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8/16/2019 A Escrita Diabolica de Jorge de Sena http://slidepdf.com/reader/full/a-escrita-diabolica-de-jorge-de-sena 1/147 Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro Marcelo Pacheco Soares  Espelhos deformantes: a escrita diabólica de Jorge de Sena em O Físico Prodigioso Rio de Janeiro 2007

A Escrita Diabolica de Jorge de Sena

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Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro

Marcelo Pacheco Soares

 Espelhos deformantes:

a escrita diabólica de Jorge de Sena em O Físico Prodigioso

Rio de Janeiro2007

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Marcelo Pacheco Soares

 Espelhos deformantes:a escrita diabólica de Jorge de Sena em O Físico Prodigioso

 

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa dePós-Graduação em Letras Vernácula (Literatura Portuguesa da

!aculdade de Letras da "ni#ersidade !ederal do $io de Janeiro%como parte dos re&uisitos necessários ' otenção do t)tulo deMestre em Letras*

+rientadora, Pro*a Dr*a .eresa /ristina /erdeira da Sil#a

$io de Janeiro0112

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  S+3$4S% Marcelo Pacheco*   Espelhos deformantes, a escrita diaólica de Jorge de Sena em O Físico Prodigioso 5 Marcelo Pacheco Soares* $io de Janeiro% 0112*

  678 ls*

  Dissertação (Mestrado em Literatura Portuguesa  "ni#ersidade !ederal do $io de Janeiro% !aculdade de Letras% 0112*

  +rientadora, .eresa /ristina /erdeira da Sil#a

  6* Literatura Portuguesa do s9culo ::* 0* Jorge de Sena* ;* 4spelhos*7* Diao <* $elaç=es interte>tuais

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Marcelo Pacheco Soares

 Espelhos deformantes: a escrita diabólica de Jorge de Sena em O Físico Prodigioso

$io de Janeiro% ;6 de agosto de 0112*

 ????????????????????????????????????????????????????????? !R!S" #R$S$%" #!R&!$R" &" S$L'"

Doutora em Literatura Portuguesa% "!$J% orientadora

 ????????????????????????????????????????????????????????? ($L&" &" #)%#!$*+) S"%)S

Doutora em Literatura Portuguesa% "!$J% a#aliadora

 ????????????????????????????????????????????????????????? (U$L,!RM! (UM"%

Doutor em Sa@de /oleti#a% "4$J% a#aliador 

 ????????????????????????????????????????????????????????? LU#$ R U"S P!R!$R"

Doutora em Literatura Portuguesa% "!$J% suplente interno

  ????????????????????????????????????????????????????????? !&S)% R )S" &" S$L'"

Doutor em Literatura !rancesa% "!$J% suplente e>terno

Dissertação deendida em ******** 51850112*

7

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4m memória da&ueles &ue in#oluntariamentese aastaram na reta inal deste percurso,

minha amada mãe Maria ABael

e meu a#C (e reerncia humana LEseu*

4m triuto '&uele &ue surgiu tam9m no decorrer do caminho

e me aasteceu do Clego necessário para completar o traFeto,

meu ilho 4duardo*

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+s dois anos e meio de traalho em &ue se construiu esta dissertação de Mestrado oram poss)#eis

graças a esorços &ue se encontram para al9m do seu autor* Por isso% agradeço,

• ao /P&% pelo incenti#o inanceiro &ue permitiu o tran&Hilo desen#ol#imento desta pes&uisaI

• ' pro#idencial sugestão da proessora Luci $uas% primeira a#aliadora deste traalho em disciplina

de Mestrado por ela ministrada% de &uem partiu a id9ia de araçar o tema como pes&uisa para a

otenção do t)tuloI

• ao apoio da proessora Gilda Santos% memória #i#a da cr)tica seniana% pelo #oluntarismo em%

sempre de muito om grado% nortear% esclarecer e ornecer #alioso material iliográicoI

• ' orientação rilhante% dialógica e democrática da amiga .eresa /erdeira% grande mestra &ue me

descoriu ainda na graduação e cuFo con#ite para Aniciação /ient)ica representou uma #iragem

actancial no roteiro do meu percurso acadmico% o marco inicial da traFetória &ue atinge agora este

momento decisi#oI

• aos amigos &ue% Fá desde a graduação% oram undamentais para &ue se alcançasse esta ase da

 Fornada, 3ngelo dos Santos% Lidiane .ha)s% Marcos !lorentino% Paulo Gomes e illiam +li#eiraI

• '&uelas &ue oram tam9m amigas% al9m de mestras% dentro e ora do espaço das salas de aula,

/láudia Márcia e /inda GondaI

• ' atenção% ao est)mulo e% soretudo% ao amor disponiiliBados desde sempre pelas minhas tias

.ania e /ristina e pela minha prima LuEdmilaI

• ' ormação humana herdada dos meus a#ós LEseu% mestre na arte de entalhar a madeira e rir

copiosamente da #ida% e /lair% cuFa ternura sempre me eB sentir @nicoI

• ao carinho e ' (suspeita admiração da minha coruFa irmã MarcelleI

• aos meus pais, ao meu pai Joa&uim% pela inaalá#el coniança em meu potencial% e ao apoio e 's

oraç=es da minha mãe ABael% &ue ineliBmente não # concretiBada esta etapa da minha história

mas estará sempre #i#a e presente em algum lugar dentro de mim &ue a ela eternamente pertenceráI

• e% de maneira especial% pela pacincia   soretudo nestes @ltimos ;1 meses  % pelo constante

incenti#o% pelo incondicional amor% pela preocupação altru)sta a mim dispensada há Fá &uase uma

d9cada e pelo presente maior &ue 9 o nosso ilho 4duardo    #ero &ue se eB carne para haitar

entre nós dois  % agradeço muito ao grande 3mor da minha #ida% .atiana*

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S$%)PS!:

+s espelhos de rele>o iel e de rele>o deformante* + espelho eas suas potencialidades alegóricas, representante dos processosmim9ticos próprios da Literatura% s)molo da a&uisição de

conhecimento  e ins)gnia do amor e do desejo* + cunhoundamentalmente diaólico das in#ers=es especulares e o diabono papel de metáora maior do aBer po9tico de Jorge de Sena*+s espelhos deformantes e as relaç=es de interte>tualidade*O Físico Prodigioso% de Jorge de Sena* +s espelhosdeformantes da no#ela seniana, rele>os semKnticos% espaciais%temporais% ideológicos e estruturais* 3s relaç=es interte>tuaisestaelecidas pelo te>to seniano, o mito cristológico e outrasnarrati#as da tradição religiosa ocidental e a inluncia da po9ticade Lu)s VaB de /am=es* + protagonista da no#ela e a suaa&uisição de conhecimento a respeito de si mesmo% do amor e do

desejo*

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SUM-R$)

$sto . um /re1cio$sto . um /re1cio / 33/ 33

$ $ntrodu45o ao estudo sobre os$ $ntrodu45o ao estudo sobre os espelhos / 36/ 36

33 "s leituras do33 "s leituras do espelhoespelho / 3

32 "s imagens do espelhoespelho / 26

323 !s/ecular / 27

322 #onsiderar / 89

328 $nverter / 98

38 )s espelhos deformantesespelhos deformantes / 8

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$$ O Físico ProdigiosoO Físico Prodigioso / 66

23 )s espelhosespelhos deformantesdeformantes da novela seniana / 67

233 !vid;ncias / 70

2333 ) romance meton<mico / 73

2332 "s categorias es/1cio=tem/orais / >3

2338 )s /ersonagens / >

2339 sanctus sutcnas2339 sanctus sutcnas / 8

22 $nterte?tos / 7

223 Mitos / 308

222 " /o.tica camoniana / 337

28 ) conhecimentoconhecimento do @ /elo desejodesejo / 329

$sto n5o . um /os1cio$sto n5o . um /os1cio  / 383/ 383

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***o diao percee tudo ao contrário%

e icara portanto a saer a #erdade*N

( Razão de o Pai Natal ter barbas brancas

Jorge de Sena

Já oi dito do espelho &ue ele 9 o

 próprio s)molo do simolismo*N

( Dicionário de ímbolos

Jean /he#alier e 3lain Gheerrant

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$S) A UM PR!F-#$)

Preaciar um te>to cr)tico &ue pretenda e>aminar a ora do escritor portugus Jorge de Sena

9 desde Fá correr um enorme risco* Por&ue esta tarea terá necessariamente como antasma as

 pe&uenas oras-primas &ue são os preácios senianos% de tal modo &ue o analista estreante% e>posto

a esta orçosa comparação% aandonado em inFusta desigualdade desde o in)cio do caminho% se #

ameaçado de não conseguir ultrapassar a necessária ronteira entre as letras urocráticas e a escrita

competente* 3liás% não apenas os preácios% &ue por sinal e>istem em menor &uantidade do &ue

outros espaços metalingH)sticos redigidos pelo autor% mas ainda os posácios e as notas e>plicati#as

representam% na sua #ariada produção intelectual% um gnero importante &ue at9 mereceria uma

 pes&uisa ' parte* /ontudo% não será este o caminho &ue #erticaliBaremos a&ui% at9 por&ue o próprio

Sena% na ota introdutória a uma dupla reediçãoN de  !ntigas e No"as !ndan#as do Demónio%

declara   e caerá a cada um a decisão de tomar tal alegação como #erdadeira ou duplamente

retórica   não deseFar produBir estes Oamosos preácios do autor% de &ue muita gente tem ou#ido

alar mais do &ue dos li#ros &ue eles antecedemN6%  postura &ue o moti#a a intitular um destes

 pórticos iniciais (em Peregrinatio ad $oca %nfecta de Asto não 9 um preácioN*

 ossa olhar se #olta% a&ui% para o estudo da narrati#a de O Físico Prodigioso% @nico traalho

seu &ue Jorge de Sena classiica como no#ela* .al rumo nos seduB em decorrncia de alguns

interesses &ue a) parecem conluir, a Literatura Portuguesa (em primeira instKncia% as narrati#as de6  S43% J* de (687% p* *

66

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cunho antástico do s9culo :: (especiicamente as pós-QaQianas% o enCmeno da

interte&t'alidade (do &ual tal#eB seFa imposs)#el escapar na análise de toda literatura produBida na

era moderna% a contar do $enascimento% mo#imento art)stico interte>tual por deinição% e%

inalmente% a igura mitológico-cristã do diabo  (signiicante &ue tam9m ganhou nos @ltimos

s9culos signiicados distintos dos de tempos anteriores   reunião aparentemente heteróclita &ue%

no entanto% Fá anteriormente nos encaminhou para a produção de um artigo% intitulado + Pastor de

o#elhas negrasN% sore o romance O E"angelho seg'ndo (es's )risto% de Jos9 Saramago0*

 o desen#ol#imento inicial deste nosso no#o ensaio% partimos de uma undamentação

sistematiBada de uma imagem de presença osessi#a na no#ela seniana, o espelho* Dele estudamos

as conse&Hncias semKnticas, sua ainidade alegórica com o conhecer   e com o desejar % com a

 $iterat'ra e com o dom)nio do demoníaco* .endo optado por estudar a amplitude semKntica do

espelho a partir da diagnose de sua recorrncia imag)stica em te>tos literários% começamos por

e#ocar outras oras &ue consideramos apropriadas a estes des)gnios% resguardando #oluntariamente

 para um segundo tempo a leitura da no#ela de Jorge de Sena*

3ntes de di#ulgar tal acer#o paralelo% 9 preciso diBer &ue esta t9cnica    a de partir da

composição art)stica para alcançar a teoriBação   não 9 prerrogati#a nossa* João !erreira Duarte%

 por e>emplo% em li#ro muito a propósito chamado O Espelho Diabólico% ilustra

como a teoria pode ser na  literatura antes de ser da literatura% ou (*** como a

narrati#a fig'ra a teoria antes de o discurso cient)ico a ter conceptualiBado* emse &uer diBer &ue a literatura precede a teoria% numa sucessão linear de prioridades#alorati#as% mas a &uestão do anterior e do posterior se inscre#e na lógicarele>i#a, parece-nos &ue uma história da teoria literária não poderia dei>ar de pri#ilegiar o momento em &ue a própria literatura (se representa a teoria*;

Para não nos atermos a apenas um e>emplo metodológico% podemos tam9m citar as

consideraç=es de 4rich 3uerach% analista &ue optou por procedimento similar na conecção do seu

estudo acerca da *imesis,

0

  S+3$4S% M* P* (011<% p* 01;-60*;  D"3$.4% J* !* (68% p* 67*

60

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&ue se repite com mas recuencia em los cuentos de RorgesN <%  ao &ue acrescenta em seguida,

.ami9n están representados en su ora el acto de la lectura E de la escritura% el conlicto E la

trascendencia de la autoria% E el lector% el narrador E el autor en el momento de la producciónNU

*

4sta caracter)stica le#aria ainda 4mir $odr)gueB Monegal a deinir o escritor argentino como o

criador de uma orma de linguagem% o conto &ue 9 tam9m um ensaioN 2*   4 #isto &ue esta

metalinguagem orgiana se consustancia em pedra undamental da aadia medi9#ica erigida em O

 Nome da Rosa% como nos a#enturamos a considerar e conorme pretendemos demonstrar mais '

rente% a própria menção ao romance de "merto 4co nos impediu de prosseguir sem citar o escritor

sul-americano* /orroora por im a nossa escolha o ato de amos os autores serem% al9m de

escritores% ensa)stas &ue discutiam Literatura (e desta #eB nos reerimos ao discurso produBido em

espaço genuinamente teórico com rara pertinncia% tal como ará% aliás% Jorge de Sena*

Sendo assim% se preerimos resguardar a leitura de O Físico Prodigioso para um momento

 posterior% nada nos impediu% contudo% de traBer ao espaço da teoria% al9m dos te>tos literários de

Rorges e 4co% os do próprio Jorge de Sena% mas% neste caso% reerindo-nos '&ueles escritos em

outros #olumes da sua #asta produção em prosa e em #erso &ue não osse ainal esta espec)ica

no#ela* 3liás% tal arti)cio de &ue lançamos mão% classiicado pelos hermeneutas como m,todo das

 passagens paralelas% &ue #em a ser a usca da compreensão de determinada peça literária em

unção de escritos outros do autor% estender-se-á igualmente ' análise a se consumar na segunda

 parte da dissertação% numa estrat9gia Fá con#encional no traalho dos e>egetas* 3ntoine/ompagnon airma aliás &ue procurar interseç=es nos discursos de um autor dentro de uma mesma

ora ou em &ual&uer outra escrita sua 9 o m9todo mais geral e menos contro#ertido% em suma% o

 procedimento essencial da pes&uisa e dos estudos literáriosN8* 4% em escritores como Jorge de Sena%

<  J"LA PW$4X% 3* (68U% p* 70* 

U  Adem*2

  $+D$YG"4X M+4G3L% 4* (681% p* 600*8  /+MP3G+% 3* (0116% p* U8*

67

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cuFa meticulosidade perpassa cada uma das etapas da criação literária% desde os aspectos puramente

semKnticos at9 a eleição #ocaular% certamente estaremos a usar uma metodologia ainda mais

rentá#el para a compreensão de sua po9tica*

Por im% as erramentas originalmente teóricas icaram% mormente% a cargo do estudo sore

 paródia empreendido por Linda Tutcheon% da Fá clássica #isão de Georges Rataille a propósito do

erotismo% al9m do citado traalho de "merto 4co a respeito dos espelhos* São tam9m dignos de

menção duas pes&uisas &ue aordam a história do diabo e a ormação do seu conceito na cultura

ocidental, uma delas ruto de análises de $oert Muchemled e a segunda realiBada por /arlos

$oerto !igueiredo ogueira* Da ri&ueBa ensa)stica &ue circunda as oras de Jorge de Sena%

ti#emos uma herança apreciá#el nas dissertaç=es e teses produBidas na !aculdade de Letras da

"!$J% reconhecido reduto de leitores senianos no Rrasil* 4ntre elas% destacamos a pes&uisa de

Doutorado de Gilda da /onceição Santos% -ma !l.'imia de Resson/ncias% &ue #ersa tam9m sore

O Físico Prodigioso* Agualmente nos oram de muita #alia os artigos escritos por doutorandos da

"ni#ersidade da /aliórnia% reunidos por Maria 3lBira Sei>o no #olume O )orpo e os ignos% todos

tam9m a estudar a no#ela de Sena*

6<

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resultados almeFados% conorme Fá icara maniesto no diálogo tra#ado no dia anterior entre

Guilherme e o mestre #idreiro local icola de Morimondo,

Por9m lá emai>oN% e apontou para o 4di)cio% os segredos da cincia estão em protegidos das oras da magia***NSimN% disse Guilherme ostentando indierença* Portas cerradas% proiiç=esse#eras% ameaças% imagino*N+h não% muito mais***N+ &ue por e>emploNRem% eu não sei com certeBa% eu me ocupo de #idros e não de li#ros% mas naaadia circulam histórias*** estranhas***NDe &ue gneroN4stranhas* Digamos% de um monge &ue ' noite &uis se a#enturar na ilioteca% para procurar alguma coisa &ue Mala&uias não &uisera lhe dar% e #iu serpentes%

homens sem caeça% e homens com duas caeças* Por pouco não sa)a louco dolairinto***N66

3pesar do sucesso alcançado at9 então por este estratagema% asta o reconhecimento%

eetuado por Guilherme% de &ue o diabo com o &ual 3dso se espanta nada mais 9 do &ue o próprio

seminarista reletido em um espelho deformante para &ue seFa des#elado o emuste% para &ue o

conlito o#iamente se desaça e o terror do rapaB seFa então sustitu)do pelo riso do seu mestre*

3 dial9tica em &ue aseia esta passagem da sua trama medie#al% "merto 4co a teoriBa no

ensaio Sore os espelhosN% no &ual o escritor italiano #eriica &ue% para usarmos em o espelho%

 precisamos% antes de mais nada%  saber .'e temos 'm espelho 0 nossa frenteN60I id9ia aprimorada

linhas ' rente% onde se acrescenta a peculiaridade deste oFeto no conte>to reerido, Se não

saemos nem &ue 9 espelho% nem &ue 9 deormante% então nos encontramos numa situação de

engano percepti#o normalN6;*  + c9lere e&u)#oco &ue condena arciso ' morte seria a identiicação

ar&uet)pica deste logro*

Por isso% estes leitores  #oraBes &ue os dois personagens representam desempenharão

 plenamente a sua unção de interpretantes após se conscientiBarem de &ue lidam com um espelhoI

66  4/+% "* (011;% p* 0-;*60

  4/+% "* (68% p* 62*6;  Adem% p* 02*

62

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ademais% um espelho deformante* Deste modo% Fá páginas mais tarde% Guilherme e 3dso

conseguirão emrenhar os mist9rios do finis !fricae% a sala secreta da ilioteca% para enim lerem o

li#ro &ue lhes era interdito,

/hegamos logo ' sala do espelho% desta #eB preparados para o Fogo deormante &uenos aguarda#a* 4rguemos as lamparinas e iluminamos os #ers)culos &ueencima#am a moldura% super thronos #iginti &uatuor*** !inalmente o segredo seesclarecera, a pala#ra &uatuor tem sete letras% era preciso tocar o . e o r *(******&uando oi empurrado para rente% o . eB ou#ir como &ue um estalo seco% e omesmo sucedeu &uando Guilherme mo#eu o r * 3 moldura inteira do espelho te#ecomo &ue um soressalto% e a super)cie #)trea pulou para trás* + espelho era uma porta% com os gonBos no lado es&uerdo* Guilherme eniou a mão na aertura &uese ormara entre a orda direita e a parede% e pu>ou em direção a si* Guilhermeinsinuou-se na aertura e eu escorreguei atrás dele% o lume alto sore a caeça*(******t)nhamos penetrado no inis 3ricae*67

$eparemos, não 9 para dentro do espelho &ue os protagonistas desliBamI não 9 como 3lice

&ue eles agem% a adentrar a super)cie reletora para conse&Hentemente aBer parte dela% #i#endo a

imagem #irtual como se osse realN6<% o &ue 4co mesmo deiniria como uma sit'a#ão al'cinatória*

4m uma cena cuFa reerncia imediata 9 Fustamente a circunstKncia-cha#e #i#ida pela personagem

das narrati#as inantis de Le[is /arroll% 3dso acompanha Guilherme para perscrutar o &ue

acontece% não no interior do rele>o% mas atrás do espelho% a im de in#estigar o &ue os seus eeitos

deformantes ocultam* 3&ui% o rade e o seu Fo#em aprendiB se re#elam mais do &ue tão somente

leitores ingnuos% como a própria 3lice a interagir com os mundos mara#ilhosos &ue ela cria#aI

Guilherme e 3dso representam% antes% o ato de ler  em sua orma mais cient)ica% pes&uisando com

apuro a estrutura do aBer literário% os astidores do saer% e não apenas Fulgando os resultados do

todo inal da composição art)stica*

4stá longe de ser ortuito &ue a penetração atra#9s da aertura antes ocupada pelo espelho

represente a dei>a &ue encaminha para o cap)tulo-cl)ma> da trama% em &ue os enigmas serão67\

  4/+% "* (011;% p* 770*6<  4/+% "* (68% p* ;6*

68

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des#endados* 3liás% a esta altura% rei Guilherme% em con#ersa com 3dso% Fá ti#era a oportunidade

de reerir uma poss)#el apro>imação de ordem metodológica entre o ato de ler  e a ação de e>aminar

 pistas inerente ao traalho do deteti#e% conorme aiançara na importante sentença, +s li#ros não

são eitos para acreditarmos neles% mas para serem sumetidos a in#estigaç=es*N6U  4 seria

desnecessário colocar &ue o nosso traalho 9 mo#ido precisamente por esta curiosidade

in#estigati#a*

33 "S L!$UR"S &)  ESPELHO

3 sucinta proposta interpretati#a &ue le#antamos para o romance O Nome da Rosa se torna

uncional na medida em &ue% em #irtude da natureBa do seu comportamento e ainda da sua

utiliBação mais haitual de reletir o oFeto% os espelhos podem ter semelhança com uma leitura rasa

do próprio sentido da $iterat'ra em seu atriuto mim9tico (ao menos segundo um conceito tam9m

raso e primário a respeito do termo mímesis*

4m outras pala#ras% pensemos, a rele>ão da realidade promo#ida pela imagem do espelho%

ou    para alcançarmos uma deinição isicamente mais e>ata a respeito do enCmeno especular

   a reprodução do espaço captado #isualmente e a sua conse&Hente duplicação em o'tro similar

espaço #irtual% não se poderia apro>imar da rele>ão sobre a realidade e da reconstrução do mundo

emp)rico promo#idos pela Literatura +u ainda, a interpretação da realidade atra#9s da

representação literária ou OimitaçãoN62    conorme a conceituação &ue 4rich 3uerach recuperará

 para o #ocáulo mímesis    e o &ue o espelho produBiria não seriam amos% em primeir)ssima

instKncia% uma imita#ão  da realidade Lu)s /osta Lima% &ue Fulga de#eras estreita a deinição

6U

  4/+% "* (011;% p* ;1U*62  3"4$R3/T% 4* (0116% p* 7*

6

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 proclamada por 3uerach% deenderá% por sua #eB% &ue o produto mim9tico 9 um microcosmo

interpretati#o de uma situação humanaN68% recorte &ue nós podemos relacionar ' própria delimitação

imposta pela moldura do espelho* + teórico ainda acrescenta &ue o imp'lso básico da mímesis 9

e>perimentar-se como um outro para saer-se% nesta alteridade% a si mesmoN 6    e não 9 mais ou

menos assim &ue agimos diante do espelho% uscando sore nós o ponto de #ista &ue seria pri#il9gio

dos demais

3l9m do mais% a teoria &ue /osta Lima alça para tratar do enCmeno da mímesis

decididamente não necessitará da sutileBa de nossas tergi#ersaç=es para em uma ou outra

oportunidade distinguir a presum)#el analogia entre o espelho  e as oras literárias* 4m

determinadas ocasi=es do seu discurso% deparar-nos-emos com esta mesma apro>imação semKntica

estaelecida de modo mais direto% o &ue a princ)pio corroorará a argumentação a&ui e>posta* Por

e>emplo% ao ponderar sore o poema de St9phane Mallarm9 Soneto em E>N01% em cuFo terceto inal

encontramos um espelho% o cr)tico airmará &ue o espelho 9 a igura leiga por e>celncia da

mímesisN06* Vale tam9m citar &ue% em leitura da mesma composição% o poeta e ensa)sta me>icano

+cta#io PaB% em análise concordante% reconhecerá ali o espelho con#ertido em páginaN00*

Versando sore outro escritor    Jorge Lu)s Rorges  % /osta Lima acrescentará ainda &ue ao

li#ro% en&uanto ase material da e>perincia orgiana% corresponde uma imagem central% o

68  LAM3% L* /* (011;% p* 7<*6

  Adem% p* 2*01  Ses purs ongles tr]s haut d9diant leur onE>% 5 L3ngoisse% ce minuit% soutient% lampadophore% 5 Maint r#e#esp9ral r^l9 par le Ph9ni> 5 _ue ne recueille pas de cin9raire amphore 55 Sur ls cr9dences% au salon #ide, nul StE> 53oli ielot dinanit9 sonore% 5 (/ar le Ma`tre est all9 puiser des pleurs au StE> 5 3#ec ce Seul oFet dont le 9antshonore* 55 Mais proche la crois9e au nord #acante% un or 5 3gonise selon peut-tre le d9cor 5 Des licornes ruant du eucontre une ni>e% 55 4lle% d9unte nue en le miroir% encor 5 _ue% dans louli erm9 par le cadre% se i>e 5 De scintillationssitCt le septuor*N Segue tradução de D9cio Pignatari e 3ugusto e Taroldo de /ampos, Puras unhas no alto ardedicando seus Cni>% 5 3 3ng@stia% sol nadir% sust9m% lampadiária% 5 .ais sonhos #esperais &ueimados pela !ni> 5 _uenão recolhe% ao im% de Knora cin9ria 55 Sore aras% no salão #aBio, nenhum ptE>% 5 !alido ielC de inanição sonora 5(_ue o Mestre oi haurir outros prantos no StE> 5 /om esse @nico ser de &ue o ada se honora* 55 Mas Funto ' gelosia%ao norte da #aga% um ouro 5 3goniBa tal#eB segundo o adorno% a)sca 5 De licornes% coices de ogo ante o tesouro% 55 4la%deunta nua num espelho emora% 5 _ue no ol#ido caal do retKngulo i>a 5 De outras cintilaç=es o s9ptuor semdemora*N M3LL3$MW% S* (66% p* <6-0*06

  LAM3% L* /* (011;% p* 60*00  P3X% +* (620% p* 6;*

01

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espelhoN0;% uma #eB &ue% em sua super)cie #)trea% podemos oser#ar a duplicação de uma

identidade por meio de uma OicçãoN07*  Do mesmo modo% sore a presença do espelho na ora do

autor argentino% o semiótico russo uriF A* Le#in lemra &ue la presentaBione degli a##enimenti in

modo rilesso nella perceBione e nel discorso altrui (o in un documento scritto ittiBio sai uno dei

ondamentali procedimenti narrati#i di RorgesN0<%   homologias decisi#amente importantes não

apenas por autenticarem a representati#idade a&ui sugerida para o espelho a propósito da escrita

iccional% mas tam9m% e principalmente% por&ue o autor de Fic#+es será sempre guia para muitos

caminhos poss)#eis no Kmito da análise literária% em especial este &ue então percorremos*

+ra% a Fustaposição entre os rutos das aç=es do espelho e da $iterat'ra    a consignação do%

 por assim diBer% aspecto mim9tico &ue o espelho #iria a conter   nem mesmo 9 metáora in9dita

(traB-la para este espaço não passa de uma engenhosa id,ia% como ironicamente a classiicaria o

Rrás /uas de Machado de 3ssis, isto por&ue não oi originalmente desenhada por 4co ou /osta

Lima ou +cta#io PaB% por Rorges ou Mallarm9% e% e#identemente% tampouco por nós* 3lerto

Manguel relemra% por e>emplo% &ue as imagens espelhadas eram% para Platão% Ocriaç=es alsas%

 pois o rele>o num espelho não tem realidade tang)#elN0U* Manguel aB alusão e>pl)cita ao Li#ro

:N de ! Rep1blica% no &ual o personagem Sócrates sustenta o seguinte diálogo com seu aprendiB

Glauco,

   (*** se &uiseres pegar num espelho e andar com ele por todo lado* 4m re#ecriarás o sol e os astros do c9u% em re#e a terra% em re#e a ti mesmo e aos demais

seres animados% os utens)lios% as plantas e tudo &uanto há pouco se reeriu*   Sim% mas são oFetos aparentes% despro#idos de e>istncia real*   3tingiste pereitamente o ponto &ue eu precisa#a para o meu argumento*02

.al arg'mento ser#irá para% a partir da analogia entre esta propriedade dos espelhos e as

conse&Hncias atriu)das ao aBer po9tico% Fustiicar a e>pulsão dos poetas da cidade, a $iterat'ra%0;  LAM3% L* /* (011;% p* 07U*07  Adem% p* 0<*0<  L4VA% J* A* (62% p* 08*0U

  M3G"4L% 3* (0116% p* 680*02  PL3.b+ (011U% p* 07*

06

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tal &ual o espelho% não 9 o mundo real% apenas o representaria ou o duplicaria% e este aspecto

mim9tico (peForati#amente also% para Platão entra em conlito com o idealismo &ue rege a sua

ilosoia na usca pela aletheia% a #erdade* este sentido% o poeta conseguiria% atra#9s da sua arte% o

mesmo &ue alcançaria lançando mão de um espelho, imitar todas as artesI no entanto% sem

entender delas mais do &ue saer imitá-lasN08% como alegaria o Sócrates platCnico* Dirá ainda o

ilósoo,

Portanto% temos raBão em nos atirarmos a ele \o poeta imitador desde Fá% e em ocolocar em simetria com o pintor* De ato% parece-se com ele no &ue toca a aBer o

traalho de pouca monta em relação ' #erdade (**** 4 assim teremos desde Fá raBão para não o receermos numa cidade &ue #ai ser em go#ernada*** 0

Mais do &ue le#antar a eterna polmica do lugar do poeta na polis% &ueremos com isso tão

somente apontar ainal &ue% a despeito de não conseguirmos remontar o instante genes)aco da

ainidade conceitual entre espelho e  $iterat'ra% 9 certo &ue% Fá na Gr9cia antiga de &uatro s9culos

antes de /risto% Platão a ha#ia insinuado ao reconhecer (e condenar simultaneamente em tal oFeto

e na arte da poesia o caráter mim9tico (e aastado trs #eBes da aletheia de reprodução (e não mais

do &ue isso da realidade* + &ue importa a&ui #eriicar 9 na #erdade a recorrncia de uma relação

de similitude actancial% o &ue Fustiicaria insistir no modo como o espelho poderia uncionar (nos

termos a&ui discutidos e caso neles pretendssemos estacionar como alegoria  dos processos

inerentes ao aBer literário*

.oda#ia% não poder)amos negar a ragilidade de uma simplória translação de signiicados

como esta e o próprio /osta Lima argumentará com clareBa,

De ato% entretanto% &ue se entende por mímesis (*** S9culos de tradiçãodeormante le#am-nos comumente a identiicá-la com uma prolemática especular%tendncia sore a &ual modernamente pesa a importKncia assumida% no s9culo :A:% pela categoria do rele>oN* /ontudo o e>ame dos te>tos em &ue surge a pala#rae5ou seus associados% em emprego mesmo não conceitual% nos mostra &ue

08

  Adem% p* 0*0  Adem% p* ;17*

00

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 ossa posição 9 ainda apoiada pela própria teoria de "merto 4co% &ue% no ensaio reerido%

deenderá Fustamente a tese de &ue os espelhos não são enCmenos semióticos (em clara resposta ao

mo#imento in#estigati#o da semiologia mais recente &ue pes&uisa lo specchio come potenBiale

oggetto semioticoN;<% o &ue conduBiu uriF M* Lotman a classiicá-lo una macchina semioticaN;U%

e>ceto &uando se tratam de espelhos deformantes% a respeito dos &uais o autor de O Nome da Rosa

aiança, 3s imagens especulares não são signos e os signos não são imagens especulares* 4 ainda

assim podem e>istir casos em &ue os espelhos são usados de tal maneira &ue produBem processos

dein)#eis como semiósicos*N;2

3inda seria poss)#el corroorar a nossa deesa com a oportuna deinição &ue Linda

Tutcheon reser#a para a icção chamada pós-moderna,

 ! fic#ão não reflete a realidade% nem a reproduB* ão pode aB-lo* ametaicção historiográica não há nenh'ma pretensão de mimese simplista* 4m#eB disso% a icção 9 apresentada como mais um entre os discursos pelos &uaiselaoramos nossas "ers+es da realidade% e tanto a elaoração como a suanecessidade são o &ue se enatiBa no romance pós-modernista*;8

(Grios nossosSendo assim% não receamos incidir em erro ao deender a seguinte tese, &uando Guilherme e

3dso ultrapassam o espelho deformante e descorem &uais li#ros há por trás das imagens reletidas%

mais do &ue se concentrarem nas iguras &ue se oerecem ' interpretação% estão em #erdade

des#endando a&uilo &ue está escrito para al9m delas% para al9m portanto dos eeitos supericiais

causados no leitor por um te>to literárioI arem mão% destarte% de serem apenas e>pectadores

seduBidos (ou assomrados pelas imagens reproduBidas na super)cie #)trea para ainal

empreenderem uma in#estigação intr)nseca a uma leitura &ue podemos &ualiicar como

 profissional % como acad2mica% uma leitura &ue não se at9m 's impress=es marcadas pela poesia

(emora% 9 claro% de maneira alguma as descarte e se in&uieta tam9m% e especialmente% por

;<  .)tulo de artigo de uriF A* Le#in acerca da mat9ria*;U  L+.M3% J* M* (62% p* 72*;2

  4/+% "* (68% p* 0U*;8  T"./T4+% L* (66% p* U7*

07

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conhecer e descre#er a sua composição% o seu comportamento   a sua po,tica% portanto* 3liás%

diBer &ue por trás do espelho deformante do 4di)cio da aadia estes dois leitores sumeterão a

 po,tica  e a mímesis a uma in#estigação são propostas &ue ainda mais se solidiicam &uando

lemramos &ue o li#ro então encontrado será Fustamente o historicamente desaparecido .omo AA da

 Po,tica  de 3ristóteles% ora na &ual se diundem e>atamente conceituaç=es sore mecanismos

mim9ticos% neste caso% especiicamente no tocante ' com,dia*

+ra% a teoria &ue traçamos ao ormaliBar a proposta de leitura da no#ela  O Físico

 Prodigioso% do escritor portugus Jorge de Sena% se undamenta precisamente% e temos a audácia de

a) en>ergar a sua condição  sine .'a non% na presença constante na narrati#a de espelhos

deformantes    seFa nas super)cies reletoras &ue surgem isicamente em cena% seFa na organiBação

da camada estrutural da narrati#a% seFa na natureBa das suas ainidades interte>tuais* Portanto% para

lermos esta ora profissionalmente% academicamente% criticamente% tam9m nós% como Guilherme

de RasQer#ille e 3dso de MelQ% de#emos estar  preparados para o jogo deformante .'e nos

ag'arda% a im de &ue não nos encontremos n'ma sit'a#ão de engano percepti"o% conorme 4co

descre#eu*

4sta primeira parte de nossa leitura% de ase teórica% tenciona predispor-nos de orma

ade&uada para o encontro% &ue se dará em um segundo momento% com os espelhos deformantes de

O Físico Prodigioso*

32 "S $M"(!%S &)  ESPELHO

3 aculdade de reproduBir #irtualmente toda e &ual&uer imagem (a&ui literalmente alando

admite &ue o espelho atraia para si as mais di#ersas imagens (Fá agora em termos metaóricos e

0<

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 permite a este arteato assumir-se )cone de #asta sorte de alegorias% resultantes de &uem nele se

relita% da ace &ue surgirá na super)cie de #idro* 3ssim% o espelho será o s)molo da pureBa para

muitos po#os como os chineses% em outras sociedades tais &ual a nipCnica terá ligação prounda

com a esera do sagrado e a inteligncia di#ina% representará re&Hentemente ora o sol ora a lua%

reletirá a #erdade para os tao)stas% a ilusão para Platão e os udistas% a essncia do uni#erso para os

suistas% o casamento para os persas e os aegãos e os pa&uistaneses% en&uanto Jorge Lu)s Rorges

não dei>ará escapar esta capacidade reprodutora do espelho ao apro>imá-lo do ato de copular e da

 procriação humana*  (á foi dito do espelho .'e ele , o próprio símbolo do simbolismo3;

 o &ue concerne ' leitura &ue empreenderemos sore a no#ela O Físico Prodigioso%

algumas destas simologias parecem ser undamentais e de#erão representar pontos de partida para

a compreensão da ora escrita por Jorge de Sena* Discutiremos a seguir as caracter)sticas &ue

