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DANILO SERGIO IDE
Experiência estética do filme: da paixão de ver ao desejo de se fazer visão
Dissertação apresentada ao Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo para obtenção do título de Mestre em Psicologia
Área de concentração: Psicologia Social Orientador: Prof. Dr. João Augusto Frayze-Pereira
São Paulo 2006
1
1. INTRODUÇÃO
Se retomar minha história no cinema, As aventuras de um ratinho detetive foi minha
primeira escolha. Já fora ao cinema outras vezes, mas em minha lembrança esse foi o primeiro
filme que escolhi assistir, ainda meninote acompanhado de minha mãe no Gemini da Av.
Paulista. Um outro momento foram os filmes do Van Damme, na época do ginásio,
acompanhado por meu irmão ou pelos amigos da escola no extinto Cine Jamor da Av.
Domingos de Moraes. Após cada filme tentava em casa reproduzir as manobras do lutador
(diria até que com algum sucesso). Um terceiro momento, agora já na faculdade, foi a Mostra
de Cinema de São Paulo em 2001, em que, dessa vez desacompanhado, vi 33 filmes durante 2
semanas. Se ir ao cinema sempre me foi um desses hábitos que mantemos com uma
naturalidade que não merece interrogações, a partir dessa mostra tornou-se questão: O que
acontece comigo para ver no cinema de 2 a 3 filmes por dia e ainda chegar em casa e não
recusar um filme que estivesse passando na televisão? Entretanto, ao longo da mostra reparei
que outros também se envolviam nessa aventura, pois era comum encontrar antes de cada
filme rostos conhecidos de outras sessões. A partir daí, essa questão tomou nova forma: O que
queremos quando vamos ao cinema? O que queremos dos filmes? Eis um ponto de partida
para uma pesquisa, que inclusive encontraria respaldo em Rogério Luz:
O registro expectatorial – o que quer um expectador, o que espera um corpo levado por um fluxo de imagens visuais e auditivas no interior de uma situação estabelecida para a chamada "recepção" – é atualmente uma questão promissora para o futuro da teoria do cinema (2002: 139).
Para R. Luz, "o filme propõe ao mesmo tempo uma experiência de mundo e de
sujeito" (2002: 139). Vejamos, que tipo de experiências são essas, segundo o autor? Esse
mundo que o filme nos apresenta, antes de ser tomado como reprodução do existente, mero
espelhamento da imagem cotidiana, é capaz de "inaugurar um espaço novo de experiência"
(1998: 242-3): "O filme elabora um mundo possível, matriz na qual a realidade, tal como se
2
estrutura na experiência cultural cotidiana, é reconfigurada e metamorfoseada. [...]
acontecimento que rompe com a continuidade da realidade já instituída" (2002: 101).
Talvez seguindo Bachelard e o exemplo das artes plásticas, compreenderemos melhor
essa constatação. Segundo o autor, "desde que Claude Monet olhou as ninféias, as ninféias de
Ile-de-France são mais belas e maiores" (1985:6). Na interpretação de Renata Udler
Cromberg:
Se "as ninféias de Ile-de-France são mais belas e maiores", depois da pintura de Monet, é que ela modificou a percepção da realidade, não sendo pura representação, reduplicação da coisa, mas a própria coisa se modificou na percepção que temos dela. O olhar do pintor altera o olhar sobre o mundo. (comunicado no seminário Bachelard e Monet: o elogio da beleza, durante a disciplina do programa de pós-graduação do IPUSP "A experiência estética: crítica e clínica", disciplina ministrada pelo prof. João Augusto Frayze-Pereira no primeiro semestre de 2004)
E com isso, abrem-se no sujeito outros rumos no modo com que ele experimenta o
mundo. Portanto, pelas vias da experiência estética não é apenas o mundo que pode se
reconfigurar, mas também o sujeito. Na medida em que o filme aponta para essa
reconfiguração de ambos, podemos pensar que "o filme propõe ao mesmo tempo uma
experiência de mundo e sujeito".
3
2. CINEMA COMO LUGAR DE NARRAÇÃO
Ao lado do romance e do drama teatral, o cinema passa a ser o grande contador de histórias da era moderna (2002: 82). A função narrativa está no centro do que se pode chamar de cultura, com sua capacidade de provocar uma experiência de tempo cuja densidade é a do presente que acolhe o passado e promete um futuro, um presente espesso, adensado pela palavra, capaz de ser pensado ante o acaso da sucessão cronológica de momentos de uma vida (2002: 81).
Assim R. Luz apresenta o cinema no texto "Sujeito e narração no cinema". Entretanto
tomaremos o cinema mais como um lugar e o filme então passa a exercer essa função
narrativa que nos introduz nessa temporalidade espessa. Apesar de não se encontrar uma
referência direta à Walter Benjamin no texto de R. Luz, poderia remeter essa experiência de
um tempo adensado à concepção de história de Walter Benjamin, em que aquilo que não
conseguiu se realizar no passado encontra, através de um traço de semelhança no presente, o
ponto de apoio para a realização de um salto, uma ruptura do continuum temporal, permitindo
o resgate desse passado, em nome da retomada do futuro daquilo que o passado prometia, mas
que não se viu cumprir com o passar dos anos. Diante do filme, como seria se o espectador
experimentasse uma temporalidade em que o material apresentado lhe desse acesso a coisas
esquecidas, deixadas para trás (e talvez justamente porque esquecidas, volta e meia pedem
passagem para retornar)? Ser-lhe-ia possível rever esse passado e retomar o desenvolvimento
do que ficou estancado lá atrás. Seria um tipo de cruzamento entre filme e vida, porém talvez
esteja a apressar um pouco o passo. Podemos tentar uma outra investida sobre a questão da
história e narração em Walter Benjamin e sua relação com os filmes através do próprio texto
que Benjamin dedicou ao cinema.
Se o início de "A obra de arte na época de suas técnicas de reprodução" apresenta
algumas limitações do cinema (vide a comparação entre a representação do Fausto no teatro e
no cinema), ao longo do texto encontramos algumas análises consideradas controversas,
segundo Jeanne Marie Gagnebin, análises "demasiadamente otimistas da técnica cinemato-
4
gráfica" (1994: 9). Podemos supor que haveria algo no cinema que levou Benjamin a redimi-
lo. Gagnebin compreende esse texto
não só como a descrição do fim de uma idade estética, mas também como a tentativa de uma estética positiva da distração (Zerstreuung), portanto de um outro tipo de percepção (aisthêsis) que o do recolhimento cultual e cultural, uma percepção ao mesmo tempo difusa e perspicaz que caracterizaria o grande público de cinema" (1994: 109-10).
Essa formulação de uma percepção dupla, marcada pela distração e perspicácia, é
expressa pelo autor na definição do espectador de cinema, "um examinador que se distrai"
(Benjamin, 1983a:27), e também nas duas formas com que caracteriza a apreensão desse
espectador distraído. Na página 25 de "A obra de arte" lemos: "o filme somente pode ser
apreendido mediante um esforço maior de atenção"; na página 27, por sua vez, tomamos
conhecimento de que o filme "transforma cada espectador em aficionado" e "a atitude desse
aficionado não é produto de nenhum esforço de atenção". Detenhamo-nos na figura do
aficionado: é comum que ele ponha tudo de lado pelo seu objeto de afeição. Se precisarmos
um pouco mais essa figura e tomarmos como exemplo do aficionado por cinema o caso do
cinéfilo freqüentador da Mostra de Cinema de São Paulo, saberemos que ele chega a tirar
férias de duas semanas e deixa os afazeres diários para se dedicar inteiramente aos filmes em
cartaz no evento. Assim, talvez agora possamos entender melhor o que parecia um paradoxo
na acolhida cinematográfica segundo Benjamin: o espectador põe-se com tanta atenção ao
filme que é capaz de se distrair (aqui é necessário um complemento) de suas preocupações
cotidianas; na medida em que se encontra distraído (de si), o espectador vê-se atraído pelo
filme.
A distração recebe destaque no texto de Benjamin pois essa "acolhida pela seara da
diversão" (1983a: 26) permitiria a obra penetrar nas massas, de outro modo afastada do
campo artístico, sendo-lhes possível assimilar novos hábitos. Notamos que a distração
também aparece no texto "O narrador: Observações sobre a obra de Nikolai Leskow", no
momento em que Benjamin busca as condições para que uma narrativa pudesse ser retida pelo
5
ouvinte: "este processo de assimilação, que se desenrola em camadas profundas, precisa de
um estado de descontração cada vez mais raro. [...] Quanto mais esquecido de si mesmo está
quem escuta, tanto mais fundo se grava nele a coisa escutada" (1983b: 62). O homem
entediado, o artesão entretido no ritmo de seu trabalho reuniriam a disposição a permitir a
incorporação de uma história. Entretanto, o tédio nas cidades estaria "em ruínas" e "já não se
tece e fia" (1983b: 62) enquanto se escuta uma história. Ora, "vai-se ao cinema a partir de um
ócio, de uma disponibilidade, de uma desocupação" (Barthes, 1980: 121) e se esse espectador
desocupado distrai-se, parece que encontramos no cinema alguma das condições para que o
espectador incorpore o filme que vê, assim como o artesão outrora era capaz de incorporar as
narrativas que ouvia. Considerando-se esses elementos que permitem aproximar "O narrador"
e "A obra de arte"1, suporíamos que Benjamin não descartou o cinema por entrever nele
características que favoreceriam à narração.
Quando afirmamos o cinema como lugar de narração, não perdemos de vista a
constatação de Benjamin sobre o declínio da experiência, da figura do narrador e, portanto, do
ato de narrar (justamente porque é de experiências que se nutre a narrativa). Benjamin
escreve: "Apresentar um Leskow como narrador não significa aproximá-lo de nós – significa,
antes, aumentar nossa distância em relação a ele" (1983b: 57). Assim, não tomamos a
narração no cinema à maneira daquela de Leskow. Entretanto Gagnebin destaca que na
reflexão de Benjamin o "deperecimento" (1994: 108) de uma tradição indica, além de sua
morte, a possibilidade dessa tradição florescer, transfigurada, no presente a partir de suas
ruínas, dos vestígios desse passado. Nesses momentos em que se revelam interrupções no
desenrolar da história ou, como na poesia, em uma referência de Gagnebin a Hölderlin, nesses
1 Gagnebin já destacara a relação entre esses dois textos: "Numa carta a Adorno de 4 de junho de 1936, Benjamin traça um paralelo entre o ensaio sobre a reprodutibilidade técnica, consagrada às mudanças da percepção visual e tátil das artes plásticas, e o ensaio sobre "O Narrador", que ele está acabando de escrever. Ambos tratam, com efeito, do "declínio da aura", declínio sensível não só nas novas técnicas do cinema e da fotografia, mas também no fim da arte narrativa tradicional, de maneira mais ampla, na nossa crescente incapacidade de contar". (1994: 64)
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pontos de cesura em que o fôlego é suspenso, parecendo perderem-se as palavras, para então
ser retomado, "para aventurar-se em um novo caminho, em direção a novas palavras, à prova
de um novo verso" (1994: 118), abre-se a possibilidade de escrita de uma nova história:
quando algo no presente retoma aquilo que não encontrou forma de realização lá no passado,
retoma também a promessa de um futuro que permaneceu irrealizado e assim nos acena com a
possibilidade de transformação do presente. Nesse ponto reencontramos por outra via aquele
passo que nos apressávamos a realizar. Se os filmes não apresentam narrativas como as de
antigamente, pela via da distração eles se encontram com a narração de outrora, retomando o
fio narrativo que Benjamim observava desde as comunidades de trabalho artesanal e que se
rompeu com a modernidade.
Considerar o cinema como lugar de narração abre-nos uma perspectiva, que a
princípio chamaremos "terapêutica", para pensarmos a relação entre espectador e filme.
Benjamin, em "O narrador" (1983b), aproxima o narrador de um conselheiro, cujo conselho,
feito sob a forma de uma história contada, serve como uma proposta a respeito da
continuidade no desenvolvimento da história do ouvinte, que no momento se encontra
obstruída. Em "Conto e cura" (uma das imagens do pensamento de Benjamim), o autor não
apenas indica as propriedades curativas contidas no ato de narrar, como também aponta o que
obstruiria a narração:
Daí vem a pergunta se a narração não formaria o clima propício e a condição mais favorável de muitas curas, e mesmo se não seriam todas as doenças curáveis se apenas se deixassem flutuar para bem longe – até a foz – na correnteza da narração. Se imaginarmos que a dor é uma barragem que se opõe à corrente da narrativa, então vemos claramente que é rompida onde sua inclinação se torna acentuada o bastante para largar tudo o que encontra em seu caminho ao mar do ditoso esquecimento. É o carinho que delineia um leito para essa corrente. (1994: 269)
A existência da dor impede o fluxo narrativo, o que significa o fluxo da própria vida
obstruído pelo sofrimento, pois a impossibilidade de narrar só se dá quando a vida nutre
pouco o material que se tornará história a ser contado aos outros. Da mesma forma que a dor
7
cala o homem, ela também impõe um silêncio às pessoas que estão ao seu redor, restringindo-
se as possíveis trocas de experiências, de histórias entre si. Nesse sentido, poderíamos tomar o
cinema como um lugar em que o espectador buscaria o acesso a novas experiências; seria
como se ele esperasse que o filme lhe desse uma voz que não obteria das pessoas ao seu redor.
Entretanto, além dessa, ainda haveria uma outra possibilidade: a dor não apenas
silenciaria o homem, como também poderia lhe dificultar na escuta de uma outra pessoa, no
momento em que ela resolvesse lhe falar. Nesse caso, poderíamos pensar que no cinema,
justamente por aí ser possível ao espectador distrair-se de sua dor, o filme seria uma espécie
de substituto da voz do narrador, que pouco resistiria em nossa atual condição.
Enquanto a dor permanecer recalcada, ela mantém-se como um obstáculo à narração;
nesse sentido, se há uma "dificuldade do sofrimento vir a ser realmente dito" (Gagnebin,
1994: 126), então para o rompimento da barragem da dor, as novas narrativas devem ser
pensadas como a tentativa de expressar o sofrimento ao longo de uma história, constituindo
um itinerário em seu encalço. Gagnebin vê na psicanálise um dos caminhos nessa "dolorosa
narração do sofrimento" (1994: 122):
Não consiste, em primeiro lugar, todo esforço daquilo que se poderia arriscar a chamar de narração analítica na quebra da coerência ilusória de uma história repetitiva e renitente que o sujeito entretém como garantia de sua identidade e na qual, ao mesmo tempo, ele se aprisiona? Podemos também observar que as intervenções do analista não teriam como alvo primeiro opor a essa história uma contra-história, uma "interpretação" certamente diferente da primeira, mas tão constrangedora e restritiva que ela, em uma espécie de luta interminável e estéril entre duas versões divergentes da mesma vida; ela deveria, muito mais, provocar rupturas nessa narrativa por demais convincente, designar seus furos, seus brancos, retomar o tropeço e o ato falho para o sujeito se arriscar, no seu presente, a andar, a agir diferentemente (1994: 122-3)
Essa retomada contém tanto o risco de levar à repetição, como de permitir a redenção:
seria o ponto decisivo em que ou damos um passo que conserva tudo como sempre foi ou
então damos um salto que permite redimir nossa vida de sua dor: promessa portanto de
felicidade e liberdade.
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Entretanto, certamente, trata-se de um percurso difícil, envolvendo o trabalho da
memória, um "trabalho de resgate (Rettung) desse passado desconhecido e recalcado" (1994:
128). Segundo Gagnebin o amontoado de notas do trabalho inacabado de Benjamin,
Passagen-Werk, dar-nos-ia indícios do quanto esse resgate absorveu suas forças. Nesse
sentido, seria difícil afirmarmos a concretização da travessia ao que é doloroso ao homem:
chamemo-la de uma travessia trágica.
A relação entre narrativa e cura também é apontada pelo psicanalista Antonino Ferro
no livro A psicanálise como literatura e terapia. Na análise constrói-se uma narrativa em que
o analista funciona como um co-narrador, buscando intervenções que possam tornar pensável
aquilo que antes não podia ser pensado pelo paciente e "só podia ser expresso através do mal-
estar e dos sintomas" (2000: capa). Essa pensabilidade advém das transformações na narrativa
que ambos tecem ao longo da análise. Cabe o analista, ao invés de fornecer interpretações que
fecham ao paciente o significado sobre suas falas, intervir através de narrativas abertas2 e não-
saturadas, permitindo ao paciente prosseguir na urdidura da trama tecida na análise. Desse
modo, o analista opera uma "transformação co-narrativa, ou mesmo a co-narração
transformativa" (2000: 18). De outra forma, pensando agora no que acontece na sala de
cinema, como pensaríamos a relação transformativa dos filmes sobre os espectadores?
2 Benjamin ressalta, como uma das características da narrativa, uma abertura em seu texto a permitir diferentes leituras, destacando sua perenidade: a narrativa "não se exaure" (1983b: 62). Uma história do grego Heródoto a respeito do rei egípcio Psamenita é retomada depois por Montaigne; Benjamin ainda desfila mais três possíveis leituras. A narrativa seria capaz de conservar em si ao longo do tempo sua força germinativa.
9
3. ENTREVISTAS.
Se você foi ao cinema no período entre setembro de 2003 a maio de 2004, havia a
possibilidade de entrevistar-lhe. Se então você foi o primeiro espectador da primeira sessão do
dia, estando sozinho ou mesmo acompanhado de mais uma pessoa, você arriscou-se mais e
(quem sabe?) teria me visto em sua aproximação. Eu convidar-lhe-ia a participar desta
pesquisa. Aceita a proposta, eu iniciaria a entrevista ali mesmo na bilheteria ou em algum
banco ou mesa disponível e conversaríamos até momentos antes do filme iniciar e depois,
conforme o combinado, retomá-la-ia quando você saísse da sala. Ao fim da entrevista tomaria
alguns de seus dados e despedir-nos-íamos.
Como a intenção era obter espectadores os mais variados possíveis, nada lhe excluiria
dessa pesquisa. Inclusive dos 20 cinemas escolhidos, 7 eram gratuitos (as salas gratuitas de
que tinha conhecimento ao início da pesquisa). Já os 13 do circuito comercial foram tomados
ao acaso. Nos cinemas com mais de uma sala, a escolha do filme também se fez por sorteio.
De fato encontramos um perfil variado de espectadores:
– Dez pessoas desacompanhadas (9 {, 1 z) e dez duplas (6 z{, 3 zz, 1{{).
– Faixa etária: 6 (com menos de 20 anos); 11 (entre 20 e 30 anos); 6 (entre 30 e 40 anos); 2 (entre 40 e 50 anos); 5 (com mais de 50 anos).
– Bairro : Os espectadores provém de diferentes bairros, mesmo de outras cidades de São
Paulo e inclusive de outros estados. A distância entre sua residência e o cinema pode ser
ultrapassada com um simples atravessar de uma rua ou cruzando-se bairros e zonas ou então
por uma viagem através de cidades (de Suzano ou Mairiporã ou Taquaritinga até São Paulo) e
de estados (do Rio de Janeiro até São Paulo).
– Formação: 2 cursando o ensino fundamental; 2 com ensino médio completo;
10
11 cursando o ensino superior; 15 com ensino superior completo.
– Cursos: Administração, Contabilidade, Economia, Engenharia, Publicidade, Jornalismo,
Radio e Tv, Fotografia, Turismo, Letras, Filosofia, Direito, Pedagogia, Medicina,
Fonoaudiologia, Veterinária, Agronomia, Geologia.
– Profissão/ocupação: estudantes, aposentados, desempregados, vendedores, contador,
bancário, atendente de telemarketing, segurança, professora, tradutor, pintora, veterinário,
publicitária, jornalista.
O roteiro das entrevistas consistia das seguintes questões:
A) À entrada do cinema:
1) Teve alguma coisa que te trouxe no cinema hoje?
2) Você tem alguma expectativa em relação a esse filme?
B) À saída do cinema:
1) Como foi o filme?
2) Teve alguma coisa que você destacaria do filme (ou que lhe chamou a atenção)?
Ainda uma terceira pergunta para investigar mais diretamente a questão
transformativa. Entretanto ao invés de perguntar se o filme mudara o espectador ou mudara
sua vida, adotei outras formas nem sempre bem sucedidas, pois podiam confundir o
espectador:
– Você sente que o filme mexeu (ou afetou, mobilizou, influenciou, causou impacto,
se relacionou) com você?
– Você conseguiria trazer esse filme para o seu cotidiano/vida?
– Como o filme entraria no seu cotidiano/vida?
– Como você veria o diálogo entre cinema e vida?
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A introdução desse tipo de questão ao espectador surgiu em grande medida pela
imaturidade e urgência com que desejava obter o dado sobre a relação transformativa do
filme. Ao invés de seguir a entrevista, deixando aberta a possibilidade de não se falar sobre
esse assunto, forcei sua entrada em todas as entrevistas. Por um lado essa intrusão poderia
comprometer o material pelo direcionamento que impunha à conversa, entretanto mesmo
nesse caso o posicionamento do espectador ainda deve ser considerado: ele pode rechaçar essa
pergunta com uma risada e segue-se a entrevista:
(ri) Ah, o Tomb Raider não tem nada a ver com o meu cotidiano. O meu cotidiano é acordar, trabalhar, estudar para o vestibular e dormir. Tem nada a ver com viagens pelo mundo, decifrar enigmas, lutar com terroristas, não tem nada a ver com meu cotidiano, mas ainda assim foi um passatempo. Eu gostei do passatempo. Foi bom para... Eu assistiria de novo. (54. Tomb Raider 2)
Para o registro dos relatos dos espectadores utilizei um gravador. Após a transcrição
das fitas, trabalhamos as entrevistas através da análise temática de seus conteúdos,
compartilhando a prática desenvolvida por outros pesquisadores do Laboratório de Estudos
em Psicologia da Arte do IPUSP.
Nos estudos realizados por Frayze-Pereira (1987/1995), Rea (1998) e Godoy (2002)
encontramos um modelo para a análise das entrevistas a partir de Queiroz: "Por análise, no
sentido operacional do termo, entende-se o recorte de uma totalidade nas partes que a
formam, que são então apreendidas na seqüência apresentada em sua naturalidade para, em
um segundo momento, serem restabelecidas em uma nova coordenação" (1983: 88).
Para precisar os passos de nossas análises das entrevistas, seguimos novamente
indicações de Queiroz:
a) leitura cuidadosa da mesma para ajuizar o seu conteúdo e então decidir os cortes que nela poderá efetuar, a partir do material encontrado (estes cortes nos conduziriam aos principais temas ou tópicos – unidades de identidade diferente que compõem a estrutura de uma narrativa); b) trazendo já em seu projeto as questões que lhe interessam, procurar no conteúdo do texto as informações de que necessita; c) combinar os dois rumos, que não são mutuamente exclusivos, colocando ao documento as questões previamente definidas e levantando do mesmo outros temas que não figuravam em seu projeto, porém que de repente se lhe avultaram como importantes. (1983: 93-4)
12
Após operar esses cortes e recortes, tomamos as perguntas de nosso roteiro e, para
cada uma delas, montamos blocos de respostas com os temas obtidas. Assim, apresentamos
diferentes versões de resposta a uma mesma pergunta, preservando suas contradições e
proximidades. Essa opção veio a nós a partir do texto "A estrutura dos mitos" de Lévi-Strauss.
Na análise estrutural dos mitos ao invés de se buscar uma "versão autêntica ou primitiva",
propõe-se, "ao contrário, definir cada mito pelo conjunto de todas as suas versões. [...] Visto
que um mito se compõe do conjunto de suas variantes, a análise estrutural deverá considerá-
las, todas, ao mesmo título" (1975: 250). Daí provém a opção de se buscar espectadores, os
mais variados possíveis.
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4. RELAÇÃO DAS ENTREVISTAS
Entrevista 1: Cine Itaquera – Tomb Raider 2 (18/9/03)
Entrevista 2: Center Norte – Matrix Revolutions (15/11/03)
Entrevista 3: Belas Artes – O Filho da Noiva (1/12/03)
Entrevista 4: Lilian Lemmertz – Irreversível (22/12/03)
Entrevista 5: Villa Lobos – Sexo, Amor e Traição (8/1/04)
Entrevista 6: Tatuapé – 21 Gramas (14/1/04)
Entrevista 7: Cinusp – A Margem (23/1/04)
Entrevista 8: Shopping D – O Último Samurai (27/1/04)
Entrevista 9: Jardim Sul – Encantadora de Baleias (9/2/04)
Entrevista 10: Top Cine – Pequeno Soldado (17/2/04)
Entrevista 11: Memorial – Bodas de Sangue (27/2/04)
Entrevista 12: Santana – Revelações (3/3/04)
Entrevista 13: Anália Franco – Na Companhia do Medo (11/3/04)
Entrevista 14: Higienópolis – A Paixão de Cristo (19/3/04)
Entrevista 15: CCBB – Crônica de um Verão (30/3/04)
Entrevista 16: MAM – Cinema Paradiso (24/4/04)
Entrevista 17: CCSP – A Roleta Chinesa (7/5/04)
Entrevista 18: Cinesesc – O Pântano (13/5/04)
Entrevista 19: MIS – Noite Vazia (26/5/04)
Entrevista 20: Cine com. K3 – Pequenos Espiões 3D (29/5/04)
3 O Cine com.k faz parte de um projeto iniciado em 2001 no colégio E.M.E.F. Dr. José Kauffmann, bairro Jaraguá. No início as exibições eram realizadas no refeitório da escola, no segundo domingo de cada mês. Atualmente a escola possui uma sala de cinema e realiza sessões todos os finais de semana.
