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A IMPORTÂNCIA DE ESTUDOS TEÓRICOS SOBRE O BRINCAR NA EDUCAÇÃO INFANTIL NA FORMAÇÃO DOCENTE
Autora: Margareth Aparecida Cauneto1 Orientadora: Professora Drª. Augusta Padilha2
Resumo: O lúdico no contexto escolar está desaparecendo, e percebemos que os jogos e brincadeiras são ignorados com frequência pelas instituições escolares. O momento exige que paremos para refletir sobre a importância desse componente na formação dos futuros professores. Este trabalho é resultado de uma pesquisa escolar aplicada que teve como objetivos propiciar aos alunos e professores do Curso de Formação de Docentes, na disciplina de Prática de Formação, a compreensão sobre a função do lúdico na formação humana; reconhecer a brincadeira como instrumento pedagógico importante no desenvolvimento cognitivo da criança; ter a oportunidade de identificar os componentes da essência humana; relacionar aprendizagem e desenvolvimento intelectual; analisar a importância do brincar no processo de ensino-aprendizagem; reconhecer a função mediadora do docente na Educação Infantil; evidenciar o papel da brincadeira na aprendizagem nos Centros de Educação Infantil, uma vez que pouco se usam as brincadeiras para formar/ensinar crianças e, quando usadas, têm um foco diferente. Palavras-chave: Lúdico. Processo de ensino-aprendizagem. Formação docente.
INTRODUÇÃO
O texto que segue é produto da experiência da sistematização das ações
desenvolvidas no âmbito do Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE) e
seu desdobramento no Projeto de Intervenção Pedagógica intitulado “O Brincar, a
Criança e a Educação Escolar: Análise sobre o Ensino nos Centros de Educação
Infantil”, que partiu da experiência com os alunos do Curso de Formação na
disciplina de Prática de Formação, quando realizavam seus estágios nos Centros de
Educação Infantil.
O que motivou a realização deste trabalho foram as observações dos
professores da disciplina de Prática de Formação durante os estágios nos Centros
de Educação Infantil, pois se trata, a nosso ver, de uma disciplina relevante no Curso
de Formação de Docentes. Durante esses estágios, percebemos que pouco se
utilizam as brincadeiras para ensinar às crianças e, quando utilizadas pelos
educadores, são encaradas como forma de relaxamento, descarga de energia ou
premiação aos que foram bem sucedidos em suas atividades em sala de aula.
1
Professora da Rede Estadual de Educação do Paraná. 2 Professora do Departamento de Teoria e Prática da Educação da Universidade Estadual de Maringá.
Nossos alunos do Curso de Formação, durante os estágios, também tiveram
a mesma percepção, pois acreditam que as crianças precisam de atividades lúdicas
assim como a certeza de que aprender brincando desenvolve melhor a
aprendizagem, uma vez que as brincadeiras proporcionam às crianças maior relação
com o mundo, com as pessoas e com objetos que as cercam.
Sabemos que as crianças têm necessidade do brincar, mas observamos que
os futuros professores não estão sendo preparados para ensinar, na Educação
Infantil, mediante o lúdico das brincadeiras. O foco deste trabalho, por conseguinte,
gira em torno da problemática de estudar com os alunos do Curso de Formação de
Docentes sobre o brincar, a criança e a educação escolar, considerando que
estudiosos e pesquisadores comprovaram a importância do brincar na educação
pré-escolar, que é o período da vida em que o mundo da realidade humana que
cerca a criança abre-se cada vez mais para ela.
Quando perguntamos quais são os direitos, interesses e necessidades da
criança nessa faixa etária, as respostas aparecem permeadas dos temas
brinquedos, brincadeiras, ou seja, o brincar é direito, é interesse e necessidade da
criança. No entanto, também verificamos que, no cotidiano dos Centros de
Educação Infantil, as crianças estão brincando cada vez menos, e isso ficou
evidente durante nossas observações. Constatamos o distanciamento entre o que é
de direito e o que é de fato realizado pelos educadores na prática com seus alunos.
Esse distanciamento, entendido como dificuldade docente, estaria relacionado à
ausência de conhecimentos sobre a criança e o ensino desta nessa faixa etária? O
que os futuros docentes precisam saber para a aplicabilidade do brincar na
Educação Infantil?
A caminhada de investigação se iniciou com aprofundamento teórico na
perspectiva de pensar sobre a importância do brincar para o desenvolvimento
intelectual e sua coincidência com uma formação humana. Realizamos estudos para
a elaboração do Projeto de Intervenção e para a Produção Didático-Pedagógica, que
foi suporte para a atividade de implementação pedagógica realizada no Colégio
Estadual de Paranavaí – Ensino Fundamental, Médio, Normal e Profissional. Com o
objetivo de fundamentar alunos e professores do Curso de Formação de Docentes,
seguimos a Proposta Pedagógica Curricular do Curso de Formação de Docentes da
Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental, em Nível Médio, na
Modalidade Normal, no que diz respeito à ementa da terceira série que aborda
“Artes, brinquedos, crianças e a educação nas diferentes instituições”, cujo intuito
visava pensar os fundamentos sócio-psicológicos e as funções no desenvolvimento
infantil (PARANÁ, 2006).