 Fulgamos mais pertinentes ' nossa proposta interpretati#a, o espelho  en&uanto emlema do

conhecimento  e do desejo  e% at9 de certa maneira em conse&Hncia destas duas cognaç=es

semKnticas% tam9m elemento e#ocati#o de um dos principais personagens não apenas da narrati#a

em análise mas da própria po9tica seniana, o dem4nio*

323 !SP!#UL"R 

3 analogia entre o espelho  e o conhecimento  9 astante diundida e não por acaso

traalhamos antecipadamente com as possiilidades de apro>imação entre esta peça e a  $iterat'ra%

cuFo produto )sico% o li"ro% patenteia-se como o s)molo mais lugar-comum do saber * Por9m% esta

relação não se limita a uma reminiscncia apontada tão somente pelo uso literárioI a etimologia de

;  /T4V3LA4$% J*I GT44$R$3.% 3* (6% p* ;U*

0U

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amos os #eretes proporcionará a consecuti#a intercessão dos campos semKnticos% conorme

esclarecem Jean /he#alier e 3lain Gheerrant,

Speculum (espelho deu nome ' espec'la#ão, originalmente% especular eraoser#ar o c9u e os mo#imentos relati#os das estrelas% com o au>)lio de umespelho* id's  (estrela deu igualmente considera#ão% o &ue signiicaetimologicamente olhar o conFunto das estrelas* (*** \+ espelho 9 pois o suportede um s)molo e>tremamente rico dentro da ordem do conhecimento*71

+ra% espec'la#ão e considera#ão são dois termos &ue e#oluem% &ue transitam acilmente de

uma acepção )sica (olhar o c,' e olhar as estrelas para outra mais especiicamente ligada ' ordem

do conhecimento e do saber % de &ue o li"ro parece ser a meton)mia pereita* 4 a amiliaridade entre

o oFeto e o conceito se sustenta ainda por uma outra e#idncia, conorme nos lemra 3lerto

Manguel% os espelhos tm numerosos usos para o estudiosoN76* Podemos mesmo conFeturar &ue

será este o ator determinante a lhe conerir% por uma reerncia meton)mica em &ue o especialista 9

tomado pelo seu instrumento de traalho% atmosera de saedoria   alusão &ue% aliada ' hipótese

ad#inda da ponderação emp)rica de &ue o espelho  (apesar dos citados protestos de Platão relita

sempre a #erdade sore tudo a&uilo &ue se passa no uni#erso% le#ará a criaç=es como as do espelho

mágico% uma das mais antigas ormas de adi#inhaçãoN70% &ue terá a sua diusão na literatura

islKmica e nos contos de ada% em &ue o oFeto-personagem se e>iirá como conhecedor de todos os

assuntos% capaB de proerir respostas para as mais astrusas e antásticas indagaç=es sore o

 passado% o presente e o uturo*

3 estas e#idncias% Manguel ainda acrescenta,

+ espelho como um instrumento )sico para o autoconhecimento era uma presençacomum no gainete do erudito renascentista* o in)cio da Adade M9dia% osespelhos ha#iam ad&uirido a conotação de enciclop9dias, como podiam reletir

71  /T4V3LA4$% J*I GT44$R$3.% 3* (6% p* ;7*76

  M3G"4L% 3* (0116% p* 6;*70  /T4V3LA4$% J*I GT44$R$3.% 3* (6% p*;<*

02

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tudo (e realmente o aBiam% tornaram-se uma metáora ade&uada para uma reuniãode conhecimentos &ue aspira#a a ser uni#ersal*7;

4ntão% o espelho% na #erdade% representa menos o conhecimento propriamente dito do &ue o

caminho a ser #encido at9 &ue ele seFa alcançadoI o espelho 9 um canal% como lemra "merto 4co

do ponto de #ista )sico* Por isso% /he#alier e Gheerrant enatiBam &ue a espec'la#ão não 9

senão um conhecimento indiretoN77*

+ra% essa canaliBação% ao mesmo tempo em &ue apro>ima o homem do conhecimento% o

mant9m% digamos% a uma distKncia lim)troe% id9ia em conormidade com o ragmento )lico da %

)arta aos )oríntios% te>to &ue data de meados do primeiro s9culo da era moderna e no &ual se

demonstra &ue conhecer  indiretamente atra#9s de super)cies reletoras 9% na realidade% aB-lo sem

o alcance de um todo imediato da mat9ria em análise,

ToFe #emos como por um espelho% conusamenteI mas então #eremos ace a ace*ToFe conheço em parteI mas então conhecerei totalmente% como eu souconhecido*7<

$eparemos &ue conhecer totalmente  9 uma proeBa humana proFetada para um uturo

utópico% presentemente poss)#el apenas na #ia contrária pela entidade superior &ue 9 De's* este

tempo presente% &uando o ser humano não estaria ainda preparado para delimitar e compreender a

comple>idade do inteiro e% por e>tensão% para lidar com a sua grandeBa% o espelho poderia ser#ir

então como proteção% o &ue nos remete ainda ao mito de Medusa% ainal% 9 Fustamente a super)cie

espelhada do esc'do a&uilo &ue permite ao herói Perseu derrotar a criatura cuFo olhar transorma as

#)timas em pedra* _uanto a esta reerncia mitológica% Atalo /al#ino airmará &ue Perseu dirige o

olhar para a&uilo &ue só pode se re#elar por uma #isão indireta% por uma imagem capturada no

espelhoN7U% o &ue% a propósito% induBiu o autor de )idades %n"isí"eis a encontrar nesse mito uma

7;  M3G"4L% 3* (0116% p* 6;*77  /T4V3LA4$% J*I GT44$R$3.% 3* (6% p*;<*7<

  A /+$ 6;% 60*7U  /3LVA+% A* (61% p* 6U*

08

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alegoria da relação do poeta com o mundo% uma lição do processo de continuar escre#endoN 72%

argumento &ue reorça a apro>imação a&ui deendida anteriormente entre o espelho  e a mímesis

ad#inda da ação da arte literária*

+ conceito de &ue tal#eB a humanidade não re@na competncias cognosciti#as suicientes

 para uma apreensão totalizadora dos aspectos &ue ultrapassam a sua e>istncia imediata nos lemra

ainda 5667 8 -ma Odiss,ia no Espa#o% pel)cula dirigida por StanleE uricQ com roteiro assinado

 por ele e 3rthur /* /larQ* $eerimo-nos% mais particularmente% ' tomada inal% &ue e>ie a chegada

do astronauta a J@piter (e o seu conse&Hente encontro com a inteligncia superior &ue conduBira a

e#olução da #ida humana na .erra desde o momento &ue a narrati#a mesma nomeou como 3

aurora do homemN% e cuFa se&Hncia insólita% ou (para recuperar as pala#ras )licas "ista

conf'samente% representa a incapacidade do ser humano para entender esta inteligncia &ue o

suplanta sempre% ornecendo ao espectador contemporKneo a mesma perple>idade de &ue

certamente seriam acometidos os macacos da passagem inicial do ilme se pudessem assistir ao seu

desen#ol#imento (do ilme e% 9 claro% dos próprios macacos*

3 citação do longa-metragem está longe de ser ortuita, caracter)sticas semelhantes são

oser#adas na odiss9ia seniana de *etamorfoses% ora &ue% segundo ReatriB de Mendonça Lima%

representa uma coletKnea &ue pode ser lida como uma história po9tica da e#olução da humanidade

   em &ue as imagens se sucedem em um mo#imento ascensionalN78, da gaBela pr9-histórica &ue%

mesmo possuindo apenas trs patas% precariamente se mant9m de p9% at9 o sat9lite russo SputniQ%

&ue com acilidade soe rumo ao ininito do espaço sideral* + mesmo% aliás% se pode diBer da

odiss,ia QuricQiana% em &ue o desen#ol#imento do homem 9 metaoriBado pelo monolito &ue

surge de p9 no solo% pela postura )pede &ue o homem adota a partir de então% pelo osso &ue o

macaco humanóide arremessa para o c9u% pela chegada do homem ' lua e pela #iagem a J@piter%

72

  Adem*78  LAM3% R* de M* (6U% p* 77*

0

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todos e#entos &ue conotam ascensão% al9m do ato de a composição Lu> 3eternaN de GirgE

Ligeti% &ue aB parte da sua trilha sonora% se caracteriBar por um gradati#o e e#idente crescimento

das notas na escala musical no decorrer de sua e>ecução*

 as  *etamorfoses  de Sena% após o poema sore o SputniQ 3 Morte% o 4spaço% a

4ternidadeN% elemento-cha#e &ue precipita o uturo (como o monolito negro no longa de uricQ%

seguem-se os _uatro Sonetos a 3rodite 3nadiómenaN% cuFo l9>ico inapreens)#el (estrutura #eral

&ue gera conse&Hncias interpretati#as semelhantes ' da conFunção de imagens despro#idas de

causalidade entre si na citada cena inal do ilme representa poderoso ostáculo para &ue o leitor

alcance com comodidade a união de signiicantes e de signiicados &ue produBiriam o sentido dos

seus #ersos% em uma linguagem-enigma criada a im de &ue% conorme nos e>plica o próprio autor%

as pala#ras dei>em de signiicar semanticamente% para representarem um comple>o de imagens

suscitadas ' conscincia liminar pelas associaç=es sonoras &ue as comp=emN7*

_uanto ' constituição destes poemas% Sena ainda esclarece,

4u não &uero ampliar a linguagem corrente da poesiaI &uero destru)-la comosigniicação% retirando-lhe o caráter m)tico-semKntico% &ue 9 transerido para asoreposição de imagens (no sentido ps)&uico e não estil)stico% compondo umsentido gloal% em &ue o gesto imaginado #alha mais &ue a sua mesmadesignação*<1

3 dessemantiBação proposta por Sena reporta o ser humano ' origem da sua própria

linguagem (assim como a cena inal do ilme de StanleE uricQ traça% conorme uscamos

demonstrar% um paralelo com 3 aurora do homemN% tempo em &ue alcançamos o &ue a narrati#a

apresenta como o marco undador da humanidade* + &ue chamar)amos então espec'la#ão do

 f't'ro apresenta a amigHidade &ue deendemos at9 a&ui para o #ero espec'lar % por&ue% ao mesmo

tempo em &ue signiica pensar sobre este tempo ad#eniente% traduB-se tam9m por discernir  neste

7

  S43% J* de (628% p* 6U7*<1  S43% J* de (628% p* 6U7-<*

;1

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mesmo uturo o rele>o do passado% como se o presente pudesse ser descrito en&uanto uma

super)cie espelhada% a Fustapor os dois tempos e a proFetar em dupla #ia o entendimento de um a

 partir do outro*

+s eeitos desta ace enigmática da po9tica de Jorge de Sena% 3na Maria Gottardi os deiniu

como estr't'ra#ão do "azio ao analisar os _uatro Sonetos a 3rodite 3nadiómenaN e mais trs

 peças regidas por dial9tica semelhante encontradas em outros espaços da ora do autor (para ser

mais preciso% duas compostas no Rrasil e uma nos 4stados "nidos no decorrer de sua  Peregrinatio

ad $oca %nfecta* Gottardi sugere &ue a interpretação destes poemas seFa poss)#el% emora o

resultado não se constitua necessariamente em uma tradução simpliicadora de um suposto

signiicado* 4m sua proposta de leitura% a pes&uisadora le#a em conta a orma padrão em soneto

neles #eriicá#el% a organiBação regular das rimas e a possiilidade de identiicação da sua sinta>e%

caracter)sticas &ue a conduBem ' conclusão de &ue neles a construção sintática coerente ser#indo

de arcaouço ao #aBio semKntico aB-nos pensar numa estrutura geom9trica &ue represente o

controle má>imo da linguagem por meio de uma ati#idade intelectualN<6% o &ue corroora a nossa

decisão de posicionar &uatro destes poemas (os &ue ser#em de ep)logo a *etamorfoses em paralelo

' discussão sore a categoria do conhecimento &ue desen#ol#emos*

Sena mesmo% no entanto% mostrará o engodo desta linguagem supostamente despro"ida por

inteiro de significado% ao re#elar &ue alguns dos seus neologismos na #erdade não poderiam ser

assim classiicados por&ue no @ltimo soneto \3mátia% a maior parte das pala#ras \e o autor sereere a&ui aos #ocáulos cuFos signiicados o leitor pro#a#elmente desconhece não 9 in#entada%

mas \constituem os ep)tetos gregos de 3roditeN<0*  Parece-nos &ue% aBendo o leitor (representante

meton)mico da humanidade pensar &ue desconhece um l9>ico do &ual tão apenas se es&ueceu% o

 poeta sanciona &ue a usca da compreensão do uturo está de ato no rele>o deste tempo (&ue 9

<6

  G+..3$DA% 3* M* (0110% p* 671*<0  S43% J* de (628% p* 6U<*

;6

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 pret9rito e ainda mais &ue% tal#eB at9 por isso% este conhecimento supostamente proFetado para o

uturo 9 pass)#el de entendimento no presente% pois &ue Fá temos o material necessário% herdado do

 passado% para a satisatória realiBação desta tarea* Perceemos assim uma otimista aposta nas

aculdades intelectuais do homem% predicado &ue contraditoriamente o homem aparenta ignorar*

4#idencia-se a&ui o primeiro ind)cio de &ue a ora de Jorge de Sena acima de tudo cr no homem%

coniança humanista &ue representará uma das molas propulsoras de O Físico Prodigioso*

W então raBoá#el &ue o ser humano seFa enim capaB de produBir sore o mundo ao seu redor

um certo conhecimento    senão totaliBante% ao menos largo e arangente% algo pró>imo ao sentido

 global  a &ue se reere Sena  % mas a construção deste momento% &ue o discurso )lico trata#a

como utópico% em &ue se goBará do chamado conhecimento face a face% não se pode dar a não ser

 por uma con&uista gradati#a do saer &ue inalmente se de#e iniciar no presente% o &ue em

contrapartida demanda tempo e muitas espec'la#+es* 4stas ponderaç=es nos le#am a perceer &ue

o conhecimento otido atra#9s do canal9espelho conigura um resultado con&uistado por etapas% em

 partes  &ue poderão mais ' rente #ir a compor uma #isão  face a face* 4m outras pala#ras% o

espelho representaria na #erdade um processo gradual de aprendiBagem*

3 ora O Físico Prodigioso e>porá Fustamente a ação pedagógica a &ue o personagem-t)tulo

será sumetido no transcurso da no#ela% ação ministrada pela atuação do eminino (a) representado

especialmente pela personagem de Dona "rraca% mas tam9m pelos os seus desdoramentos

especulares &ue são as donBelas* Sopesando o )sico da segunda etapa da narrati#a% após a

e>perincia do amor em maniestação intensa% não será di)cil perceer a prounda dierença &ue o

 protagonista e>iirá em relação ao ca#aleiro andante &ue 9 apresentado ao leitor logo nas cenas

iniciais* 4sta conclusão% por si só% elucida por &ue o espelho  unciona como signo norteador da

no#ela seniana% tanto em unção de sua implicação metaórica com o conhecimento &uanto pelo ato

ainda mais contundente de se tratar a&ui do conhecimento &ue o protagonista ad&uirirá sore si

;0

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 próprio% o mesmo autoconhecimento  oerecido pelos espelhos com os &uais 3lerto Manguel se

deparara nos gainetes dos eruditos renascentistas* .al ato e#idencia ainda o aspecto deformante

deste rele>o% a contrapor os dois físicos% o do in)cio e o do im da narrati#a% orientando-nos a

entre#er em amas o mesmo personagem% sem nos permitir ol#idar contudo &ue este @ltimo Fá se

encontra so o eeito da con#i#ncia com a castelã e de todos os ensinamentos ministrados por ela*

4% ainal% o &ue 9 &ue o )sico #irá a conhecer atra#9s de Dona "rraca e das donBelas do

castelo + &ue 9 &ue% aliás% pode &ual&uer homem aprender indiretamente% pelo rele>o da imagem

da mulher em rente ao seu espelho SeFa o &ue or% não passará de uma conse&Hncia do

relacionamento amoroso &ue une o casal% &ue aB de um% em termos ataillianos% a continuidade do

outro* 4% em se tratando da ligação aeti#a e>tremamente #i#a e corpórea &ue podemos admirar

entre o )sico e Dona "rraca% 9 induitá#el o &uanto um estudo semKntico e etimológico do

#ocáulo desejo tam9m será muito esclarecedor para a leitura da no#ela seniana*

322 #)%S$&!R"R 

3 pala#ra desejo decorre do latim% fdesedi'% possi#elmente ormado de desídia% Oa posição

de se estar sentado (soretudo diante de um espelhoI estagnação% indolnciaI repousoI praBer%

 em-estarN<;*  4sta 9 a primeira e#idncia da cone>ão simólica #igente entre a igura do espelho e

o espaço semKntico ocupado pelo desejo, o primeiro 9 um espectador (ou reletor pri#ilegiado do

segundo* !orma teórica com signiicado tão particular% com uso tão reser#ado% o de  se estar sentado 0 frente do espelho% fdesedi' não pro#oca o nascimento do #ocáulo desejo sem &ue isso

nos e>cite a atentar para uma imricação de signiicados de#eras intensa*

Pensemos, uma #eB &ue pode #ir a simoliBar o desejo% o espelho  rapidamente se

identiicará com a&uilo &ue desencadeia tal #olição% ou seFa% a mulher% ao menos &uando tomamos

 por ase a nossa memória cultural% constru)da por s9culos e s9culos de um discurso aseado em

<;  M3/T3D+% J* P* (6U2% p* 082*

;;

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uma ótica &uase e>clusi#amente masculina* Segundo /9lia unes /ar#alho% nas mãos de uma

mulher o espelho reere geralmente o amor e o erotismoN <7* Marcelo Rolsha[ Gomes reconhecerá

tam9m esta ligação entre o eminino e o espelho pela ocorrncia de outra transposição de imagens

   na antasia do homem% historicamente a e)gie mulheril se conser#a incorporada ao desenho da

lua% tanto 9 #erdade &ue o deslumramento incitado por amas se torna com estimá#el assiduidade

onte de inspiração para os poetas* ão nos parece sup9rluo ressaltar &ue% em O Físico Prodigioso%

surgirá esta mesma corrente ormada pela se&Hncia l'a 8 m'lher 8 desejo (mas Fá di#orciada do

discurso romKntico% &uando% logo no primeiro cap)tulo% as donBelas esti#erem a conduBir o

 protagonista ao castelo% a im de &ue ele cure Dona "rraca, no caminho% dei>ando &ue elas

seguissem ' rente% o )sico não desprega#a os olhos das ancas &ue se menea#am como luas

ocultasN<<% associando a mulher ' lua não mais so uma concepção de#aneadora &ue poder)amos

encontrar em outros discursos literários% e sim concretamente% em unção de uma parte anatCmica

&ue lhe estimula a liido% em unção da sua isicalidade portanto* 3 análise de Rolsha[ Gomes

arremata toda esta nossa argumentação, Pelo ato de não emanarem luB própria mas de releti-la%

os espelhos oram associados ' lua durante toda a 3ntigHidade* Desta associação cha#e%

sorepuseram-se as &ue relacionam o espelho ao eminino e ' sua eleBa*N<U

+ emprego do espelho pela mulher nos rituais de adornamento reorçará ainda uma #eB este

elo semKntico ao conerir ao arteato o posto de instrumento undamental nos preparati#os para o

encontro com o elemento masculino% a&uele de &uem Fustamente ela tenciona despertar o desejo*

3lerto Manguel perscruta esta utiliBação eminina das super)cies #)treas reletoras a&uando da

representação de tais espaços )ntimos em oras de arte,

<7  /3$V3LT+% /* * (011;% p* 6*<<  S43% J* de (68;% p* 0* Deste ponto em diante% a cada citação da no#ela O Físico Prodigioso% seguir-se-á a

indicação da página% sem mais a necessidade de notas*<U  G+M4S% M* R* (0110*

;7

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 a &ualidade de um instrumento de graciosidade% o espelho acompanha Vnus nasua toalete% como num mara#ilhoso mosaico romano &ue representa a deusa%semidespida% erguendo o caelo na rente de um espelho de mão% acompanhada pordois cupidos% um de cada lado* +u% mais lasci#amente% ser#e para atrair a atençãodo ado para os encantos ensimesmados de uma cortesã &ue se olha no espelho%como está representado na pintura de uma taça grega do in)cio do per)odo clássico*_ue traB uma inscrição simples% 4la 9 elaN*<2

3 ainidade entre esta peça e a deusa do amor e dos praBeres 9 tão marcante na ormação

cultural do ocidente &ue o espelho de :2n's se solidiicou como o s)molo da mulher ( * Por

herança desta identidade% o arteato acompanhará outras iguras mitológicas marcadas pelo poder de

sedução ad#indo de sua eleBa% das &uais se tornam ar&u9tipos as Sereias modernas* $eparemos&ue estas personagens do mar somente se e>iem in#aria#elmente de posse de um espelho &uando a

sua aculdade de encantar passa a ser atriu)da aos predicados corporais% apesar de a origem do mito

arrogar apenas ' musicalidade da #oB (e% como #eremos% ' capacidade argumentati#a o poder de

eneitiçar* 3 propósito disso% recordemos um episódio da Odiss,ia de Tomero% mais precisamente

do seu canto :AA% em &ue "lisses enrenta as Sereias% emate pre#isto #ersos antes por /irce,

4neitiçado será pela #oB das Sereias ma#iosas*4las se encontram num pradoI ao redor se lhe #em muitos ossosde corpos de homens deseitos% nos &uais se engrou#inha a epiderme*<8

+ra% o herói% neste caso% não se depara com iguras sedutoras% mas com seres monstruosos

&ue% haitando uma campina coerta de cadá#eres em putreação% possuem corpo de pássaro (traço

mais tarde suprimido para a manutenção apenas da calda de pei>e% &ue pode ainal ser ocultada pelon)#el da água% a im de lhes disarçar a maniestação do estranho e de humano e>iem somente o

 usto de mulher     #isão% con#enhamos% pouco e>citante e con#idati#a* Por isso não causa

alumramento olhá-lasI o perigo reside na #erdade em escutá-las e os tripulantes da emarcação

<2

  M3G"4L% 3* (0116% p* 688*<8  T+M4$+ (68;% p* 010*

;<

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#edam os ou#idos com olas de cera% sem &ue toda#ia haFa necessidade de encorirem os olhos <*

+ ato de nenhum espelho ser aludido na cena 9% pois% sintomático% por&ue at9 há reerncias% Fá

nesta 9poca% ao uso do oFeto   esclarece o Dicionário *ítico9Etimológico &ue% conorme a lenda

grega% as Sereias% #aidosas% &uando não surgiam marinheiros costeando-lhes a ilha% apareciam

solitárias% e>perimentando um colar ou contemplando-se ao espelhoNU1   % entretanto% o espelho

 passa a igurar na imagem mitológica de orma deiniti#a e indissociá#el apenas &uando o discurso

conerir tam9m ' eleBa e>terior a responsailidade por despertar o apetite se>ual% solidiicando o

oFeto como s)molo meton)mico do desejo catalisado pela apresentação )sica da mulher*

Por outro lado% se não está maniesto entre as Sereias do 9pico hom9rico o espelho como

s)molo do desejo% tal#eB estas criaturas seFam ainda assim modos do espelho% mas com a

signiicKncia outra Fá a&ui tratadaI 9 plaus)#el ler as Sereias como instrumentos para o

autoconhecimento do homem% ainal% as suas pala#ras (e a orça argumentati#a &ue elas arigam

seduBem 5 persuadem "lisses e>atamente por lhe prometerem saedoria,

   Vm para perto% amoso +disseu% dos 3&ui#os orgulho%traB para cá teu na#io% &ue possas o canto escutar-nos*4m nenhum tempo ningu9m por a&ui na#egou em nau negra%sem nossa #oB ineá#el ou#ir% &ual dos láios nos soa*Rem mais instru)do prossegue% depois de ha#er deleitado*.odas as coisas saemos% &ue em .róia de #astas campinas% pela #ontade dos deuses% .roianos e 3rgi#os soreram%como% tam9m% &uanto passa no dorso da terra ecunda*U6

$ecorrendo no#amente ao  Dicionário *ítico9Etimológico% descorimos &ue a citada

 presença de homens putreatos no prado das Sereias endossa esta leitura% pois sugere um

<  Tá um interessante micro-conto do escritor me>icano Jos9 De la /olina% intitulado Las sirenasN% no &ual ascaracter)sticas mais modernamente atriu)das 's Sereias são en#iadas ao conte>to da cena da Odiss,ia de TomeroI talconronto resulta na conse&Hentemente mudança do destino da tripulação de "lisses* $eproduBimo-lo a t)tulo decuriosidade, +tra #ersión de la +disea cuenta &ue la tripulación se perdió por&ue "lises ha)a ordenado a suscompaeros &ue se taparan los o)dos para no o)r el p9rido si ien dulce canto de las sirenas% pero ol#idó indicarles &uecerraran los oFos% E como además las sirenas% de ormas generosas% sa)an danBar***N D4 L3 /+LA3% J* (0117% p* 006*U1

  R$3Db+% J* de S* (66% p* ;2U*U6  T+M4$+ (68;% p* 067-<*

;U

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interessante jogo de pala"ras gregas, São ossos dos andr4n p;thom,non% dos homens .'e foram

 fazer perg'ntas* + tipo de pergunta% cuFa resposta tão a#idamente usca#am% relaciona#a-se com o

conhecimento de si mesmos% de suas gestas e do &uão amosos se tornaram em #ida*NU0

  .emos%

então% não somente o espelho a produBir o conhecimento do homem sore o próprio homem% mas

al9m disso o mesmo espelho a massagear o ego% a reletir a #aidade (anseio por sinal análogo ao das

 próprias Sereias deste homem &ue &uer tomar cincia da intensidade do re-conhecimento de &ue

usuruirão% após a morte% as suas açanhas realiBadas em #ida*

$etomando a ainidade do espelho com a eleBa eminina% podemos citar ainda a Aara% mito

do olclore nacional% tam9m conhecida por Mãe-dgua* ossa nina morena do imaginário

tupini&uim do mesmo modo desruta desta herança #enusiana% e traB ' mão o espelho  para se

 pentear na eira das cachoeiras% encantando os homens &ue se emrenham na mata e tornando-se

mais um modelo da ligação deste arteato com a aculdade de seduBir intr)nseca ao eminino*

3 ora de Jorge de Sena tam9m não dei>a escapar a Fustaposição semKntica entre o espelho

e o desejo* o seu aBer literário (para al9m da no#ela O Físico Prodigioso% sore a &ual

discutiremos mais tarde% uma oa ilustração da metáora das conFunç=es carnais atra#9s dos

enCmenos especulares 9 o primeiro dos dois mo#imentos &ue comp=em o poema RilinguismoN,

Sinalenormesore a aceenorme

sinal

_uanto maior menor a acemenor &uanto maior 

De l)ngua Fogosem #oB ou corpo Fogos

U0  R$3Db+% J* de S* (66% p* ;22*

;2

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de l)ngua

Silncioou aladepende

ala ousilncio

3mantesnãoescre#emnãoamantes

Sinalna ocaenorme

na ocasinalU;

3lgumas especularidades se alternam nesta composição* Do ponto de #ista estrutural% em

cada uma das suas seis estroes encontramos o #erso central a uncionar claramente como uma

charneira ou um espelho% uma charneira especular% reletindo os dois #ersos iniciais nos dois inais

(em sentido contrário% e#identemente% numa in#ersão t)pica dos enCmenos especulares* 4sta

 presença do espelho 9 uma opção ormal a apontar maniestadamente uma outra especularidade%

neste caso de ordem semKntica% em &ue con#i#em duas modalidades da linguagem 5 l)ngua%

en&uanto instrumento de comunicação   a #eral e a corporal* 3 primeira está maniestada em

"oz e a segunda em corpo% uma 9  sinal  &ue se propaga na fala e outra 9 sil2ncio da isicalidade dos

gestos* 3ssim% a líng'a% termo de signiicado am)guo% pode ser tanto instrumento da  fala &uanto

um modo de emitir tam9m mensagens ao silenciar nos jogos de líng'a% num duplo comportamento

&ue simoliBa o biling<ismo comunicacional dos amantes*

.oda#ia% na po9tica seniana% como #eremos% não raramente os espelhos &ue simoliBarão o

desejo serão a&ueles com a particularidade a &ue Fá a&ui aludimos% os deformantes% a contraporem

as duas aces similares e concomitantemente opostas da esp9cie humana% dois lados &ue carregam

U;  S43% J* de (628% p* 6;1-6*

;8

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em suas irre#ogá#eis semelhanças undamentais dierenças, reerimo-nos ao homem e ' m'lher * 4

o poema 3di#inha duplaN 9 modelar para a nossa conFectura*

A

Sepalada em negras comasrosa endida entre ocasde h@midas p9talas &uentes&ue se alongam musculadasem somras de entrada luidacontráctil &uando se aperta pulsando de penetradae arindo ao to&ue de tudoas p9talas sempre #i#as

de rosa nunca esolhadacuFo #9u se rasgou paraa lor durar #isitada*

AA

Primeiro pende e se engrossadepois ar&ueia-se aos saltose em soluços se ergue tesoarreganhando-se róseo*Rrilha de lisa a caeçasore os reordos #ioláceose #eias inas palpitamao longo da grossa haste&ue se adianta da conusanegridão de &ue lutuao saco de olongas olasde esparsos plos coertos*U7

3 noção de d'plo 9 comumente associada aos espelhos e não será casual o uso deste termo

no t)tulo% emora% numa primeira leitura% seFa inegá#el &ue esta orma adFeti#al está lá

 prioritariamente para apontar um dado &uantitati#o da presença das d'as adi#inhas* Por9m% asta ir

al9m da e#idncia% e será esta uma das e>igncias a &ue o te>to po9tico nos con#ida% para perceer

&ue elas não são em asoluto distintas, reconhecem-se ali duas estruturas compostas por doBe

#ersos heptass)laos% o &ue constitui entre os dois mo#imentos uma ine&u)#oca relação especularI

U7  S43% J* de (628% p* 60U-2*

;

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no entanto% se a orma 9 rigorosamente idntica% o conte@do trará a citada oposição homem "ers's

mulher (no tocante 's caracter)sticas )sicas% por&ue simplesmente as respostas para as duas

charadas serão o órgão se>ual eminino% na primeira adi#inha% e o masculino% na segunda* 4 não

será Fustamente esta estrat9gia de especularidade am)gua o &ue caracteriBará o espelho% &ue

 percepti#elmente se interp=e entre as duas partes do poema% em sua #ertente deformante

 o entanto% estar)amos a&ui num primeiro n)#el de especularidade em &ue os dois se>os

ainda estão apartados% como se apenas hou#esse a insinuação de algo &ue não se consuma% ato por

sinal incomum na ora seniana* Meton)mia por isso mais e>ata da escritura de Sena% nós a

encontraremos na proposta de 3 ar&uitetura dos corposN% poema não por acaso posicionado

imediatamente após RilingHismoN a&uando de sua pulicação no #olume E&orcismosU<*

4ste poema se di#ide em trs partes% identiicadas respecti#amente pelos s)molos ( %(

e ( oj * + primeiro mo#imento descre#e o corpo do homem e o segundo o da mulher%

metaoriBando-os a partir de um registro lingH)stico da engenharia ci#il, outra #eB #islumramos

imagens especulares deformantes  um do outro% por&ue nas semelhanças (&ue no#amente se

constroem especialmente em unção da estrutura% Fá &ue amos são poemas de &uatorBe #ersos

decass)laos estão inseridas as ó#ias e esperadas dierenças* + terceiro mo#imento 9 a&uele &ue

ultrapassa o planeFamento% digamos% mais recatado com &ue nos deparamos em 3di#inha duplaN%

ao sugerir a usão desses dois corpos% possiilitando at9 mesmo a geração de um pe&ueno e ainda

ragmentado terceiro corpo,

trementes super)cies e reordosse roçam se estrangulam se recra#amat9 &ue imó#eis o edi)cio Forraadentro de si mesmo um echo l)&uidoselando a aóada nocturna* +u não selando*Dentro se unde ou não se unde um o#o

U<  Muito emora RilinguismoN seFa um poema de 6U e 3 ar&uitetura dos corposN de 621% não 9 certamente ocrit9rio cronológico o &ue determina a sua ordem% Fá &ue antes de amos iguram peças de 626 e depois surgem

composiç=es de 6U% o &ue nos permite uscar causas outras para o modo de organiBar a coletKnea escolhido por Jorgede Sena% como% por e>emplo% a &ue propomos*

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com desse l)&uido o pe&ueno acaso* o campo se separam em pedaçoscolunas arcos t)mpanos e risos*UU

 esta soreposição das imagens portanto% eis &ue a presença do espelho se ratiica como &ue

atrelada ' icção-teoria de Rorges (de &ue ainda trataremos mais tarde% a &ual nos asse#era &ue los

espeFos E la cópula (*** multiplican el n@mero de los homresNU2*

3 proposição art)stica de 3 ar&uitetura dos corposN% datada de 62 de março de 621%

encontra par no seu ancestral em prosa% o conto +s amantesN de 60 de setemro de 6U1* 4sta

narrati#a% tal &ual o poema% se di#ide em trs mo#imentos% dos &uais nos interessam o primeiro e o

segundo* Descre#e-se neles um mesmo espaço de tempo% inter#alo entre dois atos se>uais de um

casal% per)odo curto em &ue toda#ia eles descansam os corpos e meditam distintamente sore o

 próprio relacionamento aeti#o entre eles constitu)do* o#amente% no aspecto ormal% encontramos

semelhança, a narração em terceira pessoa* /ontudo% se na primeira parte este narrador

estrategicamente cede ' mulher o direito de conduBir o te>to% em discurso indireto li#re% na segunda%

a mesma concessão será eita ao homem   uma #eB mais% os dois ragmentos são rele>os um do

outro% toda#ia% a especularidade entre eles igualmente será caracteriBada pelo aspecto deformante*

Voltando ao Kmito das pes&uisas ilológicas no tocante ao #ocáulo desejo% traBemos como

contriuição para o desen#ol#imento desta nossa argumentação% &ue apro>ima semanticamente o

espelho desta categoria% o comentário de Marilena /hau),

3 pala#ra deseFo tem ela origem* Deri#a-se do #ero desidero &ue% por sua #eB%deri#a-se do sustanti#o sid's (mais usado no plural% sidera% signiicando a iguraormada por um conFunto de estrelas% isto 9% as constelaç=es* Por&ue se diB dosastros% sidera 9 empregado como pala#ra de lou#or   o alto   e% na teologia astralou astrologia% 9 usado para indicar a inluncia dos astros sore o destino humano%donde  sider's%  siderado, atingido ou ulminado por um astro* De  sidera% #em

UU

  S43% J* de (628% p* 608*U2  R+$G4S% J* L* (6<U% p* 67*

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considerare    e>aminar com cuidado% respeito e #eneração     e desiderare  cessar de olhar (os astros% dei>ar de #er (os astros*U8

+ra% se a origem da pala#ra espec'la#ão  está ligada ' oser#ação das estrelas com a

assistncia de um espelho% e se o #ocáulo estrela (do latim% sid's 9 encontrado na raiB etimológica

da pala#ra desejo% temos o espelho &ue relete% antes de mais nada% o desejo% o &ue autentica as

conclus=es ad#indas do Dicionário Etimológico, o espelho relete acima de tudo o desejo e o desejo

9 mormente contemplado pelo espelho    os dois sustanti#os não poderiam ser mais )ntimos*

328 $nverter

4m unção das duas identidades propostas at9 a&ui para o espelho     nos Kmitos do

conhecimento e do desejo   % a simologia deste oFeto poderá% numa associação li#re de id9ias%

deslocar-se para um terceiro campo de ação% por&uanto as relaç=es &ue arraBoamos #enham a

 pro#ocar dois comportamentos &ue% #ia de regra% são classiicados pelo discurso ortodo>o como

 pecados, a "aidade (seFa em conse&Hncia da eleBa )sica% seFa em decorrncia das competncias

intelectuais e a l'&1ria     transgress=es &ue se aloFam na constituição da no#ela O Físico

 Prodigioso* esta altura de nossa pes&uisa% o &ue contemplamos 9 a metáora mais e#idente de

toda a ora literária de Jorge de Sena% consustanciada na criatura a &ue o /ristianismo atriui

responsailidade por estes e todos os demais ditos pecados, o dem4nio% não por acaso

 personiicação má>ima das in#ers=es% conorme o próprio te>to seniano indica no conto $aBão de

o Pai atal ter aras rancasN% em &ue a #oB narrati#a asse#era &ue o diao percee tudo ao

contrárioNU    como ainal o aBem os espelhos*

W% aliás% e>tremamente simples perceer atra#9s da e>perincia emp)rica &ue o espelho dá

uma imagem in"ertida da realidadeN21% isto 9% riproduce loriginale con precisione% a esclusione delU8  /T3"Y% M* (61% p* 00*U

  S43% J* (62% p* 01*21  /T4V3LA4$% J*I GT44$R$3.% 3* (6% p*;<*

70

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rapporto destra5sinistraN26%  conorme comenta o semanticista russo uriF A* Le#in20* +ra% para a

tradição cristã% a destra 9 o espaço do Rem% cuFo representante superior 9 De's% en&uanto a sinistra

coincide com o lugar ocupado pelo Mal (como a própria pala#ra italiana utiliBada não dei>a d@#ida

 pela sua conotação peForati#aI 9 esta Fustamente a proposta asal da ora de Sena% Fá &ue% como ele

esclarece no PreácioN 's No"as !ndan#as do Demónio% #ai sendo tempo de% para instalar-se uma

ordem mais consentKnea com a dignidade do homem% se começar a #enerar% com respeito% o 4sp)rito

