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FACULDADES INTEGRADAS DA ASSOCIAÇÃO DE ENSINO DE SANTA CATARINA – FASSESC
CURSO DE GASTRONOMIA
DISCIPLINA DE HISTÓRIA DA GASTRONOMIA -1a FASE
ACADÊMICA: ADRIANA M. MERINI SILVA
PÃO
Florianópolis
2005
Introdução
Qual terá sido a pátria originária do trigo silvestre, antes ainda de ele renunciar à sua
ligação com o vento e de selar um pacto com a mão do homem?
Porque o trigo se tornou o rei dos cereais usados para fazer pães e ainda hoje continua
assim?
Quem inventou o pão?
O pão está ligado aos eventos da humanidade há cerca de 6.000 anos e conhecer sua
história é conhecer também os povos antigos, que edificaram sua economia, religião e
política em torno deste alimento.
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O pão e o homem pré-histórico
Desde os primórdios da humanidade, os grãos têm sido muito importantes para a
alimentação humana. Caçadores mastigavam grãos encontrados na natureza, como o
trigo, a cevada, o arroz ou milho. Estes grãos faziam parte da dieta básica de nossos
ancestrais, mas eram sem sabor e rústicos. O homem da idade da pedra descobriu a
agricultura contra a sua vontade. Para garantir o aprovisionamento de sementes doces,
colhidas de plantas herbáceas - sementes com as quais amaciava o gosto ocre da carne
dos animais que lhe serviam de alimento -, tratou de arranjar um lugar seco dentro da
sua caverna. O chão, contudo, ficou úmido e as sementes começaram a germinar.
Desagradou seu paladar e o homem jogou-as fora, queixando-se amargurado da sua
pouca sorte por viver neste mundo inóspito. Indescritível terá sido, contudo, o seu
espanto quando oito meses mais tarde, viu reaparecerem essas sementes.
A origem do trigo
Pode-se julgar saber hoje, com grau de probabilidade bastante razoável, o local onde
viveu a forma mais antiga do trigo. Por estranho que pareça, terá sido na Abissínia. Não
no vale quente do Nilo, mas numa região planáltica, da qual só mais tarde desceu.Um
investigador russo, Nicolai Vavilov, encontrou há algumas décadas uma resposta genial
para uma questão que parecia nunca chegar a poder resolver-se. Partiu da idéia de que
todo o ser vivo tem um “centro da sua gênese”, ou seja, uma localização da sua origem
que deve ser procurada no lugar onde esse ser vivo desenvolveu maior número de
variantes. Imaginemos que um extraterrestre chegava ao nosso planeta e começava a
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procurar o local da origem da língua inglesa; encontraria certamente resposta no Sul e
no Centro da Inglaterra, que é o território onde coexiste uma maior variedade de
dialetos numa área circunscrita. Esta lei, aplicável de maneira relativamente restrita ás
línguas ou aos animais, tem uma validade muito mais ampla no caso das plantas, uma
vez que a sua possibilidade de deslocação é muito mais limitada. Vavilov cruzou esta
idéia geral com uma série de experiências levadas a cabo por Gregor Mendel no
domínio da hereditariedade e descobriu o berço do semideus, o trigo.
O trigo que cresceu depois no Egito não era ainda a variedade de cereal que hoje cobre
amplas regiões dos Estados Unidos, do Canadá e da Rússia. Era uma forma mais
primitiva, aparentada com a espelta. Só mais tarde os romanos vieram a desenvolver
outras variedades a partir desta, tendo depois cultivado uma delas extensivamente no
Egito. Aos romanos se fica a dever, mais do que aos egípcios, o fato de esta nova
variedade de trigo se ter imposto como espécie dominante ao redor do mar
Mediterrâneo. A partir daí, a luz da história passa a ser um sol límpido a refletir-se sobre
as searas, e as variadas vicissitudes do cereal nos são conhecidas.
