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A GEOPOLÍTICA NAS SOCIEDADES TROPICAIS AMAZÔNICAS
MARCOS PEREIRA MAGALHÃES
RESUMO: Este artigo analisa a questão da política, geopolítica e formação do Estado nas
antigas sociedades amazônicas. Parte do princípio que o evolucionismo cultural, que ainda
orienta a maioria dos estudiosos que estudam o assunto, apresenta dificuldades filosóficas e
ideológicas para estabelecer tais interconexões. Por conseguinte, propõe uma alternativa
que, por sua vez, pode alterar a própria perspectiva que temos sobre a política e o Estado. A
análise parte da crítica às bases mais profundas do pensamento (filosófico, econômico e
evolucionista) que estrutura as interpretações sobre os modos de organização do poder nas
chamadas sociedades complexas amazônicas, com aportes em evidências arqueológicas.
Por fim, conclui que existiram relações políticas, que além de possuírem uma formação
milenar, apresentam características regionais próprias, sem qualquer relação com os
modelos ocidentais que ainda orientam os estudos arqueológicos na Amazônia.
PALAVRAS-CHAVE: arqueologia, sociedade, poder.
ABSTRACT: This paper analyzes the subject of the politics, geopolítica and formation of the
State in the old amazon societies. It leaves of the beginning that the cultural evolucionismo,
that still guides most of the specialists that you/they study the subject, it presents
philosophical and ideological difficulties to establish such interconexões. Consequently, it
proposes an alternative that, for its time, it can alter the own perspective that we have on the
politics and the State. The analysis leaves of the critic to the deepest bases of the thought
(philosophical, economic and evolucionista) that structures the interpretations on the
manners of organization of the power in the calls amazon complex societies, with
contributions in archaeological evidences. Finally, it concludes that political relationships
existed, that besides they possess a formation milenar, they present own regional
characteristics, without any relationship with the western models that still guide the
archaeological studies in Amazônia.
KEY-WORDS: archaeology, society, power.
INTRODUÇÃO
Este artigo é a retomada do tema do poder, que venho tratando desde a “A Phýsis da
Origem” (i). A necessidade de aprofundar mais o assunto surgiu depois de ter lido “A
especialização do trabalho, a formação do Estado e a reorganização das relações de
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produção”, de Thomas C. Patterson (ii). O autor inicia seu texto mostrando como a ideologia
do evolucionismo cultural levantou seus pilares sobre as idéias de filósofos e economistas
do século XVIII. Apesar da sua linha de pensamento ser bastante distinta da minha, sua
perscrutação do pensamento arqueológico incentivou-me, seguindo os percursos sugeridos
por seu raciocínio, a questionar um dos pilares da disciplina, sobretudo, aquele que versa
sobre os modos de organização dos poderes sociais e políticos, nas antigas sociedades
amazônicas. O fato de eu ter seguido um caminho distinto daquele sugerido por Patterson, é
uma prova da flexibilidade que a ciência nos permite, desde que se entenda que a
compreensão do mundo depende do modo como se observa o observável. Como afirma
Maturana (iii), todo argumento especifica seu domínio de validade e, portanto, especifica
também o universo no qual é válido.
Por outro lado, qualquer exame alerta percebe que algumas idéias mascaram-se tão
enraizadamente na teoria acadêmica, que nem mesmo quando um estudioso concatena
sobre essas mesmas idéias consegue vislumbrar qualquer traço crítico sobre elas. E assim
reproduzem-nas como se elas compusessem uma verdade absoluta, base para as mais
diversas afirmações, cujos argumentos científicos daí derivados tomam a aparência de
inquestionáveis. Na ciência temos diversos exemplos, especialmente no passado da
evolução científica, já que, no presente, os estudiosos podem estar ainda muito envolvidos
pela ilusão da “inquestionalidade” de certos pensamentos. Por conta disto, acabam
desaparelhados para notarem o quanto um argumento dominante pode estar equivocado.
Desse modo, quando Denise Schann (iv) afirma que a cerâmica cerimonial
Marajoara veicula valores político-religiosos de elites emergentes organizadas em cacicados
competitivos, segundo o modelo proposto por Carneiro em 1981(v), ela parece ignorar que a
base desse pensamento tem raízes no Iluminismo do século XVII, nos trabalhos dos
filósofos morais escoceses e dos economistas políticos clássicos do final do século XVIII e
no evolucionismo social desenvolvido no século XIX.
No entanto, alguns estudiosos como Meek (vi), já alertavam que a ideologia do
evolucionismo cultural, que ainda segue fundamentando o estudo da organização das
sociedades antigas americanas deriva, entre outros, mas em especial, do pensamento de
Adam Smith (1723/1790). Porém, nada há de mais distante do que as teorias de Smith, que
teve origem no chamado Iluminismo Escocês, quando da ascensão do capitalismo ocidental,
e os modos de organização política e econômica das sociedades americanas pretéritas,
particularmente, as amazônicas. Para Smith, a divisão do trabalho e a hierarquia social iam
se acentuando conforme as sociedades se tornavam mais populosas, complexas e novas
técnicas iam sendo descobertas e incorporadas (vii). O problema, como observa Patterson,
é que em Smith, os motores do desenvolvimento econômico – a divisão crescente do
trabalho e a produção para o mercado – são sucessivamente enraizados no setor industrial,
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e não na agricultura. Dessa maneira, o esquema conceitual adaptado pelos evolucionistas
culturais, é uma simplificação da economia política clássica e uma forma não
problematizada de mudança histórica, que seria um subproduto ocasional de processos
políticos e econômicos tidos como naturais.
Além da idéia de evolução social, baseada no evolucionismo cultural, por sua vez
baseado em conceitos elaborados no século XVIII, outra questão associado a esta
problemática se refere ao conceito de Estado. Foi a filosofia de Thomas Hobbes
(1588/1679), ainda no século XVII, que cria as bases para o desenvolvimento do conceito de
Estado, que ainda será largamente utilizado na modernidade, especialmente, nas
sociedades ditas democráticas. Hobbes está na raiz do pensamento iluminista sobre a
constituição do Estado, embora ele mesmo tenha vivido em pleno Renascimento. Como
notório mecanicista e racionalista que era, Hobbes criará as bases para a idéia jurídica do
Estado, de modo que uma sociedade só passa a ser aceita como estatalmente organizada,
quando já possui um corpo jurídico suficientemente forte para estabelecer direitos e deveres
entre cidadãos e instituições. Mas entre estes últimos, são as instituições que organizam os
cidadãos e, entre elas, são as que compõem o aparato de governo, que representam e
controlam os aparelhos do estado. Com isto, além de controlar as relações de poder, o
governo passa a se confundir com o próprio Estado. Esta filosofia, ainda muito adiantada
para o mundo pós medieval de então, só no século XIX será largamente aceita e
mundialmente difundida.
É no século XVIII que o espírito das leis (Montesquieu – 1748) e o contrato social
(J.J. Rousseau – 1762) inicia o controle sobre a esperteza do príncipe maquiavélico
(Maquiavel – 1513), mas, ao mesmo tempo, garante a ele, sob o rigor jurídico, o controle do
Estado. É isto que permite o sucesso das revoluções republicanas e a redescoberta do
Leviatã, de Thomas Hobbes. A hegemonia deste pensamento só cede com os marxistas,
que apesar de reconhecerem que governo e Estado são coisas distintas, acham que o
Estado é uma composição de relações de poder antagônicas, dominada pela classe
dominante. Na arqueologia, apesar de extremamente materialista e determinista, a doutrina
marxista tem servido de inspiração para diversos estudos voltados para o entendimento da
formação de sociedades agricultoras chamadas de pré-capitalistas. Não obstante, esses
estudos, como podemos observar em Patterson, esbarram na limitação sobre o
entendimento do próprio conceito de Estado, que só surgiria após a dissolução das regras
de parentesco e a cristalização de estruturas de classes e de instituições estatais que
garantiriam relações sociais de exploração.
Uma outra importante questão vem à tona na citação de Schann. Trata-se da
afirmação de que existiriam hierarquias organizadas competitivamente. Esta idéia tem
origem no darwinismo social desenvolvido no século XIX por positivistas organicistas, que
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se basearam nas idéias de Charles Darwin (1809-1882) e de Herbert Spencer (1820-1903).
Este último exerceu maior influência, especialmente, por conta das suas idéias racistas
sobre a evolução social humana. Para Spencer, os elementos constitutivos da vida passam
por modificações propiciadas pela redistribuição da matéria e do movimento, gerando
mudanças que operam em um contínuo do menos ao mais complexo, através de diferentes
estágios. Fato universal que englobaria os organismos e as sociedades. Além disso,
afirmava que no processo da evolução social, existe luta pela supremacia entre os povos ou
entre as pessoas, o qual estabelece, de forma natural, a superioridade e a persistência do
mais forte sobre a subordinação do mais fraco.
O darwinismo social, de maneira geral, pode ser definido na crença de que as
sociedades mudariam e evoluiriam em um mesmo sentido e que tais transformações
representavam a transposição de um nível menos elevado para um estágio superior. De
maneira análoga ao desenvolvimento do homem, as sociedades também estariam sujeitas à
lei da seleção natural. Dentro de um determinado contexto, prevaleceriam as sociedades
mais aptas e capazes, sendo as outras extintas pela luta com as mais "desenvolvidas" ou
pela dificuldade de superar obstáculos naturais. Assim, as sociedades mais hábeis foram
prevalecendo em detrimento de outras que não conseguiam prosperar dentro de ambiente
hostil. A diferença fundamental entre essas idéias e as dos economistas do século XVIII, era
a força que a origem natural da sociedade teria sobre e a luta pela sobrevivência. Para a
tradição humanista ela poderia ser ordenada por leis sociais, para os evolucionistas, por leis
biológicas naturais.
Porém, apesar do evolucionismo social já ter inspirado dois subprodutos
notoriamente genocidas: a eugenia na ciência e o nazismo, na política; suas idéias sobre a
formação do Estado e as relações sociais, ainda encontram eco na arqueologia brasileira.
Fato estabelecido porque a contextualização do evolucionismo social na história do
pensamento da arqueologia, onde é abrigado no evolucionismo cultural da Escola Histórico-
Cultural norte-americana, constata que essa teoria tem ignorado largamente, a influência
ideológica de fatores políticos na trajetória da disciplina. E este é um dos fatores que
obscurece o modo através do qual o contexto influencia os termos orientadores da pesquisa
e os conteúdos dos conhecimentos científicos produzidos.
Por fim sobressai uma última questão, esta inserida indiretamente nas observações
feitas acima, e que se refere à característica fundamental do Estado. Desde o século XVIII,
quando o Estado começou a ser pensado, ele foi considerado como o resultado da
socialização humana, fosse por questão de ordem social ou de ordem biológica. Para o bem
ou para o mau, através do crescimento populacional, da conquista de novas técnicas de
produção, da divisão do trabalho, do conflito e da luta entre sociedades ou entre classes, o
Estado seria o resultado final a ser atingido por uma sociedade ao alcançar determinado
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nível de complexidade sociocultural. Todavia, a partir do século XIX, com o refinamento da
idéia do direito positivo, já prefigurado por pensadores como Montesquieu, Rousseau e
outros, e o fracasso mais tarde, no século XX, da sociologia biológica concretizada por
nazistas e fascistas, se consolidou a idéia de uma Teoria do Estado em que as ordenações
sociais não são fruto de uma ordem natural, mas tão somente, de regras sociais normativas
(viii). É com esta última idéia que todos os Estados modernos se fundamentam, através de
normas sociais, legalmente constituídas.
No entanto, essa discussão sobre a naturalidade ou normalidade legal do Estado não
tem qualquer sentido. Isto, por um fato muito simples: o Homo sapiens sapiens, por ser em
si um ser natural, sempre produz, seja lá o que for, por instinto ou artifício, uma expressão
da natureza humana. Ou seja, as ordenações sociais, culturais ou políticas são, em
qualquer tempo ou espaço humano, manifestações da natureza, não importando o quanto
artificiosas elas sejam. Assim, a ordem estatal de uma sociedade é, em qualquer
circunstância, natural. Por ser natural, especialmente da natureza social humana, a ordem
estatal pode se organizar desde muito cedo, independente do grau de domínio tecnológico
ou territorial, de riqueza econômica ou da complexidade cultural que a sociedade possa ter.
Por outro lado, justamente porque a organização da sociedade pode ser ordenada segundo
as normas culturais específicas do grupo, ela pode assumir a mais variada forma, com
características e padrões políticos bem distintos, relativamente às outras sociedades
estatalmente organizadas.
Por ser um artifício da própria condição natural da sociabilidade humana, não há um
gatilho cronológico de ordem econômica para a formação do Estado. Para que esta se
inicie, não é necessário o domínio de uma técnica que conjugue controle de território, da
divisão do trabalho e da produção. Não é preciso, enfim, que haja agricultura ou pastoreio. É
preciso apenas que haja um grupo organizado, onde a ordenação dos poderes individuais,
segundo as tradições que a estabeleceu na sociedade, seja o campo de manifestação
desses mesmos poderes. É a partir dessa situação que o Estado encontra condições para
se desenvolver.