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5. COMO VÊ-LO, ESPECTADOR?
À entrada do cinema:
Teve alguma coisa que te trouxe para o cinema hoje?
A) Chegada desavisada.
1. O Pântano
Uma, porque eu estou de férias. Esse filme aqui? Na verdade eu nem vim assistir esse
filme. Eu estava querendo ver o Diários de motocicleta. Só que eu assisti um outro ali
embaixo, aí pelo horário que eu tinha marcado, eu consegui assim: eu assisti aquele
Anti-herói americano, acabou às 17:00, às 17:30 eu venho e assisto este. Mas assim,
nada especial.
2. 21 Gramas
Ah, sei lá, estava sobrando tempo. Hoje a gente não tinha pretensão de ver filme
nenhum. É, não tenho expectativa nenhuma. A gente está mais a passeio mesmo, só
curtindo porque não tinha nada para fazer. É diferente quando vai, sei lá, quando pega
um filme que eu gosto, que eu li a história e quero ver e vou no cinema, pensando em
ver aquele filme. Aí você pensa em entender a história, pensa em saber o que... Eu
como faço faculdade de Rádio e TV, baseada em Cinema, eu penso em entender o que
o diretor quis dizer, ver outras coisas. Hoje eu estou de boa. Hoje eu estou como
espectadora mesmo.
B) Sinopses, comentários, trailers.
3. Encantadora de Baleias
Não. Na realidade a gente gosta de vir na segunda-feira porque é um dia tranqüilo,
calmo, os filmes acabaram de entrar, não é? Então sempre a gente tem mais
tranqüilidade no cinema. Não enfrenta muita fila. Então é por essa razão mais que a
gente vem. E, logicamente, porque quando um filme bom que a gente vê pelo
noticiário – porque a gente vê televisão e rádio e jornal –, o filme chama atenção, a
gente não perde.
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(Esse filme?) Primeiro porque a gente leu a sinopse do filme e depois por comentários
de outras pessoas que já tinham visto no final de semana. Por essa razão que a gente
veio.
4. O Último Samurai
Foi mais assim, acho que ah... o slogan (trailer) do filme. Assim, a gente já estava para
assistir, aí, ficou na terça-feira, matinê, assim eu não estava fazendo nada, a gente
combinou de ver. Assim, nada muito: "ai, vamos por causa disso". Assim, nada muito
específico. Ah, o pessoal depois, assim, você escuta bastante gente comentando: "ah, o
filme é legal, o filme é legal". Ele também já assistiu o filme e comentou que é muito
legal.
5. Sexo, Amor e Traição
A vontade de ver o filme, basicamente. Fizeram propaganda, ela já viu, inclusive. Aí, a
gente está à toa os dois e ela resolveu vir me acompanhar, ver de novo o filme porque
ela gostou. Na verdade não foi só a propaganda dela. Eu vi o trailer do filme e achei
engraçado e falei: "deve ser legal" e vim conferir. Vamos ver o que é.
6. A Paixão de Cristo
A curiosidade da polêmica que foi gerada em torno do filme. Isso foi a principal
motivação que me trouxe. Justamente a polêmica de pretensiosa... a polêmica que se
gerou em cima da pretensão do Mel Gibson de falar que estava retratando a verdadeira
versão, a verdadeira história. E isso me chamou atenção para vim ver e formar a minha
opinião, pelo menos sobre o filme, não sobre exatamente a verdadeira versão ou não,
sobre o filme.
C) Gêneros
7. Na Companhia do Medo
Eu estou de férias. Férias! Eu estou de férias. É que eu prefiro filmes de suspense,
terror, catástrofe e esse é um filme de suspense e um pouco de terror, então o motivo
foi esse. Por exemplo, está um filme para estrear que chama O Dia Depois de Amanhã,
que o mar invade a cidade, destrói tudo. Então, não que eu seja a favor do Mal, mas eu
acho interessante o mar invadir a cidade, é uma coisa emocionante. Eu já prefiro um
filme desse estilo do que romance, policial, aí já não gosto. Esses filmes mexem a
curiosidade de uma coisa que a gente não tem controle, assim, sobrenatural, natureza:
essas coisas eu gosto. Tanto é que o livro que eu mais gosto é esse livro de auto-ajuda
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que você lê, aí tem aquela mensagem e outras mensagens também e você fazendo o
que aquela mensagem está dizendo, seu dia-a-dia fica melhor. São os livros de auto-
ajuda.
8. O Filho da Noiva
Olha no meu ponto de vista, no meu caso, tem que ser comédia, porque atualmente eu
só quero coisas, assim, leves. Então esse filme, você traz um pouquinho de comédia,
não é, e também por causa dele trazer 4 estrelas e estar, assim, em um nível aceitável
de crítica. Para mim foi isso que me trouxe.
9. Tomb Raider 2
É, eu gosto de filmes de ação. Ah, com movimento, tipo Indiana Jones ou então
Exterminador do futuro, coisa parecida. É que eu gosto de videogame também e eu
sou fã da Lara Croft e vim ver o filme dela.
10. Cinema Paradiso
Eu gosto do cinema como obra de arte. Hoje a concepção de cinema é muito diferente
da concepção de cinema de 50 anos atrás e, especificamente, do cinema europeu e
oriental, em comparação com o cinema norte-americano. O cinema comercial é um
cinema que é para entreter. É como se você não tivesse nada para fazer e vai ver
cinema porque é um cinema também que não te leva a grandes reflexões, não te
questiona nada, não te põe coisas diferentes. É um cinema para passar o tempo. Isso,
seria um entretenimento. Você vai lá para dar risadinha e depois esquece tudo.
11. Revelações
Eu gosto suspense, gosto de drama, gosto de filme para chorar, filme triste, que as
pessoas morrem no final, eu gosto (ri). Chorar no cinema? Ah, eu gosto de história
triste, eu gosto de tragédia. Eu gosto de alguém que mata... uma história triste, uma
história assim, que você não espera. Você sempre espera um final feliz, de repente, é
um final trágico. Acho isso legal, essa surpresa. Essa coisa que você vai esperando um
final feliz e de repente não acontece, porque geralmente na vida nada tem tudo um
final feliz, então você espera ver alguma coisa mais real. Esses finais meio tristes é
real às vezes.
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D) País de origem dos filmes
12. Irreversível
Esse filme eu já queria ter visto já na Mostra de dois anos atrás... do ano passado,
parece, e eu não consegui ver. E aí eu estava olhando a programação do jornal e vi
esse filme aqui, aí eu decidi ver. Primeiro porque é um filme... francês. Eu gosto do
cinema francês.
(Cinema francês?) Acho que tem um ritmo, tem história, os personagens tem um
porquê, um porquê estão ali. Eu acho legal isso.
13. A Margem
Não, eu estou com tempo ocioso, vi a programação no jornal, o horário ficou
compatível, então vim ver. Eu gosto ver de filme brasileiro. Eu sou um cinéfilo, eu
gosto muito de cinema e tal e gosto sempre de procurar ver essa programação
alternativa.
(Programação alternativa?) São filmes brasileiros antigos, filmes também europeus,
entendeu? Gosto muito do cinema iraniano, entendeu? Então gosto de ver essa
programação mais alternativa.
E) Diretor do filme
14. O Pequeno Soldado
No meu caso é hábito mesmo porque eu toda semana procuro assistir os filmes que me
interessam e então é assim, motivo específico não existe. É claro que assim, como a
gente vai ver um filme do Godard, então tem também isso, mas não é um motivo
específico. Assim, não vim só porque é um filme do Godard, vim porque gosto muito
de cinema e independente se fosse um outro filme talvez eu viesse do mesmo jeito.
15. O Pequeno Soldado
Então hoje eu vim mais acompanhando, mas também porque eu gosto muito dos
filmes do Godard, gosto aqui desse cinema, justamente pela seleção de filmes deles.
Por isso, exatamente.
16. Noite Vazia
Na verdade, eu vi que ia ter essa mostra do Walter Hugo Khouri e faz tempo que eu
não vejo filmes dele e queria rever alguma coisa. Hoje calhou de dar certo. Eu já li
muito a respeito desse Noite Vazia e alguns amigos já falaram desse filme, então, eu
nunca consegui ver, então tenho uma boa expectativa em relação a esse filme.
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17. Crônica de um Verão
É, eu sou jornalista, quero começar a trabalhar com documentário e esse tema do filme
de hoje é um tema que me interessa. Esse é um filme que fala sobre a felicidade. Ele
(Jean Rouch) saiu nas ruas de Paris perguntando para as pessoas se elas eram felizes e
esse é um tema que eu quero, enfim, talvez fazer alguma coisa relacionado com isso
também. Na verdade eu já li um pouco sobre o filme, então eu sei que ele saiu nas ruas
com uma câmera na mão e foi fazendo essas perguntas. Eu imagino que ele tenha
encontrado bons depoimentos, divertidos, engraçados e, como é um bom diretor, que
ele tenha encontrado uma solução para transformar isso em um filme gostoso de se ver
porque eu acho que documentário às vezes acaba sendo um pouco chato.
Alguns sentidos com que vêem o cinema em suas vidas.
O que vocês estariam buscando, procurando ao vir no cinema hoje?
F) Par atração/distração
18. Sexo, Amor e Traição
Ah, cara, pô, sair alto-astral de dentro do filme. Ah, sei lá, me divertir um pouco. Um
passatempo, só.
(passatempo?) É sair de casa. Agora que eu estou desempregada, é sair de casa (ri).
É o mesmo caso que eu, também. Estou desempregado, procurando emprego. Meu,
cansa de ficar em casa e pô, dar uma volta, passear, ver gente. Ou, quando está
trabalhando, meu, sair de casa também, sair do trabalho, socializar com as pessoas,
sair com amigo, tal. Meu, uma coisa que eu acho que é fato é você sair mais alegre,
mais alto-astral. No momento, agora, eu estou só cansado, não estou baixo-astral, mas
eu estou meio cansado. Certamente, se for uma comédia boa, eu vou sair com um
humor melhor, um pouco mais de energia de lá. Eu acho assim, é bom você ir no
cinema para dar risada. Mas, que nem, eu gosto de dar risada, eu estou em uma fase
que eu quero rir, não quero chorar. Tem fases que eu estou a fim de ir no cinema para
chorar, para poder extravasar o choro: essas coisas. Eu estou em uma fase pouco
tolerante a coisas mais baixo-astral assim.
(choro?) Não, é que às vezes você não está a fim de ver uma comédia. Às vezes você
não está a fim de rir, às vezes você não está em um pique de rir. Às vezes você, por
exemplo, está em casa, assistindo um filme que a menina corta um dedo e você
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começa a chorar. Então você está assim mais propensa por um outro tipo de filme.
Mais sensível talvez, é mais isso. Se eu quiser extravazar isso, eu vou mesmo e fico
mais sensível. Senão, eu vejo um filme para me por mais para cima. Eu não sei te
dizer. É uma coisa que é assim, às vezes eu estou a fim de ver um filme para chorar.
Às vezes eu quero só dar risada. Era mais isso. Eu gosto muito de drama, eu gosto de
drama, mas, por exemplo, eu estou em uma época que não dá para assistir. Não dá, não
me faz bem. Eu não assisti Cidade dos Anj... Cidade de Deus, não assisti Carandirú
porque assim não dá. A violência está muito grande, não consigo, mas são filmes bons.
19 O Filho da Noiva
O que me leva? É para ser uma, assim, mais descontração, não é? Eu não gosto de
filme muito pesado, nem na televisão, em nada. Eu gosto de programação mais leve.
Então, para mim, eu sempre procuro isso, algum filme que seja leve, uma comédia.
Primeiramente, entendeu, depois romance e, por último, guerra, violência, isso é difícil
eu procurar. Só quando é um filme que está muito, assim, em voga no momento, aí eu
vou; senão, é isso, para mim. Toda segunda-feira, nós somos fãs número 1 de cinema
na segunda, por causa da meia-entrada. É, promoção, à tarde, então dá para gente sair
um pouco do marasmo do domingo, não é? Porque a segunda-feira tem uma conotação
meio negativa e a gente avesso a tudo isso, nós vamos para o cinema, dar risada.
Ajuda a semana para nós, relaxa, ajuda em alguma coisa para falar diferente. É um
referencial.
(referencial?) Referencial de não tornar a semana aquela coisa maçante, ruim, pesada,
porque problema todo mundo tem. Então de repente você encontra pessoas na
segunda-feira reclamando, falando, pesadas. Então a gente já chegou a conclusão que
ser assim também é muito chato para quem está do nosso lado, não é? Então vamos
fazer de tudo para ficar com um astral melhor, mais leve e solta, literalmente (ri). Você
ri, você fica alegre, você descontrai, você vê o mundo de uma forma diferente, porque
senão fica muito cansativo, muito pesado. Então, é isso.
Olha, eu acho assim, que hoje nós temos um mundo muito violento, não é? Então, os
jornais, a televisão passa para nós o quê? Só violência, violência. Se a gente entrar
nesse lance, contexto todo, o que vai acontecer? A gente vai ter medo de sair de casa,
de conversar... Não que nós não temos, não é? Mas a gente tem que encarar a vida de
alguma maneira. Então... E nós também temos problemas, não é, quem não tem? E se
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a gente entrar nessa a gente fica neurótico, não dá para viver. E fica muito evidente
que a gente pode fazer coisa séria rindo, você entende?
(Fazer coisa séria rindo?) Rindo, lógico, passando uma energia positiva. Passando
uma energia positiva pros outros que se aproximam da gente, pros nossos familiares,
no nosso trabalho. É horrível você chegar no trabalho com uma cara fechada, com mau
humor. Aquilo já vai tomando conta do ambiente, não é? Como tem colegas assim,
não é? Então a gente vendo isso, a gente vai tentando melhorar, não é? E nós já somos
meio alegres por natureza (ri). Já deu para perceber, não é? Você já sentiu. Mas é um
trabalho que todos devem fazer, sabe, porque de repente a vida fica muito difícil, não
é? Se você só fica falando de violência, violência, não que... A gente sente, tem e
gostaria que fosse diferente, mas fazer o quê, não é? Então, vamos tentar, por onde a
gente passar pelo menos deixar assim um ar positivo, o otimismo, não é? Porque a
vida continua. É, e ver o que a gente tem em mãos e fazer melhor uso delas, entendeu,
através dessa coisa do bom humor mesmo, porque eu sou mesmo bem humorada por
excelência. E tirar proveito da vida, porque nós temos coisas boas na nossa vida que se
você for só negativo, você não percebe, não dá valor. Então, sabe, você tem que
refletir o que você já tem de bom e aproveitar isso e valorizar e agradecer, não é? Não
só chorar, criticar, reclamar porque aí fica pior ainda. Tem que ser assim, porque senão
como que vai ser a vida?
20. Crônica de um Verão
Ah, eu tenho uma... eu gostaria de trabalhar nessa área de documentário fazendo
filmes que trouxessem boas lembranças, coisas que remetessem à felicidade, à alegria,
ao bem-estar, que eu acho que são coisas que me interessam mais, porque essa coisa
de você ficar retratando toda hora a miséria, retratando a pobreza, retratando guerras
são extremamente importantes, mas já tem muita gente fazendo isso e eu gostaria de
voltar o meu olhar para um outro lado, para um lado um pouco mais leve da vida, que
muita gente às vezes rejeita. Essa coisa: "não o jornalismo tem que mostrar a realidade
nua e crua e tal e não pode ficar floreando a realidade etc.". Eu acho que é legal ter os
dois lados da coisa e eu me interesso mais pelo lado feliz da vida, (ri) entendeu?
21. O Pântano
Hoje? Para mim, sei lá... eu estava um tempão sem ir ao cinema. Já fazia alguns meses
mesmo. Eu fui na terça e estou vindo hoje. Mas, assim, não sei, para mim, acho legal,
é um passatempo.
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(passatempo?) Passa o tempo porque se eu não estivesse aqui, estaria fazendo nada
provavelmente. Estaria em casa ou dormindo, menos no cinema. E acaba sendo legal
porque eu acabo pegando esses filmes que às vezes... um ou outro é chato às vezes até,
mas normalmente... para mim é um passatempo e não sei se é uma forma de esquecer
da vida também. Você chegar lá... No começo nem tanto, mas ultimamente eu acabo
me concentrando; antes eu não conseguia me concentrar muito nos filmes, agora eu
apago, esqueço tudo, fico lá no escuro, esqueço que hoje é quarta, quinta, no meio da
tarde, então, assim, é legal.
22. Tomb Raider 2
Ah, relaxamento (fala em tom de ufa!). De aliviar o stress mesmo. É, como a gente diz
mesmo, a sétima arte. Eu gosto muito mesmo da sensação que o cinema me passa. O
cinema me passa a sensação de estar a mil quilômetros de onde estou, eu me sinto
participando da história. Então isso é um ótimo, como se diz, até uma terapia acho que
chega a ser.
(terapia?) Sabe quando a gente está tão preocupado que está até com dor de cabeça
(pressiona os dedos nas têmporas)? Então, o cinema ajuda para evitar isso. Tem dias
que eu estou tão nervoso que não dá para trabalhar e nem fazer nada. Então eu tiro um
dia para relaxar. Esses dias eu procuro alguma coisa para fazer: vou à biblioteca, vou...
alugo um filme na locadora ou às vezes até tiro o dia para ficar em casa, arranjar
alguma coisa para fazer ou sair com os amigos. Namorada é mais complicado porque
ela também trabalha, mas no fim-de-semana, eu também saio com ela. Basicamente é
isso eu acho. Eu gosto... É meio fantasioso mesmo, mas eu gosto dessas histórias, bem
fantásticas mesmo.
(fantástico?) Olha, eu acho que, de fantástico mesmo, aquilo bem fora do comum,
bem fora do cotidiano. Que a gente trabalha, estuda, faz isso e aquilo e se cansa do
cotidiano normal e gosta daqueles filmes mesmo que chutam o balde, chutam o pau da
barraca e levam a gente para bem longe do mundo real, aqueles bem fantásticos, no
melhor estilo Guerra nas estrelas.
(chutar?) Isso, escapar da realidade monótona que a gente sempre passa.
(escapar?) Ah, não é tanto para escapar. É para gente ter um descanso. Às vezes a
gente se cansa mesmo do... A gente se cansa tanto para ganhar aquele dinheiro
pouquinho, depois se estressa para conseguir fazer o dinheiro dar para o que a gente
precisa e depois quando a gente quer parar um pouquinho a gente senta: "Ah, não, vou
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ler um livro, vou ver um filme vou para praia ou vai para o cinema". É um ótimo modo
para gente relaxar a cabeça. Quando a gente está com a cabeça cheia de problemas,
então a gente tenta pensar em alguma coisa agradável... vai ao cinema: é um ótimo,
como se diz, entretenimento.
Mas, claro, se for uma história daquelas muito forçadas mesmo... Tem aqueles filmes
de ação que forçam demais, alguns filmes de kung fu também. Então eu espero que o
filme seja de ação, mas tenha um pé na realidade também e até os atores tem que
interpretar bem o papel. Não pode ser muito forçado, não pode ser fantasioso demais.
Aqueles filmes de kung fu que os caras pulam do chão até o alto de uma casa de dois
andares, é um pouco forçar demais. Por exemplo, tem alguns filmes que dá para notar
até bem demais que foi uma montagem. Não é como Matrix que a gente sabe que é
montagem, mas fica tão bem feito que a gente, como se diz, o público sabe que é
montagem, mas a gente se sente motivado a ser conivente com aquela farsa. Não pode
ser aquela montagem que fica óbvio que a gente... que os caras estão fazendo
montagem. Senão a gente perde interesse na hora porque sabe que é tudo muito falso.
Aí estraga tudo. Por exemplo, não precisa nem ser filme de ação. Sabe, tem alguns
filmes que eles interpretam mesmo... geralmente de classe B, os atores são canastrões.
A gente percebe que até os roteiros são péssimos, falam coisas que a gente não falaria
na vida real. Por exemplo, se eu tivesse naquela situação eu não falaria aquilo de jeito
nenhum. Tem uns filmes que são assim, coisas muito coniventes... até, por exemplo,
aqueles filmes de romance que quando vai ter um romance tudo vai muito rápido: é
muito fácil demais. Então a gente... não dá para acreditar que isso aconteça na vida
real. Como eu falei, tem alguns casos que o trabalho é tão bem feio, as falas são tão
bem feitas, os efeitos especiais também são bem feitos, até o ritmo do filme ajuda e
mesmo a gente sabendo que é tudo falso, tudo uma interpretação ou um montagem de
computador, a gente acaba, o público acaba se sentindo, como se diz, motivado a se
sentir conivente com a farsa. A gente, o público vira cúmplice daquela encenação.
Então... Eu acho que é isso que a gente chama empatia, não é, quando o público se
sente mais ligado. Os filmes que conseguem conquistar essa empatia, essa ligação com
o filme quando eles se tornam cúmplices da encenação, esses são os grandes filmes.
Os melhores filmes do mundo são aqueles quando a gente mesmo sabendo que aquele
ator, que você já viu em três outros filmes, está se declarando para aquela outra atriz
que também se... já teve uns outros tantos e, mesmo assim, acreditar mesmo que eles
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estão apaixonados: aí sim, esses que são os grandes filmes. Os melhores filmes do
mundo são aqueles em que o público é conivente com a interpretação.
23. Irreversível
Ah, eu acho que eu viajo. Eu entro no cinema e eu embarco na história, eu acho legal,
eu embarco nos personagens e vou. É tipo 1 hora e 40, 2 horas que você vai
caminhando na história também, junto com os personagens. Quando faz com que você
goste do filme, que você sinta cumplicidade com o filme, então eu acho que você
embarca. Igual esse outro que eu fui ver, O fuso horário do amor, é completamente
bobo a história, então não dava para você... Você fica ali, até torcendo para o filme
acabar. Sorte também que o filme foi curto e acabou logo.
(viajar?) Olha eu acho assim, eu acho que você fala assim: "ah, eu vou viajar no
filme", acho que quando a história começa a infiltrar dentro de você desde o começo.
Eu acho que não tem aquele lance de você ficar sentado esperando 20 minutos para
história decolar. Eu acho que ela tem que decolar desde o minuto que abriu os créditos,
você já tem que estar lá dentro. E eu acho que isso é interessante, então por isso que eu
falo que você viaja desde a abertura dos créditos. Aí você vai até o final, você não
desgruda, você fica colado nos personagens. Isso de você estar próximo dos
personagens, de você estar ali junto, eu acho que é legal.
(infiltração?) Eu acho que é em relação ao sentimento, você sente porque você está
ali, você está vendo, você vai... acho que o teu mecanismo de sentimentos, que você
vai processando, vai se alterando porque você vai acompanhando a história, não é, é
um ritmo, não é? Acho que a história tem começo, desenvolvimento e fim, acho que
tem esses estágios e é essa a infiltração que eu falo: do sentimento, de você sentir, de
você acreditar naquilo que você está vendo.
24. Roleta Chinesa
Olha, eu vou para o cinema para me distrair. Quando eu vejo um filme bom, um nome
bom, a duração, os atores, aí falo: "Pô, eu acho que eu vou assistir". Na verdade o
cinema é uma coisa simbólica, é uma coisa que não existe, mas o filme, muitos filmes,
muitos, vêm através muito da Bíblia, da realidade do que está acontecendo no mundo,
muitos filmes que eu já assisti. Eu já assisti desde o "Cisco Kid" até "Daniel Boone".
Eu sou ligado a filme, mas assim, eu vou muito... mas não ele tomar dentro de mim.
Eu pego algumas coisas que tem a ver comigo, mas eu não deixo ele tomar aquela
coisa, porque filme é filme, a realidade é a realidade. Então eu acompanho mais a
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Bíblia do que o filme. Eu gosto do filme, para me distrair, ficar legal, sair bem, sair do
cinema: "Puxa, vou tomar um suco ali agora, estou bem, pá". Aí fico fazendo pesquisa
dentro de mim, lembrando da história de alguns trechos de um filme. É interessante
para mim, aí aproveito alguns detalhes. Eu queria... o filme de Cristo. É real, mostra a
realidade. Mas eu acho interessante o que acontece na guerra. Muita gente fala em
Deus lá nos filmes, muita gente fala em Deus, então essa coisa mexe comigo.