Em dada altura, deu-se um acontecimento estranho, comparável a uma revolta de
escravos e que havia de assinalar o aparecimento do centeio como cereal alternativo ao
trigo. No Ponto, à beira do Mar Negro, região de grandes searas de trigo, os grãos eram
carregados nos barcos que os haviam de levar para o sul da Rússia. Num dos
carregamentos, sem que se desse por isso, seguiram, à mistura com o trigo, grãos de
uma erva silvestre, à qual ninguém dava importância. Quando se procedeu à semeadura
num terreno que era demasiado árido para o trigo, sucedeu um fato espantoso. O trigo
dava-se mal, mas a dita erva silvestre vingou sem dificuldade. Era o centeio que assim
vinha ter com o homem, oferecendo-se à domesticação. O homem reconheceu
inteligentemente a oportunidade, e em coisa de dois séculos o centeio estava
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transformado em planta doméstica e dava grandes colheitas em solos que pareciam estar
exaustos pela produção de trigo. Na sua fulgurante carreira, o centeio, com a ambição e
a exuberância da juventude, chegou mesmo a conquistar a França e a Inglaterra, que,
contudo, mais tarde haviam de voltar a ser territórios dominados pelo trigo.
Aquilo a que nós chamamos de propriamente pão não se consegue fazer com sorgo,
aveia ou cevada. Assim, a história do pão assenta fundamentalmente no trigo e no
centeio. Na verdade assenta mais no trigo do que no centeio...O pão, no sentido técnico
da palavra, é uma descoberta química. Uma enorme descoberta feita pelo homem. Se
um provérbio albanês diz que “o pão é mais antigo do que o próprio homem”, não diz
exatamente a verdade. O pão é um produto obtido por cozedura no forno, feito a partir
de uma massa de farinha que é aglutinada e levedada por um fermento ou outro agente
semelhante. Os gases que se produzem no interior da massa procuram libertar-se, mas
os poros à superfície vão-se tornando progressivamente mais rígidos por ação do calor e
não lhe permitem o escoamento. Nesta altura, forma-se então a casca que envolve todo
o miolo. Ora, acontece que de fato só a massa de farinha de trigo e de centeio é capaz de
conter a saída dos gases, por razões que têm a ver com propriedades específicas das
proteínas destes dois cereais.
O pão assim obtido com a utilização de um fermento – pão que triunfou sobre todas as
tentativas de substituí-lo por pasta de cereal ou por bolos de farinha sem levedação, à
maneira dos povos mais primitivos – está ligado à civilização ocidental há seis mil anos.
Nenhum outro produto, antes ou depois da sua descoberta, dominou o mundo antigo,
material e espiritualmente, como o pão foi capaz de fazer. Desde os egípcios, que o
inventaram e que edificaram toda a vida administrativa do país em torno dessa
invenção, até os judeus, que transformaram o pão em ponto de partida da legislação
religiosa e social. Vieram depois os gregos e criaram as mais profundas e mais solenes
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lendas para a sua igreja do pão, em Elêusis. E os romanos fizeram do pão instrumento
da sua política: dominavam com o pão, conquistaram o mundo então conhecido por
meio do pão e foi ainda por causa do pão que voltaram a perder o Império. Até que um
dia um homem surgiu e unificou tudo o que sobre o pão havia sido pensado, tudo o que
por causa dele tinha sido sentido e feito. E esse homem, Jesus cristo, disse: “Tomai e
comei! Eu sou o pão...”.
O pão no mundo antigo
Na Antigüidade era costume chamar aos egípcios de os “comedores de pão”. Foram os
egípcios os primeiros que usaram os fornos, sendo atribuída a eles também, a descoberta
do acréscimo de líquido fermentado à massa do pão para torná-la leve e macia. No
Egito, o pão era o alimento básico. Segundo Heródoto, era amassado com os pés, e
normalmente feito de cevada ou espelta, espécies de trigo de qualidade inferior. Os pães
preparados com trigo de qualidade superior eram destinados apenas aos ricos.
Contudo, esse produto de manufatura, o pão, era não só o alimento principal de todos,
mas também uma unidade de cultura, uma unidade de medida segunda a qual se
organizavam a contagem. O “número de pães” significava a riqueza e os fornos de pães
espalhados pelo país eram quase comparáveis a oficinas de produção de moedas. A
farinha cozida sob a forma de pão, acabou por se tornar meio de pagamento. Ao longo
dos séculos, o salário dos trabalhadores era pago exclusivamente em pães.
