC82
, juntamente
com a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras. O Governador na época, Pedro Pedrossian,
determinou a criação do ICLC na capital do Estado, e a criação do Instituto de Ciências
Biológicas em Campo Grande, onde seriam oferecidos os cursos de Farmácia, Odontologia e
Medicina.
O ICLC logo foi dividido em faculdades e a Faculdade de Filosofia, Ciências e
Letras teve seu nome alterado para Faculdade de Educação, integrada pelos cursos de
81
Lei n.º 1.754, de 09 de novembro de 1962. 82
Lei n.º 2.629, de 26 de junho de 1966.
117
Matemática, Geografia, História Natural, Letras, Química, Física e Pedagogia. Além dessa,
havia também a Faculdade de Engenharia Civil, criada em 1968, e a Faculdade de Serviço
Social, criada em 1970.
Seguindo o modelo da Faculdade de Direito, o ICLC também teve sua estrutura
baseada na UnB, “tendo o departamento como sua célula mater.” (VELOSO, 2000, p. 35). E,
como forma de ingresso, o ICLC também adotou o exame vestibular, sendo o primeiro
aplicado em janeiro de 1968 para aproximadamente quatrocentos e cinquenta candidatos.
A criação da Universidade era um desejo de toda a população do estado, porém
havia uma disputa entre cuiabanos e campo-grandenses sobre o local onde se instalaria a sede
dessa instituição, e ambas as cidades iniciaram a construção do campus universitário. Tal
questão foi resolvida apenas quando, em 1969, o então Presidente da República, o militar
Emílio Garrastazu Médici, assinou o Projeto de lei que criava a UFMT83
, com sede em
Cuiabá.
Em decorrência da criação da Universidade Federal em Cuiabá, o Governador
Pedro Pedrossian criou a Universidade Estadual em 25 de novembro de 1970, com sede em
Campo Grande.
Com a criação da UFMT, a Faculdade de Direito de Mato Grosso e o Instituto de
Ciências e Letras de Cuiabá foram incorporados a essa Universidade, transferindo seus cursos
para o campus do Coxipó, em 1971.
A Universidade foi implantada obedecendo às diretrizes da Lei da Reforma
Universitária, a lei 5.540/68. Ela nasceu dentro desse domínio de reestruturação do
sistema universitário do país, estruturando-se já com o sistema de Centros e
Departamentos e com a carreira de magistério estruturada nas classes de professores
titulares, adjuntos e assistentes. (VELOSO, 2000, p. 38).
Como foi criada no mês de dezembro, mês em que já havia encerrado o orçamento
da União para o ano seguinte, no ano de 1971 a UFMT sofreu com a falta de recursos,
contando apenas com os recursos provenientes do apoio do Governo Estadual e dos
orçamentos da Faculdade de Direito e do ICLC.
O primeiro professor a assumir a Reitoria da UFMT foi Gabriel Novis Neves, em
1971, e a instituição apenas conseguiu se estruturar em 1972, com doze cursos já existentes:
Direito, Economia, Ciências Contábeis, Serviço Social, Geografia, Letras, Pedagogia,
83
Após aprovação do projeto pelo Senado Federal, o Presidente sancionou a Lei n.º 5.647, de 10 de dezembro de
1970.
118
Engenharia Civil, Física, Química, Matemática e História Natural. Desses, apenas o primeiro
(Direito) era reconhecido pelo MEC.
[...] o desafio era agrupar as Unidades, a fim de que as mesmas se tornassem uma
unidade, vencendo obstáculos como a precariedade de recursos materiais e humanos
especializados. (DORILEO, 1977 apud VELOSO, 2000, p. 40-41).
Desde a sua criação, a UFMT utilizou como forma de ingresso para os cursos em
sua instituição o concurso vestibular. Após aprovação no vestibular, os alunos iniciavam o
curso, que se dividia em dois ciclos. Quando o estudante ingressava na universidade, não fazia
a opção por um curso definido, apenas realizava uma pré-opção de curso. O estudante tinha
que primeiramente cursar o 1° ciclo, que consistia em áreas básicas a todos os cursos, sendo
que esse ciclo tinha como objetivo corrigir defasagens demonstradas no vestibular.
[...] Numa sala de aula eram misturados alunos de todos os cursos, pois eles não
estavam ali para se especializarem em nenhuma profissão. Eles estavam ali para
recuperarem insuficiências evidenciadas no vestibular e para sondarem suas
aptidões. Eles só eram agrupados por curso (da pré-opção) em algumas disciplinas
que deveriam servir de embasamento para o curso posterior ao 1° ciclo. (ARRUDA,
1985 apud VELOSO, 2000, p. 41).
Mas essa estrutura em ciclos apresentava problemas: ao final do 1.º ciclo, a
maioria dos estudantes escolhia os cursos de Direito ou Engenharia, não havendo vagas
suficientes para todos e os excedentes acabavam remanejados para os cursos de segunda
opção. Outra questão discutida era a falta de entrosamento entre os estudantes, pois em cada
disciplina ministrada eram agrupados em turmas diferentes. Além disso, os professores da
instituição elencaram ser desvantajoso trabalhar conteúdos sem poder aprofundar em uma
determinada área de atuação.
O interesse do estudante era ingressar na primeira opção de curso realizada no
momento do vestibular: “não estavam interessados em sondagens de aptidões ou reopção para
nova carreira.” (VELOSO, 2000, p. 42).
No ano de 1974, iniciou-se na UFMT uma política de interiorização, com o plano
de criar unidades de ensino superior nas cidades de Rondonópolis, Barra do Garças e Cáceres.
Nesse mesmo ano, foi criado o Centro Pedagógico de Rondonópolis, vinculado à
Universidade Estadual de Campo Grande, e, depois da divisão do estado, essa unidade foi
incorporada à UFMT.
Em 1981, foi criado o Centro Pedagógico de Barra do Garças, oferecendo cursos
de Licenciatura Plena em Letras, História, Geografia e Ciências. Atualmente, é nomeado de
119
Instituto Universitário do Araguaia, e está dividido em duas unidades, sendo uma localizada
em Barra do Garças e a outra, em Pontal do Araguaia. Em Cáceres, os cursos superiores eram
ministrados pela Escola Superior Municipal, diretamente vinculada à UFMT, sendo que essa
unidade se transformou na Universidade do Estado de Mato Grosso – UNEMAT.
O plano de interiorização se caracteriza pela extrapolação dos limites físicos da
universidade às regiões localizadas em sua área de influência, proporcionando-lhes
através de ações específicas, meios e recursos necessários ao desenvolvimento
sócio-econômico-cultural de cada uma delas, em consonância com as peculiaridades
local e regional. (VELOSO, 2000, p 51).
Vale destacar a criação do Centro de Ciências Biológicas e da Saúde da UFMT,
em 1977, oferecendo os cursos de Biologia, Educação Física e Enfermagem, cursos criados
ainda em 1976; no ano de 1977, foi somado o curso de Nutrição e, em 1980, o curso de
Medicina.
Seguindo o intento da interiorização, em 1992, foi criado o Instituto Universitário
do Norte Mato-grossense (IUNMAT)84
, no município de Sinop, instituído pela Resolução do
Conselho Diretor n.º 27/1992, embora essa proposta já viesse desde os anos de 1980.
O município de Sinop fica localizado a 551 km de Cuiabá, a 345m de altitude,
possuidor de uma área de 3.194 km², e uma população de 105.762 mil habitantes. É o
principal polo econômico e universitário do norte do estado, e conta, além da UFMT, com um
campus da Universidade do Estado de Mato Grosso (UNEMAT), que atua no município
desde 1992.
A primeira proposta de criação do CUS aconteceu em 1981, com a doação, pelo
colonizador Ênio Pipino, de um terreno com 60 hectares; entretanto, a criação do núcleo
Pedagógico Norte Mato-grossense ocorreu somente com a instalação de cursos na modalidade
de “turmas especiais”85
no ano de 1992, ofertando os cursos de Direito, Engenharia Florestal,
Ciências Contábeis e Ciências Biológicas.
A proposta da criação do CUS visava à formação de graduados nas áreas relativas
à agropecuária, à saúde e à formação de professores, áreas bastante ausentes na região. Sua
organização administrativa está vinculada ao campus de Cuiabá, onde se encontra a
administração central (Reitoria, Vice-Reitoria e Pró-Reitorias). A Pró-Reitoria do campus é
constituída por três Institutos, sendo eles o Instituto de Ciências Agrárias e Ambientais –
ICAA, Instituto de Ciências Naturais, Humanas e Sociais - ICNHS, e o Instituto de Ciências
84
Resolução do Conselho Diretor n.º 27/1992. 85
Nos anos de 1991 a 2004 a UFMT intensificou suas ações no interior no estado com a criação de cursos de
graduação temporários, modalidade parcelada, a distância e com turmas especiais (NOGUEIRA, 2012).
120
da Saúde – ICS, a que estão subordinados os cursos de Enfermagem, Medicina Veterinária e
Farmácia.
No mesmo ano (1992), foi também instituído na UFMT o Núcleo de Educação a
Distância (NEAD), com o objetivo de formar professores da rede básica que já atuavam na
rede educacional, mas sem a devida formação, ou atuavam em outra área que não a de sua
formação inicial. Também foi realizada a Reforma Administrativa na UFMT, criando os
Institutos, as Faculdades e as Coordenações de Curso, assim como a Comissão Permanente de
Vestibular – COPEVE, rebatizada de Coordenação de Exames Vestibulares – CEV, e depois
de Coordenação de Concursos e Exames Vestibulares – CCEV; atualmente, novembro de
2012, passou a ser Secretaria de Articulação e Relações Institucionais – SARI.
Em 1995, a UFMT passou a oferecer cursos de graduação no interior do estado,
na modalidade de “turmas especiais”, em parcerias com as prefeituras locais.
A partir do ano 2000, a UFMT começou a participar de programas para expandir a
oferta de vagas dos cursos nos campi da universidade, como o Programa Expansão, em 2000;
e o REUNI, em 2007.
Dentro do Programa Expansão, a UFMT tinha como proposta a ampliação no
campus de Rondonópolis por meio de três novos cursos: os de Engenharia
Mecânica, Engenharia Agrícola Ambiental e Enfermagem, integralizando 180 novas
vagas. No campus do Médio Araguaia, houve a sugestão de instituir dois novos
cursos: o de Engenharia de Alimentos e de Enfermagem. Por fim, no campus de
Sinop a ideia foi de ofertar os cursos: Agronomia, Enfermagem, Engenharia
Florestal, Medicina Veterinária, Zootecnia, Licenciatura em Ciências da Natureza
(Habilitação em Física, Química e Matemática). (NOGUEIRA, 2012, p.83).
Desde 2012, a UFMT conta com uma oferta diversificada de cursos entre seus
campi, sendo que no Campus de Cuiabá são oferecidos 52 cursos; no Campus de
Rondonópolis são oferecidos 21; no Campus do Araguaia são oferecidos oito cursos em Barra
do Garças e oito cursos em Pontal do Araguaia; no Campus de Sinop são oferecidos dez
cursos. Além desses a UFMT ainda oferece dois cursos na modalidade Educação a Distância86
- EAD. Em 2012, foram oferecidas 5.462 vagas nos cursos de graduação da instituição, em
que se inscreverem um total de 73.564 candidatos. No ano de 2011, a UFMT contava com
1.493 docentes em sua instituição, e desses, 1.358 eram concursados como 40H e Dedicação
Exclusiva, 115 com 40H, e 20 com 20H. Desse total de docentes concursados, há 28 docentes
com graduação na área, 99 com especialização, 543 com mestrado e 823 com doutorado
(UFMT, 2012a).
86
Disponível em: http://www.ufmt.br/ufmt/unidade/index.php/secao/visualizar/243/PROEG.
121
2.2 Formas de ingresso na Universidade Federal de Mato Grosso do vestibular ao
ENEM/SiSU
Pela data de fundação da UFMT, 1970, a aplicação do processo seletivo já se
configurava como concurso vestibular, como preconizava a Reforma Universitária de 1968,
ou seja, o vestibular respeitava o princípio classificatório de seleção, com o estabelecimento
de limite de vagas para cada um de seus cursos.
Nos primeiros anos de aplicação do vestibular na UFMT, mais precisamente de
1972 a 1975, eram realizados dois processos de seleção a cada ano, sendo o primeiro
realizado em janeiro e o segundo, no mês de junho ou julho.
Nos anos de 1978 a 1981, o vestibular da UFMT foi “terceirizado”, sendo sua
formulação e aplicação de responsabilidade da Fundação Carlos Chagas. A partir de 1982,
volta novamente a ser realizado pela própria UFMT, mais especificamente pela COPEVE,
sendo realizado apenas um concurso por ano, com chamadas para os dois semestres letivos.
Quanto à questão da opção pelo curso, desde sua aplicação na UFMT, em 1972, o
vestibular oferecia ao candidato, no momento da inscrição, a opção pela escolha de dois
cursos de sua preferência, sendo um como primeira opção e outro como segunda opção, caso
não fosse aprovado ou não houvesse mais vagas para a primeira opção.
Dorileo (1977) refere-se ao receio, no ano de 1974, com a questões das vagas
ociosas que começavam a aparecer na instituição, em alguns cursos de menor procura, como
Matemática, Física e História Natural, sugerindo a possibilidade de uma terceira opção de
cursos, para os alunos que viessem “cursá-los pela oportunidade da terceira chamada –
terceira opção ou chamado „vale tudo‟.” (p.125, grifo nosso).
A partir de 1983, o vestibular da UFMT foi regulamentado por Resolução do seu
Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão – CONSEPE87
, passando a oferecer apenas uma
opção de curso para os candidatos, exceto para os que exigiam testes de habilidades, pois o
candidato que reprovava nesses testes ainda poderia concorrer a outro curso de graduação.
Ficou também estabelecido que o vestibular fosse realizado apenas uma vez ao ano, e a prova
consistiria em duas etapas, a primeira eliminatória e a segunda classificatória.
A COPEVE realizou um estudo sobre o perfil dos candidatos classificados no
vestibular. Tal material gerou uma publicação intitulada “Quem procura a UFMT?”, contendo
uma análise do perfil dos estudantes classificados nos vestibulares dos anos de 1983 a 1986.
87
Resolução CONSEPE n.º 41/81.
122
Referente à escolha do curso, a maioria dos estudantes declarou como mais importante a
influência de leituras (livros, jornais, revistas), seguindo-se a influência de parentes e amigos.
O trabalho destaca a influência praticamente nula da família, considerada em
isolado, e da escola quanto à escolha feita, esta última marca a ausência da ação
escolar, tornando-se um indicativo de falhas no Sistema Educacional Brasileiro;
ainda sobre a influência na escolha da carreira, mostra que um elevado percentual
dos candidatos declarou ter sido sua escolha motivada pela adequação da carreira às
suas aptidões, seguida de perto pelo interesse em melhorar atividades que já
desempenha, ambas de grande importância para a auto realização do candidato.
(VELOSO, 2000, p. 54).
No ano de 1996, o vestibular passou por outra modificação, tanto na sua
operacionalização quanto em seus instrumentos. Passou a ser realizado em etapa única,
contendo uma prova de redação e mais oito provas de matérias distintas com questões de
proposições múltiplas, de julgamento falso ou verdadeiro, e questões discursivas, referentes a
conteúdos que envolviam cálculos. O vestibular continuou sendo classificatório, mas também
apresentando caráter eliminatório para os candidatos que zerassem em qualquer uma das
provas de conhecimento. No mesmo ano, houve aproximação da UFMT com as instituições
de Ensino Médio, no sentido de apresentar a nova proposta a essas escolas, e de receber
sugestões e propostas para incrementá-la.
A justificativa, para o novo sistema de acesso a UFMT, apresentado às Escolas de 2°
grau, no I Seminário de Avaliação do Concurso Vestibular, realizado em junho de
1995 pela CEV, foi que a partir da análise de dados de desempenho dos candidatos
nos últimos vestibulares da UFMT, sentiu-se a necessidade de rever os instrumentos
e critérios utilizados no ingresso a essa instituição, baseando-se o novo sistema nas
características dessa Instituição e na análise de instrumentos e critérios de outras
Instituições de Ensino Superior. (VELOSO, 2000, p. 58).
Após amplo debate com a comunidade, o CONSEPE aprovou a nova
regulamentação do vestibular da UFMT, por meio das Resoluções n.º 25, de 31 de julho,
Resolução n.º 42, de 26 de setembro, e Resolução n.º 43, de 02 de outubro, todas no ano de
1995.
A partir de 1996, foi introduzida a opção do idioma espanhol na prova de Língua
Estrangeira. Nesse mesmo ano, todos os candidatos que realizaram o vestibular, passaram a
receber seu boletim de desempenho de cada disciplina no referido concurso, sendo
classificado ou não.
