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Política no Interior do Brasil Totó Paes A Morte de Alfredo da Mota Menezes

A morte de Totó Paes

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Livro de Alfredo da Mota Menezes. Totó Paes ou Antonio Paes de Barros foi morto em 1906 quando governava Mato Grosso. Sua usina de açúcar, Itaicy, era a mais bem aparelhada do estado na época. Sua morte é até hoje motivos de acesos debates. O livro procura entender por que se chegou àquele desfecho.

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Política no Interior do Brasil

Totó PaesA Morte de

Alfredo da Mota Menezes

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Política no Interior do Brasil

Totó PaesA Morte de

Alfredo da Mota Menezes

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EditoresElaine CaniatoRamon Carlini

Preparação e RevisãoCristina Campos

CapaElaine Caniato

Foto da CapaHomens armados a cavalo em ruas de Cuiabá em 1902.Acervo do IPHAN, Cuiabá-MT.

© Alfredo da Mota Menezes, 2007

Todos os direitos reservados.Proibida a reprodução de partes ou do todo desta obra sem autorização expressa da Editora.

Carlini & Caniato Editorial (nome Fantasia da Editora TantaTinta Ltda.)Rua Nossa Senhora de Santana, 139 – sl. 03 – Goiabeira78.020-610 – Cuiabá-MT – (65) 3023-5714www.tantatinta.com.br/carliniecaniato

Menezes, Alfredo da MotaA morte de Totó Paes : política no interior do

Brasil / Alfredo da Mota Menezes. — Cuiabá, MT :Carlini & Caniato, 2007.

Bibliografia.ISBN 978-85-99146-35-4

1. Barros, Antônio Paes (Totó Paes), 1851-19062. Mato Grosso - História 3. Mato Grosso -Política e governo I. Título.

07-1963 CDD-320.98172

Índices para catálogo sistemático:1. Mato Grosso : História política 320.981722. Mato Grosso : Política e governo 320.98172

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

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Sumário

Introdução ______________________________ 7

I. Início do desassossego político ___________ 11

II. A revolução de 1892____________________ 25

III. Cisão política no grupo dominante _______ 43

IV. A revolução de 1899 ___________________ 57

V. Acirra-se a animosidade política __________ 81

VI. A eleição de Totó Paes ________________ 101

VII. Desavença política entreTotó Paes e os Irmãos Murtinhos___________ 111

VIII. Morte de Totó Paes ehipóteses sobre a tragédia ________________ 133

IX. Tentativa de intervençãofederal em Mato Grosso __________________ 163

X. Totó Paes poderia ter sido salvo?_________ 169

O capítulo final _________________________ 183

Pequeno ensaio bibliográfico _____________ 201

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Para Rodrigo e Raquel,

numa homenagem à nova

geração de mato-grossenses

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Introdução

Este é um livro sobre acontecimentos políticos em Mato

Grosso entre 1889 e 1906. A história que se conta vai do inícioda República até a morte do governador e maior empresário dosetor de açúcar, Antonio Paes de Barros ou Totó Paes.

Mato Grosso, no período enfocado, passou por três “revo-luções”. Uma em 1892, outra em 1899 e a última – na qual mor-reu Totó Paes – em 1906. Os lados se enfrentavam em batalhas e

táticas militares. Houve lutas e mortes. Eram os grupos políticoslocais se digladiando, procurando preencher os espaços novossurgidos com a queda do Império. Era um momento de transi-ção e de acomodação política. O adversário de hoje naquelasdisputas poderia ser o parceiro amanhã. É o ápice da participa-ção de Cuiabá nos acontecimentos políticos do estado.

Impressiona como os fatos da política nacional tinham in-fluência no estado. Uma movimentação de pessoas e grupos nacapital federal para esse ou aquele lado poderia provocar mexi-das inesperadas em Mato Grosso. Aliás, talvez possa ser ditoque quase tudo o que aconteceu na esfera política no estadotem ligação com fatos ocorridos no Rio de Janeiro. Governos se

mantinham ou caíam no longínquo estado de acordo com osacontecimentos que envolveram os governos de Deodoro daFonseca ou de Floriano Peixoto. Também influenciou de forma

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contundente a política local a atuação dos presidentes CamposSales ou Rodrigues Alves nessa ou naquela direção. Até o Trata-do de Petrópolis com a Bolívia (1903) sobre o Acre ajudou aazedar as disputas políticas no estado.

Chama a atenção também como as forças armadas fede-

rais sediadas no estado se envolviam nos assuntos políticoslocais. Em algumas situações obedeciam às determinações dogoverno federal, em outras se colocavam contra. E num tercei-ro momento se declaravam “neutras” frente a algum novo con-flito. É também um fato marcante como o Mato Grosso daque-le período tinha uma conexão estreita com os países da Bacia

do Prata. A base do transporte era o fluvial, através da hidroviaParaguai-Paraná.

Não há heróis ou bandidos na arena política em que setransformou o estado no período enfocado por este livro. A atu-ação de personagens e grupos se fazia como conseqüência dosfatos que envolviam a todos naquele momento. Todos procura-

vam se defender e tomar conta do espaço que se abria numanova situação histórica.

Só dá para entender os motivos da morte de Totó Paes seo fato for visto dentro do quadro político da época. Não dápara separar aquele desfecho de outros acontecimentos doperíodo. Aliás, se as circunstâncias políticas caminhassem em

direção diferente seriam outros personagens envolvidos nasdisputas que talvez fossem mortos. É preciso ir lá atrás, desdea proclamação da República e incluir ainda as três ações ar-madas que passou o estado, para se ter uma visão mais clarasobre o que ocorreu.

A morte de Totó Paes é um tema polêmico em Mato Gros-

so. Quando em pesquisa sobre o assunto, o autor foi interpela-do algumas vezes por pessoas que, preocupadas, perguntavam:“você vai se meter nisso?”. É que, por décadas, desde a morte

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daquele governador, principalmente em Cuiabá e região, esteassunto virou uma espécie de tabu histórico. Analisá-lo poderiaferir interesses de grupos e pessoas.

O livro procura entender por que se chegou a esse ponto ecomo, interessantemente, ficou enegrecida na história a ima-

gem do governador morto. Acontecimentos posteriores suge-rem que talvez tenha havido uma tentativa de manipulação his-tórica. Mostra-se ainda, após aquela morte e a acomodação po-lítica posterior, como é que um grupo tomou conta da políticano estado por mais de 60 anos.

A pesquisa, na tentativa de elucidar um pouco mais os fa-

tos que envolvem a morte daquele governador, levanta algumashipóteses e tenta esclarecê-las.

Será que o governador foi assassinado ao invés de ter sidomorto numa luta com seus perseguidores, como é comum acre-ditar? Por que ele não foi capturado vivo? A quem interessavasua morte? O laudo cadavérico do governador merece reparos?

Por que a força militar federal mandada pelo presidente Rodri-gues Alves para socorrer o governador de Mato Grosso não che-gou a tempo? Qual a história por trás disso? Quem se beneficioupoliticamente com a morte de Totó Paes? Quais acontecimen-tos, locais, nacionais ou mesmo internacional, levaram a essedesfecho político? Como se deu a atuação dos presidentes Cam-

pos Sales e Rodrigues Alves nos assuntos políticos de Mato Gros-so? Como e por que Joaquim Murtinho ganhou todas “revolu-ções” no estado? Há capítulos e momentos específicos no livroque tentam desvendar as dúvidas históricas em torno desses ede outros acontecimentos.

A pesquisa foi feita em fontes secundárias, publicações avul-

sas e documentos do Arquivo Público de Mato Grosso. Existemlivros ou artigos em revistas de história que trazem uma quanti-dade enorme de cartas, documentos, manifestos e matérias de

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jornais sobre aquele momento histórico. Estes documentos, namaioria das vezes, estão na íntegra. Ao serem citados, em suatotalidade ou somente trechos deles, não se faz alterações namaneira que foram escritos, apenas modificações tópicas parafacilitar a compreensão.

Na leitura de cada um deles, tentou-se priorizar aquilo queinteressava para se construir a história aqui contada. A buscaera pelos dados e fatos que envolviam a política daquele perío-do. Há documentos familiares ou comerciais que, se pesquisa-dos com cuidado, mostram trechos ou comentários úteis parase entender os passos e mexidas da política daquele trepidante

momento.Existem publicações que tendem para um lado dos conten-

dores nas disputas, outras caminham em direção diferente. Tirara informação adequada de cada uma delas para ajudar a entendero momento e criar este livro foi outra obra de pesquisa.

Este livro tem linguagem acessível. A intenção é atingir di-

ferentes tipos de leitores, criar uma história com o objetivo deatingir um público maior, seja do mundo acadêmico, especia-listas ou curiosos. É uma viagem através do mais instigantemomento da política em um estado do interior do Brasil. A mor-te de Totó Paes é assunto que povoou o imaginário de MatoGrosso, especialmente na capital e região, por um século.

Na busca de facilitar a leitura, quando se faz citações defontes de pesquisa, coloca-se no próprio texto o nome do autorou de onde veio aquela informação. No final, há uma bibliogra-fia que comenta o lugar de onde se tirou parte das informaçõesque compõem este livro, que é ainda entremeado por observa-ções e interpretações do autor.

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I. Início do desassossego político

O coronel Ernesto da Cunha Matos, homem de confiança

do gabinete do Ministro Ouro Preto, era o governador da Pro-víncia de Mato Grosso. Na noite de 8 de dezembro de 1889, oPartido Liberal realizou um baile em homenagem ao seu chefe,Generoso Ponce, que assumira a presidência da Assembléia Pro-vincial. O Partido Liberal se contrapunha ao Conservador. Osdois vinham se alternando no poder durante o Império. Não

havia ainda em Mato Grosso um Partido Republicano forte. Umameia dúzia de pessoas se manifestava como tal. No geral, osque tinham idéias republicanas estavam no Partido Liberal.

Não havia ainda o telégrafo. As notícias chegavam pelasembarcações. Ninguém imaginava o que estava por vir. O bailecontinuou até por volta da meia-noite. À 1:30 h da manhã, já do

dia 9, chegou a notícia da proclamação da República, que ocor-rera em 15 de novembro de 1889. A informação veio por embar-cação da capital federal e, ao chegar nas usinas do rio abaixo,foram mandados a Cuiabá mensageiros, em marcha acelerada,para dar a informação sobre o que ocorrera no Rio de Janeiro. OImperador, que fora no início de dezembro homenageado na

Assembléia Provincial por seu aniversário, já estava no exílio. Amudança de regime provocou um rebuliço na política em MatoGrosso. Uma verdadeira borrasca na busca de acomodações.

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Os grupos mandantes antigos tiveram, aos poucos, em confron-tos políticos e até armados, de ceder espaço a novos interessese personagens.

Na busca dessa acomodação, o estado passou por três “re-voluções”, com armas, homens nas ruas, mortes e traições políti-

cas. A primeira foi em 1892, a segunda em 1899, e a última em1906, em que perdeu a vida o governador Antonio Paes de Barros.

Segundo Fanaia, Mato Grosso possuía, naquele momento,algo como 92 mil habitantes entre a zona urbana e rural (tempublicação que fala em cerca de 120 mil habitantes). Na passa-gem do regime monárquico para o republicano havia dez muni-

cípios no estado, sendo sete no norte e três no sul. Lá por 1900,já eram treze municípios. Destes, sete (Cuiabá, Diamantino, Li-vramento, Rosário, Poconé, Cáceres e Santo Antônio) estavamna região norte e outros seis no sul (Campo Grande, Coxim,Corumbá, Miranda, Nioac e Santana do Paranaíba). O mesmoautor diz que Cuiabá, no final do século XIX, era a cidade mais

populosa do estado, com pouco mais de 27 mil habitantes, umnúmero alto para os padrões da época.

Pompeu de Toledo mostra alguns dados estatísticos interes-santes. Cuiabá possuía então um número razoável de habitantes,se comparada com outras cidades brasileiras do período. Por exem-plo, em 1872, quando começava sua prosperidade, a cidade de

São Paulo tinha uma população de pouco mais de 30 mil habitan-tes, quando Cuiabá já possuía 36 mil. De acordo com as duasestatísticas aqui apresentadas, a população de Cuiabá teria dimi-nuído entre 1872 e o período enfocado por este livro. Não encon-trei explicação adequada para esse fato. Talvez isso nem tenhaocorrido e o problema esteja nas diferentes estatísticas usadas.

O Império deixara de existir no Brasil, portanto. Na cartaque vem do Rio de Janeiro para Cuiabá falando no novo regime,já havia a indicação do general Antonio Maria Coelho para ser o

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primeiro governador da era republicana. Ele era famoso por terparticipado na retomada de Corumbá das forças paraguaias, em13 de junho de 1867. Não era homem da política. Não estavaacostumado com os atos e andanças desse meio. Segundo Pon-ce Filho, uma carta dele para o senador Antonio Azeredo, de 10

de outubro de 1889, mostrava isso. Ele diz que

em todo corrupto Brasil, principalmente aqui, o entusiasmo

pátrio e o espírito de bairrismo fugiram dos corações e estão

abrigados nas barrigas. Um grande grupo de eleitores está

acomodado nas baias orçamentárias. Um outro magote, com-

posto de ambiciosos e vaidosos, deixa-se levar por menti-

das promessas, condecorações e títulos. E, finalmente, um

grande grupo descrente de tudo e de todos toma o fresco em

suas casas e o excelente copo de guaraná. Nasce de cima a

corrupção dos povos.

Bastante atual a carta do velho general. Mesmo torcendo onariz para as coisas da política, Antonio Maria Coelho assumiuo governo do estado como primeiro governador republicano.

Cunha Matos renunciou no dia 9 de dezembro. A Assem-bléia Provincial imediatamente deu posse ao novo governador,que fez uma proclamação patriótica na defesa do regime republi-

cano. Começou uma nova vida política em Mato Grosso. O de-sassossego tornou-se uma constante até que os novos atores davida política se acomodassem. Isso tomou tempo, no entanto.

O ambiente político era adequado para Antonio Maria rea-lizar uma boa administração. Os dois partidos, Liberal e Con-servador, imediatamente se uniram em torno dele. Ninguém

queria ficar de fora dos novos eventos que viriam após aquelamudança brusca de poder no país. Por inabilidade do novo go-vernador, também pela busca de espaço político que o momen-

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to oferecia, não demorou muito e os lados políticos estavam seestranhando, com acusações e lutas armadas para assegurar umpedaço do poder.

Os fatos mostram que Antonio Maria Coelho não estavapreparado para a função à qual ascendera. Era respeitado, tinha

um passado de glórias militares, mas não conhecia o ambienteem que entrara. Ele podia ter deixado a direção partidária paraoutro e concentrar-se na administração, mas resolveu entrar nojogo político e começou a aproximar-se dos antigos conserva-dores. Este partido, em Mato Grosso, já vinha em declínio desdeo fim do Império. E, com o novo regime e governador, encon-

trou um meio para que a maior parte dos seus membros conti-nuasse a mandar na política estadual.

Em 26 de dezembro de 1889, Antonio Maria criou o PartidoNacional. A sua maioria era composta de pessoas do antigo Par-tido Conservador. Os liberais, que no Império tinham algumpendor para o republicanismo e que vinham crescendo na polí-

tica, até aceitaram, no início, as novas mexidas e alternânciaspropostas por alguém que estava com o prestígio nas alturas eera o representante direto do Marechal Deodoro da Fonseca,presidente do país. Mas o general e seus aliados resolveram iralém, cutucar politicamente os antigos liberais. Nos diretóriosda capital e do interior, na composição feita entre os dois parti-

dos anteriores, os conservadores foram tomando os espaços,nomeando gente, aprovando suas idéias e deixando de lado ados que representavam o Partido Liberal. Havia ainda mágoasanteriores entre os dois antigos partidos e agora um deles, apoia-do pelo novo governador, procurava combater os desafetos doperíodo Imperial.

Havia um fato do passado recente que empurrava AntonioMaria para os conservadores. O Partido Liberal não endossara onome dele para entrar na lista tríplice para o Senado do Impé-

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rio. O escolhido foi Joaquim Murtinho, o primeiro da lista, umadas figuras mais importantes da história política do estado e queaproveitou com habilidade o novo momento para se acomodarpoliticamente.

Murtinho demorou a ganhar uma eleição. Aos 24 anos, em

1872, perdeu a primeira para deputado. Na época, estava comos conservadores, base de sustentação do governo imperial.Perdeu mais duas eleições, em 1876 e 1878. A partir da primeiraem que se elegeu – sempre sem nunca vir a Mato Grosso – porsua força no Rio de Janeiro nas áreas política e econômica, nun-ca mais perdeu outra eleição.

Antonio Maria, desde a indicação de Joaquim Murtinho paraseu lugar no Senado, não de dava bem com os membros doPartido Liberal. Ele acreditava, pelo seu passado de glória mili-tar, que aquele espaço era seu e acabou indo para alguém que,àquela altura, era um nome apagado comparado com o dele.

Antonio Maria continuou a dar preferência aos antigos con-

servadores. Preencheu os principais cargos com eles, sempre pre-terindo os liberais. Nomear pessoas para funções públicas era deenorme importância naquele momento estadual, principalmentena capital. Primeiro, pelo prestígio que a função dava à pessoa ougrupo e, depois, pela remuneração. O ouro acabara desde muitotempo e as oportunidades de ganho eram diminutas. Uma função

pública era disputada e tinha valor político. O prestígio de umgrupo media-se pela quantidade de seus correligionários em pos-tos de mando no estado, nos municípios e nos cargos federaisexistentes. Fanaia escreve que “o controle dos cargos não apenasinfluenciava os resultados, mas efetivamente os definia”. Em ou-tras palavras, quem controlava cargos ganhava eleições.

Essa questão da importância do cargo em Mato Grosso éilustrada por Lauro Souza Portela com um comentário feito porum viajante em Cuiabá, em 1886:

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a população lavra política e vive do dinheiro que o estado

paga. Um emprego, um empreguinho público que seja, é o

objetivo de todas as lutas e de todos os cálculos. Os dois

partidos principais, o Liberal e o Conservador, se contra-

põem reciprocamente como o proprietário e o que nada tem.

Antonio Maria, em seu mandato, ganhou eleições não porseu prestígio e trabalho na política, mas pela força da caneta. Edava preferência em sua administração aos conservadores.

Os liberais responderam à criação do Partido Nacional coma proposta de se criar o Partido Republicano, que seria constitu-

ído, em sua maioria, por pessoas do antigo Partido Liberal. Asforças políticas se entrincheiraram em lados opostos, mesmoque todos, no início, tivessem dado apoio direto ao novo gover-nador. Em 27 de janeiro de 1890, Generoso Ponce, antigo chefedo Partido Liberal, lançou um manifesto conclamando seus se-guidores para a criação de um Partido Republicano para contra-

por ao do governador.Quem deu força à idéia de se criar o Partido Republicano foi

Joaquim Murtinho. Ele mandou do Rio de Janeiro um documentoque foi publicado em Cuiabá no dia 13 de abril de 1890, no jornalMato Grosso, em que enfrentou Antonio Maria de forma clara edireta. Em trechos do documento, Ponce Filho mostra que

o partido que aí foi criado com o nome de Partido Nacio-

nal, nome que nada significa, é um partido que poderá apre-

sentar-se com o título de republicano, mas cujo fundo, cuja

organização, cuja vida é sem dúvida menos democrática

do que qualquer dos antigos partidos monárquicos. Um

partido republicano é criado pelo povo. O partido que aí

tendes foi criado pelo governador.

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Concita os locais a criarem o Partido Republicano e que “con-fiasse na justiça do general Deodoro”. Ele diz ainda que o gover-nador não poderia exercer, ao mesmo tempo, a função “de chefede um partido porque o poder de que se acha investido lhe foidado para servir ao estado e não a um grupo político”. Atirava na

preferência do governador pelos antigos membros do PartidoConservador e que representava, antes, os interesses do Império.Joaquim Murtinho diz que, se o governador “quer lutar no terrenopolítico, se quer fazer frente à influência contrária, venha ao ter-reno popular e empregue o seu valor pessoal, mas não tem odireito de servir-se do poder público para ferir seu adversário”.

Começa ali, no início da República, a maratona de se criarpartidos no estado. Criavam-se partidos quase que do dia para anoite. Só como ilustração, no período entre 1889 e 1905, foramcriados em Mato Grosso 12 partidos – Partido Liberal; PartidoConservador; Clube Republicano; Partido Nacional; Partido Re-publicano; Partido Nacional Republicano; Clube Militar Benja-

min Constant; Partido Autonomista; Partido Democrata; PartidoConstitucional; Partido Republicano Constitucional e Partido daColigação Mato-grossense, uma salada de siglas e interesses.

Antonio Maria, desde o manifesto de 26 de dezembro de1889, já criara o Partido Nacional. Os antigos liberais reagiram ecaminharam para criar o Partido Republicano. Os grupos arma-

vam os estilingues para futuras disputas políticas. Não havia nadano conteúdo programático de uma e de outra agremiação políti-ca que fosse diferente. Defendiam os mesmos princípios. A de-savença passou para o plano pessoal e dos interesses dos gru-pos, principalmente no preencher os espaços de empregos edas funções públicas de mando.

Depois de muita disputa e também de bravatas, os doislados ainda tentaram uma reconciliação. No dia 27 de julho de1890, no teatro da capital, uniram-se republicanos e liberais no

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Partido Republicano. Dissolveu-se o Partido Nacional e os doisgrupos abrigaram-se no novo. Na presidência, ficou GenerosoPonce e, na vice, o padre Antonio Henrique de Carvalho, quefora membro do Partido Conservador no Império.

Mas os grupos continuavam em choques. A cisão entre eles

veio logo. Na reunião do diretório, composto agora de liberais econservadores, estes não queriam dar espaço ao outro lado. Que-riam indicar os nomes para os cargos políticos e funcionais enada para os liberais. No dia 16 de agosto de 1890, pela GazetaOficial, apareceu o convite para uma reunião para se criar no-vamente o Partido Nacional. Um novo, pois aquele que nascera

em 26 de dezembro passado fora absorvido pelo Partido Repu-blicano, na decisão de 27 de julho de 1890.

Passou a chamar-se Partido Nacional Republicano, sob ocomando do governador do estado e visando à eleição que ocor-reria em 15 de setembro daquele ano. Os membros do PartidoRepublicano, agora sem aqueles que foram para o partido do

governador, na véspera daquela eleição, no dia 14 de setembro,depois de se sentirem ameaçados por forças governistas, con-clamaram o povo à abstenção na eleição do dia seguinte.

O manifesto era contra “a conduta altamente repreensíveldo governador do estado [...] que tem suprimido a liberdade elei-toral”. Falaram que o governador estava por trás de todos os

atos coercitivos e que até foram pedir sua ajuda e perceberamque ele não ia fazer nada. Antonio Maria conseguiu maioria na-quela eleição de 15 de setembro. A coisa esquentou ainda mais.

O Partido Republicano, com o apoio dos seus aliados nacapital da República, havia conseguido a nomeação junto aogoverno federal de Antonio Corrêa da Costa para secretário de

governo do estado. Até a nomeação de um cargo que deveriaser privativo do governador era centralizado no Rio de Janeiro.Esta nomeação provocou um alvoroço político no estado. Era

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como se os adversários do governador tivessem conseguidocolocar um espião dentro da administração. Gerou um conflito,o governador demitiu o secretário de governo. Os lados ficaramcada dia mais extremados. Mas não ficou só nisso.

Antonio Maria radicalizou de vez. Queria somente gente

sua na administração e, de uma só penada, no dia 16 de setem-bro de 1890, um dia depois da eleição, demitiu todos do PartidoRepublicano que estavam no governo. Demitiu, segundo Virgí-lio Correa Filho, o Delegado da capital, o engenheiro de ObrasPúblicas, o escrivão dos Feitos da Fazenda, o ajudante do Im-pressor da Tipografia Oficial, o secretário do Tesouro, “todos a

bem do serviço público e da moralidade da administração”. Elejá havia demitido Antonio Corrêa antes, no dia 2.

Se mexer em cargos públicos é até hoje complicado emCuiabá, imagine a reação naquela época. O governador não sedeu por satisfeito e até suspendeu o Juiz de Direito da Capital,Manuel Murtinho. Os ânimos estavam exaltados e os fatos suge-

rem que o general Antonio Maria não tinha jogo de cintura apro-priado para as lides políticas. Mexera até com o irmão do sena-dor Joaquim Murtinho e que era Juiz de Direito. Manuel Murti-nho respondeu ao governador com um arrazoado com base ju-rídica e cunho político. Disse que ele não tinha poderes parademiti-lo, que carecia de “competência para suspender um ma-

gistrado perpétuo” e citou os artigos de um decreto então recen-te, de 20 de novembro de 1889, que o garantia no cargo. O jogopolítico era duro e de quase confronto armado.

O Partido Republicano perdera, portanto, a eleição de 15de setembro de 1890. Aproximava-se uma outra, mais importan-te, em 3 de janeiro de 1891. Nela, seriam escolhidos os deputa-

dos para a Constituinte estadual. Depois da criação da Repúbli-ca, era momento de os estados escolherem representantes paraelaborar uma nova Constituição. Ela é que organizaria o estado

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e escolheria o primeiro governador eleito constitucionalmente enão, como no caso de Antonio Maria Coelho, que era de transi-ção e no lugar do representante do Império, Cunha Matos. Aimportância daquela eleição de 3 de janeiro fez com que as dis-putas políticas no estado chegassem ao ponto de ebulição.

O Partido Republicano não queria, como na eleição passa-da, se abster de votar. Conclamou o povo a votar nos seus can-didatos. Correram na cidade boatos de que o governador seriasubstituído. Este reagiu com a prisão de Manuel Murtinho, Juizde Direito e político atuante do partido de oposição ao governo.Era a época dos manifestos. O grupo do governador soltou um

em 11 de dezembro de 1890, que dizia que

uma facção anarquista, um pequeno grupo de maus cida-

dãos sob a falsa rubrica de Partido Republicano [...] esses

homens têm constantemente anunciado a chegar no próxi-

mo paquete um novo governador em substituição àquele

que ocupa este posto [...].

O Partido Republicano respondeu dizendo que, embora tivesse

informações de origem particular que nos asseguram a exo-

neração do governador do estado, enquanto não for aqui

oficialmente conhecida e publicada tão grata notícia conti-

nuará V. Exª. a merecer-nos o respeito [...].

Veio a eleição de 3 de janeiro de 1891 e ganhou o PartidoNacional do governador. Escreveria a Constituição que quisessee elegeria o próximo governador.

Mas no Rio de Janeiro, desde algum tempo, os representan-tes do Partido Republicano do estado trabalhavam junto às au-toridades federais pela exoneração do governador. No manifes-

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to, quando diziam que ele poderia ser substituído é porque haviaalgum fundamento. Generoso Ponce estava lá e, numa carta à suaesposa, de 8 de novembro de 1890, falava que isso poderia acon-tecer em breve. E aconteceu mesmo. Em 31 de dezembro de 1890,antes mesmo da eleição de 3 de janeiro, o governo federal já havia

demitido Antonio Maria Coelho. Foi nomeado em seu lugar o co-ronel Frederico Sólon de Sampaio Ribeiro.

Mato Grosso era uma das províncias (depois estado) maisafastadas do Rio de Janeiro. Ficava ainda na fronteira com oParaguai e a Bolívia. Era uma região com a qual os governosimperial e depois o da República tinham bastante cuidado. Aqui

havia uma presença militar significativa para a defesa do lugar.A participação de militares na vida política local era uma cons-tante. Ao longo deste livro, isso será mostrado a todo momento.Um militar, Sólon, substituiu outro, Antonio Maria.

Mas, sem telégrafo, que chegou somente em 1891, a substi-tuição que ocorrera em 31 de dezembro não impediu que Anto-

nio Maria continuasse no governo, como se fosse legal, até maistarde. Somente em 15 de fevereiro de 1891 Sólon chegou a Cui-abá e foi empossado no dia seguinte, tomando uma medidapolítica que teve repercussão no estado. Anulou, por ato de 26de fevereiro, a eleição de 3 de janeiro passado. O Partido Naci-onal não concordou. O clima era tenso.

Marcou-se uma nova eleição para 28 de maio de 1891, paraa escolha dos constituintes. E dessa vez quem ganhou o pleitofoi o Partido Republicano. O confronto estava criado entre osdois lados. Sólon não ficou muito tempo no governo. Retornouao Rio. Em seu lugar, assumiu o vice, José da Silva Rondon,simpatizante dos republicanos. Quem o acossou de toda forma

foram os membros do Partido Nacional Republicano, que nãoestavam contentes com o desenrolar dos fatos, principalmentecom a anulação da eleição de 3 de janeiro, que daria condições

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para quem a ganhasse elegesse o próximo governador. Em 6 dejunho de 1891, assumiu o governo João Nepomuceno de Ma-lheiros Mallet, também por indicação do Rio de Janeiro.

Praticamente tudo em Mato Grosso era decidido no Rio.Cartas de Joaquim Murtinho, publicadas na íntegra por Virgílio

Corrêa Filho, dão uma idéia de como se faziam os arranjos polí-ticos de interesse do governo central. Em 11 de novembro de1890, Joaquim Murtinho mandou uma carta a Antonio Correa daCosta em que dizia que

[...] recebi sua carta narrando os horrores do governador

nas últimas eleições [falava de Antonio Maria]. Foi sua car-

ta que escolhi dentre muitas para mostrar ao General Deo-

doro e tive a promessa formal da demissão de Antonio Maria

[...] dentro de três ou quatro dias.

Murtinho era também médico particular de Deodoro. O quese fazia no estado podia ser desfeito por lideranças do porte de

Joaquim Murtinho no Rio de Janeiro.Em outra correspondência ao mesmo Antonio Correa da

Costa, de maio de 1892, ele diz que “pediu-me o governo doisnomes para governador e eu apresentei o seu e o do João Alvese esses nomes foram enviados ao Mallet no mesmo telegrama.Não apresentei o do Manuel propositadamente para não pensa-

rem que nossa política é pessoal”. A anulação da eleição de 3 dejaneiro em beneficio de um dos grupos em disputa no estado foitambém decisão do Rio de Janeiro. Escreve Joaquim Murtinhopara Antonio Corrêa na mesma correspondência que

[...] o governo [...] melhor informado [...] telegrafou ao Mal-

let que sustentasse o ato do Sólon anulando as eleições de

3 de janeiro, que não reconhecesse deputados constituin-

tes senão os eleitos pela nova eleição.

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São exemplos de como o Rio de Janeiro comandava a polí-tica do estado. Mudou do Império para a República e as coisascontinuaram ainda como antes e tudo isso teve influência diretanos trepidantes acontecimentos posteriores.

João Mallet, o novo governador, sabia que os ânimos esta-

vam exaltados. Convocou uma reunião com membros gradua-dos dos dois partidos em disputa para o dia 15 de junho de 1891.Dali saiu um acordo entre os adversários. Previa um trabalhoconjunto para discutir os termos da futura constituição estadual.Previa ainda que seria da decisão pessoal do governador fazervaler a eleição de 3 de janeiro ou aquela de 28 de maio, uma que

ganhara o Partido Nacional e a outra o Republicano, uma deci-são estranha e que trouxe mais confusão ainda.

A racha veio quase que imediatamente. Os grupos não seentendiam mesmo. Era até compreensível. Eram grupos antigosda política, mas se movimentando em um novo contexto. Haviauma nova realidade política nacional. O Império deixara de exis-

tir, surgira a República. Os lados sabiam que era ali, naquelemomento, que se formariam os eixos e rumos para o mandopolítico local, que tinha tremenda importância num estado emque os meios de ganho e renda eram pequenos. Abrigar-se noguarda-chuva da política era quase uma necessidade. E sabiamainda os dois partidos que se um chegasse ao poder procuraria

eliminar politicamente seus adversários. Não havia meio-termo,dificilmente haveria acolhimento de pessoas de outro lado naadministração e nos cargos e funções públicas ou outro benefi-cio que o estado poderia dar.

O Partido Nacional, não contente com a eliminação, pelogovernador Sólon, da eleição que ganhara em 3 de janeiro,

havia apelado juridicamente para o governo federal. Eles espe-ravam ganhar a ação e assim validar aquela eleição e não a de28 de maio.

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Mas a decisão do Ministro da Justiça, Campos Sales, futuropresidente do país, foi desfavorável aos desejos dos Nacionais,como eram chamados. Em parte de suas alegações, disse o Mi-nistro que as prisões efetuadas pelo governo de Antonio Maria“[...] influíram para o resultado da referida eleição, determinan-

do pelo terror causado na população grande número de absten-ções de modo a ter ocorrido o pleito eleitoral com inteira faltadas garantias devidas ao direito do voto [...]”. Estava definida aquestão: a eleição que valia era a de 28 de maio. Fatos futurosiriam mais tarde alterar o jogo.

Mas, para o momento, a decisão de Campos Sales facilitou

a de João Mallet: ficou também com a eleição de 28 de maio. Nodia 30 de junho, instalou-se a Assembléia Constituinte. No mes-mo dia, o Partido Nacional, que havia perdido a demanda jurí-dica e política, entregou uma nova Constituição elaborada porele para o governador e disse ainda que seria eleito para gover-nador o capitão de fragata Henrique Guedes e para vice o coro-

nel Luis Benedito Pereira Leite. A confusão continuava.O Partido Republicano, que havia ganhado a outra eleição

que estava naquele momento valendo, elegeu para governadorManuel Murtinho e, para vices, Generoso Paes Leme de SouzaPonce, José da Silva Rondon e Pedro Celestino Correa da Costa.Escreveram uma nova Constituição e os fatos aparentes diziam

que os ânimos poderiam se acomodar. Engano puro. Os aconte-cimentos nacionais atingiriam outra vez o estado. Estavam inti-mamente ligados os fatos políticos locais com o que acontecia naárea federal. Mato Grosso dependia das decisões do Rio de Janei-ro. Se lá havia problemas, estes passavam para o distante estado.Um novo surgiu e alterou novamente o jogo político estadual.

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II. A revolução de 1892

Deodoro da Fonseca, em 3 de novembro de 1891, dissol-

veu o Congresso Nacional e teve apoio de todos os governado-res, com exceção do Pará. O de Mato Grosso, Manuel Murtinho,o apoiou. Houve uma reação na Marinha ao ato de Deodoro,em 23 de novembro, ele renunciou, tomando posse FlorianoPeixoto como novo presidente. A repercussão política foi enor-me no estado. Os membros do Partido Nacional, derrotados por

influência do governo federal que saía, viram a oportunidade detomarem de volta o poder. Os boatos cresceram. Falou-se atémesmo que Antonio Maria Coelho poderia ser o comandante daguarnição militar mais forte do estado. Se isso ocorresse, a situ-ação política dos republicanos se complicaria.

Em janeiro de 1892, começou a sedição em Corumbá. Val-

mir Corrêa mostra um manifesto que foi publicado em jornal deCorumbá e de Cuiabá, que dizia:

Um governo avassalado pela cobiça suja de lama desonra

a nossa pátria. O Dr. Manuel José Murtinho, elevado ao

alto cargo de governador pelo governo do general Deodo-

ro, não pode mais inspirar confiança ao heróico povo de

Mato Grosso. Eliminada a ditadura pelo esforço patriótico

da armada, do exército e do povo, esse governo que a ela

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aderiu servilmente abraça agora e congratula-se com o go-

verno legal. O Dr. Murtinho não é, pois, um governo ho-

nesto, é por desgraça de Mato Grosso um mercenário que

se entrega ao que mais pode. Semelhante governo é uma

afronta aos nossos brios, não pode, não deve continuar

sob pena de desonrar-nos para sempre no conceito dos

outros estados [...].

E, como era praxe, sempre terminava com vivas às ForçasArmadas.

Queriam que Manuel Murtinho renunciasse e que valesse a

eleição de 3 de janeiro ao invés daquela de 28 de maio. AntonioMaria Coelho estava por trás do movimento. Um sobrinho seu,major Aníbal Mota, foi em Corumbá um dos líderes da revolta.Alegaram que Manuel Murtinho apoiou Deodoro no golpe quefechou o Congresso. Criou-se uma Junta Governativa em Corum-bá composta de três membros. Exigiram a saída de Murtinho.

O grupo sedicioso já até legislava. O exemplo é o sugestivoDecreto nº 2, da Junta, que dizia no artigo primeiro: “ficam perdo-ados todos os presos sentenciados e por sentenciar existentes nacadeia pública da cidade”. O artigo segundo falava “ficam igual-mente perdoados os criminosos já sentenciados, indultados osque na presente data não o estejam”. Liberou geral. Se havia preso

político, foi solto e até outros por crimes diversos. O governo emCuiabá estava manietado. O movimento militar lhe era adverso e,sem apoio nas Forças Armadas, não se podia fazer nada.

Manuel Murtinho foi deposto e o grupo que deu o golpetentou criar a chamada República Transatlântica de Mato Gros-so. Um fato inusitado e interessante. Previa até buscar dinheiro

e apoio no exterior. Num manifesto para se criar o “Estado Livrede Mato Grosso” há uma parte sugestiva. Rebatendo alguns quediziam que não havia meios para uma resistência para se criar

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uma independência do Brasil, o documento diz que “meios ha-via e que o principal era declarar livre o estado de Mato Grossoe oficiar às Repúblicas do Prata porque essas para manterem aneutralidade não consentiriam passar forças pelos rios que ba-nham as mesmas repúblicas”. Às objeções por falta de recursos

pecuniários, diziam que podiam obter esses recursos “hipote-cando o estado à Inglaterra”.

Valmir Corrêa mostra um trecho de matéria publicada no jor-nal inglês The Daily Telegraph, de 15 de abril de 1892, que dizia:

acredita-se que a proclamação de independência de Mato

Grosso foi favorecida e preparada pelos argentinos, que

são beneficiados pela separação, porque esta Província não

mais pertence ao Brasil. Este último país não mais tem al-

guma razão para interferir nas repúblicas do Prata, as quais

agora dominarão inteiramente os rios Paraguai e Uruguai”.

Não se chegará a nada disso, mas não deixa de ser ilustra-tivo esse momento da história deste estado e região.

Mato Grosso era tão distante do Rio de Janeiro, achava-setão abandonado que propunha até se separar do país. Haviauma ligação maior do estado com os países do Prata, por causada hidrovia Paraguai-Paraná, do que com a capital do país. O

comércio era mais intenso ali e não com o Rio de Janeiro ou SãoPaulo. Isso só se modificou com a Ferrovia Noroeste do Brasil, apartir de 1914.

É ainda interessante a proposta de hipotecar o estado à In-glaterra em troca de dinheiro para um imaginado enfrentamentocom o governo federal. Parece com o que houve em determina-

do momento na separação do Texas do México e a tentativa dese criar um estado independente e buscar apoio também na In-glaterra. Num outro lugar do mundo, bem distante do que ocor-

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reu na América do Norte, alguns propunham quase a mesmacoisa, no entanto nada disso ocorreu.

Aníbal Mota, no comando da força que vinha de Corumbá,chegou a Cuiabá e demitiu o governador. Criaram uma nova juntagovernativa. Depois, o governo ficou nas mãos de Luis Benedito

Pereira Leite. Voltaram ao poder os membros do Partido Nacionalem lugar dos Republicanos. E queriam ainda que fosse validada aeleição de 3 de janeiro, que dava maioria àquele partido. A brigapolítica continuava. As alternâncias no jogo eram intensas. Os acon-tecimentos locais eram determinantes para a ação de cada lado,mas os fatos nacionais acabavam ajudando na criação de novas e

diferentes situações. Manuel Murtinho embarcou para o Rio de Ja-neiro, em 15 de fevereiro de 1892, para buscar ajuda federal.

Como mais um ingrediente aos fatos em ebulição, nem to-dos os militares federais no estado apoiaram a ação que iniciouem Corumbá e que culminou com a deposição de Manuel Mur-tinho. Um desses militares foi o major Tupy Caldas, que reagiu à

presença de forças federais nos casos estaduais. A cisão nasForças Armadas deu munição ao lado republicano para tentarreaver o poder tomado pelos nacionais na movimentação quecomeçou em Corumbá. A reação já estava em marcha.