Assim, este enorme país que era o Egito, surge-nos como uma grande cozinha de
panificação que tinha de fornecer alimento aos vivos e aos mortos. A fábrica de cerveja
estava, aliás, logo ao lado porque, como dizia o ditado, a cevada é a parteira da cerveja e
do pão. “O pão é uma generosa dádiva da natureza, um alimento que nenhum outro
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substitui. O pão tem correspondência com cada hora do dia, com cada idade de vida do
homem, com cada estado de espírito: melhora o resto da alimentação, é o pai da boa e
da má digestão. Saboreado com carne ou com outro alimento não perde nada do seu
encanto. É de tal forma feita para o homem que pouco depois de nascermos já lhe
dedicamos todo o nosso amor e até a hora de nossa morte, nunca dele nos cansamos”.
Estas palavras maravilhosas podem parecer saídas de um papiro de um médico do
Antigo Egito. Mas não. São da pena de Parmentier, um francês que as escreveu em
Paris, em 1772. Se os egípcios não tivessem inventado o pão mais ou menos em 4.000
a.C., teriam sido, certamente, os franceses a fazê-lo muito mais tarde. Na alegria e na
veneração que tem pelo pão, estes dois povos são tão parecidos como na sua inclinação
para a química culinária experimental. Aliás, foram os franceses da comitiva de
Napoleão que redescobriram o Egito. Os ingleses só chegaram depois.
Só a química moderna pôde determinar o que é exatamente o processo de fermentação.
O ar contém uma quantidade enorme de microrganismos que estão apenas a espera de
encontrar uma superfície onde possam alimentar-se. Foram precisamente esporos e
fungos de levedura que se lançaram sobre os restos de açúcar contidos na mistura de
água do Nilo e de farinha: em conseqüência da ação desses microrganismos, o açúcar
divide-se em ácido carbônico e álcool. As bolhas do ácido carbônico não conseguem
escapar através do material enrijecido á superfície e fazem inchar a massa tornando-a
fofa. Durante a cozedura o ácido carbônico e o álcool acabam por escapar de fato. Este
último – que é tão importante no processo de confecção da cerveja – desaparece
completamente na panificação. Quanto ao ácido carbônico, esse deixa seu vestígio na
porosidade interior do pão.
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Quem poderá fazer a história de tudo o que foi sendo inventado em seguida? Por
exemplo, podia-se misturar sementes de papoula, de sésamo ou de cânfora na massa.
Não foi preciso muito tempo para que houvesse cinqüenta variedades diferentes de pão.
Mas mesmo que só tivesse uma, grande seria seu orgulho nela.
Durante milênios o mundo tremeu de medo perante as práticas de magia dos egípcios.
Ainda no século X da nossa era, Suidas, o lexicógrafo bizantino, contava que no ano de
296 o imperador Diocleciano, depois de conseguir conter uma revolta dos egípcios, teria
castigado-os confiscando e queimando sues livros de magia. Com essa medida tê-los-ia
certamente atingido no seu ponto mais sensível, destruindo-lhes a fonte do seu poder!
Também no século X um autor árabe, Aln-Eddin, afirmava não haver qualquer dúvida
de que “as pirâmides haviam sido laboratórios químicos e os hieróglifos, textos
alquimistas”. Já em pleno século XV, um outro árabe, Qualquashandi, ainda falava do
seu pavor face às artes mágicas dos egípcios.
E tudo isso nasceu do inofensivo forno de pão. Forno que talvez não fosse afinal tão
inofensivo, porque seu aspecto era o do ventre da mulher grávida. Dela nascia o pão e
desde então, durante milhares de anos, o pão é comparado ao próprio homem.
O povo de Israel conheceu o pão no contato que teve com os egípcios. Os hebreus,
agora transformados em “camponeses de ocasião”, não podiam deixar de sentir espanto
perante um povo que passava o dia todo ocupado com tudo o que dizia respeito à
confecção do pão. O pão que agora aprendiam a produzir não era invenção sua. Se
tivessem continuado a ser pastores nômades, nunca a teriam adotado. Para se fazer pão é
preciso ser sedentário e ter paciência. Abraão e seu povo que vivia em tendas simples
tinham de fato farinha, mas não tinham fornos. O forno egípcio de cozer pão era feito de
adobe e fazia parte de uma arquitetura sólida e sedentária. Havia, na verdade, outros
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fornos, transportáveis – aos quais os judeus chamavam de tannurim, e que, mais tarde,
os gregos designavam por klibanoi -, mas mesmos esses eram demasiado pesados; era
uma espécie de grandes vasos em pedra ou mesmo em metal, com três pés de altura.
