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A golpes de estilo Tomaz Tadeu Que se sustente, meu deus... Uma coisinha de nada, mas com estilo. Francis Ponge Ah!, o estilo da escrita educacional! Tem algum? Sob um certo aspecto, não há escrita sem estilo. Sob outros, estilo, que pena!, é o que mais lhe falta. Pra dizer isso, nem será preciso apelar para a concepção de estilo de Deleuze, que só vai entrar em cena daqui a pouquinho mais. Mas a escrita educacional não é um bloco homogêneo. Tem de todo tipo. Sem nenhuma intenção de exaustividade, podemos mencionar algumas, bem marcadas e evidentes. Primeiro, tem a escrita educacional acadêmica, aquela das teses e dissertações. A mais protocolada e padronizada. Segue, em geral, o modelo “científico” americano dos velhos manuais de metodologia. Ou, alternativamente, o modelo de escrita que rege a pesquisa em ciências sociais. Formulação do problema, perspectiva teórica, base empírica, análise dos dados. Fim. Uma fórmula. Não há dúvida, é, afinal, um estilo, um modo de expressão. Com pouca ou nenhuma exigência de invenção ou criação. Um modelito. Mal e mal pode ser chamada de escrita. É como um relatório. Uma escrita de registro, puramente burocrática. Coisa para amanuenses. (Mas não desprezemos assim tão rapidamente o ofício de copista: Herman Melville descreveu um deles, bem teimoso – I would prefer not to –, finamente dissecado por Deleuze em Crítica e clínica: Bartleby). O conteúdo até pode ter mudado. Temas como, por exemplo, o multiculturalismo, os estudos culturais, os estudos de gênero, a questão da identidade, os estudos foucaultianos são, agora, a nova

A Golpes de Estilo

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Deleuze e estilo

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A golpes de estilo

Tomaz Tadeu

Que se sustente, meu deus... Uma coisinha de nada, mas com estilo.Francis Ponge

Ah!, o estilo da escrita educacional! Tem algum? Sob um certo aspecto, não há escrita sem estilo. Sob outros, estilo, que pena!, é o que mais lhe falta. Pra dizer isso, nem será preciso apelar para a concepção de estilo de Deleuze, que só vai entrar em cena daqui a pouquinho mais. Mas a escrita educacional não é um bloco homogêneo. Tem de todo tipo. Sem nenhuma intenção de exaustividade, podemos mencionar algumas, bem marcadas e evidentes. Primeiro, tem a escrita educacional acadêmica, aquela das teses e dissertações. A mais protocolada e padronizada. Segue, em geral, o modelo “científico” americano dos velhos manuais de metodologia. Ou, alternativamente, o modelo de escrita que rege a pesquisa em ciências sociais. Formulação do problema, perspectiva teórica, base empírica, análise dos dados. Fim. Uma fórmula. Não há dúvida, é, afinal, um estilo, um modo de expressão. Com pouca ou nenhuma exigência de invenção ou criação. Um modelito. Mal e mal pode ser chamada de escrita. É como um relatório. Uma escrita de registro, puramente burocrática. Coisa para amanuenses. (Mas não desprezemos assim tão rapidamente o ofício de copista: Herman Melville descreveu um deles, bem teimoso – I would prefer not to –, finamente dissecado por Deleuze em Crítica e clínica: Bartleby). O conteúdo até pode ter mudado. Temas como, por exemplo, o multiculturalismo, os estudos culturais, os estudos de gênero, a questão da identidade, os estudos foucaultianos são, agora, a nova atração, mas o dizer mudou muito pouco. A expressão é a mesma de antanho.

Depois, tem a escrita mais livre, aquela que aparece em forma de artigos para revistas, de textos para apresentação em encontros acadêmicos, de ensaios para coletâneas as mais diversas. Aqui, a diversidade é enorme, e qualquer esforço de catalogação ou classificação só pode ser incompleta. Não custa, entretanto, ensaiar um esboço. Obviamente, uma boa parte segue o mesmo modelo das teses e dissertações de onde, em geral, se originam. Sobre esses não é preciso falar mais nada. A diversidade fica por conta dos que, mais escolados no ofício e mais estabelecidos, podem se dar ao luxo de escrever mais livremente. Nem sei por onde começar. Tento. Um “estilo” bem óbvio é o dos textos de tom crítico. É a herança das críticas sociológicas fundadoras do final dos anos 60, início dos 70, dirigidas à escola e à educação capitalistas, das críticas marxistas como a de Althusser, e Baudelot e Establet, ou das não-marxistas, como a de Bourdieu. No Brasil, essas críticas se conjugam com a crítica ao regime da ditadura

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militar em geral e, mais especificamente, à sua política educacional. Mais tarde, já nos anos 90, com o surgimento das políticas econômicas chamadas de “neoliberais”, esse estilo muda ligeiramente de conteúdo, mas não de tom nem de expressão. Ironicamente, este estilo é a imagem refletida daquilo que critica. Não é por acaso que um crítico desse tipo se torna facilmente oficial.

A literatura sentimental... rubem alves... freiriana

Vudu palavras mágicas,

O estilo miserabilista, que fala em nome de... (ligar a PF).

O estilo “o que tem que mudar”

O discurso da mudança, da escola cidadã,etc.

O fato é que tirando esses sentimentais, aparentemente os outros não cultivam expressamente um estlo...

O estilo não tem sido um problema na escrita educacional, assim como na filosófica, na científica. Nietzsche enfrentou o problema do estilo...

O que faz pensar...

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NotasA primeira epígrafe é de Ponge, Métodos, p. 27. A segunda é de Nietzsche, Para

além do bem e do mal, § 27.

NIETZSCHE, Friedrich. Para além do bem e do mal. Prelúdio a uma filosofia do futuro. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. Trad. Paulo César de Souza.PONGE, Francis. Métodos. Rio: Imago, 1997. Tradução de Leda Tenório da Motta.

É difícil ser compreendido: sobretudo quando se pensa e se vive gangasrotogati entre homens que pensam e vivem diferente, ou seja, kurmagati ou, no melhor dos casos, “conforme o andar da rã”, mandeikagati – vê-se que estou fazendo tudo para não ser compreendido! [...] Mas no que toca aos “bons amigos”[...]: é bom lhes conceder, antecipadamente, um espaço e uma margem onde possam dar livre curso à incompreensão: – assim temos ainda do que rir; – ou então afastá-los inteiramente, esses bons amigos – e rir também!Friedrich Nietzsche