Também não existe qualquer padrão de ordem universal para os modos de
organização dos poderes individuais e coletivos. Ele pode variar conforme a história própria
da sociedade, cujas relações de poder vivenciadas são conjugadas com as relações que os
homens mantêm com os ambientes onde os recursos naturais explorados ou produzidos se
localizam, e com os outros homens de distintas sociedades. Existem, portanto, muitas
variáveis. Porém, ainda que não se possa detectar um padrão universal, pode-se observar
um padrão regional, não necessariamente, de inflexível onipresença. Essa flexibilidade se
justifica pela variedade de línguas, cosmologias e até de astronomias e matemáticas que
diferentes sociedades regionais podem apresentar.
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O objetivo deste texto, em síntese, é apontar o padrão de ordem estatal regional, não
apenas como sendo distinto dos padrões ocidentais, como também distinto dos modelos até
agora utilizados para explicar a política dos povos amazônicos. Não se trata de uma mera
desconstrução, mas, ao contrário, da tentativa de apresentar um padrão político regional,
que não pode ser considerado inesperado e nem espaço-temporalmente imutável.
Para chegar ao ponto que pretendo alcançar, o enfoque será dado ao
desenvolvimento das relações de poder. Meu primeiro passo foi reconhecer os modos
possíveis às práticas de poder, através da análise feita por Foucault. O segundo foi entender
como Weber coloca a questão das relações sociais frente aos tipos de dominação definidos
como tradicional e carismático. Por último, foi compreender a definição ontológica de Badiou
sobre o “estado da situação histórico-social”.
O princípio básico no qual este texto está pautado é de que também existe uma
gestação de longa duração nas relações geopolíticas, cujos fundamentos têm origem na
reorganização das experiências adquiridas nos níveis precedentes, no lugar próprio de suas
manifestações, ainda que esses fundamentos possam sofrer, ao longo da história,
interferências episódicas quaisquer. Compreendo, tal como afirmado por Mithen (ix), que
cada uma das experiências humanas, além de única e diferencial, é componencial, isto é,
implica em um conjunto de componentes específicos que necessita de amadurecimento
consciente antes de interagir com os componentes das outras experiências, também
específicas. A cumulação se dá em nível componencial (de conexões modulares variáveis),
mas é a conexão das experiências e/ou dos usos que caracterizam certas práticas, com a
sensibilidade, que altera as estruturas sociais, as relações políticas e o estado da situação
histórico-social originais. Este é o princípio que servirá de guia para as minhas abstrações
sobre as idéias de poder extraídas de Weber, Foucault e Badiou.
DOS MEIOS E FINS
Tendo por base teórica os autores citados, formulei uma idéia de poder que estaria
além das relações de força, mas que se constituiria por meio de tensões contrárias em
acomodação. Longe de entender que as fontes de poder residem exclusivamente no
controle dos recursos, do trabalho e do comércio, segundo a abordagem essencialmente
materialista – proponho, tal como Blanton (x), que inúmeras dimensões não-materiais do
comportamento são essenciais no processo não markoviano de instalação formal da
diferenciação social. Com isso em mente, faço uma colocação crítica das interpretações em
voga sobre a evolução, a relação homem/natureza, o nível da complexidade sociocultural e,
em especial, sobre as relações políticas atribuídas às sociedades indígenas amazônicas.
Utilizando-me de dados arqueológicos (xi) e etno-históricos, tento mostrar a possibilidade
concreta de se construir um modelo sociopolítico, vinculado ao modo de vida humano
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desenvolvido na floresta tropical amazônica, que tem uma formação original própria. Esse
modo de vida, por sua vez, caracteriza a noção comum composta por diversos padrões
socioculturais. Entre esses padrões, os constituídos por objetos arqueológicos típicos como
os encontrados em sítios de caçadores-coletores amazônicos, estariam na base formativa
das culturas agricultoras posteriores.
A elaboração do texto se baseou no método compartimentar de recortes e colagens
de idéias, oriundas de fontes diversas (primárias ou textuais), tal como proposto por Deleuze
(xii). Entretanto, os recortes e colagens feitos obedeceram a duas orientações fundamentais:
primeiro a restrição das fontes e dos autores selecionados e mais a relação das idéias com
os dados provenientes das fontes arqueológicas consultadas, complementados,
secundariamente, por outros diversos autores e temas; segundo, a amarração do tema
proposto a apenas duas variáveis, a saber: poder e Estado. Isto resultou não na defesa dos
conceitos originais que serviram de base, mas na adaptação deles à realidade observada. O
objetivo final, mais do que uma simples desconstrução das teorias de poder atuais, foi a
reconstrução da idéia de poder coletivo, onde Estado e governança não mais se
confundissem.
OS MODOS DE SER DO PODER
Segundo De Masi (xiii), na construção do saber científico, às vezes temos o vigor
pelo vigor, renovando constantemente o controle acadêmico, que se torna poderoso e
impessoal. Esse controle forja idéias que se cristalizam pela força da repetição. Passamos,
por causa disso, a encarar o mundo com os óculos do costume. E não importa o quanto seja
diferente a realidade que vislumbramos. Tendemos a acreditar que a realidade é que está
errada e nos esforçamos para acomodá-la ao costume que nos “domesticou”. Acredito ser
por força de certos olhares previamente condicionados, que esperamos encontrar na
evolução social e política dos povos de todo o mundo, tendência a uma complexidade social
cada vez maior que, invariavelmente, organiza as relações de poder em seguimentos
hierarquizados previsíveis e universais, cuja manifestação se expressa de um núcleo central
de onde toda força emana. E tudo isto, segundo o controle dos recursos, do trabalho, do
território, do comércio, guiado pela rédea das leis. Parece, em resumo, que o poder só pode
ser compreendido a partir de experiências materiais inevitavelmente centralizadoras, nas
quais os seguimentos socioculturais se estratificariam hierarquicamente, e somente a partir
de certo nível de complexidade socioeconômica e estruturação urbana.
Isso é parcialmente verdadeiro para os Estados antigos da Mesopotâmia, do Egito,
do Mediterrâneo e em parte, para certos Estados modernos. Mas já não é tão verdadeiro
para as sociedades anteriores às arianas que se formaram no vale do Indo e as da
Amazônia brasileira em especial. Ou seja, é possível ter existido e ainda existir outros
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modos de organização do poder, nem centralizados, nem estratificados, modos nos quais os
poderes convergentes não seriam mais importantes do que os divergentes. Modos políticos
(ainda que dentro do seu âmbito de relação) que foram ou ainda são muito mais eficazes do
que os modos atualmente considerados superiores.
Numa perspectiva mais ampla, podemos encarar o aparecimento das relações de
poder como um dispositivo essencialmente estratégico. As relações centralizadoras de
poder teriam aparecido diante de possibilidades externas aos próprios poderes, mas que
imanentes a eles os situaram como elementos estrategicamente elaborados. Há, contudo,
possibilidades táticas de poder diversas, porque as táticas dependem apenas das condições
exteriores, já que as relações de poder estão, em princípio, no interior dos corpos em
tensão, mas interagindo com o mundo ao seu redor. As tensões sociais levam às relações
de poder. Essas tensões, entretanto, não devem ser encaradas apenas como luta ou
controle dos bens materiais, mas principalmente, como um acomodamento das forças
produzidas pela sociedade. Dimensões “não-materiais do comportamento” retiram do
homem a sujeição à condição material e permitem uma flexibilidade interna mediadora (xiv).
Isto é, analogamente, as tensões tectônicas provocam o deslocamento da crosta terrestre
em áreas críticas. As forças em oposição geram energia que pode provocar alterações na
paisagem. Entretanto, por mais violentas que sejam essas transformações, elas não se
caracterizam pela luta, mas pela acomodação, pela busca de um ponto de equilíbrio. A idéia
de conflito e luta são conceitos que, de antemão, comprometem as relações sociais. Numa
outra perspectiva, a idéia de poder poderia admitir qualidades completamente diferentes das
derivadas dos conceitos de conflito e luta.
Entretanto, as relações humanas são de ordem natural, mas, além disso, também
são históricas; isto é: cognitivas, psicológicas e culturais. Consequentemente existe nelas
um grau qualquer de consciência que, por meio de atos planejados, pode alterar o rumo dos
acontecimentos. Coisa impensável para os acontecimentos físicos clássicos. Com isso
entendo que a integração dos acontecimentos físicos (da natureza) com a apreensão
cognitiva, psicológica e a vivência histórica dos mesmos, gera a consciência adequada
dessa tensão, que se materializa através das estratégias desenvolvidas nas relações
sociais. Como os acontecimentos físicos podem ser muitos e variados e como os sujeitos
podem apreendê-los de modos também muito diversos, logo, as relações centralizadoras de
poder são apenas umas daquelas possíveis, mesmo que alguém as considere
geneticamente predeterminadas.
Michel Foucault jamais dedicou um livro ao tema do poder. No entanto, é possível
afirmar que esse é um assunto que se espraia ao longo de toda a sua obra, sob as mais
variadas formas. Por esse motivo, a questão do poder é indissociável de seu pensamento e
constituí-se como um tema imanente. E apesar de disperso por sua obra, o conceito de
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poder de Foucault rompe profundamente com o que ele chamou de teoria jurídica do poder.
Ele afirmou que se deve estudar o poder fora do modelo do Leviatã, deve-se pensa-lo fora
do campo do Estado e, mais especificamente, da soberania e das instituições (xv).
Foucault (xvi) disse que o poder em si não possui uma realidade de natureza
essencial, que se defina por suas características universais. Ao contrário, o poder é uma
prática social se constituindo historicamente. O poder é algo que circula incessantemente
sem se deter exclusivamente nas mãos de ninguém: potencialmente, todos são, ao mesmo
tempo, detentores e destinatários do poder, seus sujeitos ativos e passivos. Em resumo, “o
poder transita pelos indivíduos, não se aplica a eles (...) o poder transita pelo indivíduo que
ele constituiu” (xvii). Além disto, há formas de exercícios de poder diferentes do Estado, que
mesmo longe do julgo deste, se articulam de maneiras variadas e são indispensáveis
inclusive à sua sustentação e atuação eficaz. Entretanto, os neodarwinistas insistem na
idéia de que existe sim, uma natureza de poder essencial no homem. Deste modo, a
vontade de poder tal como ocorre entre os indivíduos de uma sociedade de chimpanzés,
também é natural no ser humano, mas é tão maleável que pode ser humanizada pela
cultura e alterada pela história.
Na verdade, antes mesmo de uma sociedade organizar-se através da Nação, há
práticas sociais de sustentação diversas e dispersas expandindo-se por toda a sociedade,
assumindo as formas mais regionais e concretas, que podem tomar corpo em técnicas de
dominação ou equilíbrio: com luta ou sem luta, com centralização ou sem centralização, com
a força das leis, da cooperação ou, enfim, com a força das tradições e das ações
carismáticas. Os exercícios de poder, entretanto, por mais heterogêneos que sejam ao se
situarem no próprio corpo social, penetrando a vida cotidiana em todos os níveis, nos quais
as estratégias se interpõem e se alimentam de símbolos e táticas, não só encontram um
limite na barreira biológica, bem como têm na regionalização, a fronteira da sua experiência
global. Ou seja, não são nem infinitamente universais e nem infinitamente heterogêneas,
nem infinitamente naturais e nem infinitamente históricas.
Considerando a ressalva acima, entende-se aqui que a organização centralizadora
da sociedade não é órgão geral de legitimação do poder; e nem a rede de poderes das
sociedades é uma extensão dos efeitos da centralização. A rede de poderes que uma
sociedade pode constituir, através de relações sociais organizadas, é independente da
existência de uma centralização ou de uma hierarquização subseqüente. Segundo ainda
Foucault (xviii), há mecanismos e técnicas “infinitesimais” de poder que estão intimamente
relacionados com a produção de determinadas práticas sociais. A centralização, enfim, não
é o ponto de partida ou final necessário _ o foco absoluto que estaria na origem de todo tipo
de poder social. Se fizermos algum esforço de observação, verificaremos que em muitas
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das sociedades modernas, as relações de poder em determinadas épocas se instituíram
fora delas.
Quando Foucault fala que o poder não tem centro, que ele circula num esquema
relacional maior, ele está dizendo que o político reflui a partir do alargamento da definição
do campo do poder, da extensão das suas margens mais extremas, onde o Estado
desaparece como centro nervoso que irradia o corpo social (xix). Não obstante, a
diferenciação entre o a realidade do poder e do Estado, não pode ser à custa da negação do
próprio Estado, em favor de uma visão exclusivamente voltada para o corpo (xx). Na
verdade, o foco são os dispositivos de poder centrados em instituições de controle e
domínio, que em nome da soberania de um governo qualquer, se autodenominam senhores
do Estado.