Segundo o relato bíblico, a saída dos filhos de Israel do Egito foi tão apressada que não
tiveram tempo de confeccionar completamente o pão, que era preparado à maneira
egípcia, ou seja, amassado para ir ao forno: “E o povo levou a sua farinha amassada
antes de levedar, e sobre os ombros das suas amassadeiras envoltas nos seus mantos”.
Saíram em grande pressa. “E cozeram a farinha amassada com que tinham saído do
Egito em bolos sem fermento, pois não tinham fermento. Tinham na verdade sidos
expulsos do Egito, e não puderam demorar-se; nem sequer fizeram provisões para si”.
Então Moisés disse ao povo: “Recordai-vos deste dia em que saístes do Egito, da casa
da servidão, pois foi com mão forte que o Senhor vos fez sair daqui. Não se comerá pão
fermentado”. Este dia deveria, daí em diante, ser celebrado anualmente na semana da
páscoa hebraica: “Durante sete dias comer-se-ão pães sem fermento, e no sétimo dia
haverá uma festa em honra do Senhor... observareis esta prescrição no tempo
estabelecido, ano após ano” {Êxodo, 13}. A Jeová só ofereciam pão ázimo, sem
fermento, o único que consomem até hoje na Páscoa.
Os pães eram redondos e tinham o aspecto de umas pedras achatadas, vagamente
elevadas no centro, mas pouco mais grossas que um dedo. Como eram pequenos, a
refeição de um homem exigia pelo menos três pães. No seu diâmetro um pão era mais
ou menos como os nossos pãezinhos mais pequenos. Mas, não o esqueçamos, eram pães
muito baixos, e isso explica por que razão os judeus, em vez de cortarem o pão, o
partiam. O fato de não usarem a faca para o cortar tinha apenas significado técnico e
não religioso. Os judeus estavam muito longe de encarar o pão como um ser vivo ou
como uma entidade sobrenatural. Essa transformação histórica ficaria devendo mais
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tarde à mentalidade cristã. Para os hebreus, o pão era alimento, um entre os outros
alimentos, por muito que gostassem dele. Mas a própria lenda do maná inculcava neles
a idéia de que também era possível sobreviver sem o pão. Deus era misericordioso e
providenciava boas colheitas; porém, se quisesse, alimentava seu povo durante quarenta
anos no deserto com um alimento que de fato não era pão. Mas, também é verdade que
os judeus tinham nostalgia tão grande pelo pão, que de vez em quando queriam voltar à
antiga “casa da servidão”, ou seja, ao Egito, o que mostra até que ponto o pão lhes
tornara imprescindível.
O culto do pão em Elêusis
Um hino do século VII a.C. supostamente escrito por Homero, conta que Perséfone,
filha de Deméter e Zeus, fora seqüestrada por um forasteiro e levada contra sua vontade
ao mundo subterrâneo. Deméter ouve os gritos da filha e sai à sua procura e vaga pelo
mundo sem encontrá-la. Quando encontra–se com aquele que tudo vê, Hélios, o deus do
sol, fica sabendo que foi o deus dos mortos quem raptou sua filha e que fez dela a sua
esposa, sendo seu casamento indestrutível. Deméter jura nunca mais entrar no Olimpo,
onde habita o pai negligente e cúmplice, que é Zeus.
E vai de terra em terra, carregando sua mágoa. Então, foi erguido em Elêusis um templo
onde Deméter passou a viver, longe dos deuses e dos humanos e põe em prática sua
terrível vingança. Torna todos os campos estéreis e impede as sementes de saírem da
terra.
Zeus é obrigado a intervir para que não se desfaça em pó toda a criação por falta de
alimentos. E envia ao mundo subterrâneo um anjo que pede ao príncipe dos infernos
que deixe partir Perséfone. Levada pelo anjo, Perséfone regressa ao mundo da luz e vai
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de encontro a sua mãe. Mas Perséfone comeu da mesa do Hades e tem que permanecer
nas profundezas durante uma terça parte do ano, mas Deméter fica feliz, pois sua
semente pode ficar junto à mãe durante oito meses do ano.
Os acontecimentos do hino de Deméter foram tomando no conjunto de crenças dos
gregos, um lugar semelhante ao das dores de Maria na vida dos cristãos. Por muito que
os gregos detestassem a dogmática religiosa em geral, a verdade é que Perséfone e os
acontecimentos do seu destino constituíam uma notável exceção. De tal maneira se
tornaram importantes que passaram a ser um fato religioso central para o conjunto de
toda a Grécia.