Maligno% Fá &ue a #eneração ao +utro parece &ue não dá grandes resultadosN2;* /onse&Hentemente%

nenhum oFeto compendiaria de modo melhor a su#ersão seniana do &ue o espelho% cuFa ace de

#idro relete o diabo no espaço &ue antes pertencia a De's e #ice-#ersa*

Mas não nos iludamos, seria le#iano airmar &ue esta permuta de posiç=es conere ao

dem4nio  a onipotncia de &ue o  De's  da tradição Fudaico-cristã goBa* Asto signiicaria para o

homem apenas in#erter o poder &ue o oprime% e a in#ersão seniana 9 mais diaólica por&ue mais

radical, a &ueda de De's delega ao homem  (e não ao diabo% conorme a permuta simplista aria

supor o direito de controlar o seu próprio ado     eis a argumentação de cunho humanista 5

antropocntrico a permear a no#ela de Sena*

 este aspecto% a ideologia proposta por O Físico Prodigioso em muito se assemelha ' do

longa-metragem de Glauer $ocha De's e o Diabo na =erra do ol % e>pressão má>ima do /inema

 o#o rasileiro* Logo nas cenas iniciais desta narrati#a sertaneFa% o coronel Moraes tenta ludiriar

o #a&ueiro Manuel% procurando con#enc-lo de &ue um certo animal morto pertencia ao peão

&uando na #erdade era originário de sua parte do gado* 3 cena dialoga rancamente com

circunstKncia semelhante a &ue se sumete o !aiano de :idas ecas% mas en&uanto o personagem

26  L4VA% J* A* (62% p* U*20  Mas "merto 4co contestará este senso comum, + espelho relete a direita e>atamente onde está a direita% e aes&uerda e>atamente onde está a es&uerda* W o oser#ador (ingnuo% mesmo &uando )sico por proissão &ue% poridentiicação% imagina ser o homem dentro do espelho% e olhando-se percee &ue usa% por e>emplo% o relógio no pulsodireito* + ato 9 &ue o usaria se ele% o oser#ador% osse a&uele &ue está dentro do espelho ( (e est 'n a'tre> _uem% ao

contrário% e#ita comportar-se como 3lice e não entra no espelho% não sore essa ilusão*N 4/+% "* (68% p* 67*2;  S43% J* de (687% p* 001*

7;

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de Graciliano $amos não encontra argumentos para os conusos n@meros do patrão e a&uiesce%

Manuel se re#olta e mata o coronel* 4m sua tra#essia de uga% o protagonista se congrega primeiro

com De's% representado pela igura do Reato Seastião (releitura ict)cia de 3ntCnio /onselheiro%

l)der espiritual da $e#olta de /anudosI depois se alia ao diabo no anditismo social liderado pelo

cangaceiro /orisco% &ue alega ser sore#i#ente do ando de Lampião e reatiBa Manuel como

Satanás* .oda#ia% Manuel #erdadeiramente consegue aBer o sertão "irar mar  (metáora da ação

&ue su#erte a organiBação social &ue oprime o sertaneFo apenas &uando% na simólica tomada

inal% corre autonomamente em usca do seu oFeti#o*

Do mesmo modo% na ora de Jorge de Sena% o homem% se não 9 mais suordinado ao De's

deposto em a#or do diabo% tão pouco o será em unção do mesmo diabo    na #erdade% o homem

se encontra no controle do seu próprio destino* Márcia de +li#eira 3lama reconhece, Jorge de

Sena con#oca a igura diaólica apenas en&uanto mito* + homem 9 superior ao Diao% pois o mito

9 criação humana*N27  Por isso% esta criatura terá a sua ragilidade repetidas #eBes e>posta nas

narrati#as de Sena% desde o diabo urlesco enganado por um ma&uinador menino Jesus de sete anos

de idade em $aBão de o Pai atal ter aras rancasN at9 o personagem dramático protetor do

)sico &ue não possui poder asoluto sore ele e al9m de tudo sore com a indierença do não

correspondido amor &ue nutre pelo ca#aleiro andante* 4 nossa leitura 9 ainda corroorada pelas

 pala#ras do próprio Sena &ue iguram no PreácioN a Os ?rão9)apitães, ão há #alores

transcendentes &ue mereçam mais respeito &ue &ual&uer #ida humana***N2<

    apologia e#idente ao

homem proano em detrimento das criaturas sagradas*

Para em compreendermos as posiç=es hierár&uicas deste organograma triádico composto

 por De's% o diabo e o homem% #oltemos o nosso olhar para o ?2nesis (não o )lico% mas o #olume

de dois contos &ue Sena escre#era no in)cio da sua peregrinatio literária* 3 ora recee este nome

27

  3L!3M3% M* de +* (6<% p* ;6*2<  S43% J* de (62U% p* 68*

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 por&ue sua mat9ria narrati#a representa uma manipulação de episódios encontrados no primeiro

li#ro do 3ntigo .estamento   a criação do homem% a e>pulsão do casal 3dão e 4#a do Para)so e a

contenda entre /aim e 3el na disputa pela admiração de Deus% o &ue resulta no assassinato do

segundo* 4ntretanto% para nós% seu t)tulo poderia ser igualmente Fustiicado por arigar a

constituição do mito originário da teogonia seniana% &ue acompanhará toda a po9tica do autor*

VeFamos, no primeiro dos dois contos% Para)so PerdidoN% após 3dão e 4#a e toda a criação

&ue haita#a o @den comerem o proiido ruto da ár"ore do Aem e do *al %

Jeo#á% rodeado duma multidão de anFos% espreitou do alto e #iu a&uela acanalantástica enchendo a sua ora* !icou o&uiaerto e #oltado a si gritou*   Vamos castigar a&uilo tudoZ 4 #oltou-se para os anFos*Só meia d@Bia de #elhos anFos lhe resta#am e lá muito ao longe #iu asas rancas&ue irresisti#elmente atra)das #oa#am para o Wden*2U

+ra% &uando alcançamos esta passagem% a ár#ore em &uestão Fá ha#ia sido derr'bada%

 s'gada% rasgada% despeda#ada pelos animais do c,' e da terra &ue% atra)dos pela not)cia de &ue

3dão e 4#a ha#iam #iolado a ordem di#ina% comido do ruto e #isto &ue ele era om% assaltaram-na

e de"oraram-na* De#orada a ár#ore do Rem e do Mal todos iBeram como 3dão e 4#a e um ru)do

imenso le#antando-se do Para)so chegou ao c9u*N22    Jeo#á portanto só toma cincia dos atos

&uando a ár#ore em &uestão Fá não mais e>iste*

_ue De's não comera da ár#ore 9 então reerncia te>tual e por conta disso a narrati#a se

encerra com um irCnico lamento,

***anos mais tarde Deus se eB homem e haitou entre nós* Mas o mundo era maissaido   tinha comido a ár#ore do Rem e do Mal    e Deus &ue a guardara semlhe tocar e a &uem não restara nem uma olhinha seca tinha icado ondoso parasempre   era de esperar &ue osse enganado*28

2U  S43% J* de (68U% p*00*22

  Adem*28  Adem% p* 07*

7<

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4m /aimN% segundo e @ltimo conto da re#e coletKnea% esta constatação será reiterada*

Diante das acusaç=es proeridas por  De's no tocante ao homic)dio de 3el% /aim e>plode em

re#olta e e>p=e% em repentino tom desrespeitoso% de &ue maneira a criação sorepuFou o criador, +

 em e o malZZ _ue saes tu delesZ em se&uer lameste a ár#oreZZ _ual&uer animal sae mais do

&ue tuZZN2     assim% de todo-poderoso%  De's  agora está a&u9m de todas as criaturas* 3liás% a

insurreição de /aim 9 uma ação undamentalmente humana, ao escolher o caminho por &ue seguirá%

o irmão de 3el recusa a ponte &ue  De's  lhe constrói sore o aismo em &ue está o corpo

assassinado% a &ual lhe 9 oerecida como orma de reconhecimento e e>piação de culpaI mas esta

decisão 9 tomada igualmente sem inter#enção demon)aca alguma   os diaos apenas assistem '

cena e moam de De's en&uanto /aim se aasta% mas em nada de ato inluenciam na delieração do

homem* Asso corroora a nossa deesa anterior de &ue a ora de Jorge de Sena prega a autonomia

humana% di#orciada deiniti#amente da opressão do sagradoI assim% /aim diB a  De's, Vou com a

minha #ontadeZ 4la 9 mais orte do &ue tuZN81% uma #iolenta deesa do li#re-ar)trio% regido Fá agora

 por uma moral particular &ue não a imposta pelas leis di#inas* Será este um dos momentos da ora

de Sena em &ue !rancisco !* Sousa reconhecerá a luta do homem por uma e>istncia al9m de

&ual&uer relação com DeusN86*

Por9m% há outros seres cuFo FeFum da ár"ore do Aem e do *al  9 insinuado por algumas

sutileBas da narrati#a   9 muito pouco cr)#el &ue os anFos desencaminhados tenham chegado a

 pro#ar deste alimento% Fá &ue Jeo#á% ao aparecer despertado pelo suspiro de praBer &ue ad#iera do

 Paraíso% está ainda rodeado d'ma m'ltidão de anjosI e somente depois de se dar conta do incidente

# ao longe asas brancas a "oarem para o @den% o &ue ainal ocorre após Fá ter sido de"orada a

ár"ore% &uando então a comunhão no  Paraíso  Fá terminara* +u seFa% os soldados celestiais%

condenados por  De's  ao inerno pela intenção de um pecado &ue em #erdade nem mesmo

2  S43% J* de (68U% p* ;2*81

  Adem% p* 71*86  S4A:+% M* 3* (68% p* 0;*

7U

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transgressor de ietBsche% &ue airma, os deuses gregos tam9m não tinham grande Feito para consolarI

&uando% por im% o po#o grego caiu% ele% tam9m% doente% arrastou em sua &ueda semelhantes deusesN82*

4ste De's morto e praticamente es&uecido será% em O Físico Prodigioso% apenas linguagem

es#a)da de signiicado pelo desgaste do uso em e>press=es tais como &ue todos tenha Deus em

descansoN (p* ;U* Mesmo a menção do )sico ao e>-supremo    se o meu corpo 9 dele \do

 Dem4nio% a minha alma 9 de DeusN (p* ;  % &ue at9 ariria precedente para a Sua aparição% não

se consuma% aBendo do próprio discurso do protagonista da no#ela um conFunto de pala#ras

enra&uecidas semanticamente% como se De's  não passasse a&ui de reminiscncia póstuma* 4ste

trono #aBio permitirá a todo artiicioso #alor de origação moral ser suplantado pelo humanismo

erótico &ue atra#essa a no#ela% assim como a acanal ocorrera no  Paraíso Perdido  na então

temporária ausncia castradora do Pai celestial* + homem% portanto% Fá neste espaço da linha

cronológica da ora literária seniana ocupado pela no#ela% haita um mundo no &ual só tem por

companhia transcendente o diabo*

W claro &ue% para al9m disso% será preciso lemrar a &uestão de O Físico Prodigioso  ser

reconhecidamente uma ode ' lierdade do homem% sintomaticamente datada de maio de 7BC%

9poca em &ue eclodira no Rrasil% pa)s onde então #i#ia Jorge de Sena% o golpe militar% a instituir a

ditadura &ue o autor Fá em conhecera% por e>perincia em Portugal com o per)odo salaBarista* W

 por isso compreens)#el e mesmo ine#itá#el &ue o diabo% Fá em primeira instKncia s)molo da po9tica

seniana% assuma-se )cone regente desta composição% uma #eB &ue% como e>plica /arlos $oerto

 ogueira% o demCnio representa a oposi#ão f'ndamental % dialeticamente relacionada com o ethos

dominante% ao &ual se op=e #irtualmente% re&Hentemente como orça de reeldiaN88*

Para compreender o aBer literário de Jorge de Sena% precisaremos então in#estigar &uem 9

este diabo &ue #i#e no mundo Funto ao homem e &ual 9 a relação &ue entre eles se ediica* _uanto a

82

  A4.XS/T4% !* (0117% p* 0*88  +G"4A$3% /* $* !* (0110% p* 60*

78

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isso% podemos diBer de imediato &ue o dem4nio 9 a própria #oB &ue conduB cada narrati#a% cada

 poema de Jorge de SenaI o dem4nio 9 a entidade &ue testemunha os acontecimentos com &ue o

 poeta se depara em suas andan#as% em sua  perseg'i#ão% em sua  peregrinatio* 4 a unção

testemunhal desta entidade sagrada 9 constru)da Fá na origem% &uando em Para)so perdidoN% após

 proerida a condenação de De's aos anFos deca)dos% uns olhos #erdes se le#antaram insolentesN8%

os de L@cier% &ue se torna por isso Satanás% chee do inernoI ele não reage ' punição (agir 9

 pri#il9gio do homem% mas o desta&ue &ue 9 estrategicamente dado aos seus olhos% @nica descrição

do corpo demon)aco   e &ue se realiBa com relati#a ri&ueBa de adFeti#os ("erdes e insolentes% se

le#armos em conta a economia ormal do sintagma   % metaoriBa o seu comprometimento em

simplesmente assistir * Lemremos como mais tarde os diaos apenas acompanharão passi#amente

a discussão entre /aim e De's% sem contudo intererirem no seu resultadoI remetamo-nos ainda

uma #eB mais a O Físico Prodigioso% no &ual testemunharemos &ue a disposição do  Diabo  em

manter #i#o o )sico não será suiciente para superar a pretensão de morrer maniestada pelo herói*

Mas esca#emos um pouco mais a igura do dem4nio* + dicionário enciclop9dico aponta

 pro)cuos resultados de pes&uisas ilológicas,

De#emos a pala#ra demónioN ao grego daimon% &ue aparece nos te>tos hom9ricoscomo o nome dos deuses em alguns dos seus aspectos particularesI a Gr9cia antigatam9m conhecia demónios &ue desempenha#am o papel de anFos da guarda% &ueacompanha#am cada homemI mais tarde% estes esp)ritos tanto podiam ser mauscomo ons% e% por @ltimo% a&ueles apropriaram-se inteiramente do nome*1

+ra% Sena mesmo e>plana em Est'dos sobre o :ocab'lário de Os $'síadas a origem

etimológica do termo% e#idenciando &ue a carga histórica &ue o cerca não lhe era desconhecida,

 Demónio (&ue /orominas regista pela primeira #eB em castelhano c* 6001-<1 #emdo latim tardio daemoni'm% &ue era um helenismo   daimonion% diminuti#o dedaimon* 4ste @ltimo #ocáulo signiica#a não o &ue cristãmente #eio a signiicar%

8

  S43% J* de (68U% p* 0;*1  DA3R+ (682% p* 07<*

7

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mas% na acepção e>acta% um esp)ritoN% um ente sorenaturalN% uma di#indadeN%um g9nio tutelarN% um guia pessoalN (acti#idade &ue os anFos da guardausurparam% dei>ando aos ditos cuFos só o papel maligno*6

3 condição tutelar do dem4nio  ganhará conotação po9tica &uando o ser humano

acompanhado por ele or% e#identemente% poetaI rut)era con#i#ncia% Sena a ilustra atra#9s dos

#ersos de + DáimonN% poema em &ue algumas das suas e>posiç=es teóricas são desen#ol#idas em

ritmo de prosa% pro#ocando na composição um ar de didatismo     o &ue corroora% aliás% a

presença de um certo prosa)smo em parte (pelo menos em parte da ora po9tica de Jorge de

SenaN0  perceida por João /amilo,

Mandelstamm% 3Qhmato#a e $ilQeou#iam #oBes a ditar-lhes #ersos* Mesmoo Val9rE ala#a de um primeiro #ersode &ue se deduBiam os seguintes*4m tempos mais antigos% os demónios(pessoais esp)ritos assim como anFosmenos da guarda &ue do ou#ido ichosassim segredos assopra#am semdiBerem mais enigmas* !eliBes poetas esses (como ainda os hácapaBes de se crerem nunca sósnem mesmo 's horas mais terr)#eis daterr)#el solidão* Por trás dos omros%lá esta#a o espiritinho a acompanhá-losnos seus cal#ários de e>ilados ou de assassinados%ou moradores de Du)nos principescos%ou de preaciadores sacriicando-se por uns milhares de rancos a compor ensaios s'r lGid,e de dictat're*+s Sócrates e os Goethes todos ti#eram disto%como outros depois a escrita automática*4 o triste 9 não diBerem rancamente

(senão &uando a si mesmos se mentissem &uena solidão total% na noite escura   a&uela em &ue S* João da /ruB e os santosmais dados ' poesia se pensa#am tendonão 9 seguro e certo por &ue ladouma Visita do 3lto pelo corpo adentro  %ningu9m ou nada lhes ala#a, nada*3penas se ala#am no silncio humano' dupla imagem &ue do ser se nega*;

6  S43% J* de (680% p* ;-711*0

  /3MAL+% J* (686% p* 07*;  S43% J* de (628% p* 06-01*

<1

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W curioso notar &ue este poema% al9m de ornecer consideraç=es teóricas precisamente a

respeito do &ue deinimos como a metáora maior da ora seniana% aB reerncia a episódios de

composiç=es literárias de autoria do próprio Sena* ão 9 di)cil% por e>emplo% perceer a

semelhança entre os poetas  sacrificando9se por 'ns milhares de francos  e o /am=es do conto

Super !lumina RaElonisNI ou ainda a analogia entre 'ma :isita do !lto pelo corpo adentro

receida pelos santos e% em + grande segredoN% a possessão do corpo da reira por uma entidade

m)stica% cuFo lado de &ue ad#9m tam9m não , seg'ro e certo por&ue en&uanto a religiosa pensa

receer algo di#ino a narração nos permite supor &ue a entidade sagrada em &uestão seFa diaólica*

_uanto a tais implicaç=es% o #erso inal% ao aludir 0 d'pla imagem% 9 astante signiicati#o por&ue

remete a mais uma apro>imação poss)#el entre o daimon% &ue intitula o poema% e o espelho  (o

mesmo espelho &ue então relete a prosa de Sena em sua poesia e #ice-#ersa* +utrossim% por&ue a

#oB po9tica de Sena 9 demoníaca% o autor atiBará de  E&orcismos  um #olume seu de poemasI

escre#er 9 uma maniestação da liertação desta mesma #oB &ue lhe dei>ará o corpo então possu)do*

4% se Sena considera O Físico Prodigioso a sua ora mais autoiográica7 (e este 9 mais um

moti#o para &ue seFa regida pelo espelho% o &ue parece ter passado at9 agora desperceido 9 o ato

de &ue% para al9m do protagonista% tal#eB a outro personagem possamos atriuir a denominação de

alter9ego% não do autor iográico% mas do narrador% da entidade responsá#el pelo discurso po9tico%

ao menos no &ue se reporta ao aBer literário de Sena   &ual seFa% não há mist9rio% o próprio diabo*

+ra% o Diabo personagem da no#ela irá conessar &ue não espera#a nada do )sico% apenas .'e fosse

 pelo m'ndo com o se' poderH e .'e ele assistisse 0 s'a eternidade (p* 660I ou seFa% o &ue temos 9 o

daimon% g2nio t'telar % en&uanto alter9ego da po9tica de Jorge de Sena% a conigurar a d'pla imagem

7  Segundo pala#ras do autor na Pe&uena nota introdutória a uma reedição isoladaN da no#ela, 4sta O9poca%dando-me uma distKncia Opseudo-histórica% permitia-me uma lierdade de imaginação em &ue o antástico% com todasas implicaç=es eróticas e re#olucionárias como eu sentia er#er em mim na pessoa do O)sico% podia ser usado para

tudo* Por isso% e num sentido interior% eu Fá uma #eB disse &ue pouco do &ue eu alguma #eB escre#i 9 tão autoiográicocomo esta mais antástica das minhas criaç=es totalmente imaginadas*N (p* 60*

<6

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do se' ser % e>pressando a sua necessidade de &ue o tutelado escritor mantenha as suas andan#as% a

sua perseg'i#ão% a sua peregrinatio% das &uais depende a própria e>istncia deste daimon*

Mas a po9tica demon)aca de Jorge de Sena não 9 representada simplesmente pelo espelho e

sua disposição de% tal &ual o diabo% perceber t'do ao contrário% ser capaB de in#erter a natureBa dos

acontecimentos% mas tam9m em unção da caracter)stica distinti#a &ue potencialiBa esta orça

transormadora* Particularmente% a no#ela O Físico Prodigioso% com a sua #ocação diaólica%

seleciona dentre estes #ariados oFetos a&ueles &ue apresentam a peculiar natureBa anteriormente

apresentada% traBendo ' cena% #ia de regra% os espelhos  deformantes* 4 para recuperar ecos

anteriores% não era casual portanto &ue 3dso de MelQ conundisse o seu rele>o distorcido

e>atamente com 'm diabo*

38 )S  ESPELHOS   DEFORM!"ES 

Perscrutando no#amente o Dicionário de ímbolos% descorimos &ue o espelho% ainda &ue

iel% comporta um certo aspecto de ilusãoN<% conorme Fá testemunhamos Platão deender por

caminhos outros* 3 radicaliBação desta propriedade ará surgir e>atamente um espelho &ue% mais

do &ue in"erter  as posiç=es es&uerda e direita% metamoroseará em aspectos di#ersos a realidade

reletida% um espelho deformante como a&uele com &ue Guilherme de RasQer#ille e 3dso de MelQse deparam nos corredores da ilioteca do mosteiro*

3 im de escamotear as unç=es semKntico-discursi#as dos espelhos  desta natureBa%

#oltemos ao reduto do nosso primeiro encontro% a ilioteca da aadia medie#al    espaço de O

 Nome da Rosa de "merto 4co% cuFa escrita (e tam9m pós9escritaU e#idencia as principais ontes

<  /T4V3LA4$% J*I GT44$R$3.% 3* (6% p*;<*U

  $eerimo-nos% a&ui% ao interessante Pós9Escrito a O nome da Rosa% no &ual "merto 4co e>p=e os detalhes doseu processo de traalho no &ue concerne ' criação da sua mais amosa ora% a e>emplo do &ue 4dgar 3lan Poe iBera

<0

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em &ue o autor do romance eeu% dentre as &uais encontramos Jorge Lu)s Rorges* + maior ind)cio

desta inluncia 9 o monge nomeado Jorge de Rurgos% numa alusão e#idente ao escritor argentino*

/ego igual a ele% o personagem 9 delineado como algu9m capaB de mo#er-se e alar como se

 possu)sse ainda o dom da #isãoN2I e não 9 precisamente esta competncia o &ue nos surpreende no

Rorges a escre#er após a e#idenciação da sua deicincia #isual Mas a caracter)stica &ue mais nos

chama a atenção no personagem umertiano 9% em semelhança ao dado iográico de Rorges% a

 prounda ainidade entre o cego e mal-humorado ancião e a #asta coleção de li#ros do mosteiro* W

mesmo 4co &uem reconhece, 4u &ueria um cego como guardião de uma ilioteca (o &ue me

 parecia uma oa id9ia narrati#a e ilioteca mais cego só pode dar Rorges*N8  Segundo a narração

de 3dso% o Jorge criado pelo italiano era% em suma% a própria memória da iliotecaN% aptidão &ue

at9 nos lemra as e>traordinárias capacidades mnemCnicas do personagem !unes 611*  4% se 9 para

citar semelhanças com a ora literária de Rorges% #ale lemrar &ue Jorge de Rurgos% &ue se re#ela

responsá#el pelos crimes &ue ocorreram na aadia% ciente dos e&ui#ocados mo#imentos

in#estigati#os realiBados por Guilherme% se apro#eitou deste ato para agir de acordo com as

e>pectati#as da) geradas% o &ue le#ou o protagonista a reconhecer, ***ari&uei um es&uema also

 para interpretar os mo#imentos do culpado e o culpado se ade&uou a eleN616I processo análogo ao do

conto La muerte E la r@FulaN% no &ual o deteti#e 4riQ Lnrot segue pistas orFadas pelo criminoso

$ed Scarlach para atra)-lo*

Mas atenhamo-nos '&uele &ue será o ponto ucral da nossa comparação entre as oras de

4co e Rorges   apreciemos as similitudes entre a ilioteca da aadia e a ar&uitetura da Rilioteca

de Rael (encontrada no conto homCnimo% erguida da seguinte maneira pelas letras orgianas,

 pioneiramente ao tratar da construção do poema + /or#oN em artigo intitulado 3 ilosoia da composiçãoN*2  4/+% "* (011;% p* 8;*8  4/+% "* (68<% p* 0U*  4/+% "* (011;% p* 60*611

  Personagem-t)tulo do conto !unes el memoriosoN% trata-se de um homem &ue Famais es&uece nada*616  4/+% "* (011;% p* 7<6*

<;

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4l uni#erso (&ue otros llaman la Rilioteca se compone de un n@mero indeinido%E tal #eB ininito% de galer)as he>agonales% con #astos poBos de #entilación en elmedio% cercado por arandas aF)simas* Desde cual&uier he>ágono% se #en los pisos ineriores E superiores, interminalemente* La distriuición de las galer)as esin#ariale* Veinte ana&ueles% a cinco largos ana&ueles por lado% curen todos loslados menos dosI su altura% &ue es la de los pisos% e>cede apenas la de un iliotecario normal* "na de las caras lires da a un angosto Baguán% &uedesemoca en otra galer)a% id9ntica a la primera E a todas* 3 iB&uierda E a derechadel Baguán haE dos gainetes min@sculos* "no permite dormir de pieI otro%satisacer las necesidades ecales* Por ah) pasa la escalera espiral% &ue se aisma Ese ele#a hacia lo remoto* 4n el Baguán haE un espeFo% &ue ielmente duplica lasapariencias* Los homres suelen inerir de ese espeFo &ue la Rilioteca no esininita (si lo uera realmente a &u9 esa duplicación ilusoriaI Eo preiero soar&ue las supericies ruidas iguran E prometen el ininito*** La luB procede deunas rutas es9ricas &ue lle#an el nomre de lámparas* TaE dos en cadahe>ágono, trans#ersales* La luB &ue emiten es insuiciente% incesante*610

+ m9todo empregado por Rorges para apresentar a Rilioteca de Rael está regulado por um

discurso &ue descre#e sem circunló&uios e% deste modo% impetra o seu oFeti#o de imediato%

sintomatiBando a peculiar caracter)stica desta ediicação, apesar do n@mero impreciso de galerias

&ue a comp=em e da sua presum)#el ininidade (o &ue de#eria potencialiBar o seu aspecto

lair)ntico% a circunstKncia de% a partir de cada he>ágono% ser poss)#el en>ergar simultaneamente

todos os andares superiores e ineriores transorma este pr9dio em um lairinto cuFos caminhos são

e>postos% um lairinto &ue o #isitante pode oser#ar em toda a sua amplitude     ou seFa% a

Rilioteca de Rael 9 um lairinto &ue parado>almente não oerece oFeção alguma a um

mapeamento*

Por outro lado% do 4di)cio (conorme% lemramos% 9 conhecida a ilioteca do mosteiro% em

outra clara alusão ao arranha-c9u orgiano a #isão otida pelo leitor será constru)da de orma

gradati#a% en&uanto% página a página% Guilherme e 3dso des#elam os seus segredos    ou seFa% o

 percurso se e>p=e na medida em &ue andamos pelo seu interior% como ocorre nos lairintos

haituais* Sua composição rememorará a Rilioteca de Rael     o próprio 4co deine o seu

lairinto como uma rede &ue não tem centro% não tem perieria% não tem sa)da% por&ue 9

610  R+$G4S% J* L* (6<U% p* 8-1*

<7

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 potencialmente ininitoN61;% o &ue nos remete ' construção orgiana   mas não seguirá e>atamente

o mesmo proFeto% Fá &ue a regularidade desta% ormada por galerias he>agonais idnticas% dará lugar%

no romance do escritor italiano% a outras ormas geom9tricas &uantitati#a e &ualitati#amente

di#ersas% como ica claro% por amostragem% na recapitulação eita pelo próprio Guilherme de um

 pe&ueno espaço &ue 3dso e ele ha#iam percorrido, /inco salas &uadrangulares ou #agamente

trapeBoidais% com uma Fanela cada% &ue contornam uma sala heptagonal sem Fanelas% aonde #em dar

a escada*N617

3 oposição entre as duas ar&uiteturas surge representada na desigualdade dos espelhos &ue

encontramos em cada uma das duas iliotecas, na criação de "merto 4co% como testemunhamos%

Guilherme e 3dso se deparam com um espelho deformanteI em contrapartida% no saguão da

Rilioteca de Rael% ha; 'n espejoH .'e fielmente d'plica las apariencias* +ra% conclu)mos

anteriormente &ue o espelho% imu)do de cargas semKnticas espec)icas% poderia ser considerado

uma alegoria dos mecanismos mim9ticos próprios da $iterat'ra* 4 a sua presença em iliotecas%

onde se lhes oerece a ocasião de reletirem oras literárias% ele#a-os oportunamente ' metáora não

mais tão somente da escrita% mas ainda da re-escrita% da re-le>ãoI de enCmenos interte>tuais%

 portanto*

61;

  4/+% "* (68<% p* 72*617  4/+% "* (011;% p* 6UU*

<<

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 ão tememos deender% inclusi#e% &ue a Rilioteca de Rael igura entre as mais pereitas

metáoras criadas na literatura mundial para conceer o enCmeno da interte&t'alidade* 3

 possiilidade de% a partir de &ual&uer ponto% en>ergar a Rilioteca em sua totalidade co)e o

isolamento &ue os li#ros haitualmente sorem enclausurados nas estantes de uma ilioteca

comum (especialmente a&uelas &ue possuem corredores como os do 4di)cio da aadia% constru)dos

 para censurar e não para democratiBar o conhecimento* + espelho no saguão% por sua #eB% Fustiica

a ininidade para ai>o dos andares &ue Fá crescem a9licos para cima 61< e% por conse&Hncia% não

 permite &ue &ual&uer li#ro e>ista sem &ue seFa duplicado* 3s duas imagens (a comunicação entre

todos os li#ros e a duplicação de cada um deles metaoriBarão Fustamente o &ue se conhece por

interte&t'alidade*

3 Fustiicati#a teórica para a eleição da  Aiblioteca de Aabel  como alegoria de processos

interte>tuais% com o crescimento dos seus andares ininitamente para cima e% em conse&Hncia do

espelho% tam9m para ai>o (em um desen#ol#imento% portanto% simultKneo% encontra-se na

airmati#a de &ue Rorges lança mão no artigo aQa e seus precursoresN% por ocasião da análise da

ora do escritor tcheco% dando conta de &ue cada escritor cria os seus precursoresN 61U* +u seFa% o

surgimento de um li#ro no#o nos andares @ltimos da Rilioteca 9 o &ue gera o rele>o no espelho do

saguão de sua ora precursora nos andares aai>o do espelho* 3 crença na ininidade da Rilioteca

de Rael tam9m encontra eco (com o perdão do Fogo de pala#ras nas id9ias proeridas sore a

coleção de li#ros da aadia% Fá &ue% segundo descre#e Mala&uias% responsá#el pelo lugar% a ilioteca mergulha sua origem na proundeBa dos temposN612% o &ue assim lhe conere tam9m uma

natureBa genes)aca*

61<  Saemos% toda#ia% &ue se mant9m am)gua a unção deste oFeto no &ue diB respeito ' produção do ininito%ainal los hombres s'elen inferir de ese espejo .'e la Aiblioteca no es infinita Isi lo f'era realmente a .', esad'plicación il'soriaJKI amigHidade &ue% em contrapartida% reorça a sua condição de espelho*61U

  R+G4S% J* L* (627% p* 6;8*612  4/+% "* (011;% p* 81*

<U

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/aminhemos al9m, a e>pressão matemática Aiblioteca L 'ni"erso hiperoliBa esta metáora%

 por&ue dá a entender a e>istncia de um io &ue interligue% direta ou indiretamente% todas as oras

literárias* ão por acaso% a Rilioteca ariga inclusi#e os li#ros &ue tratam das interpolaciones de

cada liro em todos os librosN666* +utrossim% parece e#idente &ue o 4di)cio da aadia tam9m se

amiciona uma meton)mia do mundo literário% o próprio 4co o re#ela em suas coniss=es em orma

de  Pós9Escrito a O Nome da Rosa, os li#ros alam sempre de outros li#ros e toda história conta

uma história Fá contadaN660I e reitera a seguir, só se aBem li#ros sore outros li#ros e em torno de

outros li#rosN66;* .udo isso emerge após o conceito primeiro de interte&t'alidade (todo te>to se

constrói como mosaico de citaç=es% todo te>to 9 asorção e transormação de um outro te>toN667 ser

cunhado por Julia riste#a na d9cada de 6U1 (so conessada inluncia da noção de dialogicidade

te>tual proposta por MiQhail RaQhtin% cuFas premissas acima estudadas% le#adas a termo% resultam

e>atamente nesta comple>a inter-relação entre todos os te>tos* 3 propagada morte do a'tor

(desautoriBando &ue se ale em inten#ão e a conse&Hente alta de cincia por parte desta agora mera

categoria literária &ue se tornou o mesmo autor &uanto ' totalidade das relaç=es interte>tuais

maniestadas na escritura seriam assim os atores decisi#os para a concepção deste #olume @nico e

sem limite de páginas &ue engloaria todas as oras e>istentes ou pass)#eis de e>istncia% o &ue

condiB com a conclusão de $oland Rarthes de &ue 9 isto o interte>to, a impossiilidade de #i#er

ora do te>to ininitoN66<*

3 comple>idade da rede de relaç=es interte>tuais &ue Rorges e 4co deendem está tam9mrepresentada no conto .ln% "&ar% +ris .ertiusN% de autoria do escritor argentino* 3&ui% o

 personagem Rorges% em usca de um #erete enciclop9dico a respeito de "&ar% um  país

imaginário &ue ganha status de realidade pelo caráter cient)ico do li#ro &ue o descre#e% encontra666

  R+$G4S% J* L* (6<U% p* 7*660  4/+% "* (68<% p* 01*66;  Adem% p* 71*667  $AS.4V3% J* (627% p* U7*66<  R3$.T4S% $* (627% p* 22*

<8

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algo ainda mais inusitado, .ln% um  planeta  imaginário% criado por #árias geraç=es de uma

sociedad secreta de astrónomos% de iólogos% de ingenieros% de meta)sicos% de poetas% de &u)micos%

de algeristas% de moralistas% de pintores% de geómetras*** dirigidos por um oscuro homre de

genioN66U* + e>ame da literatura deste planeta nos proporciona duas re#elaç=es, a primeira 9 a de

&ue% em .ln% no e>iste el concepto de plagio, se ha estaelecido &ue todas las oras son ora de

un solo autor% &ue es intemporal E es anónimoN662% tão atemporal e anCnimo &uanto a&uele hombre

de genio   detentor de todos os saeres% representação #i#a da própria enciclop9dia na &ual Rorges

realiBa a sua pes&uisa  % &ue conduB a criação da realidade-icção &ue circunda esta icção de

segundo grauI a outra re#elação 9 a de &ue% dos li#ros de .ln% los de icción aarcan un solo

argumento% com todas las permutaciones imaginalesN668*  +u seFa% todos os li#ros são um @nico e

interminá#el Li#ro% cuFos autores se consustanciam num 3utor singular% conorme conclui

4duardo Lourenço (em ensaio sore Jorge de Sena onde tam9m Rorges se torna importante, +

 iliotecário genial de Ruenos 3ires mediu como &ue a #acuidade dos li#ros e resumiu-a no mito de

um Li#ro eterno e inacess)#el do &ual todos procedem e ao &ual todos reen#iam*N66 +temos então

consentimento para &ual&uer proposta de leitura interte>tual% inclusi#e% 9 claro% a &ue a&ui

e>ploramos entre 4co e Rorges e as &ue por#entura #iermos a tratar entre a no#ela de Jorge de Sena

e outras di#ersas oras e discursos literários% tendo como e>clusi#o crit9rio para aFuiBar a sua

 pertinncia a compro#ação te>tual*

3liás% tal#eB pareça despropositada a &uantidade de laudas &ue consumimos a e>aminar

"merto 4co e Jorge Lu)s Rorges numa pes&uisa cuFo tema 9 Jorge de Sena (e% lemremos% ainda 9

este o mote principal da nossa dissertação* 4ntretanto% moti#os há para este aparente

desencaminho, a relação entre o romance italiano e o conto argentino em &uestão consustancia um

66U  R+$G4S% J* L* (6<U% p* 01*662  Adem% p* 08*668

  Adem*66  L+"$4k+% 4* (687% p* <6*

<

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e>emplo do diálogo discursi#o-literário cuFa identiicação orientará a nossa leitura a respeito da

no#ela O Físico Prodigioso* Asto por&ue O Nome da Rosa representa% como tentamos demonstrar%

um rele>o deformante da Rilioteca de Rael% haFa #ista as dierenças &ue descorimos entre as

duas construç=es (desde a disposição e o ormato das suas galerias at9 o próprio espelho &ue cada

uma delas ariga em seu interior% dierenças a haitarem% por9m% o seio de e#identes semelhanças*