123
Além disso, a CEV, nos anos de 1995 e 1998, oferece palestras às instituições de
ensino de 2° grau em todo o Estado com o objetivo de esclarecer as dúvidas sobre o
sistema de acesso à UFMT. (VELOSO, 2000, p. 59).
Outras particularidades históricas quanto à modalidade de ingresso na UFMT
foram instituídas por meio da Resolução CONSEPE n.º 42, de 03 de maio de 1999, que
estabeleceu o ingresso mediante a realização de vestibular para os cursos na modalidade
EAD. A Resolução CONSEPE n.º 22, de 13 de fevereiro de 2006, instituiu o sistema de
ingresso via transferência facultativa de estudantes da própria UFMT ou de outros IES, em
que os mesmos deveriam realizar um processo seletivo em duas fases, sendo a primeira
constituída de uma prova com 60 questões de múltipla escolha das disciplinas português e
matemática, e a segunda fase de uma prova dissertativa com cinco questões de conhecimento
específico do curso.
Ainda na diversificação das formas de ingresso na UFMT foi instituída através da
Resolução CONSEPE n.º 82, de 12 de setembro de 2007, o Programa de Inclusão de
Estudantes Indígenas “Guerreiros da Caneta” - PROIND, que disponibilizou 100 vagas
acadêmicas a serem preenchidas em um período de cinco anos, sendo que esses estudantes
seriam selecionados por um processo seletivo específico e diferenciado, elaborado pela Pró-
reitoria de Ensino e Graduação – PROEG.
Por fim, a partir de 2009, a UFMT adotou como processo seletivo e forma de
ingresso aos cursos de graduação na instituição o ENEM/SiSU, que veremos com maiores
detalhes na próxima parte.
2.3 A UFMT e o ENEM/SiSU
No ano de 2001, a UFMT passou a aceitar uma nova particularidade na forma de
ingresso em seus cursos, por meio da adoção das notas que os estudantes obtivessem no
ENEM, e, no processo de ingresso na UFMT, o estudante poderia optar por concorrer ao
Concurso Vestibular Unificado, com peso de 100% ou ao Concurso Vestibular Unificado,
com peso de 80% somando com o resultado do ENEM, com peso de 20%, entretanto essa
segunda escolha, utilizando a nota no ENEM, apenas seria efetivada se o sistema
comprovasse que não iria prejudicar o estudante em sua pontuação final.
Após a apresentação pelo MEC do Novo Enem e do SiSU, no ano de 2009, a
UFMT sinalizou sua intenção de participar do novo processo de seleção, convocando o
124
CONSEPE nos dias 11 e 14 de maio do mesmo ano, para apreciação da proposta e votação no
sentido de aderir ao novo sistema ou permanecer com o sistema anterior.
Entretanto, nos dias das reuniões do CONSEPE, a sala das Sessões dos Órgãos
Colegiados Superiores foi ocupada por estudantes da própria UFMT e também por estudantes
do Ensino Médio que eram contra a adesão da UFMT ao sistema ENEM/SiSU. Inviabilizada a
seção, a reitora da Universidade, Maria Lúcia Cavalli Neder, assinou “Ad Referendum” o
termo de adesão da UFMT ao novo sistema de ingresso na instituição.
Sendo assim, em maio de 2009, foi aprovada a Resolução CONSEPE n. 8388
, de 14
de maio, que em seu art. 1° deliberou por “participar, ad referendum do Conselho de
Ensino, Pesquisa e Extensão da Universidade Federal de Mato Grosso, do Sistema
Unificado de Seleção, Novo ENEM, para os ingressantes a partir do ano letivo de
2010.” (CONRADO, 2010, p. 33).
Finalmente, em 01 de junho de 2009, pela Resolução CONSEPE n.º 96, foi
definida a participação da UFMT “no Sistema de Seleção Unificada – Novo ENEM, na
modalidade „fase única‟, para os ingressantes do ano letivo de 2010, nos cursos de graduação
de seus campi, na totalidade das vagas.” (CONRADO, 2010, p. 34).
Devido à adesão tumultuada ao ENEM/SiSU pela UFMT, ainda no ano de 2009
foi instituída uma Comissão de Acompanhamento da realização do ENEM/SiSU na
universidade, conforme Resolução CONSEPE n.º 143. No ano de 2012, foi instituída uma
nova comissão, sendo essa para avaliar89
o SiSU na UFMT, conforme Resolução CONSEPE
n.º 10, de 26 de março de 2012.
O processo seletivo realizado na UFMT através do SiSU, continua gerando
polêmicas: no dia 29 de março de 2010, foi realizado a plenária “ENEM: solução ou
mais crise na educação?”, convocado pela Associação dos Docentes da UFMT
(ADUFMAT), que debateu sobre os reflexos do SiSU na instituição, como, por
exemplo, as mais de mil vagas ociosas geradas após implantação do vestibular
unificado. O Vice-Reitor da UFMT Francisco Souto ficou encarregado de levar à
Reitora e à comissão encarregada de analisar os impactos do SiSU as informações
referentes ao que foi discutido, sobretudo a reivindicação de que a UFMT volte ao
modelo anterior de seleção, em que o vestibulando optava também pelo nota do
Enem. (CONRADO, 2010, p. 34).
Referente aos dados socioeconômicos dos estudantes ingressantes na UFMT, a
instituição realizava anualmente tal levantamento através do formulário preenchido pelos
estudantes no ato da inscrição no concurso vestibular. No ano de 2010, devido à adoção do
88
A Resolução CONSEPE n.º 83 foi homologada pela Resolução CONSEPE n.º 95, de 01 de junho de 2009. 89
Até o final do ano de 2012, a referida Comissão não havia entregado o relatório sobre a avaliação do SiSU.
125
ENEM/SiSU como forma de ingresso na UFMT, a instituição não obteve tais dados, pois os
mesmos não foram disponibilizados pelo INEP, responsável pelo processo seletivo.
Já no ano de 2011, a UFMT voltou a realizar o levantamento do perfil dos
estudantes ingressantes em sua instituição, através do preenchimento do formulário do perfil
socioeconômico pelo próprio estudante no momento da matrícula na instituição.
Os dados do perfil dos estudantes de 2011 foram disponibilizados ao Conselho de
Ensino Pesquisa e Extensão – CONSEPE da UFMT, em setembro de 2012, época em que este
pesquisador fazia parte do referido Conselho. Os dados foram fornecidos pela Pró-Reitoria de
Ensino e Graduação – PROEG, quando se debatia a permanência da UFMT em adotar o
ENEM/SiSU como forma de ingresso aos cursos de graduação, observamos a seguir os dados
referentes a esse perfil dos estudantes ingressantes no ano de 2011.
A grande maioria, 77,10%, concluiu o ensino médio no próprio estado de Mato
Grosso, enquanto 22,90% concluíram o ensino médio em outro estado da federação.
Observamos também que 57,02% desses estudantes concluíram o ensino médio em escola
pública, enquanto 42,98% eram concluintes do ensino médio em escolas particulares. Quanto
à questão da cor/raça, 50,99% dos ingressantes se declararam ser da cor branca, enquanto
35,88% declararam ser da cor parda, 8,92%, da cor preta, 2,35%, da cor amarela, 0,08%,
indígenas, e 1,78% não declararam. Quanto ao sexo, observamos predominância do sexo
feminino com 51,94%, contra 48,06% do sexo masculino. A grande maioria, 82,93%,
declarou que no momento da inscrição no sistema SiSU já residia em Mato Grosso, sendo
apenas 17,07% de estudantes que residiam em outros estados no momento da inscrição no
SiSU. Quanto a renda familiar, 0,30% relataram ter renda familiar acima de 50 salários
mínimos, 0,99% relatou ter renda de 30 a 50 salários mínimos, 7,83% declararam ter renda de
10 a 30 salários mínimos, 18,47% afirmaram ter renda entre 5 e 10 salários mínimos, a
maioria, 38,96, declarou ter renda entre 2 a 5 salários mínimos, seguido de 24,17% que
afirmaram ter renda entre 1 a 2 salários mínimos, 8,19% relataram ter renda de até 1 salário
mínimo, e 1,09% declararam não terem nenhum tipo de renda familiar.
Importante ressaltar que, a cada processo seletivo de ingresso, a instituição
(UFMT) deve aprovar uma Resolução pela continuidade em adotar o SiSU como forma de
ingresso. No ano de 2010, houve regulamentação pela Resolução CONSEPE n.º 35, de 24 de
maio, para o ingresso em 2011; e no ano de 2011, foi regulamentado pela Resolução
CONSEPE n.º 100, de 21 de novembro, para o ingresso em 2012.
A cada ano, a CCEV (atual SARI) da UFMT institui um edital para o processo
seletivo de ingresso na sua instituição. No ano de 2009, foi promulgado o Edital n.º 04, de 10
126
de junho, referente ao ingresso em 2010, nos cursos de graduação da UFMT, conforme
decisão do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão - Resolução CONSEPE n.º 96, de 01 de
junho de 2009. Esse Edital foi seguido de um complementar, sendo esse, o Edital n.º 07/2009,
contendo normas, rotinas e procedimentos que regem a Certificação de Habilidades
Específicas; e dois editais de retificação ao Edital n.º 04/2009, sendo eles: o Edital n.º 01/2010
e o Edital n.º 002/2010.
O processo seletivo de 2011 foi regido pelo Edital n.º 05, de 24 de junho de 2010,
trazendo as mesmas determinações do edital de 2009. Esse teve um edital complementar,
Edital n.º 002/2011 – CCEV/UFMT, que estabelecia o cronograma das convocatórias para
matrícula e da efetivação das matrículas na UFMT dos candidatos constantes da lista de
espera da UFMT gerada a partir do encerramento do SiSU; e um edital de retificação, Edital
n.º 001/2011 – CCEV/UFMT.
Já no processo seletivo de 2012, tivemos a aprovação das políticas de Ações
Afirmativas, mediante a Resolução CONSEPE n.º 97, de 31 de outubro de 2011, e da
Resolução CONSEPE n.º 105, de 21 de novembro de 2011. Foram lançados quatro editais
para o processo seletivo, sendo eles: Edital n.º 02/2011 que estabelecia normas, rotinas e
procedimentos necessários ao ingresso em 2012 nos cursos de graduação; Edital n.º 03/2011,
que também estabelecia normas, rotinas e procedimentos para ingresso nos cursos de
graduação, mas na modalidade do SiSU, nas categorias Ampla Concorrência e Ação
Afirmativa; Edital n.º 04/2011, que estabelecia normas, rotinas e procedimentos para ingresso
no curso de graduação de Licenciatura em Música, por meio do Processo Seletivo Específico;
e Edital n.º 05/2011 que estabelecia normas, rotinas e procedimentos de ingresso nos cursos
de graduação no processo seletivo específico para as sobrevagas destinadas a estudantes
negros de família de baixa renda. Para esses editais, tivemos seis editais de retificação e
complementação, são eles: Edital n.º 08/2011, Edital n.º 09/2011, Edital n.º 10/2011, Edital
n.º 01/2012, Edital n.º 02/2012 e Edital n.º 03/2012.
127
PARTE III – O CURSO DE ENFERMAGEM DA UFMT E A ESCOLHA DO CURSO
VIA SiSU: PONTOS DE (DES)ENCONTRO
A enfermagem é uma arte; e para realizá-la como arte, requer uma
devoção tão exclusiva, um preparo tão rigoroso quanto a obra de
qualquer pintor ou escultor; pois o que é tratar da tela morta ou do
frio mármore comparado ao tratar do corpo vivo, o templo do espírito
de Deus? É uma das artes; poder-se-ia dizer, a mais bela das artes!
Florence Nightingale
Nessa parte, iremos historiar a trajetória histórica da enfermagem, fazendo um
breve percurso histórico desde a prática intuitiva, até a profissionalização dessa profissão.
Faremos uma abordagem sobre a criação do curso de enfermagem na UFMT, assim como no
CUS, e encerraremos essa parte, com os dados da pesquisa, e com as necessárias análises
sobre os mesmos.
3.1 A origem das práticas do cuidar
Desde a Pré-história, a enfermagem era desenvolvida dentro das relações humanas
existentes, mesmo quando essa ainda não era reconhecida como profissão. Nesse momento
histórico, a enfermagem era, na verdade, uma atribuição, cabendo à figura da mulher
desempenhar os trabalhos inerentes à ação do cuidado. Analisando as práticas de cuidar na
Antiguidade, observamos que essas sempre estiveram relacionadas ao trabalho da mãe no
cuidado com os filhos, na nutrição desses ou de outras pessoas dependentes, como idosos e
feridos.
Como a figura da mulher sempre esteve relacionada à maternidade, uma das
primeiras atribuições destinadas a ela foi quanto aos cuidados com o parto, surgindo, dessa
forma, a figura da parteira. Registramos que a atividade de parteira tornou-se profissão no
Brasil, e praticamente em todo mundo, muito antes da profissionalização da enfermagem. As
parteiras não tinham formação acadêmica e sua prática se pautava em conhecimentos
empíricos de mulheres “experientes e sábias” (GEOVANINI et al., 2010).
Somente no século XI, com o início das expedições militares conhecidas como
Cruzadas90
, a ação do cuidar deixou de ser uma atribuição dividida de acordo com o sexo, no
caso, o sexo feminino, e passou a ser empregada como uma tarefa de caridade, exercida por
religiosos e pessoas da sociedade que buscavam a salvação. Houve nesse período a construção
90
Confronto organizado pelos cristãos que tinham como objetivo o de libertar e recuperar Jerusalém, ou Terra
Santa, que havia caído em poder dos muçulmanos no século VII (OGUISSO, 2007).
128
tanto de hospitais para atendimento a mulheres, em que as cuidadoras eram mulheres
(Hospital de Santa Maria Madalena) e hospitais para homens, em que os cuidadores eram
homens (Hospital de São João de Jerusalém) (OGUISSO, 2007).
Ainda no início do período Renascentista, a enfermagem continuou sendo
relacionada aos cuidados prestados pela caridade, sendo assim desenvolvida pelas ordens
religiosas. Apenas no século XIX, começaram a desenvolver iniciativas de se criar
instituições para o ensino da enfermagem; uma das primeiras foi liderada pelo pastor
protestante Theodor Fliedner na Alemanha, que, juntamente com sua esposa Frederika
Fliedner, criaram a Escola das Diaconisas de Kaiserswerth em 1836.
Houve também a tentativa de criar cursos para ensinar a cuidar de doentes, cursos
realizados pelos médicos, que “sentiam a necessidade de ter ao lado pessoas mais preparadas
para ajudar em seu trabalho.” (OGUISSO, 2007, p. 59). Dentre essas iniciativas, destacou-se,
em Nova York, o médico cirurgião Valentine Seaman que começou a dar cursos regulares
com aulas teóricas e práticas de anatomia, fisiologia e pediatria, para mulheres interessadas
em trabalhar como enfermeiras. Em Londres, também houve a criação de curso de
enfermagem na Casa de São João91
com o objetivo de estabelecer treinamento sistemático de
jovens mulheres para se tornarem enfermeiras.
Nesse momento, ocorreu a criação de cursos de enfermagem dentro de um
princípio médico, conhecidos como Enfermagem Médica ou Enfermagem Antiga,
caracterizadas pelos cuidados de enfermagem que se restringiam ao ensino de práticas ditadas
pelos médicos. Em tal modelo, a enfermagem não tinha qualquer autonomia frente aos
cuidados com o paciente, podendo executar apenas aquilo que os médicos pré-determinavam.
O modelo de Enfermagem Médica surgiu com maior “força” na França, sendo um dos
principais defensores e difusores o doutor Desiré Magloire Bourneville (1840 – 1909), que
criou as principais escolas de enfermagem com base nesse princípio.
Destacou-se na Inglaterra, em 1853, a figura de Florence Nightingale, nascida na
Itália em 12 de maio de 1820, tendo mudado para Inglaterra ainda criança. Florence teve uma
“inspiração” desde jovem para dedicar-se ao trabalho de cuidar. Era proveniente de uma
família da aristocracia, portanto, gozava de boas condições financeiras, e desde pequena
recebeu instrução do seu próprio pai, o intelectual Willian Edward Nightingale, adquirindo
vastos conhecimentos de história, matemática, ciências, canto e piano, além de saber seis
idiomas fluentemente92
(GEOVANINI et al., 2010).
91
Mais tarde a Casa de São João foi associada ao Hospital King‟s College. 92
Latim, grego, inglês, francês, alemão e italiano.
129
Com o fim da Guerra da Crimeia, em 1856, Florence retornou para a Inglaterra,
recebendo o reconhecimento da população inglesa pelo trabalho desenvolvido no campo de
batalha. “Seu nome era sinônimo de doçura, eficiência e heroísmo” (OGUISSO, 2007, p. 75);
e o retorno das tropas inglesas ficara relacionado ao trabalho de enfermagem desenvolvido
por Florence e sua equipe durante a referida guerra.