O desenvolvimento da Unidade Didática ocorreu em oito encontros que
envolveram 18 alunas do 3º ano e quatro docentes das disciplinas específicas do
Curso de Formação de Docentes do Colégio Estadual de Paranavaí E.F.M.P.N.
Também foi ofertado, aos profissionais da educação do Estado do Paraná, o curso a
distância GTR, com a participação efetiva de 11 professores, sendo dez do Curso de
Formação de Docentes e um do Curso Técnico em Informática.
Durante os encontros, abordamos a realização de pesquisas e estudos sobre
o brincar, a criança e a educação escolar com a finalidade de incidir na
formação/ação dos envolvidos acima citados. Buscamos a fundamentação teórica
nos estudiosos L. S. Vigotski e A. N. Leontiev, pois acreditamos que, por meio das
pesquisas desses autores teríamos mais compreensão sobre a relação
aprendizagem e desenvolvimento intelectual dos alunos na modalidade Educação
Infantil; as leituras e estudos pertinentes à Teoria Histórico-Cultural nos forneceram
subsídios para a formação/ação desses alunos e professores de forma que
pudessem participar do debate sobre os componentes da essência humana; a
função do lúdico na relação entre aprendizagem e desenvolvimento intelectual da
criança; a importância da mediação do educador no uso de brincadeiras no processo
de ensino; e a influência do brincar para a formação humana dos alunos.
A IMPORTÂNCIA DO BRINCAR PARA O DESENVOLVIMENTO INFANTIL
Em nossos estudos durante a implementação, destacamos que o brincar, há
muito tempo, é motivo de preocupação, pois na Declaração dos Direitos Humanos
de 1959 já constava essa prerrogativa: “a criança terá ampla oportunidade para
brincar e divertir-se, visando aos propósitos mesmos da sua educação; a sociedade
e as autoridades públicas empenhar-se-ão em promover o gozo deste direito”
(BRASIL, 1959); e a Constituição do Brasil, no Artigo 227, assegura o direito “[...] à
educação, ao lazer [...]” (BRASIL, 1988). No Estatuto da Criança e do Adolescente
(ECA), o Artigo 4º estabelece que
É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer,
à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária (BRASIL, 1990).
Esses documentos evidenciam a preocupação de diversos segmentos sociais
no tocante à importância do brincar como fonte de aprendizagem. Espaços como
brinquedotecas agora fazem parte do acervo dos Cursos de Formação, porque
entendemos que a educação, desde a infância, precisa estar centrada na formação
do homem omnilateral, do homem completo. É necessário conceber o indivíduo no
conjunto de suas relações sociais e, quando se trata de formação humana, as
brincadeiras e os jogos estão inseridos nesse contexto desde as antigas civilizações.
Para Klein (2010), a educação é uma prática muito importante para a sociedade, é
alvo de reflexões metódicas, científicas e críticas, e deve ser intencional no tocante
ao sujeito que se deseja formar em determinado contexto escolar.
Pensando nesse sujeito, é preciso deixar evidente que, seja qual for o nível
de escolaridade e as estratégias de ensino, o educador não pode depreciar ou
desvalorizar o conhecimento historicamente acumulado pela humanidade, cuja
apropriação é direito de todo ser humano. Isto porque, acreditamos que a educação
dos homens varia de acordo com os modelos que são apresentados em diferentes
épocas e sociedades, haja vista que a formação de cada homem não ocorre
espontanea ou naturalmente, mas conforme as peculiaridades da sua experiência
pessoal. Sendo, pois, o homem um ser histórico e social, todos os momentos de sua
vida são imprescindíveis para contatos e aprendizagens com recursos materiais e
intelectuais que lhe oferecem condições de existência humana, de desenvolvimento
no processo de experiência pessoal no tempo mais variado de sua escolarização,
por exemplo.
Como a Educação Infantil se encontra nesse contexto, os futuros educadores
precisam perceber que, para atuar nesse segmento, são necessários estudos
teóricos, antes do exercício do brincar com as crianças, e entendam que, para que
todos tenham as mesmas condições de educação, é importante que haja caráter de
transformação nas atividades organizadas para as crianças, que ofereça modelos
que orientem ações educativas que exijam de todas a aprendizagem da leitura, da
escrita, das operações matemáticas, enfim, dos fundamentos da ciência.
Aprendizagens que concorrerão na eliminação das diferenças e desigualdades
sociais e individuais a medida que todos os alunos consigam os mesmos graus de
conhecimento.
Vivemos sob a dominância da ordem social burguesa e do modo capitalista
de produção, e isso tem levado as instituições educacionais a desenvolver um
modelo de educação padronizado, em que as atividades lúdicas, mesmo
espontâneas, têm espaço tão limitado que não surtem efeito. Crianças com uma
rotina de adultos, apresentam-se precocemente como adultos em miniaturas. A
aluna D.R., durante a implementação, citou um exemplo, muito assustada:
“Professora, eu tenho uma aluninha de três anos, do maternal, que vai maquiada
para a escola, maquiada mesmo, professora, ela usa rímel, lápis, batom e é assim
todos os dias”. Podemos dizer que nessa tendência social, as crianças estão sendo
privadas de um de seus direitos básicos, que é brincar, até mesmo em seus
ambientes familiares, “quintais”, etc. Esse brincar compreendia, inclusive, as
chamadas brincadeiras tradicionais infantis que encantavam as crianças e que
desapareceram em virtude da televisão, da Internet, dos jogos eletrônicos, das
mudanças nas zonas urbanas, enfim. Tais brincadeiras são muito importantes na
educação e sociabilidade da criança, pois brincando e jogando a criança, conforme
explica a Teoria Histórico Cultura, está sempre além da sua conduta diária, pois em
processo com essas fontes de desenvolvimento. Ainda, estabelece vínculos sociais,
regras traçadas pelo grupo como também propõe suas modificações e aprende os
mecanismos como a ganhar e a perder.