_uanto a isto% tam9m Jorge de Sena% em seu caso pela #ia po9tica% teoriBará de orma

semelhante 's de Rorges e 4co acerca dos processos interte>tuais% chegando a conclus=es como as

&ue podemos conerir nos #ersos do poema 4spiralN,

"m só poema asta para atingir a terra%caminho de todos os poemas%sinal de todas as graças% poço de todas as águas%tenham ou não tenham olhos &ue as chorem*

+h poema caminhando ao encontrode uma sei#a tran&uilaem canal)culos de #irgindade acti#aZ

+h poema suposto ine#itá#elen&uanto homens desistam e se apaguemZGraça de morte para uma ideia nascenteIolhar de torre antiga%soranceira ao adro restaurado***

3&ui era uma onte*

_ue os homens entendam%&ue os homens lutem%&ue os homens esmaguemos sinais in#entados*

+ poema #em descendo e cruBa-se com outros*

3&ui nunca hou#e um rio*

4 o poema iniltra-se de perto%dei>ando ' super)cieuma ligeira espuma po9tica representando o poetade olhos aertos para a espiral dos tempos*601

601  S43% J* de (6U6% p* 21-6*

U1

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+ra% se a terra 9 o caminho de todos os poemas e% ao atingir esta terra% o poema cr'za9se

com o'tros% podemos concluir &ue% na #erdade% cruBar-se-ia com todos os o'tros poemas* 4sta

representação da interte&t'alidade ganha ainda mais notoriedade no #erso isolado a.'i era 'ma

 fonte% por&ue  fonte  Fá 9 uma metáora cristaliBada para a inluncia art)stica* .al hipótese se

consolida se pensarmos numa poss)#el amigHidade para a pala#ra terra% lugar onde se culti#a a

 poesia% mas tam9m sugestão do espaço haitá#el a &ue se destina esta mesma poesia% o &ue daria

ao #erso inicial uma no#a semKntica% potencialiBando o &ue não passaria de 'm poema  a se

transormar em parte do ininito e @nico (atiBemo-lo agora assim  Poema  a ser eternamente

composto* -m só poema basta para atingir a terra por&ue este poema traB consigo coligados todos

os demais &ue e>istem ou e>istirão% cada um deles composto so a 9gide do hombre de genio

 orgiano% &ue amalgama em si todos os poetas* 4 Fá &ue o Poema 9 ormado pelo liame de 'm

 poema aos seus ininitos rele>os deformantes     deormação causada pelos homens &ue de#em

entender % l'tar  contra e esmagar  os  sinais in"entados   % Fustiica-se &ue o poeta Sena esteFa de

olhos abertos para a espiral dos tempos (tempos pret9ritos dos poemas e>istentes% tempos uturos

dos poemas .'e esperam ser escritos% Fá &ue se o c)rculo seria a melhor igura para representar o

espelho iel e as repetiç=es temporais% a espiral parece ser o desenho ideal do espelho deformante%

uma #eB &ue neste somente há uma repetição aparente dos e#entos    nem seria então ortuito &ue

hou#esse na Rilioteca de Rael precisamente uma escalera espiral *

LepraN será outro poema a corroorar a tese &ue deendemos,

3 poesia tão igual a uma lepraZ *** *** *** *** *** *** *** *** *** ***

4 os poetas na leprosaria#ão #i#endouns com os outros%inspeccionando as chagasuns dos outros*606

606  S43% J* de (6U6% p* ;7*

U6

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Sendo a lepra uma doença contagiosa% a inspeção das chagas dos poetas contaminados

transmite a poesia de um para outro   contagia um poeta com a po9tica de outro* 3 metáora da

ligação entre a poesia seniana e os demais discursos po9ticos não se poderia dar de modo mais

con#eniente pelo ato de% na Adade M9dia (per)odo aliás escolhido para amientar a sua no#ela%

algumas doenças% em especial a lepra% serem o signo e>terior do pecadoN 600% o &ue uma #eB mais

demonstra o caráter diaólico do aBer literário seniano*

Diante destas e#idncias% 9-nos poss)#el uscar no 4#angelho de Lucas a simoliBação desta

teoria de interte&t'alidade irrestrita% aplicada agora a Jorge de SenaI este te>to do o#o .estamento

narra o episódio no &ual Jesus e>orciBa um homem% e>pulsando dele os demCnios, Jesus

 perguntou-lhe, O_ual 9 o teu nome 4le respondeu, OLegiãoZ (Por&ue eram muitos os demCnios

&ue nele se oculta#am*N60;   $egião, eis como podemos denominar a po9tica diaólica de Jorge de

Sena &ue incorpora tantas #oBes poss)#eis dentro do seu discurso* Justamente pelo seu inegá#el

aspecto demon)aco% o aliciamento desta $egião e o cruBamento destes discursos po9ticos se dá na

terra% espaço cuFo imaginário cristão reconhece como morada de L@cier e &ue #em a ser% como

#imos em 4spiralN% o caminho de todos os poemas*

Desta dolorosa troca leprosa% construir-se-á uma Poesia @nica% a&uela &ue encontraremos no

 Poema  composto pelo hombre de genio  orgiano% pela $egião seniana% cuFa escrita não termina

nunca% o &ue pro#oca no poeta Sena a seguinte conissão em 3 @ltima pala#raN,

nunca direi% &ual outros não disseram%a @ltima pala#ra, dei>arei as letras%dei>arei a toada% o Feito de a diBer%e morrerei saendo &ue outros morrerãoda mesma morte e natural silncio*607

600  P4/3D+ (682% p* 021*60;

  Lc 8% ;1*607  S43% J* de (6U6% p* 670*

U0

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3pesar das ponderaç=es &ue traçamos% não podemos ugir da e#idncia de &ue não há em O

 Físico Prodigioso nenhuma ilioteca (o &ue tal#eB osse at9 de se espantar em se tratando de uma

narrati#a de amientação medie#al* /omo deendermos tam9m a&ui o espelho como s)molo de

 processos interte>tuais% se ele não está a produBir rele>os como os &ue des#elamos em O Nome da

 Rosa ou ! Aiblioteca de Aabel  +ra% a resposta 9 ine&u)#oca, a própria no#ela de Jorge de Sena%

em raBão das mais #ariadas inluncias literárias &ue claramente a comp=em% 9 uma biblioteca*

_uando lemos as suas páginas% encontramos nelas reletidas di#ersas oras &ue se localiBam em

estantes cont)guas e &ue #ão desde os mitos de arciso e de Perseu e de 3dão e de /risto at9 O

 Retrato de Dorian ?ra; de +scar ilde% passando pelos e>emplos religiosos de O Orto do Esposo

e pelo Fa'sto de Goethe e pela cultura medie#al com as suas cantigas de amor e de amigo e as suas

no#elas de ca#alaria% tudo isso para encontrarmos arrimo nos mais #is)#eis*

 o entanto% todas estas especularidades serão deformantes% por&ue tais releituras se darão

a&ui   conorme mais ' rente constataremos   no registro de paródia* 4 (por &ue não diBer O

 Físico Prodigioso seria% assim% e>atamente uma Rilioteca de Rael% destinada ' deciração% tal

como a narração orgiana deine .ln, .ln será un lairinto% pero es un lairinto urdido por

homres% un lairinto destinado a &ue lo desciren los homresN60<% um lairinto &ue sorerá

deciração Fá &ue% de acordo com o próprio conto de Rorges% o m'ndo será =lMnI ou como deende o

narrador e personagem de !unes el memoriosoN, tarde o temprano% todo homre hará todas las

cosas E sará todoN60U

    le#ando-nos a rememorar ainal a mesma id9ia sugerida por Jorge de Sena

no poema 3mátiaN anteriormente analisado e &ue então a#aliamos como modo de reconhecimento

das potencialidades intelectuais do homem* Será precisamente por isso &ue a  Aiblioteca de Aabel

estará aerta ao mapeamento% por&ue $iterat'ra 9 um lairinto constru)do para ser decirado*

60<

  R+$G4S% J* L* (6<U% p* ;<*60U  Adem% p* 60*

U;

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4 não poderá ser dierente com a ilioteca &ue cuidamos ser O Físico Prodigioso% uma #eB

&ue% al9m de tudo% esta ora representa uma ode ' lierdade do homem  e não se admitiria

semelhante ' ilioteca da aadia% com suas restriç=es rutos de uma administração conduBida so

um arcaico despotismo esclarecido* W esta deciração da ilioteca O Físico Prodigioso o &ue

 uscaremos perseguir na segunda parte desta dissertação*

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$$ O F  #S$%O P  ROD$&$OSO

nico traalho dentre os muitos escritos de Jorge de Sena &ue o próprio autor categoriBou

como no#ela% O Físico Prodigioso ornece a parte inal   ou aparentemente inal   da traFetória

do personagem-t)tulo% cuFa rotina 9 caminhar a esmo pelo mundo curando doentes atra#9s dos

 poderes de &ue 9 in#estido pelo uso de um gorro mágico% arteato com &ue ora presenteado na

inKncia por sua madrinha% mulher &ue o criara% e &ue ratiica#a um pacto com o Diao% personagem

&ue o acompanha por toda a #ida*

4ste primeiro traço do )sico% o de #iandante% nos remete a dois importantes aspectos* +

 primeiro está relacionado ' marca itinerante da po9tica seniana% como podemos compro#ar Fá pelos

t)tulos de outras oras% tais como o do #olume de poemas Peregrinatio ad $oca %nfecta ou os das

duas coletKneas de contos conhecidas so o nome de  !ndan#as do Demónio% em um dos &uais

ainal a no#ela ora pulicada pela primeira #eB* 3 segunda reerncia conse&Hente do ato de o

 personagem principal ser um andarilho está in petto ligada ' amientação medie#al da no#ela% o &ue

apro>ima logo o )sico de um ca#aleiro andante*

3 traFetória alcança a&ui o seu ponto culminante, a chegada do )sico a um castelo no &ual

encontra con#alescente a sua castelã% Dona "rraca% igura eminina &ue pela primeira% @nica e

derradeira #eB logra prender o herói por um estreit)ssimo #)nculo aeti#o* Asto o ará optar por

 permanecer no lugar mais do &ue seria o costume e lhe permitirá aceder a um ele#ado n)#el de

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autoconhecimento% o &ue pro#ocará nele% primeiramente% o desejo de interromper a sua Fá longa

caminhada% e em seguida% numa radicaliBação desta id9ia% o desejo de morrer*

Dotado &ue 9 de poderes% o )sico terá a sua #ontade prontamente atendida e% assim sendo% os

dias de praBer incomensurá#eis &ue e>perimentara em companhia de Dona "rraca e de todas as

donBelas do castelo serão ruscamente interrompidos por um processo in&uisitorial &ue aprisionará

o casal de amantes e os conduBirá ' morte* 4ste perecimento% entretanto% não será deiniti#o e ao

im da no#ela assiste-se ao renascimento dos personagens num no#o e inominado casal    rele>o

deformante do primeiro  % cuFo encontro estará no#amente catalisado pela ação do gorro mágico%

modo de sinaliBar ainda uma #eB a onipresença da igura do Diao não apenas no &ue hou#e% mas

ainda no &ue estaria por #ir*

23 )S  ESPELHOS   DEFORM!"ES  &" %)'!L" S!%$"%"

unca sai certo o momento a &ue se #olta*** unca***N (p* 8<-U

_uando% Fá ao inal do se>to dos doBe cap)tulos em &ue se undamenta a narrati#a% o )sico

dirigir tal declaração a Dona "rraca   e esta será uma das alas derradeiras do protagonista% &ue

em seguida se calará #itimado pela opressão in&uisitorial &ue lhe 9 imposta na segunda metade da

no#ela  % compreenderemos% em unção do desen#ol#imento das aç=es nos Fá &uase seis cap)tulos

&ue antecederam esta cena e tendo por ase os pouco mais de seis cap)tulos &ue lhe sucederão% &ue

esta passagem   cuFa posição estrategicamente central no te>to sugere uma osessão ormal e uma

essencialidade temática   ariga% em sua economia% uma das mais importantes potencialidades da

no#ela de Jorge de Sena*

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Primeiramente% por&ue a essncia de O Físico Prodigioso  reside num comple>o de

repeti#+es    na semKntica do te>to% na camada #isual da escrita% na sua relação com oras outras

   as &uais% no entanto% Famais se re#elarão e>atas ou idnticas% enim% são repeti#+es &ue nunca

saem certas% no sentido de precisão% &uando 's suas matriBes se "oltam* Segundo por&ue esta rase

 primordial nasce num momento da narrati#a &ue unciona como um di#isor de águas% gerando duas

metades &ue proporcionarão eeitos asolutamente distintos entre si* 3ssim 9 &ue% so tal conceito

de repeti#+es irregulares% de duplos ini9is% introduBimos como emlema desta narrati#a os espelhos

deformantes*

3ssimilar &ue O Físico Prodigioso 9 constru)do sore um arcaouço inário% re#elando uma

dualidade &ue lhe 9 intr)nseca% não 9 no#idade para a ortuna cr)tica seniana* Segundo !redericQ G*

illiams%

a no#ela em &uestão pode ser estudada de #árias perspecti#as% mas (*** nenhumaserá tão rica como a do ponto de #ista da tensão criada pelo &ue poder)amoschamar a estrutura inária% &uerendo diBer com isso% toda esp9cie de dualismo%incluindo ant)tese% contrapartidas e outras ormas*602

Similarmente% Maria 3lBira Sei>o percee nesta narrati#a uma ami#alncia &ue domina

toda a no#elaN608* Maria de !átima Marinho a) tam9m descore% do princ)pio ao im% a

amigHidade% o dois como unidade m)nimaN60% e complementa, +s pólos% geralmente antit9ticos%

tornam-se complementares% ha#endo em toda a no#ela uma surpreendente coincidncia de

opostosN6;1* Torácio /osta alcança conclusão semelhante% o &ue o le#a a atestar &ue a id9ia &ue

 preside ' concepção do )sico 9 a da amigHidade ou% se preerirmos% a de coincidentia

oppositor'mN6;6* 3inda MiQe Tarland% so a ótica psicanal)tica &ue trata da usca da inteireBa do

602  S4A:+% M* 3* (68% p* 21*608  Adem% p* 6<*60  M3$AT+% M* de !* (686% p* 670*6;1

  Adem*6;6  /+S.3% T* (60% p* 62U*

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4u% descorirá a necessidade de o protagonista promo#er a #erdadeira união do opostosN6;0* 4%

&uanto a isto% declara inalmente Jorge !aBenda Lourenço &ue% na no#ela de Sena% a conFunção e

conFugação de pares antit9ticos% as coincidentia oppositor'm% a complementaridade dos contrários

apontam para uma s)ntese dial9tica% superadora das antinomias platCnicasN6;;*  !aBenda Lourenço%

 por conta de tal leitura% não dei>ará escapar a importKncia da presença do espelho para a narrati#a

   oFeto a &ue credita a unção de ser% para o herói da no#ela% a conscincia de si próprioN6;7I 

assim como e>p=e +rlanda 3Be#edo% &ue% ao deender &ue O Físico Prodigioso reati#a um mito de

ortes ra)Bes literárias% o do duploN6;<% inerirá a unção primordial do espelho* 4% inalmente% ainda

&ue apenas em uma rápida menção% +rlando unes de 3morim dará a entender a real &ualidade

)sica dos espelhos da no#ela% ao alar dos segmentos% mais ' rente por nós estudados% em &ue o

te>to se desen#ol#e em duas colunas paralelas, 3 narração paralela estaelece uma relação

especular% as narrati#as reletem-se% mas de orma distorcida% como num espelho cCnca#o ou

con#e>o*N6;U

+ra% o elemento &ue a&ui desde o in)cio &ueremos acentuar na caracteriBação das imagens

especulares em O Físico Prodigioso 9% na #erdade% Fustamente esta ante#isão do seu aspecto

deformante* 3ntes por9m de nos alongarmos em uma detida análise de causas e conse&Hncias da

 presença de rele>os igurati#os com esta natureBa na no#ela O Físico Prodigioso% cremos &ue se

aça necessário in#entariar as suas #ariadas maniestaç=es neste te>to de Jorge de Sena* 4ste 9 o

oFeti#o das pró>imas linhas traçadas*

6;0  T3$L3D% M* (011<% p* 07U*6;;  L+"$4k+% J* !* (60% p* 666*6;7  L+"$4k+% J* !* (0110% p* 6;7*6;<

  3X4V4D+% +* (011;% p* 6;6*6;U  3M+$AM% +* * de (011U% p* 610*

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233 !'$&C%#$"S

3 claridade apagou-se de repente% e diante de !rei 3ntão esta#a um rade como ele% com o

corpo dele% e com o rosto &ue ele tinha antes da mudança*N (p* 666

W deste modo &ue% após ser con#ocado em ritual para prestar e>plicaç=es a respeito do )sico

então aprisionado% o Diao aparece a !rei 3ntão, ser#indo-se da orma material do próprio rade

&uando este mesmo Fá dela não mais podia aBer uso% por&ue ora castigado por ora do próprio

DemCnio e origado a carregar no lugar do seu rosto a ela ace do )sico* 3 cena 9% portanto%

estruturada a partir de uma especularidade diaolicamente deformante% ironicamente impereita%

 pois as imagens &ue se nos apresentam são produBidas por um espelho &ue não relete com o rigor

&ue esperar)amos desta sorte de enCmeno* Descorimos uma super)cie espelhada &ue gera antes

uma e>atidão anatCmica (o &ue ainda caracteriBaria o seu resultado como rele>o% rele>o toda#ia

anacrCnico% em e#idente conlito com o imediatismo &ue caracteriBa os espelhos*

+ e>emplo 9 apenas um dentre di#ersos outros &ue e>iem aos olhos do leitor maniestaç=es

dos espelhos deformantes% as &uais nos propomos a perscrutar em O Físico Prodigioso* An#entariar

estas apariç=es 9 um traalho &ue% por mais &ue se realiBe com min@cia% estará sempre adado a ser

incompleto% Fá &ue% com tantos espelhos a se disseminarem pelo te>to% não 9 impro#á#el &ue

casualmente um se posicione em paralelo a outro e então nos deparemos com uma construção de

rele>os ininitos e distintos% imposs)#eis pois de serem catalogados em sua integridade* Seria esta% possi#elmente% uma ela imagem de alncia da cr)tica diante da interminá#el multiplicação de

sentidos de uma ora de arte* 3inda assim% comprometemo-nos a cumprir a inaliená#el origação

de% mais do &ue e>empliicar% construir um arrolamento ade&uado ' ultrapassagem da simples

amostragem das especularidades deformantes% compondo assim um &uadro assaB arangente% de

modo &ue possamos consolidar a nossa proposta de leitura para a no#ela seniana*

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2333 ) R$M"%#! M!)%DM$#)

Por escolhermos partir dos e>emplos gerais para depois nos orientarmos paulatinamente aos

mais espec)icos% parece imperati#o iniciar esta apresentação de especularidades por um dos cinco

 poemas &ue iguram na no#ela% dentre os &uais elegemos precisamente a&uele em &ue descorimos

uma signiicati#a transnominação de elementos oriundos do enredo #i#ido pelo )sico e por Dona

"rraca   reerimo-nos ' composição cantada pelas donBelas logo após es&uecerem% por indução da

magia do gorro do )sico% o encontro com o protagonista nu ' eira do rio, o rimance 3o castelo o

ca#aleiroN*

3o castelo o ca#aleiro#inha #indo sua #ia%sem saer &ue procura#a%sem saer &ue encontraria*3s armas eram de ouro%a lança na mão traBia*!echadas eram as portas%

mas coa lança Fá atia*3s salas eram escuras%e ningu9m nelas #i#ia*Só na torre uma princesaespera#a e gemia*Prisioneira ali icara' espera de &uem #iria%sem dama &ue a cuidasse%ou donBelas e honraria*/om a lança o ca#aleirocontra as portas in#estia*Sentindo as portas orçadas

a princesa gritaria%se não ora a lierdade&ue a lança lhe prometia*Já se rompem essas portascom &ue o pai a deendiados homens e suas lanças&ue mais &ue tudo el temia*Mas este de lança erguida Fá está na sala somria*4 pela escada da torrelogo logo ali suia%ao encontro da princesade &ue ele não conhecia*

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3o cimo% ou#indo seus passos% Fá a princesa tremia%e sua lança rerilhante%antes de o #er% ela #ia*4 cega de seu esplendor aos raços dele corria%sem cuidar &ue a lança em riste Fá nela se cra#aria*Mortalmente trespassadanos raços dele ca)a%e morrendo e suspirandoestas pala#ras diBia,De longe #inhas% senhor%de tão grande #alentia% para matar-me de morte&ue o teu amor não saia*

DonBela tão em guardada% para ti me guardaria%&ue nestas salas escurassó por amor eu #i#ia*Descai-lhe morta a caeça%mais pala#ras não diria*4 ao lado da suFa lançao seu sangue reulgia*+lhando-a morta e donBelanas laFes em &ue a estendia%o ca#aleiro Furou&ue nunca mais orçaria

as portas desses casteloscoa lança &ue &ueraria*4 os pedaços da lança&ue mais &ue tudo ele &ueriaenterrou com a princesana co#a &ue Fá lhe aria*4 triste o triste partiuPara seguir sua #ia3t9 ao negro mosteiro4m &ue pra sempre estaria*Mas da co#a nascem rosas&ue ningu9m colher podia

sem &ue a mão se lhe mirrasseno ramo &ue se partia,rosas de sangue e de leite&ue só a terra eia* (p* 0U-2

3 apresentação% no primeiro d)stico% de &ue ao castelo o ca"aleiro "inha "indo a s'a "ia %

ácil 9 #eriicar% coaduna com a cena inicial da no#ela   e se% ' altura das primeiras linhas% o )sico

ignora ainda &ue o castelo de Dona "rraca 9 o seu destino% isto não o aasta do personagem do

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rimance por&ue tam9m a) o ca#aleiro seguia sem saber .'e proc'ra"aH sem saber .'e encontraria*

3 aposição destas duas imagens inaugurais 9 capital para a consignação do #)nculo entre os dois

n@cleos narrati#os em &uestão% cuFos posteriores desen#ol#imentos serão ora coincidentes% ora

discordantes*

3 relação entre O Físico Prodigioso e a sua pe&uena r9plica po9tica ganha contornos

#isi#elmente mais colidentes &uando% Fá ao se>to #erso% a cantiga re#ela &ue o ca#aleiro a lan#a na

mão trazia, ora% esta espada% elemento induita#elmente álico% por orça do discurso metaórico%

será ainda uma sugestão am)gua no poema% reorçada% claro está% por caracteriBaç=es de duplo

sentido como a adFeti#ação erg'ida e rebrilhante ou pela passagem em &ue a lan#a em riste já se

cra"a  na princesa para logo depois assistirmos na mesma arma ao se' sang'e ref'lgir   (num

discurso constru)do de maneira semelhante ao dos )/nticos a (es'sH li#ro de oraç=es &ue o padre

3maro empresta a 3m9lia no romance de 4ça de _ueirós e cuFa escrita% no caso por inad#ertido

e&u)#oco% dá ' oração a linguagem da lu>@riaN6;2*

 este dom)nio% Fá a no#ela não e>iirá a mesma amigHidade de signiicados% por&ue nela%

em geral% restará predominantemente o segundo sentido% concretiBação do &ue era antes metáora no

rimance* + )sico carrega consigo as botasH o gorro e o largo cint'rão preg'eado de o'ro (a&ui%

em outra consonKncia com a igura dramática do poema% cuFas armas eram de o'ro% por9m% a

despeito da eição de ca#aleiro andante numa amientação medie#al% sintomaticamente não porta

uma espada  

 primeiramente por&ue% ainal% ele não necessita desta esp9cie de prótese metaórica%

uma #eB &ue possui a reerncia original em pleno uncionamentoI e% em segundo lugar% por

coerncia semKntica% Fá &ue o protagonista da no#ela não 9 um ca#aleiro de atuação 9lica% mas um

)sico% in#estido soretudo em &uest=es medicinais*

 o poema% há um castelo% onde  só na torre 'ma princesa espera"a e gemia     gemido

am)guo de lamentação pelo coninamento e% em segunda instKncia% de incontido desejo da carne*

6;2  _"4A$S% 4* de (011;% p* 7*

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Tá ali muito signiicati#amente uma lan#a% arma &ue% antes de o "erH ela "ia% e &ue será responsá#el

 pelo arromamento das suas portas (do castelo da princesa* +ra% o )sico do mesmo modo suirá

' torre do castelo em &ue Dona "rraca con#alesce para% depois% não apenas as portas ultrapassar%

mas tam9m literalmente percorrer com a sua lan#a  um caminho muito mais )ntimo* + acesso

consentido do )sico ao castelo de Dona "rraca a pedido das donBelas% assim como metaoricamente

a in#asão arreatadora na torre empreendida pelo ca#aleiro do poema% unciona como imagem da

 penetração no corpo eminino* o castelo da princesa #irgem%  fechadas eram as portas e ning',m

nas salas "i"ia  e% mais%  sentindo as portas for#adasH a princesa gritaria  (de dor de praBer*

"rraca aos bra#os do físico correrá% para então% (por magia do gorro sem o "er  (como a princesa%

conhecer eeti#amente a sua lan#a  e permanecer cega do se' esplendor % o &ue remediará a

enermidade da mulher*

Já a personagem do rimance estará curada do seu mal% &ue 9 a prisão% após o encontro com o

ca#aleiro andante% mas será mortalmente trespassada pela espada% arteato &ue ornece portanto%

amiguamente% praBer e dor% #ida e morte% o &ue se representa nas rosas de sang'e (o derramado do

corpo da princesa pela erida ou o do h)men rompido e de leite (&ue remete ao smen% o &ue nos

aB ainda pensar no citado  sang'e  como reerncia menstrual% para coadunar com a menção '

ertilidade do elemento ranco &ue nascerão do t@mulo da princesa e dos restos da espada% assim

como rotarão no sepulcro comum de "rraca e do )sico ao im da no#ela*

+ra% essa similaridade entre os dois te>tos  

 &ue aB do primeiro uma mise en ab;me do

segundo   9 #is)#el no &ue diB respeito ao sema da espada* Se considerarmos &ue Dona "rraca at9

' chegada do )sico goBa#a de algum estatuto social de noreBa herdado do esposo militar% o &ue se

 pode compro#ar pela presença constante do capelão a acompanhar os traalhos de ass)duos )sicos

em seu tratamento m9dico% e% no tocante a Gundisal#o% de &uem 9 #i@#a% o ato de ela mesma

sustentar &ue o Amperador o estima#a muitoN (p* 26% 9 notório &ue a castelã perderá

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respeitailidade depois de a sua con#i#ncia com o )sico se tornar p@lica, ela será citada no

 processo in&uisitorial e aprisionada% num percurso &ue culminará com a sua morte* Poder-se-ia

diBer &ue a lan#a do ca"aleiro% &ue no espaço diminuto do rimance pro#oca concretamente o

alecimento da princesa% tem conse&Hncias semelhantes% emora de modo indireto% no espaço da

no#ela* 4m outras pala#ras% o personagem principal da narrati#a maior acaa igualmente por matar

da morte .'e o se' amor não sabia* Mas 9 e#idente &ue% tanto num caso &uanto no outro% antes de

causar o im da #ida% a lan#a apro#isiona de signiicação essa mesma #ida% nutrindo-a de praBer%

traBendo o goBo pela lierdade e o orgasmo eeti#amente carnal* ão será pois ortuito &ue o

eminente teórico do erotismo% George Rataille% tenha e>plicitado &ue e>iste uma relação entre a

morte e a e>citação se>ualN6;8% teoria &ue em O Físico Prodigioso alcança uma radical ilustração*

_uanto ao n)#el de tal in&uietação carnal% perceemos &ue a sede de amor de Dona "rraca e

da donBela do rimance são patentes% mas não 9 despreB)#el &ue o anseio da segunda% #irgem% Famais

tenha sido concretamente alimentado% de modo &ue esta padece de uma esp9cie de carncia

instinti#a do corpo% en&uanto a&uela 9 #itimada por uma alta mnemCnica% consciente pois da

ausncia e>perimentada* + ato ainda de a princesa #i#er sem dama .'e a c'idasseH o' donzelas e

honrarias  potencialiBa a sua solidão% e% por outro lado% acrescenta simolicamente &ue a alta

sorida por Dona "rraca 9 espec)ica e heterosse>ual% não podendo de orma alguma ser pro#ida

 pela companhia eminina% Fá &ue ainal a castelã usurui em seu palácio da con#i#ncia com as

donBelas sem ind)cio algum de melhora na sua sa@de* 3demais% ela própria Fá ti#era oportunidadede e>perimentar um relacionamento homoerótico nas ocasi=es em &ue seu inado marido a dei>ara

so a custódia de outras mulheres% como seu depoimento ilustrará não sem enatiBar (conorme os

nossos grios salientarão o aspecto negati#o destas lemranças6;,

6;8  R3.3ALL4% G* (681% p* 6;*6;  /omo aludiremos% este relato sore o passado da personagem ocorre so duas #ers=es transcritas em colunas

 paralelas% a primeira proerida realmente por Dona "rraca% a outra a e>por a interpretação &ue o )sico ará dos atos%sendo o trecho citado um e>certo desta segunda coluna*

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_uando sa)a a comater% por meses e meses% dei>a#a-me Gundisal#o no castelo%'m castelo negro e esc'roH perdido nas n,"oas de 'm pantanal sombrio % ' guardade 'mas m'lheres .'e se "estiam como eles% e &ue dormiam umas com as outras% e

&ue me obriga"am a dormir com elas* (p* 21 (Grios nossos

 este coteFo entre as personagens emininas das duas eseras narrati#as% 9 do mesmo modo

digna de apreciação a ligação aeti#a &ue amas estaelecem com as suas respecti#as iguras

 paternas* o &ue toca ' princesa% há uma @nica alusão, o seu aprisionamento no castelo se dera

 por&ue o pai a defendia dos homens e s'as lan#as .'e mais .'e t'do elG temia * 3 re#e citação

asor#e as menç=es eitas por Dona "rraca a respeito do seu pai% o &ual ela reerirá num discurso

mais ou menos encoerto &ue% toda#ia% produBirá na mente do )sico um desen#ol#imento des#iado

   e as duas #ers=es se distriuirão em colunas paralelas pelas páginas% sempre com a #ariante

ou#ida por ele a e#idenciar as per"ers+es (no sentido psicanal)tico &ue o termo comporta 671 por

#eBes #eladas na história relatada por ela*

+ra% 9 curioso lemrar &ue a pala#ra per"ersão deri#a do #ero latino per"ertere e signiica

tornar9se per"erso  (diaólico% portanto% corromper % desmoralizar % depra"ar   ou% como uso

diundido no s9culo :V% re"erter * 4ncontrar% pois% per"ers+es das mais di#ersas ordens na no#ela

seniana 9 adentrá-la por um outro #eio interpretati#o &ue só #em a corroorar a regncia promo#ida

 pelas in#ers=es 5 re#ers=es diaólicas dos espelhos deformantes* Da) &ue se encontre na narrati#a

#asta amostragem de relaç=es se>uais  per"ertidas, o (suposto narcisismo  do )sico% o

homosse&'alismo  (&ue !reud% por sinal% não sem alguma carga de preconceito na construção

ideológica do seu discurso% chama de in"ersão676% criando não ostante no#a alusão aos enCmenos

671  Segundo o :ocab'lário da psicanálise de Jean Laplanche% e>iste per#ersão &uando o orgasmo 9 otido comoutros oFetos se>uais (homosse>ualismo% pedoilia% estialidade% etc* ou por outras Bonas corporais (coito anal% pore>emplo e &uando o orgasmo 9 suordinado de orma imperiosa a certas condiç=es e>tr)nsecas (etichismo%tra#estismo% #oEerismo% sadomaso&uismoN* L3PL3/T4% J* (68% p* ;76*676

  +s indi#)duos desta esp9cie \homosse>uais são chamados Oin#ertidos por terem Osentimentos se>uaiscontrários e o ato 9 conhecido por Oin#ersão*N !$4"D% S* (62;% p* 0U*

2<

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especulares da con#i#ncia do )sico com o Diao em como o &ue di#isamos no relacionamento

de Dona "rraca com as donBelas% o "o;e'rismo latente da cena em &ue as donBelas admiram nu o

)sico &ue dorme ' eira do rio% a bestialidade da de#oração do ca#alo pelas mulheres do castelo% o

 se&o oral % o m,nage 0 trois% os )omple&os de @dipo e de Electra*

3tentemos para este @ltimo% a im de retomar as consideraç=es &ue traçá#amos &uanto '

ainidade entre as protagonistas emininas das duas narrati#as e suas respecti#as reerncias

 paternas%  per"ersão  oser#á#el especialmente na linguagem mais ampliada da no#ela* _uando a

 Fo#em "rraca% temendo casar com um homem mais #elho% &ue Fá en#iu#ara trs #eBes% re#ela o seu

temor ao pai% a atitude dele 9 a de% com m'ito carinhoH sentá9la no se' colo e e&plicar .'e se'

irmão de armasH assim como ele próprioH não era tão "elho % relato &ue a audição do )sico re#erte%

sore-erotiBando a paternal atitude de le#ar a ilha ao colo e reconstruindo em  per"ersão  esta

relação amiliar* 4ntre o te>to emitido e o te>to apreendido% entre produção e leitura te>tual% o

depoimento da mulher transorma-se no seguinte,

4u era muito moça% mas dia e noite sonha#a com o homens% desde &ue uma #eB#ira meu pai nu* _uando meu pai me eB saer &ue apraBara casar-me comGundisal#o% &ue era seu irmão de armas e se parecia com ele% nos modos e no porte% eu sonha#a só com Gundisal#o% e a espada dele% &ue lhe pendia ' cinta%entra#a por mim dentro a rasgar-me% como eu não me atre#ia a sonhar &ue meu paiiBesse comigo% e como eu #ira &ue ele ia aBer a uma donBela &ue grita#a* (*** 4useria de Gundisal#o% &ue me le#aria para longe e me mataria% sem &ue meu pai aliesti#esse para sentar-me no seu colo% o &ue era o maior praBer &ue eu tinha*(p* U8-

 o#amente a) está a espada en&uanto metáora álica* + deseFo de "rraca 9 ter e>atamente

o mesmo destino da princesa do rimance% reiterando portanto &ue a trágica morte dos #ersos inais

do poema se conigura na #erdade em re&uisito para um goBo asoluto &ue não seria alcançado a

 partir de uma co#arde aposta na manutenção de uma #ida carente de pathos* 3 decepção de "rraca

com o primeiro noi#o ad#9m na #erdade de sua própria incapacidade de compreender 5 ler um signo

&ue Fá colocaria de antemão em rele#o a impotncia de Gundisal#o, a espada lhe pendia 0 cinta%

2U

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numa posição decadente e passi#a% o &ue o aria ser conhecido pelo d@io ep)teto de o do Pendão

(apodo &ue então alude não apenas ' sua responsailidade de carregar a andeira nas atalhas% mas

tam9m aB% numa segunda leitura% menção ' sua alta de #irilidade*

SeFa atra#9s das pala#ras de Dona "rraca% seFa na e>terioriBação do pensamento espec'lar

deformante do )sico% icará sempre a insinuação de ter caido ao pai da castelã a idealiBação do seu

casamento com Dom Gundisal#o   diB "rraca, me' pai me caso' com ?'ndisal"oI ou me' pai me

 fez saber .'e aprazara casar9me com ?'ndisal"o% ou#e sem alteraç=es signiicati#as o )sico* 3o

contrário% por9m% do &ue isto pareça sugestionar% a intenção do pai de "rraca não 9 d)spar do intento

do homem &ue esconde a ilha na torre do castelo no re#e enredo do poema% por&ue% sendo

Matamoros impotente% conser#ar "rraca so a sua guarda seria como mant-la #igiada por um

eunuco*

3 propósito% Gundisal#o (&ue por esta alta de #irilidade será para Dona "rraca% segundo ela

mesma% como 'm pai     no sentido original da pala#ra% ou seFa% despro#ida do signiicado

 per#ertido &ue o conte>to da no#ela lhe conerira% dei>a#a-a% conorme #imos na #ersão dos atos

 produBida pela cognição do )sico% n'm castelo negro e esc'roH perdido nas n,"oas de 'm pantanal

 sombrio% aspecto de#eras semelhante 's  salas esc'ras do cárcere da princesa e tam9m ao negro

mosteiro onde se arigará o ca#aleiro após enterrar Funto ' princesa os  peda#os da lan#a &ue ele

mesmo optara por &uerar% e ainda ' própria cela &ue encerrará o )sico durante o seu Fulgamento

 pela An&uisição* .odos estes espaços somrios% destarte% caracteriBam a astinncia se>ual%

conorme Gilda Santos ratiica, escuro 9 o espaço da rustração 5 castraçãoN670* + castelo em &ue o