É, efetivamente, em relação à soberania e às suas instituições, que Foucault nega a
capacidade de monopólio do poder (xxi). Muito pelo contrário, mesmo multiplicado, disperso
e amorfo no campo da existência social, o poder só pode ser reconhecido enquanto ação e
prática política, no âmbito do conjunto constituído por esse mesmo campo social. Ou seja,
no campo onde o Estado se constitui. Assim, os poderes estão contidos no Estado, mas não
o contém. Isto é o que Alain Badiou (xxii) chama de estado da situação. Portanto, a crítica
que se faz não é sobre o nível de complexidade sociopolítico que um grupo humano pode
alcançar, mas sobre o pseudo nível de centralização que os poderes assumiriam em todas
as sociedades “complexamente” organizadas. O que estou afirmando é que nem toda
sociedade complexamente organizada prescinde de uma centralização do poder para
constituir-se politicamente. Os poderes são individuais e constituintes celulares do próprio
Estado. Quando não há poder, não há Estado; se não há Estado, não existe relações de
poder. O próprio Foucault dá subsídios argumentativos para isso, quando afirma que as
relações de poder não se passam fundamentalmente nem no nível do direito, nem da
violência, nem são basicamente contratuais, nem unicamente repressivas.
O ponto referencial de Foucault é o do poder em si. Ele explica que o seu objeto de
estudo tem tempo e lugar identificáveis e únicos e se opera em categorias históricas
constituídas. Ou seja, que o poder por ele analisado se manifesta através de seus feitos na
história da sociedade ocidental. Todavia, as categorias analíticas inseridas por Foucault,
entre elas, o biopoder, servem como instrumentos para criar um novo significado para o
conceito de poder. Por isto, quando ele fala de sociedades e de práticas sociais ele
estabelece um parâmetro universalmente identificável. Se o poder para Foucault se constitui
por meio de práticas sociais, que embora heterogêneas são universais _ toda sociedade se
expressa através de práticas sociais _ então o poder é um fenômeno de caráter universal.
Ele não define práticas específicas que caracterizariam o poder, de modo a estabelecer que
apenas determinadas práticas sejam de poder e que, portanto, na ausência dessas práticas
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não haveria relações de poder. Pelo contrário, ele afirma que os poderes não estão
localizados em nenhum ponto específico da estrutura social. Eles funcionam como uma rede
de dispositivos de que nada ou ninguém escapa. Ou seja, o poder não necessita de um
centro de referência para ser exercido.
Com seus domínios de objeto (que dá materialidade ao poder) e rituais de verdade
(que idealiza o poder), que não são necessariamente repressores, centralizadores ou
hierarquizados, o poder possui uma eficácia produtiva, uma riqueza estratégica que
consagra às práticas sociais uma unidade organizativa. Por conta disto o poder não é um
aparelho, nem uma instituição, na medida em que funciona como uma rede que atravessa o
corpo social sem limitar as suas fronteiras.
Segundo Foucault, por intervenção das revoluções liberais, no século XVIII emerge
como uma nova tecnologia de poder, o biopoder, preocupada menos com o disciplinamento
do corpo individual, já moldado pelo trabalho parcelar, e mais com o controle do corpo
social. A partir daí, uma série de intervenções políticas e econômicas, volta-se para a
incidência de epidemias, para o controle das taxas de natalidade, longevidade e
mortalidade, forjando as tecnologias de população. O poder investe, nesse momento, sobre
os corpos socializados (xxiii)
No século XIX, poder disciplinar e biopoder passam a constituir uma unidade, por
meio da eclosão da sociedade normatizada, cujos mecanismos de regulação e correção
produzem, avaliam e classificam as anomalias do corpo social, ao mesmo tempo em que as
controlam e eliminam. Para Foucault, o biopoder tem por agente máximo o Estado moderno,
cuja bio-regulamentação volta-se não para o “fazer morrer” (como no poder soberano
medieval), mas para o “fazer viver”, encompridando o ciclo produtivo da vida humana
coletiva. Deste modo, ainda que não mais seja um atributo apenas do Estado, o biopoder
continua, nessa nova conjuntura, a “fazer viver”, porém, em outras situações, a “deixar
morrer” também. Essas situações permissivas compreendem que “a morte do outro, a morte
da raça ruim, da raça inferior (ou do degenerado, ou do anormal)” seja aquilo que “vai deixar
a vida em geral mais sadia; mais sadia e mais pura” (xxiv). O biopoder, utilizando pseudo-
argumentos biológicos, escolhe a quem deixar morrer. Para essa escolha, a partir do
primeiro quartel do século passado, ele passa a dispor de instrumentos altamente
sofisticados, baseados em uma prática industrial serial e do último quartel, de uma
linguagem digital comum, por intermédio da qual a informação é gerada, armazenada,
recuperada, processada e transmitida.
Foucault não obstante, segue afirmando que se por um lado o biopoder se realiza
pelo controle das populações, por outro também age sobre a espécie humana, que avalia o
conjunto segundo a manutenção da sua existência. Deste modo, a gerência do corpo social,
seria, segundo a análise de Foucault, fruto de um tipo de poder determinado e exercido ao
12
nível da espécie, diretamente ligado ao nascimento, à mortalidade, ao nível de vida e à sua
duração. Por outro lado, pode-se concluir que o biopoder, tal como a própria idéia de poder
definida por ele, também não teria um centro gerador e partiria da própria individuação
periférica dos sujeitos na esfera do social. Assim, ao mesmo tempo em que existe um
biopoder emanando da vontade de controle disciplinar do corpo social, que emerge com a
sociedade industrial, paralelamente, existe um outro muito mais primitivo, que emerge da
vontade de poder do corpo individual.
O “biopoder”, o “controle”, os “dispositivos de segurança” então, não dependeriam,
exclusivamente, do desenvolvimento urbano para se manifestar no corpo social. Muito pelo
contrário, estariam nas origens da organização do espaço social. Ou seja, os instintos
precederiam o sentido na organização do poder. Como conseqüência, as relações de poder
não seriam relações de sentido, de modo que a história não teria sentido e sua lógica seria
tão somente racional. Para serem controlados, os instintos precisariam ser apenas
devidamente racionalizados, de modo que seria difícil escapar do necessário, do tradicional
e do conflito. Essa análise é perfeitamente compreensível segundo o limite imposto pela
necessidade, entendendo-se com isto que o biopoder se manifestaria apenas ao nível da
satisfação animal do corpo. Porém, para ir além do meramente necessário e conflituoso, o
corpo é, antes de mais nada, um organismo sensível, de modo que o exercício do biopoder
é um exercício que contém sentido e, portanto, organização.
Antes de continuar vamos entender, mais profundamente, a definição que estou
dando à idéia de biopoder, que não é exatamente aquela extraída de Dreyfuss e Rabinow
por Foucault. Neste, o biopoder é a tecnologia de poder voltada para a política do corpo,
cuja origem deriva da relação instintiva entre os sujeitos, mas cuja hierarquia se organiza
fora do âmbito do Estado. Mas, o Estado ao qual Foucault se opõe, é aquele herdado do
século XVII e moldado segundo o modelo de Hobbes, em Leviatã. Segundo esse modelo,
além do Estado ser considerado o epicentro de onde todo poder emana, ele se legitimaria
através de um contrato social em que os sujeitos renunciariam suas liberdades individuais
em nome de alguém ou de uma instituição que deteria o monopólio do poder. Essa
restrição, por sua vez, seria a condição necessária para apaziguar as paixões humanas, que
caso fossem deixadas sem o jugo de um poder central controlador, levariam os indivíduos a
uma guerra permanente, onde a única lei a ser respeitada seria a do talião: olho por olho,
dente por dente.
O Estado, neste caso, pode ser perfeitamente absorvido por uma instituição, partido
ou organização governamental, de modo a confundirem-se como uma só e mesma coisa.
Entretanto, apesar de considerar que o poder não tem centro, e que o modelo de Estado
que imperou do século XVII ao século XX, não tem mais qualquer realidade histórica, a
perspectiva aqui defendida é a de que o próprio Estado é o poder em si, não obstante,
13
descentralizado e excedente a toda e qualquer de suas partes constituintes, sejam
individuais ou institucionais. Assim, no biopoder, estou me opondo aos poderes que são
exercidos nas relações, porém, ao nível dos instintos; isto é, das relações sociais exercidas
em nome das necessidades biológicas. O que contraponho ao biopoder é a mediação da
cultura e da história, onde os sujeitos, como indivíduos ou como grupos organizados,
institucionalmente ou não, são elementos componentes de um conjunto cujas características
também definem a sua especiação. Portanto, o Estado existiria desde a existência do grupo
social, e possuiria uma organização e uma realidade histórica própria do conjunto dos
corpos sensíveis, que exercitam suas relações políticas nesse mesmo grupo.
Desse modo, quando olhamos o biopoder para além dos aparatos instintivos do
corpo; quando as necessidades são regular e satisfatoriamente preenchidas; ou quando
seus impulsos são prontamente correspondidos por práticas adequadas, as relações de
poder não mais ficariam impedidas de se expandirem para além do instinto. Sempre haveria
o caso menos necessário, mas igualmente poderoso, do exercício do poder em nome da
fartura, do excedente, do que é demais e da oposição ao que sempre esteve antes de nós.
Ou seja, o poder de Foucault é o poder que se dá através de relações táticas e estratégicas,
mas também por meio de lutas, confrontos e... faltas. Inclusive, da falta de acontecimentos,
dos quais um outro ponto, além do centro nervoso de onde erradia o corpo social, alteraria o
sentido, a intensidade e a duração de um evento histórico.
Corpo nervoso central que, por sua vez, somente em ocasiões sociais críticas,
revelaria suas contradições internas e apresentaria heterotopias de poderes alternativos.
Esta foi a compensação encontrada por Foucault para neutralizar o monopólio disciplinar do
biopoder nas relações sociais. Espaços outros, as heterotopias sociais (presença,
posicionamento ou deslocamento não habitual), que fundamentariam formações sociais em
crise, também possibilitariam a emergência de sociedades alternativas. Assim, o Estado do
Leviatã poderia ser desafiado e novas formas de poder, revolucionárias, poderiam se
expressar, temporariamente. Alterações físicas do corpo social poderiam, então, desafiar o
poder do Estado (governo ou federações) e propor novas formas de expressão onde a
organização do poder se daria de uma forma não comum, não usual, enfim, anormal.
No entanto, se compreendemos o biopoder como exercido por corpos sensíveis, que
dão rumo e sentido à história, podemos compreender que uma vez mudada a sensibilidade
desses corpos, tudo muda na história. Na verdade, talvez não exista uma sociedade que se
constitui sem heterotopia, e essas heterotopias são as mais variadas e se transformam
constantemente. Seria mesmo possível classificar as sociedades de acordo com as
heterotopias que ela constitui. Como nas sociedades indígenas, por exemplo, em que há
contra-espaços destinados aos indivíduos em crise biológica: existem casas especiais para
os adolescentes no momento da puberdade; lugares reservados às mulheres durante a
14
menstruação; outros para mulheres grávidas e etc. Por outro lado, podemos conceber
corpos cujas sensibilidades, além de distintas das nossas, se direcionariam para posições
divergentes dentro do espaço social de convívio, de modo que existiriam mecanismos
sociais que impediriam ou enfraqueceriam os movimentos centrípetos de poder e fariam da
heterotopia, não a exceção, mas a regra fundamental da relação política. Ou seja, as forças
políticas se direcionariam para lugar nenhum; para nenhum lugar que denotasse Um
Território, Um clã, Um Deus, Um Rei.
Não, não é o império da necessidade que determina o destino e a história, sem
qualquer sentido e eminentemente casual. Nem mesmo a ausência de um centro no corpo
social, acarreta a extinção dos poderes que dele emanam. Não, o corpo não é apenas a
origem do poder, ele também é a sua fonte de reformulação, de reprodução e mudança,
independente de sua posição no espaço social ou de heterotopias críticas ocasionais. E
aqui, deve-se entender corpo enquanto corpo social e individual. O número de centros de
poder é igual ao número de indivíduos multiplicado pelo número de instituições. O produto
dessa multiplicação é o excedente do próprio corpo social, onde a heterotopia, a falta de um
lugar central, pode não ser é a exceção, mas a regra. Ë o medo de uma regra sem um lugar
de referência e o apego ao poder instintivo, que geram monstros estatais como o Leviatã.
Segundo uma outra perspectiva, mesmo na hipótese da ditadura da satisfação dos
espaços necessários, nada impede que o biopoder se mantenha perfeitamente equilibrado
através do sentido de cada um dos corpos que fundamentam o aparato social. Pensemos,
assim, na existência de espaços sociais onde as relações de necessidade são
ultrapassadas pela consciência do necessário, através do domínio prático da técnica.
Felizmente, superando a natural rigidez no equilíbrio do biopoder, esses espaços sociais
não necessários existem, já que as relações sociais implicam numa produção de informação
(ou saber, segundo Foucault), que se expressa por experiências práticas, sem qualquer
constrangimento entre as táticas racionais e as estratégias afetivas. Conseqüentemente, as
relações tradicionais podem ser superadas e isso pode implicar até mesmo na criação de
novas necessidades estatais, sem qualquer caráter heterotópico. Por outro lado, podemos
pensar a heterotopia como uma entropia social. Neste caso, a ordem social sofreria uma
pressão permanente de estados de desorganização e o equilíbrio viria por relações
conscientes, em que a própria heterotopia traria um novo potencial de ordem, que poderia
reorganizar toda a comunidade numa outra ordem social.