Desde criança, eu sempre assisti filme. É uma coisa até legal porque meus filmes
mesmo é mais aventura, filme policial, filme inteligente. Eu gosto muito de filme que
faz... e começa feio no começo e se torna bonito no final. Tipo, você quer chegar...
você está procurando alguma coisa, como se fosse uma investigação, é uma coisa que
ninguém procura, ninguém acha, ninguém sabe de nada, mas depois começa fazer a
pesquisa mesmo do fundo, aí o filme fica interessante, fica aquela coisa emocionante.
Você sabe, você estando fora, você sabe o que está acontecendo, mas no filme em si
não acha a pessoa, então eu fico dentro de mim assim: "Nossa, não é esse cara, é outro.
O outro parece com...". Aquela coisa assim, quer dizer, entro na história. Agora filme
bom que eu gosto é bangue-bangue, é Al Pacino, que eu já assisti muito bem Al
Pacino Scarface.
Um filme com umas coisas que eu gosto muito mesmo é sobre os animais. Eu sou um
cara do mato, então eu gosto muito da mata. É que eu fiquei muito no mato. Eu sou do
interior, então eu me enfiava na mata, eu enfiava o facão e eu corria para mata só para
mim ver... Então eu tenho uma ligação muito com a natureza humana e com a
natureza... natureza de animais e com a natureza, planta, morro, mato, essas coisas, eu
sou muito ligado a isso. Então eu gosto muito de filme de aventura, por isso que eu
gosto de ver sentir as pessoas subindo, escalando, fazendo aquilo. Acho super bonito,
eu admiro. Então para mim é uma coisa que me inspira muito, me traz muita idéia.
Então, muita... Eu entro dentro dele, eu deixo... Tem filme que eu deixo... Eu entro
dentro do filme, eu participo dentro dele. Então, aparece aquela coisa de natureza, ela
me toma porque é um filme muito forte, combina com a minha pessoa. Então eu:
"Puxa vida, eu até queria ter mais isso, eu não aproveitei fazer aquilo", então aquilo
me emociona, aquilo me emociona, eu falei: "Puxa vida, que legal", e aí, quando eu
vou para uma chácara, para um sítio, que nem quando eu estive em Cotia, eu fiquei em
uma chácara, ia para matona.
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25. Pequenos Espiões 3D
É, bem assim, eu queria estar lá no filme. Fazendo essas coisas, mas para poder fazer
isso eu tenho que estudar, fazer cursos, para poder ser apresentador (ator) de cinema,
mas o meu negócio mesmo é computação. Eu gosto de computador, mexer em
máquinas. Aí é assim que eu gosto de ser.
Eu sinto atração, tipo, eu lutando com as pessoas, porque tem gente que gosta de bater,
mas não gosta de apanhar. Então aí no filme as duas pessoas sempre se devolvem, uma
bate e a outra também bate. Aí eu gosto disso, que nem, se eu bato em alguém, eu
também vou ter que apanhar. Aí no filme é assim, por isso que eu gosto de assistir. E
também eu gostaria de estar lá. Porque aí eu posso também... trabalhando nisso
também eu posso ajudar a minha família. Por isso.
26. A Margem
Acho que é mesmo você vivenciar um pouco outras realidades, outro modo de vida,
tanto em questão de tempo, como também de espaço. Você se localizar em tal,
determinado espaço. Você viaja pelo cinema, você vai, por exemplo, você conhece a
realidade... na verdade a ciência do ser humano eu imagino, eu vejo isso, por exemplo,
nos filmes que a gente vê do Irã. São filmes, quer dizer, de uma realidade
completamente diferente da nossa, mas a essência do ser humano é a mesma. Você
observa isso. É uma coisa que me sempre impressiona é esse fato, que a essência do
ser humano é a mesma, entendeu? Então, quer dizer, as angústias... embora, quer dizer,
o cara está lá no Irã, quer dizer, uma coisa que eu não conheço, mas você pega e tal o
filme, então você consegue se identificar com aquela vivência, aquela realidade. A
expectativa que eu tenho em relação a esses filmes é de viver mesmo a realidade
daquele povo, como é que aquelas pessoas vivenciam o dia-a-dia, mostrar por
exemplo... Eu gosto muito dos filmes do pós-Guerra, entendeu? Então, coisa que você
ouve através da história oficial, mas de repente você pega os filmes, então você
consegue ver o outro lado da questão. Eu gosto de ver esse tipo de material. Eu gosto
de filmes antigos mesmo, da década de 50, 60, 70. Foi uma época em que ainda não
tinha idade para ver esses filmes. Então eu tenho curiosidade desses filmes.
Um conhecimento mesmo. Por exemplo, você pega filmes estrangeiros e tal sobre a
Segunda Guerra, coisa e tal, você vivencia, não é? São... Eu imagino como sendo uma
reportagem mesmo da época. É claro que talvez não reflita totalmente a realidade da
época e tal, mas é... tem indícios, não é? Então você pode deduzir dessa experiência.
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Você acaba vivenciando um pouco dessa época. Na época de 67 (ano em que foi feito
A Margem) eu tinha 10 anos de idade e tal, não vi o filme, mas eu tenho essa
expectativa de ver aquela época, gosto de vivenciar isso. Eu na época era muito
criança e tal, não tenho idéia do que seja... devia ser na época, não é? Eu moro em
cidade do interior, cidade pequena, e... como eu te falei eu procuro mesmo ver essa
época retratada da forma que eu possa adquirir uma experiência que eu não vivi.
Eu sou de Cordeiro, uma cidadezinha de 30 mil habitantes, fica a 200 Km do Rio. Eu
vou toda semana ao Rio para ver filme. Tem que viajar realmente, o acesso não é fácil,
eu tenho que me locomover por 2 pontos por... E eu faço semanalmente isso. É que eu
vivo em uma realidade que eu não me encaixo bem nessa realidade, entendeu? É
porque eu morei 5 anos em cidade grande, fazendo curso... fiz um curso universitário,
voltei para cidade do interior por questões de trabalho, mas eu tenho essa ânsia, essa
necessidade de ter contato com o mundo de cultura, coisa e tal, e então eu comecei a
voltar a freqüentar o Rio e faço isso semanalmente. É, a realidade em cidade pequena,
quer dizer, em termos de convívio social é uma coisa que não me acrescenta muito.
Então eu tenho essa perspectiva: eu leio muito jornal, muita revista, procuro sempre
estar em contato com esse mundo.
(viagem dupla: a de Cordeiro ao Rio e, lá no Rio, a que se passa no cinema?) Seria
quase que como um escape, entendeu? É uma maneira de você vislumbrar uma outra
realidade porque o dia-a-dia, aquela rotina é uma coisa um pouco massacrante, então
você com isso consegue vislumbrar outras realidades e isso realmente é uma viagem.
27. 21 Gramas
Não sei, é que eu gosto do encanto do cinema. De você entrar em outro mundo durante
2 horas e depois sair pensando o que estava falando ali. Ou sair metendo o pau no
filme, falando "que bosta, perdi 2 horas!". Ou falando "puta, que filme bem loco! Que
viagem do cara ter imaginado isso".
Tem filmes que você vai só para entreter. Desenho animado, por exemplo. Adoro
assistir desenho animado. É divertido. Ah, mais fantasia. É um negócio mais fábula.
(fantasia?) Ah, acontecem umas coisas impossíveis em desenho. Sei lá, não sei se
você viu Procurando Nemo, mas o cara encontrar o filho que nem no oceano mais
estava; estava em um aquário. É então, é difícil, sabe? Então toda a simbologia de
desenhos clássicos, que nem A bela adormecida, de príncipe, de princesa, é de sonho
de criança, história que a gente conta para criança. A gente sabe que não é assim. Você
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sabe que um príncipe nunca vai ser perfeito, que você não vai o encontrar em cima de
um cavalo branco. Você transporta isso para a sua realidade e quando você vê filme
mais adulto você percebe essa realidade. Criança vendo não entende. (sonho?) Ah, não
sei, seria uma fuga da realidade. Tipo, igual ver TV. Sei lá. Você vê os bichinho
falando. Um monte de coisa bonita. É, colorido. E geralmente finais felizes. É, sempre,
não é? Sempre. Isso que eu acho que peca no cinema hollywoodiano é isso: sempre
final feliz. Claro que, meu, o filme hollywoodiano ele é para a galera criar esperança e
tal.
(esperança?) Ah, é, porque eles são... eles mostram as coisas que, sei lá, do Nemo, do
cara achar o filho que certeza que ele não ia achar. Ou do Shreck, no final do filme a
mina era igual ele? Umas coisas assim... Da Bela Adormecida que ela encontra o
príncipe: coisas que incrivelmente acontecem, sabe? Coisas impossíveis. Ou então
mesmo filmes de aventura. Meu, o principal nunca leva um tiro e se leva um tiro vai
na perna, no braço e não vai acontecer nada com ele. Filme do Van Damme, sabe? Ou
então 007, que é tudo impossível, você já sabe. Sabe, é filme que, porra, você já tem
certeza que o cara vai se dar muito bem, mas você quer ver o cara se dando bem. É
estranho. É diferente. É igual filme do Indiana Jones: sai de uma já cai em outra, o
filme inteiro assim. É e o cabelo está sempre no lugar. Mas é um negócio que te
entretém, não é?
(entretenimento?) Puta, o entretenimento é coisa que todo mundo procura, acho que,
em um filme. Um negócio que te prenda, tipo em um livro também. Um negócio que
faça você assistir... É, o que ele te conta, da fuga da realidade por alguns instantes, de
sumir daquele mundo que você vive da sua família, do seu trampo, do stress de suas
tretas para entrar em um outro mundo. Por isso que todo mundo gosta de Senhor dos
Anéis. Que é outro mundo, outro lugar, todo mundo é diferente.
28. Bodas de Sangue
Olha, para mim é um mundo assim, como se fosse de fantasia, não é? Então eu me
envolvo na história. É difícil ter um filme que eu não goste porque em cada filme eu
vejo alguma coisa positiva. Quer dizer, precisa ser um filme muito, sei lá, mesmo
muito ruim para que eu não goste porque geralmente eu gosto dos filmes que eu
assisto. Todos eles eu vejo alguma coisa, tiro alguma coisa boa do filme. Então é um
prazer para mim ir ao cinema. É um prazer mesmo. Então tem aquele filme que a
gente costuma falar aquele filme leve, não é? Então aquele filme assim, alegre,
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colorido ou uma comedinha romântica, um romancinho, aquela história movimentada,
bem alegre, que você sai de lá assim, bem leve. E tem aqueles filmes mais densos,
uma história mais consistente, um enredo mais profundo, abordando determinado
assunto, certas coisas. Então existem vários tipos de filme: tem a comédia, tem aquele
filme leve, alegre e tem aquele filme mais denso, mas de todos eles eu sempre tiro
alguma coisa boa.
(fantasia?) Ah, acho que sonhar. Sonhar, gostar de ser a heroína, me colocar no papel
da heroína do filme, entendeu? Nesse tipo, uma fantasia nesse tipo, não é? E às vezes
uma situação do filme toca muito a gente. Lembra alguma coisa do passado. Assim,
particularmente, às vezes toca muito a gente. Muitas vezes o filme coincide com a
vida. E a situação da vida real, a gente passou por aquilo, então você relembra, se
emociona, chega até às lágrimas, às vezes. Então eu gosto nesse sentido, então às
vezes eu me transporto para dentro lá da história do filme. Imagino que sou eu aquela
heroína, aquela personagem principal, dona da história lá, que vive a história, não é?
(coincidência com a vida?) É porque muitas vezes... Às vezes um filme, o enredo do
filme coincide com o que já aconteceu com a gente porque muitas coisas que eles
passam são coisas da vida real. Embora seja ficção, mas que na realidade acontecem.
Só que não é... não viu acontecer. Então muitas vezes acontece isso, então a gente
sente, não é, lembra e se emociona com isso.
(emocionar-se no cinema?) Olha, no meu caso conforme a história: ou é uma história
triste ou é uma coisa que lembra uma situação que eu passei, que eu vivi, é como eu
falei para você, às vezes eu chego às lágrimas. A gente chora, ainda mais mulher que é
meio... mais sensível, acaba se emocionando mais, não é? Então, eu para chegar às
lágrimas não custo, não demora, não precisa muita coisa. Mas eu prefiro que não seja
coincidente com minha vida, prefiro que seja mais fantasioso, entende? Um final
melhor, um enredo melhor, mais alegre. Não gosto muito quando o final não
corresponde àquilo que você espera. Quero que tudo termine bem, entendeu? E nem
sempre as histórias terminam bem, nem na vida real e nem nos filmes também. Porque
às vezes tem um filme lá que você desejaria que o mocinho ficasse com a mocinha e às
vezes não fica. Eu prefiro assim, sempre felizes juntos. Porque como na vida real já
não termina, pelo menos na irreal, não é?
29
G) Acréscimos: mensagem, aprendizados, lição de vida, ensinamentos.
29. The Matrix Revolutions
Seria mais o interesse, a ansiedade de poder saber o final do que os outros filmes vem
relatando. Então seria mais isso aí. Seria um pouco mais para descansar também, tirar
a mente um pouco daquele cotidiano perturbado que a gente tem lá fora. Então para
poder viajar um pouquinho junto com o filme.
(viajar?) É, realmente viajar, se entregar para o filme, para você poder, você conseguir
sentir o que o filme está passando para você. É você conseguir centralizar o filme no
momento em que você está na sala. Nunca tentar levar isso para fora, mas você poder,
assim, deixar o filme rolar, aceitar o filme e se integrar a ele, sabe, ficar um só. Para
você poder realmente ter noção do que o filme está relatando, está tentando passar para
você. Não é só você sentar na poltrona, ficar olhando lá a telinha e deixar o filme
correr. Você tem que de certa forma se entregar para o filme para poder assimilar o
que o filme está trazendo: a notícia boa, a notícia ruim, tudo.
(não levar para fora?) É, você pega aí, que nem muitas vezes aí, muitos atentados,
principalmente nos EUA com crianças de 15, 16 anos que sempre jogam... sempre
relatam e sempre jogam a culpa em cima de filmes violentos que o adolescente era fã e
que por esse motivo ele trouxe o filme para dentro de si e jogou isso para sociedade.
Então, a gente tem que tomar também esse devido cuidado para que a gente fique
dentro da sala do cinema, para a partir do momento que acabou o filme também acaba
ali sua imaginação. Você já volta a sua vida normal e vamos dar continuidade ao nosso
trabalho normal. Mas a questão da fantasia fica lá para o cinema lá, porque eles estão
sabendo fazer muito bem feito.
(fantasia, imaginação?) É, que homem não gostaria de voar, que homem não gostaria
de ser um passarinho para sair voando um dia aí? Então isso chama muito atenção de
todo mundo. Acredito eu que não tem uma pessoa que... O homem é tão obcecado em
voar que ele inventou o avião. Então acho que isso também mexe bastante com a
gente, esse lado da imaginação, de como seria se isso realmente se tornasse uma
realidade, coisa que de maneira nenhuma é real, mas como seria... não é? É, busca pela
fantasia acho que todo mundo tem. Fantasia de ter... sei lá, de ter imunidade quanto à
morte, ser eterno. Se você oferecesse alguma coisa desse tipo para alguém eu duvido
muito que alguém recusaria. Fantasia de... de ser um... sei lá, quando, você fala
fantasia você tem que sair da realidade, então fantasia se torna realmente aquilo que o
30
filme demonstrou: você voar, você ter super-poderes, ter uma força, assim, fora do
normal.
Você saindo da realidade, você... isso aí é, você sai da realidade é quando você fala,
um exemplo, a respeito de você saber voar, de você conseguir erguer um carro com
uma mão, você conseguir quebrar uma parede de concreto com as costas, porque isso
o filme relatava muito. Era parede lá para dar com o pau, todo hora um nego estava
batendo as costas na parede. Então isso, você foge da realidade total, não é? Aí sim
você entra no mundo da fantasia, no mundo da imaginação, como seria... mas ou
menos isso aí.
30. Na Companhia do Medo
É, uma distração sadia.
(distração?) A mensagem que o filme passa, aí você vê se tem a ver com você ou se
não tem a ver com você. Aí você tira uma mensagem positiva disso, o que você viu no
filme.
(mensagem?) É o que o filme quer te passar, o aprendizado que o filme vai te mostrar.
É interessante, porque quando a gente está vendo o filme, é como se a gente estivesse
participando do filme, até chegar no final e ver se agradou ou não.
(participar?) É entender o filme, tudo que está acontecendo, não é isso? O filme você
tem que entender, você não pode se distrair. Você tem que entender o filme até o final
e tirar a conclusão. É isso, resumindo é isso: você assiste o filme, daí tira a conclusão
da mensagem que o filme te passou e vê se, você colocando o seu dia-a-dia, aquela
mensagem que o filme colocou para você, vai servir ou não. É isso.
31. Encantadora de Baleias
A gente procura um filme que seja inteligente, que traga alguma mensagem, que você
saia do cinema e possa comentar alguma coisa. Eu não gosto de ver um filme burro,
vazio. Eu morro de raiva. Eu vou ao cinema e vejo uma porcaria, realmente eu não
gosto. Nem aceito muito bem. Eu gosto de filmes que trazem uma mensagem
interessante, enfim, você sai achando que ganhou... Não foi tempo perdido. Ganhou
alguma coisa, você aprendeu alguma coisa, você captou alguma coisa. Eu acho chato
quando você vai ao cinema e diz: "que porcaria, eu não devia ter vindo"; não é? Não
acontece muito com a gente, mas já aconteceu e a gente sai meio, assim: "puxa vida,
que perda de tempo". Eu acho chato. Agora quando você vai, você aprende, é uma
lição de vida, é uma coisa que te deixa uma mensagem bonita, eu acho bacana. Mesmo
31
ensinamentos também. Que às vezes você vê tanto filme aí que as pessoas... Apesar de
ser na época moderna a nossa época já, mas são filmes que transmitem uma mensagem
bastante interessante. Revelações, da Nicole Kidman. Revelações, por exemplo, o
último filme que a gente assistiu. O Hopkins, não é? São filmes gostosíssimos de ver,
interessante.
H) Entrelaçamento entre filme e espectador
32. O Último Samurai
Ah, eu acho que é mais uma forma de entretenimento. Acho que para quem está de
férias – a gente está de férias –, aproveitar para relembrar umas coisas, se encontrar,
ver, comentar algumas coisas e acho que, sei lá, e também uma diversão. Você acaba
assistindo um filme que nem esse, que parece ser bom e você acaba se divertindo e
aprendendo alguma coisa também, culturalmente.
(entretenimento?) É mais cultural mesmo. Acho que, sei lá, passar o tempo e aprender
uma coisa, não inutilmente.
(aprendizado?) Sei lá, experiências de vida que eles tentam mostrar de outras pessoas,
o que acontece em cada situação, você acaba se divertindo ou aprendendo também.
Depende do filme, não é? Tem filme que a gente vê no cinema e sabe que não vai
aprender nada do filme. Você vai entrar, rir, olhar. Uma coisa lúdica: você vê um
negócio passando lá, passa o tempo. Tudo bem, estar no cinema é uma diversão: a tela
grande, som bonito. É uma diversão. Agora tem filme que você sai pensativo. Esse
filme por exemplo eu sai do filme muito pensativo. Mexeu comigo muito esse filme,
por isso que eu voltei agora para ver. Tem filme que a gente consegue aprender, tirar...
fazer algum paralelo com a nossa vida.
(paralelo?) Acho que mais um... seria uma cópia, assim, tentar passar para o cinema,
para um filme uma coisa que acontece no cotidiano de algumas pessoas e que às vezes
você acaba se identificando, às vezes não. Assim, que nem, muita gente... pode ser que
eu aprenda alguma coisa que sirva para mim, sabe, que seja base para alguma coisa
que tenha acontecido na minha vida. Como você pode assistir e falar: "não, para mim
não foi útil". Eu acho que é mais quando eles tentam fazer um paralelo, tirar alguma
coisa para você. Acho que é mais a forma que eles trabalham as idéias, assim, de expor
você a situações que realmente você pode estar sujeito. Eu acho que esse jogo deles de
trabalharem com coisas que podem vir a acontecer com você e causar uma
32
expectativa, eu acho que é o que atrai muita gente, que acaba levando muita gente a vir
assistir, sabe, e começar a se perguntar de várias coisas.
Eu acho que expor algumas situações que a gente pode estar suscetível, pode estar
sujeito a acontecer. Acho que eles colocam isso... mais uma figuração da vida real.
Que nem aquele filme Sexo, Amor e Traição, não aconteceria o que aconteceu lá, mas
eu acho que algumas situações você acaba dando risada e acabou já acontecendo com
você e você fala: "olha que saída que eles tiveram". Você olha por outro lado, assim,
eu acho que isso atrai o espectador, sabe, a pessoa que vem no cinema, ela procura
isso, ela procura também olhar de outras formas algumas situações que ela já passou
ou que ela pode vir a passar. Teve umas situações de traição que eu falei: "nossa,
olha", porque assim eles tiveram saídas assim que eu: "nossa, muito legal". Assim,
porque eles encararam a traição não como uma coisa para se levar por... assim, uma
causa de separação, nem nada. Eles esperaram e levaram. Acho que dá uma visão
melhor, assim, que tem coisas que você começa levar muito assim, pelo... você
começa a levar a ferro e fogo. E lá eles tem uma visão que você consegue viver
também de outras formas sem ser tão extremista. Você consegue relevar muitas coisas
que você acha: "não, nunca faria isso". Aí você vê que não, que dá para fazer. Mesmo
sendo na televisão, você fala: "não, isso não é impossível", sabe? Acho que essa idéia
de colocar o que acontece na vida real é legal. Acho que no máximo você associa e
tenta falar: "bom, uma saída ótima". Mas, assim, depois se você tentar levar você não
vai também fazer igual ao que eles fizeram, não é, sair pela ficção. Mas você dá uma...
acho que uma outra saída, uma forma de ver as coisas por um outro lado.
Eu só achei interessante dela falar que o cinema... ela vê algumas cenas que já
aconteceu na vida dela e ela vê as saídas que tem no cinema e as possibilidades que ela
tem para a vida dela. Ah, eu nunca pensei nisso. Quer dizer, nem sei se talvez já tenha
pensado. Acho que não, nunca pensei nisso: alguma coisa que aconteceu no cinema e
eu poder fazer na minha vida.
33. 21 Gramas
Ah, eu tento tirar alguma lição. De algum filme que conta a vida de alguém, o que
aconteceu. Mas sei lá.
(lição?) Ah, você me pegou, espera aí. Ah, não sei cara, tipo de vida, sabe? Tipo da
vida que a pessoa levou e como é que ela conseguiu chegar a tudo aquilo, como ela
conquistou aquilo, como ela perdeu tudo aquilo, entendeu? É, então por não saber...
33
porque vendo o filme você sabe: "olha o cara se deu bem". Podia ter se dado mal e a
gente não sabe da gente. Não tem o futuro nosso. É, a gente só vai saber depois que
passar por tudo. É diferente pensar assim. É, que nem a gente está começando o
namoro agora tem um mês e a gente não sabe o que vai rolar com a gente. Não sabe se
um dia vão fazer um filme da gente. Mas pode rolar. É, que nem aquele filme que a
gente viu, Sexo, Amor e Traição. A gente viu coisa que pode acontecer. Coisa que
também a gente acha que não vai acontecer, mas a gente não sabe. Então a gente tira
as lições que eles passam, sabe, de, por exemplo, um cara que está trabalhando muito e
ignora a mulher. Pô, se o cara ignora muito a mulher, a mulher acabou o traindo por
isso, não porque ela não gosta do cara. Da outra que o cara... na outra o cara também
trabalhava demais. As mulheres acabavam se sentindo sozinhas e era nisso que rola a
traição. Ficava um jogo e a gente aprende com isso: "porra, se você tem alguém,
mesmo que você tem que trabalhar, que você tem que fazer um monte de coisa, sabe,
você tem que ter tempo para curtir a pessoa que está com você, senão você vai
desperdiçar o que você tem". É, essa foi a lição que a gente tirou do filme. Para não
deixar ela sozinha, senão... (ri) eu já vi como é que é. Ela me falou bem essa fita. Mas,
ah, é isso que o filme passa.
Tem muito filme que é muito pensado, filosofia e não sei o quê. E se é para o cara se
foder, ele vai se foder no final do filme. Não vai acabar ele encontrando a mulher da
vida dele nos últimos 5 minutos. Mas ver um filme diferente, te dá um tapa na cara
com a realidade. Pode acontecer que não role de ser sempre eternamente feliz. Puts,
seria uma coisa que foge de tudo. Porque todos... A maioria dos filmes tem final feliz.
Então você tendo um final triste é uma surpresa para você. Você sai do filme,
pensando mais no filme. Igual, tem um filme que eu lembro que é o Cidade dos anjos.
Ele não acaba muito bem, sabe, do jeito que todo mundo esperava. E tem gente que eu
sei que não gostou do filme por isso. Porque... Você viu o filme? A mina morre. O
cara acabou de virar ser humano, a mina pá... Tudo bem ela teve uma morte linda, toda
romântica e tal, mas morreu.
Pô, que morte linda! (ri)
Ah, mas se ela morresse com um tiro ia ser diferente. Mas aí o cara: "Hã? E agora?