Foi a chamada “revolução” de 1892, comandada por Gene-roso Ponce, figura que esteve, daí em diante, à frente de diver-

sos acontecimentos políticos ou insurrecionais no estado. Em10 de abril de 1892, chegaram as tropas à capital, mas não hou-ve confronto. O governador Pereira Leite não estava em condi-ções de enfrentar uma luta dessas. Abandonou o governo, maso fato em si não definiu o assunto para os republicanos. A lutaera, enfatiza-se, entre os dois partidos. Começara lá atrás, conti-

nuava até então. Ninguém queria abrir espaço para o outro. Eaquele era o momento de ocupá-lo. Criou-se, com a renúnciado governador, outra Junta composta por três militares, que ten-

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taria conciliar os dois interesses e fazer uma transição para ten-tar apagar o fogaréu que ameaçava a situação política no esta-do. Pelo menos evitou-se um conflito armado. Parece que have-ria uma trégua nos ânimos exaltados.

Na aparente tranqüilidade, Floriano Peixoto nomeou o co-

ronel Luis Henrique de Oliveira Ewbank como novo governa-dor do estado. O Partido Nacional não gostou da nomeação.Não aceitou a indicação de Ewbank e fizeram, como era a regra,manifestos pelos jornais da capital e também do Rio de Janeiro.O telégrafo já chegara a Mato Grosso desde 1891 e os jornais defora eram bombardeados com notícias sobre os acontecimentos

estaduais. É realmente interessante a quantidade de notícias so-bre os fatos do estado na imprensa nacional, não só neste re-cente entrevero, mas em tantos outros, pois, por mais que pare-ça que o estado já tivesse chegado ao máximo em suas alternân-cias de grupos no poder, a coisa estava apenas começando.Ocorrerão mais fatos e incertezas políticas.

As manifestações contra a nomeação do general Ewbankcresceram. O mais inusitado é que parte do próprio Exército, aoqual ele pertencia, não aceitou sua indicação. Quando ele veiode barco para Cuiabá junto com Manuel Murtinho, que fora de-posto e tinha ido ao Rio de Janeiro articular seu retorno ao go-verno, no forte de Coimbra, os militares ali sediados intimaram

para que retrocedessem numa dura intimação ao dizer que o“Exército e o povo não querem e não admitem que o generalEwbank e o Dr. Murtinho subam o rio além do forte de Coim-bra”. Ewbank reagiu com outro manifesto em que falou que osoficiais do Exército não poderiam estar tão envolvidos em polí-tica local. Que sua missão estava acima das lutas partidárias

regionais. Não era bem assim naquele tempo e momento.O caso de Mato Grosso é ilustrativo de como as Forças

Armadas deixaram os pruridos constitucionais de lado e passa-

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ram a intervir na política. A República fora cria de movimentosnos quartéis e não era difícil entender como isso se espalhoupara outros lugares. Ewbank e Murtinho voltaram para Montevi-déu. O general mandado pelo Rio de Janeiro ficou aborrecido,mas não adiantou.

No estado, a parte maior das Forças Armadas ainda estavacom o general Antonio Maria Coelho, primeiro governador naRepública. Fica claro também que o Partido Republicano tinhalideranças fortes no Rio que exerciam influência no governo fe-deral. Conseguiram quase tudo o que queriam, no governo deDeodoro ou de Floriano. O que conseguiram ali, muitas vezes,

não era obedecido pela força da oposição no estado. E esta ti-nha o apoio de parte dos oficiais do Exército. Povo, eleição, leie Constituição eram fatores secundários frente aos confrontoscriados pelas elites política e militar no estado. A desavençacontinuou fervendo.

O Partido Republicano estava numa posição até confortá-

vel. Tinha gente armada, a nomeação de um general para acal-mar as coisas no estado e pediam, usando o legalismo da épo-ca, a volta de Murtinho que fora antes eleito. Frente à situação,aquele partido reagiu. Ponce se pôs a campo outra vez e recru-tou mais gente ainda. Fala-se em até três mil pessoas na suamilícia. Criaram o “Exército Floriano Peixoto”. O outro lado agre-

gou gente num batalhão chamado “Antonio Maria”. Ocorreuentão um fato até hilário.

Comandava as forças na capital, desde que subira de Co-rumbá para derrubar Manuel Murtinho, o major Aníbal Mota. Elee outros oficiais, com tropas contrárias já marchando para Cui-abá, retornaram quase de surpresa para Corumbá. Alegavam que

a seca ou vazante do rio Cuiabá estava chegando e que, comela, não poderiam retornar para o sul. Abandonaram a capital.Pereira Leite, que reassumira o governo em 18 de abril de 1892,

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entregou-o ao presidente da Assembléia Legislativa. Este, comreceio de enfrentar a força paramilitar arregimentada pelos re-publicanos, também se afastou do governo. Em 7 de maio, astropas entraram em Cuiabá.

Mas houve confronto, luta mesmo. Morreram alguns com-

batentes. Se aqueles comandantes militares não tivessem aban-donado a cidade antes da chegada dessas tropas, talvez o resul-tado fosse outro. Mas a superioridade de força juntada pelosrepublicanos se impôs. Dois fatos chamam a atenção naqueleepisódio e que têm interesse para acontecimentos posteriores.

Naquela refrega, em trincheiras na capital, foi morto de for-

ma brutal pelos Nacionais um contador da casa comercial Fir-mo & Ponce, Libânio Honório dos Santos, homem de confiançada firma dos que estavam ganhando a luta naquele momento. Ooutro fato veio na seqüência. Quem comandou a defesa das for-ças situacionistas na capital foi o capitão Norberto Muniz e otenente Gabriel Mamede de Araújo. Este ficara famoso por sua

valentia. Tupy Caldas, militar que estava com os Republicanos,conseguiu, com algum esforço, que eles se rendessem.

Num trajeto do Segundo Batalhão de Infantaria para o Ar-senal de Guerra, eles foram trucidados de forma violenta. O fatoteve repercussão até nacional. Ponce sempre disse que não tevenada com aquilo. A oposição culpou-o pelo fato e que o que

aconteceu foi uma represália pela morte do seu guarda-livros.Aquela ocorrência sempre acompanhou a vida política do entãovitorioso chefe político. Ela se manteve no imaginário popularpor bastante tempo.

Alguns historiadores, entre eles Estevão de Mendonça e Vir-gílio Corrêa Filho, dizem que Ponce não teve culpa pelo que ocor-

reu. É difícil afirmar que ele tenha autorizado o massacre daque-les oficiais do Exército, mas também não existe um dado concre-to que mostre que ele não tenha nenhuma participação no fato.

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Esse acontecimento reverberou longe na história. Em 12 dejunho de 1906, na luta pela deposição de Totó Paes, o senadorAntonio Azeredo criou uma explicação para aquele fato. Muitostentavam mostrar que Generoso Ponce era um homem violento,entre os quais o deputado federal, amigo de Totó Paes, João

Francisco Paes Barreto. Os correligionários de Ponce tentarammontar uma outra explicação para aquele episódio. Disseramque não se poderia acusá-lo pelo ocorrido.

O senador discursa no Senado que o irmão do Totó, JoãoPaes de Barros, afirmara que sabia quem havia mandado truci-dar o Mamede. Argüi que foi uma vingança do pai dos dois ir-

mãos, Joaquim Paes de Barros, porque, quando aquele oficialsubia o rio para derrubar Manuel Murtinho do governo, ao pas-sar em frente de sua fazenda no Rio Abaixo, disparou dois tirosde canhão em sua direção. E, por esse fato, ele resolveu se vin-gar do Mamede. Concluía dizendo que “não foi obra de outrem,nem de forças indisciplinadas, mas da própria família Paes de

Barros, que assim vingava a audácia de quem havia atirado con-tra sua propriedade”.

O ardor da política pode levar os fatos na direção que me-lhor aprouver aos lados. Não se tem nenhuma prova para acu-sar Generoso Ponce de ter mandado trucidar o tenente Mame-de, mas fica estranho acusar a família de Totó Paes por um fato

ocorrido em 1892, quando quase não tinha poder político noestado. Isso ocorreu somente mais tarde. O pai dele não tinhacondições de trucidar alguém que estava nas mãos de um ofici-al do Exército e cercado pelas tropas de Ponce. Azeredo fez essaacusação e se estriba no irmão do Totó Paes que, àquela altura(1906), já estava contra o irmão governador.

Este assunto continuou a dar panos para mangas por muitotempo. Quando do caso “ramonada”, contado à frente, em que Ge-neroso Ponce levou uma bengalada de um polonês e este foi lincha-

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do em Cuiabá, teve um telegrama dele para o Rio de Janeiro de se-tembro de 1899 a um deputado do seu grupo em que diz que o

general Câmara [comandante do distrito militar federal na

capital, na época], nosso inimigo, nos trata de assassinos,

revivendo a morte de Mamede e excitando o ódio dos mili-

tares contra nós.

O caso Mamede ajudou a oposição a criar a imagem de vio-lento para o Ponce. O mesmo que fez o seu lado com a do TotóPaes. A que ficou mais popular perante a história foi a segunda.

Ao ganhar a “revolução” de 1892, os republicanos criarammeios para o controle efetivo do poder. Não deram espaço paraque a oposição se movimentasse ou que houvesse acordos quetalvez não pudessem ser cumpridos, pois a situação vinha sen-do de confronto constante entre os partidos Nacional e Republi-cano. Em 14 de maio, publica Ponce Filho, apareceu uma Reso-

lução que mostrava quem é que passava de fato a mandar noestado. Tem artigo único. Cito trecho:

São declarados nulos [...] todos os decretos dos governos

sediciosos [...] e restabelecidos e em pleno vigor os expedi-

dos pelo presidente [governador] eleito pelo Congresso

Constituinte de 28 de maio do ano passado, Dr. Manuel

José Murtinho.

Colocaram de volta o governador eleito naquela data.É bom lembrar que o Partido Nacional se sentia esbulhado,

pois elegera a maior parte dos deputados para a Assembléia

Constituinte naquele famoso 3 de janeiro, quando já estava de-mitido no Rio de Janeiro o general-governador, Antonio MariaCoelho. Aquela eleição foi anulada por Sólon e convocaram uma

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outra. Nessa, ganharam os republicanos. Elegeram Manuel Mur-tinho para o governo. O racha continuou e chegou ao ponto departida. Voltou o governador que havia sido tirado do governopelo movimento que começara em Corumbá desde a queda dogoverno Deodoro da Fonseca. Outra vez, os fatos nacionais se

interpuseram nos locais. E assim foi ainda por muito tempo.Acabou, portanto, a dualidade de poder. Acabou a disputa

entre qual eleição era válida: se a de 3 de janeiro ou a de 28 demaio. No campo de batalha e com suporte na área federal, ga-nhou o Partido Republicano. Saíram de cena os nacionais. Aque-la disputa, como já foi dito antes, se dava num momento especi-

al da política nacional e local. Quem ganhasse poderia contro-lar o poder por muito tempo. E foi o que aconteceu. Os republi-canos se tornaram mandantes na política estadual.

Na esfera federal, este partido tinha fortes defensores, comoAntonio Azeredo, Joaquim Murtinho e José Mettelo no Senado.Com esse apoio era difícil ao Partido Nacional ganhar aquela

disputa. Tudo que fizessem poderia ser derrubado no Rio. Aliás,isso ocorreu mais de uma vez. Se não fosse a sublevação departe dos oficiais do Exército contra ditames da capital federal,a luta talvez tivesse findado antes.

Generoso Ponce atingiu seu clímax na política estadual. Avitória no campo de batalha, a eliminação dos adversários polí-

ticos e suas ligações com o Rio de Janeiro o colocaram no topoda política local. Fatos posteriores o arrastaram para posiçõespolíticas desconfortáveis. Mas, para aquele momento, depois daeliminação da força do Partido Nacional no estado e, como elecomandara o movimento militar, passou a ser a figura principalda política estadual.

Em 9 de julho de 1892, Murtinho saiu de Corumbá paraCuiabá. Chegou no dia 18 e, dois dias depois, assumiu o gover-no. Generoso Ponce tinha ficado no controle do governo, pois

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era o primeiro vice-governador. Ele o passou a Manuel Murti-nho, presidente eleito pela Constituinte de 28 de maio de 1891.Talvez possa ser especulado que, àquela altura, se Ponce qui-sesse, poderia ter continuado no governo. Não se sabe qual se-ria a reação de Joaquim Murtinho, irmão de Manuel, mas os

fatos do período eram favoráveis a Ponce.Tem um telegrama do senador Antonio Azeredo que mos-

tra a sua força naquele momento. Diz Azeredo em 16 de maio:“Parabéns, brilhante vitória alcançada nossa causa. Que desejanosso partido? Quereis continuar no governo ou quereis se fa-çam nova eleição?” Uma nova eleição – o que seria palatável

aos diversos interesses abrigados no Partido Republicano –, elepoderia até ganhá-la. Acabara de sair vitorioso num confrontoarmado, era o líder do partido no estado, seria difícil alguémtomar-lhe essa posição.

Para se ver o tamanho de seu prestígio naquela altura dapolítica estadual, prazerosamente mostrado por Ponce Filho, bas-

ta citar duas decisões da Assembléia Legislativa da qual era presi-dente. Na sessão de 14 de outubro de 1892, aquela casa apresentaum Decreto de artigo único que dizia: “fica concedido ao coronelGeneroso Ponce [...] permissão para retirar-se temporariamentedo estado, sempre que tiver necessidade. Revogam-se as disposi-ções em contrário”. Temporariamente e sempre que tiver neces-

sidade é uma criação esquisita, mas querendo dizer que quantasvezes ele quisesse se ausentar “temporariamente” poderia fazê-losem pedir mais autorização ao Legislativo.

Na mesma sessão da Assembléia, foram criados dois novosferiados: “7 de maio, aniversário da entrada na capital da forçapatriótica comandada pelo coronel Generoso Ponce e 15 de agos-

to, aniversário da promulgação da Constituição do estado”. Tudofoi aprovado por unanimidade e sem maiores discussões. EstaConstituição foi aquela elaborada pelos constituintes eleitos em

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28 de maio de 1890, depois que fora anulada a eleição de 3 dejaneiro, que elegera as pessoas ligadas ao general Antonio Ma-ria. Com a transformação do dia do seu lançamento em feriadoestadual, matava-se tudo que havia antes e que levara o estadoaos diversos confrontos. Não havia mais divisões. Um lado se

sobrepôs ao outro.Houve um período de sete anos de sossego político. Em

1899, os fatos esquentaram novamente. E, dessa vez, quem le-vou a pior foi Generoso Ponce. Coisas próprias da política esta-dual daquele trepidante momento. Mas antes que isso ocorres-se, aproveitando o auge da fama, Ponce foi eleito para o Sena-

do. Como era comum na época, quem decidia quem deveria ser“eleito” para algum cargo eram as lideranças dos partidos. Ain-da hoje é assim, mas era muito mais forte naquele período dahistória local e nacional. Reuniram-se, no Rio de Janeiro, Anto-nio Azeredo, Joaquim Murtinho e José Metelo e decidiram que avaga para o Senado seria de Ponce.

Talvez possa ser argüido que ele almejava essa posição e porisso aceitou sem contestar a volta de Manuel Murtinho ao governodo estado. Se ele tentasse mantê-lo até poderia conseguir, mas iaenfrentar a má vontade dos Murtinhos, o que não era bom. Comoabriu mão de continuar no governo, ganhou a simpatia daquelesirmãos e acabou sendo presenteado com a senatoria. Para ele, era

até melhor. Continuava como deputado estadual, fato que na-quele tempo podia, também senador da República, além de sero redator do jornal O Mato Grosso e presidente do Partido Repu-blicano. Teria mais tempo também para se dedicar à sua firmacomercial, que trabalhava com importação e exportação, usandoa navegação na hidrovia que chegava até a capital através dos rios

São Lourenço e Cuiabá. Talvez tivesse mais poder até do que ogovernador Murtinho. Tomou posse no Rio de Janeiro, como se-nador, em maio de 1894.

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Frente aos diversos fatos em andamento, percebe-se quequem mandava e desmandava na política estadual era Cuiabá.No sul, somente Corumbá tinha alguma força, mas sem rivalizarcom o domínio cuiabano. Valmir Corrêa cita um desabafo inte-ressante sobre essa preponderância de Cuiabá e que o autor

acredita que fosse já o início de um germe separatista no sul doestado. Um coronel político do sul falava que:

Essa coisa vem de longe, desde que cheguei do Rio Gran-

de. O senador Ponce pegava aqui no sul um caudilho, por

exemplo, o coronel Jango Mascarenhas, o Totó Paes pega-

va o coronel Jejé e faziam os dois brigarem. Ficavam espi-

ando lá de Cuiabá [...] venceu o Jejé. O Mascarenhas emi-

grava para o Paraguai. Depois o senador Ponce dizia ‘va-

mos dar um jeito no Jejé [...]’. Afiava o Bento Xavier, que

era um rio-grandense bom, e mais o Pio Rufino, e jogava

contra o Jejé e ajeitava o Felipe de Brum, outro rio-gran-

dense, que acabou entrando na contradança. E assim an-

davam sempre os cuiabanos na política. Jogavam uns con-

tra os outros aqui e eles ficavam lá em cima.

A tradição de mando dos cuiabanos na política estadualvinha de longe. Desde, talvez, a disputa com Vila Bela pela ca-

pital. Dali para frente, em todos os embates no estado, houveuma supremacia das pessoas da capital. Quando, mais tarde,não dava mais para continuar esse mando, veio a divisão doestado. Separaram os mandos políticos entre os dois estados,Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Continuaram os cuiabanos ater no estado remanescente a supremacia na política.

Os fatos sugerem que agora, a partir da chegada dos sulistasao estado, com o domínio econômico que conseguiram, o poderpolítico tende a seguir um caminho diferente. Talvez possa ser

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dito que, desde o Império, este seja o momento em que a tradiçãode supremacia dos cuiabanos na política em Mato Grosso estejana defensiva. Há uma tendência de transferência de poder políti-co aos migrantes e novos mato-grossenses. A composição da As-sembléia Legislativa, da Câmara Federal e até mesmo a chegada

ao governo do estado desse novo grupo mostra essa nova fase.Mas, na época de ouro do mando cuiabano na política es-

tadual, em 1892, o Congresso brasileiro anistiou todos os en-volvidos em movimentos armados no país inteiro. O desassos-sego que provocara a República não foi somente em Mato Gros-so. Daí, a medida do Rio de Janeiro para tentar apaziguar os

ânimos políticos país afora.Manuel Murtinho, colocado de volta no governo, terminou

seu mandato sem sobressaltos. Assumiu em seu lugar, em 15 deagosto de 1895, Antonio Corrêa da Costa. Como Ponce tinha queir para o Rio, assumiu a presidência da Assembléia Legislativa oprimeiro vice-presidente, coronel Antonio Cesário de Figueiredo.

Nem todos que tinham o título de coronel pertenciam às For-ças Armadas. Civis podiam tê-lo também. O termo coronel era umtítulo apreciado no meio da elite política e econômica. Tinha valore dava prestigio a quem o possuísse. Os mais importantes eramaqueles dados pelo governo federal. Ponce, como exemplo, rece-beu o dele diretamente do presidente Floriano Peixoto. Azeredo diz

que tentou fazer o presidente dar, ao invés de título de coronel, umde general para ele. Floriano Peixoto recusou.

Sempre houve uma sintonia política entre Ponce e Azeredo.Brigas e rompimentos houve entre várias lideranças, mas essesdois permaneceram unidos através daqueles tempos politicamenteturbulentos. Sempre um procurava defender o outro. O caso con-

tado por Azeredo do pedido a Floriano Peixoto pode até não serverdadeiro, mas mostra como havia afinidade entre as duas lide-ranças. E essa ligação aumentou com os fatos novos à frente.

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Nessa busca de dados e atos que ajudem a entender me-lhor o que houve em 1906 com o enfrentamento entre GenerosoPonce e Totó Paes e a morte violenta deste último, tem umacarta do governador eleito, Antonio Corrêa da Costa, de 28 deabril de 1897, ao Ponce que é interessante. Depois de contar

outros fatos do estado, fala que “o Totó Paes esteve comigo [...]notei que não está contente consigo e fez-lhe recriminações quedemonstrei serem infundadas”. Se não é fofoca de político parajogar um contra o outro, os fatos sugerem que havia algo no arquase dez anos antes de explodir a desavença entre eles.

O Mato Grosso da época é prenhe de acontecimentos polí-

ticos diversos e até pitorescos. Um deles é o “caso do bonde”,fato que trouxe conseqüências para a política estadual de formageral e que tem feito a delícia de muitos historiadores atravésdos anos. O ano era 1898 e Antonio Corrêa da Costa estava nogoverno. Generoso Ponce retornou do Rio, onde exercia o car-go de senador, em janeiro daquele ano.

Havia um bonde puxado a cavalos que levava gente do por-to até outro ponto da capital. Quando chegava alguém de embar-cação, o comum era tomar o bonde para se locomover pela cida-de. Chegaram então a Cuiabá o senador Ponce e seu amigo ínti-mo, o deputado federal Caracíolo Peixoto. O bonde não estavano lugar de sempre. Eles e outras pessoas saíram caminhando

para suas casas. A certa altura avistaram o bonde. Subiram nele,mas não se locomoveu. Perguntaram porquê. Alguém informouque o chefe de polícia havia determinado que ele não trabalhas-se, precisava fazer alguns reparos. Não há uma explicação maisadequada sobre por que o bonde, que devia estar em reparo téc-nico, estava ali e aparentemente pronto para locomoção.

Mas, independente de dúvidas históricas, Generoso Ponce,que já estava montado no veículo, ordenou: “siga o bonde”. Ocondutor obedeceu, claro. Este fato provocou um incidente po-

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lítico. O chefe de polícia se demitiu, pois se sentiu desautoriza-do em suas ordens. Mas não ficou somente nisso. O governadordo estado, Antonio Corrêa da Costa, renunciou também. Alega-va que havia sido desprestigiado e que não tinha mais autorida-de para dirigir o estado.

Ele mandou um ofício a Generoso Ponce, escreve VirgílioCorrea Filho, em 25 de janeiro de 1898, que mostra quem era defato o chefe político naquele momento. Diz que “refleti muitoesta noite sobre os acontecimentos de ontem. Retiro-me... Di-ante da situação que me foi criada por um ato impensado eirrefletido do meu amigo, só me resta como digno o alvitre que

tomei”. Ninguém sabe se foi isso mesmo o que o levou a afastar-se do governo ou se ele aproveitou a oportunidade para se afas-tar de uma função que não o agradava. Foi embora trabalhar emPorto Murtinho, numa extensão da firma do senador Joaquim,que deu o sobrenome àquele porto.

A família Corrêa da Costa já tinha tradição de governo e

isso aumentou ao longo dos anos. O avô de Antonio Corrêa foragovernador na época do Império e seu filho, Mario Corrêa, tam-bém se tornou governador. Essa família esteve ao longo do tem-po oito vezes no governo do estado. O último foi Fernando Cor-rêa da Costa, já na década de 1960, pela ex-UDN. A disputa po-lítica naquele momento era com João Ponce, neto de Generoso,

ou com Filinto Müller, ambos do PSD. A neta de Generoso eirmã de João, Maria Müller, foi casada com Júlio Müller. As fa-mílias se juntaram e quase as mesmas raízes lá de trás continu-arão a mandar na política local. Mudaram de lado ou partidos,mas continuaram no controle das andanças políticas do estado.Tudo isso talvez não ocorresse se não houvesse a eliminação

física de Totó Paes, em 1906. Essa é uma história para depois.O caso do bonde é também usado para mostrar a maneira

autoritária de Generoso Ponce. Toca-se mais de uma vez nesse

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ponto, porque se passou para a história que outros daquelemomento eram autoritários e quase não há afirmações mais for-tes sobre essa característica do Ponce. Ele não fugia à regra, eraum produto daquele tempo. Muitos pensavam assim até naque-la época. Tem uma carta de Pedro Celestino Corrêa da Costa,

personagem que será mais tarde correligionário firme do Ponce,de 10 de agosto de 1889, que diz que “a candidatura do Laet foiadotada pelo partido, isso é, pelo Ponce que, ditador, não con-sultou seus correligionários [...]”.

Essa maneira de ser é que empurrou Generoso Ponce a cons-tantes confrontos políticos e até armados. E foi isso que o levou à

sua luta principal que desembocou na morte de Totó Paes. Aliás,os fatos mostram que os dois eram autoritários. Eram acostuma-dos ao mando. Em um determinado momento, 1899, Antonio Paesvenceu a disputa entre ambos. Mais tarde, em 1906, é a vez doPonce e o desfecho foi a morte do governador da época.

Os acontecimentos no estado, entre a “revolução” de 1892

e 1898, foram mais ou menos tranqüilos. Parecia que os gruposse acomodavam. As disputas vinham desde o início da Repúbli-ca, os personagens da política querendo ocupar espaço. O ladovencedor, que incluía Ponce, os Murtinhos, Azeredo e Metello,parece que tomara conta da política estadual. Totó Paes não eraainda uma figura de destaque na política.

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Cuiabá em 1900. Acervo do Iphan – Mato Grosso.

Quadro de José Hidalgo da revolução de 1892.No livro de Generoso Ponce Filho.

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III. Cisão política no grupo dominante

Em 1º de março de 1899, deveria haver eleição para subs-

tituir o governador Antonio Cesário de Figueiredo, que assumiradepois da renúncia inopinada de Antonio Corrêa. Mas antes, em15 de novembro de 1898, Campos Sales assumira a presidênciada República no lugar de Prudente de Morais. Isso, como quasesempre ocorria, teve enorme influência nos assuntos políticosdo estado. Levou a uma segunda “revolução”, pois a ligação de

Joaquim Murtinho com o novo presidente foi muito forte, che-gando até a Ministro da Fazenda, tendo uma atuação de desta-que naquele governo.

Campos Sales teve como norma em seu governo a chamada“política dos governadores”. Diz Lauro Portela, citando RenatoLessa, que ele buscava “uma ordem política capaz de pôr fim ao

caos institucional que durou os dez primeiros anos da República– 1889 a 1898”. A Constituição de 1891 “aumentou ainda mais asincertezas” do período. O “país tinha Constituição sem ter parti-dos, sem saber quem eram seus representantes [...]”. Era um fede-ralismo criado de cima para baixo e que rompia com o que haviadurante o Império, quando tudo dependia do poder central. Cres-

ceram os interesses regionais sobre o nacional.Havia algo diferente no ar e cada região aproveitou a situa-

ção para tentar preencher o espaço novo. Não havia mais um

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Poder Moderador e “a ausência de partidos prejudicou a articu-lação do poder Executivo com o poder Legislativo”. Com a con-fusão que se criou, até que as coisas assentassem, o caos políti-co nos estados foi uma conseqüência. Mato Grosso é um exem-plo do que ocorreu nacionalmente. Diz Fanaia que, “ao olhar

para o cenário político no estado durante a Primeira República,não há como negar, a impressão inicial é a do caos perene, dascotidianas lutas encarniçadas, dos confrontos sem freios e damenor possibilidade de acordos entre grupos rivais”.

Campos Sales (1898-1902) tentou mudar esse quadro coma criação da chamada política dos governadores que, no fundo,

voltou a neutralizar a função legislativa. A eleição de seus repre-sentantes passará pelo escrutínio do governo central no Rio deJaneiro. Ele precisava de aliados para governar e criou meiospara ter força nas eleições locais. Foi criada a Comissão de Ve-rificação de Poderes. Esta é uma invenção interessante da polí-tica brasileira. Ela visava impedir o “ingresso de elementos opo-

sitores no Legislativo”.A nova invenção poderia degolar alguém eleito no estado. O

poder da Comissão era muito grande. Um candidato eleito, masque poderia ser hostil ao governo, ficaria sem mandato. Isso fun-cionou em momentos diferentes para eleitos de Mato Grosso, daía importância de se ter ligações fortes com o governo federal.

O objetivo final da política dos governadores era

afastar as disputas políticas do cenário federal, relegando-

as aos estados, de modo a permitir que o presidente da

República pudesse administrar os negócios da nação.

O governo federal não podia ficar preocupado e atuandoseguidamente, como vinha fazendo, nos assuntos dos estados.As desavenças eram constantes e pediam a atenção do poder

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central para ajudar nas querelas locais. O governo federal tinhaque se preocupar com as coisas maiores da nação, era o pensa-mento, e não ficar, a todo momento, se envolvendo em assun-tos políticos localizados e, ao fazê-lo, trazia outras conseqüên-cias para ele mesmo. É que, ao tomar lado numa disputa, os

representantes do outro grupo político se colocavam contra asações do governo federal e votavam no Congresso desfavoravel-mente às medidas de interesse daquela autoridade.

A decisão era dar apoio, nos estados, às lideranças maio-res, personificadas, em tese, nos governadores eleitos. Garanti-ria a esses as indicações políticas e tudo o mais que se fizesse

necessário para manter uma situação de boa relação com osgovernadores. Em troca, esses garantiriam ao governo federalos votos necessários para a aprovação das medidas propostaspor ele. Dava, portanto, apoio às ações dos governos estaduaise pedia, em contrapartida, o voto da bancada daquele estado noCongresso. Essa era a regra que deveria seguir.

Mas não existem regras rígidas na política. O caso de MatoGrosso talvez ilustre isso. Campos Sales deu apoio mais aosMurtinhos, principalmente ao Joaquim, do que a qualquer ou-tra liderança estadual, mesmo que essas fossem localmenteaté mais fortes que aquele, não no Rio de Janeiro, mas no tra-balho diário na política estadual. É que Joaquim fora para o

Rio com treze anos de idade e nunca mais retornou ao estado.Fez política em Mato Grosso morando na capital federal. Seuirmão, Manuel, é que fez política no estado, chegando até a sergovernador. Joaquim não. E estava mais do que evidente que,durante o governo Campos Sales, em que terá presença desta-cada, ele não irá deixar passar a oportunidade de influenciar

mais de perto a política do estado em que nascera. Além disso,ele também estava envolvido com a maior empresa estadualdo período, a Mate Laranjeira.

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Zephyr Frank entende que seu sucesso na política veio so-mente após sua ligação com a firma Mate Laranjeira, que explora-va erva-mate no sul do estado. Ela, em 1891, passou a ser parte doBanco Rio-Mato Grosso, que Joaquim Murtinho fundara. A MateLaranjeira tinha ligações também com o capital argentino. A bus-

ca por espaço político no estado por parte dele pode ser lidotambém pela necessidade de se ter poder político para ter influ-ência nas decisões que interessassem à Mate Laranjeira. Ela preci-sava sempre de mais terras arrendadas para explorar aquele pro-duto de exportação, principalmente para os países do Prata. Euma presença na política não atrapalharia essa ação, muito pelo

contrário. Um governo hostil seria um complicador.Ela era a maior contribuinte dos cofres públicos estaduais.

Por várias vezes emprestou dinheiro ao estado e cobrava jurospor ele. A sua renda era maior que a do estado. Era, chamouValmir Correa, um estado dentro do estado. E a atividade políticase fazia ainda mais necessária para segurar também o apetite do

tesouro do estado na cobrança de impostos daquela firma. Joa-quim Murtinho, homem de confiança de Campos Sales, já sena-dor da República, não perdeu a chance que o momento lhe ofere-cia para puxar a política em Mato Grosso mais para perto de si.Ele tinha pela frente um duro adversário, Generoso Ponce, queera senador e também deputado estadual, cujo nome havia cres-

cido nos embates militares da revolução de 1892 em que colocarade volta no governo Manuel Murtinho, irmão do Joaquim.

Como é comum no meio da classe política, eleição nãose ganha no dia. Ganha-se nos arranjos políticos que se fazmuito antes. O homem comum, preocupado com seu dia-a-dia, não está ligado nos fatos do cotidiano político. É desper-

tado para a eleição em si quando o fragor da disputa eleitoralse aproxima ou está no seu auge. Para alguém envolvido napolítica, aquilo é o epílogo de trabalhos que se vêm montan-

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do desde algum tempo. Ganha-se ou perde-se uma eleição,mas esta deve ser trabalhada e os arranjos feitos desde muitotempo antes.

Generoso Ponce começou a atuar em fevereiro de 1898 paraa eleição que seria realizada em 1º de março de 1899. A eleição

de um governador era, como é agora, muito importante paraoutros passos na política da época. Era muito difícil um gover-nador perder “eleição” com o controle dos cargos e funções,mais a polícia para atender amigos e olhar enviesado para osadversários, num estado em que o grau de conhecimento políti-co da população era diminuto.

Coloca-se eleição entre aspas porque essas podiam sermanipuladas. Os lados em disputas sempre acusavam um aooutro de ter feito estripulias com as atas de votação. Fatoscomo esses aconteceram até recentemente na política brasi-leira e estadual, imagine o que poderia acontecer em épocamais remota, em que os jornais não tinham independência,

pertenciam a grupos que se digladiavam. Um acusava o ou-tro de manipulação eleitoral, mas a repercussão não passavade um horizonte pequeno e restrito a poucos que sabiam lere se envolviam na política.

Ponce mandou uma série de cartas para, como se chamavana época, os chefes políticos do seu partido no estado inteiro.

Elas foram publicadas na íntegra por Ponce Filho no livro queleva o nome do pai. Elas também foram lidas no Senado porGeneroso Ponce e constam dos anais daquela casa legisladora.Não as colocarei na íntegra, somente tocando nos pontos prin-cipais delas. É uma amostragem de como se fazia política parti-dária naquele tempo e também mostra quais localidades no es-

tado tinham alguma importância política e eleitoral.O modelo de carta de Ponce aos correligionários é um só.

Era uma consulta a cada chefe político. Dizia Ponce que

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[...] para fazer uma escolha que mais ou menos represente a

vontade de todos, tenho consultado reservadamente a todos

os chefes locais pedindo a opinião de cada um a respeito.

Pelas indicações que me forem feitas pelos ditos chefes ficará

escolhido candidato aquele que mais adesões conseguir [...].

Ele fazia a consulta em fevereiro de 1898, bem antes daposse de Campos Sales em 15 de novembro daquele ano.

Os arranjos para a indicação de nomes à presidência já vi-nham sendo articulados. E um deles era o de Campos Sales. Éevidente que Ponce não tinha bola de cristal para adivinhar quem

seria de fato o presidente e se este, no governo, iria adotar a talpolítica dos governadores, mas sabia que Joaquim Murtinho po-deria se fortalecer com essa ou aquela indicação. Já fora Minis-tro de Obras Públicas entre 1896 e 1897. Mostrava-se, portanto,forte no plano federal. Ponce, sem essa força no Rio, procuravafazer a política que mais conhecia e onde tinha espaço: a esta-

dual, da qual era o presidente do partido. Precisava fazer o su-cessor de Antonio Cesário no governo para continuar a ser fortepoliticamente. Com esse aval é que se cacifaria para os embatese arranjos políticos no Rio de Janeiro, incluindo a boa vontadeou não de Joaquim Murtinho.

Com o governador saindo do bolso do seu colete, qual-

quer candidato a senador ou a deputado de Mato Grosso teriaque pedir bênção política a ele. Daí sua atuação para arrancarum nome que representasse “mais ou menos” o desejo doschefes políticos. Esse mais ou menos é interessante. A decisãofinal era dele mesmo. Quem detinha o controle do partido e,mais importante, das informações colhidas dos chefes políti-

cos era ele. Podia conduzir a escolha para o lado que lhe fossemais conveniente. Agia como qualquer chefe político da épo-ca e de agora.

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Francisco Ferreira Mendes, chefe político de Diamantino,escreveu a Ponce em 15 de fevereiro de 1898, num termo que foiquase identicamente repetido por outras lideranças. Diz que onome que ele endossava para governador era o de GenerosoPonce, mas que, se não aceitasse, ele autorizaria a ele indicar

um nome que lhe aprouvesse. Deu carta branca ao presidentedo partido, portanto.

Ele, como os outros ao indicarem o nome de Ponce para ogoverno, seguia também uma regra da cartilha política daquelemomento e de hoje. Sempre se coloca em primeiro lugar o nomeda liderança maior para preenchimento de cargos mais impor-

tantes. Depois dessa mesura política é que se caminha para ou-tras direções, um quase ritual que vem de longe.

Joaquim de Cerqueira Caldas, da Chapada, em 18 de mar-ço de 1898, repetiu Ferreira Mendes ao dizer que o nome maisindicado seria o de Ponce, mas que, se ele não quisesse, “noque faz muito mal”, ele votaria “em quem o senhor mandar”.

Francisco Duarte e Venâncio Silva, da Guia, em 28 de fevereirode 1898, disseram que o “nosso candidato é o senhor”, mas, seele não aceitasse, “votaremos em quem o senhor indicar”, quenão tinham nomes a sugerir. Joaquim Machado de Brotas, em 1ºde março do mesmo ano, repetiu que “venho a indicar o nomede você, o único que satisfaz meu coração”. Que se não fosse

ele, aceitaria “com religioso respeito quem for por você indica-do, pois sabe que sou seu soldado disciplinado”. São sugestivosos termos das respostas. Mostram uma enorme reverência pelolíder político e também guardam semelhança, em muitos aspec-tos, com a política atual. Essa do soldado disciplinado lembra ade agora, que é o “soldado do partido”.

As respostas continuam. Diogo de Souza, chefe político deCáceres, disse exatamente o que os outros diziam (não tem adata da carta). Que indicava Ponce e que, se isso não ocorresse,

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“qualquer que seja o nome por você indicado será aqui recebi-do”. Antonio Malheiros, de Corumbá, em 3 de abril, respondeunum tom que merece citação cheia. Disse que, “cumprindo vossadeterminação para apresentar candidato à futura presidência doestado, indico o seu nome. Fora dele, não me dou ao trabalho

de indicar nenhum outro, mas o nosso partido em Corumbávotará em quem você mandar”.

Em 5 de setembro, respondeu Salomão Ribeiro, de Poconé.É enfadonho repetir que o indicado dele é Ponce e que, se essenão aceitasse, que ele apoiaria quem o chefe indicasse. De San-tana do Parnaíba, em 1º de agosto, escreveu Carlos de Castro

dizendo que o “desejo do coração” dele é que fosse Ponce. Edisse que “aqui a votação poderá atingir uns 600 votos, mas sefor você o candidato poderá contar com muito maior votação”.

Na eleição da época, era comum quase adivinhar quantosvotos alguém teria nessa ou naquela localidade. É que se sabiaquem era quem, quem votava ou não com a liderança local. O

eleitor era fiel ao líder, fosse desse ou daquele grupo. Não ficavapulando de lado, era perigoso. Devia se acautelar dentro de umgrupo. Este o usava e o defendia ou, na expressão antiga e usadaaté hoje, “caititu fora do bando é comida de onça”.

João Batista de Almeida, de Barra do Bugres, em 23 de setem-bro do ano anterior à eleição, reprisou que o nome era o de Ponce,

mas “fora disso aceitaremos sem relutância a indicação que forfeita pelo nosso prezado chefe, cuja voz de mando desde muitoacostumamos a obedecer”. Era o líder político de uma localidademostrando sua obediência a uma liderança maior. Um Brasil dife-rente e interessante. Mas, guardada as proporções que o tempo eo momento requerem, talvez não com as mesmas palavras, tem

muita liderança hoje na política estadual e em diferentes pontosdo Brasil que usam palavras muito parecidas com as que vemosos chefes políticos dos municípios expressarem naquela época.

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Em 15 de setembro, João Mascarenhas, do sul do estado,deu a mesma resposta: o nome era Ponce. Artur de CamposBorges, de Rosário do Rio Acima, também repetiu que o nomeera o de Ponce – “não pode haver melhor candidato do quevocê” –, mas, se ele “obstinar em não querer aceitar, tomo a

liberdade de indicar os nomes do Dr. Luiz Adolpho, coronelVirgilio Corrêa, tenente Pedro Ponce e major Flávio de Matos”.Ousou indicar alguns nomes, se o Ponce não aceitasse.