É possível identificar relações que compartilham a gênese dos espaços sociais e se
expressam além da necessidade, bem como além de qualquer periferia ou centro de poder,
através da cultura e da história. Assim, a história seria alcançada pela lógica racional, mas o
próprio racional estaria envolvido por relações de sentido. Por conseguinte, a história tem
sentido. A história demanda uma produção de informação que é o seu próprio sentido. Este
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sentido está além da necessidade e só é apreensível quando o corpo histórico organizado é
tocado, abalado, emocionado, despertado pelo acontecimento. Ora, não por qualquer
acontecimento infinitesimal, mas por um conjunto de experiências práticas cuja intensidade
garante ao acontecimento uma durabilidade que pode ser identificada dentro da totalidade
dada. Que me desculpe Braudel, mas a longa duração aqui apontada não é a da
imutabilidade estruturalista, contudo, a da conexão evolucionária de eventos históricos que
caracteriza o acontecimento total. Portanto reafirmo, o acontecimento total é um conjunto de
individuações históricas particularizadas em que a mudança está necessariamente implícita,
já que elas são componentes variáveis de um mesmo conjunto unitário, que se transforma
por causa da variabilidade de seus próprios eventos interiores.
Não é o consenso que faz surgir o corpo social, mas a materialidade e a idéia dessa
materialidade do poder, se exercendo no devir, sobre o próprio corpo dos indivíduos, que
respondem não apenas racionalmente, mas por se tratar de corpo, também sensorialmente,
através do sentimento coletivo. Se por um lado nada é mais físico e mais corporal que o
exercício do poder, por outro nada é mais invisível e mais intangível do que as sensações
emanadas pelo corpo que executa o poder. As redes de poder se apóiam e interferem uns
nos outros, mas não coincidem. O corpo social é uma coletividade de poderes individuais
que se equilibram numa nova situação (isto é, diferente da situação individual de cada um
deles). Por isso, essa coletividade de poderes é melhor representada por uma teia onde eles
se desdobram através de implantações, de distribuições, dos recortes, da exploração de
territórios, das organizações de domínios comunitários que em conjunto respondem não
apenas pelas suas necessidades mas também pelos seus desejos. E essa teia, agora
desmilitarizada pela inclusão do sentido, pode constituir-se numa espécie de geopolítica,
cujas estratégias não são essencialmente bélicas ou, menos ainda, estratificadas, mas
componentes de um Estado, cuja alteração das partes alteraria a situação estatal final.
Componentes objetivos e subjetivos estão, muitas vezes, misturados nas relações
sociais, especialmente nas ações motivadas pela tradição. Somente quem tem acesso às
experiências dos processos místicos, por exemplo, pode compreendê-los. Certamente, os
modos de ser do poder são tão concretos quanto subjetivos, são tão racionais quanto
emocionais e dessa mistura podemos ter diversos modos e combinações de atuação do
poder. O sentido dos atos de poder, as informações implícitas e explícitas que interferem na
rede geral dos acontecimentos, no indivíduo ou num conjunto de indivíduos _ seja como
meio, seja como fim _ é concebido pelo agente ou pelos agentes que organizam os modos
da ação. O “artefato social” é compreendido, como Weber (xxv) disse para os artefatos em
si, a partir do sentido que a ação humana proporciona à sua produção técnica.
Considerando que o poder é ação física empreendida por mais de um corpo sobre o próprio
corpo social, então é possível aceitar que o poder possui vários sentidos possíveis,
16
conforme as conexões estabelecidas na rede das relações de domínio. Paralelamente, o
poder de uma organização social, por se expressar dentro de uma ordem qualquer, possui
uma informação e essa informação, um sentido consciente ou em conscientização.
Segundo Weber, que chama as ações socialmente organizadas de “dominação
tradicional”, o componente intuitivo ou, em suas palavras, instintivo, é predominante. Este,
mediado pelo sentido, continua a exercer influência constante nas fases posteriores ou,
como estou usando aqui, nos diversos modos de ser do poder.
As ações cotidianas habituais se aproximam do comportamento tradicional (reação
cega, surda e muda a estímulos habituais que decorrem da atitude repetitiva), mas incluem
na sua manutenção, em diversos graus e sentidos, a consciência. Desse modo, o exercício
do poder, mesmo numa sociedade estritamente “tradicional”, gera no indivíduo que pratica a
ação, um nível qualquer de consciência do sentido do seu ato e a conseqüente apreensão
cognitiva dele. Por isto, nenhuma relação social de poder é desprovida de razão e emoção,
por um lado, ou de meios e fins por outro. Fato estabelecido porque toda organização tem
implícita em suas expressões, uma informação (xxvi) e experiências práticas de finalidades
técnicas (xxvii). Nas sociedades cujas relações sociais repousam no sentimento subjetivo
dos participantes de pertencer ao mesmo grupo, as forças centrípetas das relações de
poder são afetivamente esmaecidas. Onde prevalece a união pelo afeto, a imposição da
vontade encontra resistência nas relações sociais, pois qualquer força coercitiva é
insignificante e não possui nenhum fundamento de legitimidade.
Porém, para Weber tanto quanto para Foucault, o poder é uma relação de forças em
choque, ainda que Weber pulverize o poder entre diversas situações de dominação. Por
exemplo, a pulverização que ele aplica ao poder, através das formas afetivas de dominação,
leva-o ao sentimento de solidariedade histórica existente nas sociedades “extra-
economicamente-orientadas”. Já Foucault choca as relações de poder com a própria
existência do Estado.
A questão que está sendo colocada, contudo, refere-se à manifestação do poder nas
sociedades as mais diversas e dos mais diversos modos, conscientemente sentido,
independente de qualquer tipo de dominação política econômica central, ou da ostentação
de um “grau superior” competitivo de complexidade socioeconômica. Poder esse, enfim, que
emana de um corpo coletivo sem centro ou periferia, e cuja fragmentação é a sua própria
negação. Ou seja, o poder é o Estado, mas o Estado não é ninguém em particular e, no
entanto, é. O Estado é o que está fora, mas onde todos estão dentro.
Quais os valores políticos de Weber, que estão sendo usados aqui? São aqueles que
emergem de sua distinção entre política e ética (xxviii). Para Weber, em um mundo
concebido como uma totalidade hierarquizada, cada dimensão tem uma ética particular que
se integra ao todo, segundo uma cosmologia que atribui preceitos distintos a inserções
17
distintas (como ocorre, por exemplo, na ordem de castas indiana e na doutrina de salvação
cristã). Mas no mundo moderno, o ético se constitui a partir de valores universalistas e
igualitários, quando toma como referência o indivíduo e faz exigências absolutas à sua
consciência. Por outro lado, ao contrário do que ocorre na esfera da ética, o dever político
tem como referência o indivíduo enquanto membro de uma coletividade historicamente
definida, e não o indivíduo como um valor em si.
O político é um indivíduo que vive e se move em configurações socioculturais
específicas, em um duplo sentido: por um lado, o que ele está disposto e inclinado a
reconhecer como um princípio de validade geral depende de suas próprias convicções
íntimas e, estas, ele adquiriu como participante em um determinado mundo; por outro, sua
condição de pertencimento leva-o a ter de responder por suas ações em face e a partir do
grupo social e cultural em que se insere. A política constitui-se, assim, sobre valores
particularistas, mas, ao mesmo tempo, não pode abdicar de preceitos éticos, na medida em
que engendra deveres e virtudes que, se específicos a essa esfera, nela se pretendem
valores universalizáveis. De qualquer modo, as duas esferas (a da política e a da ética) não
se sobrepõem. Para Weber, as exigências impostas pela política a quem nela se insere são
fortemente marcadas por "indicações de conteúdo" para avaliação da ação. Além de
fazerem parte do reino dos "valores culturais", não podem encontrar soluções absolutas e
obrigatórias em premissas éticas.
Enfim, em Weber, o poder em sua essência também é amorfo, mas vai adquirindo
características próprias conforme a vivificação das práticas sociais historicamente
desenvolvidas e potencialmente latentes na formação sociocultural do grupo.
Simultaneamente, a vivificação das práticas sociais ocorre no seu território de ação
particular. Essas práticas, por se expressarem através de uma organização qualquer
transmitem uma informação inteligível. A sua rede de relações é própria dos indivíduos que
compõem cada grupo humano, segundo suas experiências históricas e inteirações com a
natureza local da sua territorialidade. Daí, suas relações poderem assumir sentidos com
éticas diversas: desde simples relações individuais afetivas, até as relações sociais
juridicamente justificadas.
Para Weber, ainda há poder nas relações de dominação tradicional, cuja legitimidade
repousa em ordens e poderes existentes desde sempre, ou tal como as pessoas pensam ter
se constituído nas relações vivenciadas em determinado período e região. Porém, os
membros, supostamente dominados, não são, necessariamente, nem servidores nem
membros de uma associação. Eles podem ser companheiros “tradicionais” sem deveres
objetivos, nos quais as relações de poder se baseiam em conteúdos, que conferem certo
livre arbítrio, mas cuja transgressão aos seus limites tradicionais colocaria em risco qualquer
autoridade assumida.
18
Aquele que domina maiores conhecimentos sobre as tradições quer materiais ou
espirituais, possui também um prestígio maior dentro da comunidade. Ocupa uma posição
de destaque que pode chegar à liderança. Os mais velhos possuem mais prestígio devido
às experiências adquiridas. Mas a elevação do status também pode ser atingida através da
habilidade e do talento em áreas de valoração reconhecida, tais como na caça, na guerra,
no artesanato, na pajelança e etc. Isto pode conferir ao sujeito uma liderança carismática,
que o coloca acima do naturalmente aceito. Neste caso ele pode se colocar também acima
da tradição, mas os seus poderes, segundo Weber, por serem sobrenaturais, só interfeririam
no cotidiano em casos de infortúnios que abalem certas convicções tradicionais.
O reconhecimento dado ao líder carismático é, psicologicamente, uma entrega crente
e inteiramente pessoal nascida do entusiasmo, da miséria ou da esperança. Este era o
status que os “profetas” Tupi-guaranís possuíam na época do contato, quando esse povo se
encontrava em plena migração em busca “da terra prometida”, ou “sem estrangeiros”. Os
jesuítas catalisaram esse movimento e tentaram, eles mesmos, substituir esses “profetas”,
na perspectiva de uma suposta diáspora religiosa.
Segundo Weber (xxix), a capacidade de interferência dos líderes carismáticos sobre
a comunidade só ocorreria em situações revolucionárias. Foi dentro desse mesmo viés, que
mais tarde Foucault desenvolveria argumento semelhante através da idéia de formações
sociais heterotópicas nas sociedades modernas. Mas na Amazônia encontramos uma série
de exemplos que indicam que a liderança carismática seria uma relação de poder muito
comum e independente de situações sociais revolucionárias. Existe mais do que suficiente
número de evidências para acreditarmos que o movimento migratório dos Tupi-guaranís,
além de não ser de diáspora, não era nem de exceção, nem excepcional (xxx).
Entretanto, surpreendentemente, há um dado mais profundo que retira desse
costume qualquer particularidade especial. De fato, toda sociedade organizada possui um
estado da situação que extrapola as suas manifestações quer pessoais ou coletivas.
Segundo Badiou, esse estado é, antes de qualquer coisa, o múltiplo de todos os
submúltiplos da sociedade. Nele, o poder pode se manifestar através das relações sociais,
dos mais diversos modos, mas nenhum deles pode conter a situação coletiva em si mesmo.
Badiou chega a essa conclusão através do estudo do político, segundo a teoria dos
conjuntos, álgebra, topologia, teoria das categorias e lógica. Ele demonstra esta
característica do Estado, matemática e filosoficamente (xxxi).
Eram marxistas os primeiros a perceberem com clareza que Estado e governo são
coisas distintas. No mundo Ocidental, até então, especialmente antes da ascensão da
sociedade industrial, Estado e governo eram tidos como uma só e mesma coisa. Os
marxistas, entretanto, diziam que o Estado sempre era o Estado da classe dominante.
Foucault, por sua vez, deu um passo além, eliminando a confusão que se fazia ao se atribuir
19
uma mesma realidade ao poder e ao Estado. Mas Badiou vai mais fundo mostrando que o
Estado só exerce sua dominação segundo uma lei que qualifica uma por uma todas as suas
composições estruturais componentes, previamente conhecidas. Porém, antes disto, o
Estado ao mesmo tempo em que está absolutamente ligado à representação histórico-
social, também está separado dela.
Na verdade, o Estado é a garantia de que a sociedade é o resultado de todas as
suas partes componentes, e não da consideração de indivíduos ou mesmo de organizações
institucionais ou de classe (um múltiplo de múltiplos, de múltiplos). É a garantia de que o
indivíduo não apenas pertence à sociedade, mas é aquele que está incluído nela. Maturana
(xxxii) sintetiza esta idéia dizendo “que se é indivíduo na medida em que se é social, e o
social surge na medida em que seus componentes são indivíduos”. Portanto, o pior estado
da situação é o da exclusão. A exclusão estatal implica na inexistência histórica daquele que
não é socialmente reconhecido.