Agora que eu vim para Terra...". E fica... todo mundo fica surpreso com o filme e isso
é legal. O filme surpreendendo, igual Beleza Americana: é um filme que surpreende
pelo final. É, a surpresa faz você pensar mais que... na sua realidade não vai ser tudo
34
certinho como você imagina. Que não é tudo sempre igual, senão não ia ter graça. Que
você sempre tem o sonho de, sei lá, ser rico e dar tudo certo na sua vida. Mas na
verdade nunca é assim, sabe? Às vezes você pode se ferrar também na vida. E os
filmes sempre dão certo e os que não dão certo fazem você pensar nisso. Você pensar
na... Aí, porque não deu certo você tem que saber e saber viver com isso depois: "Não
deu certo aqui, então tentar de outro jeito e não fechar a porta". Mas sei lá não uso
tanto filme como exemplo. Também, mas mais livro.
34. Noite Vazia
Ah, não sei. Ah, quer dizer, o cinema para mim, como eu falei, eu vejo várias coisas,
vários estilos, de vários países, então assim, tem um pouco de tudo. Às vezes, eu só
quero me distrair, às vezes eu quero não pensar em nada e às vezes tem filme que eu
quero... que marcam a minha vida e que me ajudam a entender um pouco de mim, das
outras pessoas e das relações, então é um pouco assim, mas a motivação varia bastante
também. Às vezes, assim, alguns pontos de contato com a minha própria vida ou
alguns pontos que, pelo contrário, são diferentes, então acho que é por aí que eu
consigo ver, quer dizer, às vezes me identifico com algumas coisas dessas crises,
desses filmes com essa temática, onde mostra pessoas em um espaço urbano meio
deslocadas. Então eu sinto uma ligação por aí, essa coisa mais existencialista que é um
pouco a temática dele (a do Noite Vazia), de quatro pessoas meio perdidas. Esse tipo
de temática me interessa bastante e o fato de se passar em São Paulo nos anos 60,
também, então tudo isso são ingredientes que me atraíram assim.
35. O Pântano
Cara, eu peguei um filme lá, um filme francês. Eu gosto, mas ultimamente eu tenho
dormido fácil. Mas que, cara, puta merda, como é que eu posso gostar de um filme
desses, não é? Acabei nem vendo direito porque me deu mais sono do que... Aí fui lá,
devolvi. O Pornógrafo, puta merda. Ele estava me dando sono mesmo porque acho
que ele estava muito parado, aquela coisa: "aí o cara vai andando para lá, depois volta
e não acontece nada": é filme francês, não é? (ri) Vai até lá, volta. Tem um... quase
todo o filme ele fica, um diretor de cinema, ele fica andando, indo e voltando, indo e
voltando, pensando na vida dele, pensando em que ele está fazendo, tudo que ele fez, o
que vai fazer. Pois é, é um tipo de filme que normalmente eu assistiria. Só se tiver... eu
estou revendo todos os meus conceitos... Aí no fim das contas o que acaba, assim, o
35
que geralmente eu acho legal mesmo é igual esse Kill Bill. Eu achei legal para
caramba. Agora o que me leva, o que me leva para ir ao cinema, não sei.
(Kill Bill?) Ah, não sei, cara. Aquele filme lá, não sei porque se é aquela coisa toda,
muita ação, aí eu falei: "Pô, esse negócio passa muito rápido, acabou" Mas tem a
continuação. Mas, não sei, se for pensar bem, aquele filme não acrescenta nada, uma
história cretina de vingança, mas é legal demais. Para assistir é muito legal. Pois é,
porque eu ficava com esse preconceito todo: "Não vou assistir aquele filme". Agora
preciso começar... Pois é, é difícil, porque no fim das contas o que diverte mesmo são
esses filmes. Você sai assim... você esquece do filme também, igual essas comédias
americanas, eu assisto, dá vontade de assistir O Amor é Cego, essas coisas. É, eu dou
muita risada na hora, mas depois: "eu já vi esse filme alguma vez". Porque o que acaba
ficando mesmo são aqueles filmes mais chatos. Igual aquele filme do... o primeiro
filme iraniano que veio para cá, aquele Através das Oliveiras. Puta aquele filme eu
assisti no cinema, ali no Belas Artes, faz um tempão, eu estava morrendo de sono, mas
eu não esqueço daquela história. E chega a ser engraçado. Agora, se for um desses
filmecos americanos, essas comédias assim...
(por que não esquece?) Acho que é difícil de explicar. Não sei explicar isso não. Só
sei que eu não esqueço daquela coisa do cara ir atrás da menina. O nome dela é
Terereio (Tahereh), acho que chamava assim, não é? Ela se chamava, não é? Aquela
coisa do terremoto, do amor daquele cara por ela, indo atrás dela, mesmo ela não
querendo. O filme acaba assim, ela passando e ele atrás. Eu não esqueço disso. Agora
se for me perguntar de Quem ficou com Mary?, essas coisas, eu não me lembro não.
Mas eu acabo não esquecendo mesmo. Não sei se porque tem alguma coisa a ver com
minha vida. Pode ser, não é? Ou eles fazem você pensar na vida, em um motivo de
viver, no que você busca, ao invés desses filmes que são, assim, você assiste e tchau,
só fantasia mesmo. Eles fazem pensar na realidade. Será? Besteirada o que eu estou
falando.
(fantasia?) É, acho que eu acabo não contando. Acaba ela sendo... não conta muito. O
que conta mesmo são os filmes chatos. Por incrível que pareça, os mais chatos, até os
mais deprimentes acabam marcando. Vai entender, não é? Agora, esses outros, não,
você dá risada. Esse a gente... talvez seja de dar risada, não sei. Pode ser, não é? Mais
uma daquelas comédias lá.
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I) Estranhamento
36. O Pequeno Soldado
Olha, do Godard, sempre espera inovação, mesmo sabendo um pouco das obras e tal, e
conhecendo a filmografia, mas a inovação sempre vem porque é imprevisível. E eu
não sei, acho que tem uma coisa muito atual de política, social, então eu gosto por
isso. É que eu acho que ele é tão... não diria marginal, mas ele é tão fora do padrão,
apesar dele ser do movimento da Nouvelle Vague e seguir assim, por um caminho, ele
foge sempre do padrão dele, que é da inovação da linguagem cinematográfica. Ele
acaba criando em cada filme, no meu ponto de vista, não entendo muito de cinema,
mas eu acho que é isso, ele acaba criando em cada filme coisas novas que hoje em dia
você ainda não vê ninguém atualmente fazendo e nem fez nessa época toda. Acho que
esse filme, Pequeno Soldado, é de 63, não sei, você vê que de lá para cá... eu nunca vi
esse filme, mas acho que vai ser uma coisa que é única, uma experiência única. Ver
um filme do Godard é uma experiência única mesmo, é difícil. É assim, às vezes você
assiste até não gostando do filme. Eu vi um filme aqui no mês passado dele. Era Made
in Usa. Então, o filme é super estranho. Acho que ele causa esse estranhamento em
todo mundo que assiste e talvez depois de algum tempo você começa a associar
algumas coisas que você viu e aí você passa a gostar do filme. Não é um filme fácil.
Nenhum filme dele é fácil, eu acho. É, então, não é que é difícil gostar, mas é mais
complicado gostar. Acabou o filme você fala: "Bom. Ok". Depois de um tempo você
vai ver o que acontece. Então acho que é isso que me instiga mais a ver os filmes dele:
essa novidade que eu tinha falado, essa coisa do novo, talvez seja isso, de você assistir
e depois de um tempo perceber que aquilo era muito legal, sem estar explícito ali. É
uma coisa que ele faz e que não é de fácil... assim, não é que não é para qualquer um,
mas é que acho que você tem que pensar um pouquinho mais para poder gostar. Não é
só assistir e falar "Ai, que legal". Acho que é por isso que os filmes dele... acho que se
daqui a 10 anos passar esse mesmo filme, acho que vai ser diferente assistir. Talvez
pela sociedade, pela situação política do país e do mundo. Mas os filmes dele são
sempre atuais porque ele trata do... acho que do ser humano e das coisas que o ser
humano faz na sua raiz. Acho que é isso.
Bom, como toda expectativa quando venho ver filme do Godard ou... é a questão do
cinema que não vem enlatado, que vai me fazer... vai fazer com que eu saia mais com
perguntas do que respostas. Para mim é mais interessante, uma questão pessoal, talvez.
37
À saída do cinema
Como foi o filme?
Teve alguma coisa que você destacaria do filme (ou que lhe chamou a atenção)?4
37. Bodas de Sangue
Olha, foi uma peça teatral. Eu pensei que fosse um drama, fosse uma festa. Minha
expectativa era outra porque eu não li que era uma peça teatral, eu não sabia nada
sobre o filme. Mas eu acho que como uma peça teatral foi bom, não é? A gente vê a
dança deles, são bons dançarinos. Só que eu preferia assistir em um teatro. É isso,
nada mais. Não tem mais o que falar, não é? Acho o balé espanhol, eu acho lindo a
dança espanhola. Você vê aquela hora do balé deles, da briga: a harmonia, não é? Que
coisa, fantástica, não é? Isso aí é muito bonito. Agora para ver assim achei um pouco
monótono, cansativo, apesar de ser um filme curto. Porque, primeiro não saiu... é que
sendo peça não podia sair do mesmo cenário. Não mudou de cenário, foi só dança o
tempo todo, diálogos poucos, só teve o ensaio praticamente. Porque você só vê o
ensaio lá e depois a representação da peça. Então achei assim, um pouco monótono.
(e a fantasia?) A fantasia, não é, realmente não é em todos os filmes, em todo filme
que a gente fantasia. Realmente esse daí ele mais me cansou. A poltrona não é? Ele
mais me cansou. Achei mais cansativo do que... Não cheguei a fantasiar nesse filme.
Eu estava esperando diferente, não é? Bodas de sangue? Eu pensei que fosse alguma
tragédia em um casamento. Mais ação, não é? Mas como balé foi excelente.
38. Revelações
Ah, a história parecia ser meio de suspense, mas decepcionou um pouco. Não, o filme
é parado, parado. A história é meio lenta. Não tem muita ação, mas é legal o filme. É,
a história é legal. O filme é assim, meio lento, dá um pouco de sono. Lento? Tipo, é
um cara contando uma história e tal e não tem muita ação. É só, tipo, vai e volta no
passado, contando a história. É um pouco confuso. Então, a história é boa, mas o filme
não tem muita ação. E é mal contado, não é? É, o roteiro em si é bom, só que depende
do gosto da pessoa. Eu prefiro mais ação. É, mais aventura mesmo, com efeitos
4 Foi difícil estabelecer unidades temáticas a partir destas respostas. Entre outras coisas, fala-se de um descontentamento pela monotonia, falta de ação e lentidão, de uma atemporalidade, de uma experiência coletiva/íntima nos cinemas; destacam-se o trabalho dos diretores, o estilo de condução das cenas e a estética dos filmes.
38
especiais, mais ação mesmo. Esse aí era mais a história em si. A história que era muito
boa, mas o filme era meio parado.
(a história?) O que interessou? Ah, o final, quando a gente descobre que ele traiu toda
família dele e tal. Que era inesperado, não é? É, o final valeu a pena pelo filme porque
a gente entendeu a história, o começo do filme, o acidente e tudo lá. Foi isso. O ruim
do filme mesmo é que ele é confuso de se entender. Você tem que prestar bastante
atenção, ele é meio lento, ele te dá um pouco de sono.
(confusão?) Confusão, assim, que a gente não sabe quando está falando, não explica
muito bem. Fica bem aberto. Bem no final só que você sabe. Não é aquela coisa que
você já fica imaginando como é que vai ser. Não, é só no final mesmo que você
descobre.
(comentei sobre as pessoas que saíram no meio do filme) É, tinha várias saindo. É
porque o filme não... a gente assistiu um filme também que era meio parado... ah,
aquele A Vingança de Willard, também era paraaaado. É que tinha muito diálogo o
filme, aí torna uma coisa meio cansativa, monótona. Tem muita fala e pouca ação. É,
igual aquele filme Corpo Fechado. Tipo, a história é boa só que muito parado, assim,
muito cansativo.
39. Tomb Raider 2
Foi legal. É, como eu falei antes, um filme que foi no geral muito bom, mas deu umas
forçadinhas também. No comecinho ela dá um soco em um tubarão que eu achei um
pouco exagerado, mas tirando isso foi um filme muito bom. Aí, bom meu pai fala uma
coisa que um filme muito forçado só é bom quando é comédia, mas mesmo assim, é só
às vezes, naquelas situações forçadas. Mas quebra um pouquinho a emoção na hora.
Mas para gente rir mesmo da situação, eu acho que foi bom.
Ah, foi legal. Teve algumas partes que eram realmente muito fora do comum, como a
parte que eles pulam de pára-quedas de um prédio ou quando descem de uma
montanha, escorregando por uma corda de cabeça para baixo: essas coisas foram até
mais ou menos aceitáveis, mas aquela parte do tubarão, realmente, foi para gente rir
mesmo, porque não dá para levar aquela história, aquela parte a sério. Algumas
pessoas podem não ter gostado, podem não gostar porque quebra... foi uma quebra do
ritmo do filme, mas eu percebi que foi para gente rir mesmo naquela hora, então eu
acho que foi bem colocado.
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Ah, foi normal eu... muita gente até pode dizer que não foi de bom gosto. Poderia ser,
mas eu percebi que eles colocaram mesmo para fazer graça. Se fosse uma parte mais
séria a gente até podia fazer uma crítica mais dura ao filme, mas deu para notar que foi
para rir mesmo. Não dá para se levar a sério aquele momento. A Lara mergulha sem
máscara de oxigênio, nada, corta o pulso para atrair o tubarão e quando ele vem ela dá
um soco nele: não dá para levar isso a sério. Foi então... Mas depois disso o filme
seguiu o caminho normal. Foi uma piadinha só para quebrar o gelo, mas depois o
filme seguiu o ritmo normal e com uma história mais séria e aí o resto do filme foi
muito bom.
Ah, deixa eu ver, hum... acho que eu gostei da hora que pularam de pára-quedas do
prédio. Aquela história acho que foi a mais emocionante do filme, com certeza. Eles
usaram uma roupa para planar para fora da cidade e quando estavam sobre o mar,
abriram os pára-quedas. Eu acho que essa foi a melhor, a mais emocionante do filme,
com certeza.
Quando a gente está vendo o filme a gente nem pisca, tem algumas partes em que a
gente fica só olhando para tela com medo de perder algum lance. Alguns filmes tem
muito disso, mas nesse filme não teve muitos não, só aquela parte do tubarão que
acabou meio, meio que cômica e a do prédio que eles pularam, mas tirando isso não
teve muitas partes de cair o queixo. Só essas duas mesmo.
40. Sexo, Amor e Traição
Puts, cara, muito legal. Muito legal. Puta, vale muito a pena assistir o filme. É
divertido, é inteligente, é legal. Eu gostei para caramba, muito mais do que eu
esperava. Eu pensava que ia ser mais fraquinho. Ah, eu pensava que não ia ter uma
história legal, ia ser só palhaçada e muito pelo contrário, tem uma história interessante.
Ah, meu, o jeito que eles abordaram é muito engraçado. É cômico o jeito que eles
abordam. São dois apartamentos um de frente para o outro. Vendo o filme você vai ver
que o formato que eles adotaram é legal e o jeito que é colocado é engraçado. Não é
hilariante o tempo inteiro, tem até umas partes que você fica meio assim, mas é bom.
Então, o tema é bem trabalhado, eu achei, assim... é bem discutida a coisa do... como
ela tinha dito no começo, não é, a coisa do amor, do sexo, não é, a traição é bem
discutida no tema, no filme, além de ser engraçado para caramba. E a história tem uma
consistência. Meu, é muito o que acontece no real mesmo, apesar de ser meio
estereotipado no cinema, mas acho que rola desse jeito mesmo no real. Não de
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apartamento de frente como você vai chegar a ver, mas essas maluquices é engraçado.
É legal, gostei demais. Certamente eu estou saindo mais animado daqui. Como eu
tinha te dito no começo, a idéia inicial de vir ao cinema e sair alegrinho, funcionou.
41. Crônica de um Verão
Ele pega personagens fantásticos, tem diálogos lindos, tem cenas lindas, tem, sabe, a
pessoa que você vê assim... até tem uma personagem que é o máximo, que é uma
mulher italiana, que ele faz um entrevista com ela e depois de duas semanas ele faz
uma nova entrevista com ela. E na primeira entrevista ela está extremamente
deprimida, triste, achando que nada do que ela fez valeu a pena etc. etc., e na segunda,
ela está feliz porque ela descobriu o amor e é lindo, é lindo. É uma coisa super singela.
Ela é uma mulher fantástica que demonstra muito as emoções, assim, a expressão
facial dela é linda e é um momento super gostoso no filme.
Ah, porque ela é uma pessoa que expõe muito as emoções dela no rosto, sabe, na fala,
ela fica completamente nua diante da câmera e é tão forte você ver uma pessoa que
consegue... que, enfim, tem esse desprendimento. Você enxergar a alma da pessoa,
sabe? Você tem a sensação de que você viu a alma daquela pessoa: isso é o mais lindo.
Quando você consegue fazer isso, puta, você fez a... A arte do cinema é essa: você
mostrar a alma de uma pessoa. A arte da fotografia é essa, quando você consegue
fotografar uma pessoa e conseguir com aquela imagem enxergar a pessoa e ele
conseguiu fazer isso com essa mulher, por isso que me tocou mais, foi a que eu mais...
a personagem que eu mais gostei. Acho que a arte é isso, é você ser tocado de alguma
forma, seja te trazendo coisas, emoções boas, emoções difíceis, emoções ruins ou
trazendo à tona coisas suas e questionamentos: nesse sentido o filme é nota mil.
42. Cinema Paradiso
Ah, legal. Esse diretor aí, tem um outro filme dele que eu gosto muito, se eu não me
engano, se chama Malena. Vou falar um negócio que vai parecer um pouco teórico,
mas o outro filme eu gosto bastante por questões meio pessoais. E nesse filme eu vejo
um estilo muito parecido de trabalhar com a criança, de trabalhar com o período da
guerra, trabalhar com a questão do passado, do presente. Mas nesse filme, o que às
vezes incomoda, particularmente, é um certo excesso de sentimentalismo. Às vezes, é
claro, eu acabo sendo tocado como qualquer um, mas às vezes a gente luta meio que
contra isso. Tem uma certa resistência e isso às vezes incomoda um pouco, mas é
legal, é interessante.
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É, eu acho que, no caso, é o estilo. Talvez não o agrade. Talvez me agrade pouco
também, mas é estilo. Eu acho que não acontece... que não pode acontecer mesmo,
talvez aconteça um pouco nesse filme, é você ter como propósito o cinema, ou
qualquer outro tipo de arte, só para emocionar, só para fazer chorar. Fez chorar, é bom.
Que é um pouco o que as pessoas pensam. Mas nem sempre chorar é bom (ri). E nem
sempre você chora por um motivo... Não quer dizer que porque o filme fez chorar
que...
43. O Pântano
Deprimente. O outro filme também era deprimente. Esse aí também. O outro também
já era deprimente, o que eu assisti antes, o Anti-herói Americano. É que eu nunca saio
no meio, vou até o final. Esse filme é complicado, viu? Sei lá, não é? Cansa, cansa,
para assistir. Se eu tivesse com sono teria dormido ali porque, sei lá, o cara fazer um
filme desse jeito. Com o diretor? Não sei, porque você nunca vai imaginar que um cara
vai fazer um filme desse jeito. Ainda mais que assim, eu assisti uns filmes argentinos e
eu nunca esperava um filme assim tão para baixo. É, O Filho da Noiva, Kamchatka,
Nove Rainhas, essas coisas engraçadas. Aí você pega um troços desses aí, pesadão
mesmo, se comparado. Eu sou péssimo para falar sobre filmes, viu, você me desculpa.
Eu nem quero ouvir falar mais o nome dessa mulher, essa Lucrécia, a diretora. Deus
me livre, quero passar longe desse nome. Não sabia que existia. Esse filme ganhou um
prêmio, eu estava vendo ali. Veneza, alguma coisa assim.
44. O Pequeno Soldado
Então eu confesso que o mais difícil na verdade é a estética que ele propõe que é meio,
não é que é fora... é totalmente fora dos padrões, na verdade. Então, por ter um ritmo
que é muito dele, fica meio difícil acompanhar. Confesso que teve alguns momentos
que me deu um certo cansaço, mas acho que é por pura falta de hábito.
(falta de hábito?) É, no sentido do ritmo do filme mesmo porque o que a gente vê
geralmente é uma proposta, é um ritmo diferente, as coisas vão acontecendo e ele
constrói de uma forma diferente, pelo menos para mim ficou isso. Eu sinto que é uma
coisa mais lenta: coisa do cinema francês também, mas mesmo o trabalho do elenco é
uma coisa meio inexpressiva, em certo sentido, o que vai deixando o texto mais
evidente. Então você vê que ele trabalha muito mais a questão intelectual do que o
melodramático. Ele te pega, ele te emociona, mas noutro sentido, em uma outra
sensibilidade.
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45. Irreversível
Ah, o Irreversível foi... foi interessante, embora ele me lembra muito o Amnésia, ele é
contado de trás para frente. Depois de 20, 25 minutos que você começa a se adaptar à
história. Você não pega a história já desde o início, você começa aí depois que você
vai perceber que a história é de trás para frente. E é interessante porque ele é bem mais
original que o Amnésia, embora bem mais violento.
(original?) Ah, em relação à história. Em relação à história ele é bem mais original,
em relação à direção, tudo. Eu acho que é bem mais original. Eu acho que Amnésia foi
uma coisa meio normalzinha, ele é um filme normal. Não que este (Irreversível) seja
normal, mas ele... os personagens são mais interessantes, eles tem mais dados para
mostrar, tem um comportamento diferente em relação aos outros de Amnésia. Por isso
que eu falo que Amnésia é normal.
(as personagens?) Eles são mais underground, eles não tem aquela coisa de ser
normal, de ter um trabalho. Melhor: eles nem comentam o que eles fazem, o que eles...
em relação à profissão deles, nada. Simplesmente, eles são colocados, assim não tem
uma preocupação com as estruturas de profissão, nem nada e eu acho isso legal, por
isso que eu acho que... Já Amnésia, não. Ele tem aquele tom: "olha eu sou assim, eu
sou assado" e parece que esse não tem nada, não existe essa preocupação. Eu acho que
é isso.
Eu acho que ele foi bastante, bastante violento. Eu até fiquei meio chocado com
algumas cenas que foram mostradas, cenas de sexo, de estupro e é bem a cara do filme
se você olha assim. Eu acho que tem bem esse submundo. Mas já agora no início, ou
seja, no final, já que acontece de trás para frente, ele ameniza mais essa situação, ele
fica mais poético, as cenas de sexo e tudo o mais. Eu acho que ele fica mais poético,
fica bem... ele vai amenizando. Eu acho que o final dele foi bem trágico.
(underground?) O underground é mais o submundo. Eu acho que não uma coisa assim
que está... que é normal. Ele está por baixo, ele não está visível, ele está assim meio
que por baixo, meio que escondido, meio empoeirado. Acho que é bem por aí o
underground. É triste, é melancólico, é depressivo. É depressivo, eu acho, é violento.
Depende pela visão... você vê, muitas vezes eu tenho uma ótica assim: "pô, é poético",
mesmo sendo decadente, ele é poético. Mas às vezes não, às vezes ele não é poético
coisa nenhuma. Ele é aquela coisa forte mesmo. Ah, o poético é legal. Você vê, você
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gosta, você tem uma... como fala... você tem um carinho especial por aquilo. Ele faz
bem você ver aquilo. Eu acho legal. Eu acho que é isso.
46. 21 Gramas
É... Ah... o filme não é na seqüência, sabe? Tipo, você assistiu o Amnésia? É tipo
assim. Na verdade porque Amnésia ele é todo realmente do final para o começo e esse
não, ele tem detalhes do final... começo com o meio. Você vai entendendo a trama,
assim... é uma bagunça. É, é uma bagunça. Para você entender, você tem que, não é,
sei lá, tem que concentrar e... Ah, no final meio que rolou a surpresa, mas... meio que
não rolou assim, sabe? Eu não sei. No começo a gente não entendia nada. Parecia tudo
estranho porque eram imagens de pessoas que não tinham nada a ver uma com a outra;
tinha passado e futuro, umas coisas assim... tudo misturado assim. É, aí foi criando
uma trama, foi tendo uma lógica... Ih, você não assistiu o filme, não é? Não, não vou
contar porque é muito bom. O cara vai preso e a culpa é dele, mas não é dele. Ele tem
hora que ele quer se condenar, mas ele não tem culpa nenhuma. E o cara tinha sido
preso antes, aí ele se voltou totalmente para Jesus, depois ele fala que Jesus traiu ele.
Tem umas coisas assim também, religião.