Deixei dois nomes para o final: João Paes de Barros e Anto-nio Paes de Barros, ou Totó Paes. João era irmão de Totó. João,ou “Janjão”, como era conhecido, respondeu a Ponce em 8 de

outubro de 1898, dizendo que “ninguém melhor que você paradirigir o nosso estado no próximo período governamental paraacabar de vez com certas animosidades que o governo passadocriou entre os amigos, quer daqui, quer do sul e que o atuallonge está de conciliá-los”. Mas, se Ponce não aceitasse, dife-rente de outros, apresentou um nome para o governo: Doutor

João Félix, em quem, “no meu obscuro modo de pensar [...] faráum governo honesto, justiceiro e tolerante [...]”. Mas ressalvouque, se esse não fosse o entendimento do Ponce, este estarialivre para escolher o nome que quisesse.

Totó Paes respondeu em 27 de março de 1898 à carta querecebera de Ponce dois dias antes. Disse que quem tinha as

qualidades para exercer o cargo era ele. Falou que “estou certode que os outros chefes das localidades pensarão do mesmomodo, visto o nome de V. Exª. ser já bastante recomendado eque só ele representa a salvaguarda de nossos direitos”. Como oirmão, também indicou nomes. Se o Ponce não aceitasse, indi-cou Trigo de Loureiro, Pedro Celestino Corrêa da Costa e Joa-

quim Ferreira Mendes.Colocam-se trechos das respostas das cartas mandadas

pelos chefes políticos das localidades para Generoso Ponce como

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amostragem de como funcionava uma das engrenagens da polí-tica da época. As respostas impressionam pela similitude. Oschefes políticos não se reuniram, conversaram e resolveram usá-la de forma quase única. As distâncias eram enormes, as locali-dades eram isoladas, não havia quase nenhuma comunicação

entre elas. Hoje, por telefone ou até e-mail, se pode juntar asopiniões e tê-las prontas e dirigidas. Naquela época, eram porcartas e levadas pessoalmente e não por Correio ao destinatário.O telégrafo, que chegara à capital em 1891, era mais uma liga-ção com o Rio de Janeiro. Não havia telégrafo entre, por exem-plo, Rosário e Cáceres. Mesmo sem comunicação e encontros

partidários, as falas dos líderes locais foram praticamente idên-ticas na escolha do futuro candidato a governador pelo PartidoRepublicano, assunto que deu briga, tiros e desembocou na se-gunda “revolução” do período.

Generoso Ponce respondeu aos chefes políticos através deuma carta idêntica a todos. Declinou e agradeceu a (unânime)

indicação do seu nome como candidato a governador, no entan-to indicou o do engenheiro João Félix Peixoto de Azevedo, aqueleque João Paes de Barros citara antes também. Diz que o indicado“satisfará plenamente os nobres e elevados intuitos do nosso par-tido [...] quem melhor e mais seguras garantias de honestidade ejustiça possa oferecer na gerência dos negócios públicos”. Termi-

nou dizendo que a indicação dele não obrigava ninguém a acei-tá-la. Que “o amigo lembrará do nome de quem lhe parecer, coma certeza de que o candidato do nosso partido será aquele quereunir a maioria das indicações dos chefes locais”. João Félix erairmão do aliado mais próximo de Ponce, Caracíolo Peixoto, dadoque repercutiu politicamente mais tarde.

É medianamente claro que a maioria dos chefes políticosnão iria contrariar a indicação do presidente estadual do parti-do, mas alguns ousaram fazer isso, entre eles Totó Paes. Antes,

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aceitava quem o Ponce indicasse, porém mais tarde já olhava afutura indicação do partido de forma diferente.

Em carta a Pedro Celestino, no Natal de 1898, ele disse que“[...] querem colocar como primeiro magistrado do estado umhomem que, a meu ver, não está na altura de desempenhar cabal-

mente o mandato”. Alguma ameaça por parte de Pedro Celestinohouvera na carta que este mandou ao Totó Paes, pois ele disse:

agradeço-lhe o amistoso conselho exortando-me os inte-

resses a zelar e o aviso das perturbações que podem ocasi-

onar em minhas relações comerciais as idéias políticas que

mantenho, ficando-lhe assaz reconhecido pela justiça que

faz-me de nunca subordinar minhas opiniões a qualquer

classe de interesse, seja ela da ordem que for.

É uma resposta que mostra como atuou Antonio Paes napolítica. E, no caso citado, até ameaça velada houve de retalia-

ção à sua atividade econômica.Em política, atitudes assim ajudam em certas tomadas de

decisão e não ajudam em outros momentos. O recuo tático podeaté ser útil em diferentes situações. Antonio Paes não gostava muitodesses avanços e recuos na atividade que começava a adentrar.

Optou pelo nome de José Mettelo para governador e con-

cluiu sua carta a Pedro Celestino dizendo que estava “firmementeresolvido a não votar no Dr. João Felix [...]”. O interessante é queesse nome fora lembrado pelo irmão dele. Eles não falavam amesma linguagem política, apesar de morarem perto um do outrono Rio Abaixo – um na fazenda Itaicy, o outro na Conceição.

Um grupo de líderes, incluindo Manuel Murtinho, não en-

dossou o nome de Félix e colocou em seu lugar o de José MariaMetello. Apesar da maioria das lideranças seguirem a indicaçãode Ponce, a coisa se complicou. Os Murtinhos se posicionaram

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de forma diferente. Tinham apoio em Campos Sales e sabiamque um governador era a pedra de toque da política estadualpara futuras indicações e endossos para os cargos de deputadofederal e senador. Deixar tudo na mão de Ponce não estava nosplanos deles. O rompimento político entre os aliados veio logo.

Ponce se manteve no nome de Félix e os Murtinhos no deMetello, portanto. Os Murtinhos não queriam alguém que Poncecomandasse facilmente. João Félix era quase uma extensão polí-tica do irmão, o deputado Caracíolo Peixoto, amigo e sócio dePonce numa firma de exportação e importação. Este era contra aindicação de Metello e seu argumento era de que ele não tinha

apoio dos chefes políticos que consultara. Metello, ao ser consul-tado depois, aceitaou a indicação, se Ponce não fosse candidato.

Talvez possa ser dito que, se Ponce aceitasse a indicação doseu nome para o governo, os Murtinhos não iriam contra. Semsaída, fariam alguns acordos políticos antecipados e, quem sabe,não impediriam esse acerto político. Vendo que a brecha abriu

pela não aceitação de Ponce, moveram-se na direção do confron-to com ele para tentar emplacar outro nome no governo.

O confronto político Ponce versus Murtinhos começoumesmo com um famoso telegrama de Manuel Murtinho a seugenro, Benedito Cipriano de Souza, nos seguintes termos: “Ro-tas relações Ponce. Abra dissidência apresentando Metello”.

Também por um jornal da capital, em 4 de dezembro de 1898,Manuel Murtinho escreveu um artigo retirando apoio ao candi-dato João Félix. Colocava-se, portanto, contra a chefia do situa-cionismo no estado, incluindo Ponce e o governador Cesário deFigueiredo, que assumira no lugar de Antonio Corrêa da Costadepois do pitoresco caso do bonde. Manuel, que fazia a política

local mais diretamente que seu irmão, em novembro de 1898,mandou uma carta pessoal a Ponce dizendo que não ia apoiarFélix e sim Metello.

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Ponce estava agoniado com o assunto. Mais tarde, no Se-nado, em sua defesa, alegou que não podia aceitar a imposiçãodos Murtinhos. Falou que seria humilhação aceitá-la. Ou aceita-va ser candidato ou então seria o Metello. Essa colocação dásuporte à idéia levantada atrás de que, se Ponce tivesse coloca-

do seu nome à disposição da disputa, talvez os irmãos Murti-nho, mesmo a contragosto, tivessem aceitado. Como tinha ou-tra idéia ou não percebeu o buraco político que se abria à suafrente, preferiu indicar João Félix. Os Murtinhos aproveitaram ocochilo, indicaram outro nome e abriram uma dissidência den-tro do partido majoritário no estado, o Republicano.

Não é de agora, portanto, que os partidos no poder se co-mem por dentro, abrindo feridas que podem ser aproveitadas poroutras agremiações. Naquele caso, a crise dentro do partido nãodeu brecha para que outro a preenchesse, mas deu oportunidadepara que um grupo dentro dele se sobrepusesse ao outro.

Ponce respondeu à carta de Manuel. É longa, mas Ponce

Filho mostra que, em determinada altura, joga na cara do con-tendor político que foi ele quem enfrentou o campo militar paraque Manuel Murtinho voltasse ao governo. Começou então umtiroteio infernal pela imprensa estadual. Cada lado possuía seuórgão de divulgação e defesa. O Jornal do Comércio falavapelos Murtinhos. O Republicano e O Estado pelo situacionis-

mo. Um dos argumentos deste lado era de que Mato Grossoseria gerido do Rio de Janeiro, como uma antiga “feitoria”, que-rendo dizer que Joaquim Murtinho mandaria na política estadu-al sem nem estar presente.

Repetia os argumentos da época que começou a Repúbli-ca. Todos que a defendia argumentavam que, antes, o estado

não tinha autonomia, tudo era decidido e comandado pelo po-der central, no Rio de Janeiro. Que, a partir da nova ordem po-lítica, Mato Grosso ganharia autonomia e poderia conduzir sua

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vida sem precisar muito do governo federal. Não foi bem assim,mas o discurso de antes era usado por uma parte dos membrosdo Partido Republicano em defesa do indicado, João Félix, oumelhor, contra os Murtinhos.

É claro que eles estavam indo para esse confronto político

porque teriam o respaldo de Campos Sales. Joaquim seria seuprestigiado Ministro da Fazenda. Na verdade, no caso de MatoGrosso, haveria uma pequena alteração na ação da política dosgovernadores, carro-chefe da administração daquele presiden-te. Em tese, ele deveria apoiar o governador Cesário Figueiredoe o chefe do Partido Republicano, que representavam a maioria

dos interesses do partido no estado. A regra era apoiar lideran-ças locais fortes, dar-lhes todo o suporte. A força política dosMurtinhos localmente não estava ainda à altura da que tinhaPonce e seu grupo, mas em política não há regras imutáveis,variam conforme os interesses, as circunstâncias e a conjuntura.E a conjuntura era outra com Campos Sales no governo e Joa-

quim Murtinho num ministério importante dele.

Homens armados na Praça da República em 1900.Acervo do Iphan Mato Grosso.

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IV. A revolução de 1899

A eleição estava marcada para 1º de março de 1899. Os

grupos se puseram em campo. Ponce tinha mais tempo de açãopartidária e ligações com os chefes políticos. Os que estavamcom Metello procuravam mostrar que quem tinha apoio fede-ral era os Murtinhos. Incutia receio nos membros do PartidoRepublicano. Os correligionários do governador e do Poncerebatiam que isso não tinha muita importância, ou, como no

dizer de uma carta de Ponce de 12 de fevereiro para o chefepolítico de Rosário do Rio Acima, Artur Borges, que tinhamque ganhar a eleição. Se ganhassem, “não haveria jamais ame-aça de intervenção. Nós somos os defensores da autonomiado estado e não precisamos do bafejo do governo federal paravivermos”.

Foi um pouco de bravata para animar o correligionário.Um estado como Mato Grosso, pela necessidade de recurso fi-nanceiro e pela força militar aqui estacionada, não podia viversem as graças do governo no Rio de Janeiro. Para mostrar força,Metello e os Murtinhos conseguiram, com o governo federal, ademissão de Ponce da Guarda Nacional. Foi uma demonstração

de prestigio junto a Campos Sales, que não escondia mais deque lado estava na disputa local.

Mesmo com tudo isso, ganhou a eleição para governador o

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grupo do Ponce. O lado perdedor ou os dissidentes, como seintitulavam, gritaram que houve fraude. Ninguém pode afirmarse houve ou não. Naquele tempo, coisas esquisitas aconteciamem muitas eleições. Os dissidentes não possuíam também mai-oria na Assembléia Legislativa para tentar uma anulação do pleito.

Contavam somente com sete deputados. Tudo fizeram para co-optar gente do legislativo estadual: dinheiro da Mate Laranjeira,pressão do Rio de Janeiro, promessas de cargos e funções. Mes-mo assim, não conseguiram ganhar. Não é que fossem ruins nojogo eleitoral. É que o outro lado estava há mais tempo nessecampo. Contava com o apoio dos chefes políticos regionais e

ainda com o governador em exercício. Ganhar uma eleição comuma dissidência quase de última hora, mesmo com o prestígiode Joaquim Murtinho, era uma tarefa difícil.

Perdida a eleição, a saída era o confronto armado. Cami-nhou-se para a segunda “revolução” do período. Começou amovimentação dos dissidentes para se armarem. Entregaram o

comando da “Legião Campos Sales” a Antonio Paes de Barrosou Totó Paes. Até pelos nomes, percebe-se a tentativa local dese fazer observado com bons olhos pelos dirigentes federais.Antes fora Floriano Peixoto, depois a nova força paramilitar le-vou o nome do presidente do momento.

Totó Paes se movimentou pelas usinas do Rio Abaixo e foi

aumentando o número de participantes em sua milícia. Tam-bém apareceu apoio de Cáceres, Livramento e Poconé. O gover-nador do estado alertou Campos Sales em seguidos telegramas,em abril de 1899, para a borrasca que se avizinhava. Afirmouque os dissidentes estavam na ilegalidade, pois queriam anularuma eleição que, para ele, tinha sido normal e legal.

Um telegrama de 8 de abril, de Campos Sales ao governa-dor, merece citação cheia. Mostra claramente de que lado secolocava aquele presidente. Dizia que

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de acordo meus telegramas, asseguro a V. Exª. que o gover-

no da União tem dado providências para agir a bem da or-

dem e garantia do exercício dos poderes quando julgar opor-

tuno. Não podendo, porém, entregar aos poderes estaduais

a direção das forças federais nem o seu armamento.

Este final praticamente selava a sorte dos que estavam con-tra os Murtinhos. No geral, as lutas tinham que ter suporte emarmas e munições da guarnição federal. Na hora que o presi-dente negou isso ao governador, mandou o recado que o ladodo Ponce não queria ouvir.

No dia 10 de abril, a Assembléia Legislativa deveria referendara eleição de 1º de março. As tropas de Totó Paes já estavam nacidade. Ponce era senador e presidente da Assembléia. O confron-to entre os dois começou de verdade. O grupo do governador e doPonce não havia sido previdente. Não se armou. Acreditava na vi-tória eleitoral e que, a partir dali, as coisas se acalmariam ou que o

governo federal acataria a decisão e daria apoio a quem ganhasse.Essa, em teoria, era a regra da política dos governadores.

Diante de uma situação complicada, o governador AntonioCesário e Generoso Ponce tinham mandado, assinado em con-junto, um telegrama para Joaquim Murtinho em 4 de abril de1899. Apelaram para o patriotismo dele e para que não houves-

se derramamento de sangue. Em um trecho, de forma dramáti-ca, dizem que “dizei pois o que quereis, faremos o que quiser-des porque estamos certos de que não exigireis indignidades devossos amigos e patrícios leais e sinceros”. Estavam acuados emostravam isso. Seus adversários não podiam deixar de perce-ber a situação. Não iam recuar no intento da tomada do poder.

A resposta de Joaquim Murtinho, publica Ponce Filho, é durae até mesmo impositiva: “recebi vosso telegrama pedindo minhaintervenção amistosa a fim de evitar luta armada em nosso esta-

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do. Sendo acusadas de fraudulentas eleições de 1º de março, jul-go que a solução é a anulação das referidas eleições. Penso queesse é o primeiro passo para uma solução satisfatória mais tarde”.É um ultimato político. Ou anulavam a eleição ou as forças lide-radas por Totó Paes seriam movimentadas. E, para piorar para os

situacionistas, a ajuda do Rio de Janeiro estava bloqueada justa-mente pelo prestígio de quem mandara o telegrama.

Depois da resposta de Joaquim Murtinho, Generoso Poncee Antonio Cesário tentaram ainda uma última cartada. Num lon-go telegrama de 7 de abril, disseram, a certa altura:

para provar-vos, porém, o que vos dissemos, isto é, que não

temos ambição de mando, vos garantimos a renúncia do Sr.

João Félix e dos seus substitutos legais, depois de legalmen-

te reconhecidos pela Assembléia, a fim de proceder-se a nova

eleição, da qual se absterá o Partido Republicano.

Um gesto de capitulação.Talvez possa ser conjeturado que o lado dos Murtinhos não

aceitou o que propunha o telegrama, porque dizia “depois delegalmente reconhecidos pela Assembléia”. Ponce era ainda se-nador e, se João Félix tivesse sido eleito e reconhecido comogovernador, quem sabe poderia levantar argumentos jurídicos

mais tarde e tentar alguma ação legal que desse guarida à elei-ção de 1º de março de 1899. Frente à situação de fraqueza emque se encontrava o situacionismo, os Murtinhos e Totó Paesapertaram ainda mais o cerco e a pressão política.

Para piorar a situação para o lado do governo local, os mi-licianos de Totó Paes interromperam o telégrafo. O governador

Antonio Cesário, em carta ao comandante militar, dizia que alinha telegráfica não podia ser ligada por “não permitirem asforças revoltosas, fazendo incessante fogo até nos próprios em-

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pregados daquela repartição que vão restabelecê-la no postointerrompido”. Também o comando militar federal poderia ar-rumar a linha interrompida. Não o fez, no entanto. Nada de maismensagens para o Rio de Janeiro. Livrava o presidente do cercoe dos pedidos de ações em defesa da ordem pública. A situação

piorou ainda mais para o situacionismo estadual.Não podendo se comunicar com o Rio, o governador ape-

lou para o general João Pedro Câmara, comandante militar noestado, pedindo armas e munições para manter a ordem. O ge-neral respondeu que suas ordens eram para que as forças fede-rais mantivessem estrita neutralidade na desavença política que

caminhava para ser militar também. João Câmara, ao dizer quetinha ordem de se manter neutro, mostrava também de que ladodecidira ficar Campos Sales.

Em 10 de abril, a Assembléia Legislativa, como era previsto,reúniu-se para referendar a eleição de 1º de março. Generoso Ponceera o presidente. A Assembléia era composta de 24 deputados,

como é hoje. Desses, 14 eram fiéis a Ponce. Numa situação nor-mal, o que fora conseguido naquela eleição seria confirmado e onovo governador tomaria posse em 15 de agosto daquele ano.

Totó Paes já estava dentro de Cuiabá com sua legião “Cam-pos Sales”. Fala-se que comandava cerca de três mil homens.Os números nunca puderam ser comprovados. Nem nessa “re-

volução”, nem nas outras. São números repetidos em livros,cartas da época, pronunciamentos e discursos em parlamentos,mas não se encontra uma prova mais robusta que mostre clara-mente a veracidade dos números apresentados sobre os milici-anos que combateram em situações diferentes. Se até as estatís-ticas sobre a quantidade de habitantes de Cuiabá são conflitan-

tes, imagine saber com exatidão o número de pessoas recruta-das para os diferentes embates que ocorreram em Mato Grossonaquele período.

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Totó Paes estava, naquele momento especial da política doestado, a favor dos Murtinhos e contra Generoso Ponce. Nuncafora íntimo de nenhum deles. Tinha aproximação política, masnão se sabe de atos que mostrassem que ele era liderado porqualquer desses dois lados. Era um forte usineiro.

Sua usina, Itaicy, era a mais apetrechada do estado. Conse-guira empréstimos para importar máquinas da Alemanha parafazê-la a melhor e mais produtiva usina de açúcar de Mato Gros-so. Esse empréstimo, em 1897, ano de inauguração da usina, foitransferido da firma alemã Otto Frank para o controle da Almeida& Cia. O valor total do empréstimo, segundo Lauro Souza Portela,

foi de 450 contos de réis, com juros de 9% ao ano. Na interpreta-ção de Zephyr Frank, a montagem total da usina ficou entre trêsou quatro milhões de dólares no câmbio de 1997, quando escre-veu um artigo sobre o assunto.

A usina contava com cerca de 100 trabalhadores e foramconstruídas casas para muitos deles. Possuía internamente al-

guns quilômetros de trilhos com caçambas puxadas por ani-mais para transportar canas para a moenda. Cunhava moedaprópria e teve ali luz elétrica primeiro que Cuiabá. Totó Paes erafilho de rico fazendeiro, também às margem do rio Cuiabá. Lu-gar que, por causa da hidrovia que leva a região ao Prata e aoRio de Janeiro, era a preferida para se plantar cana e produzir

açúcar ou criar gado. Todos os seus irmãos possuíam tambémextensas porções de terras no mesmo Rio Abaixo.

Totó Paes, até aquele momento, mantivera um perfil baixona política. Fanaia escreve que ele

não havia exercido nenhum cargo executivo na esfera mu-

nicipal, estadual ou federal, não fora eleito para a Câmara

municipal de sua cidade ou ao parlamento federal e, antes

de ser governador, assumiu apenas um mandato na As-

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sembléia Legislativa (1900-1902). O percurso do seu capi-

tal, com base em seu volumoso capital financeiro, foi cons-

truído da usina Itaicy de sua propriedade para o palácio do

governo praticamente sem escala.

Sabia o que estava acontecendo, manifestava-se às vezes,mas nada que fosse além de certos limites. Não era, como Pon-ce, Murtinho, Metello ou Azeredo, um militante da política.

Ele tinha que se manter antenado com os fatos políticosaté mesmo para gerir seu negócio. É que a política da época, outalvez de qualquer época em Mato Grosso, poderia interferir nos

assuntos econômicos. Mas, àquela altura, resolvera se meter nascoisas políticas do estado. Não está claro porque fizera isso, seaté aquele momento não mostrara essa vontade. A sua usinaestava no auge da produção, ele dedicara muito tempo na buscade recursos e também para montá-la. Resolveu dar uma guinadae entrar na política. Segundo Zephyr Frank, o preço do açúcar

não andava bom desde algum tempo e ele estava com certa di-ficuldade para cumprir seus compromissos financeiros. Deci-diu dedicar mais tempo à política no momento em que sua usi-na precisava ainda de sua atenção. Isso é ainda uma incógnita.

Totó Paes era, naquele abril de 1899, o dono da situação emMato Grosso. Em 9 de abril, já dentro da capital com sua força

militar, mandou uma carta ao presidente da Assembléia Legislati-va, Generoso Ponce, em que, entre outras considerações, dizia:

a divisão patriótica sob meu comando a fim de assegurar,

no meio desta atmosfera de ameaça, a independência dos

representantes do povo sobre cujo ânimo talvez se tenha

pretendido atuar por tal forma para alcançar a aprovação

de uma série de atas de eleições simuladas em prejuízo da

justiça e da verdade do regime republicano. Contando com

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o apoio patriótico que lhe é oferecido poderá a Assem-

bléia, no exercício de uma de suas mais elevadas atribui-

ções, obrar mais livremente anulando ou aprovando como

entender em sua sabedoria as eleições que serão apuradas

sem que os seus dignos membros tenham a recear qual-

quer conseqüência de votos que derem no desempenho da

delicada missão a eles conferidas pela lei.

É um documento que mostra que Totó Paes não era umbronco com a linguagem e os trejeitos da política. Falava emdefesa dos direitos dos deputados de votar o que a lei mandava.

Não os intimava ou intimidava diretamente, mas, nas entreli-nhas, como gostam de se movimentar muitos que militam napolítica, mandava o recado que queria. Era, no fundo, uma inti-mação e também uma forma de intimidação.

No dia 10 de abril, Ponce respondeu ao ofício do Totó Paes.Historiou um pouco os fatos, mostrou que a Assembléia se en-

contrava sitiada e sem poder exercer suas funções. Disse, numtrecho, que a Assembléia não podia “de modo algum aceitar oapoio de uma força ilegalmente constituída, que atenta à ordempública e sob o comando de um interessado no julgamento daeleição a que alude no vosso ofício”. Recusou os termos do co-municado de Totó Paes em que informava que as forças milita-

res ali estavam para proteger os trabalhos da Assembléia. Estavaclaro que não, mas a linguagem dos contendores é que era inte-ressante. No livro de Ponce Filho, onde estão esses documentosna íntegra, ele interpõe a cada carta, ofício ou pronunciamentodo pai o seu ponto de vista favorável à atuação dele.

Ponce e Totó Paes eram, naquele específico momento, os

dois mais fortes adversários no estado. Grandes nomes da po-lítica estadual estavam no Rio de Janeiro. Quem praticamentemandava no estado, desde a “revolução” de 1892, era Ponce.

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Impusera-se mais por causa de sua atividade militar naqueleconflito. Cresceu seu nome em cima disso. Dali a pouco, en-controu um outro personagem, Totó Paes, que usava os mes-mos métodos que ele usara e que se dava bem também noconfronto armado. Dá para especular que Ponce não acredita-

va que, no estado, poderia surgir um personagem que o pu-desse confrontar nessa área. Sentia-se forte e confortável atémesmo para enfrentar pessoas do porte dos Murtinhos. Suaimagem e ação anteriores o credenciavam a essa atuação. Mes-mo que os grandes nomes da política estadual que estavam noRio de Janeiro quisessem enfrentá-lo, teria dificuldades pela

falta de experiência em arrumar homens para um enfrentamentoaté armado, se necessário.

Ele, Ponce, era ainda o presidente do Partido Republicano,senador e presidente da Assembléia Legislativa. Essas credenci-ais, mais a mística de ter condições de arregimentar força mili-tar, faziam-no o principal ator da política no estado. Encontrou-

se então diante de um outro personagem, Totó Paes, que desafi-ava essa posição. E que, ainda por cima, contava com apoio noRio de gente que estava ligada ao presidente da República, oque implicava aceitar que, no estado, a força militar federal es-taria ao lado do seu agora formidável adversário.

Cercado política e militarmente como estava, Ponce, junto

com Antonio Cesário e sua maioria na Assembléia, tentaram umaúltima saída. Como o telégrafo estava interrompido na direçãodo Rio de Janeiro, mandaram, através do governador de Goiás,uma mensagem para Campos Sales. Foi uma manobra hábil,mas que não deu certo. Pediram, no dia 10 de abril, depois daintimação de Totó Paes, intervenção federal no estado de Mato

Grosso baseado na Constituição, que dizia que isso era possível“para restabelecer a ordem e a tranqüilidade dos estados, à re-quisição dos respectivos governos”. Pedir a intervenção seria

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abdicar do poder e até mesmo do resultado da eleição de 1º demarço. Era uma jogada quase de desespero.

Campos Sales respondeu, em telegrama do dia 16 de abril(talvez através do governo de Goiás também, pois o telégrafoestava interrompido). Iniciou com uma bronca, dizendo que ti-

nha recebido o pedido, mas que os que pediam não deviam seesquecer de que não é “[...] a vós que pertence verificar a opor-tunidade da execução das prerrogativas presidenciais”. E queele adotaria medidas “quando e como me parecer oportuno”. Orecado não podia ser mais direto a favor dos Murtinhos.

O pedido de intervenção, hábil frente à situação dramática

dos governistas, era uma capitulação política. Antes, em tele-gramas e pronunciamentos contra a atitude dos Murtinhos emnão aceitar a indicação de João Félix para o governo e sim o deMetello, Ponce havia dito que havia gente querendo mandar noestado morando no Rio de Janeiro. Que o estado não voltaria àépoca das “feitorias” em que as ordens vinham de lá. O pedido

de intervenção ia em direção contrária a essas falas, mas a situ-ação era tão dramática que a saída poderia ser considerada umainteressante manobra política. Se desse certo, haveria alguémno governo que pressupostamente seria neutro na luta entre osgrupos e, numa hipotética situação dessas, as forças situacio-nistas poderiam se arregimentar política e até mesmo militar-

mente, pois não haviam sido previdentes nesse campo e agoraamargavam um cerco contra o qual não podiam fazer nada.

Além de pedirem a intervenção do presidente da Repúbli-ca, pediram-na também ao comandante militar no estado, emofício do mesmo dia 10 de abril de 1899. Usaram quase as mes-mas palavras do pedido feito a Campos Sales. O comando mili-

tar respondeu no mesmo dia 10. Não havia tempo para protelarnada. As forças estavam postas em campo e não se podia deixarpara responder depois a solicitações tão dramáticas.

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Disse o comando que “só depois de receber do governocentral a necessária ordem poderei satisfazer a vossa requisi-ção”. E anexou ainda os termos de um comunicado que man-dou para o Rio mostrando a situação atual e o pedido que ogoverno e a Assembléia faziam àquele comando. É claro que

era uma manobra protelatória. Campos Sales já havia tomadoposição e não era a dos governistas.

O comando militar, se quisesse, poderia tomar medidas afavor da ordem pública. Essa era uma das missões das forçasmilitares federais que constava na nova Constituição. Se haviabandos armados dentro de Cuiabá, se dois dos poderes se de-

claravam ameaçados e pediam a intervenção de força federalpara contornar a situação, é de se crer que, se houvesse vontadedo comando militar, ele poderia intervir no assunto e estabele-cer a ordem pública. Não o fez, no entanto.

Não havia concordância do Rio de Janeiro a uma ação des-sas. Era a política pura, certa ou errada, do Brasil da época.

Aliás, a política de qualquer época, na maioria das vezes, tendepara o lado que o interesse do momento determinar. Não háregra fixa e imutável nesse campo de atuação humana.

De 9 de abril até o dia 16 do mesmo mês, Cuiabá se transfor-mou numa praça de guerra. O lado que levou vantagem foi o deTotó Paes e seus novos amigos políticos. O outro estava acuado,

amargando uma pressão militar e sem condições de ter apoiointerno e nem de fora. Um personagem entrou então no jogo.

Pedro Celestino Corrêa da Costa era vereador e presidenteda Câmara. Era farmacêutico formado em faculdade. Vendia me-dicamentos, também misturava certas ervas para ajudar a mino-rar situações de doenças. Era ouvido nessa atividade. Sua botica

ficava no centro da cidade, um lugar de encontros para conver-sas políticas. Foi nesse ambiente que cresceu seu prestígio, porser ponderado. Era amigo de Ponce e republicano. Sua inter-

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venção no conflito, apesar de dizer que o fazia por dever patri-ótico para impedir derramamento de sangue, pode também serlida de outra forma. É que seus amigos e correligionários en-contravam-se em situação desesperadora e, nesse momento,nada melhor do que buscar uma solução negociada e que não

implicasse em derrota amarga e constrangedora. Pedro Celesti-no, outro Corrêa da Costa, foi posteriormente governador deMato Grosso e teve carreira política também no Senado.

Ele mandou um ofício a Totó Paes em 14 de abril de 1899em que, entre outras considerações, apelou para

o vosso patriotismo e para o dos vossos companheiros, a

fim de se estabelecer um acordo entre as partes litigantes

de modo a não ofender a honra de nenhum dos partidos

porque ambos a prezam igualmente.

No mesmo dia 14, ele comunicou por escrito a Ponce o que

estava tentando fazer e anexou uma cópia da carta que mandou aoTotó. Era arguto, sabia do clima de desconfiança que existia entrepessoas e lados. Para mostrar a Generoso que sua intermediaçãonão tinha nada a esconder, juntou a carta que enviara ao coman-dante da força “Campos Sales”. Não queria intrigas, portanto.

Totó Paes respondeu-lhe no mesmo dia. Falou sobre os

fatos, na oferta que fez para garantir os trabalhos da Assembléiae numa proposta de acordo que mandara para Generoso Ponce.E que lamentava dizer que, “quando esperávamos qualquer so-lução sobre ele (a oferta de acordo) ao entrarmos nesta capitalforam os meus amigos surpreendidos por grande quantidade debalas que surgiam de alguns pontos da cidade”. Jogou a culpa

pelo impasse no outro grupo.Em 14 de abril, um dia dramático na política estadual, Gene-

roso Ponce respondeu a Pedro Celestino em longo ofício. Confir-

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mou que recebeu, através do comandante militar Paula Castro, aintimação do dia 9 de abril. Mas aquilo, segundo ele, não era umacordo de verdade, pois que não encontravam os devidos apoiosna Constituição estadual e na lei eleitoral. É que o grupo de TotóPaes pedia a anulação total da eleição e a entrega temporária do

governo a uma junta governativa para se processar nova eleição.Um fato que, se ocorresse, daria vantagem ao seu grupo e poderi-am ganhar legalmente a eleição que queriam anular agora.

Generoso Ponce disse em seu ofício que comunicara a Jo-aquim Murtinho que aceitava a renúncia de João Felix depois deele ter sido reconhecido como governador. Era firula política, a

proposta tinha nuances de defesa futura de sua legalidade. Olado dos Murtinhos devia achar que o outro grupo queria isso. Arenúncia, depois de reconhecido legalmente o candidato, eradiferente do pedido de anulação total da eleição. Um grupo nãocedia ao outro, mas um deles, no momento, se posicionavamelhor. Ponce aceitava conferenciar com Totó Paes onde este

quisesse e a que horas fosse. Se ele não quisesse o encontro, eleautorizava o Pedro Celestino a falar em seu nome.

Totó Paes, em 15 de abril, mandou uma carta a Pedro Ce-lestino abrindo conferência com ele e não com Ponce, o que foium desprestígio. Era o líder principal de seu grupo político, se-nador, presidente da Assembléia e seus adversários não o acei-

tavam em conferência e sim o presidente da Câmara de verea-dores da capital. São fatos que talvez tenham marcado o Ponce,que sempre falava em suas correspondências sobre honra, dig-nidade, não ser constrangido, patriotismo, desprendimento, sa-crifício e outros termos que deixam a impressão de que prezavamesmo esse tipo de coisa, ou seja, considerava-se um chefe

político de prestígio e sabia que não podia abrir mão disso.Ele prezava a posição que gozava na política estadual. E

agora via um suposto dominado seu, Totó Paes, senhor da situ-

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ação e um outro, talvez mais subordinado ainda, Pedro Celesti-no, assumir a conversa para um acordo em que quem tinha maisa perder era ele. Fatos como esses o devem ter marcado. E quemsabe pode-se conjeturar que coisas assim o levaram à ação eluta de 1906, em que morreu seu principal contendor no estado.

Naquela altura da disputa, entrou também na arena o co-mando militar da capital. Queria impedir mortes. A situação jáestava praticamente resolvida a favor da oposição, como queriao Rio de Janeiro, e nada mais conveniente e oportuno entrar eajudar a contemporizar a situação. O comando militar chegou adizer que não permitiria a deposição do governo atual. Conver-

sa agradável aos ouvidos dos governistas, mas que, de acordocom o momento, nada poderia ser garantido. Um lado ganhou,o outro não.

Veio o acordo escrito. Apesar dos intermediários, foi esta-belecido entre Generoso Ponce e Antonio Paes de Barros, osdois maiores adversários da política estadual a partir de então.

Depois de historiar os fatos, como era regra nos ofícios e tele-gramas da época, estabeleceram os termos do entendimento.

1. A Assembléia Legislativa reunir-se-á já para aceitar a

renúncia do seu presidente, eleger o novo indicado pela

dissidência e que assumirá o governo do estado e de-

creta a nulidade da eleição de 1 de março findo. 2. A

Assembléia adiará a sua sessão para o dia primeiro de

maio vindouro. 3. Ficam garantidos a vida, a proprieda-

de e os direitos de todos os republicanos e dissidentes.

4. Serão indenizadas pelos cofres públicos todas as des-

pesas motivadas pelo atual movimento armado. 5. O co-

mandante do Distrito assinará com os chefes das forças

litigantes este acordo e garantirá a ordem pública e o

cumprimento do mesmo acordo.

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Era 16 de abril de 1899, os dois adversários assinaram oacordo. Chamam atenção alguns dados. Um deles é a garantiade vida e propriedade dos envolvidos. Isso não veio no final darefrega de 1906, em que Totó Paes perdeu a vida. A situação eraoutra, como se mostrará à frente. O outro é a indenização pelos

cofres públicos das despesas com ação militar. Quem mais ga-nharia com isso seriam os dissidentes. Estes é que haviam feitomobilização militar e tiveram gastos. O outro também teve gas-tos, mas em menor escala E, mais importante, quem ia para ogoverno seria o lado ganhador do confronto e este não iria inde-nizar quem perdeu e sim o grupo vitorioso.

A Assembléia Legislativa, em ata de 17 de abril de 1899,ratificou os termos do acordo feito. É longa a ata. Historiou ou-tra vez os acontecimentos e concluiu:

1. Que sejam anuladas as eleições procedidas em todo o

estado no dia 1º de março do corrente ano para presidente

e vice-presidente para o quadriênio que tem que iniciar-se

a 15 de agosto próximo vindouro. 2. Que o governo do

estado marque o dia em que se deve proceder a nova elei-

ção de modo que a apuração possa ter lugar antes de findo

vigente período constitucional.

Quem fazia a apuração formal e ritualística da votaçãoera a Assembléia. Todo mundo sabia que João Félix havia ga-nhado a eleição, mas não estava oficializado ainda, pois de-pendia dessa “apuração” da Assembléia. Vê-se então a forçade se ter maioria naquela casa. O grupo que a tivesse tinhaenorme poder nos meandros de uma apuração. Se aconteciam

na política nacional fatos estranhos e anômalos na feitura dasatas até pouco tempo, é de se supor que, lá atrás, a coisa pode-ria ser pior ainda.

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A Assembléia, mesmo concordando em capitular e acei-tando a derrota, fez a apuração oficial dos votos da eleição de1º de março e colocou o resultado na ata. Registrava o fato,portanto. O registro mostra aspectos interessantes. João Félixteve 5.647 votos e José Metello ficou com 959 somente. A dife-

rença, se real, era acachapante. Para vices-governadores, Pe-dro Celestino teve 5.650 votos e Antonio Paes de Barros min-guados 950. Francisco Ferreira Mendes recebeu 5.630 e o opo-sitor, Pedro Alves da Cunha, 879; Pedro Ponce alcançou 5.595e Sebastião Ramos 900. Os votos dados a um lado e outro fo-ram quase iguais. Ninguém pode afirmar que fora uma eleição

carimbada ou acertada para os republicanos ganhar nem quefosse na caneta, mas também não se pode afirmar que o resul-tado não fosse aquele ou perto daquele. Os dissidentes nãoaceitaram o resultado, montado ou não, e anularam a eleiçãoque lhe fora desfavorável.

O curioso – e fato já esperado – é que, terminado tudo, o

telégrafo voltou a funcionar imediatamente. E logo também ogeneral Câmara oficiou o governo do estado, Antonio Cesário,que recebera ordens da capital federal para manter a ordem noestado. Houve rumor de que o governador queria aumentar aforça policial estadual e o general dizia que estava a postos paracoibir abusos e manter a ordem. A situação estava resolvida para

os Murtinhos com o apoio do presidente Campos Sales e a guar-nição militar se dizia disposta a fazer o que não fizera antes.

Mas, mesmo com a vitória do adversário, o grupo derrota-do ainda se manteve ativo. Era hora de escolher os nomes parao governo e os vários vices para a nova eleição. Antonio Cesáriomandou um telegrama a Joaquim Murtinho com indicações de

nomes. Ele respondeu indicando Antonio Pedro Alves de Barrospara governador e João Nunes para primeiro vice. Os outrosdois vices ele deixou para o diretório local decidir.

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O interessante é que a conversa sobre o fato político maisimportante, depois da ação militar, se fazia com Joaquim Murti-nho. Não era com Totó Paes ou Manuel Murtinho ou Metello,que fora candidato ao governo pelos dissidentes. Tratava-se oassunto com o líder maior do grupo que era o Ministro da Fa-

zenda, Joaquim Murtinho. Mas os vencidos no embate anteriornão se entregaram facilmente ao que queriam os vencedores.

Responderam que aceitavam Alves de Barros, mas queriamo primeiro e o terceiro vices. O grupo ganhador não aceitou aproposta. Não queria entregar o primeiro vice. Era até compre-ensível. Se aceitassem, se houvesse um problema de saúde ou

coisa parecida com o governador escolhido, tudo que haviamconseguido com enorme e até ilegais esforços não valeria nada.Os lados estremeceram outra vez.

Antonio Azeredo levou o assunto para Campos Salesno Rio de Janeiro. Aceitaram Barros, mas queriam indicaraqueles vices. O presidente disse, mais tarde, que só aceita-

ria se o governo ficasse com Alves de Barros e o primeirovice com o indicado por Joaquim Murtinho. O jogo estavafeito. Não tinham mais para quem apelar. Tinham que en-tregar o poder a um novo grupo no estado. Os Murtinhosganharam. Ganhou também Totó Paes, que não era atorconstante e atuante da política estadual. Como ganhara pres-

tígio como comandante de uma milícia, credenciou-se parao jogo político. Chegou até ao governo. Foi, naquele mo-mento, correligionário de Joaquim Murtinho e José Metelloe adversário de Generoso Ponce.