Considerando que instituições e organizações governamentais e não
governamentais, sejam civis ou militares, mais o universo dos indivíduos de uma sociedade
organizada, são componentes do Estado, mas não são, em qualquer situação de seus
termos, a sua representação unívoca, logo a nenhum deles poderia ser dado o poder de
representação geral. A ditadura de classe e mesmo a democracia moderna,
conseqüentemente, são formas legalmente reconhecíveis, mas ilegítimas, já que o todo é
muito maior que qualquer de suas partes. O Estado excede e, portanto, todo e qualquer
modo de representação é deficitário. Por outro lado, não se pode lutar contra o Estado uma
vez que toda luta contra ele é uma luta contra a própria sociedade. A vitória sobre o Estado
é a dissolução da sociedade. Em contrapartida, a perspectiva libertária da sociedade contra
o governo, não só é legítima como perfeitamente possível. Os poderes querem
institucionais, querem individuais, numa sociedade ideal, teriam diferenças qualitativas, mas
nunca quantitativas. A sociedade não precisa de representantes, pois os seus interesses
podem ser manifestados coletivamente, através de uma democracia total (uma
demopluscracia).
O problema é que nem sempre, os indivíduos ou as instituições têm consciência da
existência da situação estatal, ou de que as estruturas de funcionamento da sociedade é a
própria estrutura da existência do Estado. Sempre há momentos históricos, especialmente
nas sociedades que não possuem poder centralizador dominante, nos quais não se tem
qualquer consciência do estado da situação manifesto. Entretanto, onde nenhuma das suas
partes conseguiu, de um modo ou de outro, exercer o monopólio do poder, o estado da
situação pode permanecer oculto. Isto não quer dizer que não possa haver no interior da
sociedade, uma hierarquia dos poderes dela emanados, derivadas do biopoder puramente
instintivo, mas acomodada pela cultura ou pela história. Por isso, essa hierarquia deve ser
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entendida como uma diferenciação qualitativa, e não como uma ordenação quantitativa,
crescente ou decrescente dos poderes. É esse tipo de Estado que encontramos nas
sociedades amazônicas. Assim, para entendermos nosso ponto de referência,
reconhecendo o biopoder, mas também a cultura e a história como tecelãs das redes de
poderes, temos as lideranças carismáticas versus as lideranças tradicionais e o poder de
diferenciação qualitativa como um conjunto de submúltiplos, os quais caracterizam os
modos de ser dos poderes nas sociedades amazônicas. Com isso, corrijo Clastres (xxxiii):
as sociedades Tupi-guaranis não eram contra o Estado, elas eram contra governo.
Portanto, em sociedades em que seus múltiplos sociais encontram mecanismos de
centrifugação para além do poder central, os movimentos para fora não geram um outro que
se exclui ou que é excluído. Eles (os movimentos para fora) são não apenas os meios de
controle do poder, como também os meios de expansão cultural e, fundamentalmente, os
meios de formação de uma rede territorial onde nada se exclui e nem se reconhece e partir
de um único centro de referência.
Se na Amazônia existiam sociedades com forte tendência centralizadora e dispersas
em grandes territórios, por outro lado a ideologia dominante não casava com a idéia de
centralização política comum ao tipo de Estado encontrado em outras partes do mundo. A
ideologia dominante nas sociedades amazônicas carregava como um de seus traços
característicos a resistência social à centralização política e o bloqueio cultural à
acumulação econômica (xxxiv).
Nas condições da busca de alimentos, fundada apenas na ocupação da terra, ou
seja, em sociedades sem conexões territoriais extensas, as redes de poderes não
ultrapassam a organização típica do biopoder, reino da necessidade. Entretanto, as redes
de poderes mesmo em nível básico, podem se estender espacialmente, mantendo conexões
para além de uma comunidade local, em cuja sociedade devemos reconhecer determinado
grau de produção planejada. Sua origem é a moradia comum que se subdivide com o
aumento do número de indivíduos, ao fundarem novas comunidades domésticas separadas
e estratégicas. A força de trabalho é mantida com a descentralização local sem divisão, com
a conseqüência inevitável do nascimento de direitos particulares para as comunidades
domésticas individuais.
Já a teia de poderes inter-locais, embora possa, dentro de suas possibilidades
territoriais, mostrar-se de diversas formas, pode assumir um modo de organização de
especial interesse: em aldeias, que é um grupo de comunidades domésticas próximas umas
das outras. Elas atuam politicamente, além dos limites domésticos (além do lugar de
origem), ou seja, num território, em ações abertas e intermitentes. Esse modo de
organização só estabelece limites fixos em sua extensão quando existe uma relação
21
associativa fechada, o que ocorre quando a vizinhança se transforma numa comunidade
econômica ou reguladora da economia dos participantes.
A relação associativa, entretanto, não é, necessariamente, comunidade econômica
ou comunidade reguladora da economia. Ela pode estabelecer uma ordem para regular o
comportamento dos participantes, criando uma relação associativa, sem a obrigatoriedade
de recebê-la por imposição de terceiros, indivíduos ou comunidades, tal como são
estabelecidas as relações associativas de cunho econômico ou político tradicionais.
Segundo Weber, a ação comunitária específica de acordo com a sua natureza geral, é
apenas a fraternidade econômica necessária, com suas conseqüências específicas. Ou
seja, a ordem cósmica ou a unidade de uma sociedade complexa não se expressaria
apenas pelo princípio hierárquico. E a ausência deste princípio não impede o
desenvolvimento de comunidades complexamente organizadas, visto que uma ordem maior
já está implícita no estado da sua situação histórico-social. A interdependência inter-étnica
regional do Orenoco antes da conquista européia, tal como apresentada por Arvelo-Jiménes
& Biord (xxxv), por exemplo, apresenta componentes socioeconômicos diversos nas
complexas relações sócio-históricas que serviram para integrá-los de maneira diferenciada e
horizontal, corroborando assim, com a perspectiva da associação qualitativa dos diversos
poderes (tradicionais, hereditários, carismáticos e etc.) existentes no seu estado da
situação.
Sabe-se que muitas etnias, ao longo de muitos séculos, mantiveram uma intensa
movimentação regional na Amazônia e além dela. Conseqüentemente, penso que na
Amazônia foi muito comum a interferência de forças conscientes que se contrapunham aos
poderes tradicionais, mesmo àqueles alinhados a uma chefia hereditária. Os poderes
tradicionais regionais _ todavia fracos e controlados, durante séculos, por lideranças
carismáticas mantenedoras de costumes migratórios relacionados à exploração dos
recursos naturais e de organizações sociais centrífugas _ só após o contato com o homem
europeu, poderiam ter encontrado razões históricas e culturais para a valoração de
hierarquias sedentárias e de migrações de sobrevivência, em virtude das perseguições dos
conquistadores de além mar. Porém, no estado normal de existência das sociedades
Amazônicas, as ações de centrifugação do poder eram relações sociais comuns e não
heterotópicas.
O PODER NA AMAZÔNIA
A atenta observação das trajetórias evolutivas das sociedades amazônicas tem
mostrado que elas não se resumiram aos processos lineares, seqüenciais e deterministas,
implícitos na classificação “cultural evolucionista”, como bandos, tribos, chefias e estados.
Em princípio, como observou Hays (xxxvi), para o homem, existem muitas outras trajetórias
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possíveis, já que a diversidade na organização humana é maior do que estas categorias
evolutivas. Por isto, quando foram observadas na Amazônia, tanto por antigos quanto por
modernos, centralização política ou hierarquia nas práticas políticas das sociedades
humanas imediatamente anteriores à conquista e em sociedades étnicas atuais, Eduardo
Neves (xxxvii) aventa a possibilidade delas serem o resultado das transformações
produzidas segundo o olhar condicionado pelo dominante “sistema mundial” europeu. Por
outro lado, Roosevelt e Hackenberg (xxxviii), cada um ao seu modo, sugerem que isto de
fato ocorreu. Porém, ainda que isso pudesse ter ocorrido, devemos considerar que esta é
uma condição natural do biopoder, bem como, por outro lado, que tais relações naturais
eram enfraquecidas por forças culturais dispersivas, historicamente construídas e fundadas
no próprio seio da sociedade.
Uma organização sociocultural, quando não sofre a ação perturbadora de uma
conquista, seguida de uma destruição avassaladora por parte de uma outra organização
diferencial, exógena, extra-regional e belicosa (isto é, que não partilha da mesma noção
comum), segue seus próprios rumos. Desenvolvendo práticas e soluções originais desde um
tempo muito recuado, a organização constrói a sua própria história, até que seus módulos
socioculturais, ao atingirem certo nível de acumulação de conhecimento, alcançam um
ponto de mutação quando então suas estruturas são profundamente alteradas. Assim, é
inevitável que, quando uma sociedade atinge um nível de complexidade suficiente para
exercer influência sobre outras, esta complexidade seja resultado da evolução crítica dos
seus próprios padrões culturais locais durante uma longa duração.
Portanto, para entendermos a evolução da organização sociopolítica das sociedades
amazônicas, devemos recuar até àquelas que primeiro ocuparam a região, as sociedades
de caçadores-coletores. Durante muito tempo foi comum a idéia de que sociedades que
viviam da caça e da coleta seriam tão básicas e primitivas, que não exerceriam qualquer
influência no surgimento e desenvolvimento de civilizações. Na Amazônia, elas nem sequer
eram consideradas, uma vez que pensavam que a região só foi povoada quando uma
constelação de aldeias, semelhantes quanto à cultura, às chefaturas caribenhas de quem
teriam importado vários traços, lá se instalou. Essa constelação de aldeias, por outro lado,
do ponto de vista sociopolítico, pouco se diferenciava das “Tribos Marginais” de caçadores-
coletores do Brasil Central e da Patagônia (xxxix). Para piorar, a própria Amazônia era
percebida como uma região hostil à civilização, que, além de ter uma ocupação recente, era
demograficamente rarefeita, sociologicamente rudimentar e culturalmente tributária de áreas
mais avançadas.
Paralelamente, para a maioria dos historiadores, somente quando a humanidade foi
capaz de satisfazer suas carências com a domesticação de plantas e animais em grande
escala, e com o domínio de seus ambientes naturais, teria tido condições de fundar os
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alicerces de um Estado politicamente organizado, com um poder central, uma elite religiosa,
um território e uma população subalterna. Assim, a idéia de que só sociedades agrícolas, ou
pastoras sedentárias e politicamente legais, levariam os homens rumo à civilização, deixou
a impressão de que só a partir delas desenvolver-se-iam experiências técnicas e
conhecimentos complexos. Experiências essas, então improváveis àqueles tidos como
caçadores-coletores, agrupados como bandos ou simples grupos humanos nômades.
Mas, arqueologicamente falando, o que se constata na Amazônia, é que a sua
colonização se consolidou milhares de anos antes das chefaturas cabinhas surgirem. E essa
colonização foi realizada por sociedade de caçadores-coletores nada primitivos. Pelo
contrário, hoje já é até possível discutir sobre o nível de complexidade que uma sociedade
de caçadores-coletores pode alcançar. Realmente, já não há mais dúvida sobre o fato
desses, até então chamados “grupos nômades”, com efeito, terem constituído sociedades
com um grau qualquer de complexidade. O que se discute é em que ponto elas se
institucionalizaram e em que níveis.
Atualmente, pode-se inferir, inclusive, que qualquer grupo humano constitui um grupo
socialmente organizado, onde está implícita uma mensagem informalmente orientada, por
sua vez composta por um universo bastante complexo, definido pelas relações sociais com
o ambiente, acontecimentos históricos e por suas experiências práticas e sensíveis. Por sua
vez, até a capacidade de mudança de um nível da complexidade social para outro pode ser
pensada em termos de organização interna de uma sociedade, através de alterações em
suas estruturas internas, apesar da constância temporal de certos padrões socioculturais
típicos dela. Essa capacidade de mudança pode ser observada quando se identifica certos
acontecimentos críticos na capacidade cognitiva da sociedade, na qual experiências
práticas, afetivas e comportamentos acumulados em diferentes especialidades, são
interligados entre si, formatando um novo conjunto de costumes e técnicas associadas, que
são socioculturalmente controladas e transmitidas. Este, inclusive, seria o principal motor de
institucionalização dos próprios comportamentos tradicionais dentro de uma sociedade.
As experiências, num primeiro momento, são intuitivas e necessárias e as práticas
daí derivadas são dominadas apenas por motivos de ordem tradicional e afetiva. Contudo,
quando essas experiências, por motivos históricos, culturais ou sociológicos, saem do
domínio do inconsciente e são conscientemente combinadas com outras e daí controladas,
institucionalizam-se e reprimem todas aquelas que não lhes são correspondentes, tornando
as informações nelas contidas, previamente definidas. Porém, antes delas se
institucionalizarem, elas fervilham no seio sensível da situação estatal, toda a sua potência
realizadora, reorganizando e reconstruído seu mundo.
Podemos inferir, assim, que certos traços de complexidade podem ser definidos
antes de suas relações serem claramente conscientes e desenvolvidas a partir de
24
experiências sensíveis, cognitivamente dominadas. Ou seja, mesmo na ausência de um
domínio cognitivo ou institucional legal, práticas e costumes sociais complexos existem
significantemente. As práticas que vão compor uma organização social futura estão, então,
desde o início, se formatando no interior da sociedade. Deste modo, antes de se constituir
como uma realidade histórica estabelecida existe um potencial histórico virtual que aponta o
sentido que uma organização social está tomando. Ontologicamente falando, isto quer dizer
que só pode vir a ser o que está sendo. Assim, sociedades agricultoras politicamente
complexas só vieram a ser porque foram precedidas por outras que, mesmo não possuindo
a mesma estrutura sociocultural, já possuíam as sementes da sua germinação histórica
futura, no estado da situação social presente.