É notório, na conduta humana, que o mundo da criança contém encanto,
fantasia, faz de conta, sonho, curiosidades, descobertas. Também é por meio da
espontaneidade do brincar que a criança poderá expressar as diferentes
experiências vivenciadas em seu contexto familiar e social.
A brincadeira se apresenta como uma importante fonte de desenvolvimento
intelectual pois com ela a criança atua com a imaginação, a criatividade, o raciocínio,
a atenção, funções intelectuais essenciais para a aprendizagem e apropriação de
conhecimentos; pode fazer parte do cotidiano de qualquer criança, independente do
local onde vivam, dos recursos disponíveis, do grupo social e da cultura da qual
fazem parte.
Leontiev (2001, p. 120), quando escreve sobre o significado da brincadeira no
estágio de desenvolvimento infantil, deixa claro que a brincadeira infantil, na
perspectiva histórico-cultural, consiste em uma atividade tipicamente humana: “[...] a
brincadeira para a criança não é instintiva, mas precisamente humana, atividade
objetiva, que, por constituir a base da percepção que a criança tem do mundo dos
objetos humanos, determina o conteúdo de suas brincadeiras”. Para esse autor, as
primeiras ações lúdicas surgem com base na necessidade crescente da criança de
dominar o mundo dos objetos humanos, por isso, a nosso ver, no processo de
ensino, as brincadeiras e jogos precisam de organização e cuidado com a
administração, uma vez que incidem, inclusive, nos sentimentos de prazer ou
frustração.
Segundo Vigotski (1998ª, p. 112),
[...] A imaginação é um processo psicológico novo para a criança; representa uma forma especificamente humana de atividade consciente, não está presente na consciência de crianças pequenas e está totalmente ausente em animais. Como todas as funções da consciência, ela surge originalmente da ação.
De acordo com Leontiev3 (1988 apud PADILHA; BARROS; SANTOS, 2010),
reiteramos que a criança pré-escolar brinca porque sente a necessidade de dominar
o mundo humano e os objetos humanos que se expandem através do tempo em que
ela se desenvolve. Esses são objetos que ela pode operar, mas há aqueles com que
ela não pode fazê-lo por incapacidade física e psíquica. Nessa fase de
desenvolvimento, ela recorre a atividades lúdicas, as quais se tornam a atividade
principal, mas não a predominante.
[...] O que é, em geral, a atividade principal? Designamos por esta expressão não apenas a atividade freqüentemente encontrada em dado nível do desenvolvimento de uma criança. O brinquedo, por exemplo, não ocupa, de modo algum, a maior parte do tempo de uma criança. A criança pré-escolar não brinca mais do que três ou quatro horas por dia. Assim, a questão não é a quantidade de tempo que o processo ocupa. Chamamos de atividade principal aquela em conexão com o qual ocorrem as mais importantes mudanças no desenvolvimento psíquico da criança e dentro da qual se desenvolvem processos psíquicos que preparam o caminho da transição da criança para um novo e mais elevado nível de desenvolvimento (LEONTIEV, 2001, p.122).
Entendemos que a atividade principal na infância pré-escolar é o brincar
explícito no jogo, no brinquedo, na brincadeira e em outras formas lúdicas
vivenciadas pela criança nessa idade. Para compreendermos que a infância é um
período importante na direção do desenvolvimento do ser humano, é necessário que
entendamos a aprendizagem e o desenvolvimento intelectual como fenômenos
intencionalmente organizados com o planejamento das situações educativas. O jogo
e a brincadeira são atividades principais na educação infantil, e a experiência com
essas atividades oportuniza às crianças conhecer histórias passadas e o mundo
3 LEONTIEV, A. N. Os princípios psicológicos da brincadeira pré-escolar. In: VIGOTSII, L. S.; LURIA, A. R.; LEONTIEV, A. N. Linguagem, Desenvolvimento e Aprendizagem, São Paulo: Ícone, 1988.
atual além das normas, valores, funções sociais, que movimentam nossa sociedade.
Morais (2008) cita que Vigotsky (2000) realizou estudos comparativos sobre
as abordagens psicológicas do desenvolvimento e da aprendizagem relevantes para
que pudesse lançar seus pressupostos teóricos de forma que superassem as teorias
vigentes sobre a concepção de aprendizagem e desenvolvimento. Vigotsky4 (2000
apud MORAIS, 2008) concluiu que há uma unidade entre esses dois processos e
não apenas uma identidade ou coincidência, concebendo, então, que a
aprendizagem e o desenvolvimento são diferentes, porém, articulados entre si, em
uma relação dialética. De acordo com essa perspectiva, o indivíduo é compreendido
como ser histórico, e a mediação do professor tem papel importante no processo de
humanização. Vigotski (2001, p. 115) afirma:
[...] a aprendizagem não é, em si mesma, desenvolvimento, mas uma correta organização da aprendizagem da criança [que] conduz ao desenvolvimento mental, ativa todo um grupo de processos de desenvolvimento, e esta avaliação não poderia produzir-se sem a aprendizagem. Por isso, a aprendizagem é um momento intrinsecamente necessário e universal para que se desenvolvam na criança essas características humanas não naturais, mas formadas historicamente.