Ainda havia rumores diferentes no estado. Falava-se emrebelião do grupo derrotado, que podia recrutar forças. Temi-

am-se novos levantes. O comandante do distrito militar disseque estaria atento aos assuntos. Era um recado indireto de quepoderia intervir se a ordem fosse quebrada.

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Comenta-se que a vida de Ponce corria perigo. Os Murti-nhos, hábeis na política, achavam que ele valia “muito mais ago-ra do que quando governo”, num telegrama de Manuel Murtinhode 25 de julho de 1899 para seu genro. Não o queria morto; seacontecesse, temia que a repercussão fosse pior e isso não seria

interessante para quem acabara de ganhar tudo o que pleiteou.Os dissidentes ganharam o poder no estado. O apoio osten-

sivo do governo federal, apesar das palavras legalistas, foi funda-mental nessa empreitada. O distrito militar poderia intervir e manterno poder, se quisesse, quem já o detinha. Poderia ainda fazervaler a eleição de 1º de março de 1899, que escolheu João Félix

para o governo. E poderia até se contrapor à força militar estaduallevantada por Totó Paes. Nada fez, porque o Rio de Janeiro pedianeutralidade nos fatos políticos que estavam acontecendo.

Percebe-se que a política dos governadores, criada por Cam-pos Sales, não era de atuação única no território nacional. Em tese,ele deveria dar suporte àqueles que tinham o comando do estado,

no caso Antonio Cesário, Generoso Ponce e o Partido Republica-no. Contrariando a regra, não o fez. Queria que o poder local pas-sasse para um correligionário mais importante para ele que eraJoaquim Murtinho. Mesmo com a força política que tinha na capitalfederal, talvez ele não tivesse ganhado o poder localmente se nãofosse o decidido apoio do presidente. Não morava em Mato Grosso

fazia muitos anos. Seu irmão, Manuel, é que militara politicamente.Mas fora indicado membro do Supremo Tribunal Federal e se afas-tara das lides políticas cotidianas. A labuta diária da política, o en-tendimento com os chefes políticos regionais e os favores que ogoverno do estado fazia a eles era uma tarefa que vinha sendo tri-lhada por Ponce e seus amigos na política.

Também não teriam tido êxito os Murtinhos se não contas-sem com o decidido apoio de Totó Paes. Este, em pouco tempo,arregimentou a força militar necessária para complementar o

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trabalho político. O resultado do embate talvez fosse outro se osMurtinhos não contassem com um grupo armado contra as pre-tensões daqueles que dominavam a política do estado desde1892. A roda girou, novos atores e personagens preencheram osespaços políticos esvaziados praticamente na marra.

Em 26 de junho de 1899, Generoso Ponce mandou uma longacorrespondência a membros do Partido Republicano propondoabstenção na próxima eleição para governador, aquela que ungiriaos escolhidos pelos vencedores e que iria substituir os eleitos naeleição anulada de 1º de março e que gerou toda a confusão políti-ca e militar. Na correspondência, Ponce historiou todos os aconte-

cimentos políticos, desde maio de 1892. Atacou com palavras du-ras os irmãos Murtinho. Atacou, também, Campos Sales dizendoque este cruzara os braços aos pedidos e clamores dirigidos a ele eque, por isso, até a Constituição não havia sido respeitada. Pediuque os correligionários dele não participassem da eleição “marca-da para 30 do corrente e recentemente adiada para 20 de julho

próximo futuro e espero que me acompanhem nesse propósito,deixando livre o campo aos protegidos do governo federal”.

Acusou ainda que seus amigos estavam sendo amedronta-dos, que pessoas do grupo ganhador andavam armadas pelacidade e estradas e que a violência era comum em quase todolugar. E daí defendeu

que a abstenção das urnas em tal caso é o passo mais se-

guro que pode dar o nosso partido, é mais que uma vitória,

é uma inspiração de prudência [...] me julgo no dever de

aconselhar e de pedir aos meus amigos que abandonem o

pleito eleitoral de 20 de julho.

Ele dizia na correspondência ser contra abstenção, mas jáo fizera antes, em 14 de setembro de 1890, quando fez um mani-

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festo público pedindo abstenção de votar. Naquele momento,sua disputa era com Antonio Maria Coelho, primeiro governa-dor do estado no período republicano.

Ao propor nova abstenção, num outro quadro político, éporque o antigo pedido tinha-lhe rendido frutos ou aprendiza-

do. A decisão jurídica do então Ministro da Justiça, Campos Sa-les, fora favorável ao grupo do Ponce quando, no parecer, diziaque Antonio Maria ganhara a eleição daquele momento porqueamedrontara os eleitores e que por isso houve grande absten-ção. É verdade que havia ameaças por parte dos correligionári-os do governador Antonio Maria, mas não se pode negar que

surtiu efeito a abstenção solicitada por Generoso Ponce. Commenos gente votando, deu brecha para a decisão jurídica favo-rável à oposição daquele entrevero político e contra a vontadedo grupo do governador da época.

Ao propor nova abstenção, Ponce e seus correligioná-rios não legitimariam o poder ganho pelo adversário e isso,

quem sabe, poderia ser usado como arma política. Frente auma nova situação, isso poderia ser útil ao grupo em emba-tes políticos ou jurídicos futuros. Mas dessa vez, diferentedo que ocorreu no passado, não deu certo.

O imbróglio político no estado continuava, mesmo depoisde acordos entre os contendores. O governador Antonio Cesá-

rio mandou uma carta ao general Câmara, em quatro de julhode 1899, em que dizia que o governo

está tolhido para organizar elementos de reação contra o

estado de anarquia e tendo o governo da República negado

a este governo garantias constitucionais [...] tenho resolvi-

do abandonar o governo do estado, depondo-o nas mãos

do mesmo presidente da República [...].

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Ele assim fazia porque os seus substitutos não estavam nacapital (ou se escondiam para não assumirem numa situaçãocrítica para o grupo do governo). Nessa linha sucessória apare-ceu até o presidente da Câmara de Cuiabá, Pedro Celestino, quetambém recusou assumir. Uma confusão danada.

Campos Sales não se mostrou preocupado com a renúnciado governador e mandou uma correspondência ao general Câ-mara explicando que, juridicamente, deveria assumir o cargo, “se-gundo a ordem de votação”, entre os membros da Câmara Muni-cipal da capital, até encontrar quem assumisse o governo. A dissi-dência não tinha muitos eleitos no estado. Na Câmara tinha um,

Antonio Leite de Figueiredo, que telegrafou em 6 de julho ao pre-sidente dizendo que assumira o governo do estado e já aproveita-va para pedir armas e munições ao governo federal.

Como era de se esperar, a Câmara municipal, com maioriaesmagadora do Partido Republicano, repudiou a ascensão aocargo do vereador da dissidência. Os fatos sugerem que este

grupo, ao não aceitar que ninguém assumisse o governo, queriacriar uma situação de fato e de acefalia no comando do estado,passar a culpa para Campos Sales e dar divulgação disso nacapital federal. Se verdade, o intuído foi furado pela aceitaçãode Antonio de Figueiredo.

Realizou-se a eleição prevista para 20 de julho e foi esco-

lhido, de forma definitiva, Antonio Alves de Barros, maranhenseda Marinha que ficou morando em Cuiabá. Seu irmão, José Al-ves de Barros, era chefe da Casa Militar do presidente CamposSales. Não havia como a oposição ganhar aquela disputa. To-mou posse em 15 de agosto e governou por quatro anos.

O coronel Barros era compadre duas vezes de Generoso

Ponce, batizara-lhe duas de suas filhas. É o compadrio tão co-mum na história política nacional. Mas Alves de Barros se ligoumesmo é aos Murtinhos. Estes e Totó Paes passaram a mandar

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na política do estado. Mas a roda dos acontecimentos conti-nuou a girar.

Antes de caminhar para novos fatos históricos, talvez fosseinteressante fazer um resumo daquele trepidante momento po-lítico, ou o que aconteceu desde 1889 somente em termos de

datas, nomes e principais acontecimentos.Em 9 de dezembro de 1889, assumiu o governo do estado o

general Antonio Maria Coelho. Houve a eleição para uma Assem-bléia Constituinte, em 3 de janeiro de 1891. Os republicanos, comapoio na capital federal, conseguiram tirar o governador. Em 16de fevereiro de 1891, tomou posse no governo o coronel Frederi-

co Sólon, que fora mandado pelo Rio de Janeiro. Ele anulou aeleição de 3 de janeiro e marcou uma outra para 28 de maio de1891, para a Constituinte estadual. Sólon voltou para o Rio e assu-miu, em 1º de abril de 1891, o vice-governador, José S. Rondon.Em 6 de junho de 1891, tomou posse outro enviado do Rio deJaneiro, João Mallet. Ele considerava válida a eleição de 28 de

maio. Convocou a Constituinte e elegeu Manuel Murtinho gover-nador. Este assumiu o governo em 16 de agosto de 1891. Houveum golpe militar no Rio, em 3 de novembro daquele ano, fato quedeu margem para uma revolta militar em Mato Grosso, que co-meçou em 22 de janeiro de 1892. Em 1º de fevereiro de 1892, caiuMurtinho. Assumiu uma Junta Diretiva. Depois, só ficou o coro-

nel Pereira Leite, que era da Assembléia Legislativa, no pleito anu-lado de 3 de janeiro de 1891. Os que derrubaram Murtinho eramos descontentes com a anulação daquela eleição para a Assem-bléia Constituinte. Criou-se um precedente político e jurídico pe-rigoso, e uma abertura para golpes.

O grupo que então ficou fora do poder apelou para o Gover-

no Provisório da República e conseguiu a nomeação do generalEwbank. Nem chegou à capital. Generoso Ponce, junto com polí-ticos no Rio, reagiu à situação. O confronto militar não ocorreu,

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pois houve um acordo em 10 de abril de 1892. Criou-se outraJunta para governar. Em 19 de abril do mesmo ano, voltou PereiraLeite ao governo. Generoso Ponce reagiu, houve confronto mili-tar na chamada “revolução de 1892”. Murtinho voltou ao governoem 20 de julho de 1892. Ficou até o fim do mandato. Foi eleito

Antonio Corrêa da Costa, que tomou posse em 15 de agosto de1895. Aconteceu o “caso do bonde”. Caiu o governador e assu-miu Antonio Cesário de Figueiredo, em 26 de janeiro de 1897.

Na eleição para governador em 1899, um grupo queria JoãoFélix. Os Murtinhos, José Metello e Antonio Paes não. Criou-se umadissidência no partido, que estivera unido até aquele momento.

Houve um conflito político e militar. Totó Paes esteve no comandode uma força paramilitar. Cercou a cidade em 9 de abril de 1899.Queria a anulação da eleição que elegeu João Félix, que foi anula-da em 17 de abril de 1891. Ainda estava no governo Antonio Cesá-rio Figueiredo. Este abandonou o cargo e passou-o, por telegrama,ao presidente da República, Campos Sales. Assumiu o governo o

vereador Antonio Leite de Figueiredo, em 6 de julho de 1899. Hou-ve uma nova eleição em 20 de julho do mesmo ano e ganhou-a ocapitão de mar e guerra, Antonio Alves de Barros. Tomou posse em18 de agosto. Em 4 de abril de 1900, Alves de Barros passou ogoverno ao vice, João Paes de Barros. Retornou em 24 de agosto eanulou atos dele. Criou um clima de disputa com o irmão de Totó

Paes, chefe da força paramilitar. Depois de muito solavanco políti-co, assumiu o governo, em 15 de agosto de 1903, Antonio Paes deBarros, deposto e morto em 1906.

O interessante, nessa seqüência de governadores que veiodesde o início da República, é que tinham o nome de Antonio.São os cinco Antonios. E, no meio deles, entrou um Manuel.

Foram: Antonio Maria Coelho (Manuel Murtinho), Antonio Cor-rêa da Costa, Antonio Cesário de Figueiredo, Antonio Alves deBarros e Antonio Paes de Barros.

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1. Antonio Paes de Barros (Totó Paes)2. Joaquim Murtinho3. Generoso Ponce

Os três personagens principais da políticaem Mato Grosso no período enfocado por este livro.

1 2

3

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V. Acirra-se a animosidade política

Os estilingues da política estavam retesados no estado.

Os adversários fizeram um acordo, mas a situação continuava aferver. Era como se fosse uma fogueira em que parece que ofogo apagou, mas, sob as cinzas, havia ainda muita brasa acesa.Ocorreu um outro fato envolvendo Generoso Ponce, que é tam-bém muito citado na história regional e é até pitoresco. Quaseum caso do bonde, mas com morte. Teve também repercussão

política. Naquele, o governador Antonio Corrêa renunciou aocargo. O outro mostrou como estava o braseiro da política esta-dual. A conciliação era só aparente.

Às cinco horas da tarde do dia 31 de agosto de 1899, na RuaVoluntários da Pátria, Generoso Ponce caminhava desacompa-nhado. Foi ao seu encontro um agrimensor, Ramon Jackwiskc,

polonês de nascimento e que morava em Cuiabá, e iniciou umadiscussão. O polonês, na seqüência, deu-lhe uma forte bengala-da na cabeça. Eles chegaram a lutar. O senador sangrou abun-dantemente. Muita gente correu para o lugar do fato. Ponce eraainda senador e, apesar da derrota para os Murtinhos, gozava deprestígio, principalmente entre membros do Partido Republicano.

Ao ver tanta gente chegando, Ramon saiu da cena do ata-que e refugiou-se no pequeno armazém de Nicanor Dorilêo.Ficou lá dentro, mais gente foi chegando e o tumulto crescendo.

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Os amigos de Ponce acharam que era uma tentativa de assassi-nato a mando de outros interesses. Com o alvoroço aumentan-do, Ramon saiu da casa em que estava e aí aconteceu o fato. Foibrutalmente linchado pelos populares presentes. Ponce retirou-se para sua casa sangrando muito. Pediu a presença do gover-

nador do estado para mostrar o que acontecera. Este reprovou oato contra o senador e o episódio imediatamente se transfor-mou num acontecimento político.

Os amigos de Ponce acreditaram em atentado. Ramonpertencera ao batalhão “Campos Sales” de Totó Paes. Liga-ram sua ação às lutas políticas do conturbado momento. Um

grupo disse que tentaram matar o senador e o outro afirmouque não era nada disso, fora um ato isolado. Não se sabequal é a verdade. Não há um dado concreto até agora queprove qual versão é a verdadeira, mas o fato foi exploradopoliticamente.

Para se ver como os adversários estavam prontos para a

briga, dois diferentes telegramas para o Rio de Janeiro mostramcomo o caso Ramon, que na história ficou conhecido como “ra-monada”, foi visto pelos grupos em disputa. O dos amigos dePonce dizia: ”Senador Ponce acaba de sair agredido, em plenarua, pelo estrangeiro Jackwiscki. Povo indignado linchou na praçapública o agressor audaz do representante da nação”. O dos

adversários dele falava:

Deu-se hoje um conflito entre o senador Generoso Ponce e

o polaco naturalizado Romon Jackwiscki, resultando am-

bos saírem levemente feridos. Ponce, que tinha gente com-

binada, fins desconhecidos, como acabo de ser informa-

do, imediatamente reuniu grupos seus, que, desrespeitan-

do providências tomadas pelo chefe de polícia, assassina-

ram Ramon, causando geral indignação.

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Dizia ainda que o governador tinha informado o presiden-te da República sobre o acontecido. Se telegramas sobre o as-sunto, na bucha dos acontecimentos, têm versões tão díspares,imagine como é que fica para a história mostrar onde estaria averdade sobre o fato. E o caso virou assunto nacional. A grande

imprensa deu-lhe cobertura, afinal a confusão e o linchamentose deram em torno de um senador. Os ânimos estavam exalta-dos e o caso Ramon reacendeu a fogueira da política estadual.

Esse assunto pode ser usado como mais um dado paramostrar que Ponce era também violento. Ele poderia parar amultidão quando essa caminhou para linchar o polonês. Ele

assistiu a tudo sem fazer nada. É que passou para a histórialocal daquele momento que o Totó Paes era violento e autoritá-rio, o que não deixa de ser verdade, mas existem fatos que mos-tram que Ponce o era também. Há o caso do polonês, do bonde,do trucidamento do tenente Mamede ao findar a revolução de1892, e também a estranha morte de Totó Paes, em 1906. E ele

participou ainda de dois movimentos armados para mudar asituação política que lhe era desfavorável. Para a história, noentanto, passou-se que o Totó Paes era violento e Ponce não.Há uma impressionante semelhança em como a maior parte doshistoriadores mostram aqueles dois personagens. O homem vi-olento será a marca do governador morto.

Para tirar o foco de que Ponce aceitara sem reagir o lincha-mento do polonês, levanta-se o argumento que, na autópsia docorpo dele, encontraram marca de sabre, que esta era arma dapolícia e não de civil. Com isso, queriam dizer que o governomandou matar o Ramon para que este não confessasse quemhavia mandado assassinar Ponce. O próprio Ponce, em telegra-

ma para Azeredo no Rio de Janeiro, de 4 de setembro de 1899,informou sobre os furos de sabre. Acusou Ramon como gentedo outro lado e afirmou que pedira aos seus amigos para não

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vingarem o que ocorreu, ou seja, ele foi contra o linchamento.Fica difícil para a história provar onde está a verdade nesse fato.Se houve ou não furos de sabre. Se mandaram ou não matar opolonês. Ou se mandaram ou não alguém assassinar o senador.Os fatos sugerem que, se isso fosse tentado, não seria com uma

bengala e à vista de tanta gente numa das ruas mais movimenta-das da cidade.

Os amigos de Ponce o visitaram aos montes naquela noiteem sua casa. A maioria era correligionária do Partido Republi-cano. O governador Alves de Barros mandou uma força policialcercar a casa dele. Dizia que era para protegê-lo de alguma ou-

tra tentativa de morte. A casa estava cheia de gente. Todos esta-vam proibidos de sair. Entrar podiam, sair não.

O governo fez da casa do Ponce uma prisão domiciliar eaumentou o raio de ação da repressão. Prenderam também cor-religionários dele que não estavam ali. Mandou todos presospara um quartel do Exército (depois, pela quantidade de gente

presa, distribuíram prisioneiros pelo Arsenal de Guerra, reparti-ções públicas e cadeias comuns). E eram nomes importantes dapolítica estadual.

Alguns deles: o ex-governador Antonio Cesário de Figueire-do; João Félix, que fora “eleito” governador e não tomara posse; odeputado Pedro Ponce (foi solto depois, por ser deputado); o de-

sembargador Maranhão; o ex-delegado fiscal do tesouro nacio-nal, Manoel Mendes; o inspetor do tesouro, Flávio de Matos. Tam-bém homens de negócios foram para a cadeia e ainda dezenas deoutros. Não se sabe o número exato. Um rebuliço.

O caso do polonês fez voltar à tona o que estava encobertopor fina camada de cinzas. Os telegramas para o Rio falam em

caça às bruxas, estado de sítio, terror criado pelo governo, ami-gos desrespeitados, famílias em polvorosa, arrombamento de ca-sas, prisões arbitrárias. A disputa era acirrada. As acusações eram

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de lado a lado. O acordo feito para terminar a mais recente re-volução, a que anulou a eleição de João Félix e permitiu a eleiçãoposterior do coronel Alves de Barros, apenas empurrou o con-fronto final para outra oportunidade. O caso Ramon reacendeu osestopins. Um se sentindo perseguido pelo governo e o outro apro-

veitando a chance para eliminar a oposição, de vez, no estado. Éque achavam que podia haver algum levante contra eles.

O grupo preso pediu habeas-corpus à Justiça estadual e estao negou. A oposição disse que ela estava do outro lado. Apelamentão para o Supremo Tribunal Federal. Por incrível que pareça, oSTF disse que, para analisar o pedido de habeas-corpus, era pre-

ciso a presença física dos implicados para prestar declarações.Uma viagem ao Rio de Janeiro levava cerca de 30 dias por água. Opessoal do Ponce recusou-se a ir. Entrou em cena até o presiden-te da República, que mandou um telegrama ao governador insis-tindo que deveriam obedecer ao que pedia o STF. Foram 17 pes-soas para o Rio, alguns nomes fortes da política estadual.

Imagine o cortejo desses prisioneiros ilustres, que pouco tem-po atrás governavam o estado, rumo ao porto da cidade. Agoraiam embarcar prisioneiros para o Rio de Janeiro para serem julga-dos no STF. Era o epílogo, imaginava-se, para a oposição política.Sempre é bom lembrar que, desde o fim do Império, com a che-gada da República, momento em que os grupos e novos persona-

gens viram a chance de crescerem na política e preencherem osespaços que surgiam com a morte do regime anterior e a exclu-são de antigos mandantes, os fatos envolvendo a política estavamem ebulição no estado. Era uma fase de transição, de se firmarquem mandaria nas coisas políticas a partir dali. O que estavaacontecendo talvez possa ser visto dentro dessa moldura.

O caso que estava ocorrendo em Mato Grosso foi assuntoda mídia nacional e de discussão no Congresso. Quem fez adefesa do pedido de hábeas-corpus no STF, como mostra Ponce

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Filho, foi o senador Antonio Azeredo e o deputado Aquilino doAmaral, ambos correligionários de Ponce. Para reforçar a tesede que Ramon fora mandado para matar o senador, Azeredodisse que ele já havia tentado fazer isso antes, numa viagem quefizera a Cáceres. Que o Ponce “escapou milagrosamente numa

canoa onde um só tripulante o levou à casa de um amigo”. Maisà frente em sua defesa, batendo na tecla de que Ramon queriamatar o senador, afirmou que ele implorou “para que não omatem porque tem revelações a fazer. Nesse instante entra apolícia em ação e Ramon é ferido de morte por sabres a baione-tas, armas que certamente não se municia a massa popular”.

A defesa dos acusados no STF foi longa. Aquilino do Ama-ral afirmou em sua fala que havia, por causa das arbitrarieda-des, uma espécie de salvo-conduto em Cuiabá que dizia quefulano “tem licença e liberdade para ir visitar sua família e paratransitar pelas ruas da capital”, e que esse documento era assi-nado pelo chefe de polícia.

Certo ou errado, verdadeiro ou não, o clima político emMato Grosso, principalmente em Cuiabá, era quase irrespirável.Qualquer ato, como aquele do Ramon, levava os grupos políti-cos a confrontos e exasperações. Um tinha desconfiança e re-ceio do outro. Os que estavam no governo conheciam seus ad-versários e sabiam que não podiam abaixar a guarda. Os que

estiveram até então no poder, que criaram grupo de ação e ca-maradagem naqueles sete anos, tinham força ainda para fazerpolítica e até amedrontar seus opositores. Estes, com a máquinapública na mão e também a segurança, incluindo a benevolên-cia da força federal, procuravam meios de eliminar seus opo-nentes da vida política estadual.

O STF concedeu o habeas-corpus solicitado para membrosda oposição no estado. Dos 17 que foram para o Rio, 15 compa-receram às sessões do Supremo e dois adoentados ficaram onde

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estavam hospedados. Viajaram um mês por água a fim de obe-decerem a um rito estranho para conseguir o habeas-corpus.Esse fato mostra como funcionava a política daquele momento.

Manuel Murtinho era ministro do STF e seu irmão Ministro daFazenda do governo Campos Sales. O irmão do governador de Mato

Grosso era chefe da Casa Militar da presidência. Os que em MatoGrosso foram apeados do poder não tinham ninguém no círculoíntimo do governo federal. Havia correligionários no Senado e naCâmara, não no governo Campos Sales. Estavam sendo escorraça-dos e eram caçados no estado, uma guinada política impressionan-te para o grupo que mandara na política local por algum tempo.

Haveria uma eleição em 31 de dezembro de 1899, para re-novar a Câmara e um terço do Senado. Os Republicanos erammais organizados e ganharam a eleição, mas, naquele tempo,havia a Comissão de Verificação no Congresso que referendavaou não os eleitos em um estado. A pessoa era eleita, mas nãotomava posse até que a Comissão de reconhecimento decidisse.

Era base da política de Campos Sales. A idéia era dar força polí-tica a quem a possuía nos estados. O governo central queriacontar com gente que o apoiasse em suas medidas na área fede-ral. Não queria um Congresso que fosse do contra e ter que sepreocupar ainda com os altos e baixos da política nos estados.Na verificação feita no Rio de Janeiro, os eleitos dos Republica-

nos no estado foram preteridos por outros.Tem uma carta do Ponce à esposa, de 3 de maio de 1890, em

que ele mostra como estava a situação na Comissão de Verificação:

[...] tenho estado ocupado a ver se consigo a aprovação da elei-

ção dos Republicanos. Não tenho conseguido nada até agora

senão atrapalhar o bastante os candidatos dos Murtinhos, que

pensavam que era só chegar e entrar para o Congresso [...] Es-

pero que talvez seja reconhecido algum deputado nosso.

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Ele apelou, mostra Ponce Filho, até para o ex-presidente,Prudente de Morais, para que este influenciasse o relator da Co-missão de Verificação para ajudar seus correligionários eleitos eque estavam ameaçados de não passarem no crivo da Comissão.

Campos Sales estava firme outra vez na defesa dos candi-

datos dos Murtinhos. Não podia ser diferente, mesmo que nãofosse ético. Ele não iria contra um ministro seu, que estava fa-zendo um serviço reconhecidamente acertado nas finanças dopaís e que, além disso, era senador e gozava de prestígio políti-co no Rio de Janeiro. Se comparado com Ponce, a distância eraabissal. Este podia ser forte em Mato Grosso por sua atuação

junto aos chefes políticos regionais e até por participação emencrencas militares, mas, lá na capital federal, seu tamanho po-lítico não podia competir com o de Joaquim Murtinho.

José Metello foi reconhecido senador e também o foram osdeputados federais apoiados pelos Murtinhos. A força políticade Joaquim Murtinho não estava em Mato Grosso. Ele se colo-

cou como um dos líderes principais da política estadual porcausa de sua força e presença na capital da República. Se nãofosse no governo Campos Sales, é de se duvidar que ele tivesseconseguido o que conseguiu fazer na política do estado, tantopara impor um governador como para conseguir a maioria deparlamentares do estado no Congresso Nacional. Teve vitória lá

e em Mato Grosso com a anulação da eleição que escolheu JoãoFélix, depois substituído pelo coronel Alves de Barros, que eraligado aos Murtinhos e ao Totó Paes.

Naquela eleição de 1899, chama a atenção o afastamentode Totó Paes. Absteve-se, andava desgostoso com alguns fatosda política e decidiu não participar ou atuar no pleito. Ele estava

com o prestígio nas alturas depois de comandar a legião “Cam-pos Sales” e impor a anulação da eleição de 1º de março de1899. Dava para ser candidato, se quisesse, até mesmo ao Sena-

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do. Também a deputado federal, pois dificilmente alguém iriacontra. Ele fora um elemento crucial para a vitória do time dosMurtinhos. Também poderia indicar nomes para compor as cha-pas e tentar eleger gente ligada a ele. E tinha força para insistircom os Murtinhos para a aprovação desse ou daquele nome na

Comissão de Verificação. É que os Murtinhos sabiam que a opo-sição no estado não havia desaparecido e poderia levantar acabeça outra vez. E, nesse caso, ter aqui um homem com a de-cisão de enfrentamento até militar era bastante útil. Os dois ir-mãos não moravam mais aqui, precisavam de gente do porte doTotó Paes para supostos embates futuros.

Talvez possa ser argüido que Totó Paes não assumiu umcargo federal porque não queria se afastar de seus negócios na-quele momento. Sua usina fora recentemente inaugurada e pre-cisaria de uma atenção presente. Sua atividade principal era em-presarial e o interesse maior estava aí. Não daria, portanto, paraele ficar no Rio de Janeiro, quando uma viagem para lá durava

um mês. Pode ser especulado ainda que a intenção dele fosse ade ser governador do estado. Estaria perto de sua usina e aindacomandaria a política estadual, mas, pelo menos, poderia terindicado alguns nomes para concorrer àquela eleição. Não ofez, no entanto.

Não há, antes, participação ativa dele na política. Não era

um personagem atuante nessa área como Azeredo, Metello, osMurtinhos, Ponce ou até mesmo iniciantes como Pedro Celesti-no, mas que preenchia parte de seu tempo com atividade políti-ca e partidária. Não era o caso do Totó Paes. E, quando chegouao governo, os fatos sugerem que faltavam esse traquejo e tam-bém correligionários fortes ou até em cargos eletivos para lhe

dar suporte nos embates políticos e militares que teria à frente.Generoso Ponce era ainda senador e fundou um jornal

em Assunção, A Reação. Dizia que era perseguido em Mato

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Grosso no governo do coronel Antonio Alves de Barros. Apa-recia sempre no jornal a frase: “publica-se na República doParaguai por falta de garantias no Estado”. Era um jornal deataques e denúncias. Aliás, essa era a tônica da maioria dosjornais do período. Apareciam e desapareciam ao sabor das

regras políticas e de interesses localizados. Alguns nomes dejornais daquela época: A Coligação, A Federação, A Rea-ção, O Mato Grosso, Jornal do Comércio, Argos, PartidoDemocrata, O Município, O Debate. Todos defendiam al-gum interesse político.

A publicação de um jornal no Paraguai mostra a ligação

que Mato Grosso tinha com os países do Prata. Teve pessoasdo estado que, em governos diferentes e com receio de perse-guições políticas, se refugiavam no Paraguai, Argentina ou naBolívia. Era mais fácil ficar por aí do que ir mais longe, para oRio ou São Paulo. Até 1914, quando chegou a linha férrea eque puxou o estado para São Paulo, Mato Grosso tinha com os

países hispânicos vizinhos uma estreita união. O comércio eraintenso por aí, tudo descia ou subia pela hidrovia Paraguai-Paraná.

Alguns nomes de firmas comerciais que trabalhavam comexportação e importação e que mantinham representantes noestado mostram isso: Haneman & Cia., de Manchester; Oscar

Gotz & Cia., de Hamburgo, da qual era representante Guilher-me Goerne; Knowles & Foster, de Londres, cujo representanteera a firma Almeida & Cia.

O capital alemão, no período, também se fez presente. Osfatos mostram que havia uma competição com a Inglaterra naregião do Prata, extensiva a Mato Grosso. Tudo estava conecta-

do a novos acontecimentos na política alemã. Em 1890, o jovemmonarca Guilherme II demitiu o chanceler Otto von Bismarck.Sob seu reinado foi que a Alemanha colocou em prática a cha-

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mada “política internacional”, que buscava recuperar o terrenoperdido na corrida imperialista. A área do Prata e Mato Grossose encaixavam nesse novo figurino alemão.

O exemplo de investimento alemão perto de Cuiabá é oempréstimo que foi feito a Antonio Paes de Barros para a mon-

tagem da usina Itaicy. Além do capital, providenciaram tambémtécnicos alemães. Até a arquitetura erigida na usina pode terligações com a cidade de onde vieram os maquinários. Quemsabe ainda pode-se especular que os avanços sociais para ostrabalhadores daquela usina tenham ocorrido também por in-fluência dos alemães, assunto que necessita de mais pesquisas,

dados que mostrariam uma ligação mais acentuada desta regiãocom o Prata e até com a Europa do que com o resto do Brasil.

Era através das casas comerciais que o capital estrangeirose infiltrava em Mato Grosso. Elas importavam e exportavamprodutos e ainda concediam créditos. Até hoje, a capital do es-tado tem mostras de objetos que eram comprados do exterior,

principalmente da Inglaterra, e que eram redistribuídos de Bue-nos Aires para cá. Também os Manifestos de Bordos, uma espé-cie de documento das embarcações comerciais e que se encon-tram em arquivos em Cuiabá, mostram o que era exportado eimportado no estado.

Zephyr Frank escreve que 40% da renda do estado no perí-

odo vinham do comércio pelo rio. Havia a presença de capitaldo Uruguai e da Argentina em Mato Grosso para a exploraçãoda erva-mate e depois sua industrialização fora do estado e tam-bém nos saladeiros ou lugares de se produzir os charques paraexportação. Em Cuiabá, chegaram a se apresentar companhiasde teatro e musicais da Europa, que vinham desde Buenos Ai-

res. Era mais fácil para uma pessoa de posse do estado ir sedivertir em uma capital sul-americana banhada pela hidrovia doque no Rio de Janeiro ou em São Paulo.

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As usinas de açúcar estavam situadas às margens do rioCuiabá, como a Conceição, Itaicy, Maravilha, Flexas, Aricá, Ta-mandaré. A Ressaca é que ficava no rio Paraguai, no municípiode Cáceres. Elas eram importantes para a economia do estado,mas pequenas quando comparadas com o que ocorria no setor

açucareiro nacional. Fanaia, citando Fernando Tadeu de Miran-da, diz que, “se comparada ao volume global de sacas de ses-senta quilos obtidas no país pelas demais áreas produtoras, aparcela do estado era diminuta”. Ele dá o exemplo da produçãode 1925/26. O montante nacional foi de 5.233.902 sacas, a pro-dução de Mato Grosso ficou em 14.986. Em termos percentuais,

isso significava 0,30% do total nacional.É um dado estatístico de época mais à frente da enfocada por

este livro, mas é possível conjeturar que a produção do início doséculo XX, mesmo em crise naquele momento, como se mostra àfrente, fosse superior à citada atrás. O que se tenta argüir, no entan-to, é que a produção local, seja num ou noutro momento, era pe-

quena perto do que se produzia em outros lugares do Brasil.Um dado daquelas usinas sobre as quais falta ainda pesqui-

sa adequada é saber como viviam os seus trabalhadores. Descri-ções encontradas em cartas da época falam em trabalho escravo,uma espécie de “feudalismo” às margens do rio Cuiabá.

Este rio, onde estava a maior parte das usinas do estado, se

liga ao São Lourenço, daí ao rio Paraguai. Depois que corta opaís do mesmo nome, recebe o rio Paraná, formando a hidroviaParaguai-Paraná. Essa ligação maior com os países vizinhos trou-xe influências que marcam a cultura de Mato Grosso até hoje. Orasqueado tem sua raiz nas músicas paraguaias. Os rios as trou-xeram e aqui elas se adaptaram e sofreram outras influências

locais para dar no ritmo atual.É interessante especular se o trecho restante da conexão fer-

roviária, construído de forma rápida entre 1912 e 1914 e que che-

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gou ao rio Paraguai, em Porto Esperança, não foi para afastar MatoGrosso daquela proximidade com o capital e as coisas dos paísesdo Prata. A ligação ficou com São Paulo que, no entanto, nãocomprava, como compravam os países vizinhos e até a Europa,alguns produtos do estado. A renda local caiu com a queda no

comércio regional pelo rio. As casas comerciais vão também per-dendo importância com o passar dos anos. A viagem para o Riode Janeiro e São Paulo encurtou e não se ia, como antes, de barcoatravés dos países do Prata. Ia-se de embarcação até certo pontodentro do estado e dali se transferia, via ferrovia, para São Paulo.

E foi, portanto, num país do Prata que a oposição ao gover-

no estadual e aos Murtinhos criou um jornal. Ele era distribuídona capital usando as embarcações que iam para Cuiabá. Com anão participação política de Totó Paes, estratégica ou não, a lutapolítica no estado se deu naquele momento entre Generoso Poncee os Murtinhos.

Apesar do prestígio conseguido nos acontecimentos de 1899,

Totó Paes não era ainda o nome a ser enfrentado na arena políti-ca. No Senado, a todo momento, Ponce cutucava os irmãos, prin-cipalmente Joaquim. Ele sabia que foi este quem o derrotou tantono estado como na capital federal, na Comissão de Verificação,para a escolha final dos membros para o Congresso. Ponce ata-cou a Companhia Mate Laranjeira, que explorava a erva-mate no

sul de Mato Grosso. As pessoas do estado, excessão aos do Pan-tanal, não usavam muito esse produto, mas ele era apreciado naArgentina e no Paraguai. Era a atividade econômica mais impor-tante de Mato Grosso. E um dos seus dirigentes era Joaquim Mur-tinho, poderoso na política e também na exploração dos ervais.

Era importante para esse empreendimento, como já disse,

ter gente na política e em posições de mando. É que precisavaexplorar grandes extensões de terras. Esse arrendamento se faziacom a concordância ou não do governo do estado. Se houvesse

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alguém com má vontade nessa posição poderia, em tese, atrapa-lhar os planos de novos arrendamentos daquela empresa.

Dizia Ponce, num de seus ataques aos Murtinhos no Sena-do, em 9 de maio de 1902, que

o senhor presidente da República a fim de entregar o gover-

no de um estado da União a uma companhia industrial como

a Mate Laranjeira, dirigida pelos senhores Murtinhos [...].

À frente, dizia que o presidente da República submeteu-se“aos caprichos de um ministro despido de quaisquer escrúpu-

los e consentindo que um estado da União seja enfeudado aosdomínios de uma companhia industrial [...]”.

Atacava a fonte principal de apoio financeiro dos Murti-nhos. Atacava ainda, de forma direta, os dois irmãos, com colo-cações como

devo declarar ao senhor presidente que o perturbador da

ordem em Mato Grosso, que o instigador das lutas arma-

das, o chefe do movimento sedicioso no estado [...] é o seu

Ministro da Fazenda [...] e seu irmão Dr. Manoel Murtinho,

Ministro do STF e que é responsável único pela anarquia,

pelo morticínio em massa que ali impunemente se tem

dado, pela dilapidação do dinheiro público e pelas depre-

dações de propriedades particulares [...].

Fez uma acusação direta aos seus adversários políticos emMato Grosso sobre indenização pelos cofres públicos de gastosnas lutas para a tomada do poder do adversário. Fosse esse ou

aquele grupo no poder, a elite em luta procurava se ressarcirpelos gastos feitos para tomar o governo do adversário. Todosos lados se beneficiavam. É interessante mostrar a denúncia de

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Generoso Ponce, mas antes serão comentados outros casos parase ver como funcionava a política estadual naquela época.

Tem um caso igual, em 1909, com o governador Pedro Ce-lestino abrindo um crédito de 828 contos de réis ou 34% doorçamento estadual para pagar dívidas ao grupo que derrubou

Totó Paes, em 1906, do governo pelas armas. Isso está em suaMensagem à Assembléia Legislativa de 1911, informa ZephyrFrank. Não era somente em casos maiores que se pediam inde-nizações por lutas empreendidas pelos adversários em armas.

Valmir Corrêa escreve que até a oposição derrotada pedia in-denização. Cita o caso de Frederico Katz, comerciante de Aquidau-

ana, que solicitava “do governo a restituição do valor dos arma-mentos requisitados da sua propriedade e mais a dívida de doiscamaradas que foram convocados para a luta”. Os grupos políticosfaziam isso e quem ganhava usava os cofres públicos depois parapagar pelas despesas feitas na luta para derrubar o adversário.

Mostrou o senador por Mato Grosso, segundo Ponce Filho,

uma lei aprovada no estado em 9 de abril de 1900, no governodo coronel Alves de Barros, que dizia:

Artigo 1. Fica o poder Executivo autorizado a indenizar des-

pesas feitas com o material e a locomoção de forças no movi-

mento armado que teve lugar em 10 de abril do ano passado,

abrindo para esse fim crédito necessário. Artigo 2. Nenhum

pagamento poderá ser efetuado sem proceder a requerimento

dos interessados, acompanhados de contas e documentos le-

galizados, mediante informação escrita do comandante da

‘Divisão Campos Sales, coronel Paes de Barros.

O grupo adversário do governador o estava acusando poresse pagamento, mas ele fazia parte do acordo final para pôrtermo à “revolução” que impediu a posse de João Félix.