É, para mim foi diferente dos filmes que costumam ter. O final até que surpreende
porque... Bom, eu não estava esperando aquele final de não ter rolado o que eu achei
que tinha rolado, antes. É, na metade do filme eu pensei... eu tinha perdido totalmente
a expectativa do filme. Você tinha certeza de uma coisa e no final você vê que aquilo
não era o que você estava pensando. É, então porque no meio mostrou, tipo, mais ou
menos, o cara matando o outro. Só que na verdade o cara não morreu. Quer dizer,
morreu, mas não foi o cara que matou. É, na verdade eu tinha pensado que eu já sabia
o fim e me desinteressei um pouco do filme. Mas aí você continua assistindo o filme e
você vê que não é aquilo, que o fim não é aquele mesmo.
47. A Margem
É, eu gostei do filme, o filme é interessante porque ele tem uma estética que não tem
diálogo no filme. Só tem um momento que uma personagem pergunta para o outro e
ele dá a resposta. O tempo todo há uma certa incomunicabilidade entre as personagens.
Eu achei interessante a estética do filme. Claro que tem problemas técnicos e tal, da
época que foi feito o filme e tal e percebe uma influência muito grande dos filmes de
Fellini. É, percebe que tem influências e tal alguns personagens, a própria postura dos
personagens lembra um pouco as personagens do Fellini.
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Ah, com certeza, gostei muito. Gostei muito. É um filme que com certeza não vou
esquecer, não. O filme é todo feito em locação, então, quer dizer, você vê a margem da
rodovia, do Tietê, muito interessante. Não há um momento que haja uma cena de
estúdio, é todo feito em locação e com isso sempre se vislumbra a realidade daquela
época, você faz uma viagem para aquela época. É, você vê uma certa coisa de
ruralidade nas margens do rio e aos poucos, depois com o decorrer do filme, começa a
haver deslocamento dessa população marginal para o centro de São Paulo e esse
deslocamento se dá com a forma de (ele é mostrado pela) perspectiva da população
daquela realidade e achei interessante essa colocação.
48. O Pequeno Soldado
O filme tem uma narração do personagem... O personagem principal, ele narra o filme
todo e ele comenta algumas cenas do filme mesmo. Ele acaba comentando algumas
coisas que vão acontecendo e até ele acaba prevendo, segundos antes, coisas que vão
acontecer. Então isso também ficou muito marcado, ficou... Uma coisa bem legal foi
essa narração que eu nunca tinha visto.
Eu acho que as cenas de tortura ficaram muito fixas. É engraçado que a violência é
diferente. É uma violência que você sente, não que você vê. Você está assistindo, claro
que você percebe o que está sendo feito, mas sente aquilo. Parece que foi feito de uma
forma que fosse para pessoa realmente sentir e não só assistir.
As cenas de tortura eu achei bem cruas, tocam. Acho que é o momento que mais
provoca, eram as cenas de tortura. E tratada de uma forma meio simples e na verdade
era muito forte. Talvez até por isso tenha dado tanto força, pelo tratamento.
49. A Paixão de Cristo
Para mim foi terrível, foi horrível. Muito violento demais e acho que tem coisas mais
gostosas de se relatar da vida do Cristo, independentemente... sei lá, eu acho que...
achei muito exagerado. Acho que realmente é um filme que... uma vez que a gente está
falando de religiões, acho que levanta paixões e eu não sou católica. Mas essa questão,
essa polêmica de levantar de novo os ódios contra os judeus, realmente eu acho que
não era necessário.
Esse filme, ele toca... ele é a coisa que não poderia ter. Esse momento é muito
impróprio para falar entre divergências religiosas. Você lá, uma bomba estoura porque
estão... na Sérvia, agora lá os sérvios e os muçulmanos estão se atacando novamente lá
em Montenegro, em Kosovo, aliás. Quer dizer, de uma certa forma, esses outros
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eventos no Iraque, ultimamente agora essa coisa da Espanha, acho que reacende um
pouco esse... essa paixão. Acho que o nome é bem correto para o filme, essa paixão de
você ultrapassar quaisquer limites humanos em favor de um fundamentalismo
religioso. Então eu acho que esse filme tem um nome certo: paixão. Apaixonadamente
exacerbado.
Quantos filmes não foram feitos sobre os últimos dias de Cristo e... A Última Tentação
de Cristo, enfim, que você vê o sofrimento dele, mas ali, não, é uma carnificina. Tem
um caráter muito reflexivo outros filmes, por exemplo, aquele cara que fez Invasões
Bárbaras... Mas esses filmes, levam à reflexão: um Jesus mais humano. Claro que tem
uma mensagem, um Jesus que inclusive transa com a Maria Madalena. É legal
imaginar isso porque, afinal de contas, o cara era bem mais humano do que a gente
pensa.
Por exemplo o filme 21 Gramas, para mim, foi extremamente mais pesado,
devastadoramente incomodativo e não tinha quase... tinha sangue, teve briga, certo e
tal, mas, puxa, não chegava perto desse acinte. E foi um filme altamente reflexivo.
Para mim foi um filme marcante. Fala também sobre a morte, sobre a violência, sobre
as condições de vida desfavoráveis e leva a uma reflexão, leva... na verdade leva a
uma reflexão sobre o perdedor e o ganhador, do ponto de vista da vida, vamos dizer
assim. Mas para quê litros de groselha para dizer isso?
Mas eu acho que esse filme... o fato só pode acontecer porque há uma demanda por
violência, por sangue, por uma incitação de ódio, de apontar quem são os culpados.
Existe essa demanda. Olha, você vê, Bush quer achar que o Iraque, dominando o
Iraque você vai ter paz. Então a gente hoje vive de uma certa forma nessa neurose de
achar culpados, de exorcizar os próprios demônios em praça pública. A gente até na
faculdade fez um trabalho chamado "A Estetização do Mal e da Violência" e a gente
explorou um pouco essa sede e esse consumo, essa demanda, essa vontade das pessoas
verem o sangue, o feio, a violência. Quer dizer, você superando os limites da arte.
Porque se a proposta do cinema é uma arte, eu acho que é um péssimo veículo para
você, esse filme...
Tem tanta coisa mais interessante para passar dele, independentemente do fato de você
acreditar nele ou não acreditar, enfim, acho que tem ensinamentos tão mais bonitos,
tantas coisas mais lindas para você tratar em um filme que eu acho que esses últimos
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momentos e esse lado super acusatório do povo judeu em relação à crucificação dele,
da morte dele, eu acho desnecessário, eu acho muito...
A pergunta que eu faço é a seguinte: Tanto sangue para dar náusea no espectador, para
quê? Qual a finalidade? Não há utilidade a exposição de tamanha violência, tamanha
crueldade. Me lembrou muito Gladiador, que também é do Mel Gibson (na verdade,
do Russel Crowe), que tinha aquelas mortes bárbaras lá na toca dos leões. A minha
pergunta é "Diante de tanta violência real, porque a gente vive... pelo menos na cidade
de São Paulo a gente está sujeito a ver coisas feias... para que você se prestar a usar
dos recursos audiovisuais, da música, porque a trilha sonora é fortíssima também...
assim, de que forma, qual é a finalidade de fazer esse tipo de arte? Só se tiver
realmente uma mensagem muito... Para que usar recursos tão bárbaros para... Então
use recursos audiovisuais bem usados, do ponto de vista estético, do belo, para dar
uma mensagem melhor, não uma mensagem que ele matou, que foi crucificado, que
ele sofreu, que foram os judeus que foram os maus, que era rei deles...
50. Irreversível
(sobre a violência nos filmes, há pessoas que falam: "ah, não quero ir para o cinema
para...) Para não ver a violência? Mas engraçado, por exemplo, eu não sei se Matrix
tem violência, eu não sei se SWAT... tem aquelas batidas de carro, soldados correndo,
aquelas coisas todas. Eu não acho isso... eu já vivencio aquilo. Mas desse cinema que
eu te falo que é o underground parece que a violência é diferente. Eu acho que ela está
envolvendo os personagens ali em si. Tem uma coisa... ele é mais fechado. É, não é
uma coisa assim que... A personagem participa daquela violência. Eu acho que ele é
levado àquela situação. Eu acho que tem toda uma seqüência que envolve os
personagens. É diferente dessa coisa que é a violência aberta. É tipo assim, esse filme
SWAT, esses outros que você vê. Eu acho que é diferente, se você comparar as
violências. Uma violência do SWAT, por exemplo, ou do Matrix, eu acho que é
diferente. Eu acho que a do Irreversível é mais compactada, entendeu? Não sei se você
consegue captar?
51. Noite Vazia
Então algumas coisas me incomodam. Tinha gente falando, mas aí eu percebi que não
ia ter muito jeito porque, sei lá, aquela pessoa estava se identificando, estava
identificando um monte de coisas, acho. Então ele estava meio que interagindo com o
filme e aí eu falei "Bom, vou ficar o filme inteiro fazendo psiu?", então, relaxei. Mas
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é, tem essa... bom, o fato também de ser uma experiência coletiva tem isso também.
Quer dizer, se fosse a sala só para mim, aí realmente não ia falar nada e assistir ao
filme em silêncio. Mas aí é como estar em casa em uma tela grande. Mas é,
experiência coletiva tem dessas coisas também. Apesar de que você vê que as pessoas
procuram se sentar meio separadas. Quer dizer não está todo mundo sentando na
mesma fileira. Exatamente, apesar de ser coletivo, é interessante, as pessoas buscam
um espacinho seu dentro da sala. Experiência coletiva, não sei, talvez seria mais em
outros gêneros de filme, talvez uma comédia ou em um filme de suspense. Esses
filmes mais introspectivos, em uma temática mais existencial, acho que tem mais essa
coisa das pessoas ficarem mesmo no seu mundo, meio que interagindo com o filme,
mas é uma coisa mais íntima, mais fechada. Enquanto que em uma comédia, sei lá,
tem aqueles momentos em que todo mundo ri junto, então acho que aquilo cria
também um negócio. Ou em um suspense todo mundo fica tenso nos mesmos
momentos. Talvez aí essa experiência coletiva seja mais visível. Realmente aqui nesse
caso era uma coisa mesmo de isolamento. Apesar de estar na mesma sala todo mundo,
mas acho que rola mais isso.
52. Crônica de um Verão
Amei, amei. Achei maravilhoso, um puta filme, muito bom, muito bom. Ah, um filme
que... é um daqueles poucos filmes que você sabe que são eternos, que pode ter sido
feito nos anos 60 e se fosse feito hoje... ele fala de questões que são atuais, questões
que são eternas, eu acho. E, puts, isso é o máximo em um filme, isso é maravilhoso.
É... puta, é um filme que discute um monte de questões, relacionadas à felicidade, as
pessoas... a questão do trabalho, as pessoas não estão felizes no trabalho, que elas
trabalham que nem loucas para obter um... para entrar de férias ou para ter um carro ou
para ter uma roupa, enfim, passam um dia-a-dia difícil, desagradável, chato porque
assim que é a sociedade moderna e isso é uma questão que é muito atual, eu acho. Eu
acho que hoje em dia eu vejo muitas pessoas fazendo os mesmos tipos de
questionamentos: bom, vale a pena? Vale a pena você trabalhar 9 horas por dia,
fazendo o que quer que seja e dormir 8 horas para conseguir trabalhar as outras 9 e
isso, sabe, no outro dia e no outro dia e no outro dia... Então isso é uma questão super
forte no filme. É um filme que fala mais sobre a infelicidade do que sobre a felicidade.
Você vê que as pessoas não estão realmente felizes.
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53. Noite Vazia
Então, apesar de eu saber, tudo bem, que era anos 60, mas eu senti que muita...
praticamente nada mudou das relações humanas, na verdade. Isso que eu senti um
pouco também, quer dizer, mesmo hoje, com várias coisas diferentes, ainda as pessoas
continuam na mesma busca que elas. Eu, você, enfim, isso ao longo do filme eu senti
isso também. Quer dizer, é um filme que fala de coisas que estão aí, que vão sempre
estar aí, que acontecem comigo, com outras, com aquelas pessoas que estavam... com
as personagens. Uma sensação de pertencer, de universalidade, um coisa meio
atemporal. Achei legal, eu gosto de sentir isso em um filme. Tudo bem, ele pode ser
meio datado em termos de roupas, as cenas externas e tal, mas por outro lado, não, não
é datado porque as pessoas continuam buscando algum significado, as pessoas
continuam entediadas ou tentando se divertir ou pagando para se divertir. Aquilo de
você tentar fugir daquele cotidiano, mas você meio que se engana que está se
divertindo. Enfim, está tudo vazio, não está acontecendo nada. Enfim, toda essa
essência continua existindo e acho legal isso.
Mexer, influenciar, mobilizar, afetar, relacionar, dialogar com sua vida?
F) Par atração/distração
54. Tomb Raider 2
(ri) Ah, o Tomb Raider não tem nada a ver com o meu cotidiano. O meu cotidiano é
acordar, trabalhar, estudar para o vestibular e dormir. Tem nada a ver com viagens
pelo mundo, decifrar enigmas, lutar com terroristas, não tem nada a ver com meu
cotidiano, mas ainda assim foi um passatempo. Eu gostei do passatempo. Foi bom
para... Eu assistiria de novo.
Afetou a minha vida? Não, eu acho que não. Um filme de ação é que nem uma revista
em quadrinhos: você lê, gosta, depois guarda e se der vontade você assiste de novo.
Assim, não foi que nem aqueles filmes clássicos, emocionantes, tudo mais. Foi um
filme de ação, não foi nada tipo, como é que posso dizer, não teve nenhuma daquelas,
como se diz, críticas à realidade. Se fosse um filme tipo Rain Man ou coisa parecida
ou Amistad ou coisa parecida até poderia influenciar alguma coisa, mas filme de ação
em geral é diversão com ela mesma. Então acho que a não ser para assistir mais tarde,
quando sai na locadora, em casa, com a família, acho que não muda muita coisa.
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Como eu penso na diversão? Ah, diversão é para gente... Na verdade, é meio que uma
rotina, uma coisa semanal que a gente faz. Uma coisa, tipo, toda semana a gente sai
para se distrair um pouquinho para, até para agüentar mesmo essa rotina, a gente
precisa de vez em quando. É importante a gente não ficar só, ficar só, como se diz,
pensando em coisas sérias o tempo todo, senão acaba nem rendendo tanto assim.
55. Pequenos Espiões 3D
No cinema, lá você está lá assistindo, sem fazer nada. Você só está lá sentado vendo,
prestando atenção. Deixa eu ver... você se sente como se você estivesse lá. Você sente
como se estivesse lá, você está fazendo aquilo que eles fazem e também tem muita
gente que às vezes sente atração por cinema. E também, que nem a minha mãe, a
minha mãe, é difícil ela sair de casa por causa que tem os deveres de casa. Aí a minha
mãe faz e não pode assistir. Aí minha mãe tem que... Não dá tempo para minha mãe
vir aqui assistir filme por causa disso. E também, você se sente mais feliz assistindo
pelo que eles fazem pela família. Também porque é bom assistir, porque você também
se sente bem assistindo, te acalma. E só isso também.
(sair feliz?) Tipo assim, de ver eles ajudando a família. Tipo, se um dia acontecer
alguma coisa na sua casa e você também poder ajudar. Você tentar fazer alguma coisa
para poder ajudar, também. Só.
G) Acréscimos.
56. The Matrix Revolutions
Acho que todo filme, por mais que seja ruim ou bom, eu sempre acho que ele sempre
traz um mensagem para gente. Sempre tem alguma mensagem de bom ou ruim que o
filme transmite. É, porque olha, eu fiz bastante a parte de você se entregar ao filme
porque é interessante, qualquer filme que você for assistir, todo filme ele tem uma
mensagem, seja ela boa ou ruim, não é? Você se entregando ao filme, você passa a ter
um pouco mais de percepção nos pequenos detalhes. E isso é um ponto que eu acho
crucial para você poder puxar alguma coisa de bom. Sempre trazer algo de bom, nunca
de ruim, mas sempre algo de bom trazer para você, para você poder, muitas vezes não
colocar em prática, mas muitas vezes você poderia pegar e colocar em prática.
Então... depende muito do filme, depende muito da pessoa, como que ela pode trazer
para si a própria fantasia do filme para si. Cada um vai assimilar o filme diferente. Se
você depois no final vai pegar três ou quatro pessoas para perguntar do filme,
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nenhuma vai falar a mesma coisa que a outra, sabe? Cada um vai ter um visual do
filme, vai ter captado uma mensagem diferente, o que um não captou o outro vai, vai
te passar, vai demonstrar... No meu caso, eu tento trazer o lado... O que você tem que
trazer é o lado positivo, aquilo que o filme te demonstra, assim, uma mensagem. Aí
você tira a mensagem e você traz para sua vida a mensagem que o filme te passou.
Ah, esse filme, especificamente falando dele, ele me mostrou o seguinte: sempre lute,
jamais desista, perca sua fé naquilo que você acredita. Se você lutar, se você persistir e
se você, principalmente, acreditar naquilo que você quer, você consegue.
Não perca a sua fé e sempre persistindo naquilo que você acha que é certo, naquilo que
você tem como... como estímulo para poder chegar e fazer alguma coisa na faculdade
ou no próprio trabalho. Nunca desista, sempre acredite em si mesmo e ponha muita fé
que dá certo.
O Morfeu, desde o início do filme ele sempre acreditou naquilo que ele fazia. E
acreditava e se entregava de coração àquilo que ele fazia. Trazendo isso para vida da
gente, muitas vezes a gente deixa de concluir alguma coisa porque a gente deixa de
acreditar, não no trabalho, a gente deixa de acreditar em si mesmo.
57. Encantadora de Baleias
A cena do término da construção do barco é interessante. É, o final do filme, não é,
onde estão todos unidos. A mensagem dela é que todos vão vencer e todos agora vão
ficar unidos, porque ela queria a união de todos e ela conseguiu. Esse barco
representou na realidade... O pai quando a esposa faleceu ele foi embora, saiu do local,
foi para a Europa, foi para a França, depois para a Alemanha e tal. E ele então passou a
ser um artista. Ele vendia, fazia as esculturas dele e tudo mais e esse barco ficou
abandonado. O pai nem olhava para a cara dele, não se interessava. O pai não gostava
porque ele deixou uma filha, não um filho. Depois no final... quer dizer, ele volta,
termina de construir o barco, que é bem grande. Acho que um barco para umas 50
pessoas, todos remando. Então a idéia que dá para gente no final é essa: que a criança,
a menina conseguiu que o pai terminasse o barco... quer dizer, a concepção da
construção do barco foi na realidade a reunião de toda a aldeia. O avô aceitou a
menina porque ela conseguiu fazer coisas que ele não imaginava que ela pudesse
fazer. E voltou todo mundo, o filho dele voltou e aparece no barco quase todos os
homens da aldeia remando no barco que eles acabaram de construir juntos. A idéia foi
de que ela reuniu todo mundo novamente.
51
A cena... talvez a luta pela união, não só de classes, mas de pessoas. Que não haja
tanta competição. Todo mundo trabalhou junto para a mesma finalidade... Eu acho que
passa mais essa mensagem porque hoje em dia tem muita competição, um passa por
cima da cabeça do outro para chegar lá. E a mensagem do filme é que as pessoas
podem se unir e juntas, todos juntos conseguir ser felizes. Atingir objetivos, não é?
Acho que é essa a mensagem, também.
58. O Filho da Noiva
Para mim é uma lição de vida. Eu tenho problema de doença na minha família, eu em
vários momentos eu vi a situação da minha família, do meu pai e da minha mãe. Eu
não sei, eu achei lindíssimo o filme. Eu esperava uma coisa, assim, bem mais
descontraída e o filme passou uma mensagem de vida maravilhosa, apesar de eu ter
rido, mas eu ria e chorava ao mesmo tempo, porque muito bonito, muito bonito
mesmo. Porque o comentário que eu li da Vejinha, ele não passa isso para gente. Ele
passa que é um filho complicado, que é o filho da noiva, então você imagina alguém
fazendo estripulias na hora do casamento. Mas foi assim, maravilhoso. Achei muito
bonito esse filme, muito bom mesmo.
E aflorou bastante as emoções. De repente alguma coisa que estava encoberto ali,
aflorou. Por exemplo, ele buscava... o que me marcou muito foi ele buscar a mãe e
trazer para o convento. Você está entendendo? Isso para mim foi muito marcante. Ele
acabou tirando a mãe do asilo. Ela volta a estar no convívio deles. Isso para mim foi
gratificante até. Sabe, saber que ainda existe isso. Ainda existem pessoas que buscam
um resgate do contexto familiar. Eu tenho muito essa coisa com mãe.
É uma lição de vida. É o que eu falo para você, o que ele passa é uma reflexão de vida;
você pára e você reflete sobre a sua família, sobre a sociedade, sobre os problemas,
sobre a Igreja, não é? Aonde que estão as falhas.
Porque o filme mostra a lição de amor, mostra a família e o que você tem na família?
Você tem problemas, você tem comédia, você tem alegrias, você tem tristezas: isso é a
vida. Ele mostra a vida como ela é, não é? Porque retratou bem o cotidiano. Hoje eu
tenho problemas semelhantes a esses: eu tenho a minha mãe doente há muitos anos,
perdi meu pai há dois anos. Então passamos por momentos de doença... A minha mãe
é mais ou menos como essa... Eu nem esperava encontrar isso no filme, entendeu? Eu
achei lindo, porque eu falei: "nossa, está refletindo a vida, não é?". Gratificante
52
mesmo, não é? Gratificante pelo fato de saber que não é uma ficção só. É a realidade.
Eu acho que o autor, ele pegou bem a situação da vida real.
Mas eu acho assim, que o que você tem na vida? Você tem um pouquinho de cada
coisa, não é? A vida é feita de alegrias, de tristezas, eu acho que ele foi muito feliz no
enfoque. Ele mostrou uma família, não é? Com problemas. E na nossa vida, nas nossas
vidas, nas nossas famílias isso também acontece. É que às vezes a gente não atina para
situação, não atina para história da sua vida. Então a partir daí os espectadores devem
refletir sobre suas vidas, suas famílias: resgatar as suas famílias mesmo.
É, foi um alerta assim, sabe, na minha visão: "vamos reatar a família, reatar a história
da sua família, o porquê dos problemas que a sua família tem, como ela é formada,
sobre o aspecto profissional também. Ali, relata um restaurante, a minha família, por
exemplo, é formada por professores (ri). A nossa história é bem outra, não é, de luta. E
cada família tem a sua: tem lá as famílias que são construtores, outras que são feitas,
formadas, por pedreiros, marceneiros. Então o importante é resgatar as famílias,
entendeu? E resgatar a história da sua família e trabalhar isso dentro de você. Hoje
precisa muito o jovem.. deveria assistir isso, porque os jovens estão muito perdidos
também. Você vê: você está falando com uma pessoa e eu tenho 49 anos e ela tem 52.
Então a gente já tem meio século, já tem uma certa vivência. Mas um jovem que está
naquela rebeldia, meio perdido na sociedade, ele precisaria estar assistindo para estar
vendo, porque às vezes o jovem tem até vergonha dos seus pais, da sua família, acha
que a família do colega é melhor, não é? Então ele precisa sentir que a história dele
está embasada naquilo e a partir dali que ele vai se desenvolver, que ele vai resgatar. E
ele tem que dar importância a essa família, que é esse o alicerce dele aqui na Terra,
entendeu? Tanto que o pai fala, ele vai até mais além, ele fala: "eu vou estar do seu
lado na vida, na morte e depois dela".
59. A Paixão de Cristo
Eu posso imaginar pessoas que vêem isso com aquela paixão religiosa etc. e tal, acho
que deve mexer com elas e não sei se é necessário isso. Porque o filme é muito
acusador. É um filme que aponta mesmo "Olha, vocês, no caso os judeus, foram...",
não é só isso. Você não precisa nem ser religiosa. Você vê um filme assim, você fica
com raiva porque, meu, você vê um homem sofrer, mas assim, do princípio... 2 horas,
um horror, você vê os detalhes, você vê tudo. Você sai de lá... (ri) "Que bando de
anormais!", entendeu? Então, quer dizer, não tem como não mexer com você. Então
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imagina quem é católico, quem tem essa paixão, deve mexer mais ainda. Então, acho
que não me pareceu necessário. E desagradável de ver porque, pelo amor de Deus,
quer dizer... Eu não vi 15 minutos, pelo menos, do filme, porque eu não conseguia
nem ver.
É que você vê o sofrimento, você vê o cara ser linchado, você começa a sentir dor, não
tem jeito. Nesse sentido que eu estou falando. E se você sofre, não falei que era um
calvário. Você está lá sentado e você está sofrendo junto, não tem jeito. Você vê um
cara sendo... A ponto de você não conseguir ver certas cenas. Você vê a carne aberta.