Entendemos, segundo Vigotski (2001), que a aprendizagem não pode ir atrás
do desenvolvimento, nem ocorre simultânea a este, mas pode promover o
desenvolvimento, proporcionando novas formações.
Na realidade a criança não é apenas um objeto, mas também o sujeito do desenvolvimento. Educação e ambiente não influem automaticamente sobre o desenvolvimento psíquico; tais fatores atuam de maneira diferente segundo as suas relações com o ambiente, as metas da sua atividade, etc. É preciso ter domínio da relação entre aprendizado e desenvolvimento (BOGOYAVLENSKY; MENCHINSKAYA, 1991, p.38).
O desenvolvimento humano é caracterizado pelas relações interpessoais
recíprocas que se estabelecem entre os indivíduos e destes com o meio que os
cerca, e essas interações constroem, também na criança, capacidades cada vez
mais complexas, conforme a natureza do gênero humano, propondo-se a alcançar
objetivos cada vez mais elevados. Nesses termos,
As crianças podem imitar uma variedade de ações que vão muito além dos limites de suas próprias capacidades. Numa atividade coletiva ou sob a orientação de adultos, usando a imitação, as crianças são capazes de fazer muito mais coisas. Esse fato, que parece ter pouco significado em si mesmo, é de fundamental importância na medida em que demanda uma
4 VIGOTSKI, L. S. A construção do pensamento e a da linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
alteração radical de toda a doutrina que trata da relação e desenvolvimento em crianças. Uma conseqüência direta é a mudança nas conclusões que podem ser tiradas dos testes diagnósticos do desenvolvimento (VIGOTSKY, 1998a, p.115).
As funções psicológicas são desenvolvidas na coletividade e dependem da
mediação, em especial, dos adultos, para que sejam movimentadas. Entendemos, a
partir disso, a importância da escola e da atividade pedagógica direcionada,
mediada pelo professor, e das relações com o conhecimento sócio-histórico como
propulsoras do desenvolvimento. Isso nos leva a pressupor que as atividades
lúdicas aplicadas na educação infantil precisam envolver percepção, memória,
linguagem e pensamento, abstração, atenção e imaginação, entre outros, os quais
são próprios ao homem e são desenvolvidos por meio da utilização de instrumentos
adquiridos culturalmente. Assim,
“[...] o processo de aprendizado não pode, nunca, ser reduzido simplesmente à formação de habilidades, mas incorpora uma ordem intelectual que torna possível a transferência de princípios gerais descobertos durante a solução de uma tarefa para várias tarefas” (VIGOTSKY, 1998a, p.109).
Compreendemos que a infância pré-escolar é um período especialmente
importante no curso do desenvolvimento do indivíduo. É nessa fase que o mundo da
realidade humana torna-se um convite à exploração e elaboração do conhecimento,
mediadas pela atividade do ser humano, sobretudo em seu brincar que, nesse
estágio específico, não fica só na manipulação dos objetos. A criança age sobre
esses objetos, descobrindo todas as suas possibilidades, pois o modo de pensar
envolve o que foi elaborado socialmente pela humanidade histórica e por atividades
externas e internas que são ferramentas que têm a função de atuar como
mediadores na formação do homem cultural. As atividades externas e internas estão
em direções diferentes, mas se complementam.
A atividade que se destaca na infância, por sua importância e freqüência, é o jogo. Brincar é uma atividade séria para a criança na medida em que ela mobiliza possibilidades intelectuais e afetivas para sua realização. Na brincadeira, o motivo está no próprio processo, ou seja, o que motiva a criança é a atividade em si. Através dos jogos e brincadeiras, a criança aprende a conhecer a si própria, as pessoas que a cercam, as relações entre as pessoas e os papéis que elas assumem. Ela aprende sobre natureza, os eventos sociais, a estrutura e a dinâmica interna de seu grupo. É através deles, também, que ela explora as características dos objetos físicos que a rodeiam e chega a compreender seu funcionamento. Os jogos se classificam em jogos com predomínio da fantasia infantil e jogos com
predomínio de regras. Os primeiros jogos da criança pertencem à primeira categoria e são estes que vamos encontrar com maior freqüência no caso da criança pré-escolar. Os jogos com predominância de regras envolvem conteúdos e ações pré-estabelecidas que regularão a atividade da criança e são encontrados progressivamente à medida que a criança vai crescendo (LIMA, 2003, p.19).