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O que chama a atenção é a forma “legalista” que se dá adocumento aprovado como aquele. Tudo tem algo de formal elegal. No momento que um dos lados derrubava o outro do go-verno e havia acordos escritos entre eles há uma formalidadelegal que beira ao delírio. É que se estava, nesse ou naquele

caso, indo contra todos os aspectos legais possíveis ao derrubarum governo no mandato, mas, ao fazer isso, nos acordos e en-tendimentos escritos, os contendores se cercavam de palavrasrebuscadas com termos presupostamentes legais para dar baseà tomada do poder pela força.

Aliás, isso não é característica somente de Mato Grosso ou de

outros lugares do Brasil da época. Isso ocorria em praticamentetoda a América Latina. Um grupo tomava o governo do outro esempre o fazia sob a égide de um suposto legalismo. Até mesmo oscasos de indenizações pelos cofres públicos, como os citados atrás,eram revestidos de uma maneira que dava aparência de que tudoera de acordo com a lei. Usar arrecadação de tributos para pagar

aquele tipo de despesa era, aos olhos da época, normal.O coronel Alves de Barros governava o estado desde 15 de

agosto de 1899. Seu vice era o irmão de Totó Paes, João Paes deBarros. Este ficou no governo em substituição ao titular por al-guns meses (4/4 a 24/8 de 1990). Tomou algumas medidas, prin-cipalmente em nomear pessoas para cargos ou mandar outras

embora, ação que sempre provocava e talvez ainda provoqueum alarido político em Cuiabá. Seus atos, no retorno de Alvesde Barros, foram anulados. Ele se desgostou, entregou o cargode vice-governador em agosto de 1901 e bandeou-se para o ou-tro lado político. De antigo dissidente, passou a militar em trin-cheira política diferente da do irmão. O outro grupo político

aproveitou a chance e estreitou ligações com ele.O estado andava convulsionado politicamente. Ameaças,

perseguições, falatório sem fim de revoltas, um desassossego.

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A classe política não se entendia. O grupo Murtinhos-Barros-Totó, que ganhara a disputa do ano anterior no campo de ba-talha e na decisão política, como era antes minoria, não sesentia seguro com os fatos em andamento. Sempre achava quepoderia ter uma contra-revolução. Que o outro grupo poderia

tentar voltar ao poder da mesma forma que eles conseguiramantes. Era difícil acontecer, principalmente porque as forçasmilitares federais no estado iriam dar suporte aos amigos dopresidente Campos Sales, mas mesmo assim havia a suspeitapor parte dos agora governistas de que algo diferente poderiaacontecer.

Talvez possa ser dito que o acordo do ano anterior não forauma derrota completa do grupo expelido do poder. Estavam semcondições de fazer enfrentamento militar com as forças de An-tonio Paes já dentro de Cuiabá, nem tinham apoio do Rio deJaneiro. Sob aquelas circunstâncias, ter garantias de vida, pro-priedade e até manter alguma força política pode ter sido um

acordo vantajoso. Os que venciam poderiam ter exercido umapressão política e mesmo de terror, naquele momento em queos outros estavam indefesos, para tomar de vez e por muito tempoo poder. Contemporizou e agora se sentia ameaçado.

Frente à situação, aumentou a pressão sobre os adversárioscom a criação, em 15 de outubro de 1901, de uma “força patrió-

tica” sob o comando de Antonio Paes de Barros. Este fora ocomandante da “Divisão Campos Sales”, que deu a vitória aogrupo agora no poder. O governador dizia que o estado estavaconflagrado, cheio de bandos que promoviam anarquia e queas forças estaduais eram diminutas. Criou, então, uma nova mi-lícia e entregou-a a Totó Paes. Em sua Mensagem à Assembléia

Legislativa de 14 de novembro de 1901, depois de afirmar quehavia uma conspiração da oposição em andamento, disse queaquela força paramilitar fora criada

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considerando a insuficiência da força da polícia militar para

dar destacamento para todos os pontos infestados pelo

banditismo, dando caça a este [...] resolve para qualquer

fim criar uma força patriótica sob o comando em chefe do

coronel Antonio Paes de Barros.

Criou uma força paramilitar que, em conjunto com a dapolícia, era para manter a ordem pública na visão dos queestavam agora no poder. A criação dessa unidade militar nãosofreu restrição ou condenação por parte das forças federaisno estado. Totó Paes teve seu prestígio aumentado ainda mais.

Era um empresário na área de produção de açúcar, passou ater comando de milícia e não demorou a chegar ao governodo estado.

Em 1901, houve um fato que envolveu Totó Paes e seusirmãos que teve enorme repercussão não só naquele momento,mas possivelmente até hoje. Foi o que se chamou de “massacre

da baía do Garcez”. É um assunto polêmico. Para alguns, aquilofoi uma invenção de um lado político para macular o outro. Foiusado até juridicamente para incriminar Totó Paes e seu grupopolítico. Esse assunto e as suas várias versões povoaram a ima-ginação popular, principalmente em Cuiabá e região, por mui-tas décadas. Para a oposição ao governador Alves de Barros e

ao Totó, esse fato mostrava como atuava aquele grupo paramanter o poder.

Mato Grosso se encontrava num confronto político quaseininterrupto. A última refrega que terminou no acordo em 1899que pôs fim nos conflitos entre os diferentes interesses. Umdos lados chegou ao poder de forma rápida, precisava de tem-

po para se firmar e criar raízes. O outro, que fora enxotado docomando do estado, já havia antes criado grupo político comcerta capilaridade pelo estado. Já que haviam saído relativa-

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mente intactos do confronto que perderam no ano anterior,não deixavam de acutilar a quem pensava que mandava nascoisas políticas estaduais. Os choques eram constantes. Emmunicípios diferentes, falava-se que havia enfrentamentos en-tre os grupos que estavam ainda com os bodoques retesados –

tudo na busca frenética de tentar controlar o poder desde queo Império caiu e as novas forças se digladiavam para ocupar oespaço aberto.

Barco na hidrovia Paraguai-Paraná.Álbum Gráfico de Mato Grosso.

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Hidrovia Paraguai-Paraná.Acervo Adilson Reis.

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VI. A eleição de Totó Paes

Chegou ao conhecimento do governador Antonio Alves

de Barros que, na fazenda Conceição, no Rio Abaixo, do irmãodo Totó Paes, João Paes de Barros, estava se reunindo um grupode pessoas que era oposição ao governo e que, a cada dia, au-mentava mais. O comandante da recém-criada força patriótica,Antonio Paes, mandou chamar seus irmãos, Henrique e José, e,sob comando do primeiro, encarregou-os de ir à Conceição aca-

bar com aquele tipo de movimentação. Acredita-se que aquelaspessoas ali se refugiavam porque era uma fazenda do irmão dohomem militarmente forte do governo, antigo vice-governador,e que ninguém iria lá fazer algo maior contra eles.

Os que estavam no governo, devido ao conflagrado mo-mento, tinham receio que se juntassem tropas, não só ali, para

um imaginado confronto armado entre os adversários. Seria oretorno ao que aconteceu em 1899. Do ponto de vista deles, omelhor caminho seria atalhar essa pretensão. Não deixar cres-cer em homens e armas aquele grupo. Podia ser verdade queisso estava acontecendo, como podia ser também um momentode quase paranóia, onde se via conspiração até debaixo da cama.

Era chefe de polícia do estado o genro do Totó, João Aqui-no Ribeiro. Quem detinha o poder estava com o controle totaldas forças de segurança, mas, mesmo assim, temia-se algum

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tipo de levante. Como o clima era esse, como as notícias desedição ou supostos levantes corriam soltas, o governo de Anto-nio de Barros provavelmente resolveu tomar aquela atitude nafazenda Conceição.

Lá chegou a força comandada pelo outro irmão do Totó

Paes. Acompanhavam a tropa até mesmo militares da força fe-deral. Dantas Barreto publicou o ofício que João Paes de Barrosrecebeu dos seus dois irmãos. Ele é datado de 3 de novembrode 1901 e dizia:

Janjão – À vista de sua deslealdade para com o governo do

estado, o nosso partido e a sua própria família de quem

você segregou-se para comungar com inimigos irreconcili-

áveis da mesma, achamo-nos aqui à frente de mil homens

armados para intimá-lo de ordem de nosso irmão, Antonio

Paes de Barros, comandante em chefe da divisão de forças

patrióticas, a que você se renda com todo o seu pessoal.

No caso de render-se, garantimos a sua vida e a de todos.

No caso contrário, não respondemos pelo que possa suce-

der. E o prevenimos de que, se dentro de cinco minutos

não nos der resposta, mandaremos fazer fogo. Henrique

Paes de Barros e José Paes de Barros.

No livro de Dantas Barreto há uma longa exposição maistarde feita por João Paes de Barros sobre os acontecimentosnaquele dia em sua fazenda. Ele disse que conversou com osirmãos e pediu garantia de vida para os que estavam ali. Foigarantido. Pediu que parassem os tiros contra a fazenda quevinham da outra margem do rio. Foi atendido. Lá deviam estar

cerca de 140 pessoas. Foram todos aprisionados, queixa-se JoãoPaes. Na madrugada do dia seguinte, 4 de novembro, chegou àfazenda o chefe de polícia e, às oito horas, chegaram outras

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pessoas, incluindo Antonio Fernandes de Souza, “que tomarampor escrito os nomes de todos os presos”.

Diz ainda que havia uma lista “trazida de Cuiabá pelo che-fe de polícia”. O grupo feito prisioneiro foi dividido. Um grupo,composto de 16 pessoas (a versão final é que seriam 17), iria por

terra. Estes é que foram mortos na baía do Garcez em 4 de no-vembro de 1901. O segundo, com mais de cem pessoas, foi porágua. É sugestiva a colocação dele de que 60 dessas pessoasforam “obrigadas a assentar praça no corpo de polícia”. Diz queele foi obrigado a renunciar à vice-presidência do estado “sobpena de não se responsabilizarem pelo que pudesse suceder”.

Ele descreveu o que ocorreu com os prisioneiros que fo-ram por terra. É um relato de alguém que estava no palco dosacontecimentos, mas se deve ter algum cuidado, pois ele, porcausa de fatos anteriores, estava visivelmente contra seu irmãoe este relato foi feito mais tarde e publicado até em jornal. Nãohá uma negação comprovada historicamente que diga que não

houve tal massacre. Até mesmo Antonio Fernandes de Souza,que foi à fazenda Conceição buscar notícias sobre o que ocorriaali e que escreveu um livro mostrando um outro lado do TotóPaes como governante e empresário, não nega a existência des-se fato. Mas tem um dado que, na falta de uma prova mais con-creta sobre o assunto, pode ajudar na busca dessa verdade.

É que os prisioneiros que supostamente foram mortos na-quela baía não retornaram às suas casas. Alguma coisa aconte-cera com eles. Também o governador Antonio de Barros, deforma indireta, acabou confirmando que houve algo de anormalnaquele dia no Garcez. Ele teve que responder a um pedido deinformações ao STF. Ele confirmou a morte de seis pessoas na-

quele dia, não falou em 17 ou 16. A oposição diz que ele escon-deu os nomes dos restantes.

A bronca da oposição com esse fato é porque acharam que

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as pessoas mortas foram escolhidas. Deve ser a tal lista levadade Cuiabá pelo genro do Totó Paes, que era chefe de polícia. Eque eram firmes correligionárias do grupo. Que aquilo fora feitode forma premeditada para enfraquecer de vez a oposição. Elescitam os nomes dos mortos.

A partir da baía do Garcez, os que eram contra Totó Paes,começaram a criar a imagem dele de homem violento. Essemassacre perseguiu sua biografia e história, até hoje. Como elefoi o perdedor na luta que viria a seguir e acabou sendo atémorto nela, não foi difícil jogar-lhe a culpa pelo que houve noGarcez. Por décadas, em Cuiabá, ouvia-se que ele caiu do go-

verno e teve aquele fim por causa do tal massacre.É difícil negar que aquele fato ocorreu. O que se argüi é

que ele foi usado à exaustão pelo grupo que tomou o poderdepois de 1906 e acabou enodoando para sempre a memória dequem pressupostamente estivera por trás do acontecimento. Obarulho daquele massacre, ajudado pelo bater do bombo dos

novos donos do poder, ecoou no imaginário popular em Cuiabápor muito tempo. Como veremos à frente, o inquérito policialsobre o ocorrido apareceu em 24 de agosto de 1906, ou seja,depois da morte do Totó Paes o assunto foi revivido e deu-seandamento jurídico a ele.

Portanto, o governo de Antonio Alves de Barros, preocupa-

do com algum tipo de levante, abriu um leque de ações e movi-mentou-se por pontos diferentes do estado. A oposição, claro,aumentou o tamanho dessas ações e falou em novos massacres.Uma força militar foi também para Diamantino. Gente da oposi-ção dali, como um dos Ferreira Mendes, teve que se refugiar naBolívia. Na confusão do momento, a oposição acusou as “for-

ças patrióticas”, comandadas por Totó Paes, de cometer atroci-dades em Barra do Bugres, num lugar chamado Chiqueirinho.Tudo, historicamente mais tarde, foi colocado em tons superla-

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tivos e de acusação ao lado perdedor do confronto final de 1906.Não se pode provar, por outro lado, que essas mortes não exis-tiram. O difícil é saber o tamanho dessas ações, pela falta deprovas adequadas.

Mas, enfim, havia ou não conspiração para tentar derrubar

o governo Antonio Alves de Barros? A reação na fazenda Con-ceição e em outras localidades pode ser vista dentro desse qua-dro de suposta conspiração? Aqueles ataques atrapalharam a açãode uma imaginada tentativa de confronto armado? A criação da“força patriótica” foi justamente para esse enfrentamento? Tra-balhemos um pouco mais esse assunto.

O governador Antonio Alves de Barros, em sua Mensagemà Assembléia Legislativa, de 14 de novembro de 1901, disse quea conspiração tinha sido confirmada. Que havia “documentospúblicos e particulares” sobre isso. E que estariam envolvidos“o senador federal Generoso Paes Leme de Souza Ponce e agen-tes principais o 1º Vice-presidente do estado, coronel João Paes

de Barros, e o coronel João Ferreira Mascarenhas”.Uma carta de 1º de fevereiro de 1902, de Ponce para seu

correligionário Joaquim Ferreira Mendes, diz que

[...] tudo quanto soube depois do fatal desenlace da malogra-

da tentativa de reação contra o despotismo que ainda agora

está imperando em nossa desventurada terra foi que o amigo,

acompanhado por alguns amigos de infortúnio, havia passa-

do por São Luiz de Cáceres com destino à Bolívia [...].

Mais à frente, diz que

foi cruel a desventura que nos perseguiu e não me parece

oportuno apurar responsabilidades em momento que ape-

nas devemos fortalecer nossos espíritos com a maior resig-

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nação para podermos enfrentar a adversidade e reagir com

vigor contra esse governo vil e infame que assassina nossos

correligionários, saqueia e incendeia nossas propriedades.

Na mesma carta, Ponce fala que podia haver desavenças

entre seus adversários, mas que “nós não devemos esperar uni-camente por isso. Também não podemos agir de momento por-que não devemos nos expor a um segundo desastre pelo quepreciso que com vagar aparelhemos os elementos indispensá-veis”. E será justamente isso que seu grupo fará mais tarde paratomar de volta o poder, em 1906. Ele fala, na carta, em malogra-

da tentativa de reação, em cruel desventura, segundo desastre,apurar responsabilidades pelo fracasso. Alguma coisa indica quehavia algo sendo tramado e que o outro lado aparou, antes, comuma reação talvez desproporcionada.

Este é um tipo dos documentos publicados por Ponce Fi-lho. Ele sempre quer mostrar uma atuação positiva e legalista

do seu pai, mas uma carta como essa, publicada na íntegra, sebem analisada, até seria contra aquela imagem que ele tentacriar. Mostra, no caso, que havia algum tipo de movimentaçãopelos que estavam na oposição. Os documentos publicados porele servem, portanto, como fonte de pesquisa. No caso destelivro, a busca foi pelo lado político dos temas. Os documentos

são longos e muitas vezes tratam de diferentes assuntos. Deve-se garimpar lá dentro o que interessa e algumas vezes são en-contrados dados contra o próprio pai do autor.

No Senado, em 3 de setembro de 1901, Ponce rebateu umaacusação do deputado Benedito Cipriano de Souza, genro deManuel Murtinho, de que havia uma conspiração em andamen-

to. Cipriano apresentou um telegrama que dizia: “Pedro Poncetelegrafou Generoso Ponce dizendo ter conferenciado Mascare-nhas e Malheiros e que estão prontos só esperando notícias San-

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tana do Parnaíba”. Isso até mesmo antes da baía do Garcez.Ponce negou com veemência que este telegrama existiu. Mas osituacionismo achava que algo estava por vir, daí a criação datropa paramilitar e de alguns ataques a grupos e pessoas do ou-tro grupo político.

Merecem registros os elogios que Generoso Ponce fez donovo aliado deles, João Paes de Barros, irmão do Totó e donoda fazenda Conceição e ex vice-governador do estado na chapade Antonio Alves de Barros, em correspondência para FerreiraMendes de 5 de julho de 1902. Fala que João Paes publicaria noRio “um manifesto esmagador acompanhado de valiosos docu-

mentos” sobre os acontecimentos em Mato Grosso. Que ele teveque retornar para Cuiabá e que “será uma pena que tenhamosque perder tão poderoso auxiliar”. A coisa fervia, até os irmãosse estranhavam. Alguns deles ficaram com o Totó Paes; outro,como o João, tomava rumo diferente. Os fatos indicavam que ogrupo que estava fora do poder se agarrava em tudo que podia

ajudar a criar força política para um enfrentamento mais tarde.Haveria uma eleição para cargos federais em 30 de dezem-

bro de 1902. O Partido Republicano apresentou o nome de Gene-roso Ponce para o Senado. Para deputado federal, os nomes fo-ram de Luis Corrêa da Costa, Joaquim Costa Marques, JoaquimFerreira Mendes e Arnaldo Novis. O outro grupo apresentou Joa-

quim Murtinho para o Senado e, para deputados, Lindolfo Serra,Benedito de Souza, Aquino Ribeiro e Costa Neto. Pela morte dovice-presidente eleito na chapa de Rodrigues Alves, Silviano Bran-dão, a eleição fora transferida para 18 de fevereiro de 1903.

Esta mudança na presidência foi importante para as andan-ças políticas em Mato Grosso. Saiu Campos Sales, amigo e cor-

religionário de Joaquim Murtinho. Além disso, como se mostraà frente, Totó Paes, já no governo, ligou-se ao presidente eleito,Rodrigues Alves. As conseqüências desse ato foram enormes na

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política estadual. Na Comissão de Verificação não deu outra coisa:todos os nomes escolhidos pelo situacionismo foram contem-plados. A oposição não emplacou nenhum dos nomes.

Na documentação publicada por Ponce Filho sobre aqueleassunto, há um pequeno fato que talvez tenha algum interesse

pelo momento que vive hoje Mato Grosso, onde a participaçãopolítica dos novos mato-grossenses é uma realidade. Em uma elei-ção anterior àquela de 1903, Manuel Murtinho criticara o adversá-rio porque escolhera um nome para a Câmara Federal que nãoera mato-grossense. Que ele falara “[...] saber da repugnância queo nosso eleitorado tem pelos filhos de outros estados [...]”. A críti-

ca da oposição é que, naquela eleição de 1903, os Murtinhos es-colheram dois alagoanos e um baiano, somente um deles era deMato Grosso. Aliás, o próprio governador do estado, Antonio deBarros, era do Maranhão. Era a presença nordestina na políticalocal da época. Até mesmo os Murtinhos tinham essa raiz: o paideles era da Bahia e se casara com uma cuiabana.

Em Mato Grosso, devia-se também trocar o governo. Esta-va no fim o de Antonio Alves de Barros. Totó Paes, com o pres-tígio em alta, indicou o genro, Aquino Ribeiro, para candidatodo grupo situacionista. Houve uma reação contra, incluindo osMurtinhos. Totó Paes recuou, ele é que seria indicado. Não sesabe se ele realmente queria seu genro no governo no qual teria

o controle por trás do palco e ficaria em sua atividade empresa-rial ou se era uma jogada política. Oferecia um nome que pode-ria ser recusado, pois havia muitas acusações a Aquino na capi-tal por atos de violência quando fora chefe de polícia. Ou deveter se lembrado do caso anterior do João Félix e da reação con-trária dos irmãos Murtinho. Com a recusa, ele foi aceito.

A eleição se deu em 19 de fevereiro de 1903 e a posse em 15de agosto do mesmo ano. A oposição apresentara também umachapa. Para governador, Manuel da Costa Marques, e para as

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vices, João Paes de Barros, Joaquim Ferreira Mendes e VirgílioAlves Corrêa. O interessante foi a presença do irmão do TotóPaes como primeiro vice da chapa que foi derrotada.

A política em Mato Grosso, depois da reação violenta aum suposto ataque da oposição e ainda com a saída de Gene-

roso Ponce do Senado, caminhou por algum tempo de formatranqüila. Totó Paes e os irmãos Murtinho acreditavam quePonce estivesse politicamente “morto”, como aparece em maisde uma correspondência. Ele se retirou para Corumbá e voltouà atividade comercial com a firma Ponce, Azevedo & Compa-nhia. Dali, fez negócios e também política. O presidente da

República era Rodrigues Alves. Totó Paes tinha uma boa liga-ção com ele. Mais uma vez, os acontecimentos nacionais in-terferirão na política do estado.

Usina Itaicy de Totó Paes.Álbum Gráfico de Mato Grosso.

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Casa importadora e exportadora em Cáceres.Álbum Gráfico de Mato Grosso.

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VII. Desavença política entreTotó Paes e os Irmãos Murtinhos

Em novembro de 1903, o Brasil assinou o Tratado de Pe-

trópolis com a Bolívia sobre o Acre. No acordo, estipulou-seque pedaços de terras do estado seriam transferidos ao país vi-zinho. João Novaes Barreto escreve que Joaquim Murtinho pe-diu ao governador Totó Paes que não aceitasse isso. Que atémesmo fizesse movimentações públicas no estado contra essepedido do presidente Rodrigues Alves. O governador consultou

o governo federal e recebeu um telegrama de Rodrigues Alves,que pediu apoio à proposta do Tratado. Totó Paes concordou.Esse ato foi muito importante para a compreensão do quadropolítico que se formou no estado.

No Rio de Janeiro, Joaquim Murtinho, homem do governoanterior de Campos Sales, estava em oposição a Rodrigues Al-

ves. Ele, Azeredo, Rui Barbosa e Pinheiro Machado faziam opo-sição àquele presidente. E essa oposição implicava em tentar,como é parte do jogo político, atrapalhar de toda forma a admi-nistração de Rodrigues Alves, inclusive complicando a finaliza-ção do Tratado de Petrópolis. O governador de Mato Grosso, aoficar do lado de Rodrigues Alves, criou um clima de insatisfação

com seu correligionário, senador Joaquim Murtinho.Mostrou independência demais e talvez o ex-Ministro da

Fazenda não tenha feito boa figura junto aos seus pares no Rio

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de Janeiro. Não era bom para sua liderança. Como é que al-guém que estava no governo que ele capitaneava e que ajudaraa ser tomado quase à força de adversários antigos, agora, nahora de se jogar junto com ele, resolveu se bandear para o ladoque fazia oposição no Rio? Uma posição política do Totó Paes

com a qual ele não concordava e foi um fato que, entre outros,o empurrou a romper politicamente com ele.

A tomada de posição de Antonio Paes pode ser olhada devárias maneiras. Uma, que foi inabilidade política dele em se afastarde gente graúda da política estadual, como os Murtinhos. Ele nãoestava tão forte no estado, apesar de seus comentários para a im-

prensa do Rio tentar mostrar o contrário. Ele era recém-chegadona política. Não havia ainda capilaridade pelo estado. E os anti-gos adversários estavam de espreita para tentar algum tipo demovimento contra ele ou até mesmo tomar-lhe o poder por elei-ção. Olhando por esse ângulo, sua aproximação com o presiden-te Rodrigues Alves e o automático afastamento dos Murtinhos foi

uma temeridade política que lhe trouxe conseqüências.Ou quem sabe, é uma segunda hipótese, ele fez essa apro-

ximação de forma calculada. Sabia que ia desgostar amigos po-líticos, mas ousadamente se ligava diretamente ao presidente.Separava-se de intermediários e buscava uma ligação que lhepodia trazer dividendos políticos e administrativos. E, além dis-

so, ao mostrar independência, tentava criar seu próprio cami-nho político no estado sem submeter-se a ninguém. Era gover-nador, tinha força paramilitar quando necessitasse e ainda como presidente ao seu lado teria a boa vontade da guarnição mili-tar federal no estado. Com tudo isso à mão e de acordo com suaprópria personalidade de não aceitar cabrestos políticos, resol-

veu arriscar. Colocou-se contra os Murtinhos.Numa terceira hipótese, a ida para o lado de Rodrigues Al-

ves foi porque não tinha outra escolha. Se fosse contra o pedido

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feito pelo presidente para ajudar na conclusão do Tratado dePetrópolis teria a má vontade dele. E, se isso ocorresse, teriacontra si a força militar federal instalada no estado. Ninguémpoderia fazer um movimento armado se não tivesse o seu apoio.E sempre havia a chance dos antigos adversários se juntarem

outra vez. Até poderia haver uma aproximação de Ponce com ogoverno federal. Coisa difícil, mas em política tudo é possível.

Quem sabe ainda, ao ficar com Rodrigues Alves, o gover-nador tenha pensado que nunca haveria no estado uma unidadede Ponce com os Murtinhos. Os ataques que Manuel e Poncefaziam um ao outro talvez mostrasse que eles nunca se aproxi-

mariam outra vez. Enquanto esteve no Senado, Ponce, toda vezque podia, atirava farpas duras para cima dos dois irmãos. Fren-te àquela animosidade, deve ter imaginado Antonio Paes quenão haveria liga política futura entre eles. Enganou-se, pois empolítica quase tudo é possível, até mesmo a futura unidade dosdois grupos ainda rivais.

Prevendo a reação dos Murtinhos ao apoio que dava aoTratado de Petrópolis, foi que, em sua Mensagem à AssembléiaLegislativa de 3 de março de 1904, Antonio Paes baseou suadecisão em ceder pequena porção de terras aos bolivianos numparecer do Barão de Melgaço, figura respeitada no estado. TotóPaes se escudou em um parecer que mostrava que a cessão da-

quelas terras aos bolivianos não afetaria a geografia e a sobera-nia do estado.

Ele sabia que o seu apoio ao Tratado de Petrópolis, de seter colocado contra a vontade de Joaquim Murtinho em suasquerelas políticas no Rio, poderia provocar a reação dele. A lon-ga citação do parecer indica isso. Esperava, quem sabe, apazi-

guar a situação criada se estribando em nada menos do que noBarão de Melgaço. Em política, isso quase não tem valor quan-do o interesse é ferir o adversário e qualquer arma é válida.

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João Francisco de Novaes Paes Barreto, juiz de direito dacapital em 1903, foi nomeado secretário de governo de Totó Paes.Foi, entre 1906 e 1911, deputado federal por Mato Grosso. Eleescreveu um pequeno trabalho sobre aquele momento no esta-do. Acreditava que a “gênese” da revolução contra Antonio Paes

começou com a questão do Tratado de Petrópolis. Ele deu al-guns dados interessantes sobre o assunto. Falou nas negocia-ções do governo brasileiro para resolver a questão do Acre. To-cou na existência do chamado “bolivian syndicate”, tema quefoi mais bem analisado por E. Bradford Burns, em seu livro so-bre Rio Branco.

O governo boliviano, vendo que perderia o hoje Acre parao Brasil, procurou arrendar a área para um grupo do exterior.O Brasil viu nisso uma manobra perigosa e que atrapalhariaem negociar diretamente com o governo boliviano. Rio Bran-co, mais tarde, resolveu essa situação ao acertar um pagamen-to a membros daquele sindicato. Esse assunto já estava na im-

prensa. Totó Paes foi alertado sobre isso e ainda sobre a possi-bilidade de construção de ferrovia como resultado do acordoentre o Brasil e a Bolívia.

Ele resolveu então consultar Rio Branco sobre essas an-danças. Quem respondeu diretamente a ele, segundo João Bar-reto, não foi Rio Branco e sim Rodrigues Alves. Este pediu ao

governador, por telegrama, que “não causasse dificuldades aoacordo Brasil com a Bolívia”. E que o governador “em sua res-posta aquiesceu ao pedido, assumindo compromisso nesse sen-tido”. E ele concluiu: “eis aí a gênese da revolução mato-gros-sense de 1906 e suas trágicas conseqüências”.

Entendo que não era o Tratado de Petrópolis em si que inte-

ressava aos opositores de Rodrigues Alves. Este era mais um pre-texto para a luta política que se desenvolvia no Rio de Janeiro eum dos líderes era Joaquim Murtinho. Uma vitória fácil de Rodri-

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gues Alves num assunto melindroso como aquele poderia fortale-cê-lo politicamente. Bombardear o acordo era uma arma da lutapolítica do momento. E Antonio Paes, contrariando interesse dosMurtinhos, se colocou a favor do presidente da República.

João Barreto resumiu a discussão que se deu no Congresso

em torno desse tema. Como juiz de Direito, enfocou a questãotambém pelo lado jurídico. Disse que os oposicionistas acha-vam que o Brasil tinha direito àquele território (Acre), mas queas concessões nossas tinham sido excessivas, “oferecendo con-cessões por demais generosas”. Quem mais fazia a defesa poresse ângulo era Rui Barbosa, um mestre na arte de esgrimir o

Direito para o lado que lhe interessasse no momento político.A discussão no Congresso era, no entanto, mais política do

que jurídica. Queriam atazanar a vida de Rodrigues Alves e nãotanto saber se Mato Grosso ia doar essa ou aquela quantidadede terras ao país vizinho. Diz João Novaes Barreto que “os opo-sicionistas não se limitavam a achar excessiva a compensação

dada à Bolívia, pois alegavam que a concessão de terrenos àmargem do rio Paraguai e das lagoas que com ele se comunica-vam prejudicava a segurança de nossa fronteira por aquele lado”.

Muitos negavam mesmo a competência da União para alie-nar terras, sustentando que a mesma dava o que não tinha ecedia um direito que não era seu. Defendia, contra o Tratado, a

doutrina de que o território nacional não pertencia à União, masaos estados, cada um quanto à parte que ficava dentro dos seuslimites. E que, para haver alienação, ou para que ela fosse legi-timada, “era preciso o consentimento ou a aprovação do estadode Mato Grosso”.

Com um ponto de vista desses e ainda porque havia uma

luta política com o presidente da República é que Joaquim Mur-tinho queria Antonio Paes do seu lado. Este ficou com Rodri-gues Alves. O mesmo João Novaes Barreto, ainda enfocando o

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assunto que era político pelo lado jurídico, sua seara, cita umjurista da época, José Isidoro Junior, que defendia que a cessãode terras em Mato Grosso era uma “formalidade indispensável”e que para isso, se necessário, até poderia ocorrer “a deposiçãodo governador do estado a bem dos interesses nacionais ligados

ao Tratado e à manutenção da paz sul-americana”. JoaquimMurtinho havia pedido apoio do governador à sua pretensão eainda pediu que ele fizesse manifestações públicas e até comí-cios pelo estado contra a tentativa de Rodrigues Alves. Não o feze ficou com o presidente.

João Novaes Barreto conclui esta parte dizendo que “esses

acontecimentos marcaram o início de uma nova época na polí-tica de Mato Grosso. O governador julgou-se no dever de diver-gir de amigos que

[...] constituíam o mais forte sustentáculo do seu governo e

que ficaram irremediavelmente ressentidos com sua atitu-

de. Originou-se, assim, uma sensação de mal-estar entre

os amigos da situação dominante, levados a se colocarem

em campos opostos, em momento grave para o Brasil, e

vendo estremecidas as relações entre correligionários, cuja

solidariedade lhe era de grande valia.

O Tratado de Petrópolis é de 17 de novembro de 1903. Aoaceitá-lo e ficar com Rodrigues Alves, a sorte política de Anto-nio Paes estava em jogo. De 15 de agosto de 1903, quandotomou posse, até novembro daquele ano, haviam se passadotrês meses de seu governo. Em tempo curto, ele resolveu to-mar um caminho que, certo ou errado, bem pensado ou não,

definiu seu futuro político e até custou-lhe a vida. Decisõesdesse tipo é que, no geral, marcam a história de alguém ou deum lugar. Este é um caso.

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Mas, afinal, o que Mato Grosso, de acordo com o Tratadode Petrópolis, cederia à Bolívia e que estava causando tanto fu-ror político no Rio de Janeiro e que traria conseqüências tam-bém para a política no estado? A Mensagem do governador An-tonio Paes de Barros à Assembléia Legislativa, de 3 de março de

1904, mostra o assunto.Dizia que o Tratado de Petrópolis, “mediante permutas e

compensações”, modificava um outro entre o Brasil e a Bolívia,de 27 de março de 1867. Que

pelos novos limites ficou pertencendo ao Brasil todo o cha-

mado território do Acre [...] ao todo 191 mil km2. E a Bolívia

obteve uma área de 2.293 km2 sobre os rios Madeira e Abunã

e mais as seguintes concessões neste estado: 723 km2 sobre a

margem direita do rio Paraguai, dentro do território conheci-

do como baía Negra; 116 km2 sobre a lagoa de Cáceres, com-

preendendo uma nesga de terra firma de 49,6km2 nas mes-

mas condições sobre a lagoa Mandioré. Mais 8.2 km2 sobre a

margem meridional da lagoa Gaíba. A construção de uma

estrada de ferro em território brasileiro ligando Santo Antonio

ao Madeira, a Vila Bela [...] O Brasil obrigou-se ainda a fazer

um pagamento à Bolívia de dois milhões de libras esterlinas.

Este Tratado foi aprovado pelos Congressos dos dois países.Rodrigues Alves teve uma vitória política sobre seus adver-

sários, Joaquim Murtinho entre eles. Olhando pelo retrovisor dahistória o fato e a contestação da oposição ao governo federal,que trouxe um problema político para Mato Grosso, nada maiseram do que ações políticas. O estado ia ceder menos de 900

km2 de terras, em lugares quase inacessíveis, como mostrava oparecer do Barão de Melgaço, para acertar um acordo que davaao Brasil cerca de 190 mil km2.

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Também na referida Mensagem estava o embasamento ge-ográfico e técnico feito pelo Barão de Melgaço. É que, já preven-do a borrasca política que sua atitude geraria, como gerou, jun-to aos Murtinhos e seus amigos, como o senador José Metello,Totó Paes procurou se embasar num parecer de um homem que

era uma lenda na história de Mato Grosso, principalmente quandose referia a estudos de fronteiras. Acredita-se que quem buscouessa informação foi o historiador Estevão de Mendonça que, àépoca, trabalhava próximo à Totó Paes.

O governo Totó Paes descobriu, nos arquivos, a carta queo Barão havia mandado em 16 de março de 1852 ao Conselheiro

Duarte Ribeiro, onde mostrava os lugares que o Brasil poderiaceder à Bolívia, “sem inconveniente para este estado e para oBrasil”. No que ele fala, interessantemente, estava já incluído oque o Brasil cederia anos depois à Bolívia pelo Tratado de Pe-trópolis. O Barão de Melgaço era um entendido em demarca-ções de terras de fronteiras. Ele fez minuciosa descrição de la-

goas, rios, alagados, matas, do que existia ali, das dificuldadesde acesso, da falta de água em certos lugares, se havia condi-ções ou não de navegação, de onde se poderia fazê-la, o que eravantagem ou não para o Brasil.

Em determinado trecho, disse que, para

os bolivianos seria muito precária a sorte de quaisquer es-

tabelecimentos que fizessem nesses lugares, pois que a sua

conservação seria bastante difícil e dispendiosa, sendo que

nós, em caso de ruptura, poderíamos cair de improviso

sobre tais estabelecimentos”.

Dava até sugestões para uma tomada militar de lugares comoaquele, que poderiam ser cedidos sem problemas pelo estado.É um parecer bem fundamentado. Mas, frente aos fatos políticos

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em andamento, não tinha importância alguma para os novosadversários de Antonio Paes. Seus antigos aliados romperão es-petacularmente com ele.

Houve, por causa do Tratado de Petrópolis, um afastamentodo governador com os Murtinhos. A oposição a ele aproveitou-se

da situação. Mas, além disso, outro fato nacional, maior talvez,fez o afastamento dos antigos aliados aumentar ainda mais.

Em 1905, encabeçado por Rui Barbosa, Joaquim Murtinho,Pinheiro Machado e outros, foi criado no Rio de Janeiro ummovimento político praticamente suprapartidário chamado Co-ligação. Ele tinha o escopo de enfrentar Rodrigues Alves na sua

movimentação para escolher seu sucessor. Ele queria como su-cessor Bernardino de Campos, governador de São Paulo. Figu-ras da política nacional atacaram essa pretensão presidencialatravés da Coligação.

Totó Paes, outra vez, contrariou os Murtinhos ao aceitar aindicação de Rodrigues Alves para a presidência. No ponto de

vista de seus antigos parceiros políticos, aí já era demais. Emduas situações – no Tratado de Petrópolis e na escolha do futu-ro presidente –, o governador ficara contra os Murtinhos e afavor do presidente da República.

A separação efetiva tomou rumo concreto com a viagem aMato Grosso de Manuel Murtinho e o senador José Metello, em

1906, para criarem a Coligação no estado. Em Corumbá, manti-veram conversação com Generoso Ponce, que ali tinha a sedeprincipal de sua firma comercial e que nunca parara de fazerpolítica, como atestam suas correspondências. É só buscar nointerior dos documentos gerais coletados por Ponce Filho.

Com sua casa importadora e exportadora, Ponce fez políti-

ca o tempo todo. Ele possuía representações em Corumbá, Cui-abá e Diamantino. Espalhado por essa região, dava para fazernegócios e política também. Como exemplo, em 26 de dezem-

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bro de 1904, ele escreveu a Manoel de Araújo, vulgo Manito, queera seu representante em Coxim. Falou em negócios e, lá pelomeio da carta, disse: “estou esperando que me escreva comminuciosidade a respeito das novas adesões que aí tem tido onosso partido. Passou a nova lei eleitoral e tem-se de fazer no-

vos alistamentos de eleitores”.Ao ler essas correspondências, fica a impressão de que ele

pensava mais em política do que nos negócios de sua firma.Não estava morto politicamente, como se pensava. Fingia, tal-vez. Ele disse uma coisa interessante, na mesma carta ao Mani-to: que a lei eleitoral nova permitia o “voto cumulativo”. Para

deputado federal, o eleitor poderia “dar três votos a um só indi-víduo repetindo três vezes o nome dele na sua chapa”. Inven-ção político-eleitoral não é predicado só dos últimos tempos noBrasil. Vem de longe.

Em 7 de fevereiro de 1905, escreveu outra carta ao repre-sentante em Coxim sobre negócios e que continha também no

seu interior falas sobre política. E disse: “agradeço-lhe muito osparabéns que me dá pela grande dissidência que aí se deu nopartido adverso”. Já estava em andamento a luta entre os Murti-nhos e Totó Paes, havia a possibilidade de união entre antigosadversários. Continuou falando em negócios e, lá pelas tantas,voltou à política e pediu ao amigo que tivesse cautela em suas

ações, “pois a reserva em política é uma arma muito poderosa.Sem reserva, nada se consegue”. É o que ele vinha praticandodesde que perdera o poder no estado e o mandato de senador.

Para mostrar como o Mato Grosso da época se ligava aoPrata, ele disse que estava “sofrendo de saúde” e que iria “nopaquete até Montevidéu”. Ia se tratar lá, não no Rio de Janeiro,

que ficava longe e muito menos em Cuiabá. É que, na capital, ascondições eram também precárias e, além disso, era o governodo seu adversário, Totó Paes.

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Ele disse, na mesma correspondência, que a eleição have-ria de “obrigar o régulo do Itaicy a abandonar o poder, o queteria feito desde já se tivesse vergonha, mas as eleições federaishaverão de deixá-lo desmoralizado por completo”. Os nomesque os opositores daquele tempo deram ao Totó Paes impressi-

onam. Falam em déspota, Calígula, régulo, senhor feudal, auto-ritário. Nero era o mais comum. A oposição criava essa imagemdele que, aliás, perdurou por muitos anos. Não é que ele nãofosse autoritário, mas é que praticamente todos eram.