É uma carnificina. Por exemplo, ele dá um aspecto, uma relevância, em termos de
tempo, no filme, muito grande para a hora do flagelo, antes de crucificarem. E que
assim, em toda a minha formação religiosa, eu nunca vi tamanha evidência para os
momentos... Foram pelo menos 15 minutos ali só de batida, de tortura, de porrada. E
quando a gente pensa que vai acabar, que eles soltam uma mão, é para começar... É
que ele cai de barriga para cima e eles começam a bater do outro lado. Quer dizer,
altamente desnecessário porque não tem uma mensagem aí. Não tem necessidade.
Qual é a necessidade de mostrar isso? É completamente desnecessário. Exatamente,
porque não tem reflexão. Só eventualmente quando quer avivar um sentimento anti-
semita e coisas que não interessam. Para quê? E é gratuito, você vê aquele cara sendo
trucidado. Não tem nada de interessante, só...
O que eu senti, eu não sei, o Mel Gibson eu também li na Folha, que tinha um artigo,
que ele é super... é de uma religião católica super... Aí a sensação que eu tive, com o
dedinho bem levantado: "Olha, não se esqueçam o quanto esse cara sofreu por vocês,
para redimir os vossos pecados; e vocês, judeus, não se esqueçam que vocês são os
culpados da morte". Ou seja, foi um negócio tão absurdo...
E quando na cruz, ele ressalta aquela coisa que o outro crucificado fala "Ei, judeus,
romanos, ele está rezando por vocês!". Aí o sumo sacerdote, que mandou crucificar,
fica todo alerta. Então como se ele dissesse: "Será?", quer dizer... eu acho que é uma
vontade de resgatar isso. Eu acho que o Mel Gibson não fez isso realmente para... A
proposta é muito clara. É isso, que nem estou falando "Olha, ei, não se esqueçam,
olha, vejam o quanto ele sofreu". Ou seja, acho que isso está claro.
60. O Último Samurai
Eu acho que não dá para estabelecer um paralelo, assim, em relação a hoje e a
realidade que a gente vive hoje. Quem sabe há um tempo atrás, quando existia tribos
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rivais e guerras, aí quem sabe? Mas eu acho que com o que a gente vive hoje, não tem
como estabelecer nenhum paralelo. Acho que o que dá... assim, o que dá para a gente
tirar do filme é a mensagem de, sabe, você sempre querer lutar para conquistar alguma
coisa, para você alcançar o seu objetivo, ser sempre mais, querer sempre alcançar
mais. Mas conciliar com o que a gente vive hoje, acho que não tem como.
Acho que dá para tirar um lição de vida mesmo, lição de perseverança, mas não um
paralelo mesmo.
Acho que mais a questão de você querer sempre lutar para você alcançar o que você
quer. Assim, eles não desistiram, nem no último momento... sem medo. Porque eles
sabiam que eles não iam ter condições de vencer a guerra e eles continuaram lutando.
Acho que isso é importante na vida da gente. Você nunca pode desistir, independente
da situação que você esteja. Eu acho que se você perseverar, você sempre ganha
alguma coisa.
Eu acho que ele ganha a honra. Eu acho importante, para mim, na minha vida, eu acho
isso uma coisa importante. É, você lutar pelo que você acredita sem... lutar pelo que
você realmente acredita, não pelo que os outros... não para agradar os outros ou para
fazer como ele faz... antes ele lutava porque ele era pago para lutar por uma causa que
não era a dele. Agora ele encontrou uma causa que é dele e ele foi e ele até fala que ele
teve medo, mas ele conseguiu controlar o medo. Para mim isso é uma coisa muito
importante porque eu sou uma pessoa extremamente medrosa. Eu tenho muito medo
de tudo. É, em todos os sentidos. Eu sou extremamente medroso em todos os sentidos.
Eu sou uma pessoa medrosa. E eu achei interessante, importante isso de controlar o
medo. Que o medo faz você deixar de fazer um monte de coisa em que você acredita.
Trabalhar a questão do medo? Se o filme dá elementos suficientes para eu trabalhar
essa questão do medo? Não sei, o filme mostra, dá flashes. Não mostra como eu devo
fazer para trabalhar essas coisas do medo. Quer dizer, não sei.
Eu acho que é mais um incentivo. Ele não quer que você saia do filme falando "nossa,
eu vou vencer todas as guerras agora", mas eu acho que ele te incentiva. Não que vai e
mostra para você que agora a partir do momento que você assiste o filme você vai ser
outra pessoa. Não acho isso. Mas eu acho que ele te incentiva, ajuda a ser uma pessoa
mais perseverante.
É, da outra vez, da primeira vez... é, dessa vez eu consegui ver algumas coisas, mas
dessa vez mexeu menos do que da outra vez. Talvez porque eu já sabia muita coisa do
55
que ia acontecer. Da outra vez eu saí bem mais pensativo do filme. Então, quando eu
saí do filme a primeira coisa que eu pensei foi: "nossa, eu preciso de alguma causa
para lutar". Porque o filme dá vontade de você ser o herói, dá vontade de você sair o
herói. Igual ela falou que o filme não quer que a gente saia o lutador, o Tom Cruise.
Pois é, mas às vezes a gente não se controla e sai dando vontade de lutar e aí eu pensei
em muita coisa que vale a pena a gente lutar, que a gente acredita. Não ter medo, ir
sem medo. Daí me veio à cabeça... quer dizer a gente tem medo do que pode machucar
a nossa vida, não é? Mas isso aí que me veio à cabeça: eles entregaram a vida pelo que
eles acreditavam. Não vou dizer que eu vou entregar a minha vida pelo que eu
acredito, porque senão vou chamar... Tom Crazy. Não, mas fazendo um paralelo, tem
coisas pelas quais vale a pena se sacrificar, eu acho, se você acredita. Quer dizer, não
ter medo. Eu tinha muito medo, muito medo antes. Vamos dizer, você vê alguém na
rua batendo... dois moleques batendo em uma senhora e você vira as costas e finge que
não vê. Não, vai lá e enfrenta, pô. Você está certo.
61. Revelações
No caso do filme não teve nada para nós. Mas tem muito filme que vem a calhar com
fatos da sua vida. Dependendo do filme, ver se a história cabe alguma coisa na sua
vida, algum fato da sua vida precisa refletir.
Ah, é que tem muitas vezes você... por exemplo, nunca aconteceu comigo, mas deve
ter que uma pessoa se identifica com alguma história e chega até a fazer alguma coisa
devido ao filme que ela viu. Chega a influenciar em alguma idéia da pessoa.
H) Entrelaçamentos
62. Cinema Paradiso
Ah, eu gostei muito, é um filme muito bonito. Mas eu não saberia dizer por quê eu
gostei. Gostei porque é bonito, porque trata de coisas que todos, de uma certa maneira,
se vêem tocados, se vêem retratados. Mas eu achei interessante a maneira como ele
tratou o cinema. Que o personagem, ele se... o cinema para ele era uma maneira de ver
a vida. E no final do filme ele teve que se confrontar com isso, de ver se o cinema
realmente imita a vida ou a vida imita a arte. Isso para mim foi interessante porque eu
não tinha visto ainda em nenhum outro filme de uma maneira que não fosse
novelística. Gostei bastante.
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É sobre um pouco aquilo que a gente estava conversando, não é? Por que é legal ir ao
cinema? E que neste filme ficou muito claro. Assim, o personagem vê a vida ou
gostaria de ver a vida pela tela do cinema. E é uma maneira de ver as coisas do mundo,
pensar sobre o mundo de uma forma que particularmente me agrada.
Para mim, a hora em que ele consegue mostrar essa mágica do cinema – do cinema
como uma coisa, não só diferente, mágica, como o garoto vê, mas que faz as pessoas...
chama a atenção das pessoas e as faz felizes e as faz pensar ou não – é a hora em que
ele pega a cena do filme e projeta na rua. Mas o interessante é o caminho, que as
coisas vão acontecendo ali na sala de projeção e ele vai passando e passa pela parede e
passa pela porta, como se o cinema... na minha leitura, como se o cinema conseguisse
falar do mundo, no mundo, e a gente pudesse ver isso. É a hora que o cinema vira de
fato uma mágica.
Que nem, lá ele tratou de várias coisas, uma delas o amor pelo cinema, o amor sensual
por uma mulher, o sentido de várias coisas e acho que quando você vai criando uma
maturidade, você vive um pouco, você entende o que essas coisas querem dizer nas
artes. Você acha que as poesias, os filmes, os bons filmes, as boas poesias vão fazendo
sentido. A gente vai entendendo o que elas querem dizer. Eu não costumo pensar o
contrário "Ah, me retratou, falou de mim". Sim, mas porque você compreende aquilo,
porque se trata da vida, das coisas que acontecem.
63. 21 Gramas
Não sei, o filme é forte, tem um impacto muito grande. Ah, não sei, porque ele trata a
questão da morte mesmo e como a morte pode acontecer: da maneira mais cretina,
assim, ridícula. E um outro que queria morrer, se pendurava no teto da prisão, mas não
conseguia se matar. Como a morte vem fácil para uns e outros, que querem ir, não
conseguem. E eu acho que se fosse um outro filme, como Peter Pan, eu não ia sair
desse jeito do filme. Ah, eu ia sair mais com aquele negócio: "quero voar!", "quero ser
criança". Não com esse negócio: "Nossa, a vida é frágil mesmo!".
(fragilidade?) Da fragilidade, puta... eu... essa semana passada perdi dois amigos meus
em um acidente de carro. E, sei lá, a galera ficou muito triste e tudo, mas eu não levei
tanto assim, porque foi uma tragédia assim, eles estavam no banco da frente da Kombi
e deu atrás de um caminhão e eu vi que a vida é frágil, assim, entendeu, antes do filme
rolar. E, sei lá, depois eu vi filme e eu entendi meio o que aconteceu. De ter essa
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fragilidade toda e as crianças serem atropeladas na rua e, como falou no filme, serem
largadas lá como cachorros, assim, sabe? E o cara nem correu para ajudar assim e tal.
64. Sexo, Amor e Traição
Ah, várias coisas que aconteceram ali já aconteceram no meu cotidiano. Várias, várias.
Não, nem é da traição assim. É mais a relação entre casal, dos dois casais. Tanto de
um, quanto do outro. Eu já senti o que a mulher de um lado está sentindo, o que o cara
está sentindo e do outro lado a mesma coisa, sabe, a mesma confusão. Aí até no final,
o jeito que termina, essas coisas é bem parecido com histórias recentes e até histórias
antigas. Tem muita coisa que já aconteceu comigo no filme. Eu me identifico com
muitas, várias situações ali. Para mim é uma forma de me entender melhor. Entender
melhor o que aconteceu até comigo. Como uma forma de ver: "Meu, puts, como é
parecido". É, sabe, o que acaba sendo discutido eu: "Nossa, é, tem a ver comigo". A
resolução que é tomada eu: "Ah, poderia ter feito isso". Para mim foi engraçado, várias
coisas, várias situações. Ah, uma coisa que me pegou, por exemplo, foi no começo do
filme a mulher com interesse e o cara, meu, nem aí. O cara nem aí, o cara não queria.
O cara não queria, estava ocupado com outras coisas, tal. Já rolou das duas formas
comigo já. Eu estar a fim e a pessoa não querer e eu não estar a fim e a outra pessoa
ficar querendo. Com desfechos totalmente diferentes, mas rolou, igualzinho,
engraçado.
65. Crônica de um Verão
Ah, eu acho que mexeu justamente por estar falando de uma questão que me interessa
bastante, que é essa questão de como as pessoas vêem a felicidade, como as pessoas
vivem a felicidade, se elas são felizes ou não, e de eu achar que ele conseguiu falar
sobre um tema que é um tema tão abstrato, ele conseguiu fazer um recorte e isso
mexeu comigo porque eu vejo que é possível fazer. E eu acho que ele fala sobre
questões que são questões minhas também, que é essa questão do trabalho, que é a
questão de você buscar... onde é que você está buscando a sua felicidade, o que está
faltando ou a postura que você tem diante da vida etc. Mas nada disso é falado na
teoria, é tudo ilustrado bastante no dia-a-dia das pessoas e você se identifica com as
pessoas. Então foi acho que isso que me tocou, assim, que eu me identifiquei com
várias das personagens.
Ah, é basicamente essa questão de... do trabalho que ele discute, do quanto vale a pena
você estar fazendo um trabalho que não te traz satisfação pessoal, porque para você ter
58
alguma espécie de satisfação nos seus poucos momentos de lazer... isso é uma questão
que atualmente me afeta bastante pessoalmente. E acho que principalmente a questão
de como as pessoas encaram a vida. Ah, a felicidade é uma coisa muito etérea, eu acho
que você... todo mundo tem problemas, alguns mais, outros menos, mas depende de
como você encara o quanto... o peso que você dá para as coisas ruins e as coisas boas:
isso é uma coisa que, pelo menos para mim, o filme passou. E também é uma coisa
pessoal, minha, em cima de tudo que eu estou vivendo agora. E eu acho que é bom
quando você vê um filme que discute coisas que você consegue relacionar com a sua
vida ou, enfim, que você consegue se identificar. Então foi o que aconteceu comigo
nesse filme.
66. O Pântano
É porque na verdade esse filme não tem nada de fantasia. Você fica assistindo aquilo,
parece o dia-a-dia, não acontece nada de mais. Parece a vida de todo mundo na
verdade. Aí fica essa tristeza toda, incomoda. Esse tipo de filme incomoda mesmo.
Você pensa "Será que eu sou assim também?". Que bosta, porque quando vem um
filme desses, começo a pensar na minha vida também. Você vai para o cinema
pensando em relaxar e pega um troço desses, aí você fica mais estressado porque no
fim das contas acabo me tocando de alguma forma. Essa coisa toda familiar, essa
desgraça. Uma desgraça... você assistiu esse filme? Estava, não é? É uma desgraça
aquela família (ri). Uma desgraça atrás da outra. Não sei se todas as famílias são
daquele jeito. Mas aí parece que é tudo assim, tudo negativo, negativo, não tem amor,
é uma desgraça. Ali também tem uma relação incestuosa, não tem, dos irmãos? Tem,
não é? Fica, não é, assim mesmo. E a mulher fica com o cara, assim mesmo, bebum,
ali, não é? Aquele carnaval também, um preconceito ali contra os índios. É uma
merda. O filme é legal se você for pensar bem. Mas se você for pensar para você se
divertir, não dá não, isso aí não dá. É deprimente, deprimente, dá vontade de encher a
cara. Igual o cara lá, ela também, a mulher fica o filme inteiro bebendo. Aquele
telefone, eu não agüentava mais aquela mulher enchendo o saco ali: "Esse índios, isso
e aquilo".
(incomodam?) Incomodam porque eu penso na minha vida, no que eu estou fazendo,
no que eu não faço e também esses filmes você acaba não esquecendo mesmo. Uma
desgraça na sua vida, mais uma desgraça na sua vida.
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Não acaba nunca. O filme nunca acaba, fica aquela coisa sempre deprimente, irritante
mesmo. Ah, não é ruim, não é? Mas cansa, viu? Eu preciso ver uma comédia
americana, depois desse. Puta merda. Deixa de ser um passatempo. Passa uma tortura,
é assim uma coisa meio sado-masoquista. Você vendo aqui, sabendo como que esse
negócio vai acabar. Sabe mais ou menos que não vai acontecer nada, vai ser o filme
inteiro sempre... aquele começo, aquelas cadeiras arrastando, essa coisa, a relação toda
das pessoas. Mesmo assim você fica ali. (ri) Caraca, não acontece nada. Mas está
acontecendo direto na verdade, se for pensar. (ri) Parece que eu já vi esse filme em
algum lugar? Você assistiu O Filho? É mais ou menos uma coisa assim, se você for
pensar bem, não é? É uma coisa desse jeito lá. Fica aquela coisa só... Você acostuma a
ver esses filmes que tem história – começo, meio e fim –, o herói, não sei o que lá. Aí
vira uma confusão nesses filmes, mas você não esquece. Você acaba não esquecendo a
porra dessas histórias malditas. Nunca acabam. Se for pensar bem é isso, elas não
acabam. Não, parece que não tem... A gente está acostumado com assim: ah, vai
acontecer, tem um motivo e isso vai terminar... Mas não, fica aquele troço todo no ar.
E eu acabo continuando vendo esses filmes aí. Acho que no fundo eu não entendo
porra nenhuma desses filmes, mas eu gosto de assistir. Ou entendo e não sei me
expressar. Eu tenho uma dificuldade de me expressar, mas eu acabo indo atrás deles
mesmo. Eles fazem você pensar, bem ou mal. Apesar de se você pensar que ele é
chato... Apesar que aquele filme francês que eu assisti na segunda, realmente não é
para pensar, eu dormi. Esse daí, é foda. Se for pensar bem, esse filme é foda.
(ir ao cinema para pensar?) Para mim é importante porque ultimamente eu não estou
conseguindo ler nada. Eu acho que eu estou... acho que eu estou acrescentando algo à
minha vida, cultura. Será? Às vezes eu penso que não, viu? Esses filmes aí. Seria
melhor ver um desses filmes (faz gestos de luta, indicando filmes de ação). É, o Kill
Bill, exatamente. Mas o Kill Bill é diferente daqueles outros filmes. Kill Bill é no final
das contas... É preocupante isso. Não deixa de ser uma terapia.
(terapia?) É, o filme, não deixa de ser uma terapia, você pensar na vida, essa desgraça.
É que eu penso um pouco no que eu sou, no que eu faço, no que eu deixo de fazer,
principalmente. Essa coisa de tomar uma atitude. De ir para o risco, se arriscar. Eu
penso muito nisso e acabo relacionando com a minha vida mesmo.
60
J) Ampliação da percepção
67. A Margem
Não, não acredito que seja a esse nível, não é? Acho que seria mais no nível de
satisfação de curiosidade, uma coisa pessoal. Não vai mudar a minha vida, com
certeza não. Isso não muda, claro. O que acontece é que você pode ter novos
parâmetros e tal para encarar a realidade, aquela época, entendeu? São coisas que você
pode deduzir a partir do filme? Não, claro que há um certo impacto, mas, como eu
falei, nada que vá mudar a minha vida. Por exemplo, mesmo que você vá adquirindo
conhecimento e tal e experiência de vida, mas não é nada que vá mudar minha vida, o
meu dia-a-dia.
68. O Último Samurai
Eu me sinto. Dependendo do filme eu me sinto. Não sei, o filme traz às vezes alguma
idéia que eu tenho, que eu ainda... alguma idéia que eu tenha, mas que eu ainda não
consegui formular direito na minha cabeça, eu ainda não consegui visualizar essa idéia
de alguma coisa da... da vida, pode ser, e você vê no cinema e é uma forma... "Pô, esse
cara está passando isso e é justamente o que eu penso", você conseguir... conseguir
visualizar o que você pensa no filme. Acho que traz algumas idéias que a gente tem e
torna essas idéias um pouco mais claras. É, não, que eu estava pensando... às vezes,
coisas que eu acho, mas que eu nunca pensei. É estranho dizer: "eu acho uma coisa,
mas eu nunca pensei nessa coisa antes". Depois... esse filme por exemplo, O Último
Samurai, depois que eu saí desse filme, eu saí pensando: "nossa, tem coisas pelas
quais vale a pena a gente morrer". E eu nunca tinha pensado nisso. A vida
teoricamente é um bem supremo. Depois de assistir esse filme, mexeu comigo e eu
falei "não, acho que tem coisas pelas quais eu morreria sim". Acho que amplia a visão
de algumas coisas.
69. Crônica de um Verão
Eu acho que um bom documentário é aquele que você vê e aquilo te influencia na vida
de alguma forma. Acho que faz enxergar a vida de uma forma... de uma outra maneira.
Ou enxergar algum aspecto da vida que você antes não tinha enxergado. E quando
você vai em um documentário e você só vê o que você já tinha visto antes, para mim é
um documentário que foi falho. Então se esse documentário conseguir trazer uma
visão sobre a felicidade que seja nova ou que me traga essa nova percepção, eu acho
que vai ser um documentário que conseguiu atingir o objetivo dele.
61
(novidade?) Eu acho que a gente não vai no cinema para ver a mesmice. Eu acho que
quando você... às vezes até você, sei lá, vê uma coisa só por pura diversão, mas não é
o caso do gênero documentário, eu acho. As pessoas não vão para se divertir só, elas
vão porque elas querem aprender alguma coisa em relação à algo e aprender alguma
eu acho que implica nessa coisa de você saber, de você aprender alguma coisa nova,
de você aprender alguma coisa que você não sabia antes, então por isso eu acho que é
legal ter essa ênfase.
70. Cinema Paradiso
Na verdade eu, como uma grande parcela da população, fui ao cinema pela primeira
vez aos 14 anos e não sabia o que era cinema. Quando eu entrei na faculdade eu
conheci muitos amigos com conhecimento, cinéfilos, que me apresentaram os
melhores diretores, as melhores obras e eu gostei desse cinema, além do cinema que já
passa na televisão, que é um cinema que não me atrai. E foi muito bom porque me
trouxe – para mim é muito claro, talvez por isso – essa nova maneira, essa nova visão
de mundo, de pensar o mundo, de pensar as coisas, de ver as coisas, o cinema como
uma maneira nova, diferente, que pode ser muito interessante.
L) Permanência de cenas
71. Irreversível
Logo, logo ele vai ser sobreposto por outro. Eu não vou conseguir ficar muito tempo
com ele na cabeça. Eu acho que de você ver e captar alguma coisa. Fica assim as
imagens, fica a história em si, mas é só. Eu acho que eu não consigo carregar nada
para o meu dia-a-dia.
Não, não, tipo assim, eu venho, vejo o filme, fica na minha memória uns dias e eu às
vezes eu não sei, não consigo nem contar a história para alguém. Se eu tiver que
contar, não sei se eu consigo. Eu vejo e depois passa, aí eu vejo outro filme aí ele
sobrepõe aquele que eu já vi antes, entendeu? É uma coisa de sobreposição. Esses dias
eu fui ver o quê? Fui ver Coisas Belas e Sujas e já está até passando, acho que com
Irreversível sobrepõe ele e acabou.
(acabou?) Esse acabou... ele fica na memória assim: o diretor, a história, um pedaço
da história, não é, que eu vi, aí sobrepõe por outro. Ele acaba assim, fica o mínimo,
não me afeta em nada. Não me afeta. Eu acho que cinema é ilusão, um pouco. Não tem
62
aquela coisa de fazer com que mude o seu comportamento? Eu não mudo meu
comportamento perante a novela, a comercial, a um filme que eu vejo.
(ilusão?) Ah, muitas vezes você vê e você muda o seu comportamento em relação
àquilo que você vê na tela. Tem muita gente que faz isso, eu não acho legal, acho que
você tem que ser o que você é. Eu não sei como te explicar, mas é mais ou menos por
aí, ele não me afeta, não muda o meu cotidiano, não muda o meu... É, às vezes tem
filmes que faz com que você pense, você reflita sobre aquilo, mas acho que é algo
meio introspectivo, com você mesmo. Acho que para mim não muda, não faz com que
eu mude assim alguma coisa. Porque eu acho que são filmes tão pessoais, não é? Acho
que são filmes tão introspectivos, acho que não faz com que mude alguma coisa. Eu
acho que é mais o... Ah, o personagem em si, a vida do personagem, aquele ritmo que
ele leva, eu acho que não tem assim um porquê de te influenciar. Acho que uma coisa
é cinema... tem duração de 1 hora e 40 minutos, 2 horas, aí o diretor conta a história,
acabou o filme e acabou, aí você sai e pronto (ri). Eu acho que nada... não sei, talvez
um filme cômico, uma frase, alguma coisa para aumentar o seu vocabulário no
trabalho, no dia-a-dia. Mas aí, eu acho que é isso. Acho que eu sou muito realista, sou
pé-no-chão. Eu vou lá, vejo o filme e depois eu não consigo transportar. Às vezes, eu
consigo pensar, você consegue pensar, meditar em relação àquilo que você está vendo.
Talvez fique no seu subconsciente e isso te ajude em outras coisas. Não sei, acho que
deve processar assim. Deve ficar no seu subconsciente e uma hora ele desperta. Acho
que talvez seja por aí5.
72 O Pequeno Soldado
Não, agora, não. Nesse exato momento, não, mas não é um filme que passa batido. É
um filme que vai te levar a pensar em alguma coisa. Agora nesse exato momento, não,
mas mais tarde, talvez. É isso.
É, é complicado falar assim, desse filme. É bem difícil, mas tem umas coisas muito
legais. Ele me... engraçado que agora ele me lembrou um pouco o filme O Que É Isso
Companheiro? e aí eu comecei a comparar assim, como a gente tinha falado sobre a
linguagem que o Godard usava para filmar, aí é que é legal porque assim, lembra no
tema da tortura que existe com o personagem e um amor que ele sente pela mulher e
5 O espectador a princípio indica-nos que os filmes se sobrepõe, mas também expressa a permanência em outros termos: "Às vezes, eu consigo pensar, você consegue pensar, meditar em relação àquilo que você está vendo. Talvez fique no seu subconsciente"; como se as imagens ficassem represadas à espera de alguma elaboração que lhes desse vazão.