)sico encontra Dona "rraca (&ue% #ale lemrar% não 9 o mesmo em &ue ela antes #i#era com o

alecido marido% emora seFa eito de pedra m'ito branca% cor &ue denota o rele>o de todas as

ondas cromáticas &ue comp=em a luB (ou at9 por isso% tem o seu interior mergulhado em somras

&ue os rand=es en>ota#am malN (p* ;7% atriuto &ue ainda será reiterado em oportunidades outras670  S3.+S% G* (68% p* <U*

22

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(como &uando uma das donBelas% após conirmar a todos &ue o )sico 9 #irgem% corre a esconder9se

na pen'mbraI ou no momento em &ue% da sombraH emerge o frade a acusá-lo de irmar pacto com

Satanás* Mesmo no &uarto de Dona "rraca% as candeias de cera% no oratório% ilumina#am

escassamente o arN (p* 7;* +ra% após a primeira consumação carnal entre o )sico e Dona "rraca%

&ue acontece Fá &uando era noite alta% surgem cenas em &ue predominam como pano de undo o dia

claro% e>pondo o sol &ue Fá acompanha o protagonista nas iluminadas primeiras páginas da no#ela*

Podemos citar a ocasião em &ue o casal ceia ' Fanela% #endo a tarde &ue se doura#a nas ár#ores '

 eira do rioN (p* <0-;% ou a passagem ainda mais esclarecedora (com o perdão do Fogo #ocaular a

iniciar o &uarto cap)tulo% na &ual nos deparamos com o clima esti#o do castelo metaoriBado pela

e>pulsão da escuridão por enseFo do predom)nio da luB,

3o outro dia% Dona "rraca &uis sair de passeio% para #er aonde as duas donBelas seha#iam encontrado com ele* 4 ormou-se% para tanto% uma longa e l'zidaca#algada% cuFos preparati#os al#oroçaram o castelo todo% ecoante de #oBes% deestrupidos de ca#alos no pátio% de correrias pelas salas e as escadas* Parecia &ueum #ento de alegria percorria tudo% "arrendo as sombrasH os m'rm1rios sombrios%

as #oBes aaadas% as pessoas &ue se esgueira#am silenciosas*(***4ra uma l'zida ca#algada% l'zidíssima, os ca#alos ricamente ajaezados f'lg'ra"amao sol % os #estidos coloridos e brilhantes resplandeciam% e os toucados% uns de icórnio% outros pontiagudos% adeja"am brancos no esplendor   dos #9us &uees#oaça#am* (p* <2-8

(Grios nossos

.amanha iluminação será iniida apenas em duas ocasi=es durante o per)odo de

 permanncia do )sico no castelo% na metade inicial da no#ela, a primeira &uando Dona "rraca% ao

relatar o seu passado ao )sico% esti#er a lemrar do longo per)odo de astinncia de se>o

satisatório &ue sorera     o encerramento das suas conidncias será então assinalado pelo

crep@sculo &ue in#adia a &uadraN (p* 26% como um pesar da natureBa &ue se mostra solidária '

mulher ou uma maniestação retenti#a do per)odo negro &ue antes a inundaraI a segunda antecederá

o aprisionamento do )sico pelo Santo +)cio% ocasião em &ue o protagonista estará e>atamente a

28

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olhar o crep@sculo* 3 temporada iluminada do castelo coincide% portanto% com o espaço de tempo

&ue #ai da chegada do )sico at9 ' partida do protagonista     alargando-se generosamente na

ressurreição &ue ele promo#erá dos Fá alecidos homens &ue outrora #isitaram o castelo% para

tam9m satisaBer o deseFo das donBelas e tornando o reino de Dona "rraca num espaço da

lierdade e da liertinagem eliB*

3 prisão do )sico% como dissemos% conduBirá ' morte dos amantes% constituindo um

arremate &ue igualmente encontra par no destino dos dois personagens do rimance% por&ue% se da

co#a da princesa (onde% reiteramos% tam9m FaBem os pedaços da lan#a nascem rosas  de cuFos

ramos partidos rotam sang'e  e leite% do mesmo modo% no t@mulo comum a Dona "rraca e ao

)sico% arolhará uma roseira% de cuFo galho &uerado escorrerão dois l)&uidos, um% de uma resina

esran&uiçadaI outro% de uma sei#a #ermelhaN (p* 6;6     representaç=es do masculino e do

eminino amalgamados em uma só carne% o ranco do smen e o #ermelho do ciclo menstrual (ou

tam9m da #irgindade% no caso da princesa* 4 se% no rimance% só a terra bebia estes l)&uidos% isto

 por im tam9m nos remete ' no#ela por&ue a) o amor do casal será sempre protegido e aençoado

 pela igura do Diao% cuFa amiliaridade com a terra 9 inegá#el% por herança do imaginário da

mitologia cristã &ue lhe arroga este espaço como moradia*

Por im% eleger Do castelo o ca#aleiroN como um torto modelo reduBido da no#ela O Físico

 Prodigioso 9 decisão corroorada por% entre outros cr)ticos% Gilda Santos% &ue comenta a respeito do

rimance, os traços undamentais% o )sico e "rraca reduplicam a história a) contada*N67;

  3inda

sore isso% reairma Jorge !aBenda Lourenço &ue o romance ou Orimance (*** antecipa% em termos

simólicos% o desenrolar da acção da narrati#aN677*  + ato de não ser o resumo e>ato da ora% ainda

&ue mantendo suicientes elementos con#ergentes para não dei>ar de uncionar como sua mise en

ab;me% alça o rimance ainda com maior intensidade ao posto de símbolo diabólico da narrati#a% Fá

67;

  S3.+S% G* (68% p* <7*677  L+"$4k+% J* !* (0110% p* 60<*

2

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&ue esta caracter)stica o torna e>emplo da especularidade deformante  entre imagem e oFeto

re&Hentemente entre#ista na narrati#a% atendo-se tal duplicação aos ditos tra#os f'ndamentais*

2332 "S #"!()R$"S !SP-#$)=!MP)R"$S

3 análise interpretati#a &ue propusemos para o rimance 3o castelo o ca#aleiroN% &ue at9

unciona como reiteração do re#e resumo do enredo de O Físico Prodigioso  &ue antes

 promo#emos% acarreta a e>posição de apenas algumas das mais importantes especularidades

deformantes  latentes na no#ela* +utras maniestaç=es deste mesmo caráter deformante  dos

espelhos merecem olhar cuidadoso% como a&uelas &ue entendemos ha#er nos espaços naturais em

&ue narrati#a seniana transcorre% onde se erigem em aundKncia (concreta ou astratamente

espelhos com tal caracter)stica* Primeiramente% no entanto% aB-se necessário esclarecer% mesmo &ue

de modo sucinto% em &ue n)#el se dará a utiliBação da natureBa   entendida a&ui como elemento

dramático   pelo discurso po9tico de Jorge de Sena*

Segundo em oser#a Maria de Lourdes Relchior% a paisagem nunca o interessou \a Sena%

senão na medida em &ue o homem nela se espelha e nela se insereN 67<* +ra% 9 precisamente desta

orma &ue o amiente uncionará na no#ela, como um espelho% neste caso a reletir especialmente o

corpo eminino* Logo ao in)cio da narrati#a% em sua chegada ao lugar onde encontrará as donBelas

&ue o guiarão ao castelo de Dona "rraca% o )sico se encaminha para ai>o% para o interior do #ale%

como &uem adentra um corpo67U    +rlanda 3Be#edo% a propósito% percee a) uma inserção acti#a

da personagem no meio natural% &ue surge% aliás% antropomoriBadoN672* 4ste caminho do

67<  R4L/TA+$% M* de L* (686% p* 06*67U  W curioso notar &ue% neste cap)tulo% em &ue oser#amos sempre uma peregrinação para ai>o% o sintagma inal%responsá#el pela ruptura desta etapa da narrati#a com o cap)tulo procedente% será ascensional, ponte le"adi#a    o &ue

cont9m uma conotação erótico-masculina &ue coaduna com a primeira oração da no#ela, balanceando o erecto corpo*672  3X4V4D+% +* (011;% p* 07*

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 personagem 9 claramente iniciático e isicamente se assemelha ao procedimento de entrada nos

castelos da no#ela e do rimance% atra#9s do &ual os respecti#os protagonistas das duas estórias

indiciam a utura penetração na mulher*  ! balancear o erecto corpo% o )sico irá descer a encosta

do "ale .'eH sel"áticoH se abria ante o se' olharH como o Fardim da mulher se are% aliás% para a

entrada do amado no )/ntico dos )/nticos do $ei Salomão% metaoriBando tam9m a esposa &ue

nas n@pcias recee o homem dentro de si* + #ale e>ie o mato .'e floria e ao f'ndo ariga a chapa

metálica e estreita de 'm rio% no &ual o )sico% precisamente onde o rio corresse mais límpido e

 prof'ndo% mata a sua sede% entendida como a &ue e>ige a hidratação do corpo% mas tam9m a&uela

&ue re#ela o anseio de saciar uma imperiosa isicalidade*

Por outro lado% a #isão primeira &ue o protagonista terá do corpo de Dona "rraca%

con#alescendo deitada sore a cama a aguardar a chegada do ca#aleiro principesco &ue a despertará

(mise9en9scne &ue% muito ade&uadamente% !rancisco !* Sousa identiicou como uma reerncia ao

conto inantil ! Aela !dormecida678% tam9m se assemelha astante ' e>posição deste "ale,

 ua sore o lençol ranco% Dona "rraca não se mo#eu nem ariu os olhos* 3 sua pele tinha uma cor marinada% &ue se destaca#a na rancura e ao mesmo tempo parecia alastrar-se nela* + pescoço era longo% e magro como os omros* Mas daca#a peitoral das cla#)culas os seios a#ança#am ortes% ainda &ue desca)dos% emcur#a e contracur#a% &ue mamilos crespos% largos e escuros% coroa#am* Depois% acinta era estreita% e as ancas% ossudas e largas% espeta#am le#emente as pontas deseus ossos% de &ue a arriga lu)a redondamente como &ue precipitando-se noumigo &ue parecia a.'ele b'ra.'inho a meio de 'ma ág'a .'e se esgota* 4%n'ma onda .'e se enc'r"a"a% o #entre descia para uma altura cuFa outra encosta

um negro matagal  coria% sumindo-se no ino "ale das co>as unidas* (p* ;2(Grios nossos

3 relação entre os traços da mulher deitada e o cenário e>iido no primeiro cap)tulo se

concretiBa não apenas pela adesão proFetada por alus=es igurati#as (como as &ue estão griadas

acima mas ainda pelo con#eniente estilo topográico empregado para a descrição de Dona "rraca%

678

  ***9 o elemento masculino &ue desperta o eminino do estado de torpor% numa história &ue aB lemrar a daORela 3dormecida (***% 9 o poder do se>o &ue desperta a donBela*N S4A:+% M* 3* (68% p* ;6*

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atra#9s do &ual inicialmente o narrador apresenta% numa esp9cie de instantKneo% um panorama

cinematográico da personagem para% logo após% se ater 's minudncias deste corpo &ue nos 9

oerecido imó#el como uma paisagem*

+ rio &ue percorre o #ale e reaparece no corpo de Dona "rraca (na água &ue lhe entranharia

 pelo umigo ou no #entre &ue se encur#a como uma onda nos remete 's super)cies l)&uidas &ue se

disseminam pela narrati#a% não apenas sensi#elmente percept)#eis nos cenários mas ainda em

implicaç=es de cunho conceitual   maniestaç=es de &ue são e>emplos este rio do cap)tulo inicial%

o tonel de sangue em &ue Dona "rraca 9 anhada para oter a cura para o seu padecimento (e

#emos a&ui uma clara alusão ao mito da Fonte da ('"ent'de% o mesmo aliás em &ue o protagonista

cospe após #er a sua imagem reletida% ou ainda todas as importantes metáoras &ue ao im da

no#ela relacionam a população enurecida com águas caudalosas de mares e rios* +ra% segundo

Selma /alaBans $odrigues% a água está ligada ' representação do primeiro espelhoN 67% e estes

 planos luidos são Fustamente uma outra re#elação não apenas do espelho% mas em especial dos de

natureBa deformante    Fustamente a&ueles &ue determinam a estrutura da narrati#a de O Físico

 Prodigioso     ainal% 9 ácil demonstrar pela e>perincia o &uanto esta sorte de rele>o apresenta

rágil rigor% #isto &ue comprometido por &ual&uer perturação*

+ aparecimento do espelho deformante seria% de certo modo% e>plicada como conse&Hncia

desta l)&uida presença% cuFas causas demandam análise* 4m primeiro lugar% aBer reerncia a

ág'as numa narrati#a &ue se proponha ' medie#aliBação 9 um aspecto a ser considerado procedente

 pelo leitor* as cantigas tro#adorescas portuguesas% re&Hentemente encontramos ontes e rios a

serem usados pelas damas para la#ar roupas e caelos e a ser#irem de prete>to para os encontros

das donBelas com um amigo  (em geral amiguamente sugeridos pelo discurso6<1% conorme em

oser#a 3ntónio Jos9 Sarai#a ao in#entariar &ue normalmente a mulher das cantigas de amigo

67  $+D$AG"4S% S* /* (622% p* U*6<1

  Para uma análise de construç=es d@ias do discurso das cantigas medie#ais portuguesas% #er  Do cancioneirode amigo% de Stephen $ecQert e Telder Macedo*

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igura#a na fonte ou na romaria% lugares de namoro% so as lores do pinheiro ou de a#elaneiraI no

rio% onde la#a a roupa e os caelos% ou se desnuda para tomar anhoI na  praia% onde aguarda o

regresso dos arcosN 6<6

 (Grios nossos* SeFa namorando na fonte% seFa se desnudando para o anho

de rio% seFa aguardando na praia o homem &ue se lança#a ao mar % está a) e#idente a prounda

relação das ág'as com a hailidade eminina para seduBir% para despertar o desejo% para aBer nascer

a #olição carnal* 3liás% esta carga erótica da ág'a aumenta considera#elmente se nos ati#ermos a

este seu papel de elemento essencial para o ritual do anho% procedimento &ue por sinal o )sico

adotará após o seu primeiro encontro carnal com o Diao (mas neste caso no intuito de

 puriicar-se% o &ue le#ou +rlando unes de 3morim a comentar &ue% na literatura medie#al

europ9ia \e estamos% muito a propósito% uma #eB mais nos reerindo ' conFuntura pseudo-histórica

da no#ela% o anho esta#a )ntima e simolicamente associado ao encontro amoroso% ' realiBação

erótica dos amantesN6<0*

4ste mesmo desejo% a &ue a ág'a está igurati#amente ligada% ha#eria de gerar uma segunda

causa para a presença constante de tal l)&uido como elemento cenográico da no#ela% em outro

sentido toda#ia, o narrador aponta &ue 9 háito do protagonista admirar-se reletido nesta super)cie

espelhada% prática &ue demonstra os ecos de arciso numa poss)#el predisposição latente em o

)sico se des#anecer consigo mesmo% em se desejar % tal como #emos na passagem em &ue ele se

olha ao longo do seu corpo% numa admiração tran&uilaN (p* 0<*

3inda sore o amiente em &ue transcorre a narrati#a% tam9m seria interessante um e>amedas cores nos cenários da no#ela% especiicamente em duas ocasi=es% cuFas estruturas serão imagens

especulares uma da outra* o in)cio do te>to% um cromatismo em crescendo se oser#a das pedras

.'e rebrilha"am pardas e cinzentas  e da chapa metálica  do rio de cristalina correnteza  at9 o

 paro>ismo das botas "ermelhas% do cint'rão preg'eado de o'ro e dos refle&os alaranjados .'e se

6<6

  S3$3AV3% 3* J* (6U<% p* 6;*6<0  3M+$AM% +* * de (011U% p* 61<*

8;

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es"erdinha"am% matiBando gradati#amente a cena* Mais tarde% como em sinal do trágico desecho

&ue dele se apro>ima% o )sico acompanhará no c9u as cores se alterarem em traFetória contrária at9

a descoloração% como num espelho, o aBul% a alaranFado% o #erde% o róseo% o ranco% o pardacentoN

(p* 86* 3locando rente a rente os dois processos% temos, pardo - cinBento - metálico - cristalino -

amarelo - #ermelho - alaranFado - es#erdeado 5 aBul - alaranFado - #erde - róseo - ranco -

 pardacento% numa especularidade praticamente pereita% mas com dierenças &uantitati#as e

&ualitati#as em oser#á#eis* 3&ui de#emos notar como% ' medida &ue se apro>ima do castelo% o

)sico alimenta os seus corredores escuros da luB e% por conse&Hncia% do calor (sugerido na

 predominKncia de cores &uentes de &ue amos os amantes carecem% metáoras Fá reeridas da

lieração e da satisação se>ual &ue o herói agenciaráI Fá o seu aastamento coincidirá% como

demonstramos% com a perda destas con&uistas% da) a menção ' s9rie cromática em sentido oposto% a

representar a tentati#a de o Santo +)cio restaurar a disposição original do amiente    proFeto &ue

racassa por&ue% como em saem o )sico e o seu autor% n'nca sai certo o momento a .'e se "olta*

Sore o espaço &ue caracteriBa O Físico Prodigioso% 9 tam9m preciso citar a inegá#el

especularidade entre o panorama #isual &ue comp=e os seus cenários e a imagem &ue comumente

associamos ao amiente da Adade M9dia% o &ue le#ou Jorge de Sena% no preácio ' no#ela% a rotular

o tempo de sua narrati#a como ,poca pse'do9histórica% e#idenciando uma #eB mais a propriedade

deformante  deste rele>o% como se tam9m a categoria tempo% aspecto conceitual da natureBa%

apontasse a deformante  especularidade &ue 9 a condição undamental do po9tico* 3ssim% por

e>emplo% o im da história% emora sugira um rein)cio c)clico com o presum)#el aparecimento de

um no#o físico% ornece na #erdade uma metamorose geradora da sua permanncia &ue indica

então possiilidade de reno#ação* Por coerncia com as suas mais proundas concepç=es% se n'nca

 sai certo o momento a .'e se "olta% tam9m o )sico ha#eria de #oltar   como a história e como a

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o #eFo e o sinto% só com muita pacincia se pode deslindar e seguir em tãoemaraçada meada*6<2

 a no#ela de Sena% .am9m podemos relacionar a espiral  com a interessante cena em &ue o

)sico% a pedido das donBelas e de Dona "rraca% reconstrói a paisagem id)lica% mas Fá agora

encanecida% em &ue trs das moças o ha#iam encontrado no in)cio da narrati#a,

"m #enda#al se le#antou em nu#ens de olhas enormes segura#am o rilhoestalado dos troncos estala#am os ca#alos de p9 aos gritos das donBelas emrelinchos de água &ue se erguia em ondas &ue do rio #inham no clamor das roupas&ue o #ento rasga#a com dentadas em &ue os reios rilha#am e os ca#alos dando

's mãos grita#am correndo perseguindo-se da #entania dei>ando os #estidos emtiras &ue #oa#am sore a água em cortinas relinchadas &ue se enrodilha#am nas pernas e nas patas e os dentes enormes segura#am o rilho estalado dos troncos&ue sil#a#am le#antados no ar em galopes e gemidos de &ue os caelos iam soltose os seios salta#am no espanadar das águas &ue o tropel das crinas e das caudasatira#a contra os gritos num clarão #erdoso% #erde% #erd)ssimo*** (p* U1

6<2  G3$$4..% 3* (60% p* 616*

8U

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+ trecho% composto por um encadeamento aparentemente inindá#el de aç=es &ue remetem

umas 's outras% usca a representação de um redemoinho (logo% de caráter espiralar  &ue gira em

#elocidade maior do &ue a &uantidade de &uadros identiicados por segundo pelo olho humano

(pro#ocando soreposiç=es de imagens% celeridade esta apurada no te>to pela ausncia de #)rgulas%

como a promo#er sinestesias% hip9roles% insolideB% caos* 3s trs #ariaç=es inais do radical "erd9%

intercaladas por #)rgulas% aBem com &ue o redemoinho cesse gradati#amente de girar% para &ue se

desenhe a cena transormada% Fá com seus elementos posicionados &uase metodicamente,

***e a clareira era como um Fardim de er#as altas e loridas de todas as cores ' eirado rio% os ca#alos esta#am num e>tremo todos Funtos% e% diante dele% Dono "rraca%nua% precedia uma #asta massa ranca% rosada e negra% &ue eram% nuas tam9m%todas as outras* (p* U1

W importante% por im% insistir no ato de &ue o se>to cap)tulo da narrati#a assume

claramente o papel de ser a&uele em &ue se conigura a #iragem actancial e simólica da no#ela, do

tempo luminoso para o tempo da escuridão% da anabasis para a catabasis ou da ascensão para a

&ueda   momentos opostos de um ciclo* 4 nele reerimos Fá a rase capital, n'nca sai certo o

momento a .'e se "olta* 3gora seria a ocasião de apontar os muitos n)#eis de entendimento desta

 premissa, ela #ale para as aç=es humanas% para os nossos anseios de restauração (&ue 9 o &ue sugere

ingenuamente Dona "rraca% #ale ainda para o percurso do personagem-t)tulo% #ale enim para a

narrati#a% não apenas no agenciamento dos atos% mas nas retomadas das suas reerncias anteriores

(te>tuais e interte>tuais* Da) a ora incluir tam9m uma inerncia espacial e temporal medie#ais

mas situar-se no &ue Sena caracteriBou como um tempo pse'do9histórico* Da) concluirmos ainda

&ue a suposta #olta do )sico só aconteceria num outro modelo &ue concretamente só tomaria corpo

num discurso &ue esti#esse para al9m da própria no#ela% como se esta indasse em pontos de

suspensão* Da) a espiral se constituir da ani&uilação apocal)ptica do mundo e da insinuação do seu

82

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 poss)#el renascimento num modo reno#ado de #ida* Da)% inalmente% deduBirmos uma teoria da

linguagem literária como interte>to &ue só pode ser a retomada do mesmo na dierença*

2338 )S P!RS)%"(!%S

 o &ue se reere ao n)#el propriamente actancial% há em O Físico Prodigioso  in@meras

circunstKncias em &ue podemos mirar as iguras dramáticas &ue comp=em a narrati#a como se

esti#essem posicionadas rente a rente e interpostas por espelhos  deformantes% a demonstrar as

apro>imaç=es e #)nculos de #ários n)#eis     ormais% genealógicos% anatCmicos% aetuosos%

ideológicos   e>istentes entre os personagens &ue po#oam a no#ela*

 o &ue diB respeito 's donBelas do castelo% por e>emplo% não seria e>cessi#o diBer &ue elas

todas são desdoramentos% e>tens=es% refle&os  ar&uet)picos da igura eminina principal, Dona

"rraca* Por&ue não apresentam caracter)sticas indi#iduais% por&ue não se constituem eeti#amente

como suFeitos de aç=es pessoais% identiicadoras de um agente% poder)amos diBer &ue elas são

cont)nuas% parecendo não padecer da&uela descontin'idade trágica dos corpos% segundo os termos

de Georges Rataille*

_uanto a isso% esclareçamos, para Rataille% somos seres descont)nuos% indi#)duos &ue

isoladamente morrem numa a#entura inintelig)#el% mas &ue tm a nostalgia da continuidade

 perdidaN6<8* 3inda de acordo com Rataille% sem a noção de descontinuidade (o &ue inscre#e o ser

no mundo proano% dos interditos% a signiicação geral do erotismo e a unidade de suas ormas

escapariam ao homemI a interdição 9 o &ue produB o desejo e% por conse&Hncia% a e>perincia do

 praBer% o &ue permite ao ser humano ir al9m de si mesmo a im de superar a descontin'idade ' &ual

6<8  R3.3ALL4% G* (681% p* 6U*

88

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está em #erdade condenado   ou seFa% em toda ação se>ual humana% o desaio 9 a sustituição do

isolamento do ser% de sua descontinuidade% por um sentimento de continuidade proundaN6<* 3ssim

sendo% a alta de indi#idualidade entre as donBelas simoliBaria a plenitude orgástica humana% mais

a completude &ue a alta% logo% não necessariamente o deseFo% mas &uando muito% na sua eleBa%

uma esp9cie de con#ite tentador para todo homem &ue passa pelas imediaç=es do castelo* 4ntão% na

#erdade% as donBelas do castelo uncionariam como sereias &uando ilusoriamente se arrogassem o

direito de representar os praBeres do amor e da carne* Lemremos &ue% &uanto a este humano

anseio% há uma e#idente ausncia de homens &ue dem conta do enorme contingente de

insuicincia aeti#a &ue #itima as mulheres do castelo da no#ela* + &ue aparentemente aria delas

s)molos então do praBer% re#ela-as% na #erdade% como carentes deste mesmo praBer* Será% assim% o

aparecimento do )sico e% em unção dele% a ressurreição de muitos homens sepultados ao lado do

castelo os atores &ue de#ol#erão ao espaço dominantemente eminino do reino de "rraca a

dimensão da complementaridade dos corpos* +s ca#aleiros ressurrectos   #ers=es masculinas do

)sico para as #ers=es emininas de Dona "rraca% todas repetidas especularmente ad infinit'm

   tam9m são como iguras cont)nuas% Fá &ue igualmente não possuem caracter)sticas indi#iduais

estaelecidas* 3liás% não 9 despreB)#el notar &ue a morte do casal     "rraca5)sico     le#ará

homens e donBelas ao desaparecimento sem &ual&uer satisação da coerncia interna do narrado por

 parte do narrador% o &ue potencialiBaria esta id9ia de continuidade*

4m mecanismo similar a de todo este processo de soreposição de identidades% o herói% Fá

decadente em seu aspecto corporal depois de ter estado por um longo per)odo prisioneiro% terá o seu

antigo e elo rosto refletido no de Dona "rraca% na cena em &ue os in&uisidores promo#em o

encontro dos dois amantes na cela do protagonista% pouco antes da sua morte* este momento%

conirmar-se-á a leg)tima continuidade atailliana alcançada pelo casal% numa imagem &ue lemrará

6<R3.3ALL4% G* (681% p* 62*

8

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(por&ue nunca 9 poss)#el dei>ar de citar o Poeta um #erso camoniano% Fá &ue a&ui ocorre

 Fustamente um processo de ilustração do transforma9se o amador na co'sa amada    análise &ue

aproundaremos% no entanto% mais adiante% at9 por&ue ela re&uer aFustes importantes dentro das

coordenadas ideológicas do te>to de Jorge de Sena*

4ssa antástica reprodução do admirá#el rosto do )sico acontece tam9m% conorme Fá

aludimos% nas aces dos próprios in&uisidores% toda#ia% en&uanto na cena anterior trata#a-se de

conigurar a identidade pereita% tem-se neste caso a multiplicação do rosto como um castigo%

imposto por a&uele &ue nutre pelo herói da no#ela uma antiga pai>ão, o Diao* Já nesta

circunstKncia% o #ero do amoso #erso camoniano perde o seu aspecto rele>i#o para uncionar de

maneira outra% &uando agora o amador  \neste caso o Diao transforma \algu9m na coisa amada

\o )sico% mas não necessariamente a si mesmo*

Vem a calhar citarmos agora o DemCnio% por&ue encontramos ainda rele>os seus em Dona

"rraca% reerncia das mais importantes para o entendimento da no#ela   tu 9s ele mesmoN (p*

8U% indaga o )sico em tom de cumplicidade% dando-se conta da mais &ue )ntima relação entre estes

dois personagens e perceendo o &uanto a possiilidade de ela ser ele multiplica as possiilidades

de goBo* 3liás% a apro>imação entre as duas identidades   "rraca e o Diao   se dá com tamanha

intensidade &ue curiosamente não lhes permite em momento algum da no#ela contracenarem 6U1%

 por&ue isto seria no m)nimo uma incoerncia* 4ssa pergunta do )sico surge% aliás% após um

discurso de Dona "rraca &ue parece e>atamente tentar negar esta coincidncia de identidade%

orFando uma presença &ue ainal não há (como aria um /larQ ent a ma&uinar uma situação em

&ue supostamente aparecesse Funto ao Super-Tomem% para &ue não se descorisse &ue amos eram6U1  4ste aparente triKngulo amoroso (apenas suposto por&ue os #9rtices de sua ase% ao se conundirem%transormariam o sólido em uma linha reta ganhará% d9cadas adiante% um rele>o interte>tual (deformante% como todo

 processo de interte>tualidade na relação estaelecida entre os personagens Jesus% Pastor e Maria de Magdala noromance de Jos9 Saramago  O E"angelho eg'ndo (es's )risto% no &ual igualmente a personagem eminina seráresponsá#el pela ormação ideológica do protagonista% perpetrada inicialmente pela igura diaólica (&ue neste caso%toda#ia% não se relaciona com o herói no Kmito se>ual% o &ue terá tam9m como conse&Hncia cnica o impedimento

de &ue amos se encontrem* 4sta ora de Saramago 9 analisada por nós mais detidamente em S+3$4S% M* P* (011<% p* 01;-60*

1

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a mesma pessoa, ão esta#a ele sempre conosco na&uele leito% assim &ue te despias% deitado do

outro lado de ti _uerias &ue eu te amasse como amo% e não o sentisse perto como um ri#al ineliB

Mesmo agora ele está a&ui* Mas não se atre#e*N (p* 8U    retórica &ue% no im das contas% nada

mais 9 do &ue outra maniestação dos Fogos semKnticos promo#idos pela construção da no#ela% &ue

a&ui% como em di#ersas oportunidades% hailmente manuseia a percepção do leitor &uanto ' relação

entre #erdade e ilusão no &ue diB respeito aos detalhes da trama* +ra% segundo +rlando unes de

3morim% Dona "rraca 9 proundamente sensual% dá a conhecer ao )sico o amor carnal     9

demon)aca% portantoN6U6*   Da) entendermos &ue esta especularidade em nenhum momento seFa

anatCmica% mas ideológica% dramaticamente uncional, amos serão agentes do processo de

autognose &ue o )sico atra#essará e promo#erão% em unção do elementar teor erótico deste

 processo pedagógico% a su#ersão da castradora ordem #igente*

$etomemos o nosso ponto de partida% &uando citamos a especularidade entre !rei 3ntão e o

Diao% e#idenciada no encontro entre amos% este com o rosto &ue a&uele possu)a antes de ser

castigado* /hama-nos a) a atenção o ato de% nesta mesma passagem% o !rade% ao ritualiBar a

in#ocação do Diao% in#erter os gestos lit@rgicos da tradição cristã% como 9 comum se aBer em

assuntos &ue en#ol#em a adoração ao demCnio desde os sabbat  medie#ais% mas &ue% por outro lado%

não dei>a de criar tam9m mais uma e#idncia da presença de um metaórico espelho a reger as

aç=es das personagens da narrati#a,

***le#antou-se e% enBendo-se% tirou o crucii>o da parede% e pousou-o no chão a umcanto% de caeça para ai>o% e com a imagem #oltada para a parede caiada*Veriicou &ue a somra da cruB% emora muito en#iesada% se proFecta#a em cruB*!oi então colocar o crucii>o% na mesma posição% ao unda da chamin9 #aBia*.irou do pescoço e despregou do peito a sua cruB episcopal% &ue pousou sore amesa% #oltada para ai>o* Deitou para trás o capuB e despiu o háito*** (p* 61

6U6  3M+$AM% +* * de (6% p* 020*

6

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4ste ritual de !rei 3ntão será al#o de escárnio por parte do Diao,    4ssa de arregaçares a

camisa% me' filho% 9 por&ue nunca te #iste a um espelho* ão #alia a pena*     4 com uma

cas&uinada% sumiu*N (p* 66; (Grio nosso Gilda Santos constatará% por conta disso% outra relação

de especularidade entre personagens da no#ela% e estaelecerá &ue !rei 3ntão 9% desta orma%

o mediador entre o humano e o di#ino% o humano e o demon)aco% entre o  sanct's eo  s'tcnas* /omo ilho \conorme grio da citação anterior% !rei 3ntão 9 aduplicação humana do DemCnio   o DemCnio eito carne*6U0

3 menção acima aos sintagmas sanct's e  s'tcnas se re#ela important)ssima para conduBir%

agora% a um outro Kmito em &ue se maniestam os espelhos deformantes da no#ela de Jorge de

Sena* $eerimo-nos a&ui ' própria disposição )sica &ue 9 adotada para o te>to impresso% ' própria

distriuição das pala#ras no papelI estamos então aludindo a algo &ue ultrapassa a construção do

conte@do da narrati#a para uncionar% mais arangentemente% como uma po9tica &ue e>plicita a

concepção de ora literária en&uanto arteato concreto% en&uanto oFeto editorial% en&uanto produto

&ue ariga a arte, trata-se do artigo li"ro*

2339 S"%#US SU#%"S

W% por im% essencial estudar a maniestação do enCmeno das especularidades deformantesna disposição #isual da no#ela% do &ue 9 e>emplo a Fá mencionada estrutura paralel)stica a &ue a

narrati#a se permite por ocasião do relato de Dona "rraca &uanto ao seu passado% iurcando-se em

duas #ers=es do narrado     especularidade categoriBada como deformante por&ue os dois lados

#isualmente paralelos nunca se desen#ol#em de orma análoga* _uanto a isso% aliás% citemos

no#amente% por&ue corroora com precisão a nossa argumentação% as pala#ras de +rlando unes de

6U0  S3.+S% G* (68% p* 26*

0

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3morim a respeito da mesma particularidade presente no modo de narrar adotado por Sena em trs

oportunidades na no#ela, 3 narração paralela estaelece uma relação especular% as narrati#as

reletem-se% mas de orma distorcida% como num espelho cCnca#o ou con#e>o*N6U;

3l9m do Fá aludido episódio das coniss=es de "rraca% o mesmo processo surge ainda em

outras duas passagens, 6* no primeiro cap)tulo% na cena em &ue as donBelas se apro>imam da eira

do rio onde o )sico nu está deitado% o &ue% em contrapartida% se repete no sonho do herói com a

signiicati#a sustituição das donBelas por deusas tam9m nuas% cuFa conse&Hncia mais e#idente 9

o aumento da carga erótica do narradoI 0* no cap)tulo inal% no momento em &ue o relato da chegada

de um ando de rapaBes e crianças 's ru)nas do castelo se dá% atra#9s do mesmo mecanismo de

organiBação te>tual% em simultKneo ' #isita de outro ando 's ru)nas da cidade em &ue o )sico

esti#era aprisionado* Vale citar ainda &ue% neste @ltimo caso% as duas narraç=es logo retomam a

orma tradicional de parágrao% para% a partir de então% interpolarem uma a uma as rases &ue se

reerem a cada um dos n@cleos narrati#os% dinamiBando ainda mais a ilusão de simultaneidade de

cenas distintas a &ual se pretende desta orma construir mas &ue nunca 9 poss)#el em sua totalidade

num te>to escrito% em unção da própria inerncia consecuti#a da linguagem #eral &uando

te>tualiBada*

3s pseudo-repetiç=es de cenas &ue aundam no te>to tam9m de#em ser citadas como%

digamos% modos de e>posição dos espelhos deformantes* 3 analogia entre o rimance 3o castelo o

ca#aleiroN e o enredo da no#ela 9% &uanto a isto% apenas um e>emplo% digamos% mais sutil*Lemramos tam9m as duas ocasi=es em &ue o )sico e o Diao se encontram se>ualmente na

narrati#a% &uando as estruturas são induita#elmente especulares% ha#endo inclusi#e repetiç=es ipsis

"erbis de alguns trechos comuns% mas cuFa especularidade 9 e#identemente deformante em unção

das signiicati#as modiicaç=es entre um episódio e outro% inclusi#e no &ue toca ao seu resultado

inal   processo de importantes conse&Hncias semKnticas sore as &uais trataremos mais ' rente*

6U;  3M+$AM% +* * de (011U% p* 610*

;

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 este rol de aparentes repetiç=es% incluem-se ainda as #ers=es da origem do )sico% &ue se

multiplicam% sempre com alteraç=es, suposiç=es &uanto ' sua iliação% ' história do pacto

demon)aco e ' origem do gorro mágico* +s espelhamentos deformantes aarcam ainda as duas

#ariantes de narrati#a &ue se tecem sore as oras realiBadas no castelo em &ue Dona "rraca e as

donBelas residem    e% sore isso% igualmente discorreremos mais adiante* .al multiplicidade de

narraç=es di#ersas sore um mesmo ato% esta pluri#ocalidade &ue parece dominar toda a no#ela%

 pode por agora ser ilustrada pelas e>plicaç=es dadas ao )sico a respeito da doença de Dona "rraca%

a&uando da chegada do protagonista ao castelo,

+ rade e a donBela não acerta#am nos pormenores ou nas causas* Para o rade% adoença era antiga% data#a da morte de Dom Gundisal#o* Para a donBela não, erarecente e começara% sim% por uma grande tristeBa% mas outra tristeBa &ue não a deicar #i@#a* + rade diBia &ue a dama não comia nem eia* 4 disso deperecia* 3donBela contesta#a, ela comia e eia como toda a gente% ou como dama &ue% desa@de% se respeitasse em coisas de alimento% para manter-se em oa condiçãoI mas%apesar disso% com eeito deperecia* 3mos concordaram em &ue suspira#a muito%não &ueria #er ningu9m% passa#a os dias e as noites estirada em sua cKmara% 'sescuras% e nem mesmo para o sacri)cio da missa tinha Fá orças de le#antar-se*  (p*