A sociedade inglesa, assim como os governantes, reconheceu a importância do
trabalho da enfermagem, iniciando uma campanha na Inglaterra para a arrecadação de
recursos financeiros para criação e desenvolvimento de uma escola de enfermagem. Essa
iniciativa ficou conhecida como Fundo Nightingale, e arrecadou um total de 200 mil dólares.
Com esse montante, Florence, mesmo enferma por uma doença contraída durante a guerra93
,
organizou a criação de uma escola adotando um novo princípio de enfermagem, diferente do
estudo de Enfermagem Médica que vigorava na época. “Florence afirmava que não queria
criar uma nova ordem ou congregação feminina, mas estabelecer uma carreira secular para as
mulheres.” (OGUISSO, 2007, p. 75).
Assim, quatro anos depois de retornar da Guerra da Crimeia, Florence inaugurou a
Escola de Enfermagem no Hospital Saint Thomas, com uma turma composta por 15 alunas,
iniciando as aulas no dia 09 de julho de 1860. Para Florence, a enfermagem deveria ser uma
profissão secular exercida apenas por mulheres, pelo próprio caráter instintivo pertencente a
esse gênero; o currículo da escola procurava estimular o desenvolvimento individual de cada
aluna, que já mostrava talento, precisando apenas desabrochá-lo. Florence defendia que as
candidatas selecionadas para ingressar no curso de enfermagem já deveriam ter a vocação
para atuar como enfermeiras, sendo que o curso apenas despertaria e aprimoraria essa
vocação.
Portanto, para Florence, a enfermagem seria uma profissão destinada às mulheres,
assim como o direito e a medicina eram para os homens; as mulheres que ingressassem na
enfermagem teriam essa profissão como uma vocação pertencente ao instinto feminino.
Devido a sua enfermidade, Florence delegou a direção da escola de enfermagem a
sua amiga Sarah Elizabeth Wardroper, entretanto, a seleção das candidatas permaneceu sob
sua responsabilidade. Fato interessante recai sobre essa forma de seleção: era a própria
Florence Nightingale que realizava a seleção das candidatas. Devido às salas de aulas serem
pequenas e a enfermagem ser considerada por Florence como uma profissão destinada apenas
93
Pelos relatos, Florence teria contraído Febre Tifoide já no final da Guerra.
130
às mulheres com vocação, o número de candidatas selecionadas variava de 15 a 20, de um
total de 1 mil a 2 mil candidatas.
Para ingressar na escola de enfermagem, as candidatas deveriam saber ler e
escrever, ter conhecimento sobre assuntos gerais, demonstrar habilidade como cuidadora e
caráter moral. Florence acreditava que apenas realizando uma seleção rígida das candidatas a
ocupar o cargo de enfermeira já bastaria para manter o status da profissão em alto patamar,
não sendo, dessa forma, necessária a criação de órgão de classe ou fiscalizações profissionais.
Na escola de enfermagem de Florence Nightingale, passou a ser desenvolvido um
novo modelo de serviço de enfermagem, que vigora até os dias atuais, conhecido como
Enfermagem Moderna, ou Enfermagem Nightingaleana, que tem como característica:
A direção de escolas e de serviço de enfermagem e o ensino de enfermagem seriam
feitos por enfermeiras. Além disso, esse ensino deveria ser teórico-prático e as
candidatas deveriam ser selecionadas sob o ponto de vista físico, moral, intelectual e
de aptidão profissional. (BAER, 1985 apud OGUISSO, 2007, p. 65).
Devido à formação que as enfermeiras receberam na escola de enfermagem do
Hospital Saint Thomas e pela qualidade da formação e pelos excelentes trabalhos que vinham
realizando, elas se tornaram reconhecidas internacionalmente. Logo essas enfermeiras
migraram para outros países da Europa e fundaram novas escolas de enfermagem, seguindo o
novo princípio, e as escolas de enfermagem no estilo médico vão perdendo prestígio até serem
extintas por completo.
Como já relatado, Florence defendia que a enfermagem era uma vocação e só
poderia exercer essa profissão quem se dedicasse exclusivamente a ela e passasse por uma
árdua seleção e preparação. Defendia também que as enfermeiras não poderiam ficar
afastadas das atividades políticas, “sob pena de não se conseguirem as reformas necessárias
para a preparação de bons cuidados à saúde.” (OGUISSO, 2007, p. 82).
O modelo de enfermagem moderno chegou a outros países por meio das
enfermeiras formadas na escola de Florence Nightingale, sendo assimilado e incorporado
gradativamente, seja por força da sociedade médica, seja pelos governos locais. Quinze anos
após o início das atividades da escola de enfermagem de Florence Nightingale, todos os
hospitais do mundo já solicitavam enfermeiras “Nightingale” para trabalharem em suas
instituições.
131
3.2 O desenvolvimento da enfermagem no Brasil
Um dos fatores que estimulou o desenvolvimento da enfermagem no Brasil
decorreu da Reforma Psiquiátrica. Esse movimento teve início na Itália, defendido pelos
médicos Pinel e Esquirol, que lutavam pela realização do tratamento dos pacientes com
transtornos mentais, haja vista que eram apenas excluídos do convívio social devido a sua
doença, mantidos “trancafiados” em manicômios sem realizar um tratamento que os
reabilitasse.
No Brasil, aconteceu a mesma forma de “tratamento” dos pacientes com
transtornos mentais: ficavam internados nos porões da Santa Casa de Misericórdia, instituição
conhecida como Hospício Pedro II, e lá não recebiam qualquer espécie de tratamento, sendo
mantidos “presos” por período indeterminado.
Proveniente da Reforma Psiquiátrica, em 1890, o Hospício Pedro II foi
desvinculado da Santa Casa de Misericórdia e transferido para outro local próximo à praia
vermelha no Rio de Janeiro, sendo a partir de então nomeado como Hospício Nacional de
Alienados. Nesse momento, quem prestava os serviços de cuidados eram as Irmãs de
Caridade, assim como faziam na Santa Casa de Misericórdia; devido ao processo de
laicização94
, as Irmãs de Caridade saíram do Hospício e deixaram de prestar os cuidados aos
doentes mentais. Em decorrência disso, os médicos psiquiatras resolveram criar uma escola
para formação de enfermeiras, semelhante ao ocorrido na Europa.
A saída das Irmãs de Caridade, em agosto de 1890, provocou uma série crise no
Hospício Nacional de Alienados: não havia quem cuidasse dos doentes mentais. Foi
quando os médicos e/ou psiquiatras tiveram a ideia de criar uma escola que
preparasse pessoal para cuidar dos enfermos [...]. (OGUISSO, 2007, p. 105).
Os médicos criaram95
a primeira escola de enfermagem no Brasil, chamada de
Escola de Enfermeiros e Enfermeiras no Hospício Nacional de Alienados, seguindo o modelo
de Enfermagem Médica ou Enfermagem Antiga. Para trabalhar no referido hospício, assim
também na escola de enfermagem, como instrutoras das alunas de enfermagem “foram
contratadas enfermeiras francesas, oriunda de Salpêtrière, não religiosas, pelo Senhor
Ministro do Brasil.” (BRANDÃO, 1897 apud OGUISSO, 2007, p. 106).
94
Choque entre o conhecimento médico e o conhecimento religioso, que culminou com a saída dos(as)
religiosos(as) dos cuidados de enfermagem dos hospitais (OGUISSO, 2007). 95
Decreto n.º 791, de 27 de setembro de 1890.
132
Analisando o Decreto de criação da escola de enfermagem, observamos que a
admissão dos estudantes nessa escola, como trata o Art. 4°, estava condicionada a:
Art. 4°. Para ser admitido à matrícula, o pretendente severa:
1. ter 18 anos, pelo menos, de idade;
2. saber ler e escrever corretamente e conhecer aritmética elementar;
3. apresentar atestações de bons costumes. (BRASIL, 1890, p. 02).
Registramos que o decreto de criação da escola de enfermagem estipulava que os
alunos poderiam ser admitidos em regime de internos, que residiriam no hospício, e em
regime de externo. Os alunos aceitos em regime de internos receberiam além de aposentos e
alimentação, uma “gratificação” de 20$ no primeiro ano e 25$ no segundo ano. O curso tinha
duração de até dois anos, e o profissional formado poderia se aposentar após 25 anos de
trabalho.
A finalidade do curso da Escola Profissional de Enfermeiros e Enfermeiras era, sem
dúvida, preparar o pessoal que já trabalhava no próprio hospital e dar oportunidade
de trabalho a mulheres e órfãs que não tinham como sobreviver sem uma profissão
que as sustentasse, após os 18 anos, quando saíam dos orfanatos. (OGUISSO, 2007,
p. 110).
Outro fato interessante referente à Escola de Enfermeiros e Enfermeiras do
Hospício Nacional dos Alienados, como o próprio nome já indica, diz respeito a que a mesma
aceitava o ingresso de estudantes do sexo masculino. Tal fato se deve a criação dessa escola
estar vinculada ao hospital psiquiátrico; nesse período, havia necessidade de pessoas do sexo
masculino na equipe de enfermagem para lidar com os pacientes psiquiátricos que tinham
uma grande força física, ficavam muitas vezes agitados, necessitando ser contidos.
A Escola de Enfermeiros e Enfermeiras do Hospício Nacional dos Alienados,
mesmo sofrendo descontinuidades no início de sua vida, e futuramente mudando seu modelo
de Enfermagem Médico para Nightingaleano, existe até os dias atuais. Atualmente, a Escola
de Enfermagem Alfredo Pinto é vinculada à Universidade Federal do Estado do Rio de
Janeiro (Unirio).
Em setembro de 1918, disseminou-se no Rio de Janeiro a epidemia de gripe
espanhola, que dizimou grande parte da população, com aproximadamente 13 mil pessoas
mortas. Demonstrou-se, com isso, a ineficiência do serviço de saúde presente naquele
momento no país (GEOVANINI et al., 2010).
Na presidência de Epitácio Pessoa (1919 – 1922), foi criado o Departamento
Nacional de Saúde Pública – DNSP, que tinha como diretor Carlos Chagas. Logo depois de
133
criado tal departamento, foi firmado um convênio de cooperação técnica com a fundação
Rockefeller, empresa norte-americana que, entre outras atribuições, deveria desenvolver o
serviço de enfermagem no DNSP.
Para isso, a fundação Rockefeller contratou a enfermeira norte-americana Ethel
Parson, em 1922, para assumir a superintendência do serviço de enfermagem do DNSP. Nessa
função, Parson trouxe sete enfermeiras norte-americanas para ministrarem cursos para as
“visitadoras de higiene” que existiam nesse momento e prestavam serviços de vigilância à
saúde. Entretanto, Parson observou que não bastava a formação de “visitadoras de higiene”,
se não havia enfermeiras para supervisionar o serviço daquelas. Portanto, viu-se a necessidade
de criar escolas de enfermagem no Brasil que seguissem o modelo nightingaleano.
Devido à necessidade constatada, foi inaugurado em 19 de fevereiro de 1923, a
Escola de Enfermeiras do Departamento Nacional de Saúde Pública, contando como diretora
e principal organizadora a enfermeira Clara Louise Kieninger. Essa primeira turma contava
com 15 alunas que estudavam em regime de internato; logo no início, Kieninger instituiu a
Associação do Governo Interno das Alunas com a finalidade de:
[...] homogeneizar e controlar o corpo social da escola de modo a desenvolver um
forte sentimento de responsabilidade individual e elevar o nível social da instituição.
Nessa associação as alunas tiveram expediência de aprendizagem em administração,
planejando eventos, elaborando normas, rotinas, regulamentos e atas, e até mesmo
de expressão verbal. (OGUISSO, 2007, p. 90).
A primeira turma de enfermeiras formou-se em 19 de junho de 1925 e ficaram
conhecidas como “As pioneiras”. Desse grupo surgiu o interesse em formar uma associação
de ex-alunas, fato comum nos Estados Unidos, mas que somente se concretizou em 1926 com
a criação da Associação Nacional de Enfermeiras Diplomadas Brasileiras, hoje conhecida
como Associação Brasileira de Enfermagem (ABEn).
Em 1926, a Escola de Enfermeiras do DNSP teve seu nome alterado para Escola
de Enfermagem Ana Nery em homenagem à baiana, heroína de guerra que atuou como
enfermeira na Guerra do Paraguai (1864 – 1870), desenvolvendo serviços de enfermagem
semelhantes aos de Florence Nightingale na Guerra da Crimeia (LIMA, 2006).
Pelos esforços de Ethel Parson, foi promulgado o Decreto n.º 20.109 de 15 de
junho de 1931, que regulamentava o ensino da enfermagem, fazendo menções à exigência de
formação cada vez mais especializada para as interessadas em atuar como enfermeiras.
Entretanto, o decreto ainda não incorporou a Escola de Enfermagem Ana Nery à Universidade
do Rio de Janeiro, determinando apenas que a Escola de Enfermagem Ana Nery fosse
134
considerada como um modelo de ensino “oficial-padrão”, e que todas as escolas de
enfermagem criadas a partir de então, deveriam seguir o modelo dessa escola para serem
reconhecidas como ensino oficial, ou seja, a enfermagem embora reconhecida como uma
profissão de importância para a sociedade, ainda não era considerada como um curso de
ensino superior.
[...] devido a conveniências da organização sanitária, não convém transferir agora
para a Universidade do Rio de Janeiro a Escola de Enfermeiras Ana Nery, anexa ao
Departamento Nacional de Saúde Pública, apesar de a mesma satisfazer aos bons
padrões técnicos encontrados em universidades de outros países. (BRASIL, 1931b,
p. 01).
O Decreto n.º 20.109/31 acabou dificultando a criação de novas escolas de
enfermagem, pois a partir desse decreto, para se fundar uma escola de enfermagem, era
necessário seguir o mesmo padrão existente na Escola de Enfermagem Ana Nery, ou seja, a
ela ser equiparado. Mesmo com esse empecilho, houve a criação de algumas instituições de
ensino de enfermagem, como a Escola de Enfermagem Carlos Chagas em Belo Horizonte,
Minas Gerais, em 1933, com objetivo de formar enfermeiras religiosas no Brasil. Duas
escolas foram criadas em Goiás, uma em Rio Verde, em 1933, e outra em Anápolis, em 1937,
ambas por iniciativa da igreja evangélica. A Cruz Vermelha também desempenhou importante
papel na criação de escolas de enfermagem, tanto no Rio de Janeiro como em São Paulo. E
ainda a criação da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo (EEUSP) em 194296
.
A incorporação da Escola de Enfermagem Ana Nery ao ambiente universitário
aconteceu em 1937, quando a referida escola foi incorporada à Universidade do Brasil97
,
passando a oferecer curso de enfermagem e de serviço social; entretanto, mesmo a instituição
pertencendo ao ambiente universitário, o curso de enfermagem ainda não era considerado
como nível superior. Foi somente por meio do Decreto n.º 21.321, de 18 de junho de 1946,
aprovando o estatuto da Universidade do Brasil, que elevou a escola de enfermagem
definitivamente como ensino superior.
[...] Com esse ato, a escola foi dissociada do Serviço de Enfermagem do DNSP,
passando a funcionar na universidade, com subordinação administrativa do
Departamento Nacional de Educação [...]. (OGUISSO, 2007, p. 93).
96
Decreto n.º 13.040, de 31 de outubro de 1942. 97
Lei n.º 452, de 05 de julho de 1937.
135
Somente em 1949, foi decretada a Lei n.º 775, pela qual as escolas de enfermagem
deixaram de ser equiparadas ao modelo da Escola de Enfermagem Ana Nery, e passaram a ser
reconhecidas pelo Ministério da Educação.
Quanto à forma de ingresso no ensino da enfermagem, a Escola de Enfermeiros e
Enfermeiras do DNSP, futuramente Escola de Enfermagem Ana Nery, tinha seus próprios
mecanismos de seleção, como preconizava Florence Nightingale; as interessadas em ingressar
deveriam se inscrever na escola, ser solteiras, mais de 18 anos e saber ler e escrever.
Somente quando a Escola de Enfermagem Ana Nery foi incorporada à
Universidade do Brasil, futura Universidade Federal do Rio de Janeiro, a forma de seleção das
candidatas passou a vigorar conforme os moldes da instituição universitária, ou seja, com a
adoção dos “Exames Vestibulares” e, depois da Reforma Universitária, “Concursos
Vestibulares”. Assim aconteceu em praticamente todas as instituições de ensino de
enfermagem, que, depois que passaram a ser subordinadas ao DNE, tiveram que adequar as
formas de ingresso ao que esse Departamento determinava.
3.3 A profissionalização da enfermagem
De acordo com os dicionaristas Michaelis (1998) e Ferreira (1975), profissão seria
o ato ou efeito de professar. Pode significar trabalho, dever, papel, obrigação, ofício, serviço
ou modo de vida, e desenvolver-se de forma manual ou mecânica. A própria Constituição
Federal determina no seu art. 5º que “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou
profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelece.” (BRASIL, 1988).