63
tal, mas é muito mais... aí, acho que é esse ponto que eu queria chegar e não consegui,
é muito mais fácil gostar do O Que É Isso Companheiro?, do que gostar desse filme
porque lá está tudo mastigadinho e você só acompanha e no final tira a sua conclusão.
Aqui é muito complicado, é difícil falar sobre o filme, mas assim, eu fiquei satisfeito.
Entrei, achando que ia gostar, gostei bastante, fiquei super satisfeito com o filme, mas
é muito complicado falar e tentar explicar o que eu vi. Eu acho na verdade difícil... é
difícil falar sobre, é difícil de tirar um conclusão, talvez nem deva... acho que nem
deva tirar conclusão nenhuma. Acho que tem que assistir, pegar algumas coisas e levar
embora. Acho que não existe explicação para algumas coisas do filme. Tem cenas que
ficam marcadas na cabeça da gente e outras você acaba passando despercebido. Você
passa 6, 7 minutos de filme, não é que não tenha nada a dizer, mas que não fica. Eu
acho que, eu não sei, acho que existem momentos no filme em que na verdade ou a
gente acaba pensando em uma coisa que a gente acabou de ver ou o pensamento te
leva a outro lugar. Mas você não fica ali o tempo todo. É um filme que você assiste,
acompanha, mas em alguns momentos você acaba indo... o próprio filme leva o teu
pensamento a outro lugar. Acho que você acaba pensando, refletindo sobre o que você
viu na hora. Não é um filme que você vai assistindo e depois que acaba você vai
pensar sobre ele, vai tirar suas conclusões. Ele leva você a raciocinar muito rápido.
Você vê a cena e já começa a pensar em alguma coisa, então, não é que você perde a
seqüência, mas é que acho que ele é feito dessa forma mesmo, para você pegar
algumas coisas e outras, não. Talvez para mim seja diferente do que para outra pessoa.
Talvez, não sei se é para mim que acontece isso ou se o filme realmente te leva a esse
tipo de atenção.
É, então durante o filme tem muita coisa que te remete a outras coisas. Então, pelo
menos comigo aconteceu isso. Conforme eu estava vendo, tinha algumas coisas que
eram ditas, algumas cenas que aconteciam que me faziam viajar um pouco e na volta
eu perdia alguma coisa. É que ele é muito... é narrado o tempo inteiro e acabava me
dispersando um pouco nesse sentido. Uma dispersão boa porque na verdade me fez
fazer ligações que me foram muito úteis. Para te precisar agora, meio complexo, mas
mesmo o que eu tinha falado para você antes, de uma coisa que me faça sair com mais
perguntas do que respostas, é dito inclusive no filme. Tem uma passagem que o cara
fala isso. Então acho que é um pouco por aí, essa associação, por exemplo, quando
veio eu falei "Pô" e aí embarquei.
64
73. Noite Vazia
É, joga umas idéias na cabeça que fica, digamos assim, que não acaba ali dentro, que,
tipo, a cabeça fica girando com algumas coisas, umas imagens. Acho que isso é uma
das coisas que eu gosto, de sair de um filme e no caminho para casa ou mesmo
amanhã, umas imagens ficarem meio que retidas. Isso faz eu pensar umas coisas e não
ser um filme que basta a gente pisar ali para fora e aí já é como se não tivesse tido
nada, uma coisa que acabou ali dentro. Movimento? É, movimentar nesse sentido, tirar
da inércia talvez nesse sentido. É, esse filme... alguns filmes, no caso esse, para mim
no caso serviu para... teve esse efeito também, do tipo, umas imagens ficam, algumas
coisas, a cabeça fica pensando em certas coisas. É, então, assim, muito das... aquelas
pessoas juntas naquele apartamento, aquelas 4 personagens juntas, mas sozinhas. O
momento da chuva, por exemplo. Mas também houve alguns poucos momentos onde,
tipo no fim, aquele casal da Norma Bengell com outro cara lá, meio que sem palavras
nenhuma, meio que se conectaram e parece que foi uma coisa boa para os dois, mas
também que eles não iam mais... quer dizer, foi aquele momento bom para os dois,
mas eles nunca mais iam se ver, mas foi bom naquele momento. Eu achei isso uma
imagem que me ficou legal, os dois juntos. Era isso assim, essas coisas que ficaram.
65
6. EPÍLOGO
De que modo os espectadores chegam ao cinema?
Eles podem chegar desavisados, sem muitas informações sobre o filme; podem se
orientar pelas sinopses, comentários de amigos, trailers; há também a busca determinada pelos
gêneros: suspense, terror, filme de catástrofe, comédia, filmes de ação etc.; o pais de origem
também direciona sua escolha: filmes franceses, iranianos, brasileiros, europeus; assim como
o diretor do filme também é importante: Godard, Khouri, Rouch.
E o que buscariam esses espectadores quando vão ao cinema?
Ao longo das entrevistas percebemos que, ao invés da travessia trágica, a busca de
relaxamento, descontração, descanso, diversão, entretenimento, passatempo é o que leva
principalmente os espectadores ao cinema. Se há problemas é melhor que os filmes retratem
um lado mais leve, mais feliz da vida (20. Crônica de um Verão). Que lá no cinema
consigamos nos distrair de nossas dores para então, atraídos pelo filme, viajarmos por outras
realidades. E tanto melhor que essas realidades não sejam como as da vida, do cotidiano
normal (22. Tomb Raider 2).
Nesse sentido, o filme não atrairia exatamente pelo interesse na dor, mas a questão que
se apresenta mais é a comoção, a despeito da dor. Desse modo, não se trata de apontar o que
impede o fluxo da vida, mas, antes disso, trata-se de pôr em movimento a vida através dessa
outra vida do filme.
Nesse ponto, na medida em que a movimentação do filme aparece a fim de fazer
passar o tempo e chega até a ser esquecível, surgem críticas como a dos espectadores de
Cinema Paradiso.
Eu gosto do cinema como obra de arte. Hoje a concepção de cinema é muito diferente da concepção de cinema de 50 anos atrás e, especificamente, do cinema europeu e oriental, em comparação com o cinema norte-americano. O cinema comercial é um cinema que é para entreter. É como se você não tivesse nada para fazer e vai ver cinema porque é um
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cinema também que não te leva a grandes reflexões, não te questiona nada, não te põe coisas diferentes. É um cinema para passar o tempo. Isso, seria um entretenimento. Você vai lá para dar risadinha e depois esquece tudo. (10. Cinema Paradiso).
Entretanto a simples contraposição filme de arte (para reflexão) e filme comercial
(descartável) é enganosa pois, primeiro, faz-nos crer que esses rótulos não tem função de
localizar os espectadores em relação à posição em que consumirão os filmes (por exemplo:
seu ticket é do Arteplex, o complexo de arte, ou Cinemark(et), o mercado de cinema?); e
segundo, condena o entretenimento e descarta-o por princípio. Assim, o que redimiria o
entretenimento?
Os espectadores de 21 Gramas comentam sobre esperança.
Isso que eu acho que peca no cinema hollywoodiano é isso: sempre final feliz. Claro que, meu, o filme hollywoodiano ele é para a galera criar esperança e tal. (esperança?) Ah, é, porque eles são... eles mostram as coisas que, sei lá, do Nemo, do cara achar o filho que certeza que ele não ia achar. Ou do Shreck, no final do filme a mina era igual ele? Umas coisas assim... Da Bela Adormecida que ela encontra o príncipe: coisas que incrivelmente acontecem, sabe? Coisas impossíveis. Ou então mesmo filmes de aventura. Meu, o principal nunca leva um tiro e se leva um tiro vai na perna, no braço e não vai acontecer nada com ele. Filme do Van Damme, sabe? Ou então 007, que é tudo impossível, você já sabe. Sabe, é filme que, porra, você já tem certeza que o cara vai se dar muito bem, mas você quer ver o cara se dando bem. É estranho. É diferente. É igual filme do Indiana Jones: sai de uma já cai em outra, o filme inteiro assim. É, e o cabelo está sempre no lugar. Mas é um negócio que te entretém, não é? (27. 21 Gramas).
Entretanto aqui podemos retomar uma crítica benjaminiana: na medida em que
mostram a história dos heróis, dos finais felizes, toda a história dos vencidos é soterrada em
nome da história dos vencedores. Apesar dessa crítica, um dos espectadores diz-nos que os
filmes lhe permitem adquirir uma experiência que não viveu (26. A Margem). Essa parece
uma indicação importante. Mesmo sem ignorar a questão da história dos vencidos, lá no
cinema o espectador busca viver mais. "É preciso viver mais", como diríamos a partir de O
mito de Sísifo, de Camus. Entretanto nesse ponto permaneço com uma dúvida: é preciso viver
mais, mesmo que seja principalmente pelas vias do filme? Podemos lembrar o exemplo de
Simbá (de As mil e uma noites, na versão de Antoine Galland), mais precisamente do
carregador que ouve as histórias do marinheiro. É certo que ao ouvi-las, delas obtém
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verdadeiras experiências. Entretanto Cheherazade não prolonga a história, apenas indica que o
carregador abandonou seu ofício graças ao benefício de Simbá e tornou-se mais um dos
convidados a acompanhar-lhe em banquetes. Aí Cheherazade inicia outra história. Nós porém
poderíamos permanecer mais um pouco junto desse carregador. A experiência incorporada
por ele não fez com que partisse pelos mares à cata de suas próprias aventuras, mas
permanecesse no lugar mais seco ao lado de Simbá. Como pensar então o tema da viagem
através dos filmes?
Podemos pensar que a experiência estética dos filmes convoca-nos a uma habitação.
Habitar em um sentido tomado a partir do que Merleau-Ponty nos diz a respeito da ilusão de
movimento em uma situação de trens emparelhados, em "Cinema e a nova psicologia":
Pois se é verdade que meu trem e o trem ao lado podem, alternadamente, dar a impressão de movimento, no instante em que um deles começa a andar, cabe notar que a ilusão não é arbitrária e que eu não a posso provocar à vontade, mediante a escolha intelectual e desinteressada de um ponto de referência. Se estou jogando cartas em minha cabina, é o trem ao lado que começa a se movimentar. Se, ao contrário, procuro alguém com os olhos dentro do trem ao lado, é então o meu que começa a andar. Em cada ocasião, parece-nos imóvel aquele no qual fizemos domicílio da visão e que é a nossa ambiência do momento. O movimento e a inércia distribuem-se para nós, de acordo com o nosso meio, e nunca segundo as hipóteses que, à nossa inteligência, é agradável construir, porém consoante o modo que nos fixamos no mundo e a situação adotada dentro dele por nosso corpo. (1989: 108)
Para o espectador o mundo no qual fixa morada é o filme: é lá que seu corpo habita. É
certo que posso vê-lo sentado em uma poltrona com os olhos voltados à tela. Entretanto ele
não deixa de nos indicar que também habita o lugar para o qual seus olhos se voltam:
Eu entro dentro dele, eu deixo... tem filme que eu deixo... Eu entro dentro do filme, eu participo dentro dele. (24. Roleta Chinesa). O cinema me passa a sensação de estar a 1000 Km de onde estou, eu me sinto participando da história. (22. Tomb Raider 2). Eu acho que não tem aquele lance de você ficar sentado esperando 20 minutos para a história decolar. Eu acho que ela tem que decolar desde o minuto que abriu os créditos. Você já tem que estar lá dentro. (23. Irreversível). Não sei, é que eu gosto do encanto do cinema, de você entrar em outro mundo durante 2 horas. (27. 21 Gramas). Às vezes eu me transporto para dentro lá da história do filme. (28. Bodas de Sangue).
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Trata-se de um olhar que nos desloca de nosso centro na poltrona, cruza a sala até
avançar sobre a tela e irradia-nos até o filme: um olhar viajante. Entretanto até agora apenas
destacamos a componente espacial na viagem do espectador. Veremos com Sergio Cardoso
que essa viagem não se limita apenas ao deslocamento no espaço:
Os dicionários não se equivocam, pois, ao indicar as viagens como distanciamentos, enganam-se quando as vinculam ao espaço, quando ingenuamente representam esses movimentos como mudanças de lugar no interior de um mesmo mundo. Não permitem compreender que o viajante se distancia porque se diferencia e transforma seu mundo; que as viagens são sempre empreitadas no tempo. (1998: 358) Quando consideramos o caráter temporal das viagens, compreendemos que o dépaysement não testemunha a exterioridade e estranheza do mundo circundante, [...] mas assinala sempre desarranjos internos ao próprio território do viajante, advindo fissuras e fendas que permeiam sua identidade. Pois, as viagens, na verdade nunca transladam o viajante a um meio completamente estranho, nunca o atiram em plena e adversa exterioridade [...]; mas marcadas pela interioridade do tempo, alteram e diferenciam seu próprio mundo, tornam-no estranho para si mesmo. [...] experimenta a vertigem da desestruturação (sempre em alguma medida marcada pela perda e morte) que lhe impõem as alterações do tempo. [...] É desta natureza o estranhamento das viagens: não é nunca relativo a um outro, mas sempre ao próprio viajante; afasta-o de si mesmo, deflagra-se sempre na extensão circunscrita de sua frágil familiaridade, no interior dele próprio. O distanciamento das viagens não desenraíza o sujeito, apenas diferencia seu mundo... (1998: 359-60)
Recolhemos ainda trechos que nos precisam mais sobre a questão da alteridade: "o
outro, só o alcançamos em nós mesmos"; "o estranho – quando não é absoluta exterioridade e
não-sentido – está prefigurado no sentido aberto do nosso próprio mundo, inscrito no fluxo e
no movimento da sua temporalidade"; "o estrangeiro está sempre já delineado – latente e
invisível – nas brechas da nossa identidade, na trilha aberta por nossa indeterminação"; "o
outro é sempre o que exige de nós distanciamento (de nós para nós mesmos, não é demais
insistir) para que dele tenhamos experiência" (1998: 360)
Como interessa-nos a questão da transformação a partir dos filmes, essa relação entre
tempo e alteridade atrai-nos diretamente. A princípio nos deteremos na idéia de um outro
prefigurado em si para então compreendermos a dimensão temporal.
No momento em que a viagem realiza a aderência dos corpos dos espectadores e do
filme ["Você não desgruda, você fica colado nos personagens" (23. Irreversível); "Me coloco
no papel da heroína" (28. Bodas de Sangue); "Aceitar o filme e se integrar a ele, sabe, ficar
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um só" (29. Matrix Revolutions)], abre-se ao espectador um ponto de contato com a
alteridade: não exatamente com esse outro corpo do filme, mas pelo outro em si que essa
adesão lhe faz acessar.
O filme traz às vezes alguma idéia que eu tenho, que eu ainda... alguma idéia que eu tenha, mas que eu ainda não consegui formular direito na minha cabeça, eu ainda não consegui visualizar essa idéia. [...] É estranho dizer: "eu acho uma coisa, mas eu nunca pensei nessa coisa antes". Depois... esse filme por exemplo, O Último Samurai, depois que eu saí desse filme, eu saí pensando: "nossa, tem coisas pelas quais vale a pena a gente morrer". E eu nunca tinha pensado nisso. A vida teoricamente é um bem supremo. Depois de assistir esse filme, mexeu comigo e eu falei: "não, acho que tem coisas pelas quais eu morreria sim". (68. O Ultimo Samurai).
É uma posse que o espectador desconhece, mas lhe pertence em estado bruto e então
cabe à viagem apresentar-lhe essa herança ignorada. Entretanto, na segunda vez em que vê o
filme o impacto se enfraquece e a herança surge como loucura, Tom Crazy (60. O Último
Samurai). Veríamos nesse outro corpo estranho, enlouquecido que aparecera à primeira vista,
dizendo: "Nossa, eu preciso de alguma causa para lutar" (60. O Último Samurai), o
testemunho da experiência de dépaysement de que Sergio Cardoso nos fala. Trata-se de um
desterro do próprio corpo em que, findo o filme, o espectador vê-se habitando um corpo algo
irreconhecível e nesse momento disruptivo (sim, pois aí se abala qualquer segurança sobre
uma identidade) instaura-se uma experiência temporal. Se o tempo parece passar sem se fazer
perceber a todo instante, nesses momentos de desterro, o tempo abandona essa discrição e faz-
se pesar sobre nosso corpo, como se o fluxo de tempo que parecia nos arrastar para frente se
interrompesse e forçasse-nos terra abaixo, imobilizando-nos nesse ponto em que nos sentimos
um pouco estranhos em nós mesmos: posição marcada tanto pela indelicadeza quanto pela
dificuldade de ser sustentada. O espectador de O Pântano parece nos dar a medida desse
desconforto:
Não acaba nunca. O filme nunca acaba, [...] Deixa de ser um passatempo. Passa uma tortura, [...] mas você não esquece. [...] Se for pensar bem é isso, não acabam. [...] Eles fazem você pensar, bem ou mal. Esse tipo de filme incomoda mesmo. Você pensa: "Será que eu sou assim também?". [...] Incomodam porque eu penso na minha vida, no que eu estou fazendo, no que eu não faço e também esses filmes você acaba não esquecendo mesmo. (66. O Pântano).
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Filme e espectador entrelaçam-se de modo que o tempo suspenso do filme é também a
suspensão do espectador, que coloca sua vida em questão: "Será que eu sou assim também?";
entrevendo as semelhanças de sua vida e aquela a que o filme lhe dá acesso, ao mesmo tempo
em que lhe causa espanto assemelhar-se a "essa coisa toda familiar, essa desgraça" (66. O
Pântano).
Vejamos também o caso da espectadora de Crônica de um Verão que à entrada do
cinema procura se assegurar: "Óbvio que eu gosto da minha profissão"6. Entretanto, findo o
filme, o trabalho, de um modo ainda geral, é posto em questão:
Vale a pena você trabalhar 9 horas por dia, fazendo o que quer que seja e dormir 8 horas para conseguir trabalhar as outras 9 e isso, sabe, no outro dia e no outro dia e no outro dia... Então isso é uma questão super forte no filme. (52. Crônica de um Verão)
Ao longo da entrevista essa questão já se inclui em sua vida:
eu acho que ele fala sobre questões que são questões minhas também, que é essa questão do trabalho, que é a questão de você buscar... onde é que você está buscando a sua felicidade, o que está faltando ou a postura que você tem diante da vida etc. (65. Crônica de um Verão).
De certo modo o que aparecera de modo tão afirmativo, "óbvio que gosto", era de uma
clareza tão obscena que já continha sua negativa:
essa questão [...] do quanto vale a pena você estar fazendo um trabalho que não te traz satisfação pessoal, porque para você ter alguma espécie de satisfação nos seus poucos momentos de lazer... isso é uma questão que atualmente me afeta bastante pessoalmente. (65. Crônica de um Verão).
Ao fim da entrevista vemos filme e espectadora entrelaçados: "é bom quando você vê
um filme que discute coisas que você consegue relacionar com a sua vida ou, enfim, que você
consegue se identificar. Então, foi o que aconteceu comigo nesse filme" (65. Crônica de um
Verão).
6 Durante a organização do material o trecho da entrevista que contém essa frase não foi incluído. Ele segue agora, na íntegra: "Eu acho que a questão da diversão no documentário é uma coisa que às vezes ela fica um pouco... não é que nem em um filme de ficção. Você vai ver um filme de ficção muitas vezes para se divertir. E um documentário eu acho que a motivação das pessoas não sei se é a mesma. Para mim, não é. Mesmo porque eu faço isso profissionalmente também, não é? Óbvio que eu gosto da minha profissão etc., mas a diversão ela vem em segundo plano, não em primeiro. Em primeiro plano é o aprendizado".
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Em ambos os casos, esse entrelaçamento/estranhamento, que interrompe o tempo,
pode lhes apontar uma outra compreensão acerca de si. Podemos ver com Gagnebin que se
trata de um:
encontro súbito entre dois (ou mais) acontecimentos que, de repente, são (com)preendidos pela interrupção da narração e se cristalizam em uma significação inédita: processo de significação baseado na semelhança repentinamente percebida entre dois episódios, que podem estar distantes na cronologia, e, ao mesmo tempo, baseados em suas diferenças reveladoras de uma inserção histórica distinta. (1994: 121)
Podemos encontrar ao longo das entrevistas expressões indicativas dessa produção de
uma "significação inédita": "amplia a visão de alguma coisas" (68. O Último Samurai),
"enxergar a vida de uma outra maneira", "nova percepção" (69. Crônica de um Verão),
"novos parâmetros e tal para encarar a realidade" (67. A Margem), "nova visão de mundo"
(70. Cinema Paradiso), "olhar de outras formas", "visão melhor" (32. O Último Samurai).
Entretanto sempre arriscamos a fazer dessas ressignificações o meio de obtermos um novo
tipo de compreensão que substitui por contraposição a que antes tínhamos sobre nós mesmos.
Acompanhando novamente Gagnebin, tomamos da historiografia de Benjamin elementos para
pensarmos essa questão:
Longe de apresentar de início um outro sistema explicativo ou uma "contra-história" plena e valente, oposta e simétrica à história oficial, a reflexão do historiador deve provocar um abalo, um choque que imobiliza o desenvolvimento falsamente natural da narrativa. [...] Intervenção que não significa, é importante observá-lo, a oferta apressada de uma narrativa substitutiva. Não se trataria, portanto, em particular nas teses Sobre o Conceito de História, de propor uma outra interpretação de seu passado à humanidade, o que a historiografia marxista fez muitas vezes com essa boa vontade fatal, bem conhecida. O historiador "materialista" tem, decerto, suas hipóteses de explicação e de compreensão próprias que orientam. Mas seu trabalho não visa produzir um outro discurso histórico tão exaustivo e coerente como aquele ao qual se opõe. (1994: 119-20)
Se observarmos as relações de acréscimos que os espectadores nos destacam, podemos
reconhecer nessas mensagens, lições de vida, aprendizados, que se extraem dos filmes, essa
espécie de discurso substitutivo à base de "contra-exemplos":
Eu acho que passa mais essa mensagem porque hoje em dia tem muita competição, um passa por cima da cabeça do outro para chegar lá. E a mensagem do filme é que as pessoas podem se unir e juntas, todos juntos conseguir ser felizes. (57. Encantadora de Baleias).
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Eu acho que é mais um incentivo. Não que vai e mostra para você que agora a partir do momento que você assiste o filme você vai ser outra pessoa. Não acho isso. Mas eu acho que ele te incentiva, ajuda a ser uma pessoa mais perseverante. (60. O Último Samurai). Um jovem que está naquela rebeldia, meio perdido na sociedade, ele precisaria estar assistindo para estar vendo, porque às vezes o jovem tem até vergonha dos seus pais, da sua família, acha que a família do colega é melhor, não é? (58. O Filho da Noiva).
O termo acréscimo engana-nos na medida em que nos dá a impressão de que essas
novas significações incorporam-se diretamente à vida7. Entretanto a pressa do espectador em
incorporá-las parece-me compartilhar da mesma vontade contida na "oferta apressada de uma
narrativa substituta", simetricamente oposta e tão exaustiva e coerente quanto aquela a que se
contrapõe: ambas visam ao progresso e projetam um futuro vitorioso, momento em que
deixarão para trás os vencidos e a história do sofrimento. Mas esses acréscimos comportam-se
mais como aquela poeira que se acumula sobre os móveis da casa e que removemos com um
simples pano umedecido: pouco aderem ao espectador; antes disso, alimentam um tipo de
mecanismo normativo: "eu tenho que ser assim também" (nesse instante vê-se o quanto
estamos distantes do "será que eu sou assim também?") e, portanto, persecutório à medida
que nos desviamos dessa norma.
Uma nova prática, a cinematerapia, aparece-nos com essa "boa vontade fatal" de
caráter instrutivo.
A idéia é utilizar os filmes como um recurso a mais durante o trabalho terapêutico. Um tipo de lição de casa dada pelo psicólogo para o paciente que pode auxiliar a trazer à tona emoções escondidas e situações mal resolvidas e até mesmo dar um empurrãozinho para ajudar a pessoa a ter um outro olhar sobre os próprio conflitos. "A cinematerapia tem um poder educativo, pois amplia a percepção, aprofunda a compreensão, permitindo a elaboração de um pensamento crítico. O psicólogo seleciona um filme indicado para aquele caso, a pessoa assiste e depois discute com o terapeuta as
7 Essa relação de acréscimos parece mais seguir um modelo bancário em que, após emprestarmos nosso corpo ao filme, ele ressurge-nos com alguns acréscimos, provenientes das mensagens extraídas do filme, como se fossem juros impostos na devolução da quantia emprestada. Essa mesquinhez parece advir tanto mais se suspeite da inutilidade do entretenimento: "Ah, eu acho que é mais uma forma de entretenimento. [...] É, mais cultural mesmo. Acho que, sei lá, passar o tempo e aprender uma coisa, não inutilmente" (32. O Último Samurai). No terreno do passatempo, onde o tempo passado é o tempo jogado fora, buscar essas mensagem seria um meio de se exigir dos filmes uma compensação pelo tanto de vida que ele nos toma. É como se à proximidade do reconhecimento da inutilidade do passatempo, os espectadores buscassem um verniz de polidez cultural em mensagens educativas, edificantes, como último recurso de redimir o entretenimento. Entretanto, quem sabe o que lhe redimiria não seria justamente reconhecer-se como inútil, pois de que outro modo os filmes se preservariam de apropriações utilitaristas?
