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 A guerra colonial e as Forças Armadas Em 1961 as Forças Armadas portuguesas assumem-se ,mais uma vez, como guardiões do regime que tinha cloroformizado a vida nacional. As fotografias e os relatos dos acontecimentos vividos a partir de Março de 1961 no Noroeste angolano impressionaram o povo português e os meios militares. Em Abril o ministro da Defesa, General Botelho Moniz, apoiado por outros oficinais ocupando os mais altos cargos do aparelho militar Almeida Fernandes, ministro do exército . Costa Gomes, subsecretário de Estado do Exército e Beleza Ferraz, chefe do Estado- Maior-General das Forças Armadas, exige ao chefe do Estado a exoneração do presidente do Conselho de Ministros , Oliveira Salazar. Esta atitude que continha uma importante componente relacionada com a política colonial (provável autodeterminação das colónias),é contrariada por Kaulza de Arrigada, subsecretário de Estado da Aeronáutica, que defende a manutenção da política governamental da «defesa do Ultramar» A 12 de Abril, os ministros da Defesa Nacional e do exército recebem uma carta do chefe do Estado repudiando a exoneração de Oliveira Salazar, atitude que viria a cul minar com as próprias exonerações. Na sequência do «golpe», Salazar passa a acumular, com as suas anteriores funções ,as de ministro da Defesa e numa comunicação ao País, lança a palavra de ordem: «Para Angola, rapidamente e em força.» Contudo, em meados de Dezembro de 1961, a União Indiana ocupa Goa, Damão e Diu, cujas peripécias perdurarão na memória dos militares como exemplo da «habilidade» dos políticos para responsabilizarem as Forças Armadas. A rebelião de Beja, de 31 de Dezembro de 1961 para 1 de Janeiro de 1962, foi o último grito de revolta, antes de um profundo empenhamento das Forças Armadas na política colonial do regime. A partir de então, as Forças Armadas atravessam um novo período de «estabilização, que incluiu um maior controlo exercido pelas autoridades

A guerra colonial e as Forças Armadas

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A guerra colonial e as Forças Armadas

Em 1961 as Forças Armadas portuguesas assumem-se ,mais uma vez,

como guardiões do regime que tinha cloroformizado a vida nacional.

As fotografias e os relatos dos acontecimentos vividos a partir de Março

de 1961 no Noroeste angolano impressionaram o povo português e os

meios militares. Em Abril o ministro da Defesa, General Botelho Moniz,

apoiado por outros oficinais ocupando os mais altos cargos do aparelho

militar – Almeida Fernandes, ministro do exército . Costa Gomes,

subsecretário de Estado do Exército e Beleza Ferraz, chefe do Estado-

Maior-General das Forças Armadas, exige ao chefe do Estado a

exoneração do presidente do Conselho de Ministros , Oliveira Salazar. Estaatitude que continha uma importante componente relacionada com a

política colonial (provável autodeterminação das colónias),é contrariada

por Kaulza de Arrigada, subsecretário de Estado da Aeronáutica, que

defende a manutenção da política governamental da «defesa do

Ultramar»

A 12 de Abril, os ministros da Defesa Nacional e do exército recebem uma

carta do chefe do Estado repudiando a exoneração de Oliveira Salazar,atitude que viria a culminar com as próprias exonerações. Na sequência

do «golpe», Salazar passa a acumular, com as suas anteriores funções ,as

de ministro da Defesa e numa comunicação ao País, lança a palavra de

ordem: «Para Angola, rapidamente e em força.»

Contudo, em meados de Dezembro de 1961, a União Indiana ocupa Goa,

Damão e Diu, cujas peripécias perdurarão na memória dos militares como

exemplo da «habilidade» dos políticos para responsabilizarem as ForçasArmadas.

A rebelião de Beja, de 31 de Dezembro de 1961 para 1 de Janeiro de 1962,

foi o último grito de revolta, antes de um profundo empenhamento das

Forças Armadas na política colonial do regime.

A partir de então, as Forças Armadas atravessam um novo período de

«estabilização, que incluiu um maior controlo exercido pelas autoridades

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civis, simbolizado pela vigilância policial sobre os candidatos ás escolas

superiores militares, os oficiais e as Forças Armadas em geral.

A aventura colonial, concretizada pelo envolvimento profundo e contínuo

das Forças Armadas, vai afinal, a pouco e pouco, coloca-las perante arealidade, revelando-lhes o verdadeiro papel que lhes estava atribuído: o

da defesa dos interesses económicos de uma pequena minoria.

De uma população metropolitana e insular que, de 1960 a 1970, baixou de

8 889 392 para 8 668 267 habitantes, com uma componente emigratória

de cerca de milhão e meio de pessoas no período de 1960 a 1974 (onde se

incluiu um número sempre crescente de jovens desertores que recusam a

participação na guerra), foram recrutados cerca de 800 000 homens emtreze anos de guerra .

Este esforço exigido á população metropolitana foi sempre escamoteado á

opinião pública nacional, levada a acreditar em «simples operações de

polícia», quando, efectivamente, se tratava ,«em algumas zonas, de uma

verdadeira guerra».