O significado de profissão e/ou ofício é dinâmico e, em cada período, é
compreendido dentro de contexto social em que está inserido; portanto, não se pode igualar o
sentido de profissionalização do início das escolas de enfermagem, em 1890, com o da
atualidade. Vale dizer, entretanto, que atualmente chegamos ao consenso de que as profissões
na área da saúde realizam serviços destinados a promover, manter ou recuperar a saúde e
prevenir doenças (GEOVANINI et al., 2010).
A enfermagem no Brasil, antes de 1890, era praticada com base na solidariedade
humana, no misticismo, no senso comum e/ou em crendices. A profissionalização somente
surgiu devido à sistematização do ensino da prática do cuidar, resultado de um processo
político que necessitava de pessoas com treinamento e características adequadas para cuidar
dos pacientes com transtornos mentais.
136
Entendemos por enfermagem profissional aquela atividade exercida por pessoas que
passaram por um processo formal de aprendizado, com base em um ensino
sistematizado, com currículo definido e estabelecido por um ato normativo, e que, ao
término do curso receberam um diploma e a titulação específica. (OGUISSO, 2007,
p. 103).
Segundo Kisil (1994 apud OGUISSO, 2007), o processo de profissionalização só
teve início quando se identificou uma necessidade social não atendida, ou mal atendida,
“abrindo” dessa forma, a possibilidade de surgir, ou se criar, uma profissão que executasse tal
atividade.
Na enfermagem, evidenciamos tal característica. Mesmo existindo desde os
primórdios da humanidade, foi somente em função da necessidade social, ocasionada pelo
processo de laicização, que surgiu a necessidade social de uma cuidadora formada e
capacitada para trabalhar dentro dos hospitais, sendo responsável pelos cuidados dos
pacientes.
O Decreto n.º 791, de 27 de setembro de 1890, que tratava da criação da Escola de
Enfermeiros e Enfermeiras no Hospício Nacional dos Alienados, foi o primeiro instrumento
normativo que determinou a enfermagem como uma profissão, pois instruía o preparo dos
profissionais para exercer esse cargo; a remuneração que os mesmos receberiam para executar
a ação de cuidar; e a aposentadoria após determinado tempo de serviço. Portanto, naquele
momento, iniciou-se o processo de profissionalização de enfermagem no Brasil.
O processo de reformulação do Hospício Nacional de Alienados é tido como marco
do surgimento da psiquiatria no país. E, por ter-se originado em seu interior a
primeira escola para a formação de profissionais de enfermagem, pode ser também
considerada o local onde ocorreu a institucionalização do ensino formal de
enfermagem no Brasil. (OGUISSO, 2007, p. 105).
O próximo passo para a profissionalização decorreu das mudanças dos programas
de treinamento ora existentes para programas curriculares definidos nas escolas oficiais, como
foi o caso da Escola de Enfermagem Ana Nery; processo decorrente do novo modelo de
enfermagem criado por Florence Nightingale e “incrementado” nos Estados Unidos.
Verificamos, desde a criação da Escola de Enfermagem do DNSP, que a mesma
apresentava um programa de ensino, assim como uma forma de seleção com características de
ensino superior. Em decorrência da rigidez do seu programa, o desenvolvimento da
enfermagem no Brasil foi “lentificado”, principalmente, devido à precária formação das
mulheres daquela época, que tinham pouco acesso à educação, diferente do que acontecia nos
Estados Unidos.
137
Com a criação do primeiro curso de enfermagem, na Escola de Enfermagem do
DNSP, pertencente ao modelo moderno, foi instituído o primeiro programa de ensino de
enfermagem, em 1923, centrado na formação de enfermeiras hospitalares, inspirado nos
Estados Unidos. Como essa escola foi considerada a escola oficial-padrão, logo esse currículo
foi modelo de várias outras instituições de ensino de enfermagem criadas no mesmo período.
Com a mudança de nome de Escola de Enfermagem do DNSP para Escola de
Enfermagem Ana Nery, em 1926, seu programa curricular também sofreu alterações nesse
ano, embora tais alterações não apresentassem diferenças significativas em relação ao
anterior, com ênfase na formação de base clínica em detrimento a área de saúde pública98
.
Em 1949, foi estruturado outro currículo, elaborado pela Divisão de Educação da
ABEn, contendo um vasto conteúdo de especialidades médicas, vinculando a enfermagem ao
ambiente hospitalar.
O currículo de 1949 era pouco inovador relacionado ao programa inicial, prevalece a
ênfase no fazer, mais do que no pensar, na repetição de técnicas que tolhiam a
criatividade das alunas e com a centralização no estado da doença e não do doente.
(GARCIA; CHIANCA; MOREIRA, 1995).
Tendo como “problema” o baixo nível das candidatas que ingressavam nos cursos
de enfermagem, o que ocasionava altas taxas de reprovação, ainda no ano de 1949 foi
instituído o Decreto 775, em que os cursos de enfermagem deixaram de ser equiparados e
passaram a ser reconhecidos pelo Ministério da Educação. Para solucionar o problema das
candidatas com baixa instrução, foi recomendado no VII Congresso Nacional de
Enfermagem, realizado em 1954, que a seleção das candidatas aos cursos de enfermagem
deixasse de ser realizada pelos critérios estabelecidos nas escolas de enfermagem e fosse
realizado a partir de exames vestibulares. Também foi recomendado o uso de testes
psicotécnicos para avaliar as condições das ingressantes.
Como estratégia para aumento no número de candidatas aos cursos de
enfermagem, em 1957 foi elaborado um relatório pelas Diretoras de Escolas de Enfermagem,
que estipulava que a formação da enfermagem poderia ser realizada em três níveis: superior,
médio e elementar. O ensino médio seria para formar técnicas de enfermagem que, após a
conclusão desse curso de 3 anos, poderiam ingressar no curso superior; o ensino elementar
seria para formar auxiliares de enfermagem, destinado à mulheres com pouca instrução e que
não conseguiriam ingressar no curso médio ou superior.
98
Registramos que 90% do ensino prático eram desenvolvidos no ambiente hospitalar, o que demonstra a nítida
vertente o ensino da enfermagem para o ambiente hospitalar (GALLEGUILLOS; OLIVEIRA, 2001).
138
Decorrente da LDB de 196199
, foi constituída uma comissão de peritos pelo CFE,
para estruturar o currículo do curso de enfermagem. A referida comissão entregou seu
relatório estruturando um curso de enfermagem, de nível superior, com duração de quatro
anos, distribuídos em nove cadeiras de enfermagem e onze disciplinas, “com a recomendação
que fossem realizados concursos de ingresso e cursos de pós-graduação.” (CARVALHO,
1976 apud GALLEGUILLOS; OLIVEIRA, 2001, p. 82).
Em decorrência da LDB/61, em 1962 foi fixado o primeiro currículo mínimo para
o curso de enfermagem mantendo as disciplinas clínico-hospitalares e a disciplina de Saúde
Pública foi apresentada como optativa nos currículos, presente apenas como disciplina
obrigatória na pós-graduação.
Após a Reforma Universitária de 1968, voltou-se a discutir o currículo mínimo do
curso de enfermagem; pela nova proposta da Comissão de Educação da ABEn, o curso seria
dividido em dois semestres básicos e seis semestres de formação profissional, e, no último
ano de formação, as alunas poderiam optar pela área de formação, disposta em: Enfermagem
Obstétrica, Enfermagem da Comunidade e Enfermagem Médico-Cirúrgica
(GALLEGUILLOS; OLIVEIRA, 2001).
No ano de 1968, foi discutida, no Seminário realizado na EEUSP, a evasão nos
cursos de enfermagem, sendo apontada como a maior causa a falta de recursos financeiros das
alunas e a impossibilidade de conciliar estudos e trabalho. Para dirimir tal problema, foi
estipulada na nova estrutura curricular dos cursos de enfermagem, a redução do período de
férias estudantis e a redução da carga horária de aulas de campo, para, dessa forma, permitir
que as alunas pudessem conciliar estudo e trabalho, sem abandonar o curso.
Em decorrência da especificação do sistema econômico capitalista nos anos de
1970, o CFE promulgou o Parecer n.º 163/72, reformulando mais uma vez o currículo mínimo
dos cursos de enfermagem, com a criação de disciplinas que poderiam ser cursadas de forma
optativa100
.
[...] o Parecer n. 163/72 enfatizava a necessidade do enfermeiro dominar cada vez
mais as técnicas avançadas em saúde, em razão da evolução científica, uma vez que
a profissão médica passara a necessitar de uma enfermagem especializada para
juntas atuarem na assistência curativa. (GALLEGUILLOS; OLIVEIRA, 2001, p.
83).
99
Lei n.º 4.024/61. 100
Dentre essas disciplinas optativas, destacavam-se as habilitações em Saúde Pública, Enfermagem Médico-
Cirúrgica e Obstetrícia.
139
Nos anos de 1980, a sociedade brasileira lutava por melhores condições de vida e
clamava por um sistema de saúde que atendesse toda a população. Somando-se à crise
econômica e política que atingia a área de saúde, surgiram as primeiras discussões em torno
da criação do Sistema Único de Saúde (SUS), com o objetivo de planejar e executar uma
política nacional de saúde.
Devido ao debate em torno do novo sistema de saúde, inúmeras críticas incidiram
sobre o currículo mínimo de enfermagem, principalmente pela falta da cadeira de Saúde
Pública, tão necessária perante as configurações sociais e políticas do Brasil. Assim, a ABEn,
juntamente com as escolas de enfermagem e a Comissão de Especialistas de Enfermagem da
Secretaria de Educação Superior (SESu), realizaram em 1989, no Rio de Janeiro, o Seminário
Nacional sobre Currículo Mínimo para a Formação do Enfermeiro, que gerou uma proposta
de reformulação do currículo mínimo de enfermagem encaminhada somente em 1991.
As reformulações incluíam a extinção das habilitações, o aumento de carga horária,
o redimensionamento dos conteúdos das ciências humanas e biológicas, a
valorização do compromisso com a sociedade e a reflexão sobre a prática
profissional. Considerava perfil sanitário e epidemiológico da população, a
organização dos serviços de saúde, o processo de trabalho em enfermagem e a
articulação entre o ensino e os serviços. (CHRISTÓFARO, 1991 apud
GALLEGUILLOS; OLIVEIRA, 2001, p. 84).
Essa proposta resultou no Parecer n.º 314/94, que instituiu o novo currículo
mínimo de enfermagem. De acordo com esse parecer, o ensino da enfermagem seria oferecido
em três níveis (médio, superior e pós-graduação), excluindo a partir de então a formação
elementar de auxiliar de enfermagem. “Mas é na formação do enfermeiro que a sua
interferência (ABEn) será maior e as definições mais precisas.” (GALLEGUILLOS;
OLIVEIRA, 2001, p. 84). Portanto, em 1994, foi definida a nova diretriz para o ensino da
enfermagem101
, dividido em quatro áreas temáticas, sendo elas: Bases Biológicas e Sociais da
Enfermagem, Fundamentos da Enfermagem, Assistência de Enfermagem e Administração em
Enfermagem. Além disso, “A carga horária mínima passou a ser de 3.500 horas/aula,
incluindo as 500 horas destinadas ao estágio currículos, com duração não inferior a dois
semestres letivos e desenvolvido sob supervisão docente.” (GALLEGUILLOS; OLIVEIRA,
2001, p. 84).
A disciplina de Saúde Pública anteriormente retirada do currículo, nesse momento
retornou com a denominação de Saúde Coletiva, entretanto a formação ainda é
prioritariamente voltada à assistência curativa e individual (hospitalar).
101
Parecer n.º 314, de 06 de abril de 1994.
140
Em 1996, foi promulgada a LDB, Lei n.º 9.394, de 20 de dezembro de 1996,
reinterando a responsabilidade da educação para a família e para o Estado. Com vista à
educação superior, a LDB reforçou a tendência profissionalizante dos cursos superiores e
flexibilizou a formação de diferentes perfis profissionais a partir da vocação de cada curso e
de cada IES, que passaram a ter liberdade para definir parte considerável de seus currículos
plenos (GALLEGUILLOS; OLIVEIRA, 2001).
Em 1997, foi promovida uma nova discussão sobre as Diretrizes Curriculares dos
cursos superiores. Referente à enfermagem, foi realizado o Seminário Nacional de Diretrizes
para a Educação em Enfermagem no Brasil (SENADEn), com objetivo de discutir e
estabelecer as diretrizes gerais para a educação em enfermagem.
As discussões se pautaram centralmente na formação “hospitalocêntrica” do
enfermeiro e no perfil de enfermagem que se desejava formar, um “profissional generalista,
crítico e reflexivo, com competência técnico-científica, ético-política, social e educativa.”
(SENADEn, 1998). Entretanto, a estrutura curricular foi mantida semelhante à de 1994, com
acréscimos dos conteúdos de Filosofia e Comunicação, e a cadeira de Psiquiatria passou a ser
designada Saúde Mental.
As IES deveriam compor um curso respeitando o mínimo de 4.000 horas-aula e oito
semestres letivos. O estágio curricular deveria ser no mínimo de 500 horas, sob
coordenação docente e contando com a participação de enfermeiros dos serviços de
saúde. [...] A proposta privilegiava a formação do enfermeiro “crítico e reflexivo
com competência técnico-científico-ético-político-social-educativa.”. (BRASIL,
1999b apud GALLEGUILLOS; OLIVEIRA, 2001, p. 85).
Os cursos de graduação em enfermagem, atualmente, seguem as orientações da
resolução CNE/CES n.º 3, de 7 de novembro de 2001, que implantou as Diretrizes
Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Enfermagem. A resolução n.º 4, de 6 de
abril de 2009, estipulou as cargas horárias mínimas dos cursos de graduação; refere que no
curso de enfermagem a carga horária mínima deve ser superior a 4000 horas/aula, e o tempo
limite para integralização ser de cinco anos.
As alterações na estrutura curricular do curso de enfermagem variam de acordo
com o momento histórico e os interesses “dominantes”, voltados para o mercado de trabalho,
que, em muitos casos, atende às necessidades de uma minoria, ao invés de contemplar a
coletividade. Observamos, por exemplo, que a redução da carga horária das aulas práticas,
justificada como uma alternativa para a redução da evasão escolar teve como pano de fundo a
141
redução dos custos para as instituições privadas, em ampla expansão na década de 1970, com
a redução do número de professores (GALLEGUILLOS; OLIVEIRA, 2001).
A tendência para a habilitação do profissional em enfermagem, no contexto atual,
é voltada para a articulação desse profissional com o ensino, a pesquisa e a extensão; assim
como o estágio curricular supervisionado dever ser realizado no final da formação curricular,
devendo efetuar a articulação entre ensino e serviço.
3.4 O processo histórico da enfermagem na UFMT
O curso de enfermagem foi um dos primeiros a serem oferecidos na área da saúde
pela UFMT. A criação do curso data do ano de 1975, por meio da Resolução CD nº. 80, de 08
de outubro de 1975, com a primeira turma ingressando no ano de 1976, com uma matriz
curricular composta de 2.540 horas, distribuídas em três anos ou seis semestres letivos.
Foi o primeiro curso de graduação de enfermagem no estado, “criado com o
objetivo de formar pessoal necessário ao funcionamento adequado dos serviços de saúde.”
(DORILEO, 2005, p. 139-140). Era comum na época pessoas executarem as funções de
atendente de enfermagem sem ter realizado qualquer curso de preparação (UNIVERSIDADE
FEDERAL DE MATO GROSSO, 2010).
A primeira proposta curricular foi elaborada em consonância com as diretrizes
preconizadas pelo Conselho Federal de Educação, adotando o modelo de ensino
integrado. Essa primeira proposta veio atender à necessidade regional de rápida
capacitação de profissionais para o mercado de trabalho. (UNIVERSIDADE
FEDERAL DE MATO GROSSO, 2010, p. 16).
Almejando a inserção dos alunos no campo profissional, assim como a integração
desses no ensino-assistência, o curso de enfermagem da UFMT logo assumiu o serviço
assistencial de enfermagem em duas unidades de saúde de Cuiabá: o Centro de Saúde Escola,
no período de 1982 a 1985, e o Hospital Universitário Júlio Muller (HUJM), desde 1984, ano
de sua inauguração.
Na década de 1980, houve predomínio nas atividades de ensino de graduação
nesse curso, assim como intensa qualificação do corpo docente em nível de mestrado e
doutorado, iniciando de forma secundária a extensão e a pesquisa.
Nos anos de 1990, depois da reforma administrativa da UFMT, ocorreu a criação
da Faculdade de Enfermagem e Nutrição (FEN), a qual veio a ser desmembrada nos anos de
142
2004/2005 com a criação da Faculdade de Enfermagem (FAEN) e da Faculdade de Nutrição
(FANUT).