Perséfone simboliza a semente do trigo e Deméter, a agricultura, é a deusa do
crescimento controlado, é a força que faz crescer as sementes úteis e faz definhar as
sementes prejudiciais. Para os gregos não havia qualquer dúvida de que a terra era cega.
Não escolhe o que nela cresce, nem o que nela definha. Mas a deusa da agricultura, essa
escolhe. Oferece aos homens sua salvação. Contudo, num sentido que faz lembrar o
Antigo Testamento, os homens têm de estabelecer com ela uma aliança. A divindade
não pode exercer a sua generosidade sem a colaboração dos homens que têm de arar a
terra, semear, colher, produzir o pão.
Roma
Dos moinhos desse povo prático, saía então a farinha. Movidos por escravos, por
animais, pela força das águas, iam deixando lentamente sair a silenciosa farinha, que era
o cimento da vida, que mantinha a unidade do Estado porque satisfazia os estômagos,
que servia de alimento aos pobres e aos ricos, que os soldados das legiões levavam em
bolsas penduradas na ponta das lanças quando partiam à conquista do mundo.
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Por natureza, os romanos não eram refinados apreciadores da boa mesa. Demorou
algum tempo até que percebessem que o pão era mais saboroso do que os grãos de
cereal torrado ou as papas de farinha. Mas quando aprenderam a fabricar o pão,
aprenderam na perfeição. Ateneu, o autor do Banquete dos Sofistas (séculos II e III
d.C.), conta que alguns padeiros obrigavam os ajudantes a usarem luvas e máscaras para
que não caísse suor na massa e para que a respiração não a estragasse. Para os
apreciadores, havia múltiplas variedades produzidas a partir da mesma massa. A par do
pão vulgar, que tinha o formato de uma bomba, havia, por exemplo, o panis artopticius,
que era rodado num espeto. O panis testuatius era cozido dentro de um vaso de barro,
havia um “pão-de Parta”, considerado uma especialidade, em cuja fabricação a massa
era deixada de água durante bastante tempo e só depois cozida; o resultado era um pão
tão leve que podia boiar em água, ao contrário do que acontecia normalmente.
Surgem então, os padeiros. A profissão era considerada qual um artesanato
especializado. Na escala do sentimento popular, não ocupavam o lugar que tem hoje,
mas uma posição mais parecida com a dos alfaiates. O fato de serem artesãos constituía
um incentivo: falava-se numa ars pistorica, a arte da panificação. Os donos das padarias
eram quase sempre antigos escravos libertos.
A consciência profissional dos jovens padeiros revelou-se cedo. Organizavam-se em
associações com direitos reconhecidos e garantidos pelo Estado. Estas associações
tinham uma palavra importante na vida religiosa. A festa da deusa dos fornos
comemorava-se no dia 9 de junho. O forno era coroado de louros, os instrumentos de
trabalho enfeitados com grinaldas de flores e todas as pessoas comiam e bebiam. O
corpus pistorum era uma força com a qual era preciso contar nas eleições locais.
Padeiro de quem se dissesse “bonum panem fert” (“produz bom pão”) era homem que
podia ser eleito para um cargo municipal; Paquius Proculus, que chegou a ser segunda
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figura da administração municipal de Pompéia, era efetivamente, membro da
corporação dos padeiros.
Os imperadores confirmaram esses direitos e concederam importantes privilégios a eles,
considerando-os “gente de valor para o Estado”. Ate que chegou o dia em que
obtiveram aquilo que de fato era o resultado inevitável da evolução: os padeiros
passaram à condição de funcionários do Estado. Uma má evolução; má para os padeiros
e má para Roma. Uma evolução que nos mostra que os romanos – gente prática, mas,
sobretudo na aparência - não conheciam os seus verdadeiros problemas ou pelo menos
não sabiam como lidar com eles. O império de Roma cresceu à custa do pão, mas sua
queda ficou a dever-se igualmente ao pão.
Foi nesse mundo do Império Romano que apareceu Jesus Cristo. Era um mundo de
carência, de verdadeira fome, um mundo em que os especuladores retinham os cereais e
no qual o estado e o imperador serviam do pão para fins políticos dando alimento a
quem apoiasse o seu poder. Cristo surgiu exatamente nesse mundo. E apresentou-se
dizendo que era o filho de Deus. Mas a verdade é que esse mundo era atravessado por
outra fome, uma fome espiritual. Eram muitos os que sentiam que um mundo assim não
podia ser verdadeiro.