Não se vai querer aceitar que Generoso Ponce e seus alia-dos não o fossem também. Que não tomaram governos pelas

armas. Que não perseguiram os adversários políticos, como re-zava a cartilha da época. Não havia santos nesse jogo. E um dosmais conhecidos por sua veia autoritária era o próprio Ponce. E,no entanto, parece que era somente o Totó Paes. Só se podemaventar hipóteses para esse caso.

Quem sabe pode-se dizer que o Antonio Paes rompeu com

o que vinha acontecendo até ali. Procurou criar um grupo polí-tico próprio e rápido e escorraçou quase todo o outro do podere dos lugares em que pudesse exercê-lo. Antes, tiravam-se osadversários do governo, mas o compadrio, as amizades caracte-rísticas da época, sempre deixava alguém num canto. Uma nes-ga de poder ficava, portanto. Totó Paes, querendo ocupar logo

seu lugar na política, preencheu os espaços existentes. Manteveainda alguma ligação com a família dos Murtinhos no preenchi-mento de cargos no estado.

Mas o mesmo não acontecia com os familiares e amigos deGeneroso Ponce. Aí havia enfrentamento, procuravam-se neu-tralizar os que o cercavam. Mexidas como essas e a expulsão de

praticamente todo mundo ligado ao Ponce do governo, açãoque contrariava a norma local, mais a morte de alguns, como nocaso da Baía do Garcez, é que talvez levou a oposição a criar

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nomes para identificar Totó Paes e fazer afirmações sobre o seumodo de ser.

Pois bem, a Coligação já estava criada no âmbito federal.Rui Barbosa, Pinheiro Machado e Joaquim Murtinho faziam par-te dela. Era a tentativa da oposição de se contrapor à idéia de

Rodrigues Alves em emplacar Bernardino de Campos, governa-dor de São Paulo, como seu sucessor. Eram os cafeicultorespaulistas em ação. Houve uma reação política e, mais tarde,foram vitoriosos com a indicação e a eleição de Afonso Pena.Mas antes de chegar a isso muita água correu debaixo da ponte,principalmente no longínquo Mato Grosso.

Por alguns fatores, portanto, houve o afastamento de TotóPaes dos Murtinhos: Tratado de Petrópolis, apoio dele à indica-ção de Bernardino de Campos e também um novo assunto. ComoAntonio Paes tinha o apoio do governo federal, ele tentou umempréstimo no exterior e isso teria que passar pelo Congresso.Ali, foi bombardeado, agora por Azeredo, Joaquim Murtinho e

José Metello. Um empréstimo que, se passasse, daria para o TotóPaes melhorar sua administração, o que não era bom para aoposição, que crescia ainda mais.

Diz Azeredo, em um artigo para o Jornal do Comércio,de 21 de junho de 1907, que Totó Paes queria reformar a Cons-tituição estadual para tentar a reeleição (a oposição temia que

Totó Paes tentasse eleger para governador seu genro) e ainda“a tentativa de empréstimo no exterior que traria a ruína finan-ceira do estado”. Em 9 de janeiro de 1906, um opositor ao go-verno, Joaquim da Costa Marques, escreveu a Ponce e faloutambém no tal empréstimo. Eles tinham receio que Totó Paeso conseguisse. Disse Costa Marques que “causou alegria entre

os nossos a notícia do fracasso do empréstimo. Será a mortedo tirano”. O empréstimo, se real, poderia até ser útil para oestado, mas o mundo da política não funciona dessa maneira.

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O empréstimo fortaleceria politicamente o governador, o me-lhor então era impedi-lo.

Em 1906, Manuel Murtinho e o senador José Metello, comojá mencionado, vieram a Mato Grosso para criar a Coligação.Passaram, antes, por Corumbá para uma conversa com Genero-

so Ponce. A política é cheia de nuances e reviravoltas. Quem éque imaginaria que os Murtinhos e o Ponce se entenderiam? Es-tavam em campos opostos, atacando um ao outro. As cartas,pronunciamentos, jornais, tudo era no sentido de mostrar queum lado não prestava. De repente, tocados por fatos novos dapolítica nacional, lá estavam os antigos adversários montando

um grupo comum e unido ao redor da Coligação contra o go-vernador do estado.

Eles conversaram na casa de Serzedelo Corrêa. Era um coro-nel do Exército com pendores políticos e, como atacara muito ogoverno Rodrigues Alves, havia sido punido com a designaçãopara Corumbá. Aliás, essa foi uma prática comum naquela época:

grandes nomes do militarismo nacional estiveram no estado comopunição por atos praticados na capital federal. Naquele específi-co momento, outros nomes na hierarquia militar haviam sidopunidos também pelo governo federal e estavam em Mato Gros-so, incluindo gente destacada para o forte de Coimbra.

O governo Rodrigues Alves enfrentara revoltas por causa

da questão da saúde pública. Na erradicação da febre amarela ena da vacinação contra a varíola. Nesta, a Escola Militar mar-chou contra o palácio do governo. Perderam o embate e algunsdos envolvidos foram mandados para Mato Grosso. E, nesse caso,eles eram todos contra o governo do presidente e a favor daColigação.

Escreve Dantas Barreto que oficiais e praças se envolviamnos assuntos políticos do estado e tomavam lado também “naesperança de uma anistia que não se fez tardar”. Todos queriam

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retornar para o Rio e, com o surgir de uma dissidência política,como a Coligação de âmbito federal e agora estadual, nada me-lhor do que ficar com essa posição, contra Rodrigues Alves eseu aliado em Mato Grosso, Totó Paes.

Era, outra vez, um fato da política nacional afetando as coisas

no estado. Totó Paes foi, portanto, o alvo dos Murtinhos, Azere-do, Metello, Ponce e seus aliados e também de parte dos oficiaismilitares federais. No momento em que membros da Coligação,como Manuel Murtinho e Metello, vinham discuti-la e criá-la noestado, eles ficaram com esse grupo. Totó Paes perdeu esse in-dispensável apoio. Continuou com o suporte do presidente, mas

teve contra si a má vontade de parte dos oficiais das Forças Ar-madas, que eram contra Rodrigues Alves e a favor da Coligação.

Um fato que mostra essa preferência foi que Manuel e Me-tello, ao passarem pelo forte de Coimbra, receberam uma salvade 15 tiros de canhão, saudação que só era possível a generais.Este assunto gerou muitos comentários e debates no estado,

naquele tempo e depois.Mesmo com toda essa movimentação de militares contra

Rodrigues Alves e Totó Paes, o presidente sempre lhe deu guari-da. A um pedido dele, por exemplo, tirou do comando militarde Mato Grosso o general Abreu Lima e ainda mandou para ou-tro estado outro opositor deles, coronel Horácio Almeida. A

oposição disse que isso foi feito para ajudar o governador naeleição de novembro de 1905.

Naquelas substituições, o que chama a atenção é como opresidente dava apoio ao governador. Os fatos sugerem que adecisão política dele em ficar com o presidente na questão doTratado de Petrópolis e também o apoiando na escolha do su-

cessor à presidência lhe deu essa força junto a Rodrigues Alves.Se não tivesse feito isso, teria talvez o suporte dos Murtinhos,mas não o do presidente. Sua opção, até aquele momento, lhe

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havia sido útil. Para mostrar como Rodrigues Alves estava comele, Totó pediu e conseguiu a substituição de quem fizera aque-la saudação no forte de Coimbra, mas até a substituição daque-les oficiais e de tantos outros, que mostrava prestígio políticocom o governo federal, iria provocar acrimônia entre os amigos

de fardas dos que foram substituídos. O clima político nacionale local era tenso. Qualquer mexida provocava efeitos colaterais.

Os Murtinhos e Ponce se uniram, portanto. A política é tãointeressante que Ponce, esquecendo tudo que havia dito e escri-to contra Manuel Murtinho, no acordo feito em Corumbá, indi-cou seu nome para ser o próximo governador do estado. Disse,

num trecho de uma carta a Pedro Celestino, de 19 de setembrode 1905, e publicada na íntegra por Virgílio Correa Filho, que“aliei-me ao Dr. Manuel Murtinho de corpo e alma, sem outraqualquer condição além de ser ele o presidente (governador) nopróximo quadriênio”.

Na mesma longa carta, fala que existia a possibilidade de

um acordo com Antonio Paes, elaborado lá no Rio com o con-curso de Afonso Penna, mas que seria difícil o governador acei-tar. Seria humilhante que ele aceitasse a

modesta posição que lhe oferecem na razão de um terço

da representação estadual, municipal e federal, deixando

de ser o chefe supremo e árbitro único da política estadual

[...] naquela hipótese de aceitar ele tão humilhante acordo.

Se ele, porém, não aceitar, o que será melhor [...].

O adversário maior para ele era o Totó Paes e os Murti-nhos serviam para esse enfrentamento, como também para

os Murtinhos servia o Ponce. Poderia ser, como fora antes, obraço armado para qualquer evento militar futuro. O que defato ocorreu.

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Os Murtinhos romperam formalmente com Totó Paes, masele não rompera, em termos pessoais, com os Murtinhos. Pro-curou manter um canal aberto com eles. Trocava cartas com oManuel. O filho deste, José Murtinho Sobrinho, foi, durante pra-ticamente todo o mandato de Antonio Paes, chefe de polícia do

estado. Ele saiu somente depois de formalizada a oposição pelaColigação, da qual seu pai era um dos líderes. Totó Paes tentavamanter um pequeno canal de abertura com os Murtinhos, prin-cipalmente numa área importante localmente, que era empre-gar alguém e dar-lhe um aparente pedaço de poder. Não havia,porém, essa aproximação com gente ligada a Generoso Ponce.

O governador procurava sempre se informar, na capital fe-deral, sobre o tamanho do prestígio e das ações da Coligação. Asua impressão era de que se falava muito, mas que o perigo nãoera tão grande assim. Achava que era possível contornar o fato eainda se sair bem politicamente, mesmo sem o apoio em umabancada federal. As informações que lhe transmitiam do Rio de

Janeiro eram apaziguadoras, mas o que talvez ele não mediu foio tamanho real do descontentamento no estado.

Os ofícios e monções de apoios que recebia eram atos for-mais, daqueles que, de tão comuns, viram quase que rotina ad-ministrativa e não política. Por exemplo, a Assembléia Legislati-va, em outubro de 1905, enviou mensagem de apoio a ele. Rece-

beu também ofícios de apoios das Câmaras Municipais, em ja-neiro de 1906, de Poconé, Cáceres, Cuiabá, Miranda, Rosário doRio Acima e outras localidades. Não parece que eram sinceros,pois, na luta à frente, a maioria logo ficou com a oposição quetentava tomar o governo. Parece também que o Totó Paes nãoacreditou em defecções de pessoas que ele achava que fossem

amigas e novas correligionárias, mas, na hora do vamos ver, aspessoas tomavam posições que melhor fossem para sua própriasobrevivência.

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João Novaes Barreto gostava de fazer observações parale-las aos fatos políticos em andamento. Era um juiz de direito quefora jogado no turbilhão da política e daí talvez suas observa-ções passarem por outros ângulos. Ele dizia que a

inquietação reinante não atingia apenas os chefes partidá-

rios e seus mais ardentes adeptos, mas também os cida-

dãos pacíficos, avessos às lutas locais, e os representantes

das classes conservadoras que desejariam continuar seus

trabalhos habituais e se sentiam envolvidos pelo redemoi-

nho político [...] Era, sobretudo, o instinto de conservação.

As pessoas acabavam sendo envolvidas sem querer nas re-fregas da elite e tinham que sobreviver. Tinham que estar ante-nadas e saber de que lado ficar para serem “vitoriosas”.

Muitas vezes, elas eram envolvidas sem querer por esse ouaquele lado. Eram recrutadas à força para ajudar nessa ou na-

quela luta. Tinham que abandonar seus afazeres para entrar narefrega. Traziam conseqüência para suas famílias e possivelmentenenhum benefício futuro para si depois das diferentes batalhas.Disse João Barreto que uma pessoa da época usou a expressão“tenho medo do medo” que as revoluções provocavam.

Era considerado um fato curioso no Rio de Janeiro, como

disse Rodrigues Alves e também Dantas Barreto no seu livro,que Mato Grosso, com uma população diminuta e não muitoesclarecida, podia mobilizar tanta gente para enfrentar dissídiospolíticos e para confrontos militares. Era questão de sobrevi-vência. Se não fossem participar, sofreriam retaliação. Se fos-sem fora de hora, perderiam o bonde dos acontecimentos e teri-

am conseqüências também. Todos eram obrigados, portanto, aestarem atentos aos fatos e não serem apanhados de surpresa eainda tentar se sair bem dos embates entre grupos da elite. Pou-

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co se fala sobre o povo nos escritos e comentários dos dirigen-tes políticos. Um juiz de direito deu uma pequena contribuiçãonesse sentido.

Havia comentários de que poderia haver um acordo quesalvasse a situação política e de confronto em que se encontra-

va o estado. Nem todos achavam que se chegaria aonde se che-gou. Que o bom senso funcionaria a certa altura dos aconteci-mentos. Este talvez tenha sido o erro do Totó Paes: acreditarque a Coligação não tinha a força que se imaginava e que nãohavia clima no estado para um levante contra ele. Acreditoudemais no apoio do governo federal e na força militar instalada

no estado.Achava ainda que teria prestígio suficiente para influenciar

na Comissão de Verificação na escolha final dos futuros parla-mentares federais. Que o governo federal o ajudaria nisso. Outroerro de avaliação, como se verá logo. João Barreto diz que TotóPaes começou a avaliar de forma diferente os acontecimentos

quando amigos que lhe eram fiéis começaram a abandoná-lo eentão teve condições de “medir bem a extensão da crise”.

Mas tinha ainda um fato para acontecer que azedaria devez as relações entre os adversários políticos. Deveriam ser es-colhidos, na próxima eleição, quatro deputados federais, umsenador e ainda haveria a renovação da Assembléia Legislativa.

A Coligação propôs que o Partido Republicano Constitucionaldo governador, ao invés de apresentar uma chapa completa,indicasse apenas dois nomes e a Coligação apresentasse os ou-tros dois. E que o senador Antonio Azeredo fosse candidato únicoao Senado. Propunha ainda que não se levasse adiante a idéiade se ter reeleição para governador, nem reforma na Constitui-

ção estadual e nem contrair mais o empréstimo no exterior. AColigação pedia ainda que tivesse maioria de um deputado es-tadual entre os 24 da Assembléia.

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Totó Paes, vendo a borrasca aumentar, aceitou praticamentetudo o que a Coligação propôs. Só não aceitava que ela tivessemaioria na Assembléia Legislativa. Estava vendo politicamentelonge. Sabia que, com minoria, a qualquer momento e por qual-quer fagulha, poderia ser votada sua cassação e outros atos con-

tra sua administração. O embate militar futuro não foi exclusivopor isso, mas o arremate de João Barreto é sugestivo ao dizerque, “devido a uma cadeira de deputado não se pôde evitar aconflagração no estado”. Falou outra vez o juiz de direito, nãoera homem da política.

Uma carta de Azeredo para Ponce, logo depois da conversa

deste com Manuel Murtinho e Metello, em Corumbá, para a uniãopolítica deles, mostra que aquele grupo já via lá na frente esseassunto e não queria dar chance ao Antonio Paes. Disse Azeredo:

realmente, o acordo era simples e honroso para nós, pois

daríamos – a Coligação – dois deputados federais e meta-

de da representação estadual e municipal, sem falarmos

na minha reeleição, mas o Manuel telegrafou terminante-

mente ao Joaquim que era inadmissível esse acordo com o

Totó Paes, que estava fraquíssimo e caindo aos pedaços.

Quando o governador pensava em fazer um acerto para

aquele arranjo político, já havia gente pensando em criar meiosde inviabilizá-lo.

Afonso Pena ainda tentou um acordo de última hora. Pro-pôs que a Assembléia Legislativa fosse dividida ao meio, 12 de-putados para cada lado. Azeredo aceitou, os Murtinhos não. Édifícil dizer se foi o apoio dado pelo Totó Paes ao Tratado de

Petrópolis e ao candidato indicado como sucessor de RodriguesAlves que os levou a isso. Ou, talvez, não estivessem gostandoda forma independente como agia Antonio Paes. Avaliaram mal

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a personalidade dele, agora queriam cortar-lhe as asas antes queficasse muito forte politicamente.

A verdade é que se esteve perto de uma solução negociadano Rio de Janeiro para o impasse político em Mato Grosso. OsMurtinhos não deram o aval que poderia salvar Totó Paes e mudar

o curso da política no estado. Tudo o que houve antes poderiaser esquecido se houvesse um acordo político que satisfizesseos diversos interesses.

Os fatos sugerem que o que a classe política via mesmo eracomo definir as candidaturas na área federal e estadual. Todo orestante poderia ser contornado. O impasse político na divisão

do número de parlamentares para cá e para lá é que foi o toquefinal para a tempestade que se avizinhava.

Totó Paes perdeu para a Coligação a eleição de 1º de no-vembro de 1905 para a Assembléia Legislativa e para a maioriadas Câmaras municipais. Era um sinal de que os fatos políticosnão estavam tão assim do seu lado. Se tivesse feito essa leitura

dos acontecimentos, quem sabe muita coisa teria mudado emsua ação e comportamento político.

Mais tarde, como resultado da eleição de 30 de janeiro de1906, a Comissão de Verificação da Câmara reconheceu trêsdeputados federais da oposição e somente um da situação, JoãoNovaes Barretos. É que a Comissão de Verificação, mesmo ain-

da sendo no governo Rodrigues Alves, estava no controle daoposição. E a maioria dos candidatos em Mato Grosso, que es-tava com Totó Paes, não foi reconhecida. Antonio Azeredo foitambém reconhecido Senador. O governador perdera uma im-portante batalha.

Acreditava no apoio do governo federal, mas era um governo

saindo e o outro que entraria era dos oposicionistas. Rodrigues Al-ves perdera a disputa com a Coligação para a indicação do nome apresidente. Ganhou Afonso Pena. No momento em que isso ocor-

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reu, ele já estava enfraquecido. O Congresso olhou para o presi-dente que entraria e não para o que ia sair. Totó Paes ficara quasesem representante no Rio. Os três senadores, Murtinho, Azeredo eMetello contra e ainda três dos quatros deputados federais.

E, para complicar ainda mais sua situação, o vice-governa-

dor também bandeou para os adversários dele. Uma carta deJoaquim Caracíolo de Azevedo para Ponce, de janeiro de 1906,dizia que “o Pidu (coronel Pedro Leite Osório, que já se desliga-ra do Totó) tem vindo à loja e manifesta desejos que venhas paracá, pois ele te julga o homem capaz para enfrentar o Nero”.Também quando esteve em Cuiabá para formalizar a Coligação

e a união de lideranças contra o governador, José Metello ficouhospedado na casa de Pedro Osório. Lá, ele recebeu o enviadodo governador, Antonio Fernandes, para uma conversa de boas-vindas. O cerco estava feito. O vice foi importante no jogo arma-do pela oposição contra o governador.

Quem ficou até o fim com ele foi o presidente Rodrigues

Alves. Nunca lhe negou apoio. Não era somente porque ele se-guia a política dos governadores do seu antecessor, mas talvezpossa ser dito que isso ocorria devido ao apoio que o governa-dor lhe deu no embate nacional sobre o Tratado de Petrópolis.Se o governo do estado tivesse se levantado contra, feito mani-festações populares como queria Joaquim Murtinho com base

na questão jurídica, talvez a oposição tivesse condições de im-por uma derrota ao presidente. Uma derrota no Congresso so-bre um assunto de tamanha repercussão teria conseqüênciaspoliticas graves para ele. Além disso, o governador apoiou aindicação de Rodrigues Alves, Bernardino de Campos, para apresidência. Um ato frontalmente contra o que queriam e defen-

diam os Murtinhos. Daí talvez porque ele deu todo suporte aTotó Paes. Não conseguiu impedir sua deposição e morte porfatores circunstanciais, como se mostra à frente.

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O apoio de Rodrigues Alves foi importante, mas Totó Paesfez uma jogada política de risco ao se aproximar dele. Com issocriou uma confusão política no seu próprio terreiro. Pendeudemais só para um lado. É minha impressão que as ações quelevam Totó Paes a romper politicamente com os Murtinhos foi

um equívoco. Se ele já havia endossado o Tratado de Petrópolispodia contemporizar e não apoiar o candidato de Rodrigues Al-ves à Presidência. Ficava neutro ou com o candidato dos Murti-nhos. Um gesto neste sentido talvez nem fosse notado no Rio.Era pequena a importância de Mato Grosso na definição da po-lítica nacional. Muito provavelmente Rodrigues Alves entende-

ria o posicionamento do Totó. E um, digamos, gesto de neutra-lidade dele não iria colocar o presidente da República que saíacontra o seu governo.

Afrontar os Murtinhos duas vezes não pareceu uma atitudepolítica ponderada. Totó Paes ainda não havia criado um grupopolítico confiável e espalhado pelo estado. Sabia que Generoso

Ponce e seus amigos eram ainda adversários consideráveis. Iso-lar-se politicamente pode ter sido um equívoco. Até poderia,mais tarde, quando estivesse politicamente mais forte, rompercom os Murtinhos. Não ainda àquela altura. Acabou jogando osdois irmãos, principalmente o Joaquim, nos braços de seus ver-dadeiros e imediatos adversários na política estadual.

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VIII. Morte de Totó Paes ehipóteses sobre a tragédia

A vitória na Câmara dos Deputados e no Senado deu fôle-go e ânimo novo à oposição ao governo Totó Paes em MatoGrosso. Além disso, um novo presidente tomaria posse em 15de novembro de 1906. Havia um clima diferente para a oposi-ção. E ela começou a reagir. Tudo explodiu numa seqüência deacontecimentos que foram um verdadeiro turbilhão. Fatos ocor-

ridos em Poconé e Rosário por atuação de força policial do go-verno e até mesmo de alguns membros do Exército iniciam areação da oposição na capital.

Frente aos casos de repressões por parte de forças militaresem lugares diferentes no estado, a oposição se reuniu na casade Pedro Celestino Corrêa da Costa. Era o diretório da oposição

disposto a um enfrentamento com o governo. Essa movimenta-ção, no dia 8 de maio de 1906, foi crescendo da noite para o diae chamou a atenção do governador. Ele convocou seus adversá-rios políticos para uma conferência em sua casa. Foi um gestode pacificação, principalmente porque estavam ao lado dele fi-guras representativas do seu governo, além do comandante mi-

litar federal em Cuiabá, coronel Carneiro Fontoura. Ou talvezporque, àquela altura, o efetivo policial na capital estava desfal-cado com o envio de força militar para Poconé. E, nesse caso,

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talvez fosse interessante para o governo tentar apaziguar a situ-ação naquele momento.

A oposição aproveitou a oportunidade da conversa e, atravésde Pedro Celestino, desfiou um rosário de acusações ao governo.Citou os fatos, perseguições, atentados, mortes, invasões de domi-

cílios, tentativas de depor pessoas legalmente eleitas, como ocorre-ra recentemente em Rosário e Poconé e quase acontecera em Cáce-res. Totó Paes não reagiu e tomou uma atitude até inesperada. Esta-beleceu um acordo com a oposição ali mesmo, naquela improvi-sada conferência em sua residência, na Praça Ipiranga.

Comprometia-se a “ordenar o regresso da força expedida

pelo governo contra a do coronel Teodoro de Paula (Poconé)que estava de posse da cidade”. Um dos membros do diretório,Virgílio Alves Corrêa, foi enviado a Poconé com a missão dealiviar a pressão dos governistas sobre os adversários. O gover-nador prometeu ainda “arquivar o inquérito que pretendia man-dar fazer sobre os fatos ocorridos naquela cidade e finalmente

respeitar em toda plenitude a autonomia dos municípios e osdireitos constitucionais de seus adversários”. A oposição, emcontrapartida, se comprometeu a desarmar-se.

Virgílio Alves Correa Filho acredita que

a autoridade presidencial (governador) sofrera incontestá-

vel humilhação ao permitir que se convertesse a reunião

partidária em mobilização de combatentes afeitos à luta e,

mais ainda, ao ser acusado especificamente de crimes de

que ninguém ousara ainda falar a ele.

Esse fato ocorreu em 9 de maio de 1906. Pode-se dizer que

foi a data que marcou a reação armada da oposição em MatoGrosso. Começou uma ação frenética dos dois lados depois da-quela improvisada conferência. Ninguém confiava em ninguém.

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Ao passar por Brotas, perto da capital, um grupo de pesso-as da oposição aprisionou um contingente policial local e to-mou o arquivo da delegacia. Nele, encontraram um ofício deAntonio Paes, “na vigência do armistício”, acentua Virgílio Cor-rea Filho, em que ordenou que lhe fossem mandados “20 ou 25

homens para ficarem destacados aqui 15 ou 20 dias como paisa-nos”. E concluiu a carta, que deu o sinal final de alerta para osoposicionistas, dizendo que, “em vista da nova resolução queacabo de tomar preciso que você reúna o maior número possí-vel de amigos e faça seguir para aqui sob o seu comando, semperca de tempo”.

Se verdadeira a carta, acendeu a luz vermelha para a oposi-ção. Ela é citada em livros, o que não se sabe é se existiu mesmoou se a oposição a criou para justificar a ação que já presumivel-mente havia tomado. No caso, havia uma carta do governadorpedindo homens para a capital com algum intuito. Era o sinalde que ele queria reagir e, como a oposição andava receosa de

uma atitude mais dura do governo, se rebelou.O jornal A Coligação, que falava pela oposição, em maté-

ria de 13 de maio de 1906, diz que,

na noite de sexta-feira, foi a população desta cidade justa-

mente alarmada pelo inqualificável procedimento do se-

nhor coronel presidente do estado, depois do procedimen-

to que parecia ter trazido a tranqüilidade e a paz ao seio da

família cuiabana. Não obstante a atitude pacífica tomada

pelos nossos amigos e sua dispersão logo após o acordo,

S. Exª. continuou a introduzir, no quartel da polícia, diver-

sos contingentes armados pretextando que a Coligação

queria atacá-lo. Por outro lado, os seus agentes propala-

vam o extermínio dos nossos amigos [...] não podemos com-

preender a concentração de força por toda parte quando o

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povo esperava a paz e a tranqüilidade para entregar-se aos

seus labores, minorando-lhe a miséria que lhe tem produ-

zido contínuos sobressaltos.

A oposição, então ancorada na Coligação, pediu ao coro-

nel Fontoura, comandante do distrito militar federal na capital,para desbaratar a força que se estava reunindo e solicitou apoiocontra as ações do governador. Este, segundo Virgílio CorreaFilho, disse: “o governo está se armando? Pois cuidem os senho-res da sua defesa como puderem”.

O que dizia A Coligação era a linguagem própria de um

jornal de oposição, mas ajuda a mostrar como andavam os âni-mos àquela altura dos acontecimentos. Os fatos indicam que aoposição temia a repetição do que acontecera na Baía do Gar-cez. Este acontecimento passou a ser um fantasma na mente daoposição. Ele foi aumentado ainda mais nas conversas daquelemomento e virou o sinal de alerta para ela. Nele se engancha-

ram para se levantar contra Antonio Paes e nele se basearampara, mais tarde, atingir a memória de quem supostamente oproduzira.

No Rio de Janeiro, o assunto era olhado de forma diferente.Dizia um telegrama de 18 de maio, assinado em conjunto pelostrês senadores, Azeredo, Metello e Murtinho, que

[...] conferenciamos Presidente (Rodrigues Alves) que pro-

meteu providenciar. Procure evitar tanto quanto possível

luta material que pode diminuir efeito nossa vitória alcan-

çada Congresso.

Era um posicionamento contra a movimentação armada.Mas os fatos locais conduziram as ações em outra direção

e a oposição no estado não aceitou a ponderação que veio do

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Rio de Janeiro no telegrama dos três senadores. Quando, no dia15 de maio, pessoas da oposição se movimentaram na regiãonorte do estado, e, nos dias 16 e 17 de maio, Generoso Poncefez a mesma coisa em Corumbá, o jogo estava em andamento.Era impossível interrompê-lo. Nem mesmo o apelo da capital

federal, como foi o caso do telegrama dos três senadores.O sinal para o início dessa nova “revolução” seria a inter-

rupção do telégrafo. Já era uma tradição local. Com ele inter-rompido, Mato Grosso se isolava da capital federal e, portanto,não viria de lá nenhuma ordem que um dos lados não queriaouvir. Em 1899, na última revolução, isso ocorrera a favor das

tropas de Totó Paes e do interesse dos Murtinhos. Agora esseseria o sinal entre os aliados que se movimentavam em Cuiabá,Poconé, Diamantino e principalmente em Corumbá.

Virgílio Corrêa Filho tem um ponto de vista interessantesobre essa interrupção do telégrafo. A comunicação com a capi-tal interrompeu-se de uma hora para outra. Achavam que era

um aviso de Generoso Ponce para o início das ações. A horatinha chegado. Foi gente para o interior para fazer andar a insur-reição. Logo que deixaram a capital, no dia 15 de maio, o telé-grafo voltou a funcionar para Corumbá. Vinha uma mensagemde Ponce (era cifrada, precisava de “tradução”). Ele falava sobrea conferência do dia 9 e mostrava-se disposto a ir em frente com

uma ação militar.A interrupção do telégrafo não fora feito por ele ou por

ninguém. Foi um acaso. Mas já que Cuiabá havia dado início àmovimentação da oposição, eles foram em frente. Houve umimproviso. Teve-se ainda um momento de dúvida. Continua-vam a ação ou recuavam, já que não haviam iniciado nenhuma

escaramuça? A decisão tomada no fragor de um entusiasmo quasesuicida foi de que iam para a frente, pois queriam derrubar ogoverno de Totó Paes.

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O quase suicídio dito aqui é porque a oposição não estavaorganizada para um levante daqueles, apesar de desejá-lo desdemuito tempo. E não teria o apoio da força militar federal noestado. Esta dava suporte ao governo estadual, reforçada aindamais por telegrama de última hora de Rodrigues Alves para o

coronel Fontoura dar ajuda ao governador, mas deram início aomovimento que levou à morte Totó Paes.

Na chamada Região Norte, formou-se a “legião patriótica”que tinha por objetivo “combater o governador do estado que,violando a Constituição e as leis da República, converteu-se nomais duro opressor de todas as garantias”. Como sempre, bus-

cava-se um legalismo formal para atacar outro legalismo. Der-rubar governos, seja naquele ou em outros momentos, era umatentado à ordem e a legalidade. Mas se faziam manifestos quediziam que se ia derrubar quem não caminhava pela lei e quequem fazia o movimento era obediente a ela.

A movimentação das forças paramilitares em qualquer das

três revoluções descritas aqui, incluindo esta última, é cheia dealternativas, táticas, divisões, batalhões, artilharia, canhões, ata-ques pelos flancos ou arremesso da cavalaria pelo centro, recu-os, tomadas de pontos estratégicos, toda a linguagem própria deuma ação militar. Este livro não se preocupou com esse dado,mas existem escritos sobre isso. Preocupou-se em buscar os fa-

tos políticos que levaram à deposição e morte do Totó Paes.Quando na busca deste fato foi encontrada alguma ação militarque mereça comentários assim foi feito, mas no geral as ditasbatalhas ou táticas militares foram deixadas de lado.

Para mostrar como os fatos se precipitaram, no dia 18 de maio,data do telegrama dos três senadores, já havia tropas estacionadas

a uma hora da capital tomando posição estratégica para combatesfuturos. Era a Divisão do Norte. A chamada Divisão Naval Liberta-dora viria de Corumbá sob o comando de Generoso Ponce.

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Em 16 de maio de 1906, foi tomado o quartel da políciamilitar naquela cidade. No mesmo dia, estava chegando ao por-to de Corumbá o general Luiz Alves Salgado, o novo chefe daforça federal em Mato Grosso, em substituição ao general AbreuLima que era a favor da Coligação e contra Rodrigues Alves e,

por conseqüência, contra o governador porque este se ligava aopresidente. O novo comandante, chegando num momento com-plicado que ele não entendia ainda e estando a linha telegráficacom defeito, não assumiu logo o comando. Deixou para fazê-loquatro dias depois, dizendo que estava adoentado. A verdade éque essa demora foi também fatal para o governo do Totó Paes.

Foi nesse interregno que se movimentou Ponce no portode Corumbá para arregimentar o que podia de embarcações ehomens para subir o rio em direção a Cuiabá. No dia 17 demaio, lá pelas quatro horas da manhã, ele zarpou daquele por-to. Fala-se que, pelo início de junho, já teria 1.800 homens comele. Não se tem essa estatística. Era um grupo paramilitar forma-

do às pressas, sobre o qual não fizeram registro formal. Não erauma formação militar regular que tem recrutas, fichas pessoaise outros dados que possam identificar quem é quem. Estavaapenas indo rio acima e recrutando homens ou, como diz JoãoBarreto, as pessoas eram obrigadas a ir, recrutadas à força. Nãohavia no meio do povo esse entusiasmo revolucionário que as

elites tinham. Não viam nenhum benefício na subida ao poderdesse ou daquele grupo. E, como em outros momentos, esta-vam no barco político da oposição. Muitos provavelmente esti-veram em outros barcos em lutas anteriores.

Um dado que deve ser destacado e que terá influência de-cisiva depois é que Generoso Ponce levava consigo praticamente

a totalidade de embarcações possíveis de subir o rio naquelemomento. Era mês de maio, quando já começara a estiagem e avazante nos rios da região. Barcos menores e chatas eram os

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mais adequados para enfrentar aquela situação. Ele sabia que ogoverno federal daria suporte ao Totó Paes e mandaria tropaspara auxiliá-lo. Ao levar os barcos nas barbas de parte da guar-nição federal ali alocada, ele praticamente definia a luta para oseu lado. Mesmo que chegasse uma força do Rio de Janeiro man-

dada por Rodrigues Alves para auxiliar o governo estadual, elateria dificuldades de subir o rio de forma rápida, sem embarca-ções adequadas para a época do ano. E foi justamente o que acon-teceu mais tarde com a chegada da força comandada pelo gene-ral Dantas Barreto para dar apoio a Antonio Paes. Essa descriçãoe a dificuldade para atingir a capital são contadas mais à frente.

Ponce continuou subindo em direção à capital. A certa al-tura, destacou o tenente Clementino Paraná, homem da forçafederal estacionada em Corumbá, para ir a Cáceres não só to-mar o quartel dali, mas apoderar-se das armas e munições quelá estavam. Segundo Dantas Barreto, ele conseguiu levar qua-trocentas carabinas Mauser novas e ainda “mil cartuchos de guer-

ra” e fardamento. Nenhuma revolução em Mato Grosso tinhaarmas suficientes para enfrentamentos demorados se não tives-se o apoio do governo federal. E, no caso dos novos revolucio-nários, era preciso conseguir armamentos e munições.

Foi o tenente Paraná para Cáceres e, como se vê, era umabagunça a questão da hierarquia militar na força federal. Ela se

dividia entre os grupos em lutas no estado em momentos dife-rentes. Se, como no caso, muitos deles eram contra RodriguesAlves e estavam em Mato Grosso como punição por atos come-tidos, juntaram-se então para ajudar a derrubar um amigo dopresidente.

Aquele tenente e seu grupo encontraram a embarcação

em que estava o general Salgado, aquele mesmo que haviachegado a Corumbá e adoecera. Houve um confronto entre osdois lados. Ele mandara um telegrama para o ministro da Guer-

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ra, publicado por Dantas Barreto, que dizia que iria para Cáce-res e que o

movimento revolucionário alastra-se [...] todo estado. Con-

tinua interrompido telégrafo para Cuiabá, motivo pelo qual

não me correspondi ainda com o presidente do estado, as-

sim também por haverem revolucionários se apossado de

todas as lanchas aqui ancoradas, cujo calado permite nave-

gar até Cuiabá. Regressando Cáceres e caso flotilha forneça

meios condução irei Cuiabá. Corumbá reina calma.

Em 2 de junho de 1906, ele mandou um telegrama “urgen-tíssimo” via Assunção para o ministro da Guerra em que histo-ria o encontro e o entrevero com o tenente Clementino Paraná.Ele ordenou que o tenente e seu pessoal se rendessem. Eles serecusaram e houve uma troca de tiros entre os dois barcos eguarnições. Houve um enfrentamento, portanto, entre coman-

dos da própria força federal em que um tenente desobedecia aordem de um superior hierárquico.

No dia 2 de junho, o general Salgado mandou telegrama aAntonio Paes dizendo que, “desde minha chegada apenas hojetelégrafo funciona Cuiabá” e informando que a força federalmandada do Rio de Janeiro pelo presidente sob comando de

Dantas Barreto estava vindo e que o tenente Paraná se apossarade armas e munições. Falou ainda que não podia ajudá-lo. Eledisse, em outro comunicado, “estou convencido Cuiabá seráatacada revolucionários antes receber recursos forças trás gene-ral Dantas Barreto”. Isso no início de junho. Previa o que de fatoacabou acontecendo.

A ação do tenente Paraná deu frutos positivos para as for-ças que subiam para Cuiabá. Sem aquele armamento e muniçãotomados em Cáceres do 19º Batalhão de Infantaria, talvez Ponce

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não tivesse como atacar mais fortemente ao Totó Paes. Chegou-se a aventar a hipótese de que o general Salgado, ao adoecer nachegada, teria favorecido que as tropas rebeldes saíssem deCorumbá. E, nesse caso, haveria uma mancomunação. Esta tesetalvez não tenha fundamento pelo enfrentamento que ele teve

com o tenente Paraná. Ocorreu que, depois disso, o general,sem força militar suficiente, retornou a Corumbá. O tenente pros-seguiu com as armas tomadas para encontrar Generoso Ponce.Como o que vai ocorrer mais tarde com a morte do Totó Paes foiuma questão de tempo, dá sempre para criar hipóteses.

Se o general, mesmo com força diminuta, continuasse a

subir o rio rumo a Cuiabá, talvez a sorte de Antonio Paes tivessesido outra. Na capital, como vinha dar suporte ao governador,poderia organizar e comandar as forças federais locais, coisaque não foi feita adequadamente pelo coronel Fontoura, e tal-vez ajudado ao Totó Paes por algum tempo mais. Quem sabe ogrupo que o queria depor temesse atacar essa força federal co-

mandada por um general mandado por Rodrigues Alves. E, quemsabe ainda, se houvesse um retardamento nas ações militaresna capital, daria tempo para que Dantas Barreto, que chegoudepois da morte do Totó Paes, chegasse à capital e o mantivesseno poder e, claro, salvasse sua vida. O general Salgado resolveuo contrário: voltou para Corumbá.

Totó Paes tinha a informação de que a chamada “divisãonaval libertadora” comandada por Ponce estava subindo o rioem direção a Cuiabá. O governador concentrou sua defesa so-mente dentro da capital. Inicialmente, pensara em fazê-la emduas frentes: na usina Itaicy e na Vila do Rosário do Rio Acima.Uma esperaria a chegada de Generoso Ponce e a outra iria en-

frentar as forças comandadas por Pedro Celestino. Foi dissuadi-do pelo coronel Manuel Carneiro Fontoura para fazer a defesasomente dentro da capital. Ele foi à residência do governador e,

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segundo Antonio Fernandes, o dissuadiu do intento de fazer defesafora da cidade “com a ponderação de que seria mais fácil e eficien-te a organização da resistência na própria capital do estado”.

Baseado em quê o coronel Fontoura fez essa defesa tática?Seria, em tese, mais fácil para os que combatiam o governador

atacá-lo na capital. Estaria encurralado, sem alternativas de con-tatos por água ou para a região que cerca Cuiabá. Se tivesse umaforça militar, por exemplo, em Itaicy, poderia empreender com-bate a Generoso Ponce ali. Retardaria a sua ida para a capitalenquanto aguardava a chegada do reforço militar que o presi-dente lhe mandaria do Rio de Janeiro. Em caso de derrota para a

força adversária, poderia se embrenhar no mato daquela suafazenda, região que conhecia e na qual era respeitado, para serabastecido em alimentação e informações e esperar que DantasBarreto chegasse a Cuiabá.