Um dos marcos para a consolidação da pesquisa e da pós-graduação no curso de
enfermagem foi a criação do Curso de Mestrado Acadêmico na FAEN no ano de 2006. Da
mesma forma, foi importante o processo de interiorização deste curso devido à solicitação do
governo do estado para a criação de uma turma especial de graduação em enfermagem em
Rondonópolis, no período de 2004 a 2008, e, no final dessa turma, foi implantado o curso
regular.
Devido à carência de profissionais na área de enfermagem102
, foi proposta a
interiorização do curso de enfermagem para os três Campi Universitários da UFMT,
localizados em municípios do interior, entre eles Sinop, Rondonópolis e Barra do Garças.
Assim, foi criado no ano de 2006, pela Resolução CONSEPE n.º 13 do mesmo
ano, o curso regular de enfermagem da UFMT no CUS, apresentando uma carga horária de
4.190 horas, distribuídas nesse momento em 4,5 anos, em sistema de créditos semestrais.
A proposta curricular do Curso de Graduação em Enfermagem do Campus
Universitário de Sinop da UFMT está centrada na assistência de enfermagem
voltada ao ser humano e na complexidade organizacional dos serviços de saúde,
entendendo as necessidades básicas de saúde e assegurando a integralidade da
atenção e a qualidade e humanização do atendimento. (UNIVERSIDADE
FEDERAL DE MATO GROSSO, 2009, p. 12).
O sistema de ingresso ao curso de enfermagem no CUS seguiu as determinações
institucionais e, desde sua criação, a forma de ingresso é realizada pelo concurso vestibular,
alterando em 2010, quando a instituição passou a adotar o ENEM/SiSU como forma de
ingresso para todos os cursos de graduação.
De acordo com o primeiro Projeto Pedagógico do Curso – PPC, o curso de
enfermagem oferecia 100 (cem) vagas anuais, sendo 50 para o primeiro semestre e 50 para o
segundo semestre; como o curso iniciou em 2006/2, nesse ano ingressaram apenas 50
estudantes.
Nos anos entre 2007 e 2010, foram ofertadas 100 (cem) vagas acadêmicas por ano
letivo. No ano de 2010, foi aprovado o novo PPC do curso103
, em que o número de ingressos
diminuiu de 100 (cem) para 60 (sessenta) anuais, com duas entradas de 30 (trinta) estudantes
102
De acordo com o Organização Mundial de Saúde, é preconizada a relação de um enfermeiro para 100 mil
habitantes, meta não alcançada no estado de Mato Grosso na época de criação do curso. 103
Resolução Nº 146, de 22/11/2010, homologada pela Resolução Nº 150, de 29/11/2010.
143
por semestre. Essa redução deu-se pela carência de campos de estágio na região e também
pela carência de professores para atenderem à demanda crescente de estudantes.
3.5 A escolha do curso de enfermagem pelo SiSU
Antes de abordarmos os resultados da pesquisa, vale destacar os significados de
expressões utilizadas nesta dissertação, para melhor compreender o processo de escolha do
curso no ensino superior.
De acordo com os dicionaristas Ferreira (1975) e Michaelis (1998), a palavra
escolha tem como significado o ato ou efeito de escolher, selecionar, preferir, optar. Já a
palavra opção tem como definição a “faculdade, ação de optar, de escolher entre duas ou
várias coisas. Direito de opção, faculdade, concedida por lei, de preferir uma de duas ou mais
coisas, um de dois ou mais direitos.” (FERREIRA, 1975). Por fim, a palavra desejo tem como
definição dos dicionaristas acima citados a vontade de possuir ou fazer algo.
Trataremos primeiramente de uma análise das pesquisas consultadas que tratam
do assunto referente a escolha do curso, nessas, observamos que há uma relação entre as três
palavras anteriormente citadas, contudo, há momentos específicos em que poderá haver
divergências nos significados, podendo acontecer o caso da “...opção, na verdade, não ser
opção.” (ALMEIDA, 2009, p. 89).
Sabemos que a educação superior no Brasil ainda não está disponível para as
amplas camadas da população, ou seja, a universalização do acesso a esse nível de ensino está
submetida a condicionantes econômicos, sociais e culturais. Dessa forma, a democratização
do acesso ao ensino superior só poderá ocorrer com amplo investimento da União na oferta
desse nível de ensino, assim como aumento de gastos públicos na educação básica e no ensino
médio (ZAGO, 2006).
Conforme estudo de Oliveira et al. (2008), no cenário atual da educação brasileira,
a democratização do ingresso à educação superior é mais compreendida no sentido da
ampliação de vagas do que pelos modelos de processo de seleção. Entretanto, a expansão
acontecida no ensino superior nos últimos anos não beneficiou a população de baixa renda,
que depende essencialmente do ensino básico público (ZAGO, 2006). Havemos de considerar
que essa situação tende a se alterar gradativamente, considerando a política de ações
afirmativas, efetivada nos governos Lula e Dilma Rousseff.
Nas camadas populares menos favorecidas economicamente, a problemática de
ingressar no ensino superior inicia mesmo antes da escolha em uma determinada carreira,
144
inicia no momento da decisão em realizar ou não o processo de seleção. Pesquisas como a de
Zago (2006) demonstram que muitos estudantes potencialmente qualificados para ingressar
no ensino superior104
não o fazem pela previsão de fracasso nesse processo. Por já
conhecerem sua trajetória de vida e o seu próprio conhecimento intelectual e cultural, esses
estudantes preferem já se inserir no mercado de trabalho ou procurar cursos técnicos onde o
ingresso é mais fácil. A referida autora nomeia esse processo de “autoexclusão”. Outro fato
interessante acontece quando os estudantes decidem fazer o processo de seleção e são
aprovados; na maioria dos casos, atribuem à aprovação à “sorte”, ao invés de considerar o
próprio sucesso pessoal.
Referente ao ingresso no ensino superior, essa realização remete à escolha
profissional que traz embutida um significado de autorrealização e de autonomia econômica
que idealizam a liberdade pessoal e econômica do indivíduo.
Fato que merece relevância quanto ao ingresso no ensino superior refere-se à
Reforma Universitária de 1968, que introduziu o sistema classificatório nos concursos
vestibulares. Após tal determinação, ficou evidente que no ensino superior não há vagas para
todos, sendo admitidos apenas os “melhores”, os “mais aptos”. Nesse sistema, os candidatos
“aprenderam” que a escolha do curso superior não depende apenas do desejo pessoal. Como
relatam os trabalhos de Oliveira et al. (2008) e Borges e Carnielli (2005), a escolha do curso
superior também está condicionada a questões socioeconômicas dos candidatos. “Para
Schwartzman105
pode-se dizer que escolher uma carreira, no Brasil, pouco tem a ver com
“vocação” e muito mais com condições pessoais e sociais que condicionam esta escolha.”
(VARGAS, 2007, p. 2).
A concorrência por vagas nos cursos de maior prestígio social é acentuada tanto nas
instituições públicas como nas privadas. Esse prestígio social prende-se, por sua vez,
à hierarquia das ocupações, ou seja, à estratificação social. [...] a escolha das
carreiras é decorrente do condicionamento social da educação, que contribui
decisivamente para o encaminhamento e distribuição dos candidatos pelos diversos
cursos superiores. (BORGES; CARNIELLI, 2005, p. 115).
Sobre a escolha do curso para ingresso no ensino superior, deparamos com uma
realidade que pode ser contraditória, pois pode não representar o desejo do estudante, que
realiza determinada escolha devido a várias influências que recaem sobre ele no momento de
optar por determinado curso e/ou instituição. Como exemplo, observamos na pesquisa de
104
Concluíram o ensino médio em escolas públicas. 105
SCHWARTZMAN, Simon. A diferenciação do ensino superior no Brasil. Disponível em
Http://www.schwartzman.org.br/simon/diferent.htm. Acesso em 20/10/2012.
145
Zago (2006) que os estudantes com menor poder aquisitivo pensam na educação superior
como estratégia de investimentos para aumentar suas chances no mercado de trabalho,
portanto, para conseguir ingressar nesse nível de ensino, os mesmos avaliam as reais chances
de sucesso e fazem a opção pelo curso conforme essa análise, ou seja, procuram os cursos
menos concorridos nos quais terão mais chance de aprovação. Assim: “Essa observação
suscita uma reflexão sobre o que normalmente chamamos “escolha”. Quem de fato escolhe?
Sob esse termo genérico escondem-se diferenças e desigualdades sociais importantes.”
(ZAGO, 2006, p. 232).
Alguns fazem um curso diferente daquele tido, inicialmente, como desejo. Mais
ainda, justificam o porquê da mudança ao dizerem que o curso atual contempla, em
termos suficientes, a opção não conseguida. Em outras palavras, há “compensações”
realizadas por um subgrupo de alunos que acabou indo para carreiras menos
disputadas. A vaga não obtida em uma carreira os impeliu a buscar cursos próximos
no campo temático. (ALMEIDA, 2009, p. 84).
De acordo com estudos de Almeida (2009), realizados com estudantes da USP,
vários fatores influenciam a escolha do curso no momento de se inscrever no vestibular da
instituição. Alguns estudantes entrevistados mostraram o desejo de ingressar em determinado
curso, mas não o fizeram em decorrência de vários fatores, como a alta concorrência pela
disputa das vagas, o alto nível da pontuação para o ingresso, o período integral do curso, o
que impede conciliar estudo e trabalho, a influência familiar por determinado curso e a
remuneração de acordo com o mercado de trabalho. Ou seja, o estudante parece compreender
a sua realidade, e, dentro dela, passa a discutir o que está ao seu alcance, o que é possível
conseguir.
Entretanto, mesmo tendo consciência da sua realidade e do que pode
conseguir/alcançar, o candidato que tem seus desejos frustrados provavelmente se submeterá
a uma angústia constante, por estar em conflito, no limite entre o possível e o desejável. No
caso da educação superior, ingressar em outro curso que não seja o desejado, nem sempre será
um atenuante ao estudante (ALMEIDA, 2009).
[...] Ou seja, a opção, na verdade, não é opção, o que possibilita matizar ainda mais o
processo de “escolha” que determinados estudantes fazem. Foi o que sobrou para
fazer próximo daquilo que no âmago queria, em uma graduação que vai, cada vez
mais, afastando-se do desejo inicial alimentado antes da entrada na USP.
(ALMEIDA, 2009, p. 90).
Assim, procurando decifrar essas questões, a presente pesquisa teve como
objetivo analisar o processo de ingresso acadêmico no curso de enfermagem da UFMT, CUS,
146
tomando como base os anos de 2012, ressaltando o processo de decisão dos estudantes pelo
curso, em face da forma de seleção proposta pelo sistema ENEM/SiSU.
A pesquisa foi realizada com os estudantes ingressantes no curso de enfermagem,
da UFMT, CUS, em 5 de outubro de 2012, que ingressaram no referido curso no período
letivo de 2012/1. Ressaltamos que o semestre letivo de 2012/1 teve início no dia 05 de março
e o seu término em 10 de novembro de 2012, fato decorrente da greve docente ocorrida de
maio a setembro do mesmo ano.
O pesquisador respeitou os princípios envolvendo a pesquisa com seres humanos,
conforme Diretrizes e Normas Regulamentadoras de Pesquisa em Seres Humanos, Resolução
196/96. Todos os pesquisados foram orientados sobre a presente pesquisa e, após o
consentimento em participar da mesma, foram entregues os questionários semiestruturados
com questões abertas e fechadas para tentar desvendar o processo de decisão dos estudantes
pelo curso, em face da forma de seleção proposta pelo sistema ENEM/SiSU.
Do total de 30 ingressos nesse período letivo (2012/1), 24 estudantes que estavam
presentes em sala de aula aceitaram participar da pesquisa106
.
No gráfico 1, podemos observar o período de ingresso dos estudantes. Do
universo de 24 estudantes pesquisados, 87,50% ingressaram no semestre de 2012/1, estando
no período letivo normal para o ingresso, e 8,33% ingressaram no semestre letivo de 2011/2,
estando ainda cursando o 1° semestre do curso devido à reprovação por média – RM ou
reprovação por média e falta - RMF. Um estudante não respondeu essa questão (4,16%).
Gráfico 1 – Número de estudantes que participaram da pesquisa e seu período de ingresso
Fonte: Gráfico elaborado pelo autor.
106
Conforme relato dos estudantes, pelo menos cinco estudantes ingressantes no período 2012/1 já haviam
desistido do curso até a realização da presente pesquisa.
Período letivo
2
21
1
2011/2 2012/1 Não responderam
147
A questão seguinte foi aberta e indagava ao estudante em qual lista de chamada do
SiSU foi chamado/convocado para efetuar a matrícula no curso de enfermagem da UFMT,
CUS. Nessa questão, 25,00% dos estudantes responderam que foram chamados na primeira
lista classificatória, 16,67% na segunda lista classificatória e 33,33% responderam terem sido
chamados na lista de espera do SiSU. Registramos que 25,00% dos estudantes responderam
não lembrar em qual lista foram chamados ou deixaram a questão em branco.
Nesse dado, podemos observar o baixo número de estudantes que ingressou pela
primeira lista de ingressantes, ou seja, das 30 vagas acadêmicas oferecidas, apenas seis
estudantes ingressaram na primeira lista, resultando em 24 vagas ainda em aberto para a
segunda lista. Desses seis estudantes que relataram ingressar pela primeira lista de chamada,
cinco escolheram a enfermagem como primeira opção e apenas um a escolheu como segunda
opção.
Já entre os quatro estudantes que ingressaram pela segunda lista de chamada,
todos escolheram a enfermagem como primeira opção. Da mesma forma todos os estudantes
que relataram ingressar pela lista de espera (oito estudantes) escolheram a enfermagem como
primeira opção. Dos seis estudantes que relataram não se lembrar, ou deixaram em branco a
questão referente à qual lista foi classificado, cinco escolheram a enfermagem como primeira
opção e apenas um escolheu a enfermagem como segunda opção.
Quadro 3 – Lista de chamada/convocação para efetuar a matrícula no curso de enfermagem na
UFMT, CUS
1°
Chamada
2°
Chamada
Lista de
Espera
Não
responderam
Vagas para o curso de enfermagem
2012/1
30 24 20 --
Estudantes ingressantes em 2012/1 6 (25,00%) 4 (16,67%) 8 (33,33%) 6 (25,00%)
Enfermagem como 1° opção 5 (20,83%) 4 (16,67%) 8 (33,33%) 5 (20,83%)
Enfermagem como 2° opção 1 (4,16%) -- (0%) -- (0%) 1 (4,16%)
Fonte: Elaborado pelo autor.
O gráfico 2 apresenta o número de vezes que os estudantes haviam realizado
algum tipo de processo seletivo (vestibular, ENEM/SiSU), antes de ingressar no curso de
enfermagem.
148
Registramos que a grande maioria dos estudantes pesquisados ingressou no curso
de enfermagem já no primeiro processo seletivo realizado (62,50%), o que pode ser observado
na sala de aula pela faixa etária dos estudantes, que basicamente saíram do Ensino Médio e já
ingressaram no ensino superior, o que corrobora com as metas oficiais de adequação
idade/série para o ingresso no ensino superior de estudantes entre 18 a 24 anos.
Gráfico 2 – Número de processos seletivos antes do ingresso no curso de enfermagem
UFMT/CUS
Fonte: Gráfico elaborado pelo autor.
Em relação ao curso superior em que desejavam ingressar quando concluíram o
Ensino Médio, um grande número respondeu que já desejava ingressar no curso de
enfermagem naquele momento (41,66%); entretanto, 58,33% dos ingressantes do curso de
enfermagem desejavam ingressar em outros cursos, como medicina (37,50%), odontologia
(8,33%), farmácia (4,16%), engenharia sanitária e ambiental (4,16%) e jornalismo (4,16%).
Assim, na turma de enfermagem, mais da metade dos estudantes não aspirava ingressar no
referido curso, antes de vivenciá-lo.
Processo seletivo
15
6
12
Uma vez Duas vezes Três vezes Mais de três vezes
149
Gráfico 3 - Curso de desejo no término do Ensino Médio
Fonte: Gráfico elaborado pelo autor.
Na pergunta seguinte foi questionado se os estudantes conseguiram ingressar no
curso que desejavam, e 12 deles (50,00%) responderam que sim, que ingressaram no curso
que desejavam, e o mesmo percentual (50,00%) responderam que não ingressaram no curso
que desejavam. Fato interessante observamos nessa questão, e o questionamento que segue
refere-se ao motivo desses estudantes optarem ou escolherem ingressar na enfermagem.
Na pesquisa realizada por Barlem et al. (2012), observamos:
À semelhança de nossos achados, foi identificado que, entre os motivos que
direcionaram estudantes para outras áreas das ciências da saúde, estava a dificuldade
ou mesmo impossibilidade em fazer o curso de preferência, em especial medicina e
odontologia. (p. 11).
No gráfico 4, apresentamos qual foi o curso de primeira opção dos estudantes, no
momento de inscrição no SiSU.