Na Europa o pão chegou através dos gregos. O pão romano era feito em casa, pelas
mulheres, tendo passado, posteriormente, a ser fabricado em padarias públicas,
surgindo, então, os primeiros padeiros. Isto teria acontecido, segundo o filósofo romano
Plínio, o Antigo, depois da conquista da Macedônia, em 168 a.C. Na Antigüidade, os
deuses - e os mortos - egípcios, gregos e romanos eram honrados com oferendas de
animais, flores em massa de pão. Era comum, ainda, entre egípcios e romanos, a
distribuição de pães aos soldados, como complemento do soldo, tendo perdurado este
costume na Idade Média.
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Pelo pão, o mercador vai longe, altas horas.
Pelo pão, de porta em porta vai o pedinte.
Pelo pão, o marinheiro engole o sal do mar.
Mundo acima, mundo abaixo – assim houvesse pão que nos bastasse.
O grou selvagem, ingênuo, atira-se contra a rede,
Engodado por pão. A fome não conhece leis.
Por pão, morrem na batalha o soldado e o marechal.
Por pão, o mineiro desce ao poço fundo.
Onde houver gente a trabalhar, trabalha por pão.
Casa sem pão é o lar da miséria.
Onde pão houver, reina o salário do entendimento.
Onde não houver, guerreiam pai e filho.
Mulher, criança e templo, vida piedosa, morte doçura:
Das melhores coisas, a melhor será sempre o pão.
(poema hindu)
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O pão na idade média
Com a queda do Império Romano e da organização por ele imposta ao mundo, as
padarias européias desapareceram, retornando o fabrico doméstico do pão na maior
parte da Europa. O senhor feudal permitia apenas o uso do moinho e dos fornos. Voltou
a se consumir, pela comodidade no fabrico, o pão ázimo, sem fermento e achatado, que
acompanhava outros alimentos, como a carne e sopas. Nessa época, somente os castelos
e conventos possuíam padarias. Os métodos de fabrico de pães eram incipientes e,
apesar das limitações na produção, as corporações de padeiros já tinham alguma força.
No século XVII, a França se tornou o centro de fabricação de pães de luxo, com a
introdução dos modernos processos de panificação, apesar de desde o século XII, já ser
habitual o consumo de mais de vinte variedades de pães naquele país. Depois, a
primazia no fabrico de pão passou a Viena, na Áustria. A invenção de novos processos
de moagem da farinha contribuiu muito para a indústria de panificação. Os grãos de
trigo, inicialmente, eram triturados em moinhos de pedra manuais, que evoluíram para o
de pedra movido por animais e depois para os movidos pela água e, finalmente, pelos
moinhos de vento. Apenas em 1784 apareceram os moinhos movidos a vapor. Em 1881
ocorre a invenção dos cilindros, que muito aprimorou a produção de pães.
O Pão no Brasil
O trigo chegou à América na época dos descobrimentos, quando Colombo trouxe
algumas sementes da Europa, em 1943. Hernando Cortês introduziu o cereal no México
em 1519. De lá, alguns missionários o levaram para os atuais estados norte-americanos
do Arizona e Califórnia. O trigo foi plantado em Garanhuns (Pernambuco), Teixeira
(Paraíba), Meruoca (Ceará) chegando até a Ilha de Marajó (Pará). Mais tarde
desenvolveu-se também em Minas Gerais e Goiás. Em 1737, colonos açorianos deram
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grande impulso ao cultivo desse cereal e o Brasil exportava grandes quantidades de
trigo para Portugal.
Em meados do Século XIX, os trigais foram atacados pelas ferrugens, praticamente
desaparecendo até a Primeira Guerra Mundial. A partir desse período, o governo
brasileiro passou a se interessar mais pela questão, concedendo prêmios aos produtores
e estimulando a pesquisa experimental. Com esse estímulo a cultura do trigo foi
retomada, desenvolvendo novas espécies, mais resistentes à ferrugem.
O trigo deve ter sido uma das primeiras culturas tentadas pelos portugueses no Brasil. A
história do trigo no Brasil teve início em 1534, quando as naus de Martim Afonso de
Souza trouxeram as primeiras sementes de trigo para serem lançadas às terras da
Capitania de São Vicente, de onde foi difundida por todas as capitanias, invadindo até a
Ilha de Marajó, cujas plantações se tornaram mais tarde, famosas. Os trigais brasileiros
se anteciparam aos norte-americanos, argentinos e uruguaios, pois o Brasil foi o
primeiro país americano a exportar trigo, graças às lavouras que teve em São Paulo e
outras regiões.