Se, hipoteticamente, concentrasse parte da resistência emItaicy poderia barrar a subida de Ponce e o general Dantas Barreto

poderia atacá-lo pela retaguarda na sua chegada. Mas talvezPonce, com uma barreira no rio, poderia abandonar as embar-cações e subir o restante do percurso para a capital por terra.Daí que fosse importante também ter defesa na capital. Mas nãodeixava de ser uma opção acertada ter uma outra no rio abaixoe, se não desse certo, embrenhar-se no Pantanal e aguardar a

força federal que viria do Rio de Janeiro.O coronel Fontoura, porém, insistiu que ele abandonasse

aquela idéia e se concentrasse na capital. Ele precisava da boavontade daquele coronel, não poderia se indispor com ele. Opresidente havia mandado um telegrama a ele dizendo para darao governador todo o apoio possível. Ele precisava de armas e

munições e pensava em conseguir da força federal na capital,fato que não ocorreu, pois o coronel Fontoura logo se declarouneutro no confronto.

Page 144: A morte de Totó Paes

144

A defesa na capital, segundo fontes diferentes, foi feita nomorro da Luz, com canhões Krupp, no morro do Bom Despacho,e mais trincheiras no Areão e na Rua Nova; também na Escola deAprendizes de Marinheiro. O comando geral ficou a cargo do cu-nhado de Antonio Paes de Barros, coronel Severo Costa e Silva.

Pedro Celestino comandou o que se denominava DivisãoNorte e acampou na localidade chamada Capela. Ponce, na su-bida para Cuiabá, atacara a fazenda Pindaival, de Henrique Paesde Barros, e depois tomou Itaicy, no dia 7 de junho. Não chegouà capital pelo rio, desceu antes num lugar chamado Cahoeiri-nha e acampou no Coxipó. O cerco estava formado. Aí ocorre-

ram as refregas e batalhas contadas de diferentes formas. No dia21 de junho entraram em Cuiabá. Tomaram morros e posiçõesestratégicas e apertaram o cerco cada dia mais. Eles tinham pres-sa. Alguma coisa os empurrava a tomarem decisões apressadas.

Houve momentos de ataques fora de hora e que foram atérecriminados por militares do grupo como ação de risco. E quem

estava no comando desse ato foi Pedro Celestino. Ponce atémandou um oficial militar para dar-lhe apoio, mas queriam logoacabar com a luta. Já sabiam que subia o rio, para Cuiabá, ogeneral Dantas Barreto com 800 homens. Se chegasse à capital atempo poderia manter Totó Paes no poder. Essa era a ordem deRodrigues Alves. Os oposicionistas queriam terminar logo a ta-

refa que se propunham, fazer daquilo um fato consumado.No dia 1º de julho de 1906, Totó Paes mandou um ofício ao

coronel Fontoura, que dizia: “levo ao conhecimento de V. Exª.que acabo de receber, neste momento, 10 h 30 min da manhã,do senhor coronel Generoso Paes Leme de Souza Ponce o ofí-cio que se segue transcrito na íntegra”. Dizia o ofício:

Quartel General do Exército Libertador no Coxipó, 30 de

junho de 1906. À Sua Excelência Coronel Antonio Paes de

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145

Barros, Presidente do Estado. Devido à revolução popular,

que os contínuos desmandos de V. Exª. provocaram, acha-

se sitiada esta capital desde o dia 19 deste mês pelo exérci-

to composto de duas poderosas Divisões sob meu coman-

do, estreitando cada vez mais o sítio de modo a obrigar a

pequena força do seu governo a entrincheirar-se no limite

do reduto compreendido entre os morros artilhados com

elementos do governo federal, com os quais tem V. Exª.

incessantemente mandado bombardear a cidade sem ou-

tro resultado a não ser a da lamentável destruição dela e

do assassinato de seus habitantes indefesos que, por outro

lado, sofrem os horrores da fome e da sede e não devendo,

a bem dos mais elementares sentimentos de humanidade,

continuar esse estado de coisa indefinidamente, tenho re-

solvido por esse meio intimar o governo de V. Exª. a ren-

der-se até amanhã sob pena de não o fazendo ser o único

responsável pelos acontecimentos que advierem.

Foi a intimação final de Generoso Ponce a Totó Paes. Ahistória se repetia. Antes, em 1899, fora este quem mandara umofício desse naipe para o encurralado Ponce na Assembléia Le-gislativa. Agora invertia a situação. Os dois coronéis mais fortesda política estadual, quando se refere a homens em armas, ago-

ra estavam em situações diferentes. Uma situação que Poncealmejara desde muito tempo.

Talvez possa ser aventada a hipótese de que Ponce deu oultimato a Antonio Paes devido a um fato que aconteceu no dia29 de junho, um dia antes daquela intimação. Foi interceptadauma mensagem pelos sediciosos que tomavam conta da linha

telegráfica que mostrava a situação em que se encontrava TotóPaes e talvez tenha dado impulso ao cheque-mate que fez Pon-ce. O telegrama era do coronel Fontoura para o Rio de Janeiro.

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146

Dizia que

“revolucionários números superiores quatro mil homens

sitiaram presidente estado. Este se irritou comigo por ter

recusado atender exigências descabidas, seus auxiliares

cometendo toda sorte de barbaridades, desde assassinatos

até saques [...] revolucionários não querem hostilizar ele-

mento federal e socorrem população contra fome”.

O coronel Fontoura, a quem Rodrigues Alves ordenara darapoio ao Totó Paes, não lhe foi útil em praticamente nada. Até

essa última ajuda, mesmo que indireta, deu aos opositores dogovernador.

Ponce, que já era senhor da situação e querendo apressaros fatos com receio da chegada de reforço federal para ajudaro governador, deu o ultimato do dia 30 de junho de 1906. Da-tado de 2 de julho daquele ano, segundo Ponce Filho, tem uma

nota de seu pai a alguém por nome Brandão, que falava tam-bém que “não há dúvida de que a debandada da gente do go-verno esta noite foi geral” (Totó Paes se afastara do governo).O arremate daquela nota fala que “nunca esperei que esta lutaterminasse assim tão ingloriamente para o senhor Totó Paesque, podendo ter negociado tão honradamente a sua rendi-

ção, abandona suas trincheiras como um fugitivo. Nutrirá eleainda a tola esperança de uma reposição?” Uma frase enigmá-tica para a história. Generoso Ponce sabia, desde o dia 27 dejunho, que o general Dantas Barreto já chegara a Corumbá. Edizia em 2 de julho, quatro dias antes da morte do Totó Paes,que era uma esperança tola ele acreditar que seria recolocado

no cargo de governador.Totó Paes, no documento encaminhado ao coronel Fon-

toura, citado acima, concluiu com o seguinte:

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147

Diante da ameaça que se me faz, de acordo com os telegra-

mas que recebi do Exmo. Senhor Presidente da República e

Ministro da Guerra, venho requisitar de Vossa Senhoria o

Oitavo Batalhão ou a força do que for possível dispor a fim

de reforçar a defesa que tenho organizado. Certo de que V.

Sª. atenderá ao meu pedido, antecipo meus agradecimentos

e renovo os meus protestos de estima e consideração.

Ele sabia que não teria esse apoio. Há uma carta do coronelFontoura para ele, de 25 de junho, que matou toda e qualqueridéia de apoio federal radicado em Cuiabá ao Totó Paes. Também

vou transcrevê-la, em sua maior parte, para tentar mostrar comoestava a situação geral naquele momento trepidante. Este docu-mento está no Arquivo Público do estado. Escreveu o comandan-te das forças federais, Fontoura, ao governador:

Respondendo ao vosso ofício urgente desta data, documen-

to capciosamente redigido no qual o relator finge ignorar

as péssimas condições do efetivo do Oitavo Batalhão que

comando, procurando arrancar uma declaração formal se

pode ou não Sua Exª. contar com o pessoal do mesmo ba-

talhão para desafrontar o princípio da autoridade de confor-

midade com as instruções do governo federal, instruções

restritas que não me obrigam a tomar a ofensiva contra os

vossos adversários políticos nem a sacrificar o prestígio da

força federal sob meu comando, tenho a dizer o seguinte:

prestei e continuo a prestar a V. Exª. todo auxílio que de

mim tem exigido e exigia dentro dos limites da decência e

do possível. Não disponho de forças senão para guardar re-

partições federais, isso mesmo, força bisonha, conforme

comuniquei ao Ministro da Guerra, um pequeno núcleo in-

ferior a 60 homens e o dever militar me impõe a colocar-me

Page 148: A morte de Totó Paes

148

na defensiva do meu quartel e aguardar o momento de so-

correr outras repartições federais [...] quando propusemos

eu e o capitão Protógenes a V. Exª. impedir a aproximação

dos vossos adversários, ocasião mais que oportuna, ofere-

cendo o concurso de nossos esforços antes de apertar o sí-

tio, a proposta foi repelida pelos vossos auxiliares. Únicos

responsáveis pela situação aflitiva em que se acha V. Exª.

Totó Paes não podia contar nem com a boa vontade do co-ronel Fontoura. Não era a força em si, mas o poder militar que eletinha para tentar influenciar os fatos em andamento. Não seria o

posicionamento equivocado de um ou outro auxiliar do governa-dor que levou o coronel Fontoura a escrever o que atrás se colocaque seria empecilho a uma ação mais efetiva dele, se quisesse,em favor do governador. Não o fez, no entanto.

Apoio mesmo de força federal só a que fora mandada do Riopor Rodrigues Alves. A do estado falava em ficar neutra. A mesma

coisa que, em 1899, falara outro comando militar, daquela vez afavor do Totó Paes e dos Murtinhos. Campos Sales deu aqueleapoio. Agora havia também o apoio do governo federal, mas ocomandante militar se negou a alguma ação mais efetiva.

Totó Paes abandonou o governo no dia 2 de julho de 1906,lugar imediatamente ocupado pelo vice, Pedro Leite Osório,

conforme telegrama enviado ao presidente da República. TotóPaes se refugiou no Coxipó do Ouro, a poucos quilômetros dacapital, na Fábrica de Pólvora.

Tem um ofício no Arquivo Público do estado, de João Cân-dido Pereira de Castro Júnior, de 16 de julho de 1906, para Dan-tas Barreto, que diz:

no dia 2 do corrente chegou a este estabelecimento e aqui

se refugiou um grupo, a princípio pequeno, de indivíduos

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149

vencidos naquela luta o qual foi pouco a pouco crescendo

pela chegada sucessiva de vários elementos”.

Totó Paes estava adoentado e pediu animais para sua con-dução, pois estava impossibilitado de andar. Ele chegou à Fá-

brica de Pólvora às nove da noite daquele dia. O ofício aindadiz que Totó Paes teve pequeno descanso e se embrenhou nasmatas que cercam aquele estabelecimento, “não quis se afastarcomo talvez fora mais prudente”. O problema talvez fosse suacondição física naquele momento. Castro Júnior mostra que eleestava em situação física precária, quase nem podia andar. Se

tivesse condições de fugir para mais longe seria melhor. Dariatempo para a chegada do reforço mandado do Rio.

Aguardava ansiosamente a chegada da força federal. Istoestá claro no ofício que deixou com o seu secretário para entre-gar ao general Dantas Barreto:

Secretaria do Governo de Mato Grosso – Cuiabá, 1º de ju-

lho de 1906. Exmº. Senhor General Emygidio Dantas Barre-

to – Minhas afetuosas saudações.

Na incerteza de que tivesse chegado às mãos de V. Exª.

uma carta que enviei na data de 24 do mês próximo passa-

do, e já sendo muito sensível a falta de munição de boca

para as forças legais, resolvi retirar-me da cidade a fim de

aguardar a chegada de V. Exª. Além do motivo exposto, ou-

tros influíram poderosamente para tomar semelhante deli-

beração como pessoalmente hei de relatar a V. Exª. Deixo

um amigo meu encarregado de entender-se com V. Exª., mas

não sei se será possível a ele cumprir semelhante missão,

pois os adversários estão prendendo os meus amigos políti-

cos que encontram. Devo prevenir a V. Exª. que qualquer

telegrama ou carta no qual houver declaração de que dis-

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150

penso o auxílio de V. Exª., é falso. Queira V. Exª. aceitar os

protestos de minha súbita estima e distinta consideração

de V. Exª. Atencioso, amigo e criado obrigadíssimo.

Depositava total confiança no apoio que vinha do Rio de

Janeiro. Somente aquela força militar poderia colocá-lo de voltano governo.

Totó Paes estava, naquele momento, fora do governo. Acidade estava tomada por seus adversários. Seu vice já assumirae ele foi se esconder pensando que a ajuda federal ainda chega-rá a tempo, mas os fatos se precipitaram e ele foi morto no dia 6

de julho de 1906.Tem duas versões para se descobrir o seu paradeiro. Uma é

que um mensageiro foi preso e torturado para dizer onde eleestava. A outra é de Antonio Fernandes, que diz que

o indivíduo encarregado de levar as refeições para os refugi-

ados, cujo nome é bem conhecido, mas convém ser esque-

cido, denunciou a presença do cel. Antonio Paes de Barros

naquele lugar, prestando-se ainda a ser guia da escolta que,

sob o comando do cel. Joaquim Sulpício de Cerqueira Cal-

das, foi mandada imediatamente para aquela região.

No Arquivo Público do estado tem um documento de 6 dejulho de 1906, de João Castro Júnior lá da Fábrica de Pólvora,dizendo que foi demitido de suas funções um tal João Damas-ceno da Silva que teria por “sua covardia e deslealdade concor-rido para a morte do inditoso presidente do estado [...]”. CastroJúnior diz que era difícil manter segredo da presença do Totó

Paes naquela localidade. E que o fato era ainda “agravado pelamá vontade manifesta para com a situação política passada porparte dos empregados em sua quase totalidade efeiçoados à si-

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151

tuação emergente”. A situação do governador era complicada,pois até os empregados do lugar onde buscou refúgio eram afavor da oposição. O correto para o Antonio Paes seria mesmose embrenhar no mato, fugir de pessoas em quem não tinhaconfiança, sempre no aguardo da chegada de Dantas Barreto.

Se houve delação não forçada ou se houve tortura, a verdade éque o Totó Paes foi morto naquele dia por dois tiros.

Num ofício para Dantas Barreto, de 16 de julho de 1906,Castro Júnior historia o que aconteceu na Fábrica de Pólvora.Diz num trecho que

[...] o empregado conhecedor de todo o seu segredo, aliás,

denunciado por pessoa do estabelecimento, era preso e

ameaçado de morte se não indicasse, como o fizera, na

madrugada de 5, o lugar em que se refugiara o renegado

político. Não sendo todavia encontrado no seu esconderi-

jo da mata por sentir que gente decerto estranha o procura-

va ali, foi desta vez o coronel salvo da morte a que se acha-

va entretanto condenado.

Ele sugere que os que foram atrás dele tinha a intenção dematá-lo e não de prendê-lo. Fala ainda que um trabalhador dafábrica, ao chegar à casa dele, encontrou-a cercada, “como se

ele fosse um criminoso” e que as casas do ajudante e do diretorda fábrica também estavam cercadas. O grupo que fora atrás doTotó Paes apertava o cerco, em toda a área, desde o dia cinco.Sabiam que ele estava ali. E os fatos indicam que não haviaintenção de aprisioná-lo. Não há nos comentários de Castro Jú-nior, aquele que esteve perto dos acontecimentos e os historiou

depois, qualquer menção a essa alternativa.É curioso perceber que não constam algumas partes do ofí-

cio de Castro Júnior, de 16 de julho de 1906, que está no Arquivo

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Público do estado. Ele é menor do que o que foi publicado porDantas Barreto no seu livro. Ninguém sabe explicar o que hou-ve com o restante dele.

Dantas Barreto publicou também, em seu livro, o ofícioque recebeu de Pedro Osório de um comunicado oficial de

como ocorrera a morte do Totó Paes. Fora mandado a ele porGeneroso Ponce. Coloco, como os outros ofícios, nos termosda época, fazendo somente pequenas correções para melhorcompreensão da linguagem. Colocam-se inclusive os termosgrandiloqüentes do momento.

Quartel General do Comando em Chefe do Exército Li-

bertador, em Cuiabá, 6 de julho de 1906. Tendo este co-

mando feito seguir, na noite de 5 do corrente, o coronel

comandante do décimo batalhão patriótico com uma es-

colta ao encalço de um grupo das forças desbaratadas

do coronel Paes de Barros, que constava achar-se arma-

do causando alarmes nas imediações da Fábrica de Pól-

vora do Coxipó, ao chegar essa escolta às proximidades

da referida fábrica foi descoberto pelos pombeiros que

a mesma levava e indicado o grupo que ocupava um

pequeno capão ou reduto que o comandante da escolta,

como vereis da parte que junto vos envio cópia, fez siti-

ar à uma hora da manhã de hoje. Antes, porém, que esse

sitio estivesse completo, informa o coronel Caldas ter

sido a escolta pressentida pelos sitiados que a recebe-

ram com forte tiroteio, resultando ficar ferido, ainda que

não gravemente, o mesmo coronel Caldas e morto um

dos do grupo sitiado que se verificou depois ser o coro-

nel Antonio Paes de Barros, presidente do estado, eva-

dido das trincheiras adversas disfarçado em trajes de sim-

ples patriota.

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Generoso Ponce é que assina. Esta será a versão que ficarápara a história. Em toda fonte secundária que se pesquisa, estaversão acaba sendo trazida de volta.

Um ofício de João Castro Júnior, que se encontra no Arqui-vo Público do estado, comunica a Pedro Osório sobre a morte

do governador e como se encontrava seu corpo. Ele o chama device-presidente apesar dele já ter assumido, certo ou errado, ogoverno desde o dia 2 de julho. Continuo a publicar aquelesdocumentos na íntegra.

Fábrica de Pólvora do Coxipó, 6 de julho de 1906.

Exmº. Senhor Pedro Leite Osório, 1º Vice-presidente do Es-

tado de Mato Grosso. Acaba de ser descoberto, nas cerca-

nias deste estabelecimento, o cadáver do inditoso cel. An-

tonio Paes de Barros, vosso digno antecessor no governo

do estado. Levando esse fato ao vosso conhecimento, peço-

vos as providências que julgares mais oportunas ante a gra-

vidade do fato, pois o cadáver apresenta ferimentos que evi-

denciam morte violenta, tendo sido levado à pequena dis-

tância do ponto em que provavelmente se deu o homicídio.

Outrossim, convém salientar que o corpo parece dever em

breve começar a decompor-se pelo que verei obrigado a

inumá-lo se não vierem as providências policiais que do

vosso critério ora solicito com a devida urgência.

Estevão de Mendonça, que trabalhou com o Totó Paes, falaque o corpo dele estava “horrivelmente mutilado”. Dantas Barre-to escreve que “tinha vestígios terríveis das violências recentes,com que o eliminaram do mundo: braços, tórax, ventre, cabeça,

nada pouparam nesse corpo já vencido pela doença e pelo cansa-ço”. O mesmo Barreto, baseado em comunicado de Castro Júni-or, diz que o corpo do Totó Paes foi “arrastado a pequena distân-

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cia do sítio em que provavelmente o fulminaram, indicando odesalinho das roupas precipitado e cuidadoso saque”. Mexeramno cadáver e o tiraram do local onde foi morto e da posição emque isso aconteceu. Ele foi retirado do local onde se deu a mortee atirado num pequeno curso d’água que por ali passava.

São pequenos dados que talvez compliquem a análise, esta-belecendo uma dúvida: ele foi mesmo morto no confronto comas forças militares que o perseguiam ou depois de preso e a san-gue-frio? A roupa com que estava vestido, conforme o laudo ca-davérico que se cita abaixo, não era de pessoa comum. Não davapara ser confundido com a maior parte das pessoas que o acom-

panhavam. Vai ficar para a história esse dado: se ele foi assassina-do a sangue frio ou não. Não há um documento ou uma testemu-nha que possa elucidar esse fato. Só dá para especular.

E uma especulação que levanto é que não interessava aosseus opositores que ele continuasse vivo. Que ele fosse somen-te capturado. Se isso ocorresse, quando chegassem as tropas

comandadas por Dantas Barreto, este o colocaria de volta nogoverno. Esta era sua missão dada por Rodrigues Alves: manterTotó Paes no poder. Se isso acontecesse, deviam pensar Poncee seus aliados, ninguém poderia prever qual seria a reação polí-tica e militar do Totó Paes. O macabro bom senso mandava queele fosse assassinado e não somente capturado. Os fatos suge-

rem que a eliminação física do governador foi um ato planejadopelos seus adversários políticos. Eles o temiam.

Certo ou errado, exagerando ou não, acusavam o ex-gover-nador de violento. Sempre lembravam da baía do Garcez. Devi-am temer que, se ele voltasse ao poder, poderia haver uma caçaàs bruxas no seio da oposição. Esse receio pode ter levado à

eliminação do Totó Paes e não à sua captura e prisão. Essa caçaàs bruxas poderia até envolver desaparecimento físico de al-guns da oposição. Ou, senão tanto, lideranças como Generoso

Page 155: A morte de Totó Paes

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Ponce e Pedro Celestino Correa da Costa, teriam que abandonaro estado. Talvez tivessem que buscar abrigo até em país estran-geiro da fronteira. Ponce, que havia reconstruído sua firma deimportação e exportação com sede em Corumbá, possivelmen-te não estava disposto a perder tudo que fizera até ali.

A oposição não sabia também se o comandante da força mili-tar que estava chegando era daqueles respeitadores da lei e da or-dem. Na dúvida, resolveram cortar o mal pela raiz. Dantas Barreto,que possuía até pendores intelectuais, talvez não deixasse haveruma caça às bruxas, uma vingança do grupo do Totó Paes. Os seusadversários não sabiam disso e os fatos indicam que o melhor ca-

minho para eles era mesmo eliminar o adversário de todos.A morte de Antonio Paes, se aceito esse ponto de vista, foi

para que a força federal não o colocasse de volta no governo.Toda a luta de seus adversários não teria valido nada se aquiloacontecesse. E, com receio de algum tipo de vingança por partedele, resolveram eliminá-lo.

Continuo a levantar hipóteses sobre esse fato intrigante einstigante da história de Mato Grosso. O esconderijo do gover-nador já havia sido descoberto antes do dia em que ele morreu.A primeira investida foi no dia 5 de julho, um dia anterior à suamorte. Este pressentiu a chegada da tropa e se internou na matada localidade em que estava. Segundo ofício de Ponce a Pedro

Osório, fizeram-lhe um cerco à uma hora da manhã do dia 5para o dia 6 de julho. As versões sobre a morte de Antonio Paessão todas baseadas naquele comunicado de Ponce a Pedro Osó-rio. Coloco o que escreveu Virgílio Corrêa Filho, numa publica-ção feita em 1935. Diz ele que

gisam [!] meios de prender, ao clarear do dia, os seus ocu-

pantes, sem que pudesse nenhum escapar. Antes de com-

pletas as providências, o disparo de um tiro imprudente,

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desfechado do interior do capão, provocou a descarga cer-

rada dos atacantes e a dispersão da comitiva presidencial.

Cada qual procurou sumir-se pelas sombras protetoras das

árvores, evitando os lados de onde vinha a fuzilaria amea-

çadora. Como os seus companheiros, A. Paes também se

levanta para tentar a evasão. Mas, desnorteado, saiu por

uma clareira, onde se lhe destacou o vulto, para as ponta-

rias fulminantes. Antes que alcançasse a mata fronteiriça,

baqueou, mortalmente ferido.

Certa ou errada, esta foi a versão que mais ficou para a

história. Ela, usando palavras diferentes, tem como base o ofí-cio de Generoso Ponce a Pedro Osório e é repetida por pratica-mente todos que escrevem sobre aquele fato. É a visão dos ven-cedores daquela luta.

Comunicado por Generoso Ponce da morte de Totó Paes e,principalmente, pelo ofício manuscrito de Castro Júnior lá da Fá-

brica de Pólvora, que falava sobre a morte do ex-governador eque se deviam tomar providências antes que o corpo se decom-pusesse, Pedro Osório mandou, também de forma rápida, umgrupo de gente para fazer uma autópsia do cadáver de AntonioPaes. A intenção talvez fosse dar um sentido legal ao ato já consu-mado. Ato de morte mandada ou acidental. Foi feito o exame

cadavérico no dia 6 de julho de 1906, às quatro horas da tarde.Os peritos deviam responder aos seguintes quesitos:1.Se houve, com efeito, a morte;2.Qual a sua causa imediata;3.Qual o meio empregado que a produziu;4.Se era mortal;

5.Finalmente, se sendo mortal, se o mal causado resultouna morte por falta de cuidado do ofendido.

Responderam que encontraram

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o cadáver numa grota, nas proximidades da Fábrica de

Pólvora e deste distante uns cem metros, cadáver que foi

reconhecido ser do próprio cel. Antonio Paes de Barros,

que trajava meias de cor, fios de escócia, ceroula de linho,

camiseta de lã e camisa de morim, calças de casimira de

cor, colete de paletó preto de diagonal.

Contraria o ofício de Generoso Ponce de que estava “travesti-do de simples patriota”. Vestia-se como alguém da elite da época echama a atenção o colete, ceroula e calça de casimira no conheci-do calor de Cuiabá. Não era só ele quem se vestia assim, era a

moda importada da Europa para os trópicos. Continua o laudo:

o cadáver apresentava dois ferimentos por bala sendo um pró-

ximo ao mamelão direito e outro logo abaixo do conduto au-

ditivo esquerdo, tendo este ferimento atravessado a cabeça.

E, em conseqüência, respondem: ao primeiro quesito, sim;

ao segundo, ferimentos por balas acima descritos; ao terceiro,

arma de fogo; ao quarto, era mortal; ao quinto, prejudicado.

O laudo foi assinado pelo chefe de polícia interino, AlfredoMagvinier, Estevão Alves Corrêa, o farmacêutico Luis da CostaRibeiro, Virgílio Alves Corrêa, Severo da Costa e Silva e Manoel

Escolástico Virgílio. Não se pode, claro, contestar o laudo, mastodos os presentes, com exceção de um, eram do grupo ganhadorda recente disputa militar. O outro lado tinha o Severo Costa eSilva, cunhado de Antonio Paes. Não se conhece nenhuma opi-nião dele posterior sobre o assunto. Há também dois membrosda família Alves Corrêa, inclusive o pai do historiador Virgílio

Alves Corrêa Filho, que era entrelaçada com os Corrêa da Costa.Tem dados e fatos daquele acontecimento ainda obscu-

ros e que atrapalham saber onde está a verdade sobre a morte

Page 158: A morte de Totó Paes

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do Totó Paes. O comunicado de Generoso Ponce a Pedro Osó-rio diz que houve uma troca de tiros e o único atingido foi ogovernador. O laudo cadavérico mostra que ele recebeu umtiro pela frente no “mamelão” (ou bico do peito) direito e ou-tro “logo abaixo do conduto auditivo esquerdo” como se esti-

vesse de lado.Ou estava de frente na hora do tal tiroteio ou de lado em

fuga ou buscando melhor posicionamento para revidar ao ata-que. Não dava era para estar em duas posições, de lado e defrente, ao mesmo tempo. E acabou recebendo dois tiros em par-tes do corpo em que deveria estar em posições diferentes. Um

tanto quanto estranho.Nos quesitos da autópsia deveriam constar outras perguntas

também: se os tiros eram de carabinas ou revólver ou se um delesera de carabina e o outro de revólver. De carabina, mostraria quehouve a tal luta, que houve troca de tiros de longe. De revólver,pode-se inferir que o tiro ou os tiros foram mais de perto.

Deveria haver outros quesitos ainda: se havia pólvora nomorto ao redor dos tiros ou de um deles. Isso mostraria se ostiros ou um deles foram dados de perto. Se foram, o resíduo depólvora ficaria. É claro que não havia ainda toda essa sofistica-ção em perícia policial na busca de se saber detalhes de umcrime, mas, sem isso, fica difícil definir como de fato se deu a

morte do governador. E deixa a suspeita de que ela pode terocorrido de forma diferente daquela contada de maneira oficialpelo lado ganhador da revolução.

Castro Júnior, em seu comunicado para Pedro Osório, dizque “o cadáver apresenta evidências de morte violenta, tendosido levado a pequena distância do ponto em que provavelmen-

te se deu o homicídio”. Morte violenta e homicídio. Pode serapenas linguagem, mas ele esteve na cena do crime, viu o corpoe talvez tenha achado mesmo que fora um homicídio e não uma

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morte em batalha. Mostra ainda que o corpo foi levado de umlugar para outro. Mexeram na cena do combate ou do crime.

Se esse assassinato ocorreu, houve ou não a mão de algu-ma autoridade por trás disso? Outra incógnita. Não há docu-mento ou qualquer prova material ou testemunhal que leve a

essa conclusão, mas, outra vez, foi muito rápida a ação de umpossível acobertamento do crime pelas maiores autoridades dogrupo vencedor daquela luta.

Se a morte fosse apenas uma vingança pessoal do coman-dante Cerqueria Caldas ou de alguém que ele comandava, seriaaté mais fácil atribuir isso a um erro ou afoiteza de um subordi-

nado. Condenar o fato, se tivesse assim ocorrido, seria uma al-ternativa para os opositores do Totó Paes perante a opinião pú-blica. Morrer em combate seria uma saída honrosa, mesmo quenão fosse verdadeira.

Ou talvez isso não adiantasse nada, se for levado em conta ocaso do trucidamento do tenente Mamede e que se tentou atribuir

o fato à ação de terceiros e não dos chefes. Se a morte do gover-nador fosse também atribuída a subordinados – e ele não era umtenente –, a coisa poderia ser pior perante a opinião pública.

Aquele acontecimento pode ser também olhado por ou-tro ângulo. Talvez não houvesse a perseguição política ou vin-gança pessoal que a oposição estadual imaginava se for aceito

que, em princípio, o general Dantas Barreto não gostaria desujar sua biografia dando suporte a algum tipo de massacre noestado. Se ele conseguisse segurar os ânimos, os adversáriospolíticos do Totó Paes no Congresso, três senadores e três dosquatro deputados federais, aprontariam um berreiro nacionalque faria com que, no estado, não houvesse a imaginada per-

seguição e morte nas fileiras da oposição. Dantas Barreto erasensível aos clamores da opinião pública, com base na capitalfederal. Seu livro sugere isso. Ele não iria deixar, portanto,

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passar de certos limites a atuação do governador se fosse colo-cado de volta no governo.

Além disso, Rodrigues Alves estava em fim de governo e,no outro, Afonso Penna, a oposição ao Totó Paes tinha apoio,pois fora eleito pela ação da Coligação contra a pretensão de

Rodrigues Alves em eleger Bernardino de Campos. A situaçãodo Totó Paes, na hipótese aqui levantada, não lhe permitiriafazer o que a oposição supunha que seria feito se ele voltasseao governo, mas, na dúvida e sem pensar muito no tipo dehipótese como esta, devem ter achado que o melhor caminhoseria a eliminação do desafeto perigoso. Frente à história polí-

tica e de violência do momento a conclusão macabra é quenão havia outro caminho: a solução era matá-lo, não deixá-lovoltar ao governo.

Pedro Osório tomou medidas rápidas. Comunicou a todomundo sobre a morte do governador, no dia 6 de julho. Foi àAssembléia Legislativa no mesmo dia 6 e apresentou a Mensa-

gem do governo, que se devia fazer a cada ano ali. Como nãotinha sido feita, provavelmente por causa dos solavancos políti-cos do momento, ele o fez no mesmo dia da morte do TotóPaes. Não é longa, tem quatro páginas datilografadas e sem er-ros, fato que pode sugerir que foi preparada com alguma ante-cedência. Não parece matéria escrita no mesmo dia da morte do

governador, naquela confusão pelo acontecido, corrigida, semerros de português e de datilografia.

Pode ser, é outra especulação, que o seu preparo anteci-pado e a sua apresentação já estivessem na agenda do novogrupo no poder e que ela seria lida logo, justamente para justi-ficar a ausência do Totó Paes do governo e a demonstração

pública de que havia um novo governador, mas também podeser visto como uma atitude preparada antes sobre um fato maisgrave que poderia acontecer, como a morte do governador.

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Hipóteses cabem frente à falta de informações concretas sobreaquele acontecimento.

Tem no Arquivo Público do estado um ofício do juiz fede-ral, João de Morais, datado de 6 de julho de 1906, para o gabine-te do governador Pedro Osório, em que acusa recebimento de

“vosso ofício de ontem datado”, ou do dia 5, para assistir à ses-são da Assembléia Legislativa e que “terá lugar à uma hora datarde”. Era a sessão da leitura da Mensagem do governo.

O fato sugere que a intenção era legitimar Pedro Osório comogovernador. Tudo de forma aparentemente legal, mas com umapressa e planejamento anterior que não deixam de chamar a aten-

ção. Ofícios foram expedidos a autoridades com convite para atosurgentes e, coincidência ou não, até mesmo no dia anterior àmorte do governador. Já se sabia do seu paradeiro e o cerco estavamontado desde o dia 5. Se tivessem a intenção de capturá-lo vivo,seria estranho o vice Pedro Osório querer legitimar uma situaçãoque poderia ser alterada com a chegada de Dantas Barreto.

Se a hipótese de que a intenção era eliminá-lo fisicamentefor aceita, houve então preparativos para o que poderia vir, comoa Mensagem à Assembléia, ofícios e telegramas para pessoas elugares diferentes, documento para laudo cadavérico tambémsem erros de linguagem e que obedecia a certo rito pericial epróprio da polícia em inquéritos sobre crimes.

Na Mensagem à Assembléia Legislativa de 6 de julho de1906, Pedro Osório falou na revolução vitoriosa e aproveitoupara malhar a administração de Antonio Paes de Barros comoum descalabro financeiro e de violência, fato que pode sugerirum plano antecipado para o grupo que chegara outra vez aopoder. E isso não aconteceria se o Totó Paes fosse reconduzido

ao governo por Dantas Barreto.Os fatos que estavam acontecendo não parecem ter sido ale-

atórios. E nem Pedro Osório sozinho – que não tinha vivência

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ativa na política, vinha da atividade comercial – poderia ter avisão de praticar atos rápidos e urgentes que pudessem solidificarlogo seu poder. Mandou telegramas ao presidente da República,ao Senado, à Câmara dos deputados. As imprensas local e nacio-nal foram municiadas de informações dando como fato consu-

mado tudo que acontecera e que o substituto legal do governa-dor, antes deposto e agora morto, estava no controle do governo.

Mas, como tudo está no arco de hipóteses, pode ser tam-bém que a pressa fosse para justificar jurídica e institucional-mente a ocupação do governo pelo vice Pedro Osório, não per-mitir que houvesse interpretações diferentes ou brechas para

alguma ação de fora para afastá-lo do governo.No mesmo dia 6 de julho, as forças ganhadoras fizeram

imponente desfile militar partindo da Praça da República, indopela rua 13 de Junho até o largo do Arsenal de Guerra, ondeestava o Oitavo Batalhão de Infantaria. Um dado sugestivo da-quele episódio é que o coronel Fontoura assistiu à concentra-

ção militar e também à revista feita à tropa por Generoso Ponce.O fato estava consumado. Esta morte entrou para a história

e para o imaginário popular do estado. Mas Rodrigues Alves ain-da lutou, mesmo depois da morte de Antonio Paes, para punirseus desafetos. Propôs uma intervenção federal no estado.

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IX. Tentativa de intervençãofederal em Mato Grosso

No dia 10 de julho de 1906, foi lida a mensagem de Rodri-gues Alves na Câmara dos Deputados, em que falou dos aconte-cimentos em Mato Grosso. Disse que existiam “responsabilida-des a apurar e delitos a punir”. Argüiu ainda que,

na ausência do Congresso para salvar Mato Grosso da anar-

quia em que se acha e para salvar o regime, decretaria o

estado de sítio e nomearia um interventor, medidas consti-

tucionais de caráter extraordinário que caberiam então nas

suas atribuições e necessárias para restituir a paz àquela

circunscrição da República e assegurar a liberdade na elei-

ção do seu governo.

O presidente quis uma intervenção, de qualquer maneira,no estado. Ele não se conformou com o modo como os fatos sederam, em não ter podido socorrer a Antonio Paes. Acreditavaque o manteria no poder com a chegada no estado da força mili-tar que mandou. Não ocorreu e, pior, o governador foi ainda morto.

Lutou no Congresso a favor de uma intervenção no estado. Seocorresse, quem sabe fatos não apurados teriam sido esclareci-dos. Talvez se tivesse sabido como e por que foi morto Antonio

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Paes e de quem seria a responsabilidade. Com um interventor,possivelmente pessoas da época, até mesmo companheiros doTotó Paes, em sua fuga, tivessem coragem e respaldo para con-fessar coisas que não confessaram por receio de represálias dequem assumiu, depois, o controle da política do estado.

Mas não acredito que houvesse, mesmo com uma inter-venção federal, uma mudança profunda no quadro político es-tadual. Três senadores (Azeredo, Metello e Joaquim Murtinho),todos de oposição ao Totó Paes, eram ganhadores do embatepolítico e militar no estado. Dos quatro deputados federais, trêseram do mesmo lado. Além disso, em 15 de novembro daquele

ano, outro presidente, Afonso Penna, assumiria no lugar do amigodo Antonio Paes, Rodrigues Alves. E o grupo ganhador do em-bate em Mato Grosso, através da Coligação, havia endossado onome dele para a presidência em lugar de Bernardino de Cam-pos, que era indicação do presidente que saía.

O interventor em Mato Grosso poderia fazer um levanta-

mento e até elucidar melhor o que ocorreu, mas iria embora eas coisas continuariam a ser politicamente tocadas pelo grupovencedor. O outro lado, sem Antonio Paes, estava praticamentedizimado. Não se vê nenhum nome de expressão desse grupopara tentar ganhar espaço político. Até mesmo seu genro, Joãode Aquino, e João Novaes Barreto ficaram pelo meio do cami-

nho. O outro grupo, mesmo com o interventor e com o apoio noRio de Janeiro, poderia tomar conta da política estadual, comode fato tomou, por algumas décadas.

A discussão do pedido de intervenção federal em Mato Gros-so é longa no Congresso. Os Anais da Câmara e do Senado mos-tram isso. As intervenções foram acaloradas e, no fundo, usou-

se o que ocorreu em Mato Grosso para esgrimir estocadas polí-ticas nos adversários. Jogou-se a discussão para o lado políticoou jurídico de acordo com a vontade e o interesse dos grupos

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que se digladiavam. Não foram somente parlamentares de MatoGrosso que usaram a palavra. Muito pelo contrário, foram de-putados de pontos diferentes do país. Era época de grandes ora-dores, de se mostrar sabedoria histórica e jurídica. Era o inícioda República, num regime ainda iniciante, em que se imaginava

estar a caminho um novo Brasil político e jurídico.Tudo era motivo para grandes ilações e justificativas peran-

te aquele novo momento e a perspectiva futura. De certo modo,os acontecimentos que levaram à morte do governador até fo-ram deixados de lado pela discussão de que se era direito daUnião intervir ou não; de declarar o estado de sítio ou não. Se

ocorresse, abria-se um precedente. Este era o receio de parla-mentares de outros estados. Falava-se ainda, nos debates daCâmara, que não se encontrava na Constituição a figura do in-terventor. Seria um ato discricionário, seria levar o governo fe-deral contra o governador, de fato, de Mato Grosso.

Dois motivos, além do aspecto jurídico, talvez tenham atra-

palhado a intenção da intervenção do governo federal em MatoGrosso. 1. Rodrigues Alves estava saindo, não tinha a força po-lítica de alguém no início ou no meio do mandato. 2. Em MatoGrosso, com grande rapidez, as lideranças políticas, depois damorte de Antonio Paes, botaram logo o vice no lugar dele. De-ram como fato jurídico e político consumado. Se o titular estava

morto, legalmente assumiu o vice. Não se discutia como é quese dera essa substituição nem como fora morto o governadordeposto. Fora uma ilegalidade ao se derrubar um governadoreleito, ação que o Totó Paes também fizera contra a eleição deJoão Félix de 1899. Com Pedro Osório, ficava mais difícil pediruma intervenção para tirá-lo do governo.