A existência da potência universal – ou estatal – é originária ou a priore, já a
existência em situação de coisas particulares é a posteriore, ou experimentada. Por certo,
somente quando a coisa experienciada torna-se consciente através da compreensão das
suas ações práticas e costumes, é que as experiências sensíveis encontram os meios
adequados de se organizarem cultural e politicamente. Mas, muito antes disso, as potências
das experiências práticas e sensíveis predispuseram a sociedade a uma ordem de
complexidade sociocultural, cujo conjunto de técnicas associadas, leva séculos e mais
séculos até alcançar uma nova combinação ideal. Só posteriormente às experiências essa
nova combinação é dominada plenamente pelo conhecimento que, por motivações internas
ou externas, o estado da situação fez aflorar.
Em resumo, apesar da carência de estudos sobre caçadores-coletores na Amazônia,
pode-se afirmar, que tal como podemos perceber em diversos sítios de Carajás e na
Caverna Pedra Pintada (xl), muito das conquistas atribuídas às sociedades agrícolas, como
inclusive a própria domesticação de plantas, foram conseguidas e desenvolvidas por
sociedades sem agricultura. Entretanto, não é apenas no campo da economia que podemos
inferir isso. Experiências sensíveis e práticas, de ordem técnica, social ou política, antes de
serem plenamente dominadas pela consciência, também são construídas e exercidas
durante muito tempo, até o pleno domínio dos saberes nelas inscritos.
Sociedades de caçadores-coletores como as de Carajás, com seus diferentes tipos
de assentamento, diversidade de recursos naturais e objetos obtidos através de contato
inter-étnico, traziam dentro de si as sementes dos padrões sociopolíticos tribais futuros.
Essas sociedades se forem analisadas sob a ótica normativa que por muito tempo dominou
a arqueologia brasileira, não serão percebidas em toda a sua complexidade. Desse modo, o
significado da conjunção desses elementos só pode ser plenamente percebido ao se
transcender essa perspectiva. Ao fazermos isto, encontramos fortes indícios que sugerem
estarmos diante de sociedades que parecem ter reunido na Amazônia, ao longo dos
25
tempos, condições particulares para desenvolver formas mais complexas de organização,
perfeitamente inteiradas aos diferentes ambientes e particularidades territoriais.
A diferenciação regional, por outro lado, parece indicar que as mudanças sociais e
seus processos históricos nas sociedades antigas da Amazônia se desenrolaram por etapas
originais, mas análogas, que representam níveis característicos, as quais apresentaram
ritmos, soluções e arranjos bem variados e ao mesmo tempo convergentes e, isto tudo, bem
antes da constituição das primeiras sociedades tribais.
A idéia da exploração diversificada de ecossistemas distintos foi prefigurada pelo
sistema forrageiro definido por Binford desde 1980. Segundo ele, as atividades de caça e
coleta organizam-se em resposta às variações ambientais entre uma série de recursos. Este
sistema ainda se caracteriza pela mobilidade residencial e utilização de táticas específicas
para obtenção de alimentos.
Há ainda o modelo sugerido por Miranda (xli), que propõe duas categorias espaciais
básicas: área nuclear ou focal e território tributário. A primeira corresponde ao receptáculo
estratégico natural capaz de acomodar os grupos humanos, perfazendo um mínimo de
condições necessárias à ocupação, de onde partiriam as empresas táticas de caça e coleta
para explorar o território tributário. Este, extensivo à área nuclear, relaciona-se às áreas
circunvizinhas ajustadas aos contextos econômicos de caça e de coleta. O território
tributário, por sua vez, variava em extensão conforme a concentração dos recursos naturais
e a capacidade dos grupos de explorá-los. O território não tinha fronteiras definidas e, por
conseguinte, podia ser explorado, inclusive, por grupos étnicos distintos, o que permitiria
intercâmbios e assimilações diversas por conquista, comércio ou difusão cultural.
O conceito de área focal versus território tributário, até onde podemos perceber
através dos estudos arqueológicos realizados na Amazônia, não pode ser considerado com
muita rigidez. Em Carajás, por exemplo, a manufatura da cerâmica, especialmente quando
ela se torna popular, não era produzida no âmbito domiciliar das grutas, mas além delas,
num outro lugar que pode ser considerado a sua área focal. O mesmo ocorrendo com o
cultivo da mandioca que era consumida no interior das grutas (xlii). Aliás, isto pressupõe
uma permanência maior na roça de modo que, muito provavelmente, esta também era uma
área focal com significativa sazonalidade.
Já o período final da ocupação serrana, quando se observa a introdução de
instrumentos e produtos agrícolas (polidores e fusos), pode ter sido antecedido por um outro
no qual teria havido uma gradual transformação da antiga área focal serrana para uma das
áreas do território tributário. Conseqüentemente, áreas do antigo território tributário ter-se-
iam tornados focais. Assim, não havia divisões muito claras entre essas duas
territorialidades, especialmente considerando o período de desenvolvimento da cultura
ceramista pré-agrícola. Portanto, é possível que as sociedades humanas de Carajás tenham
26
explorado com igual importância, mas diferentemente, tanto as terras altas quanto as terras
baixas. E confirmaria, de certo modo, que a manipulação dos diversos ambientes
amazônicos pela atividade humana, seria além de antiga, muito intensa.
Contudo, esse dado também nos força a reconhecer que a questão da territorialidade
é mais complexa, visto que, na verdade, o território pode ser entendido como uma área
bastante extensa dividida em submúltiplos focais, que possuiriam usos e modos de
exploração específicos. E isto incluiria ”sub-territórios” para moradia, caça, pesca, coleta,
cultivo e reserva florestal (composta de plantas com finalidades alimentares, de caça,
medicinais, manufatureiras, cerimoniais e etc.). Assim, o sítio do acontecimento não pode
ser considerado uma unidade, mas uma fração territorial cuja integridade completa, por sua
vez, extrapola as conexões espaciais imediatas ou contíguas.
Sabe-se desde os anos de 1990 que a diversidade ecológica Amazônica é muito rica
e ampla; que a várzea, assim como a terra firme, é bastante heterogênea; e, principalmente,
que as sociedades nativas não foram feitas de sujeitos passivos de limitações ambientais.
Pelo contrário, há evidências não só de que os diversos ecossistemas eram explorados
associativamente segundo táticas exploratórias adequadas às características ambientais
amazônicas, como inclusive os nativos exerciam uma poderosa influência criativa sobre o
meio ambiente e isto desde o início do Holoceno, conforme a floresta úmida ia se
consolidando. Essas evidências constatadas em outras regiões além de Carajás,
especialmente naquelas onde existem áreas com potencial para a exploração territorial
humana, revelam que parte do que se vê hoje como floresta “primária” é, muito
provavelmente, paisagem cultural. Ou seja, resultado do manejo (manipulação humana de
componentes orgânicos e não orgânicos do meio ambiente) consciente ou da atividade
humana inconsciente ao longo de milhares de anos (xlviii).
Alguns autores acreditavam que não seria possível a existência de caçadores-
coletores puros nas florestas tropicais realmente virgens, devido à limitação causada pela
escassez de carboidratos. Por isto, segundo Harris (xliv), caso a agricultura tivesse sido
desenvolvida por caçadores-coletores, as áreas mais propícias seriam as zonas de
transição, de ecossistemas complexos, como a observada em Carajás. Entretanto, além do
acesso ao carboidrato poder ser feito por meio da troca com grupos produtores, as florestas
poderiam ser modificadas por ações direcionadas, de modo que a escassez da floresta
virgem podia ser substituída pela variedade complementar da floresta secundária,
antropicamente manejada. Manejo esse, que teria sido iniciado pelas populações mais
antigas, de caçadores-coletores de floresta tropical, ancestrais das populações agricultoras
tardias.
Recentemente, foram encontradas evidências contundentes sobre a extensão da
manipulação da paisagem pela atividade milenar humana, no alto dos platôs da região de
27
Porto Trombetas (PA) (xlv). Nos platôs, a cobertura vegetal é caracterizada pela grande
diversidade vegetal e pelo porte das árvores que variam de 30 a 50 metros de altura, com
forte e constante presença de animais de caça. Em dois dos diversos platôs foram
constatadas grandes concentrações de castanheiras (Castanha-do-Pará) e Bacaba (platôs
Almeidas e Bacaba, respectivamente). Em princípio, Vera Guapindaia (Coordenadora das
pesquisas arqueológicas em curso na região) pensou tratar-se de áreas naturais
privilegiadas para caça e coleta, e nos platôs com concentrações de plantas úteis, como as
citadas acima, essas sim, de certa forma, seriam áreas manejadas. As espécies vegetais
que apresentam maior abundância, tanto em família quanto em espécies foram aquelas
consideradas úteis, como a Bacaba, a Quinarana de folha prateada, o Breu barrotinho e
etc.. Entre as variáveis fitossociológicas predomina a Bacaba. Além disso, em compte
rendu, segundo Salomão (xlvi), poucos inventários registraram uma riqueza de espécies
úteis tão altas como em Porto Trombetas.
Mais recentemente, observações que fizemos na cobertura vegetal de três platôs
(Cipó, Bela Cruz e Teófilo), durante a estação chuvosa, revelaram uma grande quantidade
de árvores frutíferas, em plena safra, concentradas associativamente, como se fosse um
grande pomar conscientemente planejado que, obviamente, não existe espontaneamente na
natureza. A quantidade de caça era enorme. Moradores dos arredores nem mesmo
conheciam todas as espécies de frutas lá existentes. Algumas das árvores eram tão grandes
e altas, como a de um pequiazeiro velho localizado no Teófilo, que sua senilidade indica
idade aproximada de 500 anos. Por isto está descartada qualquer possibilidade da
cenografia dessas paisagens terem sido planejadas por sociedades coloniais ou indígenas
contemporâneas. É muito mais plausível considerar que ela é o resultado do manejo
florestal milenar, de territórios circunscritos no espaço socioeconômico dos povos que lá
viveram. Aliás, essa área interfluvial, que fazia parte dos territórios das denominadas “fases”
Konduri e Pocó (xlvii), eram exploradas sazonalmente. No período de estiagem, os lagos do
rio Trombetas, assim como o próprio, tornavam-se extremamente piscosos, de modo que o
território tributário mudava e, no conjunto, garantia abundância de recursos o ano inteiro.
Carajás também aponta para essa direção quando observamos o resultado de
possíveis cultivares de diversas plantas, como a Bacaba, o Inajá, a castanheira, as quais
ocorrem em grandes concentrações e também são encontrados nos restos alimentares
deixados pelos homens que lá viveram. Há ainda outras plantas de cultivares não tão
extensos, mas igualmente importantes, como o pequiazeiro e diversas “ilhas de vegetação”
ricas em frutíferas, freqüentes na serra, no meio da canga. A percepção, enfim, de que
haveria ambientes ótimos versus marginais ou de lugares disponíveis para assentamento,
fundamentalmente diferentes entre caçadores-coletores versus horticultores e/ou entre
horticultores versus agricultores intensivos, não é plausível, pois em Carajás, assim como
28
em outras áreas da Amazônia, constata-se outra realidade. Parece que a questão resume-
se apenas a táticas de ocupação territorial, numa mesma região ecologicamente orientada,
cujos padrões socioeconômicos possíveis, além das questões de reorganização estratégica
das difusões culturais, são o aperfeiçoamento de costumes e práticas ancestrais aos
ambientes e da adaptação desses mesmos ambientes a essas mesmas práticas e costumes
ancestrais.
Desse modo, a inteiração do homem tropical com a floresta sai do plano da relação
sujeito-objeto, para englobar os dois. As atividades engendradas pelos caçadores-coletores
amazônicos já estavam investidas da compreensão do seu próprio mundo anímico.
Conseqüentemente, a capacidade tática de exploração regional dos recursos tropicais
identificada em Carajás e em Monte Alegre, já possuía os fundamentos das bases das
sociedades agrícolas posteriores que, não necessariamente no mesmo local, vieram a
cultivar, intensivamente, a mandioca e outros tubérculos.
Por terem uma agricultura ainda incipiente e a manipulação de alguns espécimes
ainda estar em curso, esses caçadores-coletores não tinham a agricultura organizada das
sociedades tribais que mais tarde viriam ocupar os vales dos principais rios da região.
Observemos, porém, o seguinte: o pré-condicionamento foi vivificado numa relação
inteirativa com o mundo natural. Isto é, materializado por meio de práticas que se
modificariam e se aperfeiçoariam conforme o homem ia compreendendo os modos mais
eficientes de manipulação do ambiente, que por sua vez não era uma simples massa inerte
sujeita ao domínio humano. Mas sim, uma rede de relações vivas que para ser
compreendida precisava ser vivenciada. Na verdade, o homem se transformava se
integrando ao meio, enquanto o transformava para sua melhor integração. Mas no fim das
contas, quando o exercício da inteiratividade da cultura com a natureza na Amazônia
alcança seu ponto de equilíbrio, ocorria mais a adaptação do ambiente ao homem, do que
do homem ao ambiente. Paralelamente, o homem ia absorvendo a alma da floresta,
identificando sua cultura com os espíritos da natureza. E assim, cultura e natureza passam a
compor um mesmo campo sociocósmico (xlviii). Como resultado, a ação humana não era
uma mera atividade sobre o destino das espécies vegetais. Porém, o seu destino humano
era traçado traçando o destino da própria paisagem. Isto é, o homem amazônico não só
domesticava plantas, como domesticava a própria floresta enquanto educava a si mesmo.