Verificamos que, mesmo sendo a enfermagem o desejo de apenas 41,66% dos
candidatos quando concluíram o Ensino Médio e que 50,00% deles responderam não terem
ingressado no curso que desejavam no momento da inscrição dos mesmos no SiSU, 91,66%
dos estudantes escolheram a enfermagem como primeira opção de curso para ingresso no
ensino superior. Nessa análise, fica o questionamento: por que, mesmo não tendo o desejo de
ingressar no curso de enfermagem, esses estudantes de inscreveram nesse curso como
primeira opção? Essa questão volta a ser discutida na sequência.
Cursos
109
21 1 1
Enfermagem Medicina
Odontologia Farmácia
Engenharia sanitária e ambiental Jornalismo
150
Gráfico 4 - Curso de primeira opção na inscrição ao SiSU
Fonte: Gráfico elaborado pelo autor.
A luz dos editais do SiSU, compreendemos que a escolha do curso em primeira
opção deveria ser feita de acordo com o desejo pessoal dos estudantes, uma vez que o sistema
os convoca nessa opção, e apenas os convocará em segunda opção caso sua nota não seja
suficiente para aprovação na primeira opção. Entretanto, observamos que a resposta dos
estudantes contraria esse entendimento, porque, aparentemente, os mesmos escolhem o curso
em primeira opção de acordo com a nota que obtêm para o ingresso.
Da mesma forma, quando questionados qual foi a segunda opção de curso em que
se inscreveram no SiSU, a maioria (25,00%) relatou ter se inscrito no curso de enfermagem,
seguido pelos cursos de medicina veterinária e farmácia com 12,50% cada; psicologia e
engenharia florestal com 8,33% cada; e engenharia agrícola e ambiental, moda e designer,
biologia, química, medicina e odontologia com 4,16% cada. Registramos que dois
pesquisados (8,33%) responderam não se lembrar da escolha realizada em segunda opção.
Interessante observar que há escolhas de cursos em segunda opção em áreas bem
diferentes da área de enfermagem, por exemplo, o curso de engenharia florestal, engenharia
agrícola e ambiental, moda e designer e química, ressaltando dessa forma o mecanismo
contraditório de escolha do curso, identificando certa “banalização” nessa escolha.
Cabe também registrar que, dos 24 pesquisados, apenas cinco (20,83%) se
inscreveram para o curso de enfermagem como primeira e segunda opção, em instituições
diferentes da UFMT.
Também foi perguntado aos pesquisados quais deles já haviam atuado na área de
enfermagem, e apenas dois (8,33%) responderam já terem atuado na enfermagem como
técnicos de enfermagem.
Cursos
22
1 1
Enfermagem Odontologia Farmácia
151
A seguir, foi perguntado sobre os motivos que levaram esses estudantes a
escolherem o curso de enfermagem. Essa questão era fechada e continha 11 possíveis
respostas para os estudantes escolherem os cinco motivos principais que os levaram a
realizarem essa escolha. Esses cinco motivos elencados deveriam ser escalonados de um a
cinco, sendo um para a maior importância e cinco para a menor. Para análise dessa questão,
foi atribuída uma escala de pontuação para as respostas apresentadas: a questão que
considerava o mais importante motivo para escolha do curso recebeu numeração um (1) do
estudante, foi atribuído o valor de cinco pontos; para a numeração dois (2), foi atribuído o
valor de quatro pontos; para a numeração três (3), o valor de três pontos; para a numeração
quatro (4), o valor de dois pontos; e para a numeração cinco (5), o valor de um ponto.
A soma dos valores das pontuações apresentou o resultado que segue. A maior
influência para a escolha do curso foi demonstrada por estudantes acreditarem ter “aptidões
pessoais (vocação)” para serem enfermeiros(as), seguida da “conversa com profissionais que
atuam na área”, geralmente familiares, como veremos na próxima questão. Em terceiro lugar,
ficaram empatados a “possibilidade de contribuir para a sociedade” e a “proximidade da
enfermagem com as demais profissões da área da saúde”, o que pode ser explicado pela
“mística” existente de que o curso de enfermagem seja próximo a outros cursos como, por
exemplo, a medicina. Em seguida, foi identificada a “possibilidade de absorção no trabalho e
possibilidade salarial”, observando que a enfermagem, mesmo sendo um dos cursos que mais
expandiu nos últimos anos, ainda registra carência profissional. A “influência da família e
amigos” também foi observada uma vez que grande parte dos entrevistados (25,00%) tem
familiares nessa área profissional. A “leitura e reportagens sobre a profissão de enfermagem”
apareceu na sétima posição, demonstrando que a enfermagem ainda é uma profissão pouco
difundida, ou que desperta pouco interesse nos candidatos. A “nota obtida no ENEM”
também foi considerada como motivadora para o ingresso nesse curso, uma vez que os
estudantes não apresentaram uma nota de corte elevada, garantindo ou facilitando o ingresso.
E, por fim, temos a “orientação profissional”, seguida da “baixa concorrência” como os
menos motivadores para o ingresso no curso de enfermagem. Nenhum candidato pontuou a
questão “permitir conciliar aula e trabalho”, uma vez que o curso de enfermagem é oferecido
no período integral, o que dificulta a articulação com o trabalho.
152
Quadro 4 – Motivos que levaram os estudantes a escolherem o curso de enfermagem
Questão Pontuação
Adequação às aptidões pessoais (vocação), cursar algo de que gosta 87 pontos
Conversa com profissionais que atuam na área 49 pontos
Possibilidade de contribuir para a sociedade 48 pontos
Proximidade da enfermagem com as demais profissões da área da saúde 48 pontos
Possibilidade de absorção no trabalho e possibilidade salarial 30 pontos
Influência dos familiares e amigos 28 pontos
Leituras e reportagens sobre a profissão de enfermagem 27 pontos
Nota obtida no ENEM ser equivalente à nota de corte de enfermagem 23 pontos
Orientação profissional 17 pontos
Baixa concorrência pela vaga 03 pontos
Permitir conciliar aula e trabalho 00 pontos
Fonte: Quadro elaborado pelo autor.
Os resultados obtidos corroboram com as pesquisas realizadas por Barlem et al.
(2012) em que a escolha pelo curso de enfermagem “esteve associada à vocação pessoal e à
percepção da enfermagem como uma profissão do cuidado, justificando sua escola inicial, em
virtude da sua nobreza, beleza e propósitos.” (p. 07). E também com a pesquisa de Borges e
Carnielli (2005) em que a escolha dos cursos de medicina, engenharia civil e direito também
estavam relacionados predominantemente à “vocação”, “oportunidade no mercado de
trabalho” e ao “prestígio social da carreira”.
[...] A “vocação” e a “oportunidade no mercado de trabalho”, razões de escolha do
curso, são resultantes de uma história de vida e socialmente produzidas para atender
necessidades econômicas, políticas e ideológicas. Políticas e ideológicas porque os
pais almejam para os filhos a manutenção, no mínimo, da atual situação de classe.
As necessidades econômicas são mais vulneráveis, dependem da situação de
mercado. (BORGES; CARNIELLI, 2005, p. 135).
Também nos estudos de Ojeda et al. (2009), observamos que os estudantes
receberam influência da família para realizar a escolha do curso, “os estudantes referiram a
forte influência dos pais a ponto de gerar dúvidas no processo de decisão.” (p. 04).
No gráfico 5, as respostas mostram que a nota obtida no ENEM teve influência na
escolha do curso de enfermagem, e apenas seis (25,00%) dos pesquisados relataram ter
escolhido o curso sem influência da nota obtida no ENEM; os demais (75,00%) responderam
153
que foram influenciados pela nota do ENEM a escolherem o curso de enfermagem, sendo
20,83% totalmente influenciados e 54,17% parcialmente influenciados.
Assim, vemos que existe uma contradição entre os pesquisados, pois no Quadro 4,
os estudantes relataram que o maior motivo para escolherem o curso de enfermagem foi
decorrente de aptidões pessoais. Viu-se que a nota obtida no ENEM foi elencada apenas na
oitava posição. Já na presente questão quando perguntamos diretamente se a nota do ENEM
teve influência, 75,00% relataram que sim.
Gráfico 5 - Influência da nota do ENEM na escolha do curso
Fonte: Gráfico elaborado pelo autor.
Ponderamos a pertinência de expor dados específicos somente em relação aos
75% dos estudantes que responderam sofrer influência pela nota obtida no ENEM para a
escolha do curso de enfermagem.
Esse recorte aplicamos a quatro questões, a seguir descritas, considerando sua
pertinência para o debate da escolha do curso, sob a influência do SiSU. Dos 18 pesquisados
que relataram terem sido influenciados pela nota do ENEM na escolha do curso de
enfermagem (75,00%), oito (44,44%) relataram que desejavam ingressar no curso de
enfermagem quando concluíram o Ensino Médio. Entretanto, quanto questionados se
ingressaram no curso desejado, a metade (50,00%) dos pesquisados respondeu que sim, e a
outra metade (50,00%) respondeu que não. Mesmo havendo divergências entre essas duas
questões, essa se torna pequena, pois a diferença é de apenas um pesquisado que relatou não
desejar cursar a enfermagem na saída do Ensino Médio e depois relatou que ingressou no
curso desejado.
Influência da nota do ENEM
5
13
6
Influenciou totalmente Influenciou parcialmente Não influenciou
154
Ainda nos atendo aos estudantes que foram influenciados pela nota do ENEM,
registramos que 17 pesquisados (94,44%) escolheram a enfermagem como primeira opção,
tendo apenas um pesquisado (5,56%) escolhido a enfermagem como segunda opção.
E quando questionados quanto ao desejo de realizar outro processo seletivo, 12
pesquisados (66,67%) relataram o desejo de realizar outro processo seletivo e apenas seis
(33,33%) relataram que não. Esses números parecem justificar o abandono do curso
verificado empiricamente em sala de aula, o que deve ser motivo de estudos específicos.
Retornando ao todo da pesquisa, outro fato interessante foi quando questionados
se conheciam a enfermagem como profissão antes de ingressar no curso. Dos 24 pesquisados,
três (12,50%) responderam que não conheciam a enfermagem. Aqui fica outro
questionamento: o que pode representar para o estudante o fato de ingressar num curso que
não conhece?
Sobre essa questão, Ojeda et al. (2004) aborda que o ingresso em determinado
curso, muitas vezes, se dá por uma soma de fatores, independentes de desejo ou vocação; da
mesma forma essa escolha pode se dar ocasionalmente por alguém que pouco conhece a área,
[...] mas que traz concepções e valores que circulam socialmente: [...] foi meio que
um baque, porque não era bem aquilo o que eu queria daí eu mudei de opinião,
porque eu ia fazer odonto e deu pra nutrição, „ah vou fazer pra ver se eu gosto‟ daí
eu estou adorando agora, não quero mais trocar, eu quero nutrição. (OJEDA et.al,
2004, p. 06).
Sobre os que responderam conhecer a profissão de enfermagem, observamos que,
pela resposta, a maioria conheceu a enfermagem por ter alguém, familiares ou amigos
próximos, da referida área:
Comecei a conhecer a enfermagem através de familiares que atuam na área, em
seguida fui pesquisando sobre o assunto. (Estudante 6).
Através da minha irmã que está concluindo o curso de enfermagem e outros
profissionais. (Estudante 8).
Conheço a enfermagem e suas áreas de atuação, pois desde pequeno amigas da
minha mãe frequentam minha casa e assim pude situar-me a respeito de sua função
social e proximidade com minhas aptidões. (Estudante 17).
Através de pessoas da minha família que exercem esta profissão. (Estudante 19).
Conheci a enfermagem através de uma grande amiga que é enfermeira, e como
sempre fui apaixonada pela área da saúde, me apaixonei pela enfermagem em si.
(Estudante 20).
Minha mãe fez curso técnico em enfermagem. (Estudante 21)
155
Há também os que relataram conhecer a enfermagem por considerarem ter uma
vocação pessoal para essa profissão, exercendo as ações do cuidar:
Admirando o serviço prestado, e abrindo o leque de interesses para mudar alguns
comportamentos em relação ao posicionamento e relação enfermeiro/paciente.
(Estudante 2).
Através do curso técnico em enfermagem que firmou minha vontade, fascinação e
vocação para a área do cuidar do ser humano como um todo. (Estudante 3).
Através do interesse pela enfermagem, busquei informações com profissionais da
área, pesquisei sobre a profissão, atuação do enfermeiro, e vi que é o que eu
realmente buscava. (Estudante 4).
Através de pessoas que atuam na área, como sempre gostei de cuidar das pessoas
acabei escolhendo o curso, eu sempre quis algo que me ajuda-se a cuidar das
pessoas. (Estudante 5).
Há os que conheceram a enfermagem após internações próprias ou de parentes,
despertando a vontade de ingressar nesse curso após esse episódio.
Na prática hospitalar, quando familiares usaram do serviço de saúde, como
internação. (Estudante 15).
Pelas vezes que fiquei internada, por cerca de 3 semanas. (Estudante 18).
Dois pesquisados relataram já terem atuado na área de enfermagem ou próximo a
esse profissional.
Trabalhei como auxiliar de serviços gerais no PSF em minha cidade. (Estudante 9).
Trabalhei durante 8 meses como técnica em enfermagem e desde esta época a
enfermagem me cativou e obtive um interesse maior pela profissão. (Estudante 10).
E, por fim, um dos pesquisados relatou ter conhecido a enfermagem pela
proximidade desse curso com áreas com as quais tinha afinidade.
Ao ter contato com área da biologia no qual sempre tive uma boa afinidade.
(Estudante 11).
Também nesse quesito, observamos na pesquisa de Barlem et al. (2012) e na
pesquisa de Ojeda et al. (2009) que os estudantes tiveram contato com a enfermagem por
meio de situações de doença familiar e também pelo contato com pessoas próximas que atuam
na área, geralmente familiares. Portanto, podemos observar pelas pesquisas realizadas que
156
ainda falta uma difusão ampla da enfermagem como uma profissão digna e autônoma nos
meios sociais, pois a maioria dos ingressantes desse curso só ingressou por ter conhecido a
enfermagem em situações específicas.
No gráfico 6, questionamos se os estudantes ingressantes estão decididos a
concluir o curso de enfermagem. Observamos que, mesmo tendo um percentual considerável
de estudantes que se considera decidido a continuar e concluir o curso, há um percentual
(12,5%) que está indeciso107
.
Os três estudantes que relataram indecisão quanto ao curso escolhido, o que
representa 12,5%, alegaram que os principais motivos para essa indecisão relacionam-se à
“dúvida quanto ao seu real interesse pela área escolhida”, “dúvida quanto as suas habilidade
para a opção feita”, e “o interesse em ingressar no ensino superior, independente do curso”.
Gráfico 6 - Satisfação com o curso que ingressou - enfermagem
Fonte: Gráfico elaborado pelo autor.
Quando os estudantes foram questionados se pretendem fazer outro processo
seletivo ENEM/SiSU, 54,16% (13 estudantes) relataram que sim, que pretendem fazer outro
processo seletivo. Entre os motivos apresentados para realizar outro processo seletivo, 8
estudantes (33,33%) relataram que irão realizá-lo para tentar ingressar no curso de medicina;
1 estudante (4,169%) relatou que tentará ingressar no curso de odontologia; 1 estudante
(4,16%) irá tentar pleitear programas governamentais fornecidos de acordo com notas do
107
Registramos que a presente pesquisa foi realizada no final do período letivo 2012/1, depois de período de 4
meses de greve docente que atingiu as Instituições Federais de Ensino Superior, e alguns estudantes já haviam
desistido do curso antes da aplicação da pesquisa.
Decidido/indeciso
8
3
10
21
Absolutamente decidido Muito decidido Decidido Indeciso Muito indeciso
157
ENEM108
; 1 estudante (4,16%) relatou que realizará o ENEM/SiSU para ingressar no curso de
enfermagem na sua cidade natal; e 2 estudantes (8,33%) relataram realizar o ENEM apenas
para testar conhecimentos, como “treineiros”. Nessa questão, podemos observar que mesmo
tendo ingressado no curso de enfermagem, nove estudantes não estão satisfeitos e pretendem
mudar de curso com a realização de outro processo de seleção, contudo, se não conseguirem
êxito no próximo processo seletivo, pretendem continuar no curso de enfermagem, o que
descaracteriza o caráter vocacional de uma profissão, mantendo os estudos nesse curso pelo
insucesso de ingressar no curso de desejo.
O gráfico 7 apresenta o grau de aprovação desses estudantes quanto ao método de
escolha do curso proposto pelo ENEM/SiSU.
Verificamos que 50,00% dos estudantes aprovam o sistema de ingresso proposto
pelo ENEM/SiSU. Os principais argumentos para essa aprovação são atribuídos à facilitação
no ingresso, à democratização, à mobilidade, e à forma do ingresso.
Gráfico 7 - Aprovação do modelo de escolha do curso pelo ENEM/SiSU
Fonte: Gráfico elaborado pelo autor.