A brincadeira criadora é uma atividade principal, que ocupa lugar especial no
cotidiano das crianças em idade pré-escolar. Toda criança gosta de brincar, e essa
atividade proporciona grande prazer, embora isso não seja uma regra geral da
brincadeira. Na pré-escola, pelo seu caráter prazeroso, o brinquedo infantil é
bastante utilizado pelo educador como forma de socialização. As crianças
reproduzem o que observam nos adultos, desenvolvendo habilidades importantes
para a vida presente e a futura. Os conhecimentos científicos são estimulados por
meio do educador na utilização dos brinquedos e estes, por sua vez, favorecem o
desenvolvimento das capacidades de comparar, analisar, abstrair e generalizar,
fundamentais no processo escolar. Para que os indivíduos se desenvolvam
intelectualmente, o meio precisa ser favorável, em termos de acessibilidade aos
instrumentos e objetos que se caracterizam como ciência e riqueza material e
intelectual, historicamente acumulada como patrimônio da humanidade.
A ciência está no cotidiano do aluno de qualquer idade, criança ou adulto, de qualquer classe social, pois está na cultura, na tecnologia, nos modos de pensar da sociedade de nossos dias. Toda criança detém, então, um conhecimento que está contido na teoria científica e que deve ser necessariamente articulado com o conceito científico que se lhe pretende ensinar. Este conhecimento é um conhecimento fragmentado e o aluno deverá ser levado, pela ação do professor, a superar essa visão fragmentada para chegar à compreensão do conhecimento formal. O ponto de partida é este saber que o aluno constrói em seu cotidiano através da observação e das informações diversas. A criança lança hipóteses sobre o fato ou fenômeno e são estas hipóteses que deverão ser transformadas em conhecimento formal através da ação pedagógica (LIMA, 2003, p.21).
O brincar na escola não é a mesma coisa que o brincar em casa ou em um
parque, pois este está vinculado, especialmente, a atividades físicas. No caso da
escola, consideramos o espaço em que a criança se apropria de algumas
habilidades específicas, bem como da apropriação de conhecimentos produzidos
historicamente.
A aprendizagem da criança não pode ser entendida simplesmente como aprendizagem de conhecimento formal, pois, além de aprender as coisas que lhe são ensinadas na creche, na pré-escola e na escola, aprende também a desempenhar papéis, a se relacionar afetivamente com as outras pessoas da família e da comunidade e a agir como elemento integrante do
grupo. Desta forma, o aspecto afetivo do desenvolvimento é tão importante quanto o cognitivo (LIMA, 2003, p.18).
O brinquedo deixa de ser lúdico quando privilegia os aspectos cognitivos e
passa a ser sério. O professor está, atualmente presente na escola, sendo
considerado um adulto que geralmente não brinca junto com a criança, ele conduz o
processo didático pedagógico e esquece que o lúdico é bem mais que uma maneira
de se aprender. O brincar envolve a criança por inteiro, vai além da atividade
cognitiva, e não importa se a criança está na escola ou em outro ambiente: ela não
brinca pela metade. Em suas brincadeiras, a criança se relaciona, descobre,
imagina, desenvolve capacidades relacionadas ao corpo, à cognição e aos aspectos
socioafetivos.
Se o brinquedo perder a função lúdica, perde o sentido, o que ocorre muitas
vezes, pois ao invés de a criança aprender brincando, o brinquedo é usado para ela
aprender; quando o brincar é apenas uma atividade didática, a criança é
desestimulada a participar e a se envolver. É importante fazer do brincar um
momento de conhecimento e interação do adulto com a criança e das crianças com
as outras crianças, valorizando-se as aprendizagens, aquilo que o indivíduo pode
realizar com a ajuda de outra pessoa mais experiente.
[...] existem jogos em que a própria atividade não é agradável, como, por exemplo, predominante no fim da idade pré-escolar, os jogos que são só dão prazer à criança se ela considera o resultado interessante. Os jogos esportivos (não somente os esportes atléticos, mas também outros jogos que podem ser ganhos ou perdidos) são, com muita freqüência, acompanhados de desprazer, quando o resultado não é favorável para a criança (VIGOTSKI, 1998b, p. 121).
O brinquedo preenche necessidades interiores da criança, sejam elas
espontâneas, que dão prazer, sejam elas com objetivos claros que envolvem regras.
Vigotski (1998b) chamou de processo de internalização aquele que explica como
nos tornamos humanos à medida que vamos, aos poucos, internalizando as formas
socioculturais produzidas pela humanidade em seu percurso histórico. As
brincadeiras são associadas e são experimentadas pelas crianças em suas relações
com o mundo e respondem a uma necessidade socialmente desejável,
transformadora e individualmente necessária.
Leontiev (2001) afirma que a interação com o outro e com o meio que o cerca
proporciona aos indivíduos a construção dos significados, do pensamento e de si
mesmos em um processo mediado pelos instrumentos socialmente disponíveis. A
mediação é um dos processos interativos que, em geral, fornece aos seres humanos
os recursos para que se apropriem ativamente das formas culturalmente
desenvolvidas de pensamento e ação, em um processo que, em princípio, é sempre
social e exterior e somente depois se torna próprio do sujeito interior.
O brinquedo, a imaginação da criança é, segundo Vigotski (1998b), uma
atividade especificamente humana e consciente, que surge da ação. É nas ações
que a criança representa situações que já foram, de alguma forma, vivenciadas por
ela em seu meio sociocultural. Um aspecto importante a ser examinado na
brincadeira infantil e sua função no desenvolvimento da criança é o conceito de zona
de desenvolvimento proximal, ou zona de desenvolvimento imediato. De acordo com
Vigotski (1998b, p.134-135),
O brinquedo cria na criança uma zona de desenvolvimento proximal, que é por ele definida como a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes.