Certas práticas de intervenção sobre a natureza e de organização social
desenvolvidas pelos caçadores-coletores amazônicos indicam que naquela região, antes do
advento das sociedades agrícolas, foi percorrido um longo caminho, onde se sedimentaram
experiências que há muito faziam parte do comportamento social de culturas não tribais.
Carajás, por exemplo, parece ter abrigado uma comunidade de famílias permanentemente
associadas, com tradições e costumes comuns, sob o comando de vários líderes ou chefes
29
familiares, solidificando uma experiência ‘pré-tribal’ de longa duração. Nessa comunidade,
por conseguinte, as diferenças entre bando e tribo não poderiam ser definidas com clareza.
Enfim, a relação entre o espaço e o lugar na Amazônia parece vir de experiências cujas
práticas territoriais, além de áreas de caça, moradias e matérias-primas, já incluíam outras
com manipulação paisagística e com cultivares associativos, onde várias plantas eram
diversamente cultivadas, e isso bem antes daquelas atribuídas às sociedades tribais. Sem
dúvida, as sociedades tribais posteriores não partiram de um começo exclusivo, porque
quanto mais as investigamos, mais identificamos os investimentos executados por
complexos culturais bastante anteriores.
Existe um largo horizonte de ocorrências arqueológicas, na faixa de 3000, 1000 anos
atrás, com grande dispersão geográfica e que antigos pesquisadores associaram às
chamadas Fase Mina, Tradições Hachurada Zonada, Borda Incisa, Incisa Ponteada e
Tupiguarani, que constitui uma clara transição das sociedades de caçadores-coletores para
as sociedades agricultoras e da evolução destas últimas, em sociedades complexas. Na
primeira transição, no aspecto regional e ambientalmente generalizado temos: sociedades
com grande capacidade de mobilização e sazonalidade focal, que ocupavam um território
desprovido de fronteiras políticas, mas composto de diferentes áreas tributárias; contatos
interétnicos através de comércio, casamentos e cerimônias intertribais; caça e pesca
intensiva e agricultura de coivara. A população é grande, mas dispersa em aldeias que não
denotam centralização de poder e nem qualquer evidência de aparatos voltados para a
valoração de diferenças sociais significantes (de classe ou de trabalho).
O padrão acima descrito, com algumas exceções, havia sido definido como
horticultor por Meggers, mas que o relacionou apenas como aspectos de adaptação da
cultura à terra firme. Segundo ela (xlix), semelhanças de ordem geral levaram ao
reconhecimento de uma área cultural de floresta tropical própria da terra firme. Meggers
entende como cultura de floresta tropical aquilo que Lowie (l) definiu como desprovido de
traços arquitetônicos e de refinamentos metalúrgicos, mas possuindo cultivo de raízes e
tubérculos, pesca e manufatura de cerâmica. Nessa definição, ainda estava implícita a idéia
de difusão, por meio de movimentações populacionais. Não obstante, para justificar essas
movimentações, ela afirmou que o tipo de cultivo horticultor itinerante, com variadas plantas
cultivadas, seria motivado pela baixa fertilidade do solo, que obrigava um deslocamento
constante das roças. Associado a isto havia uma série de mecanismos culturais para evitar
concentrações muito densas de população. Entre esses mecanismos havia a guerra que,
por outro lado, nunca visava conquista de território. Dentro dessa ordem geral, a
organização política admitia um chefe cuja autoridade era mínima e facilmente suplantada
pela do xamã. Está claro que esta explicação, nada mais é do que um esforço intelectual
30
para enquadrar as culturas amazônicas dentro do sistema de evolução sociológica então
dominante.
Porém, com o melhor conhecimento que se tem hoje sobre a produção dos cultivos
associativos, e da capacidade indígena para a manipulação de solos desfavoráveis,
devemos nos perguntar: pode-se chamar de horticultor esse tipo de cultivo, que envolvia
complexas técnicas para a associação de plantas? E os mecanismos culturais de controle
de população e de poder, não teriam outras motivações? Os mecanismos em vez de
obedecerem a ordens de fundo ecológico, poderiam ter motivações cosmogônicas e talvez
fossem o resultado da incorporação de experiências sensíveis e práticas de longa duração
ao processo histórico indígena. Afinal, como demonstra Benedito Nunes (li), a compreensão
do todo antecede a compreensão das partes, que uma vez compreendidas interferem na
compreensão do todo. Podemos dizer que o grau de complexidade de uma dada sociedade
tem origem nela mesma. Estudos recentes confirmam: mesmo que a sua estrutura material
e/ou mental permaneça constantemente em mudança, o padrão de toda identidade é
persistente (lii).
Ou seja, o homem tropical já tinha uma noção geral do mundo em que vivia. Quando
compreendeu as partes que o compunha, acabou por alterar o próprio mundo onde vivia e
com isso a si mesmo, mas sem nunca perder as suas especificidades fundadoras,
construídas ao longo de milhares de anos. E suas especificidades fundadoras estavam
baseadas naquilo que Maturana (liii) chama de relação entre componentes, que constitui
uma organização invariante, posto que, se a organização mudar, mudarão todas as suas
especificidades fundadoras. E os homens e suas sociedades deixarão de ser aquilo que um
dia foram. Fato que, na Amazônia, só ocorreu com o processo colonizador implantado pelo
conquistador europeu.
Ambientes ricos permitem a agregação de grupos sociais maiores, independente
deles serem naturais ou manipulados (liv). O mundo natural para o homem tropical, antes
mesmo dele ter uma identidade cultural formalizada por leis de conduta social, é uma fonte
de instrumentos e utensílios para a predominância da prática na vida diária. Com isso, além
dos sistemas humanos de ocupação ambiental, existe o poder de transformação cenográfica
da paisagem pela atividade prática do homem, que supera e redefine barreiras ecológicas.
Isso combina com a capacidade inteirativa do homem que, paralelamente, é capaz de
alterar o ambiente transformando-o às suas próprias necessidades e assim gerando o
embrião do futuro, que é o passado persistindo, mas transformado pelo presente.
Quando as sociedades se consolidaram como agricultoras, foram capazes de
estabelecer estratégias diferenciadas, mas complementares, todas convergindo para uma
mesma noção comum subjacente, conseqüência dos milhares de anos de experiências
socioculturais, historicamente vivenciadas nos diferentes domínios geográficos amazônicos.
31
Os padrões dessas estratégias variavam conforme a sociedade e suas vivências históricas
particulares, mas apesar das variações mantiveram a noção política comum, em nada
semelhante aos derivados dos padrões indo-europeus e cultural-evolucionistas. Nela, a
ausência de mecanismos formalmente organizados para a expressão política coletiva seria
uma tradição de lideranças proféticas individuais e oraculares ou carismáticas, que permitia
adaptações e inovações constantes (lv), num Estado historicamente construído por meio de
todas as suas expressões socioculturais.
A diferenciação entre várzea e terra firme para o padrão geopolítico ameríndio na
Amazônia é outra questão que não está de acordo com a observação. Quase tudo que
sabemos sobre as várzeas, cujo domínio ambiental foi explorado e ocupado de modo bem
diferente dos de terra firme, resulta da interpretação do relato de antigos viajantes europeus
da época da conquista, sobre sociedades já bastante avançadas. Entretanto, apesar da
constatação de que elas abrigaram uma grande população e um aparato cultural e
econômico mais apurado do que o domínio de terra firme, Meggers observou (embora com
outra conotação) que as sociedades nelas desenvolvidas, “refletiam a uniformidade básica
da cultura amazônica” (lvi). Estudos posteriores concluídos por Roosevelt (lvii),
complementaram este argumento, sugerindo que as conquistas sociais, materiais e
espirituais dessas populações, seriam o resultado do sucesso adaptativo de costumes e
práticas a um ambiente mais favorável de populações amazônicas precedentes.
Para Meggers, contudo, a várzea apesar de apresentar condições ambientais mais
favoráveis ao desenvolvimento social do que a terra firme, também apresentava restrições
que não favoreciam o desenvolvimento de civilizações. Já para Roosevelt, o processo
evolutivo sociocultural das populações de várzea, que era ali ecologicamente favorecido, só
teria sido interrompido pela ação nefasta do conquistador europeu. De todo modo, ambas as
pesquisadoras, a partir da leitura dos antigos relatos, não discordam sobre a grande
capacidade de organização política das populações nelas instaladas, mencionando a
possibilidade delas terem constituído sociedades estratificadas, mas diferenciadas
qualitativa e quantitativamente, das de terra firme.
Entrementes, a observação científica atual descarta a idéia de que dois
ecossistemas distintos e excludentes diferenciavam os povos amazônicos. A questão da
territorialidade na Amazônia, entre outras coisas, inclui ecossistemas diferenciados
explorados complementarmente, e a troca permanente de áreas focais e tributárias. A
ocupação territorial era o modo pelo qual tanto várzea, quanto interflúvios e terras firmes
eram economicamente conectadas e culturalmente integradas.
As sociedades humanas habitantes das áreas de várzea, favorecidas por uma
ecologia ambiental própria para uma economia controlada e sedentária, não se
diferenciavam essencialmente das de terra firme. E nem teriam tido a necessidade de uma
32
organização política forte e conquistadora para a manutenção e defesa da exploração
econômica das várzeas, já que o território que elas ocupavam era bem maior que essas
áreas focais.
Alguns pesquisadores, como Whitehead, levantaram dados históricos sugerindo
conexões intensas nas regiões planalto/interflúvios, que demonstram a diversidade das
técnicas de obtenção de recursos em ambientes supostamente não favoráveis,
complementados com os recursos de outros ambientes mais favoráveis, como os de várzea.
Ou seja, segundo Whitehead, a conceituação dos padrões de assentamento ameríndios
como sendo de grupos da costa-várzea versus grupos de interior-planalto, é ela mesma
produto da colonização, na qual a invasão européia forçou a reorientação geral das redes
sociais. Ele apresenta dados que mostram como determinadas sociedades estavam
assentadas no comprimento dos rios e no alto dos serrados, mantendo contato com as
principais bacias e até mesmo com a zona costeira.
Relatos etno-históricos, pesquisas de Meggers, Lathrap, Brochado (lviii) e de
pesquisadores atuais como Heckenberger (lix), sempre propõem que grandes migrações
foram levadas a cabo pelos antigos povos amazônicos. Meggers tentou encontrar as razões
para isso através da ecologia. Principalmente com estudos sobre as influências das
mudanças climáticas nas populações adaptadas à floresta tropical. Há inúmeros trabalhos
sobre o tema, que vão desde às macro-mudanças do Quaternário até aos efeitos regionais
do El Niño. Esses trabalhos tentam mostrar que muitas das grandes migrações coletivas
identificadas em determinadas épocas estão associadas a mudanças ecológicas de grande
intensidade. Para Lathrap (lx) e Roosevelt, ao contrário, as migrações estariam relacionadas
às pressões populacionais nas áreas de várzea, que concentrariam a maior parte dos
recursos disponíveis. Mais recentemente, Heckenberger sugeriu que, pelo menos no Alto
Xingu, a motivação das migrações seria uma diáspora política. Interpretação essa um tanto
ou quanto retro, já que, mudando de político para religioso, foi assim que os jesuítas
interpretaram as migrações tupi-guaranís, que estariam em busca da terra sem males.
Os enfoques ecológicos, econômicos e heterotópicos dados a esses costumes,
fazem parecer que em circunstâncias ecológicas, econômicas e sociais favoráveis, o
sedentarismo regulado por forças políticas centralizadoras refrearia o impulso migratório ou
crítico, da entropia social. Entretanto, esses estudos não explicam porque, mesmo sem
alterações climáticas significativas, e em diversas outras áreas férteis, de várzeas de rios
secundários ou não, sem qualquer evidência de pressão populacional ou social, as
evidências de migração permanecem (sejam arqueológicas, etno-históricas ou até mesmo
históricas). As origens desse costume podem ser até climáticas (tropicais) e econômicas,
mas ele foi tão bem incorporado às relações socioculturais amazônicas, que permaneceu e
se institucionalizou na geopolítica desses povos, mesmo depois da estabilização do clima e
33
da ausência de pressões econômicas e sociais heterotópicas significativas. O fato é que,
tais costumes migratórios, estavam ontologicamente enraizados na cosmologia das
sociedades humanas, que experimentaram o sentido da história na Amazônia.
Pesquisas diversas têm mostrado que uma extensa e antiga rede de estradas
cruzava a Amazônia, formando várias rotas comerciais que convergiam para uma unidade
inter-étnica. Inclusive, recentemente, foi descoberta uma em Parauapebas (PA), descendo
da serra de Carajás, que moradores locais dizem ser uma “estrada Inca”. Com muita
propriedade, a convergência acima citada, foi interpretada não como fatos isolados ou
casuais, mas como evidência da existência de níveis de integração sociocultural diferentes
do puramente étnico, que serviu para integrar as sociedades numa gigantesca rede regional
de relações diferenciadas, particular e estrategicamente organizadas.