Dos pesquisados, três responderam que aprovam o sistema ENEM/SiSU pela
facilitação no ingresso que o sistema adota, como podemos observar abaixo.
Pois permite mais facilmente a entrada ao ensino superior. Sendo algo mais real e
mais próximo à realidade educacional brasileira. (Estudante 2).
Há várias possibilidades e uma porta a mais para o ingresso. No meu caso me senti
muito satisfeito com o programa, pois possibilitou meu ingresso em uma faculdade
108
Pelo dizer do estudante, deseja pleitear uma vaga nos programas PROUNI ou Fies, contudo não especifica
qual curso irá pleitear.
Aprovação
12
2
10
Sim Não Em partes
158
pública. Creio que se não fosse o ENEM/SiSU, talvez não teria essa chance, ou
fosse mais difícil entrar na faculdade. (Estudante 3).
Aprovo por que abrange maiores oportunidades de escolhas para as diversas
universidades do Brasil. (Estudante 9).
Dois dos pesquisados relataram que o sistema ENEM/SiSU é democrático,
seguindo o próprio discurso governamental de democratização das oportunidades de ingresso
no ensino superior.
Acredito que seja democrático. (Estudante 4).
Porque assim todos tem a chance de ingressar em uma faculdade. (Estudante 5).
Entretanto, seria realmente o sistema ENEM/SiSU democrático? Entendendo por
democracia o poder de tomar decisões pelo cidadão, e que todos tenham os mesmos direitos
sociais, ainda não observamos nos sistemas de seleção ora expostos uma sistema democrático,
uma vez que o Brasil apresenta contradições marcantes em sua população, o que
descaracteriza um sistema democrático na disputa por uma vaga acadêmica. Para realmente
haver uma democratização no ingresso ao ensino superior, serão necessárias “certamente
políticas para a ampliação do acesso e fortalecimento do ensino público, em todos os seus
níveis, mas requer também políticas voltadas para a permanência dos estudantes no sistema
educacional de ensino.” (ZAGO, 2006, p. 228).
Ainda houve um pesquisado que atribuiu a aprovação ao sistema ENEM/SiSU
pela mobilidade acadêmica que o sistema adota.
Dá mais possibilidade para que pessoas de outras regiões possam conhecer lugares
diferentes, por várias universidades aderirem, a chance de ingresso é maior etc.
(Estudante 6).
E mais três pesquisados relataram aprovar o ENEM/SiSU pela forma de ingresso
que o sistema apresenta. Um deles, na primeira fala, aprovou o sistema de ingresso devido à
oportunidade de ingressar no ensino superior, independentemente do curso de desejo do
estudante.
Porque mesmo que não tenhamos obtido nota para entrar no curso desejado, você
pode escolher outro em que sua nota foi suficiente. (Estudante 7).
Devido a este modelo, me foi permitido estar aqui em Sinop/MT, cursando
enfermagem. Este modelo de avaliação amplia a possibilidade de ingressar em uma
universidade federal. (Estudante 10).
159
Com o sistema utilizado, você não possui tanta indecisão, podendo escolher duas
áreas e até mesmo duas faculdades diferentes, em qualquer lugar do país. Esse
sistema criou maior acessibilidade. (Estudante 22).
Quanto aos estudantes que relataram aprovar em parte o sistema de ingresso
proposto pelo ENEM/SiSU, observamos que as principais justificativas giram em torno do
sistema de cotas proposto como política de ingresso, e não necessariamente no sistema de
ingresso proposto pelo ENEM/SiSU, com estudantes que concordam com o sistema de cotas e
estudantes que discordam desse sistema. Registramos que o sistema de cotas, instituído pela
Lei n.º 12.711 de 29 de agosto de 2012, é uma lei independente do sistema de ingresso
proposto pelo ENEM/SiSU, entretanto, na visão de alguns estudantes, o sistema de cotas seria
complementar ao sistema ENEM/SiSU, uma vez que ambas as políticas são apresentadas
muitas vezes juntas em discursos oficiais do governo federal.
Porque não concordo com as cotas. (Estudante 12).
Pois há muito a ser melhorado, como a sistema de cotas. (Estudante 13)
Pois o ENEM/SiSU foi criado para uma educação para todos e sabemos que esta
forma não é igualitária, deveria ter cotas para quem estudou na escolas
particulares, sendo uma abertura menor para eles ou ambos, particular e pública
tem uma educação igual e boa. (Estudante 14).
Não concordo com cotas em hipótese alguma. (Estudante 15).
O sistema de cotas, ao contrário do projetado pelo governo, aumenta as
disparidades sociais, já que nem todos os ingressados estão na universidade por seu
destaque intelectual (melhores notas), mas sim por diferenças étnicas e
educacionais. (Estudante 17).
Referente ao sistema ENEM/SiSU, os estudantes que relataram aprovar em parte
essa forma de ingresso atribuem que ela não é igualitária devido à heterogeneidade do sistema
educacional brasileiro. Há também um estudante que relatou que o sistema SiSU deveria dar
mais opções de curso e/ou instituição para disputa das vagas acadêmicas.
Deveria ter mais opção de escolha de curso ou pelo menos de faculdades em um
mesmo curso. (Estudante 18).
Devido a achar e acreditar que é uma forma de ingresso “mascarada”, porque não
existe um direito igual para ambas as pessoas que ingressam, pois aquelas que
tiveram um preparo melhor no período escolar, ou seja, em escolas particulares,
estarão concorrendo com aquelas que não foram beneficiados com um bom preparo
vindo das más condições de estudo em escolas do Governo. Os mais preparados
ingressarão mais facilmente, então, na Universidade. O ideal talvez seria preparar
a todos igualmente e, assim, nessas condições, poderiam concorrer igualmente.
(Estudante 19).
160
Como o ENEM é aberto para todas as pessoas do Brasil, há muita concorrência, os
menos favorecidos concorrem com pessoas muito bem de vida que sempre
estudaram em escolas particulares, pra mim é uma injustiça para algumas pessoas,
porém o ENEM dá oportunidade para todas as pessoas, o que muda é cada um.
(Estudante 20).
Um dos pesquisados atribuiu a aprovação em parte do sistema ENEM/SiSU à
mobilidade acadêmica que o sistema apresenta, relatando que essa pode ser um empecilho
para o ingresso, quando o estudante é aprovado em uma cidade distante de onde reside.
Porque temos que concorrer com muitas cidades, e muitas vezes o local onde
passamos não é em nossa cidade. (Estudante 23).
Há, ainda, os que não aprovam o sistema ENEM/SiSU, justificando que o mesmo
não é democrático, uma vez que a concorrência para uma vaga acadêmica é ampliada a todo
Brasil, e apenas aqueles estudantes mais preparados irão conseguir a aprovação no curso
desejado. Referente a esse ponto, Borges e Carnielli (2005) ressaltam, em sua pesquisa, que o
fato dos alunos serem aprovados nos cursos de maior prestígio social (medicina, direito e
engenharia civil) não desqualifica o mérito desses estudantes que foram aprovados em
processo seletivo público, aberto a todos os interessados. Entretanto, essa democratização
precisa ser analisada, pois os candidatos, quando realizam o processo seletivo, não estão todos
em igualdade de condições, havendo uma disputa entre desiguais por causa da estratificação
social, ou seja, estudantes mais bem preparados, provenientes de escolas particulares e que em
grande maioria tiveram acesso a “cursinhos” pré-vestibulares, contra estudantes provenientes
de escolas públicas, com menor preparo intelectual. Portanto, só haverá democratização
quando houver igualdade de condições para concorrer a uma vaga no ensino superior,
principalmente em cursos nobres.
Concorremos com pessoas de todo Brasil e que consequentemente tem a educação
mais estruturada. Ex. SP, SC, RJ, RS e etc. Acaba ocupando vagas de quem está
aqui. (Estudante 21).
Pois fazer com que pessoas que receberam um melhor ensino, como as do Sul e
Sudeste concorrerem com as do Centro-Oeste ou Norte, que receberam um ensino
de menor qualidade é injusto, pois aqueles que estão melhor preparados
ingressarão nas universidades, fazendo com que a UFMT, por exemplo tenha
poucos alunos do próprio estado. (Estudante 24).
Os estudantes, ao fazerem determinada escolha para um curso superior, sabem
dimensionar o que essa escolha representa para sua vida, tanto pessoal como profissional.
161
“Para Carlos, o curso foi escolhido mensurando suas possibilidades de sucesso na disputa pela
vaga e o ganho econômico da profissão.” (ALMEIDA, 2009, p. 93).
Vários estudos, como os de Gouveia (1968), Amaral (1998), Borges e Carnielli
(2005) e Braga, Peixoto e Bogutchi (2001), sustentam a tese de que a escolha do curso de
ingresso nas instituições de ensino superior públicas tem relação direta com o segmento social
do candidato.
[...] Os dados indicam que, de maneira geral, os alunos originários de famílias de
classe média alta estão inseridos nos cursos de maior prestigio e/ou tradicionais, que
dão acesso às carreiras mais valorizadas socialmente [...], enquanto os oriundos de
famílias com baixo poder aquisitivo, em sua maioria, optam por cursos cuja relação
candidato/vaga é menor. (BORGES; CARNIELLI, 2005, p. 119-120).
Entre os estudantes do curso de enfermagem da UFMT, CUS, observamos que
essa escolha está atrelada ao desejo de ingressar nesse curso, mas também há outros fatores
que incidem em tal escolha, como a possibilidade de obter a aprovação no mesmo, pois esse
curso apresenta uma concorrência e uma nota de corte moderada, ou seja, enquadra-se na nota
do ENEM obtida pelos estudantes, sendo essa nota insatisfatória para o ingresso em cursos
mais concorridos como medicina e odontologia.
Tal questão pode ser comprovada quando analisamos o Anuário 2012 da UFMT,
tendo como ano base 2011, em que observamos a concorrência candidato/vaga para o curso
de enfermagem no CUS foi de 20,8 candidato por vaga. Já para o curso de medicina, por
exemplo, a relação foi de 60,4 candidato por vaga, o que demonstra a maior dificuldade para o
ingresso no segundo curso em relação ao primeiro (UFMT, 2012b).
Há também entre os estudantes da enfermagem a crença de que esse seja “similar”
a outros cursos da área da saúde, como medicina, e que, após algum tempo cursando a
graduação em enfermagem, o estudante poderia conseguir uma transferência interna para
outro curso de maior desejo.
Entretanto, conforme a pesquisa de Barlem et al. (2012), os estudantes que
ingressaram na enfermagem com a ideia de que o conteúdo desse seria semelhante ao
conteúdo de outros cursos da área da saúde, fato inverídico, acabaram por evadir do curso de
enfermagem, após cursados os primeiros semestres, mais precisamente quando começaram as
disciplinas específicas da enfermagem. Barlem et al. (2012) trazem como questão para a
presente pesquisa: os estudantes que ingressaram na enfermagem sem o desejo de realizar tal
curso, sendo influenciados, por exemplo, pelo mecanismo de seleção, após algum tempo
cursando o referido curso, poderão evadir-se do mesmo, quando observarem que seu desejo
162
não está sendo atendido, aumentando dessa forma os índices de desistência e evasão
acadêmica?
Em pesquisas, como a realizada por Oliveira et al. (2008), observamos que,
mesmo com as inovações nos modelos de seleção, esses ainda não se representam
verdadeiramente como democráticos para a seleção dos estudantes que ingressaram no ensino
superior, pois “não modificaram o paradigma de escolha elitista existente no país.”
(OLIVEIRA et al., 2008, p. 12).
[...] A LDB não ocasionou, na realidade, qualquer ruptura com o padrão de seleção
instituído que privilegia os candidatos com maior capital econômico e cultural.
Continua, desse modo, a seleção baseada nas aptidões e capacidades naturais que,
historicamente, tem assegurado que a educação superior, sobretudo os cursos de
maior prestígio social, seja destinada a uma elite econômica e cultural privilegiada.
(OLIVEIRA et al., 2008, p. 13).
Por meio da pesquisa ora realizada, é possível inferir que grande parte dos
estudantes já desejava ingressar na enfermagem, mesmo não sendo esse o seu primeiro desejo,
mas, em face da realidade, era nesse curso que os mesmos poderiam ingressar no ensino
superior, o que parece ter sido o fator que se impôs na sua decisão.
Relacionado ao sistema de ingresso proposto pelo ENEM/SiSU, e pela forma
como ele se apresenta, em que a escolha do curso acontece após a obtenção da nota no
processo seletivo, há indícios que esse sistema acaba influenciando os estudantes a
escolherem o curso de acordo com a sua nota obtida no ENEM e a nota de corte fornecida
pelo sistema SiSU.
Outro fato observado é que o sistema de ingresso ora apresentado também
estimula no estudante o desejo de ingressar no ensino superior, independente do curso que
desejava ingressar, como se fosse uma vitória pessoal. A decisão parece se submeter à
seguinte lógica: constatar que a pontuação é condizente com a nota de corte de um
determinado curso, inscrever-se nele para ser aprovado e, consequentemente, ser chamado
para matrícula na IES.
O curso de enfermagem, desde que foi elevado à categoria de ensino superior, é
considerado como “marginalizado”, o que pode ser explicado pela sua própria história de
segregação e inferioridade frente aos demais profissionais da área da saúde. Assim, pesquisas
(BARLEM et al., 2012; OJEDA et al., 2009; TRAVERSO-YEPEZ; MORAIS, 2004) têm
demonstrado que o ingresso na enfermagem esteve condicionado à não aprovação em outros
cursos de graduação de maior desejo do estudantes. Também pode ser observado que a
163
graduação em enfermagem tradicionalmente apresenta um considerável índice de desistência,
reprovação e evasão, o que talvez esteja relacionado ao fato de haver ingressado em uma
graduação que não desejava.
A disparidade em relação à estratificação social que pode contribuir com a escolha
do curso superior, demonstra que o sistema educacional tanto pode contribuir como fator de
mudança e mobilidade social, como também pode contribuir para a manutenção das
desigualdades sociais.
Pelas pesquisas consultadas e utilizadas nesta dissertação, podemos observar que a
escolha do curso no ensino superior está intimamente ligada às condições sociais, culturais e
econômicas e ao histórico escolar dos estudantes109
. Ressaltamos mais uma vez que, mesmo
com a expansão do ensino superior nos últimos anos, ainda não há vagas para todos no ensino
superior, principalmente para os cursos de maior prestígio social como é o caso da medicina,
odontologia, direito e das engenharias. Portanto, para a grande maioria dos estudantes, não
existe verdadeiramente uma escolha para o curso de ensino superior, mas sim uma adaptação
que o candidato julgar mais condizente com sua realidade e que representar menor chance de
exclusão no sistema.
Observamos, pela presente pesquisa, que os mecanismos de seleção ora propostos
pelo ENEM/SiSU podem contribuir para uma escolha de curso de forma aleatória, cujo
interesse está no sucesso representado pela aprovação, pelo ingresso no ensino superior.
Assim, da mesma forma como a escolha, a opção e o desejo podem estar
relacionados, mas também podem não estar, como apresentado neste trabalho, em que a opção
e a escolha, em alguns casos, não tiveram relação com o desejo de ingressar no curso de
enfermagem.
Os conflitos relacionados à opção e à escolha do curso podem ser potencializados
pelo mecanismo de ingresso ao ensino superior proposto pelo ENEM/SiSU, pois esse sistema
apresenta especificidades em sua proposta, como a forma de pontuação atribuída na prova do
ENEM; a escolha do curso de acordo com a nota obtida no ENEM; a possibilidade de fazer
duas opções de curso e de instituição; o acompanhamento da nota de corte no sistema SiSU,
podendo alterar a escolha do curso em qualquer momento até o fechamento do sistema; entre
outros.
109
Embora essa questão da estratificação social não seja abordada na pesquisa ora realizada, trazemos esse
recorte, pois em grande parte das fontes pesquisas essa temática está envolvida quando relacionada à escolha do
curso.
164
Contudo, esse é um novo mecanismo de seleção que vigora no Brasil há apenas
três anos e, por isso, deve ser mais bem acompanhado, além de mais pesquisas serem
realizadas para realmente identificar o impacto que esse sistema provoca nas escolhas do
curso, bem como no sistema educacional como um todo.
165
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esta pesquisa teve como objetivo geral desvendar o processo de escolha para o
ingresso acadêmico no curso de enfermagem da UFMT, CUS, tomando como base o ano de
2012, ressaltando o processo de decisão dos estudantes pelo curso, em face da forma de
seleção proposta pelo sistema ENEM/SiSU.
Para realizá-la, foi necessário, primeiramente, uma investigação de caráter
histórico sobre o ensino superior no Brasil, destacando as formas de ingresso na educação
superior. Também foi realizado um levantamento das pesquisas sobre as formas de ingresso
no ensino superior, sobre a implantação e o funcionamento do ENEM/SiSU e as alterações
desses sistemas, sobre os procedimentos normativos para a escolha do curso no sistema
vestibular e no sistema ENEM/SiSU, o caráter histórico da UFMT, destacando as formas de
ingresso, assim como o processo de implantação do ENEM/SiSU nessa instituição. Também
foram investigados os fatores de decisão que fizeram os estudantes optarem pelo ingresso no
curso de enfermagem.