Para o autor, o nível de desenvolvimento real refere-se a tudo aquilo que a
criança já tem apropriado em seu desempenho cotidiano e que ela é capaz de
realizar sozinha sem a interferência de um adulto ou de uma criança mais
experiente. Já a zona de desenvolvimento próximo refere-se aos processos mentais
que estão em construção na criança, ou que ainda não amadureceram. É, pois, um
domínio psicológico em constantes transformações aquilo que a criança é capaz de
fazer hoje com a ajuda de alguém e o que conseguirá fazer sozinha no futuro. É
nesse sentido que a brincadeira pode ser considerada um excelente recurso a ser
usado quando a criança chega à escola, por ser parte essencial de sua natureza.
O professor, enquanto sujeito mediador do processo de ensino-
aprendizagem, deve ter claro que o aprendizado da criança começa muito antes de
ela frequentar a escola e que há diferenças entre esses conhecimentos. Desde que
nasce, a criança está em contato com o mundo do adulto, aprendendo por modelos
que são encontrados no decorrer do seu desenvolvimento, e é nesse mundo que ela
se apropria de conhecimentos empíricos, e na escola, sob a orientação do professor,
esse conhecimento varia de criança para criança. Segundo Vigotski (1998a, p.112),
[...] a zona de desenvolvimento proximal da criança é a distância entre seu desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução independente de problemas e o nível de seu desenvolvimento potencial,
determinado através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes.
A ludicidade, a nosso ver, é muito importante para a saúde mental do ser
humano, é um aspecto que merece a atenção dos adultos, pais e educadores, pois é
o momento para a expressão natural do ser, direito de toda criança para o exercício
da relação afetiva com o mundo, com as pessoas e com os objetos. Brincando, a
sua inteligência e sensibilidade são desenvolvidas e o brincar garante que suas
potencialidades e sua afetividade se harmonizem.
UM NOVO OLHAR PARA O BRINCAR NA ESCOLA
Para que o brincar na escola se torne significativo e prazeroso, as atividades
pedagógicas precisam ter um novo olhar, um novo sentido, é preciso que haja, por
parte do educador da educação infantil, mais reflexões e observações nas
interações das crianças com os objetos e entre si, o que dá às intervenções
pedagógicas um novo sentido como atividade principal. Mas não podemos esquecer
que
A relação da criança com o adulto na escola é uma relação específica, porque o professor não é simplesmente mais um adulto com quem a criança interage – ele é um adulto com uma tarefa específica. A instituição escolar foi constituída na história da humanidade como espaço de transmissão do conhecimento formal historicamente construído. Não se trata, portanto, da reprodução do cotidiano que o educando vive fora da instituição. O processo de educação formal propõe, na verdade, a transformação do conhecimento que a criança traz de sua experiência no dia a dia. A vinda da criança para a instituição tem um objetivo claro e determinado: aprender determinados conhecimentos e, para tanto, dominar instrumentos específicos que lhe possibilitem esta aprendizagem. A relação da criança com o adulto, na escola, é mediada, então, pelo conhecimento formal. O professor detém o conhecimento formal que o educando deverá adquirir e a interação entre ambos deve ser tal que permita e promova a aprendizagem deste conhecimento. Desta forma, podemos dizer que a ação do professor é uma ação específica e apresenta, portanto, características que a distinguem da ação dos outros adultos com quem a criança convive (LIMA, 2003, p. 21).
A criança organiza a brincadeira de forma espontânea e autônoma, e ao
professor cabe organizar ambientes com brinquedos de maneira que possa
estimular a criança a brincar, fornecendo informações, ajudando, incentivando,
mesmo quando as crianças não lhe peçam. O educador precisa ser mediador entre
o brinquedo e a criança, tendo cuidado ao propor brincadeiras, pois determinados
alunos simplesmente ficam de fora, alguns são agressivos e atrapalham o brinquedo
enquanto outros que são apáticos e ficam sentados, olhando. As crianças não
podem ser forçadas a participar, senão a atividade perde seu objetivo, elas precisam
do apoio do professor para que, por exemplo, fiquem sentadas juntas, sendo
necessário que se diversifique o tema das brincadeiras, com a finalidade de atrair a
atenção de todos. A brincadeira é uma atividade informal, que se desenvolve sem
que haja investimento de objetivos pedagógicos. Nos jogos didáticos, a brincadeira é
dirigida.
Os encaminhamentos pedagógicos mais usados nos jogos e brincadeiras são
orais e práticos; ao realizar as atividades oralmente, de forma lúdica, a professora
entra em contato com as crianças, e as orientações ocorrem por meio de perguntas
que devem prender a atenção das crianças e levá-las a pensar. Também ela pode
dar sugestões para garantir que a brincadeira flua, lembrando sempre que esse
procedimento não pode podar a imaginação da criança. Os educadores exercem
papel importante como mediadores no desenvolvimento e na aprendizagem da
criança.
A criança precisa de oportunidades para desenvolver suas potencialidades e
aprendizagens e quem deve garantir isso são os adultos, oferecendo os mais
diversos tipos de jogos e brincadeiras.