Em Moçambique, na Guiné e em algumas zonas de Angola, as unidades, e

principalmente as subunidades- com excepção das chamadas tropa de

intervenção, fuzileiros navais, tropas de comandos e pára-quedistas-

,vivem em condições físicas, morais e psicológicas nada propiciadoras de

um espírito colectivo de luta e agressividade. «Na Metrópole ninguém faz

ideia do que o Exército está aqui a sofrer. Precisamos não só de apoio

moral, como de meios que nos permitem vencer as terríveis dificuldades

que enfrentamos minuto a minuto»

A maioria dos efectivos passa cerca de 18 meses em zona 100%-zona de

guerra declarada- ,podendo ,eventualmente, passar os restantes seis

meses e mais algum «mata-bicho»(terminologia de campanha para

designar o prolongamento da comissão ,até que se consumar a rendição

por unidade recém-chegada da Metrópole ,e que para o final da guerra se

aproximava muitas vezes dos seis meses),numa zona de 20 ou 50 %,

respectivamente, zona sem actividade inimiga ou de actividade reduzida.

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O esforço de mobilização pesa igualmente sobre os quadros permanentes,

 já que estes, nos curtos intervalos entre as sucessivas comissões mal têm

tempo de estar com a família ,porque ao chegarem a Portugal, onde a

instrução de novos contingentes é contínua, têm que assegurar o

funcionamento normal de unidades carentes em meios humanos e

materiais, unidades que, na maioria dos casos, não se situam nas suas

áreas de residência.

Uma após outra, sucedem-se as comissões com pessoal cada vez pior

instruído, pela falta de tempo e de instrutores capazes em número

suficiente. O ingresso de jovens na Academia Militar é cada vez mais

reduzido e as autoridades vêem-se forçadas a alargar o âmbito da

mobilização a oficiais milicianos que tinham sido licenciados antes do

início da guerra. Contudo, esta medida não passa de simples paliativo para

as necessidades sempre crescentes . Facilita-se , por isso ,a entrada na

Academia Militar a oficiais milicianos e depois, a sargentos; forma- se um

novo quadro de oficiais, o Quadro Especial de Oficiais, QEO . As

necessidades em pessoal enquadrante a nível de capitães, alferes e

sargentos conduz a alternâncias na cadeia hierárquica, sempre prejudiciais

numa organização que tem como base a disciplina ,já de si tão diluídapelas condições concretas da guerra.

Apesar da extrema diluição das frentes, da dispersão dos efectivos e da

forma insidiosa dos incidentes militares, aliás característicos da guerra

subversiva, esta guerra de treze anos não foi, comparativamente a outras,

excessiva em baixas .

Cada guerra tem ,todavia, as suas características. Uma guerra de

guerrilhas como a que se desenvolveu em Angola, na Guiné e em

Moçambique, sem grandes meios técnicos de parte a parte, sem ataques

de massa, desenvolvida em grandes extensões, onde as forças militares

portuguesas dispõem de superioridade aérea e de meios materiais,

embora actuado em climas inóspitos e terrenos desconhecidos e os

guerrilheiros dos movimentos de libertação, embora com menores meios

,dispõem, de uma forma geral, do apoio da população, das matas, da

mobilidade dos seus pequenos grupos e da actuação indirecta através deminas e armadilhas, tal guerra não pode ser comparável a uma guerra de

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tipo clássico, como , por exemplo, a enfrentada pelo Corpo Expedicionário

Português durante cerca de dois anos na Primeira Guerra Mundial. Por

isso não poderá provar-se a benignidade da guerra colonial, ao comparar

7908 mortos e os 14 884 incapacitados causados ao CEP com os 6340

mortos e os 112 205 feridos e doentes sofridos pelas forças portuguesas

durante treze anos de guerra em Angola ,Moçambique e Guiné no período

de 1961 a 1974.

No que respeita ás despesas de defesa, verifica-se que, durante os anos de

guerra, elas chegam a ultrapassar os 7% do Produto Interno Bruto,

enquanto o efectivo das forças mobilizadas por Portugal ultrapassa os 7 %

da população activa. Contudo, o índice que reflecte mais preocupante o

profundo empenhamento de Portugal na guerra é a percentagem que

ultrapassa os 40 %. Ele diz bem do esforço económico pedido á nação

portuguesa ,bem assim dos sacrifícios e das privações a que os

portugueses foram obrigados.

Esta guerra, a mais longa ao sul do Sara, com uma duração que nenhum

outro país da Europa industrializada conseguiu ( nem na maior parte das

vezes quis)manter ,representa em si mesma ,e nas suas consequências ,o

verdadeiro paradoxo que foi a criação do «subimpério» português.

Subimpério a que o Exército, no extremo da sua paciência, põe fum

enquanto as comunidades coloniais acreditavam que se manteriam

,graças aos militares que elas, apesar disso, olhavam com pouca simpatia.

Em suma, o esforço imenso das Forças Armadas portuguesas, que

puderam dilatar até ao inesperado o prazo de actuação dos governantes,

da diplomacia e da política, ver-se-ia inutilizado se aí se não tivesse

forjado o movimento de oposição que conduziu ao derrube do regime,

numa acção que redimiu as Forças Armadas do seu longo silêncio e da

dominação consentida das suas virtudes .