Conforme escreveu o sociólogo e antropólogo Gilberto Freyre, o Brasil conheceu o pão
no século XIX. Antes do pão, o que se usava, em tempos coloniais, era o biju de tapioca
no almoço e no jantar a farofa, o pirão escaldado ou a massa de farinha de mandioca
feita no caldo de peixe ou de carne. No início, a fabricação de pão no Brasil obedecia a
uma espécie de ritual próprio, com cerimônias, cruzes nas massas, ensalmos para
crescer, afofar e dourar a crosta, principalmente quando eram assados em casa. A
atividade da panificação no Brasil se expandiu com os imigrantes italianos. Os pioneiros
da indústria de panificação surgiram em Minas Gerais.
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O Pão e a Religião
O pão permeia toda a história do homem, principalmente pelo seu lado religioso. É o
símbolo da vida, alimento do corpo e da alma, símbolo da partilha. Ele foi sublimado na
multiplicação dos pães, na Santa Ceia, e até hoje simboliza a fé, na missa católica - a
hóstia -, representando o corpo de Cristo. Há os famosos pãezinhos de Santo Antônio,
que ainda hoje são distribuídos aos pobres em várias igrejas no dia desse santo, 13 de
junho, para serem guardados em latas. Acredita-se que o que estiver junto com esse
pãozinho não faltará durante aquele ano. Esse costume português chegou até nós através
dos jesuítas.
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Dados estatísticos
Considerando os dados consolidados no ano de 2000, o maior produtor mundial de trigo
em nossos dias é a China (106 milhões de toneladas), seguido da Índia (71,5 milhões),
Estados Unidos (61,1 milhões), França (30,7 milhões) e Rússia (29,5 milhões). Nesse
mesmo ano, Brasil situou-se na 19a colocação, produzindo cerca de 2,5 milhões de
toneladas. O Conselho Internacional de Grãos (IGC) manteve sua estimativa para a
produção mundial de trigo na safra 2005/06, o número foi mantido em 602 milhões de
toneladas. As condições para a safra 2005/06 parecem favoráveis com bons resultados
no Sul da Ásia. No Canadá, a área de trigo de primavera deve cair mais que o esperado.
O consumo mundial deverá cair 6 milhões de toneladas em 2005/06, ante o recorde de
2004/05 por conta da redução no setor de ração, especialmente na União Européia (UE)
e América do Norte.
No Brasil sua produção concentra-se no Sul e Centro-Sul do país tendo como principais
produtores os estados do Rio Grande do Sul, Paraná e São Paulo. A região Sul é
responsável por 90% da produção nacional brasileira.
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Conclusão
A epopéia dos cereais dura há quase quinze mil anos, lado a lado com essa que é a
epopéia da mão do homem. O homem transformou os cereais selvagens em autênticos
animais domésticos. Os cereais domésticos morreriam amanhã, se o homem
desaparecesse. Dependem dos cuidados do homem, uma vez que o vento já não pode
disseminar-lhes as sementes, a partir do momento em que passaram a estar presas à
espiga, a reprodução dos cereais só é possível por meio de semeadura artificial.
Mas a compreensão deste fenômeno tem alguma coisa de absolutamente espantoso. O
grão que faz viver o homem, só pode viver com o auxílio do homem! Quem pensar em
todas as implicações desta verificação, não pode certamente entender por que razão o
agricultor, ao longo dos últimos milênios, foi tantas vezes remetido para o lugar de
enteado da história da humanidade.
A história do pão, enquanto disciplina, lança raízes em muitas e variadas áreas de
especialização científica. É um território que vai da botânica à história comparada das
religiões, da economia à medicina, da filosofia às ciências políticas, da química agrícola
às tecnologias da moagem e da panificação.
É uma história que continua a ser contada.
A história celebra os campos de batalha sobre os quais a morte nos atinge, mas não fala dos campos de cereal que nos fazem viver. A história sabe os nomes dos filhos ilegítimos dos reis, mas não é capaz de nos contar como foi a origem do cultivo do
trigo. Que longo caminho este, de loucura humana! (Henri Fabre)
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