As situações-problema usadas na manipulação dos jogos e brincadeiras
fazem a criança crescer ao tentar encontrar soluções e alternativas, desenvolver a
concentração, a atenção, o engajamento e a imaginação. Para que o brinquedo seja
significativo para a criança, é preciso que ele tenha relação com a sua realidade
infantil e faixa etária, pois por meio da observação e do desempenho das crianças
com seus brinquedos podemos avaliar seu nível de desenvolvimento motor e
cognitivo. No processo lúdico, manifestam-se as potencialidades da criança e, ao
observá-las, podemos enriquecer sua aprendizagem, fornecendo, por meio dos
brinquedos, os benefícios que favorecem o seu desenvolvimento.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os alunos do Curso de Formação de Docentes, mediante estudos realizados
durante a implementação, constataram que precisam ter clareza da importância de
dominar os conhecimentos/conteúdos curriculares, bem como o conhecimento
didático-curricular (SAVIANI, 1997). A aluna L.M. relatou:
[...] bom, eu considero a fundamentação teórica essencial pois só
conseguimos explicar ou desenvolver um conteúdo, mesmo sendo ele o de brincadeiras, necessitamos de um aprofundamento no tema, para que possamos passar aos alunos algo de forma ampla, o curso me acrescentou muito em meus conhecimentos tais que me ajudaram nas aplicações dos jogos em minha ação docente!
Os alunos também afirmaram, durante os estudos, que brincar na Educação
Infantil é muito importante e que durante as brincadeiras é preciso ter intenções
claras da ação praticada para que ocorra a ação do brincar na educação infantil;
sublinharam ainda que é necessário fundamentação sobre a importância do brincar
no processo de ensino-aprendizagem, por meio dos estudos de Vigotski (1998b).
Consideramos que o educador atual precisa compreender que o homem
desvinculado da História é um homem somente pertencente à espécie humana, não
é representante do gênero humano. O homem social, isto é, humano, é diferente dos
animais, a sua natureza humana é histórica e cultural. O docente, nesse sentido,
precisa ver em seus alunos o homem a partir de suas relações e práticas concretas
com outros homens e de suas preocupações, não somente com a sobrevivência,
mas, sobretudo, com seus projetos. O entendimento dos homens, a partir de suas
características peculiares a cada fase do desenvolvimento da humanidade, nos
possibilita avaliá-los como sujeitos que fazem a História e produzem conhecimento.
Conforme Arruda (2005) pontua, o professor tem papel importante como
agente mediador do processo de aprendizagem quando leva em considerações as
diferenças individuais e proporciona atividades diversificadas e motivadoras, que
fazem do ensino e da aprendizagem grandes aventuras. Assim, conhecer as fases
do desenvolvimento biopsicossocial da criança e suas implicações para a educação
favorece maior sucesso no trabalho com as crianças, o que precisa ser iniciado por
meio de aulas que despertem o interesse para a atividade física e para o desporto.
Se a finalidade do ensino é possibilitar aos educandos a realização de ações
mentais, uma vez que ampliam a capacidade de interação entre os sujeitos com a
realidade objetiva para além da experiência imediata ou a resolução de um problema
concreto e prático, trata-se de uma prática pedagógica voltada para o
desenvolvimento das funções complexas do pensamento. Podemos afirmar, dessa
maneira, que o objeto principal do ensino-aprendizagem é o processo de
humanização pela apropriação dos conhecimentos elaborados.
Os alunos, a nosso ver, precisam ser preparados para integrar a vida da
sociedade na igualdade de grau de desenvolvimento intelectual, sem
empobrecimento dos conteúdos que para tanto são considerados essenciais. É
importante que os educadores compreendam que não se aprendem conceitos
científicos como se aprendem conceitos espontâneos, ou seja, apenas interagindo
em situações práticas com outras pessoas, objetos e fenômenos. Os conceitos
científicos não podem ser apenas um acessório, pois necessitam de mediação
intencionalmente organizada.
O jogo e a brincadeira são fontes de aprendizagem e desenvolvimento
intelectual, por meio dos quais os docentes, sendo mediadores, podem atuar junto
às capacidades ou potencialidades da criança. Para que isso ocorra, os futuros
professores necessitam de fundamentação sólida dos valores e propósitos para
defender que na Educação Infantil as atividades de jogo e brincadeiras são
necessárias e importantes.
Destacamos, enfim, que o Projeto nos possibilitou o entendimento de que o
brincar oferece à criança possibilidades de descobertas e encaminha a
aprendizagem, inclusive, porque o professor, ao observar a crianças brincando, as
compreende em seu processo de desenvolvimento.
Em nossas discussões no GTR (Grupo de Trabalho em Rede) e durante a
implementação do Projeto na escola, ficou clara a preocupação de professores do
Curso de Formação de Docentes em oferecer brincadeiras com encaminhamentos
metodológicos bem definidos, criando espaço para situações lúdicas e manifestando
que o brincar na Educação Infantil deve ser planejado, organizado pelo educador,
com objetivos definidos, sendo a atividade principal visando à formação um homem
omnilateral.
Diante das discussões, foram unânimes as ponderações quanto à dificuldade
que professores do Curso de Formação têm em trabalhar com os alunos as
fundamentações teóricas sobre o lúdico, pois os acadêmicos, quando se deparam
com esse assunto, só o relacionam com o brincar sem propósitos pedagógicos e
acaba ficando o brincar pelo brincar.