;7

3s dierenças se estaelecem no seio das semelhanças e #ice-#ersa% criando assim na

narrati#a uma tensão &ue muitas #eBes não permite a apreensão tran&HiliBadora de todo o seu

conte@do% imprimindo ao enredo um aspecto ugidio% impalpá#el% conse&Hncia das imagens

reproduBidas pelas super)cies deformantes dos espelhos senianos*

.am9m há ocasi=es em &ue o discurso se concretiBa de orma a e#idenciar pe&uenas e

sintomáticas especularidades% no n)#el mais propriamente sintagmático% como &uando se alude '

órmula #eral resistncia do propósito e o propósito de resistnciaN (p* 7% com os &uais o )sico

 passi#amente% aos moldes de Gandhi% encara o processo in&uisitorialI ou na in#ocação do Diao

ritualiBada por !rei 3ntão% &ue o chama im'do spirto  e depois  spirto im'ndo* 4stas in#ers=es

uncionam como pe&uenas amostras de uma narrati#a &ue ainal parece esconder espelhos  de

7

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muit)ssimas dimens=es, semKnticas% sintáticas% morológicas* .udo isto con#erge para o aspecto

rancamente especular dos citados #ocáulos  sanct's  e  s'tcnas% repetidos trs #eBes ao im da

in#ocação &ue o rade aB ao Diao% duas pala#ras &ue uncionam deste modo como )cones #erais

do espelhamento*

+ra% esta camada da imagem te>tual in#ertida 9 a pro#a ratiicante de uma unção ideológica

&ue se emrenha em O Físico Prodigioso e constitui a sua mais importante mat9ria, a in#ersão

diaólica e especular das normas #igentes% a corrosão de sentidos &ue Jorge de Sena Fá apontara em

 poemas como os _uatro Sonetos a 3rodite 3nadiómenaN &ue echam o li#ro  *etamorfoses%

conorme anteriormente aludimos* .emos% desta orma% a isicalidade demon)aca do  físico

espelhada na isicalidade da organiBação do te>to* /aeria tal#eB a&ui retomar a Fá

tradicionalmente reerida deinição de $iterat'ra &ue se e>trai da !'la de $oland Rarthes, se não se

 pode ugir ao ascismo da l)ngua% há &ue se destruir a l)ngua de dentro da l)ngua* 4sta 9 para ele a

arma da $iterat'ra% entendida como es.'i"aH logro magnífico na sua capacidade de re#ersão do

 poder*

.udo isto nos remete inalmente ao astuto Fogo #ocaular presente na unidade m)nima de

signiicado do te>to, o seu t)tulo* O Físico ProdigiosoN 9 um sintagma &ue% de certa maneira%

ariga   ou melhor% esconde% como &uem conta uma charada e dei>a em suspense a sua solução%

como &uem produB uma orgiana adi"inanza6U7    a pala#ra espelho* Por&ue% se por um lado% o

adFeti#o prodigioso% reerindo-se ao sustanti#o  físico en&uanto #ocáulo &ue designa os m,dicos

da Adade M9dia% remete-nos ao e>traordinário poder de cura deste hailidoso cl)nico% por outro lado%

&uando tomamos  físico  em sua acepção de corpo% o adFeti#o passa a signiicar mara#ilhoso%

 portentoso% espetac'lar   portanto* +ra% a pala#ra espetác'lo% algo arreatador aos olhos% #em do

latim spetac'l'% ad#indo de spectare (mirar% olhar e cuFa raiB alcança inalmente o nominati#o

6U7  $eerimo-nos a&ui ' deinição &ue 9 dada ' no#ela do personagem .sun Pn no conto das Fic#+es de Rorges

+ Fardim dos caminhos &ue se iurcamN% cuFo tema principal% o tempo% sintomaticamente não 9 mencionado de modote>tual em momento algum da narrati#a*

<

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 spec'll'm    oFeto ainal cuFa unção 9 Fustamente ser instrumento do olhar % do mirar * +u seFa%

um sinCnimo imediato de  prodigioso% &ual seFa% espetac'lar % 9 cognato% do ponto de #ista

diacrCnico dos estudos da l)ngua% de espelho* .al desdoramento de signiicaç=es le#ou Gonçalo

Xagalo ' conclusão de &ue o espelho 9 uma e>iição% um espetáculoN6U<I o &ue% a propósito% ratiica

a nossa tese inicial &ue deendia o caráter simolicamente art)stico deste oFeto, por&ue arte% por&ue

 $iterat'ra% será sempre% para os olhos e tam9m para a mente% não mais do &ue est9tica% não mais

do &ue espetác'lo*

2 2 $%!R!E)S

O Físico Prodigioso  9% undamentalmente% uma releitura de duas paráolas religiosas

&uatrocentistas% como Sena mesmo dei>a claro em seu posácio, 4ste conto% ou% mais e>actamente%

no#ela% 9 desen#ol#imento muito ampliado e% se &uiserem% muito deturpado de dois Oe>emplos do

Orto do Esposo% o elo li#ro moral)stico-religioso da literatura portuguesa da primeira metade do

s9culo :V*N (p* 67< 4% se esta no#ela 9 uma leitura (paródica% como #eremos destes dois

e>emplos% 9 tam9m um ensaio% ainda &ue pela #ia iccional* Asto asta para &ue o espelho retome a

 primeira das duas eseras semKnticas &ue elegemos como asilares da ora, a do conhecimento*

Mas O Orto do Esposo  9 apenas uma leitura em primeira instKncia% uma reerncia dialógica

conessada pelo autorI a igura do espelho simoliBa tam9m a leitura de outros te>tos di#ersos (no

sentido mais amplo dado pela semiótica moderna ' pala#ra te&to% com &ue a no#ela de Sena

ar&uiteta ainidades interte>tuais*

 o entanto% estas relaç=es especulares são concretiBadas e>tradiegeticamente% a partir do

diálogo com outros te>tos* 4 esta simologia do espelho  tem tam9m% e principalmente%

6U<  X3G3L+% G* (011;% p* <*

U

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W curioso% aliás% #oltarmos a atenção para a autoria destas obras a &ue o castelo 9 sumetido

(e atentemos para a amigHidade do termo obra% &ue oriundo do latim opera% nos remete a uma

terminologia do campo semKntico da arte por&ue% segundo o narrador% elas oram ordenadas pelo

deunto marido da senhora dele% &uando #iera de /onstantinopla% carregado de ri&ueBasN (p* ;;*

.oda#ia% contrariamente ' pala#ra de autoridade narrati#a &ue normalmente 9 imputada a um

narrador e>tradieg9tico% declara Dona "rraca cap)tulos mais tarde,

ViaFei (*** at9 chegar a este castelo% &ue me pertencia e era longe de tudo* 4le pertencia na #erdade a Gundisal#o* 4 eu &ueria apagar o &ue me lemrasse o

 passado* !iB grandes oras no castelo% e oi a&ui &ue recei a not)cia da morte demeu marido e as ri&ueBas &ue% ' sua ordem e testamento% ele me manda#a de/onstantinopla% onde morrera ao ser#iço do Amperador% &ue o estima#a muito*  (p*26

+ te>to seniano &ue% como Fá aludimos% não raramente rinca com as percepç=es do leitor

&uanto a detalhes do enredo da no#ela% dei>a-nos assim diante de um outro Fogo semKntico* 3inal%

como poder)amos arranFar as duas inormaç=es (imagens especulares deformantes uma da outra de

modo &ue elas coe>istissem sem se anular 4>perimentemos, Gundisal#o chegara de

/onstantinopla% iBera oras no castelo e depois retornara ao campo de atalha para lá enim morrer

e en#iar mais ri&ueBas para "rraca promo#er no#as reormas este caso% ter)amos oras

suse&Hentes e% assumindo-se o seu signiicado alegórico% e#idenciar-se-ia uma pluralidade de

modiicaç=es pelas &uais um te>to matricial pode passar nas releituras empreendidas em outras

 peças art)sticas* Mas a hipótese de &ue Gundisal#o tenha de ato regressado da guerra e depois

re&Hentado no#amente o campo de atalha 9 astante impro#á#el* Parece ainal ser mais acertado

conFeturarmos a possiilidade de &ue um dos dois enunciadores ("rraca ou o narrador se tenha% por

assim diBer% enganado ou% o &ue 9 mais signiicati#o% eeti#amente mentido* Sendo assim% podemos

considerar o narrador como portador de apenas uma das #ers=es do narrado &ue% despro#ida do seu

aspecto determinante% simplesmente não se coadune com as lemranças da personagem* W

8

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interessante% por e>emplo% pensarmos &ue% se por um lado o próprio nome de Gundisal#o

contrariaria a #ersão de Dona "rraca &uanto ' morte do esposo em comate% Fá &ue seu sentido

etimológico 9 precisamente ser in#ulnerá#el na guerraN% por outro lado% a opção por tal atismo

 poderia tam9m ser uma alsa pista da narrati#a    o &ue enri&uece o Fogo agenciado por não nos

 permitir eeti#amente tomar partido entre o discurso da personagem ou do narrador% mesmo por&ue

9 mais coerente encarar amos não como duas iguras em emate% mas como c@mplices do logro de

&ue o leitor 9 potencial #)tima*

4 esta orma de narrar não 9 prerrogati#a seniana* 3 literatura moderna% ao pCr em >e&ue

di#ersas categorias da estrutura iccional clássica% não poupa o narrador &ue% mesmo &uando

e>tradieg9tico% está longe de ser sempre onisciente% portador da #erdade asoluta &ue a tradição em

geral lhe coneria* _uanto a isso% anteriormente% mencionamos a rase &ue 3dso de MelQ ou#e do

seu mestre% Guilherme de RasQer#ille% na ora de "merto 4co O Nome da Rosa% a respeito do

tratamento &ue as oras literárias merecem dos seus leitoresI e reiteramo-la, +s li#ros não são

eitos para acreditarmos neles% mas para serem sumetidos a in#estigaç=es*N6U8  4sta mesma

in#estigação estará representada no conto La muerte E la r@FulaN% das metalingH)sticas Fic#+es de

Rorges% no &ual% como Fá aludimos% o deteti#e 4riQ Lnnrot% leitor ingnuo &ue conia piamente no

te>to &ue lhe 9 oerecido% 9 atra)do para uma cilada em unção de um conFunto de pistas orFadas por

seu inimigo $ed Scharlach* 3liás% nas próprias histórias policiais% desde os seus primórdios nos trs

contos de 4dgar 3lan Poe protagoniBados por 3uguste Dupin e nas deBenas de histórias estreladas

 pelo amoso SherlocQ Tolmes de 3rthur /onan DoEle% os narradores% mesmo &uando em terceira

 pessoa% agem como ilusionistas e oFeti#am Fustamente distrair o leitor dos atos realmente

 pertinentes 's soluç=es dos mist9rios% a im de surpreend-lo ao desecho* W tam9m precisamente

deste modo &ue se constroem armadilhas como a do romance )em !nos de olidão% de Gariel

6U8  4/+% "* (011;% p* ;1U*

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Garc)a Már&ueB% em &ue logo a primeira rase6U nos aB crer &ue a narrati#a culminará com a morte

do /oronel 3ureliano Ruend)a diante do pelotão de uBilamento% ato &ue ainal descoriremos não

se concretiBar* W induitá#el &ue o narrador seniano apresenta conduta semelhante e% mais ' rente%

teremos ainda a oportunidade de ainal ratiicar tal proposta de leitura &ue Fá algumas #eBes

 pontuamos at9 a&ui*

4ntretanto% na literatura moderna% não será apenas o narrador  a categoria a perder as suas

acepç=es tradicionaisI o mesmo acontecerá ao a'tor * 4 se (retomando a&ui a id9ia de &ue as oras

no castelo podem ser uma alegoria do aBer literário oser#armos a prolematiBação neste conlito

sore a própria autoria destas obras (art)sticas% por conse&Hncia le#antaremos a &uestão   Fá há

muito polmica   a respeito da importKncia do autor na construção da peça literária% contro#9rsia

&ue% a propósito% se instala especialmente nas discuss=es conceituais sore interte&t'alidade% Fá &ue

reside a) a contenda hermenutica &ue autoriBa ou não ao leitor toda e &ual&uer apro>imação

interte>tual de &ue este se apercea* Sore isso% Linda Tutcheon% ao analisar Rarthes e $iaterre%

nos lemra &ue,

a interte>tualidade sustitui o relacionamento autor-te>to% &ue oi contestado% porum relacionamento entre o leitor e o te>to% &ue situa o loc's do sentido te>tualdentro da história do próprio discurso* a #erdade% uma ora literária Fá não podeser considerada original, se o osse% não poderia ter sentido para o seu leitor* Wapenas como parte de discursos anteriores &ue &ual&uer te>to ot9m sentido eimportKncia*621

6U  Muitos anos depois% diante do pelotão de uBilamento% o /oronel 3ureliano Ruend)a ha#ia de recordar a&uela

tarde remota em &ue seu pai o le#ou para conhecer o gelo*N M$_"4X% G* G* (011;% p* 2*621  T"./T4+% L* (66% p* 6UU*

611

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4sta lierdade interpretati#a &ue pode ser oerecida ao leitor proporciona signiicante

aumento da gama de te>tos possi#elmente parodiados na no#ela de Sena% Fá &ue% para al9m das

relaç=es conessadas pelo autor como os e>emplos de O Orto do Esposo  ou outras &ue seFam

decisi#amente intencionais (como o diálogo com o /risto m)tico% o &ual 9 imposs)#el du#idar &ue

Sena não constru)sse de modo cCnscio% surgem ininitas outras possiilidades de leitura para a

no#ela e seu personagem central*

Deste modo% 9 astante con#eniente a metáora do  poliedro encontrada por Gilda Santos

 para o )sico% em oser#Kncia 's inumerá#eis aces &ue o protagonista apresenta   &uiçá resida a) a

moti#ação maior para a ouscação dos traços t)picos do herói% cuFo caráter indi#idual% para Maria

3lBira Sei>o% permanecerá sempre indeciso ao longo da ora% em termos de personalidade% de

nome e de intencionalidadeN626* 4ste sólido poli9drico será% para nós% em #árias das aces%

espelhado% aliás% deformantemente  espelhado% a produBir o rele>o d)spar de personagens

di#ersos620% e#idenciando a caracter)stica de Jorge de Sena &ue le#ou 4duardo Lourenço a cunhá-lo

como um homem sens)#el como poucos ao apelo da nietBchiana Otransmutação de todos os

#aloresN62;*

Das iguras dramáticas com as &uais o )sico estaelece este tortuoso diálogo% citaremos

alguns e>emplos mais notórios% uns produti#amente estudados   e &ue por isso mesmo aBem Fus '

alusão  % outros &ue tal#eB ainda mereçam um traalho mais alentado e a) seguem ' guisa de

sugestão para o uturo da cr)tica seniana% com a &ual ainda temos a pretensão de contriuir*

626  S4A:+% M* 3* (68% p* 6<*620  ão espelhamos de todo o poliedro por&ue isto reduBiria as multiacetas do protagonista a ecos de personagens

outros% eliminando caracter)sticas poss)#eis &ue lhe ossem asolutamente peculiares*62;  L+"$4k+% 4* (687% p* <<*

616

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do )sico% trata-se de aptid=es &ue se coadunam com o hipocor)stico de  grande m,dico (diundido

no discurso da tradição ocidental com &ue se identiica o /risto% ep)teto este de origem )lica

 aseado nas aç=es curati#as &ue Jesus cotidianamente realiBa#a de acordo com os relatos dos

4#angelhos% como conirmamos% por e>emplo% em Mateus, Jesus percorria toda a Galil9ia% (***

curando todas as doenças e enermidades entre o po#oN62U% ou em Lucas, 4 o poder do senhor

aBia-o realiBar #árias curasN622* 4 9 enim asolutamente despiciendo amiudar a "irgindade  do

cordeiro &ue tiraria os pecados do mundo% com a &ual o terceiro re&uisito desenha um mais &ue

ó#io paralelo* 4ntretanto% no tocante ' paternidade dos dois personagens% a relação não poderia

mesmo se estaelecer no n)#el da semelhança% por&ue% en&uanto a crença cristã estaelece Jesus

como o ilho primognito e leg)timo de Deus% em O Físico Prodigioso% como Fá anteriormente

e>pusemos% De's não e&iste    residindo a) a undamentação para &ue a narrati#a lide de modo

 Focoso com a iliação real do )sico &ue 9 aguardado por Dona "rraca% arrogando a este dado

momentaneamente uma importKncia (ao posicioná-lo de modo ingido entre os trs re&uisitos &ue

identiicam o homem &ue e>ercerá o papel de curar a castelã &ue este mesmo dado ainal não

 possui% para logo depois deiniti#amente reFeitá-lo% reorçando então a ausncia deste Deus% &ue não

9 mais o todo-poderoso desde os episódios do ?2nesis seniano% &ue Fá a&ui analisamos*

Mais ' rente% aliás% a discussão sore a paternidade do )sico #oltará ' tona% &uando as trs

donBelas suporão% em #irtude de todos os atriutos sedutores do rec9m-chegado% &ue ele de#eria de

ato ser ilho de rei% emora se tenha es&ui#ado de ornecer tal inormação (e reparemos &ue a

 pergunta .em mesmo &ue ser ilho de reiN% eita pelo )sico% não traB em #erdade uma resposta%

apesar de pressupor% a princ)pio% #alor negati#o* Pro#a#elmente ha#ia sido rouado ao nascer% e

trocado por outro% como 9 saido &ue% por #inganças% acontece muito a ilhos de reiN (p* 71%

especulam elasI no entanto% outra teoria lhes será mais atraente% a de &ue )sico osse ilho não de

62U

  Mt 7% 0;*622  Lc <% 62*

617

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rei% mas de rainha, 3 rainha pecara com um paFem% en&uanto o rei esta#a longe% na .erra SantaI e

 para &ue se não souesse do seu adult9rio% dera a criança a criar uma ama distanteN (p* 76* 4sta

conFectura será le#emente corrigida (criando entre as duas #ers=es mais uma #eB a sugestão de um

espelho deformante &uando o )sico recordar &ue sua mãe não pecara com um paFem% mas com

um pr)ncipe &ue podia ter sido rei% se ti#essem sido mortos dois &ue esta#am ' rente dele na

sucessão realI e sua mãe não era rainha% nem du&uesa% mas uma dama de condessaN (p* 76*

$aciocinemos, se no im das contas o )sico não era mesmo ilho de rei (e mantenhamos o discurso

comparati#o &ue # neste rei a posição dramática ocupada por Deus na narrati#a )lica sore

Jesus% era toda#ia ilho de pr)ncipe% cargo de noreBa &ue ser#e na cultura popular como

autonomásia demon)aca   L@cier 9 o Príncipe das =re"as% t)tulo &ue por sinal !rei 3ntão utiliBa

como #ocati#o em sua con#ersa com o DemCnio no cap)tulo nono628* Sae-se inclusi#e &ue

tam9m L@cier &ueria% por assim diBer% ser rei  (chega a sentar no trono de Deus% conorme

#eriicamos nas narrati#as da tradição cristã% e por isso 9 e>pulso do reino celestial e passa a haitar

as proundeBas da terra% assim como o pai do )sico  podia ter sido reiH se ti"essem sido mortos dois

.'e esta"am 0 frente dele na s'cessão real % e &uem sae não tenhamos a&ui uma reerncia a Deus

e ao seu ilho unignito* +ra% /ota !agundes lemra &ue 9 o diao &uem #ela pela #ida do )sico%

só o aandonando &uando este% começando a ad&uirir a noção de alma% se des#ia do caminho das

coisasN62* Sua leitura então sugere% emora não ratii&ue% &ue o protagonista morre aandonado por

a&uele &ue propomos &ue seFa reconhecido como o seu pai% do mesmo modo &ue Jesus se sente

es&uecido por Deus &uando erguido na cruB681% outra e#idncia portanto desta poss)#el paternidade*

628  3 menção a este detalhe 9 pertinente por&ue nunca podemos despreBar o cuidado com &ue Jorge de SenarealiBa o seu escrut)nio #ocaular% haFa #ista% por e>emplo% a análise &ue o Sena cr)tico literário realiBa a respeito daepop9ia de /am=es a partir Fustamente do #ocaulário nela utiliBado% aplicando ali um procedimento &ue possi#elmenteele mesmo adotasse na composição dos seus te>tos*62  !3G"D4S% !* /* (60% p* 6;2*681

  4 ' hora nona Jesus radou em alta #oB, O ElóiH ElóiH lammá sabactániJ

% &ue &uer diBer, OMeu Deus% meuDeus% por &ue me aandonasteN (Mc 6<% ;7*

61<

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 ossa hipótese de leitura    &ue% emora seFa sutil% 9 calculadamente plaus)#el   alça o

#)nculo aeti#o de cunho se>ual estaelecido entre o )sico e o Diao ao n)#el do &ue Fá ante#)ramos

ocorrer entre Dona "rraca e o seu pai% com a potencialiBação do aspecto per"ertido neste no#o caso

 por&ue se trata a&ui de um incesto &ue será para al9m de tudo homosse>ual* Mas% ultrapassando o

ato de esta tergi#ersação ser tal#eB meramente a#entureira e sem peremptório ind)cio te>tual% #ale

ressaltar &ue a origem e a inKncia do )sico representam uma narrati#a marcada por lacunas

(iograia &ue Jorge !aBenda Lourenço chamou de ugidia e ami#alenteN686% emora tenha eito

um #alioso esorço para recortar as suas e#idncias no te>to de Sena e reconstru)-las de modo

linear 680 similares 's &ue encontramos nos 4#angelhos no &ue diB respeito ' #ida de Jesus /risto

antes da etapa adulta% o &ue ainal proporciona (nos dois casos enseFo para dierentes

 pressuposiç=es*

 o tocante ao pouco &ue saemos sore as origens do )sico% chama a atenção a autoridade

assumida pelas iguras emininas nos rumos do seu ado% e não 9 pois casual &ue seduBa mais 's

donBelas o Fu)Bo de &ue ele osse ilho de rainha e não de rei* +ra% &uem realiBa o pacto &ue para

sempre determinará a con#i#ncia entre o protagonista e o Diao 9 a ama &ue o criaraI #endo-o

ainda imp@ere% mas Fá com o corpo de homem% sua madrinha (&ue lhe dera o gorro con#ocara o

demo% &ue logo se araçara a ele apai>onadoN (p* 06* Mas esta pai>ão não encontrou

correspondncia no )sico, o Diao pedia pouco% se se contenta#a com uma simples

disponiilidade complacente% em &ue nem com um gesto% nem com um palpitar da carne% ele

 pact'a"aN (p* 00 (Grio nosso     e no#amente a eleição #ocaular de Sena não pode ser

despreBada% por&ue a opção por este @ltimo #ero destacado% em detrimento de outros como

retrib'ir   ou concordar  ou mesmo compact'ar  por e>emplo% 9 pro#ocadora de uma interpretação

686  L+"$4k+% J* !* (60% p* 668*680

  Pode-se desrutar dos resultados deste traalho no artigo 3s rosas do deseFado, sore O Físico Prodigioso deJorge de SenaN% em L+"$4k+% J* !* (60% p* 662-8 ou L+"$4k+% J* !* (0110% p* 6;U-2*

61U

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#oltada para o campo semKntico dos acordos demon)acos% a&ui precisamente a renegar &ue o )sico

a isto se rendesse*

Tá então asoluta lisura na autodeesa do herói ao airmar categoricamente ao capelão, 4u

não tenho pacto com Satanás*N (p* ;8   detalhe importante não contemplado por +rlando unes

de 3morim no artigo O Físico Prodigioso no tecido a@sticoN (análise comparati#a entre o )sico e

o mito de !austo e &ue le#a 3morim a perder a) a oportunidade de discernir% na recriação do

 personagem eterniBado por Goethe% a ação &ue atriu)mos aos espelhos deformantes  na no#ela*

Dierentemente do !austo #endendo sua alma a Meistóeles em troca de todos os ens e saeres

deste mundoN68;% o )sico não aB um pacto com o Diao% por&ue% na &ualidade de personagem

nascido em ponto mais a#ançado da linha temporal &ue podemos traçar para a representação do

caminho percorrido pela ora de Jorge de Sena% o herói da no#ela está cCnscio de sua condição%

en&uanto representante do gnero humano% de e>clusi#o conhecedor do Rem e do Mal% como o

?2nesis  seniano e#idencia% atriuto &ue Deus (por sinal% Fá então morto e o Diao Famais

 possuiriam   e não seria poss)#el ' criatura demon)aca #ender a&uilo &ue so circunstKncia alguma

 pode oerecer*

Maria Stella $eis Machado corroora a nossa análise% aiançando &ue% ao contrário de

Dorian GraE ou de !austo% o )sico ica isento de &ual&uer pacto% por&ue ao demónio nunca

correspondeuN687* 3 menção ao personagem de +scar ilde 9 tam9m interessante #isto &ue a

dierença primordial entre os caminhos percorridos por Dorian GraE (e tam9m por arciso e o

)sico encontra-se na postura deste em inalmente se dei>ar le#ar pelo poder transormador do

eminino% ao &ual aludimos* 4n&uanto arciso reFeita todas as mulheres (consustanciadas na

igura de 4co e as relaç=es de Dorian GraE    &ue curiosamente tam9m estaelece com o seu

retrato uma relação de certa maneira especularmente deformante     não passam de simples68;

  M"/T4MRL4D% $* (0116% p* 27*687  M3/T3D+% M* S* $* (686% p* 6U8*

612

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estratagemas para alimentar o seu próprio ego% o )sico permite% ao contrário% &ue Dona "rraca seFa

essencial em sua ormação* W isto &ue Dona "rraca tem% ainal% de demon)aca, 9 dotada do poder

transormador inerente ao daimon &ue outrora discutimos* + )sico% ainal% não tem pacto com o

Diao% e isso se dá Fustamente em unção de a responsailidade pelo pacto ser em #erdade de sua

madrinha   ind)cio primeiro% reiteramos% do go#erno da m'lher  nos caminhos en#eredados pelo

herói logo desde a sua origem*

Veriica-se acilmente &ue tam9m os seus milagres68<% &ue se multiplicam na primeira parte

da narrati#a% serão sempre le#ados a termo por inluncias emininas, Dona "rraca e as donBelas

arão com &ue ele reconstrua a paisagem id)lica em &ue ora encontrado no cap)tulo inicial% e serão

tam9m elas as agentes da ressurreição em larga proporção &ue o )sico promo#erá das centenas de

homens sepultados ' margem do castelo% assim como igualmente caerá a Dona "rraca pedir ao

)sico para #oltar no tempo a im de es&uecer tudo o &ue acontecera at9 então% le#ando-o ' capital

conclusão de &ue n'nca sai certo o momento a .'e se "olta* W Fustamente Dona "rraca &uem

induBirá o )sico a ponderar sore o seu aspecto di#ino% lição ministrada logo após a ressurreição

dos mortos por ele promo#ida% &uando ela% de Foelhos e agarrada 's suas pernas% proere, Ws um

deus% 9s um deus% 9s um deus*N (p* 28

+ra% do mesmo modo% o primeiro milagre de Jesus relatado pela R)lia% o das Rodas de

/ana% em &ue a água 9 transormada em #inho% somente se dá por uma insistncia de Maria de

 aBar9% sua mãe* 4ste paralelo% por sinal% poderia colocar Dona "rraca na posição ideológica% ainda

&ue não iológica% de mãe do )sico% conorme chega a declarar MiQe Tarland ao perceer "rraca

como a&uela &ue representa a mãe &ue ele \o )sico perdeuN68U% possiilidade igualmente le#antada

68<

  W con#eniente anotar &ue a própria presença de milagres  na narrati#a representa mais uma e#idncia doespelho% uma #eB &ue% se adotarmos uma #eB mais o m9todo das análises etimológicas da pala#ra% encontraremos umarelação cognata entre as traduç=es inglesa e rancesa para espelho (mirror  e miroir    oriundas do #ero latino mirare(admirar-se% de onde #em o adFeti#o mir's (mara#ilhoso   e o termo de origem latina mirac'l'  (mara#ilha% coisa

e>traordinária &ue se dá a #er*68U  T3$L3D% M* (011<% p* 07U*

618

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 por Jorge !aBenda Lourenço ao sugerir &ue% no plano meramente interpretati#o% (*** icará ainda a

suspeita da identiicação de Dona "rraca com a madrinha-mãe do protagonista% assumindo tam9m

ela (*** o papel de mãe e amanteN682    descoerta &ue Fá não surpreenderia &uando nesta análise

constatamos a sugestão de incesto entre a própria "rraca e seu pai e le#antamos a hipótese de

en>ergar o Diao como genitor do herói*

Mas dei>emos de tergi#ersaç=es e retornemos enim mais detidamente ' análise de

!rancisco /ota !agundes sore a no#ela% enumerando algumas das analogias por ele encontradas

entre o )sico e o mito messiKnico )lico% &uais seFam, a missão de disseminar o amor  (e atentemos

 para duiedade do #ocáulo amor  neste caso% a capacidade de ress'scitar os mortos e c'rar os

enfermos (inclusi#e oerecendo para isso o próprio sang'e e a representação de amea#a 0s normas

e instit'i#+es "igentes* 4ste @ltimo aspecto% aliás% será preponderante para le#ar o herói '

condenaçãoI segundo !agundes% os crimes de &ue o )sico 9 acusado são os mesmo &ue oram

atriu)dos a /risto, atentar contra a ordem estaelecida% sedição% incitamento ' desordem e

heresiaN688% num processo &ue se instaura após o herói ser denunciado por uma igura de Judas

Ascariote% o capelão do casteloN68*  4>atamente a partir da)% inicia-se o &ue poder)amos designar

como a Pai&ão do )sico*

Mas% ora% a primeira parte da no#ela tam9m trata% por assim diBer% da  Pai&ão  do )sico*

 este caso% por9m% o #ocáulo acomoda o signiicado &ue usualmente lhe 9 atriu)do a partir dos

discursos oitocentistas% a&uele &ue o aB igurar em um campo semKntico aeti#o   e #ale ressaltar

&ue as ocorrncias da pala#ra na no#ela arão reerncia sempre a tal sentido* Mas esta não 9 a

@nica leitura poss)#el para o sema pai&ão* 3 respeito da polissemia do sustanti#o% asse#era $enato

Janine $ieiro &ue em nossos dias% &uando se ala em pai>ão% pensa-se em amor e enamoramentoI

682  L+"$4k+% J* !* (0110% p* 6;*688

  !3G"D4S% !* /* (60% p* 6;<*68  Adem*

61

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nos s9culos :VAA e :VAAA por9m% a pai>ão por e>celncia era outra% a glória% a honra% a

reputaçãoN61* _uiçá se conser#e a) a raBão da escolha desta pala#ra para representar o mart)rio a

&ue o /risto 9 sumetido pelos romanos% por&ue (para al9m de o amor &ue o ilho de Deus nutria

 pela humanidade a ponto de morrer para sal#á-la corroorar o posicionamento desta pala#ra no

espaço aeti#oI para al9m de termos tam9m um terceiro signiicado de pai&ão% a&uele &ue ad#9m

de  pathos% pala#ra grega &ue denota sofrimento e sintomaticamente aparece ainda na ormação de

 patologia contemplamos em seu cal#ário o cl)ma> da narrati#a cristológica% com a #itória de Jesus

ao resistir aos maus tratos impostos pela "ia cr'cis e% com a sua ressurreição% a representar a derrota

da morte perante o /risto     e#ento am)guo &ue $oert Muchemled deine como o mais

misterioso episódio da história cristã% a /ruciicação% &ue comina uma derrota e uma #itória

simultKneasN66*

!rancisco !* Sousa sugere esta mesma duplicidade no &ue diB respeito ao )sico &uando nota

&ue a tortura &ue pretende destru)-lo e reduBi-lo a nada acaa por con#ert-lo ainda mais em herói%

 pois a sua dignidade e coragem nunca são deilitadas% apesar das e>perimentaç=es mais aFectas a

&ue 9 sumetidoN60* 4m O Físico Prodigioso% portanto% a resistncia passi#a ' tortura (como

aludimos% aos moldes de Gandhi% a sua #itória inal transigurada no e>term)nio da ordem #igente

 promo#ido anar&uicamente por uma população enrai#ecida e% mais% a posterior sugestão de

ressurreição na igura de um no#o )sico (e de uma no#a "rraca amalgamariam em sua conFuntura

igualmente as trs concepç=es poss)#eis de pai&ão, agonia% glória e deseFo*

4sta segunda Pai&ão do )sico   &ue e>p=e o seu mart)rio% ou seFa% a sua agonia e a sua

glória   tem o seu ápice narrado na metade inal da no#ela e dela aBemos o seguinte retalho% longa

citação cuFo crit9rio de corte oi a con#enincia para a presente discussão,

61  $AR4A$+% $* J* (682% p* 612*66

  M"/T4MRL4D% $* (0116% p* 6*60  S4A:+% M* 3* (68% p* ;2*

661

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3 praça esta#a cheia de gente% por detrás deles* 4ra uma massa compacta esilenciosa e imó#el* !rei 3ntão ergueu a cruB peitoral% e gritou,   W um pest)ero% uFamZ   e enBeu-se*(***

4 o corpo ia gatinhando de#agar% ora uma das mãos% ora um Foelho*De #eB em &uando% de uma porta ou de uma massa de gente% uma mulher corria%agacha#a-se entre o corpo e os dois rades% &ue logo o seguiam% e% com um pano%limpa#a os pingos de sangue% &ue ica#am nas laFes*s #eBes% a procissão para#a% &uando o corpo para#a* 4 oi num desses altos &ue!rei Rermudo #acilou e caiu*(***4ntão% de no#o rasteFando% dese&uilirou-se e reolou para o undo% onde icou decostas% descomposto% e>iindo as chagas &ue o anel da cintura e o cinto decastidade lhe ha#iam eito* 4 o rosto% &ue o Sol alto Fá ilumina#a% era horr)#el de#er-se e% se poss)#el% ainda mais &ue o resto, os olhos muito enco#adosarregala#am-se% o nariB esta#a &uerado% a oca hiante mostra#a uma l)ngua

inchada e o #aBio dos dentes% e toda a testa era% como as aces% protuerKncias ro>ase negras*(***4ntão% do corpo estendido e decomposto% começaram a sair gemidos e soluços*!rei 3ntão ergueu mais a sua cruB peitoral por sore a #ala% e sentiu &ue lhaarreata#am das mãos com uma #iolncia &ue lhe reentou o cordão de ouro% &ue asustinha* + choro suia de tom% era uma lamentação sem pala#ras% uma gritadacantilena &ue se propagou ' tura imensa*(******pouco a pouco% ' medida &ue o seu estertor se torna#a mais n)tido% as chagas iamdesaparecendo% o caelo crescendo louro% as eiç=es recuperando os traçosdesaparecidos* 4ra como um deus% &uando todos #iram &ue e>pirara* (p* 608-;6

3 passagem 9 longa% mas sua menção 9 estrat9gica* +s trechos acima acrescentam

 pormenores interessantes ' análise conrontadora &ue at9 a&ui realiBamos* + paralelo &ue a cena

sugere com a alição do /risto 9 mais do &ue e#idente% haFa #ista o percurso &ue o agoniBante herói

#ence so o testemunho da população% al9m do resultado da #iolncia sorida &ue o corpo do )sico

denuncia% com direito a chagas como as de /risto% e a magia da regeneração da eleBa do seu corpo

a representar a di#indade do mártir% Fá antes sugerida pela iluminação de tons ol)mpicos do ol alto

   graado de modo signiicante com letra mai@scula% ato &ue aliás não se repete em outros

momentos da narrati#a em &ue se aB menção ao astro*

666

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Mas% curiosamente% em sua "ia cr'cis o condenado nada carrega    nem a sua condição

)sica% claramente mais depauperada do &ue a do personagem )lico6;% o permitiriaI &uem le#a

consigo a cruB durante todo o traFeto% conorme ica claro no in)cio e no im da passagem citada% 9