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semelhanças que percebeu entre seus próprios conflitos e angústias com a trama. Juntos vão aclarando o que estava nebuloso", explica a psicóloga Maria Luiza Curti [...] Um enredo de filme para ajudar a resolver cada tipo de conflito psicológico Relações: Em O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (Jean Pierre-Jeunet, 2001), Amélie cresce isolada dos outros pelos pais. Sozinha, ela cria um rico mundo interior e tenta fazer os outros felizes. Indicado para quem está hesitante em fazer novas relações e amizades. Renovação: Para quem está se sentindo pessimista em relação ao futuro, Billy Elliot (Stephen Daldry, 2000) conta a história de um garoto que foge das aulas de boxe para aprender balé. Enfrenta a raiva e o desprezo da família e se torna símbolo de mudança para todos. Medo: Confissões de Schmidt (Alexander Payne, 2002) é indicado no livro para quem acha que está faltando um sentido na vida. Ao mostrar a viagem de um viúvo aposentado para o casamento da filha, pode fazer que cada um pense mais na própria vida. Possibilidades: A história da pintora mexicana Frida Khalo, Frida (Julie Taymor, 2002), pode ajudar quem pensa que tem escolhas limitadas por sexo, corpo, experiência ou coração partido. A trajetória da pintora serve de exemplo para aqueles que precisam se reerguer. Descobertas: Para estimular a consciência de que uma pessoa determinada pode fazer muito, Erin Brockovich (Steven Soderbergh, 2000) é um bom exemplo. O filme conta a história de uma mãe solteira que luta contra uma usina poluidora na Califórnia. Atitude: Aceitar responsabilidades pessoais e tomar decisões por conta própria para melhorar a própria vida. Se esse é o caso, um dos filmes indicados é Minority Report (Steven Spielberg, 2002), história futurista de um detetive que impede crimes que vão acontecer. (O Estado de São Paulo, 11/11/2005, p. A21)
Cada filme exemplifica uma nova compreensão sobre a vida que se contrapõe ao estilo
do paciente. Ao recluso estimula-se que ele hesite menos em suas aproximações com outras
pessoas. Ao pessimista mostra-se que a persistência é um antídoto ante as dificuldades.
Àqueles que não vêem sentido na vida, a partir da busca da personagem a pessoa deve se
motivar na busca do sentido de sua vida. Aos que recuam ante os vários tipos de limitações,
eis o exemplo de superação da personagem. Aos pouco determinados, um exemplo de
determinação. Aos incapazes de assumir a própria vida, o exemplo do herói do filme.
Mesmo que haja uma questão da retomada ("trazer à tona emoções escondidas"), da
possibilidade de se dar um novo sentido a essas emoções ("aclarar o que estava nebuloso") e
da ampliação da percepção ("outro olhar sobre os próprios conflitos"), na medida em que a
cinematerapia toma os filmes como propostas de resolução para cada tipo de conflito que as
pessoas enfrentam, ela reduz a experiência estética a um método educativo.
Se tomarmos o texto de Hanna Arendt, "A crise da cultura", notaremos que essa
redução é de um estilo semelhante à do "filisteísmo educado ou cultivado" (1979: 254), que
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sucedeu o filisteísmo ""inculto" e vulgar" e que "julgava todas as coisas em termos de
utilidade imediata e de valores materiais, e que, por conseguinte, não tinha consideração
alguma por objetos e ocupações inúteis tais como os implícitos na cultura e na arte" (1979:
253). Pelo contrário, o filisteu culto e educado buscava uma aproximação com a arte. Porém o
fazia, tendo em vista a posição social e o status. No momento em que as obras de arte "se
tornam objetos de refinamento social e individual e do status correspondente, perdem sua
qualidade mais importante e elementar, qual seja, a de apoderar-se do leitor ou espectador,
comovendo-o durante séculos" (1979: 255).
Entretanto se a cinematerapia não dá sobrevida ao filisteísmo8, pois sua preocupação é
mais de uma educação moral, por outro lado, ela também ataca esse atributo da arte de
apoderar-se do espectador. Inclusive, a idéia de uma escolha de filmes em que de antemão nos
atentamos que estaremos diante de problemas como os nossos revela um tipo de preparação
que já limita o espaço para que o filme nos surpreenda. É tanto melhor quando vamos ao
cinema desavisados e comovemo-nos com o filme. Ou ainda: é tanto melhor se somos
tomados por um filme que não nos reflete diretamente. Parece-me mais interessante a tomada
a partir de uma memória involuntária à Proust do que uma intenção precisa de se buscar o
próprio reflexo em um filme. Podemos encontrar vestígios dessa atitude com os espectadores
de O Pequeno Soldado:
Tem cenas que ficam marcadas na cabeça da gente e outras você acaba passando despercebido. Você passa 6, 7 minutos de filme, não é que não tenha nada a dizer, mas que não fica. Eu acho que, eu não sei, acho que existem momentos no filme que na verdade ou a gente acaba pensando em uma coisa que a gente acabou de ver ou o pensamento te leva a outro lugar, mas que você não fica ali o tempo todo. É um filme que você assiste, acompanha, mas em alguns momentos você acaba indo... o próprio filme leva o teu pensamento a outro lugar. Acho que você acaba pensando, refletindo sobre o que você viu na hora. Não é um filme que você vai assistindo e depois que acaba você vai pensar sobre ele, vai tirar suas conclusões. Ele leva você a raciocinar muito rápido. Você vê a cena e já
8 No recém-lançado livro Cultura & Elegância (Pinsky, 2005), já pelo seu subtítulo percebemos que a herança do filisteísmo se mantém hoje: O que se deve fazer e o que é preciso conhecer para ser uma pessoa culta e elegante. Na parte dedicada ao cinema também lemos: "Em qualquer conversa, aliás, quando falta assunto, discute-se cinema. Debater política ou religião pode ser constrangedor, mas polemizar sobre cinema é sempre um tempero capaz de animar a mais monótona das reuniões sociais. Provavelmente, para não ser obrigada a emudecer em uma situação dessa natureza, a moça do palmtop procura aprimorar seu repertório" (p. 107).
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começa a pensar em alguma coisa, então, não é que você perde a seqüência, mas é que acho que ele é feito dessa forma mesmo, para você pegar algumas coisas e outras, não. Talvez para mim seja diferente do que para outra pessoa. Talvez, não sei se é para mim que acontece isso ou se o filme realmente te leva a esse tipo de atenção. [...] É, então durante o filme tem muita coisa que te remete a outras coisas. Então, pelo menos comigo aconteceu isso. Conforme eu estava vendo, tinha algumas coisas que eram ditas, algumas cenas que aconteciam que me faziam viajar um pouco e na volta eu perdia alguma coisa. É que ele é muito... é narrado o tempo inteiro e acabava me dispersando um pouco nesse sentido. Uma dispersão boa porque na verdade me fez fazer ligações que me foram muito úteis. Para te precisar agora, meio complexo, mas mesmo o que eu tinha falado para você antes, de uma coisa que me faça sair com mais perguntas do que respostas, é dito inclusive no filme. Tem uma passagem que o cara fala isso. Então acho que é um pouco por aí, essa associação, por exemplo, quando veio eu falei "Pô" e aí embarquei. (72. O Pequeno Soldado).
A cena que o espectador vê toma-lhe a atenção de tal modo que o pensamento retira-
lhe momentaneamente do fluxo do filme. Apesar do espectador não nomeá-la, podemos supor
que a atenção exigida nesse filme segue um estilo flutuante, sendo que os pontos de embarque
seriam as "cenas que ficam marcadas na cabeça", que pegam, emocionam o espectador:
capturam, usando o termo com que Ada Morgenstein, colega do Laboratório de Psicologia da
Arte, define esse choque estético.
Os espectadores de O Pântano e Noite Vazia dão-nos também a medida de outros
momentos de captura:
Porque o que acaba ficando mesmo são aqueles filmes mais chatos. Igual aquele filme do... o primeiro filme iraniano que veio para cá, aquele Através das Oliveiras. Puta aquele filme eu assisti no cinema, ali no Belas Artes, faz um tempão, eu estava morrendo de sono, mas eu não esqueço daquela história (por que não esquece?) Acho que é difícil de explicar. Não sei explicar isso não. Só sei que eu não esqueço daquela coisa do cara ir atrás da menina. O nome dela é Terereio (Tahereh), acho que chamava assim, não é? Ela se chamava, não é? Aquela coisa do terremoto, do amor daquele cara por ela, indo atrás dela, mesmo ela não querendo. O filme acaba assim, ela passando e ele atrás. Eu não esqueço disso. (35. O Pântano). É, joga umas idéias na cabeça que fica, digamos assim, que não acaba ali dentro, que, tipo, a cabeça fica girando com algumas coisas, umas imagens. Acho que isso é uma das coisas que eu gosto, de sair de um filme e no caminho para casa ou mesmo amanhã, umas imagens ficarem meio que retidas. Isso faz eu pensar umas coisas e não ser um filme que basta a gente pisar ali para fora e aí já é como se não tivesse tido nada, uma coisa que acabou ali dentro. [...] aquelas pessoas juntas naquele apartamento, aquelas 4 personagens juntas, mas sozinhas. O momento da chuva, por exemplo. Mas também houve alguns poucos momentos onde, tipo no fim, aquele casal da Norma Bengell com outro cara lá, meio que sem palavras nenhuma, meio que se conectaram e parece que foi uma coisa boa para os dois, mas também que eles não iam mais... quer dizer, foi aquele momento bom para os dois, mas eles nunca mais iam se ver, mas foi bom naquele momento. Eu achei isso uma imagem
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que me ficou legal, os dois juntos. Era isso assim, essas coisas que ficaram. (73. Noite Vazia).
Através das perguntas: "como foi o filme?" e, principalmente, "teve alguma coisa que
você destacaria do filme?", poderíamos encontrar relatos sobre esses momentos em que o
filme toma o espectador. Entretanto não me alonguei nessas questões: logo introduzia as
idéias de mexer, influenciar etc. É preciso reconhecer que na busca de relatos sobre a
transformação através dos filmes insisti em perguntas utilizando essas idéias, que comumente
levam à compreensão da transformação como a mudança de uma configuração para uma outra
que a contrapõe. Certamente, para mim também não estava muito claro que tipo de
transformação investigava. Ao invés de pensarmos a transformação e cura no sentido da
remissão dos sintomas e cessação da dor através da transmissão de conteúdos terapêuticos,
poderíamos pensá-las a partir dessas formas que nos arrebatam (e aqui retomo às questões do
viajante já que acabamos de mencionar embarcações), no distanciamento que elas exigem de
nós para que delas tenhamos experiência (Cardoso, 1998: 360). Não que ainda não se trate de
experiências quando há esses arrebatamentos. Entretanto à medida que nos distanciamos de
nós mesmos, concedemo-nos um espaço de fruição mais extenso, como se fosse possível um
olhar duplo que encara as formas arrebatadoras e também olha a si, no momento de sua
captura. Desse modo a experiência não se reduz nas linhas de uma mensagem, mas se abre
pela possibilidade de se experimentar as coisas mais extensamente.
Podemos recordar uma das características comuns aos narradores, destacada por
Benjamin: "a despreocupação com que sobem e descem os degraus de sua experiência, como
se se tratasse de uma escada. Uma escada que alcança a terra e se perde nas nuvens" (1983b:
69). No caso de Leskow suas narrativas transitam pela extensão das coisas, pela "hierarquia
do mundo das criaturas": dos seres mais elevados, como a personagem do Justo, ao "abismo
do inanimado" (1983b: 71). De certo modo, parece que estamos ainda diante do "É preciso
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viver mais", que tomamos a partir de Camus; como se visássemos à maior quantidade
possível das coisas e, de cada uma delas, o maior número de perspectivas.
Experimentar mais através da arte: trata-se de um privilégio que lhe concedemos, pois
ela merece nossa atenção, mesmo que nos apareça sem uma utilidade imediata (pedagógica,
educativa ou terapêutica) e simplesmente introduza-nos no campo da experiência. De outro
modo, Merleau-Ponty, em "O olho e o espírito", observa essa concessão à arte, mais
especialmente, em relação às artes plásticas:
O pintor é o único que tem direito de olhar para todas as coisas sem nenhum dever de apreciação. Dir-se-ia que, diante dele, as palavras de ordem do conhecimento e da ação perdem sua virtude. Os regimes que invectivam contra a pintura "degenerada" raramente destroem os quadros: escondem-nos, e há nisso um "nunca se sabe" que é quase um reconhecimento. (1975: 276)
Podemos destacar não apenas nas artes plásticas, mas arriscamos a ver também nos
filmes, imagens que "quase nada acrescentarão às cóleras nem às esperanças dos homens"
(1975: 277). Para pensar essas imagens seria necessário retomar as conversas com os
espectadores. Seria uma proposta para futuras pesquisas, desde que os pesquisadores se
detivessem com os entrevistados nesses momentos de tomada a partir dos filmes. Como
primeira tentativa, faria um exercício a partir de alguns filmes que me ocuparam durante a
pesquisa.
Em 2003, Matrix Reloaded tornou-se uma obsessão para mim. Em um período de
quatro dias vi três vezes o filme: na pré-estréia em uma quinta-feira, no dia seguinte na estréia
e mais uma vez no domingo. Havia tanto a questão da inconclusão do filme e a expectativa
por sua seqüência, Matrix Revolutions, como a vontade de rever as cenas de luta e a
perseguição na estrada. Entretanto, a chegada do Revolutions fez-me ver que tudo que pensara
a partir do Reloaded fora um exercício inútil, pois a continuação não lhe dava qualquer
sustentação. Além disso, as cenas de ação em Revolutions experimentavam pouco além do
que já aparecera em Reloaded: talvez sejam até um retrocesso.
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Não é muito freqüente cenas de ação com muita claridade. Em The Matrix Reloaded,
pelo contrário, há a questão da claridade das imagens, principalmente na luta contra os
múltiplos Smiths e na seqüência que se inicia no salão do Merovíngeo e termina com a
perseguição na estrada. Essa claridade aliada aos efeitos de câmera lenta e aqueles em que a
câmera gira lentamente ao redor das personagens (efeito que ficou conhecido como bullet
time) precisam ao espectador os detalhes das composições. Já em Revolutions há a opção de
cenas mais escuras e os movimentos, apesar da câmera lenta, delineiam-se com menos
precisão ao espectador.
Essa lentidão dos movimentos é importante, pois se retomarmos as encenações de
guerras durante as brincadeiras de infância, quando dois bonecos se enfrentam os movimentos
se desaceleram pois é preciso mexer suas articulações para os chutes e socos. A desaceleração
aparece a medida que a mão intervém no brinquedo e ela também dá a ênfase necessária à
observação de cada um desses golpes (ao menos era assim que brincava com meu irmão). Se
pensarmos então nos efeitos de câmera lenta e que na filmagem atavam-se os atores a cordas
para permitir a manipulação de seus corpos nas cenas de luta, como se fossem marionetes em
tamanho natural, esses recursos parecer-nos-ão tanto mais motivados, pois no filme se fala
muito sobre controle, dominação etc. Se por vezes achamos desnecessários todos confrontos
em filmes de ação, nesse caso, antes descartaria todo o falatório do filme sobre liberdade e
dominação e deter-me-ia sobre cada luta e perseguição, pois nos momentos em que as
personagens mais nos dão impressão de liberdade (seja voando ou andando pelas paredes ou
em qualquer outro malabarismo), vêm-nos a pergunta: "Como eles fizeram essa cena? Como
ela foi possível?". As cenas dos bastidores mostram-nos que nos movimentos em que o corpo
das personagens mais ultrapassava qualquer restrição física, mais o ator se encontrava
seguramente atado às cordas, manipuladas por umas cinco ou seis pessoas da equipe técnica.
Ao invés de um indivíduo livre fazendo suas próprias escolhas, com autonomia e
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independência em relação aos outros, um estado que as personagens tanto procuram alcançar
no filme, seria como se nessas cenas de ação eles nos apresentassem uma liberdade que se
experimenta em extensão aos outros corpos.
Após Matrix Reloaded, apenas Supremacia Bourne pareceu-me experimentar outras
formas de condução de cenas de ação. Diferentemente de Matrix Reloaded, as lutas e
perseguições não sofrem desacelerações. Antes disso, mantém-se rápidas de tal modo que não
se vê precisamente todos os movimentos. Na seqüência em que Bourne luta na casa de um
outro agente Treadstone, não temos o detalhamento de cada golpe, mas vemos uma confusão
de corpos e movimentos. Na perseguição na Rússia, à primeira vista é difícil notar de onde
aparecem os carros que atingem o de Bourne. Além disso na seqüência no túnel, nunca se viu
uma perseguição em que se precisasse forçar tanto a passagem pelo tráfego: ao invés do
habitual zigue-zaguear entre o trânsito, Bourne e seu antagonista avançam sobre os carros de
figuração.
No filme predomina uma câmera próxima de Bourne que não se mantém estável e
balança de modo a causar um pouco de tontura, especialmente quando visto no cinema. Essa
condução não favorece a contemplação das cenas, mas, pela proximidade da câmera,
destacam-se os momentos em que corpo de Bourne recebe pancadas. Ao longo da perseguição
vemos seu carro se arrebentar cada vez mais e os choques recebidos são visto do interior do
carro. Nesse sentido há uma cena interessante: quando uma das viaturas de polícia bate na
lateral do carro de Bourne, vemos essa colisão da perspectiva do banco do passageiro. Nessa
composição temos Bourne ao volante, o carro que bate na lateral e o vidro que estilhaça sobre
seu rosto. Nesse caso também não caberia criticar essas cenas, no que elas contém de
exagerado, pois esses recursos não são disparatados. É preciso que vejamos Bourne ferindo-se
– e ele sofre de tal modo que ao fim do filme aparece manco e com marcas no rosto –, pois, de
certo modo, o filme organiza-se em torno da expiação de uma culpa: inicialmente, porque
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desmemoriado, ele remói-se por algo de que não consegue se lembrar9; ao longo do filme
recorda-se de sua primeira missão e o fim do filme torna-se a busca pela garota cujos pais ele
matara, a fim de dizer-lhe como de fato eles morreram.
Entretanto se voltarmos a pensar na captura, ela não se relaciona diretamente com
essas idéias de culpa e memória, liberdade e manipulação. Essa questão faz-nos retomar o
texto de Merleau-Ponty, "O cinema e a nova psicologia":
O problema com o qual, aqui, nos deparamos, já havia sido encontrado pela estética, com relação à poesia ou ao romance. Existe sempre, em um romance, uma idéia resumível em algumas palavras, um cenário que se define em poucas linhas e, sempre também, temos, no poema, uma alusão a coisas ou a idéias. No entanto, o romance puro ou a poesia pura não possuem a simples função de nos dar a significação desses fatos, idéias ou coisas, pois, assim fosse, o poema poderia ser exatamente traduzido em prosa e o romance em nada perderia sendo resumido. [...] Identicamente, há sempre uma história em um filme e, muitas vezes uma idéia (em On Borrowed Time – Horas Roubadas, Bucquet, 1939 – a morte só é terrível para quem não a admite), mas sua função não é a de nos dar a conhecer os fatos ou a idéia. [...] Quer dizer: a idéia ou os fatos comuns estão presentes apenas a fim de propiciar ao criador a busca de seus signos sensíveis e, assim, traçar o monograma visível e sonoro. (1989: 114-5)
O que vemos no filme não estaria lá para nos ilustrar uma idéia, como se coubesse ao
espectador apenas extrai-la do meio do fluxo do filme. Mas, antes disso, essa idéia deveria ser
tomada como motivo desencadeador durante o processo criativo (vimos como ela desencadeia
diferentes modos de condução de cenas de ação em Matrix Reloaded e Supremacia Bourne).
Nesse sentido, o espectador caminharia no sentido inverso da criação, seguindo, de trás para
frente, da imagem finalizada às idéias que as motivaram. À parte desse esquematismo que
apresentamos, se para o diretor a idéia desencadeia a busca de imagens, para o espectador é a
imagem arrebatadora que o leva através dessa história invertida até desembocar na idéia.
Entretanto, nem por isso o arrebatamento se desfaz. Dar nome a essas imagens talvez seja a
tentativa de dar-lhes contornos mais humanos, de incluir-lhes em um horizonte mais familiar.
Quem sabe um outro modo de encarar esses arrebatamentos seria responder na mesma
moeda: uma imagem por uma imagem? Ocorre-me novamente a história de Simbá: em que
9 Desmemoriado não parece um bom termo, pois vê-se que a memória ainda atua e insiste em lhe trazer essa lembrança sem nome.
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ponto o carregador abandonaria os banquetes ao lado do marinheiro e por-se-ia em direção ao
mar? Como espectador já me canso mais facilmente: hoje vou bem menos ao cinema e
dificilmente embarcaria em outra maratona de filmes na Mostra de São Paulo. Entretanto isso
não significa que não haja mais uma paixão por filmes; pelo contrário, ela ainda resiste como
paixão de ver, tanto imagens de filmes, como imagens da vida que tão bem se imaginariam
em filmes. Podemos pensar que essa paixão de ver escora o desejo de se fazer visão.
Nas palavras de Merleau-Ponty em "O olho e o espírito":
Entre ele [o pintor] e o visível, os papéis se invertem inevitavelmente. É por isso que tantos pintores disseram que as coisas olham para eles, e que André Marchand, depois de Klee, afirmou: "Em uma floresta, repetidas vezes senti que não era eu que olhava a floresta. Em certos dias, senti que eram as árvores que olhavam para mim, que me falavam... Eu lá estava, escutando... Creio que o pintor deve ser traspassado pelo universo, e não querer traspassá-lo... Aguardo ser interiormente submergido, sepultado. Pinto, talvez, para ressurgir". (1975: 282)
Como ocorre ao pintor, há momentos em que o espectador é traspassado pelo filme,
aguardando ser interiormente submergido, sepultado. Entretanto diferentemente da afirmação
de André Marchand, o espectador é pego desprevenido e dispõe apenas do seu corpo, não tem
em mãos um pincel, uma aquarela para prolongá-lo e levá-lo a ressurgir em um quadro: não
há formas para fazê-lo ressurgir10.
Há a possibilidade de um ressurgimento através de uma câmera e temos os casos
daqueles que da cinefilia passaram à direção, vide o exemplo da Nouvelle Vague. Entretanto
penso que não me caberia cumprir esse ressurgimento munido de uma câmera, pois ainda me
falta um tanto para poder operá-la. Mas, quem sabe, através de uma escrita visionária? Sim,
uma escrita que se faz visão, para que essas imagens de filmes/vida que assombram e bem
ocupam-me atualmente ganhassem outro destino; uma escrita que não propõe o desfilar de
uma série de acontecimentos que sucedem segundo uma cadeia de causas e efeitos, da qual,
10 Agora vem-me à lembrança as notícias sobres os três espectadores que morreram por enfarte enquanto assistiam A Paixão de Cristo: "Mulher morre ao assistir a filme de Mel Gibson" (O Estado de São Paulo, Geral, 26/2/04), "Pastor morre em exibição de A Paixão em BH" (O Estado de São Paulo, Geral, 23/3/04), "Mais uma morte ligada às emoções de Paixão de Cristo" (O Estado de São Paulo, Caderno 2, 30/3/04). De certo modo dão-nos medida de como o espectador se encontra desprevenido diante do filme.
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como conseqüência, extrai-se um sentido para a história/vida; mas uma escrita que se fixa
nessas imagens persistentes até que um visão rompa na consciência (tal clarão de relâmpago a
iluminar céu e, mais ainda, o que se esconde mar abaixo em uma noite escura em pleno alto-
mar) e traga o que parecia fadado ao esquecimento, deixado lá atrás. E, seguindo André
Marchand, se as coisas nos olham, que essas visões, como olhar das coisas sobre nós, sejam o
olhar estranho com a distância suficiente (distância talvez inumana11) a revelar em nós uma
alteridade que nos escapa comumente à vista.
Essa atividade de resgate parece-me caracterizar essa memória implacável do
melancólico, que de tempos em tempos reapresenta o que não se faz mais presença, exigindo
que se represente o momento mesmo em que o passado se impõe ao presente e permanece o
tempo necessário até finalmente escoar no "ditoso mar do esquecimento", como diria
Benjamin. Como ponto de partida só consigo ver um título para o que se escreverá: encore
merencório.
11 Trata-se de outro contexto, entretanto encontramos a partir de Gagnebin: "toda boa vontade humana não conseguiria nos consolar da inumanidade do sofrimento; somente o pode o que é, igualmente, "inumano", o que interrompe o discurso da memória e da justificação, o que, ao mesmo tempo, pulveriza e salva essa história infinitamente repetida: este outro, ao mesmo tempo íntimo e totalmente estranho, que subverte e, secretamente, sustenta a humanidade dos homens, Benjamin o chama messiânico, para melhor marcar sua alteridade fundadora" (1994: 129).
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