Esse fato foi comprovado ao aplicarmos o Projeto com as alunas do 3º ano do
Curso de Formação de Docentes. Entretanto, ao se depararem com as leituras e
discussões sobre estudos de Vigotski e Leontiev, concluíram algo diferente. Vejamos
um exemplo de depoimento:
[...] os professores são preparados através de sua formação inicial e continuada oferecida pelos Municípios, porém só o preparo não é suficiente,
o professor precisa ter vontade de trabalhar e consciência da importância do brincar. Durante as observações dos nossos alunos na Ed. Infantil e também como mãe, pois tenho dois filhos que freqüentam a Ed. Infantil, percebo que alguns dos professores da Educação Infantil (nem todos, não podemos generalizar) se acomodam e acabam por usar mais as brincadeiras livres, sem intervir, sem mediar os momentos de brincadeiras das crianças, e estas acabam por perder a motivação, e não tendo o desenvolvimento esperado e necessário para esta fase. Há por parte de alguns professores um descaso quanto a esta fase, pois acreditam que os estabelecimentos de Ed. Infantil são espaços apenas de cuidado, não de aprendizagem, pois não há uma cobrança concreta quanto ao desenvolvimento da criança, não há avaliações como provinha Brasil, entre outros. Creio que isto venha a colaborar para este descaso (Professor GRT) [sic].
De acordo com a professora do GTR,
[...] alguns fatores [que] dificultam sim a aplicabilidade no dia a dia dentro dos centros de Educação Infantil as atividades lúdicas. Um destes fatores é falta de conhecimento da importância do lúdico para o desenvolvimento psicológico nestas crianças, pasme! Sim, ainda temos este fator dentro dos nossos centros. O descaso é pior ainda, pois mesmo conhecendo ainda as vezes não se é dado a devida e real importância que se torna ainda pior. Segundo fator é falta de investimento na Educação. Sendo assim a falta tempo para criar e organizar/direcionar todas estas brincadeiras e jogos, de acordo como deve ser feito/trabalhado, pois não se investe em educação, portanto não se tem materiais suficiente, e então o profissional da educação precisa comprar, ou criar quase tudo, e conseqüentemente não se tem tempo para isso. Penso que estes dois pontos são os mais graves [sic].
Diante das falas dos professores, fica evidente que os alunos do Curso de
Formação de Docentes precisam ser mais bem preparados a respeito do
desenvolvimento do psiquismo humano e da relação entre aprendizagem e
desenvolvimento intelectual, também sobre os pressupostos teóricos da atividade
brincar, conforme os estudos de Vigotski e Leontiev, resgatando conceitos da
brincadeira infantil e da formação humana.
Por meio das discussões durante a implementação e no GTR (Grupo de
Trabalho em Rede), notamos que o brinquedo é considerado a essência da infância
e sua principal atividade, mas que as instituições não estão desenvolvendo práticas
que tomem esse pressuposto como orientador da organização de suas aulas.
Todos que têm contato com instituições escolares percebem que há um
despreparo, por parte dos educadores, relativo ao conhecimento das necessidades
básicas das crianças pequenas e, principalmente, em relação ao brincar, um
desconhecimento de sua função como linguagem e principal forma de interação com
o mundo. Não há compreensão de que por meio da brincadeira, a criança expressa
sua forma de representação da realidade, cria situações imaginárias em que se
comporta como se estivesse agindo no mundo do adulto e amplia seu conhecimento
sobre o mundo; que no ato de brincar, os sinais, os gestos, os objetos e os espaços
valem e significam outra coisa daquilo que apresentam ser. E que ao brincar, a
criança recria e repensa os acontecimentos que lhes deram origem. É necessário
que os educadores conheçam os comportamentos das crianças conforme suas
etapas de desenvolvimento, uma vez que elas, principalmente nas creches, passam
a maior parte de seu tempo. Saibam que as crianças utilizam-se de várias formas de
representação, como o desenho, a linguagem, a imitação, o jogo de faz de conta, e
esses elementos vão se constituindo em recursos de socialização e, historicamente,
conforme o ambiente cultural, vão produzindo os saberes infantis sobre o mundo.
Que o brinquedo e as brincadeiras são atividades culturalmente pertencentes ao ser
humano. “A criança está inserida, desde o seu nascimento, num contexto social e
seus comportamentos estão impregnados por essa imersão inevitável”
(BROUGÉRE, 2001, p. 97-98).
Por ser a escola o ambiente privilegiado de apropriação da cultura, a criança
aprende, ali, as formas como os elementos culturais são apresentados; no entanto,
observamos o desconhecimento do adulto sobre a importância do brincar das
crianças e sobre essa apropriação por meio do brinquedo.
As escolas, em sua maioria, por não se apropriarem de conhecimentos
relativos à importância do brinquedo e do brincar, não possibilitam espaços e
tempos para essa atividade, trocando-os por uma escolarização precoce e ou como
forma de relaxamento ou de descarga de energia ou, ainda, como premiação.
Portanto, nós, professores do Curso de Formação de Docentes, precisamos
dar suporte teórico para nossos alunos, acreditar e fazê-los acreditar que a
brincadeira é fonte de desenvolvimento das funções psíquicas superiores, essenciais
na aquisição de conhecimentos, que podem se realizar de forma prazerosa e
adequada à infância.
REFERÊNCIAS
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