!rei 3ntão% mas esta 9 uma peça de dimens=es #isi#elmente menores% um pingente em orma de

crucii>o preso ao pescoço por um cordão% &ue o rade erg'erá na tentati#a de espantar o p@lico% e

o ará no#amente% ainda com mais #eemncia% no momento &ue antecede a e>piação do )sico% em

reerncia ' cruB em &ue Jesus ora alçado para a morte* 4ste )nimo esorço do rade se contrap=e%

no entanto% ' metaórica cruB imensa e opressora &ue o )sico na #erdade arrasta% simolicamente

demonstrada no momento em &ue os representantes do clero se ha#iam apro>imado dele ainda de

madrugada% e as somras dos trs rades% muito longas% cruBa#am-se sore o corpoN (p* 602%

somra tirKnica e mort)era a lançar a escuridão (&ue Fá estudamos como sintoma da repressão

aludindo Fustamente ' cruB% orma emlemática do sorimento*

3l9m disso% tam9m estão reproduBidas na "ia cr'cis do )sico as trs &uedas &ue o /risto

sore em sua caminhada at9 o cal#ário% toda#ia% se a&ui o condenado Fá se arrasta no chão% o tomo

não poderia ocorrer com ele* Vitimará então !rei Rermudo% &ue cai uma @nica mas deiniti#a #eB%

sendo engolido pela multidão* 3pós a morte do )sico e o nascimento da roseira &ue surgirá no

t@mulo do casal ormado por ele e Dona "rraca% tam9m !rei 3ntão e !rei Dem9trio serão

derruados pela multidão% completando as trs &uedas &ue comp=em a Via Sacra da tradição

católica*

3 reeldia da população% &ue e>plodirá ao im da no#ela após a Pai&ão do )sico% conigura

o resultado ideológico gerado pelo sacri)cio do herói* O Físico Prodigioso% nesse sentido% poderia

ser identiicado como um te>to apocal)ptico% instaurador de uma no#a ordem* 4 al9m da poss)#el6;  Vale ressaltar &ue apenas o 4#angelho de João narra Jesus carregando em algum momento a própria cruBI ostrs demais e#angelistas airmam &ue oi Simão de /irene% &ue passa#a ocasionalmente pelo lugar% &uem a transportouat9 o cal#ário por ordem dos romanos* Podemos #eriicar estas inormaç=es em, Jo 6% 62I Mt 02%;0I Mc 6<% 06ILc 0;% 0U* Já a Via Sacra pre# &ue apenas após parte do caminho percorrido Simão será imu)do da missão de lhe

carregar a cruB* 4#identemente% esta tarea 9 imputada a outro não por enignidade% mas para poupar o condenado% pelanecessidade de &ue este chegasse ao local de e>ecução ainda #i#o*

660

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relação com o li#ro de João &ue echa o cKnone )lico% a mencionada re#olta do po#o   em tantas

oportunidades apro>imada metaoricamente a reerncias a&uáticas   nos parece ainda uma alusão

ao dil@#io do 3ntigo .estamento* Mais ainda, tal presença da água em dimens=es dilu#ianas

 poderia ainda sugerir o &uão insuiciente parece ser este l)&uido% diante da inFusta condenação do

herói da no#ela% para algum Pilatos% signiicantemente sem par na narrati#a seniana% la#ar as mãos*

4stas reerncias a li#ros e e#entos posicionados de orma espalhada na cronologia das

Sagradas 4scrituras não se aB a&ui inutilmente* 3 odiss9ia de dimens=es )licas% &ue alcança o

seu arremate apocal)ptico nos @ltimos cap)tulos da no#ela% Jorge de Sena a iniciara com o seu

?2nesisI &ue% de certa maneira% se repete no primeiro cap)tulo da no#ela% &uando o )sico% num oásis

&ue sugere o Para)so% chega at9 mesmo a comer uma maçã% o &ue% se não condiB te>tualmente com

o discurso canCnico   em &ue a ruta não especiicada &ue se come em desoedincia 's ordens de

Deus 9 a da ár#ore do Rem e do Mal   % estará entretanto de acordo com o imaginário cristão &ue

elege esta ruta como a responsá#el pela e>pulsão de 3dão e 4#a do Wden67*  ão 9% al9m do mais%

casual &ue !rancisco !* Sousa analise o )sico so uma lógica e#oluti#a &ue #ai de uma igura

adKmica a uma igura cristológicaN6<% Fá &ue os cap)tulos inicial e inal potencialiBam e>atamente a

contraposição entre estes dois mitos )licos no mesmo personagem central da narrati#a*

Dentre todas estas recriaç=es promo#idas so a luB e#idente de espelhos deformantes da "ia

cr'cis )lica% consideramos tal#eB a mais signiicati#a a&uela &ue traB mulheres a limparem as

 poças de sangue &ue mancham o chão no percurso do )sico agoniBante* !agundes aponta a) uma

modiicação do episódio de Santa VerCnicaN6U% personagem presente apenas em relatos apócrios%

mas de muita diusão no imaginário cristão% tanto &ue igura na se>ta das &uatorBe (ou &uinBe% em

67  Tá pro#a#elmente a&ui uma inluncia ad#inda do pomo da discórdia da mitologia grega% conte>to em &ue amaçã 9 responsá#el pela ruptura &ue causa a guerra de .róia% o &ue se sorep=e ' moti#ação da desa#ença entre o/riador e o casal 3dão e 4#a*6<

  S4A:+% M* 3* (68% p* ;7*6U  !3G"D4S% !* /* (60% p* 6;U*

66;

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algumas #ers=es estaç=es da Via Sacra estaelecida pela AgreFa /atólica (cuFa orma deiniti#a data

do s9culo :VAAA* 3lerto Manguel e>plica a personagem,

***Mateus% Marcos e Lucas alam de uma mulher &ue% tendo padecido de um lu>ode sangue durante doBe anos% oi curada depois de tocar a ainha da #este de/risto* Segundo a história medie#al% essa mulher anCnima reapareceu emJerusal9m durante o /al#ário de /risto e oereceu a osso Senhor um pano paralimpar Sua ronte cansada* 4le pressionou o pano contra a ace e% &uando ode#ol#eu% podia-se #er sore o tecido uma imagem pereita e #erdadeira ("eroicon de Suas eiç=esI num Fogo de pala#ras gracioso% a mulher #eio a serconhecida como VerCnica*62

+ra% tais iguras emininas% &ue correspondem ' Santa VerCnica da tradição cristã% não poderiam mesmo limpar o rosto do )sico agoniBante em semelhança ' história de Jesus* 3inal de

contas% na narrati#a seniana% contraditório seria &ue surgisse em algum conte>to uma reprodução a

&ue couesse a terminologia "ero icon% por&ue isso este poli9drico )sico não será nunca% apesar das

reerncias interte>tuais com mitos históricos ou literários% com os &uais% no entanto% estaelece

especularidades sempre deformantes* Lemremos &ue 9 e>atamente tal conceito de possiilidade

de imitação pereita o &ue se nega so a airmação de &ue n'nca sai certo o momento a .'e se

"olta*

62  M3G"4L% 3* (0116% p* 68U-2*

667

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3ssim% não será por acaso &ue a alegoria do diabo% igura condutora da po9tica seniana &ue

surge concretiBada em personagem na no#ela% uncione como princ)pio ideológico da narrati#a*

VeFamos, em análise ' ora do escritor rancs Michel .ournier% 4dson $osa da Sil#a descore nela

um interessant)ssimo neologismo   diábolo% &ue nasce em oposição a símbolo68% constatação sore

a &ual argumenta o cr)tico,

Para re#italiBar% 9 preciso% segundo Michel .ournier% in"erter % re"erter % des'nir %diaoliBar% não mais aceitar passi#amente os s)molos &ue nos imp=e nossa cultura% pensar com ela% unir-nos a ela (sEn-allein% mas pensar contra ela% penetrando-a%separando-nos dela% lançando-nos atra#9s (dia-allein% para atra#essá-la e #er o

seu outro lado* Pois os s)molos aceitos sem contestação echam o horiBonte*6

Ampedir &ue o mito cristológico feche o horizonte cultural da sociedade do ocidente arrola-se

como uma das miss=es diaólicas das in#ers=es e re#ers=es produBidas pelos espelhos deformantes

de Jorge de Sena* Por isso mesmo% Jorge !aBenda Lourenço airmará &ue esta narrati#a seniana

representa um s9rio a#iso contra a i>ação hermenutica% por parte dos leitores% a &ual&uer sistema

m)tico-simólico historicamente determinadoN011* Por isso mesmo% a no#ela será% como deine /ota

!agundes% a resposta human)stica de Sena ao /ristianismo% ou% melhor tal#eB% ' distorção do

/ristianismo atra#9s dos s9culosN016* Por isso mesmo% os espelhos deformantes  coniguram a

metáora mais apropriada para a ideologia presente em O Físico Prodigioso*

68  Mais precisamente% aBemos reerncia ao seguinte trecho de  $e Roi des !'lnes de .ournier, 3#eB-#ous lul3pocalEpse de Saint Jean +n E #oit des sc]nes terriles et grandioses &ui emrasent le ciel% des animau> antasti&ues%des 9toiles% des glai#es% des couronnes% des constellations% un ormidale d9sordre darchanges% de sceptres% de trCnes etde soleils* 4t tout cela est sEmole% tout cela est chire indiscutalement* Mais ne chercheB pas ' comprendre% cest 'dire trou#er pour cha&ue signe la chose ' la&uelle il ren#oie* /ar les sEmoles sont diaoles, ils ne sEmolisent plusrien* 4t de leur saturation na`t la in du monde*N .+"$A4$% M* (621% p* 727* +u% conorme a tradução utiliBada noartigo citado, Já leu o 3pocalipse de São João Vemos a) cenas terr)#eis e grandiosas &ue arasam o c9u% animaisantásticos% estrelas% espadas% coroas% constelaç=es% uma ormidá#el desordem de arcanFos% de cetros% de tronos e de sóis*4 tudo isso 9 s)molo% tudo isso 9 cira% indiscuti#elmente* Mas não procure compreender% ou seFa% encontrar para cadasigno a coisa a &ual remete* Pois esses s)molos são diáolos, não simoliBam mais nada* 4 de sua saturação nasce oim do mundo*N6  SALV3% 4* $* da (0116% p*<2*011

  L+"$4k+% J* !* (0110% p* 60U*016  !3G"D4S% !* /* (60% p* 6;U*

66<

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2 22 " P)A$#" #"M)%$"%"

.omando como pr,9te&to o #erso camoniano 4rrei todo o discurso dos meus anosN% .eresa

/ristina /erdeira analisa a prounda relação e>istente entre a cultura portuguesa e o autor de Os

 $'síadas% concluindo &ue os escritores do idioma erraram nele% contra ele% mas atalmente com

eleN010% a entender Lu)s VaB de /am=es como um caminho inescapá#el a todo discurso literário

 produBido pela l)ngua portuguesa* De modo algum se des#ia deste #erdadeiro ado portugus a

narrati#a de O Físico Prodigioso* 3inal% somando-se ' citada predestinação inicial% temos ainda

como catalisador deste diálogo o ato de Jorge de Sena ser um dos mais em9ritos estudiosos da

 po9tica camoniana% tendo constru)do a propósito do autor &uinhentista uma sólida ortuna cr)ticaI

era% portanto% astante natural &ue a puFante inluncia de /am=es se iBesse e>ercer sore o Sena

autor e% por isso mesmo% cremos &ue as reerncias de sua no#ela ao Poeta não possam ser

despreBadas*

Do poema 9pico de Os $'síadas% por e>emplo% o episódio da Alha dos 3mores% em &ue

#itoriosos portugueses são laureados% pode ser #isto como material primário para a construção do

amiente encontrado pelo herói da no#ela no castelo de Dona "rraca* os traços &ue ormam o

desenho dos dias no reino a partir de então% +rlando unes de 3morim identiicará e>atamente a

orgia do )sico com todas as donBelas do castelo% a ressurreição dos ca#aleiros mortos por elas e o

estaelecimento de uma esp9cie de camoniana ilha dos amores% em &ue o amor imperaN01;

*3 despeito% no entanto% desta possiilidade de apro>imação entre a no#ela e o poema

narrati#o maior da cultura literária portuguesa% &ue a&ui aludimos apenas ' guisa de mote inicial%

 parecem-nos mais signiicati#os os momentos em &ue o te>to de Sena dialoga com as concepç=es

010

  /4$D4A$3% .* /* (011U% p* 6<*01;  3M+$AM% +* * de (011U% p* 61U*

66U

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sore amor  promulgadas pela lírica camoniana% em especial a&uelas encontradas no c9lere soneto

a seguir,

3mor 9 ogo &ue arde sem se #erIW erida &ue dói e não se senteIW um contentamento descontenteIW dor &ue desatina sem doerI

W um não &uerer mais &ue em &uererIW solitário andar por entre a genteIW nunca contentar-se de contenteIW cuidar &ue se ganha em se perderI

W &uerer estar preso por #ontadeI

W ser#ir a &uem #ence% o #encedorIW ter com &uem nos mata lealdade*

Mas como causar pode em seu a#or  os coraç=es humanos amiBade%Se tão contrário a si 9 o mesmo amor017

4sti#emos at9 a&ui a uscar as e#idncias da duplicidade irregular re#elada pelo espelho

deformante  em O Físico Prodigioso% ou seFa% a procurar as amigHidades e as conFugaç=es de

opostos &ue pautam a narrati#a* Mas% induita#elmente% antes de pertencer a &ual&uer gnero

te>tual% antes de ser paródia pol)tica ou releitura de mitos ou mesmo autoiograia antástica% a

no#ela escrita por Jorge de Sena 9% em seu undamento% uma história de amorI um amor acima de

tudo igualmente parado>al Fá &ue negocia ao mesmo tempo com a #ida e a morte% constrói e

ani&uila de orma simultKnea* 4 não 9 precisamente a amigHidade do amor  o &ue se prop=e no

 poema de /am=es% re#elação do &uanto este sentimento 9 tão contrário a si Se assim 9% re#ela-se

no soneto Fustamente a ormação de um sentimento undado em opostos &ue se unem em uma

mesma ace     duas imagens &ue são ao mesmo tempo reerencialmente especulares% toda#ia

deformantes% e cuFa união 9 condição #ital para a sua própria e>istncia*

017  /3M4S% L* V* de (60% p* 26*

662

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Por outro lado% 9 claro &ue tão somente esta parecença de cunho geral não Fustiicaria o

in#estimento no amoso soneto camoniano para a leitura de alguns aspectos da narrati#a do )sico e

de Dona "rraca% pois% neste caso% o mesmo ato remeter-nos-ia a in@meras outras (&uiçá mesmo as

mais analiBadas histórias de amor* 3 cha#e para esta apro>imação% a Fustiicati#a para esta

 proposta de leitura% um ind)cio actual da propriedade desta alusão encontra-se na cena em &ue o

casal se ama pela primeira #eB% &uando o protagonista está% so a magia do gorro% in#is)#el,

3 mão dela encontrou-lhe o omro% &ue apalpou cra#ando-lhe as unhas* 4 logo ooutro raço lhe rodeou a caeça% pu>ando-lha para os láios entreaertos &ue

gorgoleFa#am sali#a* .oda ela se lhe colou #iolentamente% esregando-se contraele* 4% sentindo-se sor#ido por eiFos calcados e intermitentes% ou#iu &ue ela lhediBia rouca,   3ssim% assim% &uero-te assim in#is)#el* Vem* (p* 7<

+ inegá#el calor &ue se dissemina pela cena   sentido em todos os mo#imentos arreatados

de Dona "rraca e na sua sali#a &ue gorgoleFa na oca como água em eulição  % agregado ao dado

da in#isiilidade do )sico% imprime o modo de concretiBação da metáora do #erso inicial do soneto

de /am=es% ou% para ser mais e>ato% a sua re#ersão literal no fogo .'e arde sem se "er *

+ra% re&Hentemente% o #ero "er  9% em /am=es% mat9ria de #ariada análise% como pala#ra

&ue ariga algumas signiicaç=es poss)#eis01<* o poema cuFo #erso inicial 9 Pede o desejoH damaH

.'e "os "eja01U% /leonice Rerardinelli% por e>emplo% en>erga na segunda orma #eral um "er  &ue

 perdeu a pureBa inicialN012% o &ue no entanto se contrap=e ' leitura de 3gostinho /ampos% &ue neste

conte>to deduBira o mero deseFo de #er% e não mais do &ue "er N018* Para nós% este distanciamento

01<  4ncarar a pala#ra "er  so uma ótica &ue a plurissignii&ue tem como Fustiicati#a o ato de este processo serrecorrente na ora de /am=es,  pena%  gesto  e bai&eza são apenas alguns e>emplos da plurissigniicação #ocaularcamoniana* guisa de amostragem% #ale citar &ue% em análise ao soneto 'ando o sol encoberto "ai mostrando% Da#idMourão-!erreira atenta para a possiilidade dupla de interpretação do sintagma sempre duraN% encarando a @ltima

 pala#ra como duração ou dureBa* M+"$b+-!4$$4A$3% D* (686% p* UU*01U  Pede o deseFo% Dama% &ue #os #eFa* 5 ão entende o &ue pedeI está enganado* 5 W este amor tão ino e tãodelgado% 5 _ue &uem o tem não sae o &ue deseFa* 55 ão há cousa a &ual natural seFa 5 _ue não &ueira perp9tuo o seuestado* 5 ão &uer logo o deseFo o deseFado% 5 Por &ue não alte nunca onde soeFa* 55 Mas este puro aeito em mi sedanaI 5 _ue% como a gra#e pedra tem por arte 5 + centro deseFar da natureBa% 55 3ssim o pensamento% pela parte 5 _ue #aitomar de mim% terrestre% humana% 5 !oi% Senhora% pedir esta ai>eBa* /3M4S% L* V* de (60% p* U;*012

  R4$3$DA4LLA% /* (0111% p* 00<*018  /3MP+S% 3* de (s* d*% p* 067*

668

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imposto pelo "er  eeti#amente a) se es#ai% o &ue se dá em unção da prounda coligação &ue "er

 pode constituir com a orma #eral conhecer      +rlanda 3Be#edo% a propósito% atesta &ue o

conhecimento está% no mundo ocidental% tradicionalmente centrado na #isãoN 01    e ainda% num

segundo momento% pelo ato de o signiicado )lico deste segundo #ero se re#elar% al9m de tudo%

 astante sugesti#o% encontrando arigo no campo semKntico da se>ualidade* 3Be#edo reconhecerá

ainda a liga#ão entre "er e conhecer  como essencial para a leitura de O Físico ProdigiosoN061% mas

não sem antes asse#erar &ue #er transorma-se em conhecer apenas por interm9dio do amor% &ue

apresenta um #alor curati#o &uer para "rraca% &uer para o )sicoN066* /om tudo isso% &ueremos por

im diBer &ue% en&uanto o #erso do poeta &uinhentista trata do amor   &ue% ao arder sem se "er %

sustenta a sua intensidade atra#9s do recurso da alta de #isão 5 conhecimento deste mesmo amor% na

no#ela O Físico Prodigioso% a metáora do não "er   dei>a ainal de ser metáora para

consustanciar-se em ato concreto e o conhecimento  (em sua acepção )lica% reiteramos 9

 peremptoriamente alcançado* Deste modo% o &ue temos 9 eeti#amente um rele>o deformante da

matriB camoniana*

De orma análoga% outros episódios da narrati#a nos remeterão a #ersos do citado soneto%

sem contudo es&ui#ar-se da missão de transormá-los% de metamoroseá-los% de deformá-los* +

amor do DemCnio pelo protagonista tam9m será% em sua não correspondncia% am)guoI a

satisação carnal% otida com a literal posse do corpo do )sico% não encontra par no estado de

esp)rito posterior do pobre Diabo% al&uerado pela indierença do amado* 3 rustrada tentati#a de

se manter ao seu lado após a consumação do ato o le#a a continuamente arir mão de um contato

mais )ntimo e origatoriamente a se satisaBer com o pouco &ue o seu impass)#el amante lhe

oerece% conorme ratiica o narrador após a primeira relação de cunho se>ual entre os dois, 4 o

 pore Diao% como sempre% escarniçou-se em #ão% at9 descontentado contentar-se*N (p* 00

01  3X4V4D+% +* (011;% p* 2*061

  Adem*066  Adem*

66

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    alusão ó#ia ao terceiro #erso do soneto camoniano% em &ue se re#ela &ue amor   9 um

contentamento descontenteN*

 o entanto% o &ue se orma a&ui 9 tam9m uma e>pl)cita e% neste caso% irCnica relação

especular deformante% por&ue en&uanto /am=es e>ie o amor  como a&uilo &ue não se contenta

com o contentamento% por&ue ainal deseFa sempre mais% o amor do Diao seniano 9 origado pelas

circunstKncias a se contentar com o descontentamento    traço importante para a caracteriBação do

 personagem por&ue potencialiBa o sintagma de  pobre Diabo  ediicado para esta #)tima da

indierença amorosa% eliminando% Fá nas primeiras páginas% &ual&uer reminiscncia ao poderoso ser

maligno &ue a igura m)tico-histórica do demCnio pudesse suscitar no leitor    o &ue corroora a

citada deinição de Jorge !aBenda Lourenço para a no#ela, um s9rio a#iso contra a i>ação

hermenutica% por parte dos leitores% a &ual&uer sistema m)tico-simólico historicamente

determinadoN060*

Sena ainda coloca este soneto de /am=es rente ao espelho em outra oportunidade, durante

o diálogo entre Dona "rraca e o )sico% igualmente ocorrido após o casal dar #aBão ' m@tua atração

)sica &ue os in#ade* So a d@#ida do )sico% &ue o aB pendular entre o partir e o icar% "rraca

#aticina,

4 como poderás tu partir*** ão tremas* 4u não te #ou prender% não te #ou perseguir% não te #ou eneitiçar* Ws inteiramente li#re*  Poderia e' .'erer9te preso%mesmo a mim% depois do &ue para mim tu oste e e' te prendesseH ainda .'e

com la#os de imenso amorH a .'e t' próprio não .'isesse f'gir % &ue alegria seria atua nos meus raços% ou a minha nos teus (p* <;(Grios nossos

_uando "rraca se reere ' prisão causada por la#os de imenso amor % da &ual o amante não

.'er f'gir % cria e#idente relação com o #erso do poema de /am=es &ue menciona a condição do

amante &ue está preso por "ontade% por isso mesmo "rraca não precisa prend-lo% insiste &ue não o

060  L+"$4k+% J* !* (0110% p* 60U*

601

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&uer aprisionar% pois sae &ue a sua lierdade 9 aprisionamento #oluntário% aBendo coaitar então

duas contraditórias circunstKncias* Mas a organiBação do seu discurso% neste caso% coloca a alegoria

camoniana para o amor  so uma signiicati#a orma condicional% e#idenciada pelo uso do #ero no

uturo do pret9rito e em unção ainda da presença da conFunção seN a reger o pret9rito impereito

do suFunti#o% conorme os trechos griados* Deste modo% a airmati#a categórica do nono #erso do

 poema 9 renegada em a#or de um outro amor % no &ual a lierdade% #alor apolog9tico de toda a

narrati#a% esteFa assim tam9m a&ui em rele#o*

3 nossa análise% toda#ia% não se poderia esgotar no poema 3mor 9 ogo &ue arde sem se

#erN por&ue% emora encontremos mais de uma reerncia a este soneto na no#ela seniana% cremos

ser outro a&uele &ue mais se identiica com a narrati#a,

.ransorma-se o amador na cousa amada%Por #irtude do muito imaginarI ão tenho logo mais &ue deseFar%Pois em mim tenho a parte deseFada*

Se nela está minha alma transormada%_ue mais deseFa o corpo de alcançar4m si somente pode descansar%Pois consigo tal alma está liada*

Mas esta linda e pura semideia%_ue% como o acidente em seu suFeito%3ssim com a alma minha se conorma%

4stá no pensamento como id9iaI\4 o #i#o e puro amor de &ue sou eito%/omo a mat9ria simples usca a orma*06;

/onorme antes aludimos% a transormação do amador na coisa amada acontece de modo

especialmente concreto na segunda parte da no#ela% na cena em &ue os in&uisidores promo#em um

encontro entre o )sico e Dona "rraca na prisão* _uando os guardas os separam e carregam para

06;  /3M4S% L* V* de (60% p* U0*

606

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ora a mulher Fá então na condição de cadá#er% reparam nela &ue os longos caelos esta#am louros%

e as eiç=es deuntas eram as deleN (p* 8*

4ntretanto% de#emos rea#aliar a nossa posição inicial &uanto a este #)nculo imag)stico

raiscado% por assim diBer% de modo idedigno com o #erso camoniano, ora% se não ignorarmos o

ato de &ue o )sico% personagem-t)tulo da no#ela% 9 a reerncia principal da narrati#a% chegaremos

acilmente ' conclusão de &ue não será a&ui o amador .'e se transformará na coisa amada% mas%

 pelo contrário (ou de modo in#ersamente especular% a coisa amada .'e se transformará no

amador * 3 id9ia narcisista a &ue esta asserção do poema nos lança inicialmente 9 então reFeitada%

 por&ue o in#estimento amoroso% &ue por#entura se poderia direcionar a si próprio (conceito &ue

ainal mesmo os dois @ltimos tercetos camonianos Fá desconsideram ao airmar &ue esta linda e

 p'ra semideia está no pensamento como id,ia% por&ue o #i#o e puro amor de &ue o amador 9 eito

como mat9ria simples usca a orma% &ue 9 a isicalidade &ue se op=e ' id9ia% #olta-se eeti#amente

 para o outro* .emos pois% com Jorge de Sena e com a inteligente re#ersão &ue o desenrolar

argumentati#o do soneto camoniano sugere067% a superação do narcisismo% a &ual% como #eremos

logo adiante% representa em #erdade a grande lição &ue Dona "rraca lega ao )sico e #ice-#ersa*

067  Lemremos a&ui a especial)ssima leitura de Telder Macedo para o reerido soneto% capaB de desmontar todauma tradição cr)tica &ue o situa#a dentro do mais estrito cKnone neoplatCnico &ue% como o cr)tico muito em analisa% 9

tão somente um ponto de partida para a sua re#ersão ideológica na proposta ino#adora de /am=es* (c )am+es e a"iagem iniciática3 Lisoa, Moraes% 681*

600

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28 ) %O!HE%$ME!"O &) @ P!L)  DESE'O

Ralanceando o erecto corpo ao passo do ca#alo% #inha descendo a encosta* + sol%muito alto ainda% ilumina#a de crepitaç=es o #ale &ue% sel#ático% se aria ante o seuolhar  &ue per#aga#a astrato% sem distinguir o mato &ue loria% as pedras &uerebrilha"am pardas e cinzentas% os pe&uenos animais &ue es#oaça#am% corriam%rasteFa#am% ou se ica#am suspensos% sem temor% itando a mole imensa ecaminhante de ca"alo e ca"aleiro* o undo do #ale% por entre os ren&ues dechoupos e salgueiros% entrecortada esta#a a chapa metálica e estreita de um rio*!oram para ele descendo% o ca#aleiro% na mesma distracção asorta% soreando o passo% &ue se apressa#a agora% do  sedento ca#alo% cuFas narinas se dilata"am* +manso r'ído de águas entre sei>os e o sua#e dançar das olhas do ar#oredo aosopro de uma brisa t,n'e iBeram com &ue o ca#aleiro despertasse para o calor  &uesentia% o cheiro acre de suor e pó% &ue dele e do ca"alo era mist'ra% e um cansa#o

dos membros e da boca seca* 4le próprio dirigia a descida% uscando com os olhosuma somra &ue esti#esse ' eira de onde o rio corresse mais límpido e prof'ndo*4 o seu olhar % agora% Fá não  per"aga"a% mas  fito e dardejante  perscruta#a osrecantos marginais do rio% &ue na #erdade pareciam desertosI e os o'"idos%igualmente atentosH habit'ados a acompanhar os olhos em tais pes&uisas% tam9mnão distinguiam% so o arr'lhar das ág'as  e o restolhar macio do ar"oredo%&ual&uer r'ído &ue humano osse* (p* 6-01

(Grios nossos

+ in)cio deste primeiro parágrao da no#ela (&ue se estende ainda por &uatro páginas Fá

apresenta uma das duas eseras semKnticas% outrora discutidas% a &ue estará ligado o protagonista da

narrati#a, a do desejo* Anominado% será conhecido apenas como o físico% termo cuFa amigHidade

 po9tica proFeta um signiicado &ue #ai al9m da denotação medie#al (m9dico ou mago para ser

tam9m a re#elação do aspecto undamentalmente corporal do personagem* 4stes% digamos% dois

)sicos são% desde logo% imagens irregularmente especulares um do outro* os grios do trecho

acima% se anuncia a sensualidade do personagem% e#idenciada no seu contato com o mundo atra#9s

das cinco poss)#eis maniestaç=es dos sentidos, a #isão% o olato% o paladar% o tato% a audição   e

tamanha isicalidade le#ará +rlanda 3Be#edo a rotular &ue o corpo do )sico se maniesta atra#9s

de uma sensorialidade sinest9sicaN06<  e resultará ainda em interessante análise de Maria !reitas

06<  3X4V4D+% +* (011;% p* 2*

60;

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Lopes06U* 3lgumas destas percepç=es sensoriais se reerem a princ)pio ao ca#alo% mas são tam9m

sensaç=es do )sico% Fá &ue a analogia entre o animal e seu dono (&ue ormam uma mole imensa e

caminhante 9 uma das outras poss)#eis e inumerá#eis especularidades estaelecidas entre as iguras

&ue haitam a no#ela* 4sta proposta interpretati#a pode ser corroorada na cena do sonho do )sico

em &ue Dona "rraca e as donBelas% na impossiilidade de de#orá-lo% de#oram o seu ca#alo, 4 o teu

ca#alo eras tu mesmo***N (p* U;% e>plica-lhe o Diao% usando uma rase sintomaticamente

semelhante a &ue mais ' rente o personagem-t)tulo usará para re#elar a apro>imação de identidade

entre "rraca e o próprio Diao062% conorme Fá aludimos*

_uanto ' sensualidade do )sico% reconhecemos &ue tal atriuto 9 re#elador de um corpo

#i#o e atento &ue permitirá curar Dona "rraca da doença da carncia da carne* 4sta carncia% &ue

só será e>plicitada &uando% em mais adiante% ela contar sua história ao parceiro% antes Fá se poderia

inerir em raBão do sugesti#o ep)teto pelo &ual ironicamente seu alecido marido 9 conhecido, Dom

Gundisal#o Matamoros (sorenome &ue denuncia a ausncia constante de #iaFante da guerra% o do

 Pendão* $etornamos a um comentário anterior em &ue suger)amos &ue o ep)teto o do  Pendão aB

 parte do seu o)cio de carregar a andeira% mas tam9m alude ao ato de a sua espada% conorme o

)sico ou#irá Dona "rraca descre#er mais tarde% lhe pend\er ' cintaN (p* U8   % igura ainal de

contas de conotação descendente &ue indicia pouca #irilidade% em oposição ' potencialidade

indicada pelo erecto corpo do )sico &ue lasci#amente balanceia desde ao in)cio da narrati#a*

.emos a&ui um dos espelhamentos  &ue o rimance 3o castelo o ca#aleiroN estaelece

metonimicamente com a narrati#a, a #irilidade% lá metaoriBada pela lança rilhante do ca#aleiro%

como #imos% 9 a cura para a doença da encastelada e aprisionada donBela #irgem% 9 sua lierdade

ainda &ue pela #ia trágicaI tam9m e de modo similar 5 especular o )sico% assim chamado por&ue

06U  $eerimo-nos ao ensaio Ser 9 estar   sore os sentidos (do corpo em O Físico ProdigiosoN   S4A:+% M*3* (68% p* 7;-U6  % cuFa leitura recomendamos*062

  Lemremo-la  

 tu 9s ele mesmoN  

 e será ácil traçar o de#ido paralelo entre a organiBação sintática dosdois per)odos para compro#ar nossa constatação*

607

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cura (e 9 m9dico-mago e por&ue cura atra#9s do seu corpo (isicamente% com o sangue e com a

carne% traB para Dona "rraca o mesmo preenchimento &ue receera a personagem do poema, Mas

o &ue me curou oi poder amar-te sem te #er% sendo tu o mesmo corpo mara#ilhoso &ue eu tinha

#isto e &ue nunca 9 tão mara#ilhoso &uanto se imagina &ue poderá serN (p* <1% conessa a castelã*

Por isso% a chegada do )sico transorma o castelo no &ue !rancisco /ota !agundes reconheceu ser

um lugar de #ida% de esta% de praBer% literalmente um )h/tea' dGamo'r N068% o &ue reiteramos como

uma Alha dos 3mores camoniana% prmio após longa Fornada de sacri)cios*

$eerimo-nos antes ' especularidade &ue Dona "rraca estaelece com as donBelas e com o

Diao* Segundo Gilda Santos% uma primeira unção pode ser atriu)da ao demCnio e seus

m@ltiplos desdoramentos emininos, ser o instrumento para autognoseN06* Paulo 3le>andre

Pereira reorça esta id9ia, + #)nculo relacional &ue une a personagem eminina e o )sico%

caracteriBado por uma e#idente cli#agem em termos de conhecimento% assemelha-se ' do mestre e

do disc)pulo*N001  3irma ainda !rancisco !* Sousa &ue o )sico usca o outro% e 9 atra#9s desse

outro &ue ele descore a sua alma% o seu ser em todas as suas potencialidadesN 006% reiterando logo

adiante, ***por outras pala#ras% para &ue o )sico se deina a si próprio% ele necessita da presença

encoraFadora de outro numa relação correspondidaN000* +rlanda 3Be#edo ará% a partir desta

rele>ão% leitura análoga a respeito da e#olução do protagonista% &ue se encaminhará de uma

 percepção narc)sica do eu para o seu oposto% uma #eB &ue des#ia o processo de ormação da sua

identidade para outremN00;

% conorme destacamos ao mostrar a in#ersão &ue a construção deimagens da narrati#a seniana promo#e do #erso camoniano =ransforma9se o amador na co'sa

amada*

068  !3G"D4S% !* /* (686% p* 6;2*06  S3.+S% G* (68% p* UU*001  P4$4A$3% P* 3* (6% p* 86*006  S4A:+% M* 3* (68% p* ;0*000

  Adem*00;  3X4V4D+% +* (011;% p* 2*

60<

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+ra% este conhecimento sore si a &ue o )sico 9 conduBido ocorre% portanto% principalmente

no tocante ' arte de amar% tanto no &ue diB respeito ' mat9ria apreendida &uanto ' metodologia de

ensino aplicada* +ser#a-se tam9m% no mesmo processo pedagógico% a gradati#a conscientiBação

do )sico de sua ace di#ina% o &ue Fá aludimos na análise comparati#a entre o herói da no#ela e o

mito cristológico* Anteressar-nos-á por agora o talento nato do protagonista no Kmito se>ual% &ue

ser#e ainal de rem9dio para os males do corpo de Dona "rraca% mas &ue se re#ela diamante ruto

&ue ela precisará lapidar* 4 será a própria Dona "rraca &ue conscientemente assumirá a

responsailidade de ocupar o posto de sua mestra neste Kmito,

***eu sei &ue o eras \#irgem% ti#e disso a pro#a &ue não engana* /om toda a tuacincia% tu não saias acertar o teu deseFo e o meu% com os teus mo#imentos e aocasião* Se não oras #irgem% mas nunca ti#esses deseFado de #erdade% ou nuncati#esses deseFado mais nada ou ningu9m &ue a ti mesmo% tu saerias acertar tudo%como se eu não e>istisse* Se o não oras tam9m% mas e>perimentado nos Fogos da pai>ão% e no praBer de seres deseFado% tu saerias tudo acertar como se ora o teudeseFo o &ue não te importasse* 4% sem mim% ao &ue senti% não saias nem umacoisa nem outra* (p* <1

W a&ui undamentalmente signiicati#o o trecho em &ue Dona "rraca coloca o at9 então

aparentemente inegá#el egocentrismo do )sico so hipótese     se n'nca ti"esses desejado mais

nada o' ning',m .'e a ti mesmo    por&ue 9 a id9ia deseita de &ue ama#a apenas a si próprio a

senha para &ue o )sico se lierte e aprenda a amar* 4is a e>plicação deiniti#a, _uando te

contempla#as% não era a ti &ue tu contempla#as% mas o &ue tu serias para &uem te contemplasse***N

(p* <6 + engano do sentimento de #aidade e autocompraBimento do )sico estará ainda elamente

ilustrado em uma das mais importantes cenas eróticas da no#ela% a &ue se dá no primeiro encontro

do casal protagonista e se constitui na de#eras intrigante passagem,

3s pernas de Dona "rraca aastaram-se* +ndas t9pidas percorreram o Fo#em% &ue#iu% dentro do seu próprio corpo% as deusas eno#elarem-se-lhe no ai>o #entre% e seaai>ou para elas% com os láios entreaertos* _uando os pousou no cheiro acre%sentiu &ue os caelos lhe eram arrepanhados e na caeça se lhe cra#aram os dedos

de Dona "rraca* (p* ;8

60U

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Gilda Santos ará produti#a análise do segmento,

Pela haitualidade gramatical% depreendemos da rase (*** uma contorsão incomum

&ue o )sico realiBa impelido pelo deseFo nele despertado pela dama desnuda*4mora não a#orecida pelo discurso% pareceria compreensão menos estranha se ocheiro acre  onde o Fo#em  po'so' os lábios entreabertos  pro#iesse não do seubai&o "entre mas do de "rraca% onde tam9m as deusas q emlema do deseFo q poderiam eno#elar-se* +ptamos pela superposição dos dois entendimentos*/remos #er neste pormenor uma estrat9gia estil)stica para marcar% desde o primeiroencontro% a &uera de limites entre os dois corpos &ue se atraem e &ue #irão a seligar em plenitude***007

3tre#emo-nos a ir mais al9m, se% como dissemos% o espelho 9 um signo &ue carrega em si a

marca do desejo e do conhecimento e se Dona "rraca 9% al9m de importante agenciadora do erótico

na narrati#a% uma das responsá#eis% ao lado do Diao% pelo processo de aprendiBagem do )sico%

então% nada mais lógico do &ue Dona "rraca mesma ser% metaoricamente alando% um espelho*