Essa integração inter-étnica, organizando-se espacialmente ao longo de redes
regionais, interligava diferentes territórios com ecossistemas variados, explorados por
sociedades, etnias e costumes particulares, independentes de qualquer política central
centrípeta. Além disso, não há qualquer evidência de que as rotas comerciais e/ou de
comunicação difusionista tivessem sido objeto de cobiça ou de conquista tática para o
domínio de territórios supostamente mais rentáveis. As guerras não eram motivadas por
causas econômicas e somente muito mais tarde as rotas foram cobiçadas, mas pelos
invasores europeus, estes sim, economicamente motivados.
Foi com o estudo das fontes históricas do início da colonização amazônica,
especialmente sobre a constatação de uma grande densidade demográfica nas áreas de
várzea no início do século XVI (lxi), que surgiu a oportunidade de se discutir a natureza
sóciopolítica dessas sociedades. Embora essas informações etno-históricas sejam
relativamente grandes, elas também são muito irregulares em termos de qualidade. Por isto
não se deve fazer uma simples transposição do relato histórico para o contexto
arqueológico, sem uma análise crítica da fonte. Certamente, fontes dos viajantes dos
séculos XVI e XVII são narrativas carregadas de fantasias, a maioria delas absurdas.
Entretanto, essas fantasias podem não ser mera inocência. Podem, na verdade, esconder
informações codificadas, destinadas aos interesses militares e/ou comerciais dos governos
e instituições que os financiavam. Elas seriam informações precisas sobre a situação militar,
os recursos econômicos, os mercados, as riquezas, as possibilidades de relações (lxii). Por
outro lado, a mentalidade européia dos séculos XVI e XVII (quando essas fontes foram
geradas) era um poço sem fim de superstições e narcisismo. Com tudo isto, essas fontes
alimentaram diversas investigações. Mas como tem sido constatado, apesar delas e da
inclusão de estudos lingüísticos e etnológicos, os modelos apresentados não conseguiram
esgotar o assunto.
34
De fato, não foram apresentadas justificativas teóricas ou científicas, suficientemente
convincentes, para a afirmação de que as chamadas sociedades “horticultoras” teriam sido
superadas por um horizonte cultural tido como de “sociedades ceramistas complexas”.
Evento que teria se estabelecido, quando sociedades nas áreas de várzea, motivadas por
revoluções na técnica de cultivo e a introdução de novos cultivares, pelo aumento da
população e a beligerância intratável e ancestral entre ameríndios - enfim, por fatores
demográficos, tecnológicos e pressão territorial nessas áreas - fazem surgir uma divisão
hierarquizada do trabalho, controlada por cacicados dominantes fortemente centralizados
(lxiii). Sociedades essas que se distinguiriam pela organização, poder e riqueza, das de
floresta de terra firme. Tão pouco, que a decadência desses cacicados adviria do contato
com o europeu, disseminador de doenças e da guerra entre as Nações pelo comércio
desleal de escravos, quando impôs às sociedades desterritorializadas o nível sociocultural
menos elaborado dos de floresta. Não foram encontrados nas áreas estudadas dados
arqueológicos que indiquem tal processo, do mesmo modo que também não é encontrado
qualquer indício concreto ou objetivamente demonstrável, da tendência de um padrão
estratificado e hierarquizado do poder, nos horizontes culturais precedentes.
Segundo a perspectiva dos cacicados defendida por Roosevelt, especialmente os
que teriam ocupado os subsistemas de várzeas, as doenças e a guerra por escravos seriam
as catástrofes libertadoras dos povos indígenas subjugados (que ocupavam os subsistemas
de terra firme), mas também os algozes das suas culturas. Levadas assim à decadência,
foram deixadas no seu nível mais baixo de expressão (horticultores de tubérculos). Mas,
ironicamente, as sociedades de terra firme, por terem uma suposta organização básica,
teriam se tornado o modelo de resistência aos europeus e às sociedades nacionais
derivadas destes, sobrevivendo até hoje. Como é possível sociedades com cultura inferior
terem deixado um legado cultural mais influente que o legado superior de outras mais
evoluídas? Em que outra parte do mundo isto é observado? Não é mais plausível considerar
que se tratava do mesmo legado cultural, sem diferenciação essencial nas suas variáveis,
apesar do grau diferenciado de complexidade local?
No Alto Xingu, Heckenberger, por sua vez, observou que as evidências
arqueológicas apontam para uma organização social hierarquicamente constituída, mas não
estratificada. Entretanto, ele complementa esta observação dizendo que essa hierarquia não
era uma ordem social escalonada, orientada para uma centralização do poder. Era, pelo
contrário, a organização dos poderes segundo a sua qualidade, orientada para várias
direções socialmente valorizadas.
Ele observa ainda, que no Alto Xingu, além da hierarquia social não ter se
cristalizado de modo explícito em classes sociais rigidamente estratificadas, havia forças
sociais centrífugas reorientando as relações de poder. Diz que a distribuição de poder, ou as
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disputas em torno deste, não eram uma mera hierarquia, mas uma hierarquia de centros de
poder alternativos e muitas vezes em competição, dispostos de diversas maneiras de
acordo com as condições (lxiv). Contudo, Heckenberger, além de manter a idéia do
darwinismo social de competição, afirma ter se baseado nos conceitos de poder de
Foucault. Mas, os conceitos de poder de Foucault, apesar de categorizá-lo como divergente,
elimina a figura do Estado. Isto leva Heckenberger à contradição ao relativizar,
excessivamente, a experiência xinguana dos Aruak. Por outro lado, Heckenberger nos
permite observar que essas relações de poder representam duas forças antagônicas em
acomodação, uma convergente e outra divergente, uma centrífuga e outra centrípeta, que
bloqueia o fortalecimento de um “governo”, mas mantém o equilíbrio do “Estado”.
Denise Schaan (lxv), em seus estudos sobre a Cultura Marajoara, isto é, sobre a
chamada Fase Marajoara da Tradição Policroma, parte do princípio de que essa Fase, tal
como proposto por Roosevelt, era constituída por sociedades controladas por cacicados
rivais, que em situações especiais, principalmente religiosas, mas também quando uma
delas se impunha culturalmente sobre as outras, mantinham alianças entre si. Considerando
que o Marajó é uma ilha, essa hipótese também se baseia na teoria da circunscrição
territorial, proposta por Robert Carneiro (lxvi), segundo a qual sociedades que vivem em
territórios limitados ou circunscritos podem desenvolver padrões sofisticados de convivência.
As conclusões de Schaan se baseiam no fato de que essa Cultura era socialmente
complexa, mas segundo certos parâmetros propostos pelas teorias cultural-evolucionistas
de desenvolvimento cultural, como chefia hereditária e formação de elites religiosas e
políticas, entretanto, versus heterotopias sociais. Só que, neste caso, a heterotopia era
justamente quando ocorria aliança.
Entretanto, em Foucault (lxvii), apesar da heterotopia cumprir no espaço social a
função de criar uma realidade compensatória organizada segundo uma ordem meticulosa e
fechada, também cumpre a função de criar a possibilidade do surgimento de sociedades
alternativas, que colocam em cheque as relações do biopoder. Ora, as alianças políticas
marajoaras ainda que ocasionais, eram apenas uma das expressões, em um nível mais
integrado, das próprias relações políticas do biopoder (chefia hereditária, elites religiosas e
políticas), que já ocorreriam, segundo Schaan, nas sociedades rivais. Desse modo, as
alianças até poderiam ser uma exceção regional, porém, dentro das relações humanas, é
justamente o previsível, o esperado, o inevitável. Entretanto, como Schaan mesma observa,
antes do advento dessas alianças políticas, a ilha do Marajó foi habitada por sociedades de
diferentes etnias e costumes, mas que mantinham contatos através de uma extensa rede de
trocas. E é a esse mesmo padrão ao qual as sociedades complexas marajoaras retornam
após a decadência política dos “cacicados”. Ou seja, apesar das relações políticas do
biopoder sempre levarem o homem a voltar-se a um antes-de-si-mesmo, tal como imposto
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pelas suas funções instintivas inerentes, a cultura é capaz de criar situações que não
existiam antes e que levam o homem ao depois-de-si-mesmo.
No entanto, as especulações sobre a hegemonia de chefias hereditárias de ordem
religiosa, cujo clímax cultural ocorria quando eram celebradas alianças políticas no Marajó,
não apresentam nenhuma evidência concreta e objetiva. A complexidade sociocultural
observada nas sociedades marajoaras, muito pelo contrário, sugerem outros modos de
organização sociocultural, onde a colaboração em nome de uma poderosa tradição cultural
voltada para os ritos religiosos exercia uma importante influência na agregação regional. Isto
não quer dizer que não existissem chefes, mas esses chefes não teriam o poder que a
própria tradição religiosa congregava, porque a entropia social (contra o biopoder) era a
regra de controle do poder (controle que, por sua vez, gerava uma nova ordem regional).
Mesmo na ausência de uma chefia forte, as relações culturais permitiam com que as
diferentes sociedades, apesar de manterem suas especificidades étnicas, lingüísticas e
simbólicas, compartilhassem, com maior ou menor intensidade, um mesmo padrão cultural
regional.
Há um outro aspecto importante que podemos observar não só nos argumentos de
Heckenberger, quanto nos de Schaan: o espaço cultural ocupado pelos Aruak e pelos
Marajoaras não foi construído isoladamente; ele foi o resultado da diversidade, onde a força
que predominava era a força coletiva emanada de suas variadas periferias. Dentro de uma
área cultural, os territórios, por serem periféricos a todos os outros, eram também,
potencialmente, centrais a todos os demais. Assim, o predomínio de uma “fase”, ou melhor,
de um período histórico, era resultado de mudanças que ocorriam na periferia, mas que
eram catalisadas por um de seus centros. Por outro lado, pode-se observar algo ainda mais
intrigante. Heckenberger constatou que a representação cósmica reproduzida pela
sociedade Aruak, era nada mais nada menos do que a repetição em macro escala, das suas
próprias micro-estruturas socioculturais. O modelo parece simples, pois a partir de um
artefato cultural cujo significado era facilmente identificável pela sociedade, sua perspectiva
era ampliada para o conjunto do espaço territorial, a partir da sua expansão regional. Mas
este modelo, que pode atingir um alto grau de complexidade, por sua vez, nada mais é do
que o próprio modelo da natureza. Nele, as condições necessárias para sua reprodução,
são criadas e mantidas pelo próprio modelo num processo auto-mantenedor de retro-
alimentação dinâmica (lxviii). Dinâmica essa que é a dinâmica da vida. O homem
amazônico, assim, repete na cultura o próprio modelo da vida. Ele não é contra natura, ele é
a expressão anímica da natureza humana que se confunde com a natureza da natureza
amazônica.
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CONCLUSÃO
Este texto nos leva a três conclusões. A primeira delas é de que existe uma pré-
condição para que determinado acontecimento ocorra. Isto é, existem eventos com
características de organização interna semelhantes, que convergem para um mesmo
determinado acontecimento, cujas estruturas seriam outras caso os seus eventos geradores
também fossem outros. A pré-condição é a condição inicial que antecede a um
acontecimento, cujo sentido e duração são específicos e diferentes a qualquer um outro.
Claro que existem acontecimentos que se realizam independentes de pré-condições locais,
como no caso de invasões e conquistas, tal como quando da chegada dos conquistadores
europeus às Américas. Entretanto, na ausência de eventos interventores sobre o rumo
inicial das condições dos acontecimentos locais, todo acontecimento depende apenas de
suas pré-condições para realizar-se historicamente. Assim, não existiria um Brasil pré-
colonial, exceto no intervalo de tempo assinalado entre a chegada do conquistador
português e a implementação do colonialismo. Mas, por outro lado, na Amazônia, existiu a
pré-condição, historicamente milenar, para que as sociedades antigas complexas viessem a
existir.
A segunda conclusão refere-se aos diversos modos de ser que o poder pode
assumir, não só ao longo da história, bem como ao longo das diferentes regiões que os
homens se organizam em múltiplas sociedades. Consequentemente, não existe um modo
universal para a condição política humana, mas sim, uma variedade de modos regionais
possíveis, segundo as características inerentes às relações de poder desenvolvidas durante
condições históricas anteriores. A única expressão de poder universal é aquela relacionada
ao biopoder (segundo a definição dada ao longo do texto). Entretanto, a história e a cultura
podem atenuar e alterar bastante a sua importância dentro da ordem política coletiva dos
homens em sociedade.
A terceira e última conclusão é que as sociedades amazônicas apresentam uma
evolução geopolítica regional própria, na qual a centralização do poder e o monopólio das
relações políticas eram superados por movimentos coletivos, divergentes e centrífugos.
Esses movimentos eram frutos das condições de formação e desenvolvimento regional
histórico milenares das relações culturais dessas sociedades. Além disso, eles permitiam
uma grande mobilização territorial da população, favoreciam intercâmbios inter-étnicos, a
inexistência de fronteiras políticas, o controle não revolucionário da governança tradicional e
o equilíbrio permanente do Estado da situação social.
NOTAS
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