Considerando a historicização realizada das formas de ingresso no ensino
superior, observamos que desde a Primeira República até os dias atuais, a forma de ingresso
no ensino superior sustenta-se na “seleção dos melhores”. O que diferencia são as estratégias
utilizadas nesses processos de seleção.
Portanto, de acordo com essa historicização, podemos afirmar que a seleção para
ingresso no ensino superior surgiu num momento em que o número de vagas disponibilizadas
era insuficiente para a demanda. Nesse sentido, ela surge na perspectiva do “mérito”, o qual é
baseado na concepção de igualdade de oportunidades. Sinteticamente, estudos referentes aos
mecanismos de seleção utilizados na história da educação superior brasileira demonstraram
poucas mudanças em sua essência, que, ao ocorrerem, eram apenas operacionais.
Em função da expansão do ensino superior, principalmente após a promulgação
da LDB/96, criaram-se formas alternativas de seleção, como tentativa de substituir o antigo
vestibular. Nesse sentido, foi criado em 1998 o ENEM para avaliar a formação dos estudantes
do Ensino Médio, por meio de uma avaliação aplicada aos egressos desse nível de ensino.
Mesmo sendo criado para avaliar o desempenho desses estudantes, a intenção do governo
federal era utilizá-lo como mecanismo de ingresso nos cursos de graduação das IES.
Observamos, nesse momento, um fato curioso nas políticas governamentais, pois os processos
de seleção, que em tempos anteriores eram unificados, passaram a ser descentralizados para as
166
IES, e com a criação do ENEM, o governo federal retornou à política de unificação e
centralização dos processos de seleção.
No ano de 2009, o ENEM foi apresentado com uma nova configuração, sendo
nomeado de “Novo ENEM”, constituindo-se em dois processos distintos, sendo o primeiro o
próprio ENEM, com aplicação de avaliações para aferir o conhecimento dos estudantes, e o
segundo o próprio sistema de ingresso, constituído pelo SiSU, sistema informatizado em que
o estudante acessa e realiza sua inscrição no curso e instituição de sua preferência, utilizando
a nota obtida no ENEM.
Destacamos nesse processo a escolha do curso pelo estudante. No vestibular
tradicional, o estudante realizava o processo seletivo já tendo escolhido o curso em que
almejava ingressar, nesse novo método de ingresso, constituído pelo ENEM/SiSU, o
estudante realiza o processo seletivo e, somente após a obtenção da nota, decidirá em que
curso pretende concorrer com aquela nota, ressaltando que, durante a inscrição no sistema
SiSU, é informado periodicamente a nota de corte para cada curso e instituição, ou seja, o
sistema informa a nota do último candidato inscrito para aquele determinado curso a ser
considerado aprovado para matrícula. Em posse dessa informação, o estudante pode fazer
alterações de curso na inscrição do SiSU, em qualquer momento, até o fechamento do
sistema.
O SiSU foi criado com a intenção de possibilitar a concorrência das vagas em IES
que aderiram a esse modelo, evitando o que acontecia no vestibular tradicional, em que era
preciso que o estudante se submetesse a um processo de seleção diferente para cada IES onde
quisesse pleitear uma vaga, locomovendo-se para todas as cidades onde pretendesse prestar o
vestibular e pagando uma taxa de inscrição para cada processo de seleção que fosse participar.
O referido formato traria, segundo o discurso oficial, como possíveis benefícios a
democratização do acesso às universidades públicas e a mobilidade acadêmica.
À luz desses novos acontecimentos, essa pesquisa propôs a investigação ora
realizada, sob a hipótese de que o estudante acaba sendo influenciado na escolha de um
determinado curso de acordo com a nota obtida no ENEM, o que poderia não ser condizente
com seu desejo.
O estudo foi realizado na Universidade Federal de Mato Grosso. Registramos que
o primeiro processo de seleção para os estudantes dessa instituição aconteceu em 1972, em
que foi utilizado o “concurso vestibular”, conforme determinação da Reforma Universitária
de 1968. O sistema de ingresso na UFMT apenas foi alterado em 2010, quando a instituição
167
aderiu ao mecanismo de ingresso proposto pelo Governo Federal constituído pelo
ENEM/SiSU.
A presente pesquisa foi realizada com a turma de ingressantes de 2012/1, da
UFMT, CUS, em que foi aplicado um questionário com questões abertas e fechadas para os
estudantes responderem de acordo com as percepções de cada um sobre os fatores que
determinaram ou influenciaram na escolha pelo curso de enfermagem, mais especificamente
relacionados à escolha do curso utilizando-se do novo processo constituído pelo ENEM/SiSU.
A partir da análise dos dados, foi possível observar que os estudantes escolheram
ingressar na enfermagem por acreditarem ter uma aptidão pessoal (vocação) para trabalhar na
enfermagem; também foi observado que essa escolha fora influenciada por contatos com
profissionais da área, por vínculos de familiares e amigos, leitura e reportagens sobre a
enfermagem, e, ainda, pela nota obtida no ENEM ser equivalente à nota de corte da
enfermagem. O fato de a maioria ter definido a “vocação” como fator preponderante na
escolha do curso pode estar relacionado aos aspectos humanitários que caracterizam a
identidade do curso. Tal traço pode ter sido atraente na escolha do curso para o grupo
pesquisado, mesmo que não fosse exatamente enfermagem o curso desejado.
Observamos evidências de que a utilização do processo seletivo constituído pelo
ENEM/SiSU tem influenciado na escolha do curso superior, havendo certa “banalização”
nessa escolha, devido o foco do estudante indicar estar em ingressar no ensino superior
independente do curso.
Fato curioso surge nesse sistema de ingresso com a possibilidade de duas opções
de curso, uma em primeira opção e outra em segunda opção. Nesse processo, mesmo havendo
50% dos estudantes relatando que não desejavam ingressar no curso de enfermagem, 91,66%
realizaram a escolha desse curso como primeira opção, o que demonstra que, mesmo não
desejando ingressar na enfermagem, o fazem devido a alguma influência.
A influência do sistema de ingresso proposto pelo ENEM/SiSU na escolha do
curso de enfermagem pode ser observada na medida em que 75% dos pesquisados
responderam que a nota do ENEM influenciou parcial ou totalmente na escolha pelo curso de
ingresso, o que pode ser um indício de que a escolha esteve relacionada a outros fatores que
não ao desejo do estudante.
Verificamos também que 12,50% dos ingressantes de enfermagem relataram não
conhecer o curso até ingressarem, o que reafirma que a escolha esteve mais relacionada ao
fato de ingressar no ensino superior; esse dado também demonstra que a enfermagem ainda
precisa ser mais e melhor difundida dentro da sociedade.
168
A mesma porcentagem (12,50%) também foi apresentada por estudantes que
demonstraram grau de indecisão em permanecer e/ou concluir o curso de ingresso, podendo
desistir de tal curso para ingresso em outro ou mesmo evadir-se do ensino superior.
Por fim, outro fato observado foi que 54,16% dos estudantes do curso de
enfermagem relataram que pretendem realizar outro processo seletivo (vestibular,
ENEM/SiSU, entre outros) para ingresso em outros cursos; ingresso no mesmo curso
(enfermagem) em localidades mais próximas à família; ou apenas para testar conhecimento
como “treineiro”.
Em síntese...
Ao concluir o ensino médio, 41,66% dos pesquisados desejavam ingressar no curso de
enfermagem;
A metade dos pesquisados (50%) relatou que ingressou no curso de desejo;
91,66% escolheram a enfermagem como primeira opção no processo seletivo SiSU;
A maior motivação para a escolha do curso de enfermagem foi a “vocação”;
75% dos pesquisados relataram sofrer influência da nota obtida no ENEM para a
escolha do curso;
87,5% referiram o desejo de concluírem o curso de enfermagem;
E 54,16% relataram o desejo em realizar outro processo seletivo.
Em torno da metade dos pesquisados não ingressou no curso desejado e pretende
realizar outro processo seletivo. Mesmo assim, majoritariamente, foi escolhido esse curso
como primeira opção. Aparentemente, isso se deve à nota de corte obtida no SiSU, visto que a
maioria reconhece ter sido influenciado na escolha do curso, total ou parcialmente.
Outra questão refere-se à maioria dos estudantes aprovarem o atual mecanismo de
seleção, e, quando observadas as suas falas, evidenciamos que os mesmos desconhecem o
funcionamento do modelo SiSU, quando relataram que, com esse modelo, as chances de
ingresso no ensino superior são maiores, ou quando relataram que as Ações Afirmativas
fazem parte do sistema SiSU.
E a reflexão continua...
Portanto, com base nos dados, evidenciamos que o objetivo da pesquisa foi
respondido, demonstrando que o novo modelo de ingresso ao ensino superior da sinais de
influenciar o estudante na escolha do curso.
A criação de novos mecanismos de seleção surgiu com o objetivo de alterar a
lógica constituída pelo vestibular, por meio de novas fórmulas e técnicas de seleção. Contudo,
169
observamos que as mudanças se restringiram ao nome e à operacionalização, visto que o
sistema excludente de seleção continua o mesmo.
O fundamento parece ser o fato de que não há vagas para todos no nível superior,
sendo necessário criar mecanismos que realizem seleção para as vagas disponíveis. Esses
sistemas de seleção apenas serão democráticos quando toda população tiver acesso a uma
educação básica de boa qualidade, além de ser necessária a ampliação de vagas acadêmicas
nas IFES. Portanto, os sistemas de seleção para ingresso no ensino superior apenas
“camuflam” uma realidade, visto que o problema essencial está no fato que não se consegue
nitidamente visualizar: não há vagas acadêmicas para todos.
Os estudantes que participaram desta pesquisa conseguiram ingressar no ensino
superior, mas isso representaria seu “sucesso escolar”? O “sucesso escolar” vai além,
dependendo também de outras variáveis como a escolha do tipo de curso para o ingresso, as
condições de inserção, de sobrevivência no sistema de ensino, a permanência nesse nível de
ensino, entre outras questões que necessitam de maior investigação.
Considerando o conjunto de dados e reflexões realizadas, devemos pensar em
processos seletivos que contribuam efetivamente para a construção da educação pública e da
sociedade democrática, o que significa romper com os fundamentos que favorecem a
meritocracia e a seletividade social.
170
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Acesso em: 05 jan. 2013.
179
Apêndice 1- Questionários
UFMT - UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
PPGE – PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
IE – INSTITUTO DE EDUCAÇÃO
MESTRADO EM EDUCAÇÃO
Projeto de Pesquisa “A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE
SELEÇÃO UNIFICADA – SiSU: o caso do curso de Enfermagem da Universidade
Federal de Mato Grosso, Campus Universitário de Sinop.”
Prof. Esp. Cezar Augusto da Silva Flores
1) Informar o ano e semestre de ingresso no curso de enfermagem: ____________________________
2) Se ingressou pelo ENEM/SiSU, foi chamado em qual lista classificatória?_____________________
__________________________________________________________________________________
3) Quantas vezes você já prestou vestibular/processo seletivo ENEM/SiSU até ingressar no
curso de enfermagem?
(__) Uma vez (__) Duas vez (__) Três vezes (__) Mais de três vezes
4) Qual era o curso que você desejava ingressar quando terminou o Ensino Médio? ________
___________________________________________________________________________
5) Você conseguiu ingressar no curso em que desejava? (__) Sim (__) Não
6) No Processo seletivo ENEM/SiSU em que ingressou na UFMT, haviam duas opções de
cursos/ instituição para sua escolha, qual curso e instituição foram a sua PRIMEIRA opção?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
7) No Processo seletivo ENEM/SiSU em que ingressou na UFMT, haviam duas opções de
cursos/ instituição para sua escolha, qual curso e instituição foram a sua SEGUNDA opção?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
8) Você já atua ou atuou na área de enfermagem?
(__) Não (__) Sim, como:
(__) Técnica de enfermagem
(__) Auxiliar de enfermagem
(__) Atendente de enfermagem
9) O que te motivou a escolher o curso de enfermagem? Escolha até cinco opções, elencando
de 01 para maior motivação até 05 para menor motivação.
(__) Possibilidade de absorção no trabalho e possibilidade salarial
(__) Adequação às aptidões pessoais (vocação), cursar algo que gosta
(__) Nota obtida no ENEM ser equivalente à nota de corte de enfermagem
(__) Influência dos familiares e amigos
(__) Conversa com profissionais que atuam na área
(__) Leituras e reportagens sobre a profissão de enfermagem
180
(__) Orientação profissional
(__) Possibilidade de contribuir para a sociedade
(__) Proximidade da enfermagem com as demais profissões da área da saúde
(__) Baixa concorrência pela vaga
(__) Permitir conciliar aula e trabalho
10) A nota que você obteve no ENEM, te influenciou na escolha do curso de enfermagem?
(__) Influenciou totalmente
(__) Influenciou parcialmente
(__) Não influenciou
11) Você conhecia a atuação da enfermagem como profissão? (__) Sim (__) Não
12) Se a sua resposta anterior for “sim”, como você conheceu a enfermagem? _____________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
13) Quanto à sua escolha pelo curso de enfermagem, você se considera:
(__) Absolutamente decidido
(__) Muito decidido
(__) Decidido
(__) Indeciso
(__) Muito indeciso
14) No caso de ter respondido indeciso ou muito indeciso, o que contribuiu para sua
indecisão?
(__) Ter dúvidas quanto ás suas habilidades para a opção feita
(__) Ter dúvidas quanto ao seu real interesse pela área escolhida
(__) Ter dúvidas quanto às possibilidades de inserção no mercado de trabalho
(__) Falta de maior conhecimento sobre o curso
(__) Falta de maior conhecimento sobre a profissão escolhida
(__) Meu real interesse era ingressar no ensino superior, independente do curso.
15) Pretende fazer outro vestibular ou processo seletivo ENEM/SiSU?
(__) Não (__) Sim.
Por que?________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
Para que curso?___________________________________________________
16) Você aprova o modelo de escolha do curso proposto pelo ENEM/SiSU?
(__) Sim (__) Não (__) Em parte
Independente da resposta acima, explique por que:______________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
181
Apêndice 2 – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
UNIVERSIDADE FEDERAL DO MATO GROSSO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
Título do Projeto: A ESCOLHA DO CURSO SUPERIOR NO SISTEMA DE SELEÇÃO
UNIFICADA – SiSU: o caso do curso de enfermagem da Universidade Federal de Mato Grosso,
Campus Universitário de Sinop.
A pesquisa será desenvolvida pelo Programa de Pós-graduação em Educação – Mestrado em
Educação da Universidade Federal de Mato Grosso, sob responsabilidade do Prof. Cezar Augusto da
Silva Flores, orientado pela Profa. Dra. Maria das Graças Martins da Silva da Universidade Federal de
Mato Grosso, PPGE.
O interesse central é analisar o processo de ingresso acadêmico no curso de enfermagem da
Universidade Federal de Mato Grosso, Campus Universitário de Sinop, tendo como base o ano de
2012/1, ressaltando o processo de decisão dos estudantes pelo curso, em face da forma de seleção
proposta pelo sistema ENEM/SiSU.
Será garantida ausência de riscos para os pesquisados. É garantido aos participantes do estudo
acesso aos dados em qualquer período, durante sua elaboração.
Eu Cezar Augusto da Silva Flores, portador do RG.: 1282565-4 SSP/MT, e do CPF:
728.435.431-34, e-mail: [email protected] e telefone celular: (66) 9985-6906, garanto que
se requisitado, serão retirados os dados da pesquisa, sem prejuízo ao indivíduo. Os dados recolhidos
serão anônimos, e a participação sigilosa. O questionário será utilizado para coleta dos dados
relacionados à escolha do curso utilizando como forma de ingresso o Sistema de Seleção Unificada -
SiSU, no curso de enfermagem da UFMT, Campus de Sinop. O pesquisado não terá recompensas ou
gastos participando da pesquisa, e receberá uma cópia deste termo de consentimento, podendo contatar
o pesquisador para esclarecimentos.
Em caso de dúvida vocês poderão procurar o Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital
Universitário Júlio Müller - UFMT- pelo telefone (65) 3615- 8254, sob coordenação da Prof.ª Shirley
F. Pereira.
Assim, constituem como sujeitos da pesquisa, os acadêmicos do primeiro semestre do curso de
enfermagem de 2012/1, cuja assinatura conta em anexo, com as devidas identificações, estando ciente
de todos os pontos que lhes integram nesse processo, afirmando estar de acordo, e declarando que
entendeu os objetivos e benefícios da participação desta pesquisa, concordando em participar
voluntariamente.
Assinatura do pesquisador
Local e data: Sinop/MT, 05/10/2012.