Portanto% tendo por ase os pressupostos teóricos a&ui traçados% conclu)mos% a respeito desta cena%

&ue as deusas apreciadas pelo )sico estão% como Fá sa)amos% dentro dele% mas tam9m se

encontram dentro da mulher% onde ele as # reletidas*

/orroora a nossa leitura a descrição &ue o narrador ará linhas adiante de Dona "rraca%

&ue% com os raços estendidos% como cega% anda#a 's corridinhas de um lado para o outro% numa

nudeB &ue rilha#aN (p* 7<% rilho &ue representa a luB e conse&Hentemente o calor &ue o )sico lhe

ornece% mas &ue ainda 9 um rilhar caracter)stico de um espelho ' claridade* W sem d@#ida no se>o

de Dona "rraca &ue ele pousa os láios% mas 9 tam9m em si próprio% ainda narcisicamente% a

mergulhar em seu rele>o% &ue neste caso% entretanto% não 9 apenas uma ilusão de um simulacro seu%

mas eeti#amente o outro% o &ue inalmente representa a disposição do )sico para a superação deste

narcisismo e para a entrega amorosa% consumando enim a perda deiniti#a e autntica da sua

#irgindade*

007  S3.+S% G* (68% p* 8U-2*

602

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+utra cena% &ue ocorre pouco antes da primeira consumação carnal do amor &ue nasce entre

o casal% dei>a claro o não desmentido caráter e>tremamente #aidoso &ue o )sico e>iia at9 a&uela

altura da narrati#a,

3 água esta#a &uieta e escura% lisa como um espelho* Por mais &ue a aspirasse% anada lhe cheirou* Mas #iu-se reletido nela* !oi com ternura &ue se oser#ou%numa carinhosa piedade por si mesmo* Para os espelhos nunca era in#is)#el e%diante dos espelhos% acha#a-se elo e triste% solitário e pore% sem nada nemningu9m% tendo apenas por companhia a sua imagem* 4 era por isso &ue tantogosta#a de anhar-se nos rios% como se mergulhar neles e agitar-se nas águas ossea maneira de unir-se '&uela imagem ascinante &ue nunca% senão assim &uerada por ele mesmo% era in#is)#el e unida a ele* _ue sucederia se tam9m ele entrasseno seu próprio anho de sangue /onusamente o saia% na sua mesma carne &uetremeu* Sairia dali #elho e mirrado% cego e surdo% sem outra #oB &ue um crocitarde cor#o* (p* 77-<

+ )sico admira o seu rele>o no próprio sangue e hesita em uscá-lo% com um temor gerado

 Fustamente pelo e>emplo m)tico &ue lhe lega arciso% cuFa ingenuidade 9 atal* 4ntretanto% não

titueia &uando se anha no rio% merg'lhando (e atentemos para o #ero% &ue insinua penetração

nele mesmo* Por isso% um dos ensinamentos de &ue necessita e &ue receerá em seu processo deaprendiBagem será a respeito da #aloriBação do amor ao outro para al9m do amor a si próprio% o

con#encimento do aprendiB de &ue será capaB de ultrapassar esta arreira contra o oerecimento de

si mesmo ' pai>ão* /onirmamos &ue está a)% nesta lição% o signiicado da perda deiniti#a da

#irgindade do )sico com Dona "rraca% apesar de suas relaç=es anterioresI somente com ela o

 protagonista conseguiu #encer a&uilo &ue o retesa#a, a ouscante imagem de si próprio* 4m outras

 pala#ras% somente com "rraca o )sico enim soue o &ue era fazer amor *

+ protagonista aprende a amar com Dona "rraca% mas não somente ela 9 eneiciada pelo

eeito destas liç=es* .am9m o são as donBelas% seus rele>os ar&uet)picos* .am9m o 9

especialmente o duplo desta personagem% o Diao* 3pós o con#)#io com a mulher% o protagonista

eeti#amente amará ao DemCnio% a ele se entregando como Famais o iBera* /omparemos os dois

momentos em &ue o )sico e o Diao se encontram se>ualmente,

608

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4% ar&ueando as sorancelhas numa e>pressão de t9dio% recuou para a ina er#a% ealongou-se no chão languidamente* /om pacincia% num aandono indierente%com a caeça pousada nos raços% dei>ou &ue o Diao se desesperasse in#is)#elsore o seu corpo* /ar)cias prolongadas &ue le#es lhe corriam pela pele% eiFossussurrados &ue o mordiam pelo corpo adiante% mãos &ue se ostina#am no seuse>o% dureBas &ue se encosta#am nele tentando penetrá-lo***     era o costume%desde &ue primeiro se souera homem e se despia todo% e se esti#esse só* Soriaa&uilo como um #e>ame inapelá#el &ue o não e>cita#a% e nem se&uer lhe da#ahorror ou repugnKncia* 4 &ue% at9 certo ponto% o di#ertia de algum orgulho por pai>ão tão teimosa e tão rid)cula% a &ue não encontra#a em si mesmo% por mais &uese oser#asse% a m)nima correspondncia &ue a Fustiicaria* (p* 06

3r&ueando as sorancelhas% numa e>pressão de e>pectati#a &ue nunca sentira%recuou mais para a ina er#a% e alongou-se no chão languidamente* /ar)cias prolongadas &ue le#es lhe corriam pela pele% eiFos sussurrados &ue o mordiam

 pelo corpo adiante% mãos &ue se ostina#am% dureBas &ue se encosta#am*** umgemido ansioso araçou-se ao espaço% #oltou e rolou% e entregou-se ao DemCnio%&ue eB dele o &ue &uis% e a &uem ele eB &uanto ele deseFouI e ar&ueFa#a insaciadodos praBeres &ue não sentira nunca* (p* 87

 as cenas acima% #isto &ue a primeira posiciona-se anteriormente ao encontro do )sico com

Dona "rraca e a segunda ocorre posteriormente% ica compro#ado o om apro#eitamento do

 protagonista das liç=es receidas a respeito da arte de amar* 3 atitude #aidosa% org'lho por pai&ão

tão teimosa% uma #eB controlada% lhe permite inalmente deseFar &uem tão ostinadamente o ama#a*

3 partir da superação de um suposto narcisismo% o )sico passa a conhecer  o desejo &ue #ai al9m de

si próprio* ão 9% pois% casual o sens)#el processo de especularidade assim9trica entre os dois

e>certos* + &ue há entre eles 9 o espelho deformante regente da narrati#a% 9 a metáora induitá#el

da metodologia diabólica de pro#ocar o conhecimento do desejar % o conhecer  do desejo*

60

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$S) %+) A UM P)SF-#$)

4m semelhança ao in)cio de nossa Fornada cr)tico-literária% sentimo-nos no#amente receososI

 por&ue% ainal% em um traalho &ue #ersa a respeito de Jorge de Sena% escritor &ue tão em ediica#a

espaços metalingH)sticos% #emo-nos diante da tarea de construir outra #eB um te>to pertencente a

este gnero% desta eita a t)tulo de suposto encerramento* 4% como se não astasse o ato de% por

uma segunda oportunidade% nos e>perimentarmos assim #)timas #irtuais de uma inFusta comparação

com tão intensa genialidade autoral% icamos ainda com a origação de tratar como inaliBada uma

 pes&uisa &ue na #erdade não pode indar% cuFa arrematação eeti#a 9    dadas as suas ilimitadas

 possiilidades de leitura% dada a sua comple>idade art)stico-po9tica   impraticá#el*

Se em &ue% &uanto a isso% não estamos a sós% por&ue lemramo-nos das pala#ras de Gilda

Santos 's páginas inais da sua tese de Doutorado,

***a proposta &ue a&ui deendemos  

 a de &ue O Físico Prodigioso e>ige leiturasinterte>tuais em #ários n)#eis para &ue ganhe signiicação plena   não nos permitedar por conclu)da a tarea* Muitas #eBes% onde pusemos ponto% ha#ia &ue colocar"írg'la e prosseguir desentranhando do te>to implicaç=es sem im*00<

!oi este% aliás% a princ)pio% o con#ite &ue aceitamos, o de acrescentar termos coordenados

aos sintagmas &ue a cr)tica seniana Fá #inha há muito arrolando* Por9m% no deri#ar da lauta%

compreendemos a necessidade de re#er leituras Fá antes realiBadas por esta mesma cr)tica% uma #eB

00<  S3.+S% G* (68% p* 6<0-;*

6;1

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&ue algumas pareciam necessitar de complementação tam9m em sua estrutura interna% carecendo

assim% digamos% de adFuntos adnominais &ue se agregassem aos seus estaelecidos n@cleos

sintagmáticos nominais*

Para citar um e>emplo signiicati#o% assim agimos em relação ' proposta de leitura oerecida

 por !rancisco /ota !agundes% &ue consistia em apro>imar o herói da no#ela de Sena do mito

cristológico ocidental* 4% no entanto% o potencial de análise nestes Kmitos re#elou-se tão rico &ue

tal empreitada acaou por nos e>aurir mais tempo% mais páginas do &ue Fulgá#amos cogente no

in)cio* este sentido% #aleria então o empenho inal de re#emente relatar alguns dos #eios &ue

ainda pretend)amos e>plorar &uanto ' compreensão da no#ela% especialmente em relação aos seus

#)nculos interte>tuais% mas &ue de#erão ser dei>ados para o uturo    não necessariamente o nosso%

mas o da própria cr)tica especialiBada na ora de Jorge de Sena*

Anicialmente% as menç=es &ue iBemos ao mito de !austo em nosso traalho não se

almeFa#am tão t)midas% por&ue ainal% como em reconhece Jorge !aBenda Lourenço% a presença

de Goethe \autor de uma das mais signiicati#as #ers=es deste mito na história da Literatura na

ora de Jorge de Sena (*** 9 uma das mais regulares e produti#asN 00U* 3liás% !aBenda Lourenço

chega a airmar   mais especiicamente% tanto no recorte da ora de Goethe &uanto no da de Sena

   &ue,

***não 9 poss)#el alar de O Físico Prodigioso sem reerir o mito de !austo% a &ue

Jorge de Sena prestou particular atenção en&uanto estudioso do $enascimento e doManeirismo* Segundo Jorge de Sena% !austo desaia% muito mais do &ue apenasas estruturas sociais em &ue o pecado e a culpa se materialiBa#am% a própriaconcepção tradicional dos limites humanosN (***% &ue 9 o &ue asicamente sucedecom o prodigioso ca#aleiro-)sico-corpo de Sena% cuFo pacto in#oluntário com oDiao acaa redimido numa conFunção entre morte e amor% &ue 9 o mododemasiado humanoN de reno#armos a nossa condição de seres em trKnsito perp9tuo*002

00U

  L+"$4k+% J* !* (0110% p* 662*002  Adem% p* 606*

6;6

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4% se não nos apro#eitamos o suiciente da reconhecida produti#idade oerecida pela ora de

Goethe e especialmente pela igura a@stica% não podemos entretanto nos urtar de% ainda &ue em

rápida citação% reiterar &ue uma leitura ecunda de#e considerar como #erdadeira ligação entre o

)sico e !austo não o pacto com o demCnio (por&ue% no primeiro caso% a e#idenciar aliás o espelho

deformante a se inserir entre as duas narrati#as% o acordo acontece ' re#elia do herói da no#ela

seniana% conigurando-se% pois% neste pacto in"ol'ntário a &ue !aBenda Lourenço aB reerncia%

mas o saciar da sede de conhecimento da) ad#inda% moti#ação primordial da opção de !austo e &ue%

em respeito a O Físico Prodigioso% se at9m signiicantemente ao Kmito do amor e do desejo%

conorme deendemos e>austi#amente at9 a&ui*

3 criação principal do irlands +scar ilde% o Fo#em e elo Dorian GraE% seria outro

 personagem literário cuFa relação com o )sico ainda seria oser#ada de modo mais alentado nesta

dissertação% se nossa pes&uisa não ti#esse tomado um rumo% de certa maneira% impre#isto* o

entanto% não nos atre#er)amos a indar estas muitas linhas sem plantarmos uma semente% de onde

di#isamos rotar a dierença primordial do #)nculo estaelecido entre as duas narrati#as* +ra% GraE

guarda no sótão o seu% por assim diBer% retrato-espelho% o &ual se caracteriBa tam9m por uma

inidelidade patente* Por9m% em uma análise mais atenta% curiosamente a sua natureBa deformante

estará a&ui em mão in#ertida% por&ue tal deormação não reside na imagem especular pintada na

tela% mas na imagem realI ao contrário aliás do conceito platCnico &ue trata o espelho  como

reprodutor de alsidades% o &uadro estaria na #erdade re#elando uma #ersão autntica para a&uilo&ue de orma alguma 9 leg)timo no mundo emp)rico% onde #islumraremos apenas a imaculada (e

alsa imagem de Dorian GraE*

Por im% ha#ia na própria ora de Jorge de Sena a&uilo &ue% para nós% representaria uma

esp9cie de primeira c9lula do nosso )sico, Pancrácio% personagem do conto surrealista + comoio

das onBeN% escrito% segundo a datação do próprio Sena% entre 678 e 6U1% antes% portanto% de O

6;0

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 Físico Prodigioso* 4sta curta narrati#a das  !ntigas !ndan#as do Demónio  guarda em seu

 personagem central e no próprio enredo algumas nuances &ue descorir)amos mais ' rente no herói

da no#ela, a natureBa al&u)mica do e>erc)cio da sua medicina    apro>imando-o assim de um ru>o

aos moldes medie#aisI a sua hailidade para aBer emuls=es utiliBando o sangue como

mat9ria-prima     ingrediente imprescind)#el para os traalhos do )sicoI os seus poderes

sore-humanos    entre eles% o de ressuscitar os mortosI o caráter sedutor das suas aç=es e o

conte@do altamente erótico do próprio contoI e% ainda% a presença da personagem Anesta% mulher a

&ue acilmente seria atriu)da uma identiicação com Dona "rraca% o &ue podemos compro#arnuma rápida análise do ragmento aai>o% &ue se passa num #agão do comoio,

Pancrácio aFoelhou% pegou nas mãos de Anesta% e% durante o tempo necessário aoconsumo da sali#a em e>cesso% lameu-lhe% uma por uma% as inserç=es dos dedos*Anesta aasta#a os Foelhos e escorrega#a saiamente pelo anco% siilando muitode#agar*008

+ re#e e>certo ornece algumas Fustaposiç=es imediatas &ue podemos entre#er entre a

 principal igura eminina de O Físico Prodigioso e a mulher do conto% a começar pelo adFeti#o

ad#erialiBado saiamenteN% &ue re#ela o mesmo atriuto de Dona "rraca, um proundo

conhecimento e uma instinti#a inteligncia no &ue diB respeito ' esera do amor e dos praBeres da

carne* 4 o desta&ue dado na cena 's suas mãos 9 ainda mais e>pressi#o por&ue tam9m as mãos de

"rraca serão% não raras #eBes% ocaliBadas de modo signiicati#o na no#ela* 3liás% no conto% linhas

antes do trecho citado% as mãos de Anesta Fá ha#iam sido deinidas como muito l9pidas e

liertáriasN00% caracter)sticas &ue parecem aludir ' própria apologia e>plosi#a ' lierdade do ser

humano &ue e>tenuantemente se reconhece na no#ela*

3s mais do &ue concisas propostas de análises acima arroladas surgem a&ui apenas a t)tulo

de adiamento de arrematação* 4 Fá &ue não 9 poss)#el e#itar% encaminhemo-nos para o im   ou

008

  S43% J* de (62% p* <U*00  Adem% p* <<*

6;;

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 para o pseudo-im   de nossos traalhos* 4% ora% se ainal não considerarmos este espaço como o

das consideraç=es derradeiras sore a no#ela de Jorge Sena% não poderemos nem mesmo então

chamá-lo  posfácio* .rata-se antes% conse&Hentemente% de uma ponte para traalhos uturos% os

nossos e% como esperamos% os da cr)tica seniana em geral% a &ue ousar)amos a pretensão de deseFar

 pertencer* 3 distinção 9% aliás% descartá#el% por&ue% assim como as oras literárias conluem%

segundo a teoria orgiana &ue mostramos na primeira parte da nossa deesa% em um ininito  $i"ro%

do mesmo modo ocorrerá% por conse&Hncia% com a crítica% cuFa união de discursos remete

 precisamente a uma análise @nica deste $i"ro* 4 não seria e>agero chegarmos 's #ias de diBer &ue

 $iterat'ra e crítica ormam assim uma singular ininita ora% como at9 está claramente proposto no

in#entário de #olumes &ue comp=em a Rilioteca de Rael% onde iguram inclusi#e% conorme Fá

citamos% a&ueles &ue tratam das interpolaciones de cada liro em todos os librosN0;1*

DiB)amos linhas acima não ser poss)#el terminar um traalho cuFo assunto 9 o ine>aur)#el

Jorge de Sena% uma #eB &ue a leitura de sua ora se deine como inesgotá#el (atalidade da leitura

de &ual&uer peça art)stica* Poder)amos ao menos então% a partir desta premissa% constatar &ue o

te>to desen#ol#ido nas @ltimas páginas de ato não 9 um posfácio e &ue% portanto% estas linhas a&ui

se alongam ' guisa de uma não mais &ue pretensa% ilusória e retórica concl'são*

0;1  R+$G4S% J* L* (6<U% p* 7*

6;7

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8* 3"4$R3/T% 4ric*  *imesis 8 a Representa#ão da Realidade na $iterat'raOcidental * São Paulo, Perspecti#a% 0116*

* 3X4V4D+% +rlanda* 3 imagem do corpo próprio, do mito de arciso ' Oase doespelho em O Físico Prodigioso  (6UU% de Jorge de SenaN* An, =e&tos e Prete&tos 8 O Espelho* Lisoa, !aculdade de Lisoa% no 0% 011;% p* ;-8*

61* ------*  !s *etamorfoses do )orpo e a Problemática da %dentidade em + !)sicoProdigioso H de (orge de enaH e +rlando H de :irgínia Qoolf * Lisoa, 4diç=es/oliri% 011;*

66* R3T.A% MiQhail*  Est,tica da )ria#ão :erbal * .radução, Paulo ReBerra* São

Paulo, Martins !ontes% 011;*

60* R3$.T4S% $oland* !'la* São Paulo, /lutri>% 682*

6;* ------* O Prazer do =e&to* .radução, Maria Margarida Rarahona* Lisoa, 4diç=es21% 627*

67* R3.3ALL4% Georges* O Erotismo 8 o Proibido e a =ransgressão* .radução,João Rernard da /osta* Lisoa, Moraes 4ditora% 681*

6<* R4L/TA+$% Maria de Lourdes* + mar na poesia de Jorge de SenaN* An,ST3$$4$% T3$V4 L* ALLA3MS% !$4D4$A G*% org* t'dies on (orgede ena* Santa Rarara, "ni#ersitE o /aliornia5Randanna /ooQs% 686% p* 6<-0;*

6U* R4$3$DA4LLA% /leonice*  Est'dos )amonianos* $io de Janeiro, o#a

!ronteira% 0111*

62* RYRLA3 S3G$3D3* .radução, /entro R)lico /atólico* São Paulo, 3#e-Maria%6U*

68* R+$G4S% Jorge Lu)s* Ficciones* Ruenos 3ires, 4mec9% 6<U*

6* ------* aQa e seus precursoresN* An, Obras )ompletas* Ruenos 3ires, 4mec9%

627% #* 7% p* 6;2-67<*

6;U

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01* R$3G3% .heophilo* )am+es 8 a Obra $;rica e @pica* Porto, /hardron% 666*

06* R$3Db+% Junito de SouBa* Dicionário *ítico9Etimológico* Petrópolis, VoBes%66*

00* /3LVA+% Atalo* eis Propostas para o Pró&imo *il2nio* .radução, A#oRarroso* São Paulo, /ompanhia das Letras% 61*

0;* /3MAL+% João* 3lgumas interrogaç=es sore o prosa)smo na ora po9tica deJorge de SenaN* An, ST3$$4$% T3$V4 L* ALLA3MS% !$4D4$A G*%

org* t'dies on (orge de ena* Santa Rarara, "ni#ersitE o /aliornia5Randanna/ooQs% 686% p* 07-;0*

07* /3M4S% Lu)s VaB de* $íricaH Redondilhas e onetos* $io de Janeiro, 4diouro%60*

0<* ------* Os $'síadas* São Paulo, Lep% 6U0% 0#*

0U* /3MP+S% 3gostinho de* )am+es $írico* Paris-Lisoa, 3illaud e Rertrand% s* d*%#*7*

02* /3$$+LL% Le[is*  !lice no País das *ara"ilhas !lice no País do Espelho*.radução, Monteiro Loato* São Paulo, Rrasiliense% 620*

08* /3$V3LT+% /9lia unes* + espelho, um s)molo redentorN* An, =e&tos e Prete&tos 8 O Espelho* Lisoa, !aculdade de Lisoa% no 0% 011;% p* 6<-01*

0* /4$D4A$3% .eresa /ristina* Jos9 Saramago e a errKncia camonianaN* An, *etamorfoses* Lisoa, /aminho% no 2% 011U% p* 6<-U2*

;1* /T3"Y% Marilena* Laços do deseFoN* An, +V3S% 3*% org* O Desejo* São Paulo,/ompanhia das Letras% 61% p* 6-UU*

6;2

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;6* /T4V3LA4$% Jean e GT44$R$3.% 3lain* Dicionário de ímbolos* .radução,Vera da /osta e Sil#a% $aul de Sá Rarosa% L@cia Melim% 3ngela Melim* $io deJaneiro, Jos9 +lEmpio% 6*

;0* /AD3D4% Ternani* $'ís de )am+es* Lisoa, Amprensa acional de Lisoa% 6;U%#*6*

;;* /+MP3G+% 3ntoine* O Dem4nio da =eoria 8 $iterat'ra e enso )om'm*.radução, /leonice Paes Rarreto Mourão% /onsuelo !ortes Santiago* ReloToriBonte, "!MG% 0116*

;7* /+S.3% Torácio*  Post tenebras spero l'cem, .e>to - Vida e 3legoria em O

 Físico Prodigioso% de Jorge de SenaN* An, !3G"D4S% !rancisco /ota +$4L3S% Jos9 *% org*  (orge de ena o Somem 'e empre Foi* Lisoa,/3PL% 60% p* 6U-81*

;<* D4 L3 /+LA3% Jos9* Las sirenasN* An, =raer a )'ento Narrati"a I7BTB9566UK* /idade do M9>ico, /olección Letras Me>icanas - !ondo de /ultura4conómica% 0117% p* 006*

;U* DA3R+* An, Enciclop,dia Eina'di* Lisoa, Amprensa acional q /asa da Moeda%682% #*60% p* 07;-U<*

;2* D"3$.4% João !erreira* O Espelho Diabólico 8 )onstr'#ão do Objecto da=eoria $iterária* Lisoa, /aminho% 68*

;8* 4/+% "merto* O Nome da Rosa* .radução, 3urora !ornoni* $io de Janeiro, +Gloo% 011;*

;* ------*  Pós9escrito a O Nome da Rosa* .radução, LetiBia Xini 3ntunes e l#aroLorencini* $io de Janeiro, o#a !ronteira% 68<*

71* ------* Sore os espelhosN* An, obre os Espelhos e O'tros Ensaios* .radução,ReatriB Rorges* $io de Janeiro, o#a !ronteira% 68% p* 66-;2*

76* 4LA3D4% Mircea* O agrado e o Profano 8 a Ess2ncia das Religi+es* .radução,$og9rio !ernandes* São Paulo, Martins !ontes% 6<*

6;8

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70* !3G"D4S% !rancisco /ota* + artista com um malho, uma leitura d+ !)sicoProdigiosoN* An, ST3$$4$% T3$V4 L* ALLA3MS% !$4D4$A G*% org*t'dies on (orge de ena* Santa Rarara, "ni#ersitE o /aliornia5Randanna/ooQs% 686% p* 6;;-76*

7;* !$4"D% Sigmund* =r2s Ensaios sobre a =eoria da e&'alidade* .radução, PauloDias /orra* $io de Janeiro, Amago% 62;*

77* G3$/Y3 M$_"4X% Gariel* )em !nos de olidão* .radução, 4liane XagurE*$io de Janeiro, + Gloo% 011;*

7<* G3$$4..% 3lmeida* :iagens na *inha =erra* São Paulo, !.D% 60*

7U* G4S% !ernando* O Espelho %nfiel * São Paulo, /onselho 4stadual de cultura%627*

72* G+4.T4% Johann olgang #on*  Fa'sto* .radução, 3gostinho D+rnellas* SãoPaulo, Martin /laret% 0110*

78* G+M4S% Marcelo Rolsha[* O Espelho do =empo 8 Representa#ão ígnica V %magina#ão imbólica* Dispon)#el online desde 0110,[[[*acom*ua*r5prete>tos5olsha[6*html*

7* G+..3$DA% 3na Maria*  (orge de ena 8 'ma $eit'ra da =radi#ão* São Paulo,3rte /incia% 0110*

<1* T3$L3D% MiQe* Metamorose% transormação% indi#iduação, aspectos Funguianos de O Físico Prodigioso de Jorge de SenaN* An, *etamorfoses* Lisoa,

/aminho% no

 U% 011<% p* 07;-8*

<6* T+M4$+* ! Odiss,ia* .radução, /arlos 3lerto unes* $io de Janeiro, 4diç=esde +uro% 68;*

<0* T"./T4+% Linda*  Po,tica do Pós9*odernismo Sistória 8 =eoria 8 Fic#ão*.radução, $icardo /ruB* $io de Janeiro, Amago% 66*

6;

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U7* L+"$4k+% Jorge !aBenda* 3s rosas do deseFado, sore O Físico Prodigiosode Jorge de SenaN* An, )on"erg2ncia $'síada* $io de Janeiro, $eal GainetePortugus de Leitura% no % 60% p* 61-02*

U<* ------* O Arilho dos inais 8 Est'dos sobre (orge de ena* Porto, /ai>otim% 0110*

UU* L"/3$A% Jos9 Guilherme Dantas* ! *orte de De's e a *orte do Somem no Pensamento de Nietzsche e de *ichel de Foca'lt * Dissertação de Mestrado em!ilosoia apresentada ' /oordenação dos /ursos de Pós-Graduação da !aculdadede !ilosoia da "4$J* $io de Janeiro, 68* 672 l* mimeo*

U2* L"X4S% Pedro* + 4ros camonianoN* An,  Est'dos sobre )am+es* Lisoa,

Amprensa acional - /asa da Moeda% 686% p*U-80*

U8* M3/4D+% Telder* )am+es e a :iagem %niciática* Lisoa, Moraes editores%681*

U* ------* De amor e de poesia e de ter pátriaN* An, =rinta $eit'ras3 Lisoa, Presença*011U*

21* ------* Jorge de Sena% a Grã-/anária e a Alha do amorN* An, =rinta $eit'ras3Lisoa, Presença% 011U*

26* M3/T3D+% Jos9 Pedro*  Dicionário Etimológico da $íng'a Port'g'esa* SãoPaulo, 4ditorial /onluncia% 6U2% #* 0% 0 ed**

20* M3/T3D+% Maria StaacQ $eis* + realismo po9tico na icção de Jorge deSenaN* An, ST3$$4$% T3$V4 L* ALLA3MS% !$4D4$A G*% org* t'dies

on (orge de ena* Santa Rarara, "ni#ersitE o /aliornia5Randanna /ooQs%686% p* 6U6-U*

2;* M3A3% Márcia Vieira* Olhares de Eros 'ma :iagem na Fic#ão bre"e de (orgede ena* Dissertação de Mestrado em Literatura Portuguesa apresentada '/oordenação dos /ursos de Pós-Graduação da !aculdade de Letras da "!$J* $iode Janeiro, 6U* 00 l* mimeo*

27* M3LL3$MW% St9phane*  *allarm,* .radução, D9cio Pignatari% 3ugusto de

/ampos e Taroldo de /ampos* São Paulo, Perspecti#a% 66*

676

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2<* M3G"4L% 3lerto* !ilC>eno, 3 imagem como espelhoN* An,  $endo %magens*.radução, $uens !igueiredo% $osaura 4ichemerg% /láudia Strauch* São Paulo,/ompanhia das Letras% 0116% p* 62;-*

2U* M3$AT+% Maria de !átima* O Físico Prodigioso, o outro e o mesmoN* An,ST3$$4$% T3$V4 L* ALLA3MS% !$4D4$A G*% org* t'dies on (orgede ena* Santa Rarara, "ni#ersitE o /aliornia5Randanna /ooQs% 686% p* 670-<6*

22* M4D4S% João* + platonismo em /am=esN* An, )am+es e o Pensamento Filosófico do e' =empo* Lisoa, Prelo% 62*

28* M+"$b+-!4$4A$3% Da#id* /am=es, iograia e lirismoN* An,  Est'dos sobre)am+es* Lisoa, Amprensa acional - /asa da Moeda% 686% p*<-U2*

2* M"/T4MRL4D% $oert* -ma Sistória do Diabo ,c'los X%% 8 XX * .radução,Maria Telena Hhner* $io de Janeiro, Rom .e>to% 0116*

81* A4.X/T4% !riedrich ilhelm*  ! ?aia )i2ncia* .radução, Paulo /9sar deSouBa* São Paulo, /ompanhia das Letras% 011<*

86* ------* !'rora Refle&+es sobre os Preconceitos *orais* .radução, Paulo /9sar deSouBa* São Paulo, /ompanhia das Letras% 0117*

80* +G"4A$3% /arlos $oerto !igueiredo* O Diabo no %maginário )ristão* Rauru,4dusc% 0110*

8;* P3X% +cta#io* + soneto em A:N* An, ignos em Rota#ão* São Paulo, Perspecti#a%620*

87* P4/3D+* An,  Enciclop,dia Eina'di* Lisoa, Amprensa acional q /asa daMoeda% 682% #*60% p* 0UU-8U*

8<* P4$4A$3% Paulo 3le>andre* .radição e reescrita em + !)sico Prodigioso deJorge de SenaN* An,  !ctas do :% )ongresso da !ssocia#ão %nternacional de

 $'sitanistas% 6% $io de Janeiro*

670

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8U* PL3.b+*  ! Rep1blica* .radução, Pietro asseti* São Paulo, Martin /laret%011U*

82* P+4% 4dgar 3lan* 3 ilosoia da composição* An,  Poemas e Ensaios* $io deJaneiro, Gloo% 68<*

88* ------*  Sistórias E&traordinárias* .radução, Rreno Sil#eira* São Paulo, 3ril%686*

8* ------* O cor"o* São Paulo, 4>pressão% 68U*

1* _"4A$S% 4ça de* O )rime do Padre !maro* São Paulo, Martin /laret% 011;*

6* $3M+S% Graciliano* :idas ecas* $io de Janeiro, $ecord% 68*

0* $4/4$.% Stephen M3/4D+% Telder*  Do )ancioneiro de !migo* Lisoa,3ss)rio e 3l#im% 6U*

;* $4AS% /arlos* L+P4S% 3na /ristina Macário*  Dicionário de =eoria da Narrati"a* São Paulo, tica% 688*

7* $AR4A$+% $enato Janine* 3 glóriaN* An, /3$D+S+% S9rgio et alii* Os entidosda Pai&ão* São Paulo, /ompanhia das Letras% 682% p* 612-66U*

<* $+/T3% Glauer* De's e o Diabo na =erra do ol * $io de Janeiro, /opacaanailmes% 6U7*

U* $+D$AG"4S% Selma /alaBans* O Espelho em )em anos de solidãoISermen2'tica da %magemK* Dissertação de Mestrado em Literatura /omparadaapresentada ' /oordenação dos /ursos de Pós-Graduação da !aculdade de Letrasda "!$J* $io de Janeiro, 622% 66 l* mimeo*

2* $+D$YG"4X M+4G3L% 4mir*  Aorges 'ma Po,tica da $eit'ra* .radução,Arlemar /hiampi* São Paulo, Perspecti#a% 681*

67;

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8* S3.+S% Gilda da /onceição* -ma !l.'imia de Resson/ncias O Físico Prodigioso de (orge de ena* .ese de Doutorado em Literatura Portuguesaapresentada ' /oordenação dos /ursos de Pós-Graduação da !aculdade de Letrasda "!$J* $io de Janeiro, 68* 01; l* mimeo*

* S3$3AV3% 3ntónio Jos9*  Sistória da $iterat'ra Port'g'esa* Lisoa, 4uropa-3m9rica% 6U<*

611* ------* $'ís de )am+es* Lisoa, Pulicaç=es 4uropa-3m9rica% 6<*

616* S3$3M3G+% Jos9* O E"angelho eg'ndo (es's )risto* São Paulo, /ompanhiadas Letras% 0110*

610* S4A:+% Maria 3lBira (org** O )orpo e os ignos 8 Ensaios sobre O Físico Prodigioso de (orge e ena* Lisoa, 4ditorial /omunicação% 68*

61;* S43% Jorge de*  !ntigas e No"as !ndan#as do Demónio* Lisoa, 4diç=es 21%62*

617* ------*  Est'dos sobre o :ocab'lário de Os $'síadas 8 com Notas sobre o S'manismo e o E&oterismo de )am+es* Lisoa, 4diç=es 21% 680*

61<* ------* ?2nesis IcontosK* Lisoa, 4diç=es 21% 68U*

61U* ------* O Físico Prodigioso* Lisoa, 4diç=es 21% 68;*

612* ------* Os ?rão9)apitães* Lisoa, 4diç=es 21% 62U*

618* ------* Poesias % * Lisoa, Moraes 4ditores% 6U6*

61* ------* Poesias %% * Lisoa, Moraes 4ditores% 628*

661* ------* Poesias %%% * Lisoa, Moraes 4ditores% 628*

677

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666* SW$GA+% 3ntónio* _uestão Pr9#ia dum Agnorante aos Preaciadores da L)rica de/am=esN* An, Ensaios* Lisoa, Sá da /osta% 686% #* 7% p*66-U8*

660* SALV3% 4dson $osa da* Michel .ournier, #ersão e in#ersão dos mitosN* An, Re"ista )alíope Presen#a )lássica* $io de Janeiro, Sette Letras% no 61% 0116% p*<;-8*

66;* SAM4S% João Gaspar* 3 iograia eita por StorcQN* An Est'dos sobre )am+es*Lisoa, Amprensa acional - /asa da Moeda% 686% p*8;-1*

667* S+3$4S% Marcelo Pacheco* 4m O E"angelho seg'ndo (es's )risto, o Pastor deo#elhas negrasN* An, *etamorfoses* Lisoa, /aminho% no U% 011<% p* 01;-60*

66<* .4A:4A$3% Susana de +li#eira* +s Murm@rios do 4spelhoN* An, =e&tos e Prete&tos 8 O Espelho* Lisoa, !aculdade de Lisoa% no 0% 011;% p* <;-8*

66U* .+"$A4$% Michel* $e Roi des !'lnes* Paris, Gallimard% 621*

662* ALD4% +scar* O Retrato de Dorian ?ra;* .radução, +scar Mendes* $io deJaneiro, 3ril% 620*

668* ALLA3MS% !rederiQ G** 4lementos estil)sticos na poesia de Jorge de Sena* An,ST3$$4$% T3$V4 L* ALLA3MS% !$4D4$A G*% org* t'dies on (orgede ena* Santa Rarara, "ni#ersitE o /aliornia5Randanna /ooQs% 686% p* 661-08*

66* X3G3L+% Gonçalo* 3 3ssomração do +utroN* An, =e&tos e Prete&tos 8 O Espelho* Lisoa, !aculdade de Lisoa% no 0% 011;% p* <-U7*

67<

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R !SUM):

+Feto dotado de #ariada carga simólica% o espelho

historicamente ascina o homem* Por isso% a constatação de sua

osessi#a presença na no#ela O Físico Prodigioso% do escritor

 portugus Jorge de Sena% 9 imprescind)#el para a compreensão

desta importante narrati#a do s9culo ::* 4specialmente por&ue%

neste caso% mais do &ue reproduBir de modo #erossimilhante arealidade emp)rica% estes espelhos transormam e reinterpretam a

imagem real* .al mecanismo apro>ima estes espelhos     &ue

"merto 4co% aliás% classiicaria como deformantes    de uma

orma diaólica de agir% o &ue% por sinal% conigura o aspecto

 asilar da própria po9tica seniana*

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R ASUMA:

4n tant &uoFet in#esti dun poids sEmoli&ue tr]s #ari9% le

miroir ascine lhomme depuis touFours* Pour autant% la

constatation de sa pr9sence osessi#e dans la nou#elle O Físico

 Prodigioso ( $e ph;sicien prodigie'& de l9cri#ain portugais

Jorge de Sena de#ient ondamentale ' la lecture de ce r9cit &ui

 Foue un rCle capital dans la litt9rature portugaise du ::e si]cle*/eci dit% il audrait tenir compte du ait &ue le miroir% outre son

 pou#oir de reproduire la #raisemlance de la r9alit9 empiri&ue% a

le pou#oir de transormer et de r9interpr9ter limage r9elle*

3ussi ce m9canisme rapproche-t-il les miroirs     appel9s

dailleurs d,formants% par "merto 4co     dune orme

diaoli&ue dagir% ce &ui est% sans aucun doute% une donn9e de

 ase de la po9ti&ue s9nienne elle-mme*