Como exemplo de busca de legalidade, em 16 de julho de1906, no dia em que se discutia a intervenção no estado, foilido, na Câmara, telegrama de Pedro Osório, como mostra Pon-

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ce Filho, em que “comunica que está completamente restabele-cida a ordem no estado, não carecendo mais seu governo deauxílio federal para garantir a liberdade do estado”. Tomarammedidas depois da morte do Totó Paes, ou até mesmo antes,talvez para dar “legalidade” ao fato ocorrido. Parecia coisa de

profissionais da política, tanto de Mato Grosso como dos repre-sentantes do grupo no Rio de Janeiro.

O pedido de intervenção foi derrotado na Câmara por 107votos contra e 27 a favor. Zephyr Frank mostra um comentáriojocoso sobre os acontecimentos em Mato Grosso que saiu nojornal O Estado de São Paulo, em 11 de julho de 1906. O ima-

ginado diálogo acontece no Senado. Disse um senador que existiauma solução simples para a oposição tomar o governo de umestado. O colega perguntou qual seria essa solução. O senadorrespondeu que o caminho seria eliminar o governador depoisde ter o apoio do vice-governador e, com isso, o governo fede-ral vai perceber que a intervenção não era mais necessária.

O assunto foi para o Senado em 17 de julho de 1906. Ali,Rodrigues Alves não tinha vida fácil. Encontrou a oposição dostrês senadores de Mato Grosso e também daqueles que faziamparte da Coligação e o haviam derrotado na escolha do novopresidente da República. Pedro Osório já havia comunicadoàquela casa, da mesma forma que fizera com a Câmara, acerca

da morte de Antonio Paes, de sua posse, do funcionamento daAssembléia Legislativa e que, institucionalmente, tudo caminhavade forma normal no estado. Procurava eliminar qualquer dis-cussão sobre vácuo de poder ou que as instituições e a ordempública em Mato Grosso estivessem ameaçadas.

Rui Barbosa entrou nos debates. Ele se pôs contra a inter-

venção, mas talvez se possa argüir que, se ele estivesse na outratrincheira, encontraria argumentos tão brilhantes e juridicamentepalatáveis como os que apresentava contra a decretação do esta-

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do de sítio. Seu argumento foi de base jurídica, mas era de políti-ca nacional que estava falando. Ele era contra Rodrigues Alves.

Num dos trechos de sua fala, disse que era contra atos deviolência ou de derrubada de governos, mas, em situações emque um povo não tivesse guarida na lei e nas instituições e que

seu direito estivesse sendo esbulhado, até se justificaria um atode força em defesa de seus direitos. Justificou a tomada do po-der em Mato Grosso, portanto. Partiu do princípio de que, noestado, não se respeitavam direitos e não havia instituições ca-pazes de fazer isso; no caso, justificava-se um ato extremo. Dis-se, em outro trecho de seu discurso:

[...] se todos admitem o direito da revolução, necessaria-

mente lhe hão de contemplar as conseqüências. Uma des-

sas é forçosamente a eliminação dos que lutam de uma e

de outra parte e os chefes não gozam a este respeito de

imunidades, antes estão mais expostos do que os seus co-

mandados à sorte sanguinolenta das armas.

Justificou a morte do governador com palavras bonitas,grande orador que era, e disse mais: “[...] não acredito que osacrifício do governador de Mato Grosso tenha sido um crimepremeditado”. No Congresso, havia muita gente que acreditava

nisso. E, continuou dizendo que “[...] não é raro acontecer queos executores de ordens dos chefes militares as excedem e quetendo recebido instruções de humanidade procedem cruelmen-te”. Transferiu a culpa da morte para atos de subordinados enão para os chefes.

E arrematou dizendo que, se houve excesso, devia-se ir

aos tribunais para julgamento. Que “[...] essas responsabilidadessejam apuradas judicialmente e que passe dentre nós o hábitoinjustificável e inconstitucional de ser objeto de legitimação do

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estado de sítio [...]”. Com uma conclusão como essa, só foi aplau-sos. Estava enterrada também no Senado a proposta de inter-venção federal no estado para, entre outras medidas, apurar averdade sobre a morte do governador Antonio Paes de Barros.Ficou para a história.

Há, no Arquivo Público de Mato Grosso, documentos quemostram que ainda se tentou, por parte de autoridade federal noestado, alguma medida legal para elucidar a morte de Antonio Paes.

Em um ofício de 18 de agosto de 1906, dirigido ao governa-dor Pedro Osório, o procurador da República, Sebastião BarrosJúnior, pedia

que vos digneis mandar que me sejam remetidos o exame

feito pela polícia no cadáver do Exmº. Presidente Cel. An-

tonio Paes de Barros, o inquérito e demais diligências pro-

cedidas no sentido de averiguar responsabilidades nos fa-

tos ocorridos durante aquele período convulsionado para

poder proceder de acordo com as instruções recebidas.

Em 28 de agosto do mesmo ano, voltou o procurador comoutro pedido ao governo do estado dizendo que havia sido co-municado, por ofício deste, que não haviam enviado os docu-mentos que ele tinha solicitado “por não terem efetuado mais

diligências visto não estar terminado o período revolucionário[...] peço-vos mandeis abrir inquérito sobre o movimento arma-do recém-havido e, conseqüentemente, do assassinato do pre-sidente, certo de que ninguém mais que V. Exª. tem interesse emque completa luz se faça sobre aqueles acontecimentos”.

Ele também falou em assassinato. Ninguém do novo grupo

no controle da política estadual estava interessado em “comple-ta luz” sobre aquele fato.

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X. Totó Paes poderia ter sido salvo?

Este é um capítulo do “se” e do “poderia”. É um capítulo

que não deveria aparecer, pois, em história, não existe a figuraimaginada de que se houvesse acontecido isso ou aquilo o re-sultado seria diferente. Reconhece-se isso, mas assim mesmoserão levantados alguns pontos sobre fatos daquele trepidantemomento que, se tivessem ocorrido, teriam alterado o curso dosacontecimentos e, quem sabe, até mesmo a seqüência de um

mesmo grupo no poder por tanto tempo depois do desapareci-mento do governador Antonio Paes de Barros. E o principal de-ses fatos foi a não chegada a tempo em Cuiabá da tropa militarmandada por Rodrigues Alves do Rio de Janeiro em socorro doTotó Paes. Mas, antes de entrar nos dados históricos sobre aquelefamoso atraso, outros fatos aparentemente pequenos talvez aju-

dem a esclarecer o trágico desfecho.O general de brigada Luiz Alves Leite de Oliveira Salgado

foi mandado por Rodrigues Alves para substituir o comandantedo Sétimo Distrito Militar em Corumbá que se mostrava contra ogovernador Antonio Paes de Barros. Dantas Barreto afirma queGeneroso Ponce esperou o momento da chegada dele àquela

cidade para iniciar sua ação para que não ficasse manchada aadministração do coronel Sebastião Bandeira, seu amigo. A de-cisão de iniciar a sedição foi no preciso momento que o outro

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comandante chegava. Ele chegou no dia 16 de maio de 1906.Ficou fora do comando, por doença, durante quatro dias. Nodia 17, Generoso Ponce já se movimentava rio acima levandoquantas embarcações podia e que eram úteis naquela época devazante dos rios.

Como a hipótese aqui esposada é a de que se houvesseessa ou aquela ação os acontecimentos em torno da morte doTotó Paes poderiam ser diferentes, se o general Salgado assu-misse de fato o comando desde o desembarque talvez tivessetempo para alterar alguma coisa antes daquela movimentação.Ele, no comando, poderia impedir ou dificultar a ação de Pon-

ce, principalmente a de recrutar embarcações apropriadas parasubir rumo a Cuiabá. Ponce poderia, mas seria temerário paraseu lado, prender um general que chegava para assumir o co-mando de uma força federal no estado.

Mais tarde, o general Salgado saiu numa embarcação rio aci-ma. Encontrou, a certa altura, o tenente Paraná que fora a Cáceres

atacar o batalhão militar dali para tomar armas. Ele ordenou, comosuperior hierárquico, que o outro se entregasse. Se isso tivesseocorrido, ele teria tomado todas as armas e munições consegui-das em Cáceres e que foram extremamente úteis aos opositoresdo governador Antonio Paes. Teria também assumido o comandodaquela outra embarcação e dos soldados que ali estavam. Com

essa força militar, insuficiente para enfretamento mais forte, po-deria subir o rio até Cuiabá. Preferiu retornar a Corumbá.

Se fosse à capital, mesmo sem a embarcação, as armas emunições do tenente Paraná, poderia, quem sabe, ajudar o go-vernador em sua defesa, ou até mesmo influenciar o coronelFontoura a tomar atitude diferente da que tomou. O coronel

possivelmente não iria contra o general, pois os dois tinhamordens do presidente da República para ajudar Totó Paes. Umaação conjunta deles poderia inibir qualquer ato maior contra o

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governador. A presença em Cuiabá de um general do Exércitonacional mandado pelo presidente poderia levar os aconteci-mentos em outra direção ou, pelo menos, inibir que se tomas-sem medidas mais drásticas como foi a da estranha e não bemexplicada morte do governador.

Não há nenhum dado que mostre que o general Salgadofez o que fez ou não foi a Cuiabá porque queria ajudar indireta-mente o grupo que se levantara contra o governador. Não estavainfluenciado pelos acontecimentos do estado, pois acabara dechegar e não era também do grupo de oficiais militares que es-tava no estado e era contra Rodrigues Alves e a favor da Coliga-

ção. Foi mandado como soldado de confiança do presidente daRepública e não como um punido por ato de rebeldia contraele. A dedução é que faria o jogo do governo federal e, portanto,de apoio a Antonio Paes e não o contrário. Suas ações, mesmosem ser premeditadas, acabaram tendo influências negativas parao lado do governador.

Rodrigues Alves também ordenou ao coronel Fontoura,comandante da força federal em Cuiabá, para dar todo apoio aogovernador. Não possuía muitos homens, mas era um oficial doExército num momento em que isso era importante em qual-quer tentativa de se tomar o poder no estado. Possuía armas,munições e autoridade suficiente para, pelo menos, tentar alte-

rar o rumo dos acontecimentos, que se mostravam contra o go-vernador. As cartas trocadas entre eles mostram um Fontouraum tanto quanto distante da ordem que recebera do presidenteda República. Tem uma interessante carta de Generoso Poncepara ele, de 26 de junho de 1906, antes, portanto, do desfechotrágico para o governador, que diz:

[...] animado por uma corrente de simpatia que em determi-

nadas ocasiões e circunstâncias soe unir em um mesmo pen-

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samento individualidades que por motivos especiais este-

jam em divergências [...] não o acredito partidário [...] não

farei jamais a injustiça de supô-lo tão estremado e apaixona-

do ao ponto de se fazer cego para não ver que esta revolu-

ção, provocada pelos seguidos desatinos do governo esta-

dual [...] conta com o apoio quase unânime de todo o estado

[...] a nossa cidade em muitos pontos parece já um montão

de ruínas pelos contínuos tiros de metralha que os canhões

da União, a serviço do governo estadual e por ordem do

mesmo coronel, têm feito sobre ela [...] esse mal-entendido

apoio ao princípio da autoridade não pode [...] ser compre-

endido de modo tão absoluto que faça, como delegado do

governo federal, ir além dos limites da decência como o car-

rasco de um povo ou capanga de um governo inconsciente

[...] tenho guardado para a força federal sob seu comando

todas as possíveis considerações, nutrindo sempre a espe-

rança [...] de que o seu chefe [...] em momento oportuno se

colocasse ao lado dos que defendem do jugo da tirania e

combatem pela causa santa da liberdade e dos direitos dos

povos [...] peço-lhe que me conceda a liberdade de dizer-lhe

que nunca um homem esteve em condições de melhor ser-

vir à sua terra do que se acha o amigo presentemente [...].

Um dia antes desta carta, em 25 de junho, o coronel Fon-toura mandou uma outra a Antonio Paes em que se afastou daajuda ao governador e assumiu a neutralidade perante os fatosem andamento. Não dá para saber se Ponce já sabia dessa deci-são, mas, como ela já havia sido tomada por aquele coronel, acarta que recebeu dele acabou ajudando na neutralização da-

quele militar, ou ainda o Fontoura fazia isso por esperteza ouespírito de sobrevivência, pois já previa o fim antecipado para oqual caminhava a situação do governador.

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Ainda na busca de pontos que ajudassem ao Totó Paes aesperar a ajuda que vinha com Dantas Barreto, se o coronelFontoura ficasse com ele ou lhe garantisse a vida pessoalmente,talvez os fatos futuros tomassem outro rumo. Antonio Paes seretirou para a Fábrica de Pólvora a fim de se esconder e esperar

a chegada do reforço militar do Rio. O caminho mais adequado,frente à difícil situação em que se encontrava, seria se colocarsob a tutela da guarnição militar federal. Era arriscado, podiahaver um linchamento, como já houvera antes, mas era umaalternativa a ser considerada, pelo menos. Não há correspon-dência que mostre que houve alguma tentativa nesse sentido.

Os fatos indicam que o governador não confiava no comandan-te militar federal na capital, nem mesmo o presidente da Repú-blica lhe ordenando dar suporte a ele.

Um outro dado que chama a atenção sobre a atuação docoronel Fontoura aconteceu no momento de estabelecer a linhade defesa para o ataque que viria pelo norte (Diamantino e Ro-

sário) e pelo sul (por água e de Corumbá). Totó Paes foi quaseque forçado por ele a fazer essa defesa somente dentro da cida-de. O governador queria fazer essa e mais duas: uma para olado do Rosário e a outra na fazenda Itaicy, no rio Cuiabá. Foidissuadido pelo coronel Fontoura. Pode até ter explicações cor-retas sobre táticas militares a concentração da defesa na cidade.

Mas, sempre na busca de meios que pudessem fazer comque o governo em apuros esperasse a chegada das forças quevinham do Rio de Janeiro, talvez a defesa somente na capitalnão fosse tão correta assim. Poderia, insiste-se, pelo pouco ar-mamento e milicianos, até ser boa essa intenção, mas, do pontode vista da espera, de ganhar tempo até chegar Dantas Barreto,

não parece que aquela decisão foi a mais adequada.Se Totó Paes ficasse na sua fazenda de Itaicy e, se perdesse

o combate ali, poderia se embrenhar nas matas daquela área e,

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como era conhecido e respeitado na região, conseguiria apoiode gente dali em alimentação e informações, por muito tempo,suficiente para esperar a ajuda mandada por Rodrigues Alves. Adefesa dentro da capital, cercada por dois lados, não resistiu aoconfronto. Antonio Paes se retirou para a Fábrica de Pólvora no

Coxipó do Ouro, lugar que não podia lhe dar refúgio, esconde-rijo e segurança, como dariam outros lugares.

Tem um fato anterior, contado por Ponce Filho, que mos-tra como era difícil encontrar alguém escondido nas terras doRio Abaixo. Em 12 de outubro de 1901, a esposa de GenerosoPonce fretou uma lancha para viajar para o Rio de Janeiro com

toda a sua família. Levou junto o médico Jonas Corrêa da Cos-ta, irmão de Pedro Celestino, porque tinha um filho com tu-berculose. Ao passar pela fazendo Itaicy, seu barco foi requisi-tado, com a alegação de que o estado estava em luta e precisa-va de todas as embarcações.

Talvez Totó Paes e os amigos não quisessem que a família

do adversário político se ausentasse e que, sem ela na capital, oPonce poderia tentar medidas mais atiradas para retomar o po-der. Ou a família ia mesmo embora, com receio de sofrer algumtipo de repressão. A força militar tomou a embarcação, mas per-mitiu que a família fosse até uma fazenda de conhecidos que fica-va mais abaixo. Mais tarde, mudaram de idéia e quiseram que

todos retornassem para Cuiabá. A família se embrenhou nas ma-tas dali e, durante 27 dias, se escondeu. Era composta por setefilhas, três filhos e mais um genro italiano; a maior parte delaconseguiu se esconder. Esse assunto mereceu até intervençõesapaixonadas no Senado por Antonio Azeredo, chamando a aten-ção para o fato. O ponto para consideração é que as matas do rio

abaixo eram muito mais adequadas que qualquer outra para umimaginado refúgio do Totó Paes a fim de aguardar a chegada daprometida força militar que subia o rio para ajudá-lo.

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A expedição militar de Dantas Barreto era a salvação dogoverno Antonio Paes. Contou essa aventura o próprio coman-dante da expedição em um livro que lançou em 1907. Ele disseque, no dia 23 de maio de 1906, “na sala de despachos da presi-dência”, estando ali Rodrigues Alves, o Ministro da Guerra, Fran-

cisco Argolo, e o Ministro da Marinha, Julio César de Noronha,ficou decidida a ida da ajuda ao governador de Mato Grosso.Rodrigues Alves deu prioridade ao assunto. Ele nunca abando-nou Antonio Paes. A ida dessa expedição, com 800 homens emuito armamento, era uma prova disso.

Antes daquela conferência no Rio de Janeiro, Generoso

Ponce já subia rumo a Cuiabá desde o dia 17 de maio e levara asembarcações possíveis e úteis naquele momento em que come-çava a vazante dos rios da região. Depois de contratempos, DantasBarreto partiu para Mato Grosso, através de Montevidéu, no dia1º de junho de 1906. Pegaram tempo ruim até a capital do Uru-guai, perderam um dia a mais do que se fosse numa situação

normal. Disse que, “dissolvida a bruma que envolvia a cidade eo porto de Montevidéu, levantamos ferro no dia 5 [de junho] pelamanhã bem cedo e, às 8 horas da noite, começamos a navegarem águas do famoso [rio] Paraná [...]”. Em 14 de junho, “dia frio,mas limpo, entramos no rio Paraguai”. Numa viagem normal, asembarcações podiam fazer do Rio de Janeiro a Cuiabá em um

mês. Ele, quando atingiu o rio Paraguai ainda lá embaixo e nãoperto de Cáceres, já tinha 14 dias de viagem.

Chegou em Corumbá às duas horas da tarde do dia 25 dejunho. Levara 25 dias até ali. As embarcações eram grandes, haviaaté navios da marinha brasileira. No porto de Corumbá, ele nãoencontrou embarcação que o ajudasse a subir o rio. Havia um

pequeno vapor, mais três chatas e uma lancha particular de umcomerciante que a escondera de Generoso Ponce. DescreveDantas Barreto, com base no telegrama do General Salgado, que

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Ponce levara toda embarcação que podia. E que “o rio Cuiabá,já muito baixo pela escassez de chuva desde abril, não compor-tava embarcações que demandassem mais de três palmos deágua”. Ele quase desesperava pelo calor e falta de perspectivade cumprir suas ordens.

Tinha, como escreve, que levar rio acima

800 homens de tropa, quatro bocas de fogo com os seus

reparos e aviaturas acessórias, 750 mil cartuchos para ca-

rabina Mauser, grande quantidade de projeteis para os ca-

nhões, pólvora negra e cordite, gêneros alimentícios para

um mês, cavalos e muares [...].

Uma dificuldade sem embarcações adequadas. Por aquelaaltura, fim de junho, a situação do Totó Paes já era desesperado-ra na capital. Foi no dia 30 de junho que ele recebeu, por partede Ponce, intimação para rendição.

Quando Dantas Barreto já pensava até em desistir de subiro rio, apareceu a ajuda de uma flotilha de guerra que era parafazer parte de seu comando e que chegava a Corumbá. Ele semostrou tão aliviado que até parece que não sabia que ela esta-va a caminho. Juntou tudo o que podia de embarcações e, nodia 28 de junho, às cinco horas da tarde, tentou deixar o porto

de Corumbá. Novas dificuldades, só conseguiu isso às 9 horasda manhã do dia seguinte. O telégrafo estava interrompido, nãopodia se comunicar com o Rio de Janeiro e, principalmente,com Antonio Paes em Cuiabá.

Outra vez no caminho das hipóteses. Se tivesse chance defazer esse contato, talvez desse força e fôlego ao governador e

seu grupo e até fizesse o coronel Fontoura se comportar de ma-neira diferente ao saber que a tropa federal já estava deixandoCorumbá. Era só o Totó Paes se manter vivo que seria indubita-

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velmente mantido no poder. Com essa perspectiva concreta nohorizonte, muita coisa teria mudado em Cuiabá, se (mais umse) o telégrafo estivesse funcionando.

Essa questão do telégrafo funcionar em certo momento enão funcionar em outros não está bem explicado naquele episó-

dio histórico. Tem situação documentada, como no caso dogeneral Salgado, que pôde se comunicar com Antonio Paes. Háoutras, como escreveu Dantas Barreto, que não podia. Não en-contrei explicação ou documentação adequada para esse im-portante detalhe.

Tem um diário de bordo da viagem da força militar man-

dada por Rodrigues Alves, escrito por dois tenentes da expedi-ção, que fala das enormes dificuldades para subir o rio na épo-ca da vazante. Era mesmo uma epopéia. Os barcos eram gran-des e a coisa ficava pior por causa da pouca quantidade deágua para navegação. Havia locais em que eles eram puxadospor cordas amarradas nos troncos de árvores das margens e

pelo esforço físico de muitos braços. Eram, ao todo, sete bar-cos e não muito apropriados para navegar naquelas águas emépoca de seca.

É descrito cada dia na expedição. No dia 30 de junho, comoexemplo, Dantas Barreto tomou uma decisão que, outra vez, sefosse concretizada, poderia alterar o curso dos acontecimentos.

Ele mandou um tenente e alguns praças, numa lancha mais ve-loz, subir o rio à frente da morosa expedição que comandava.Era para encontrar Generoso Ponce para, “em nome da ordem edos altos interesses da República, depor as armas rebeldes e, nocaso de êxito completo, avisar imediatamente o coronel Paes deBarros deste resultado humanitário e conciliador”.

Às 11 horas da manhã, na lancha, com o significativo nomede “Rodrigues Alves”, embarcaram os enviados do general Dan-tas. No dia 1º de julho, as embarcações chegaram num local em

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que morava “[...] um velho austríaco que nos presenteou comalgumas rapaduras magníficas”. Um austríaco morando no Pan-tanal lá por 1906.

Os problemas nos barcos foram aumentando. Faltou lubri-ficante. Foi substituído por azeite de peixe. Um soldado caiu e

morreu no rio. Faltou lenha, combustível das máquinas e, comoconseqüência, não houve pressão nos barcos a vapor. Quebra-ram peças, continuou a falta de lubrificantes. As lanchas se se-pararam umas das outras e complicou a distribuição de alimen-tos. É minucioso o diário de bordo.

Encontraram uma embarcação onde estava um dos oficiais

que ia no “Rodrigues Alves” para intimar Generoso Ponce e aler-tar Totó Paes sobre a ajuda que estava a caminho. Ele informouque, no lugar denominado Amolar, aquela lancha sofreu umaavaria irreparável. Não podia mais cumprir a missão. Até o nome(amolar) é significativo nessa história sem fim de problemas paraTotó Paes. Arrumaram outro barco, “Floriano Peixoto”, para cum-

prir a missão de desarmar Ponce.A quantidade de problemas descritos no diário é impressio-

nante. E é ininterrupta, todos os dias. Faltaram mais lubrificante,peças de reposição e querosene. No dia 6 de julho, dia da mortedo Totó, o diário diz em trechos que, “às 9:30 horas, paramospara receber lenha, elemento que faz o nosso desespero nesta

viagem de acidentes cada vez mais estranhos”. Ponce, quandosubiu o rio, foi levando com ele toda lenha que encontrava paraseus barcos e talvez para não ajudar Dantas ou outra força militarque subisse os rios. Diz o diário de bordo do dia 7 de julho:

[...] levamos o dia encalhando e navegando para depois

pararmos ainda à espera de embarcações que se atrasavam

fazendo lenha. A falta de combustível é a origem da nossa

maior demora, mas não há meio de sanar semelhante difi-

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culdade porque os habitantes das margens do rio haviam

retirado toda lenha dos pontos onde geralmente a tinham

em grandes montes ou porque os revoltosos a tivessem le-

vado. À noite, ficamos em S. José, onde carneamos e tive-

mos alguma lenha seca [...].

Às 10 horas da manhã do dia 8 de julho, entraram no rioCuiabá. Falaram que as dificuldades “vão em ordem crescentes:encalhes freqüentes, falta de lubrificantes e estopa; práticos emaquinistas extenuados; baixas bruscas de pressão e até lemesque funcionavam bem e agora já não governam”. Teve momen-

to de se usar a manteiga para alimentação como lubrificante. Nodia 9 de julho, a lancha Floriano Peixoto, que subira em missão,voltou com a notícia de que Antonio Paes havia morrido.

Saíram do Rio de Janeiro no dia 1º de junho de 1906. Já era9 de julho, quase 40 dias depois, e ainda não haviam chegado aCuiabá. A expedição fracassara em impedir a queda de Totó

Paes e também sua morte. Depois da morte do governador,Dantas Barreto recebeu embarcações mais apropriadas manda-das de Cuiabá e continuou subindo o rio.

Poderia ter voltado dali, aliás, houve até regozijo de algunssob seu comando porque, com a morte do Totó Paes, a missãopoderia ser abortada e eles retornariam, mas Dantas não fez

como o general Salgado. Foi a Cuiabá. Não é clara a data de suachegada a essa cidade. Na dúvida, vou escarafunchar um poucomais esse assunto.

É comum ler que ele chegou à cidade no dia 17 de julho de1906. Talvez seguindo o que escreveu Antonio Fernandes deSouza no seu livro de 1958. Se chegou no dia 17, seriam onze

dias depois da morte de Antonio Paes. No seu livro, Dantas Bar-reto não diz o dia em que chegou a Cuiabá. Fala que entrou norio Cuiabá no dia 8 de julho. No dia seguinte encalhou, safou-se

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pela tarde. A subida era difícil, mas a dúvida é saber se ele levoumesmo cerca de nove dias, depois de entrar no rio Cuiabá, parachegar à capital. Ele havia recebido embarcação mais apropria-da para subir o rio e, mesmo com dificuldades, a distância nãoé tão grande assim para justificar uma viagem restante de nove

dias. Saiu de Corumbá no dia 29 de junho. Dessa data até 8 dejulho, quando entrou no rio Cuiabá, são nove dias. Será quelevou o mesmo tempo só nesse rio até a capital?

No seu livro, ele diz que “mandei substituir as embarca-ções que nos conduziram até então por outras vindas ao nossoencontro, mais leves, mais apropriadas à navegação das águas

que sulcávamos”. Mais à frente, falando ainda da subida pelorio Cuiabá, diz que “[...] a lancha avançava, deitando sete milhaspor hora, o que era muito para quem estava habituado a menosda metade dessa marcha”. Naquela velocidade, com embarca-ção mais adaptada à vazante do rio, é possível conjeturar queele não tenha levado nove dias para navegar somente no rio

Cuiabá até a capital. A lancha ia a sete milhas ou o dobro davelocidade que ele tivera no trecho de Corumbá até a entradado rio Cuiabá. Se era o dobro, não é lógico que tenha levado umtempo igual ao que levara de Corumbá até chegar ao rio Cuiabá.

Garimpemos um pouco mais esse assunto. Castro Júnior,aquele oficial da Fábrica de Pólvora, mandou um ofício a Dan-

tas Barreto no dia 16 de julho de 1906. Consta no Arquivo Públi-co e o general também o cita no seu livro. Diz no livro que“tenho em meu arquivo cópia do segundo documento acimareferido, uma extensa exposição apresentada logo depois quecheguei a Cuiabá pelo diretor daquela fábrica militar”. Não dápara acreditar que Castro Júnior já havia escrito e datado o tal

ofício sabendo antecipadamente que o general chegaria no diaseguinte. Ele poderia tê-lo escrito no dia da chegada do generalou até depois desse fato. Em tese, ou até que apareça uma prova

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mais robusta, Dantas Barreto deve ter chegado a Cuiabá antesdo dia 17 de julho de 1906.

Se, porém, Totó Paes não tivesse sido eliminado em 6 dejulho, talvez a ajuda em barcos mais apropriados que foi man-dada de Cuiabá não tivesse sido feita e continuaria complicada

a subida do rio pela expedição Dantas Barreto. Ele, então, nãoteria feito as tais sete milhas por hora.

Mas, independente de chegar nesse ou naquele dia, ele nãochegaria a tempo para salvar o governo e a vida de Antonio Paes.Se atrazasse um ou dois dias o assunto já estava liquidado pelolado ganhador desde o dia 6 de julho. Se a viagem fosse normal,

com a saída do Rio de Janeiro no dia 1º de junho, teria chegado aCuiabá uns 30 dias depois ou quase uma semana antes da mortedo governador. Era mais um “quase” a entrar na história de Anto-nio Paes de Barros.

Outra indagação é saber, se aquele desfecho não tivesseainda ocorrido, se os sediciosos poderiam ou não tentar impe-

dir a subida de Dantas para Cuiabá. Os líderes da revolta sabi-am da vinda dele e faziam os cálculos de quando poderia che-gar a Cuiabá. Conta Ponce Filho que havia um entendimentoentre Generoso Ponce e um capitão-engenheiro do Exército,Brandão Júnior, de “obstruir o rio num ponto que só os doissabiam”. Se isso fosse feito, a expedição tomaria algum tempo

para romper o suposto empecilho, tempo precioso que faltaria aAntonio Paes naquele momento dramático.

Quando chegou a Cuiabá, Dantas Barreto foi recebido noporto somente por três oficiais e o tenente-coronel Celestino Al-ves Bastos. Nenhuma autoridade do estado o esperava. Tomouum bonde para o comando militar do distrito. Percebeu então

que, em sentido contrário, vinha outro bonde. Parou ao lado dodele. Era uma missão especial. Estavam ali Pedro Osório, Gene-roso Ponce e Pedro Celestino para saudar e dar as boas-vindas ao

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general. Talvez não o tenha recebido no porto para, quem sabe,sentir como é que ele se comportaria na chegada. Emissários de-vem ter informado aos novos donos do poder no estado que acoisa não era tão feia assim. Foram ao seu encontro.

A mudança política tinha completado seu ciclo de forma vio-

lenta. Acabara a fase de transição e de acomodação que vinhadesde a proclamação da República, em que novos personagenstentaram preencher o espaço político aberto com a queda doImpério. Houve ainda desavenças políticas nos anos à frente, masnunca mais no patamar do que houvera entre 1889 e 1906.

O grupo político ganhador da revolução de 1906.Veja como se vestia a elite política da época.

A foto é de novembro de 1906.No livro de Generoso Ponce Filho.

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O capítulo final

Indicam fatos posteriores que houve alguma tentativa no

estado, consciente ou não, para enegrecer a memória e o nome

de Totó Paes. Ou, se não tanto, uma seqüência de manifesta-ções e ações para apresentá-lo como um homem violento, cujasatitudes e governo tivessem apequenado a política do estado.Que era melhor esquecê-lo. Não há uma prova concreta sobreisso. Não se conhece alguém ou grupos correndo atrás de docu-mentos ou dados sobre o ex-governador para destruí-los, mas,

de forma planejada ou não, houve uma tendência local contra ohomem e o governo Totó Paes.

Já no ano de 1907, a Intendência de Cuiabá, mostra Fanaia,“publicou a resolução de número doze determinando a mudançado nome da Travessa Antonio Paes para Rua Cândido Mariano”.Até vias públicas deviam estar em sintonia com o que queriam os

novos donos do poder em Mato Grosso. Não há, em Cuiabá, umarua, beco ou travessa com o nome daquele ex-governador.

No Arquivo Público do estado a quantidade de documenta-ção sobre o governo Totó Paes não é grande. Outros governantes,até com menos tempo no governo, têm uma documentação maissubstanciosa. Não existem provas para afirmar que parte dessa

documentação desapareceu e que tentaram manipular a história.Os documentos naquele Arquivo Público estão em latas de pa-drão e tamanhos idênticos. Elas se dividem por anos e governos.

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Contando períodos de três anos de documentação arquiva-da nas latas, mesmo tempo que Antonio Paes esteve no governo(15 de agosto de 1903 a 2 de julho de 1906), numa avaliaçãopreliminar, a sua administração apresenta uma quantidade delatas menor que outros governos. De 1889 a 1891 são 36 latas.

De 1892 a 1894 são 30 latas. De 1895 a 1897 são 27 latas. De 1898a 1902, um período maior de anos, tem-se 38 latas de documen-tos. Entre 1903 e 1906, quando governou Totó Paes, existem 12latas de documentos, incluindo o restante do ano em que assu-miu seu vice, Pedro Osório.

Talvez fosse interessante uma pesquisa mais aprofundada e

cuidadosa sobre a quantidade de latas de cada um daqueles gover-nos e, mais importante, uma análises dos tipos de documentos con-tidos nelas e não somente contadas por fora. Saber se há mesmofalta de documentos no período do governador morto. Pesquisartambém outros governadores e períodos para se estabelecer para-lelos que levasse a alguma interpretação mais apropriada sobre

esse fato. Levar em conta ainda se “revoluções” ou confrontos po-líticos em momentos diferentes influenciaram ou não na quantida-de de documentos nesse ou naquele governo estadual.

É sugestivo constatar que, no ofício encaminhado por Cas-tro Júnior lá da Fábrica de Pólvora para Dantas Barreto e que seencontra no Arquivo Público, não consta tudo que está escrito

no livro daquele general. Faltam partes naquele que está no Ar-quivo. Pode ter extraviado, como pode ter desaparecido de ou-tra forma. O curioso é que a parte que não consta no Arquivotende a ser mais favorável ao acuado Totó Paes e com comentá-rios não muito positivos sobre os que o cercaram na Fábrica dePólvora. Ninguém sabe explicar como é que desapareceu um

pedaço daquele documento do Arquivo Público.Correu também, na Justiça estadual, uma ação pelo fato

ocorrido na baía do Garcez. A ação é vista historicamente como

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a base jurídica para a exploração popular daquele fato, para jus-tificar a deposição e até a morte do governador. Virou lugar-comum essa afirmação, principalmente em Cuiabá e região. Háuma quase unanimidade de historiadores que seguem esse ca-minho. O massacre da baía do Garcez daria a justificativa legal

e popular pela morte de Antonio Paes.Adauto Alencar, em busca de informações sobre a linha-

gem das famílias mais importantes de Mato Grosso, encontrouno Arquivo Público do estado, no acervo do Cartório do SextoOfício, os depoimentos do inquérito policial instaurado sobreos acontecimentos na baía do Garcez em 1901.

Falaram oito testemunhas no inquérito. Elas foram ouvi-das, interessantemente, nos dias 24 e 25 de agosto de 1906, ummês e dezoito dias depois da morte de Totó Paes, em 6 de julhode 1906, quando o novo grupo já tomara conta do poder noestado. O inquérito é sobre um fato ocorrido em 1901, cincoanos antes. Todas as testemunhas, segundo o inquérito, esta-

vam na Fazenda Conceição no dia 3 novembro de 1901. O cha-mado massacre da baía do Garcez ocorreria no dia seguinte.

As testemunhas culparam os irmãos de Totó Paes, Henriquee José Paes de Barros, e o genro dele, João de Aquino Corrêa, queera o chefe de polícia do governo Antonio Alves de Barros. Fala-ram que houve o massacre de 17 pessoas. Listaram os nomes

delas. O promotor público, Antonio de Paula Corrêa, membro dafamília Corrêa da Costa, concluído o inquérito, ofereceu a denún-cia. É curioso esse inquérito e denúncia, em 1906, por um aconte-cimento de 1901. O lado que o instaurou poderia alegar que as-sim procedia porque não havia condições legais para fazê-lo nogoverno de Antonio de Barros ou no seguinte, o de Totó Paes.

Mas uma ação daquelas acabou ajudando a manchar amemória de Antonio Paes perante a história. Ele já estava morto,o inquérito acusava as pessoas mais perto dele e o respingo

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final seria nele mesmo. Ninguém iria culpar personagens meno-res pelo que ocorreu no Garcez. A imagem a ser atingida, deforma consciente ou não, era a do governador morto.

Como se trabalha no campo das hipóteses, outras cabemsobre o assunto. Também se pode conjeturar que os adversári-

os dele assim procederam para dar algum sentido “legal” oujustificar a derrubada do governo Totó Paes e ainda sua morte.O grupo ganhador do conflito talvez quisesse criar argumen-tos legais não com a intenção de denegrir conscientemente,àquela altura, a imagem do Totó Paes. Talvez precisassem deinstrumentos assim para ter alguma base jurídica para enfren-

tar uma disputa pela legalidade da tomada de poder por PedroOsório. O procurador da República, como exemplo, havia pe-dido, em ofícios de 18 e 28 de agosto de 1906, dados maisacurados sobre a morte do governador. Um inquérito paramostrar como era truculento o grupo que foi apeado do poder,mesmo que não fosse assunto recente, talvez ajudasse numa

imaginada disputa jurídica.Cabe, numa hipótese assim, até mesmo a devassa feita –

depois da morte de Antonio Paes, por Manoel Escolástico Virgí-lio, um futuro governador, que era cunhado de Paula Corrêa –nas contas do governo Totó Paes e que o acusou de irregulari-dades, assunto que ajudou também a manchar a imagem do

governador deposto e morto.Podiam ser atos para dar base a algum tipo de disputa legal

sobre o momentoso assunto. Não foi necessário esse embate jurídi-co e político, mas o que fizeram no inquérito e na devassa nascontas ajudou depois a escurecer a memória do ex-governador.Acertaram o governador de qualquer forma. E parece que conse-

guiram pelo menos por um lado, pois a propagação popular sobreas mortes no Garcez foi o combustível que deu chama para acusa-ções, por décadas, na capital de Mato Grosso contra Antonio Paes.

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Zephyr Frank aventou ainda a hipótese de que poderia terhavido um interesse econômico por trás daquela morte. Ele dizque, para a Exposição de São Luis, EUA, a usina Itaicy mandou 400mil quilos de açúcar de primeira classe, 200 mil quilos de segundaclasse e 200 mil litros de aguardente. Baseado nesses números e

fazendo outras contas, ele acredita que, se a produção daquelausina fosse vendida localmente, “os usineiros não agüentariam aconcorrência da indústria em grande escala”. Ele entende que aluta local foi maior que uma “briga entre oligarquias [...] o ocorridofoi uma luta entre a vanguarda do capital e modernização e osinteresses tradicionais”. Ou, em outras palavras, mataram o empre-

sário mais que o governador, pois havia um receio de que sua usi-na fosse tão eficiente e produtiva que “quebraria” as outras.

É uma tese engenhosa, mas faltam mais dados para confir-má-la. Um reparo inicial é que este autor sugere que a produçãodaquela usina seria vendida em Cuiabá e região. Se fosse, coli-diria com outros produtores, mas, possivelmente, a intenção da

Itaicy era vender parte de sua produção no mercado externo,daí talvez o motivo da participação numa exposição internacio-nal. Nesse caso, quem sabe daria para conviver com outras usi-nas. Também a Itaicy poderia vender na região do Prata e, aofazer isso, ela teria concorrência não localmente, mas com pos-síveis produtores de açúcar de países vizinhos.

O próprio Zephyr Frank escreve que a usina Itaicy tinhaproblemas econômicos e, se havia, talvez não desse para pro-duzir o que queria e ter uma espécie de mercado cativo na re-gião. E, na hipótese levantada, seria isso que teria levado muitosa enfrentar o governador e usineiro. A usina Itaicy foi rentávelentre 1897 e 1900. A partir daí, diz o autor, “com exceção do ano

de 1904”, tornou-se deficitária, “sem condições de pagar as dívi-das da usina, muito menos arregimentar uma tropa fiel, dada agrande dificuldade financeira”. Se a usina estava com proble-

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mas financeiros, teria alguma dificuldade para enfrentar os con-correntes locais.

Frente à situação não muito boa nas finanças da usina, TotóPaes não teve como enfrentar o embate que o levou à morte. Setivesse recursos talvez pudesse contratar mais homens, cooptar

outros ou até conseguir mais armas para aquele enfrentamento.Talvez se encaixe aqui a tentativa de seu governo em conseguirum empréstimo externo. Se conseguisse, sua situação seria ou-tra. A dívida de sua usina era, portanto, um fato concreto e asdificuldades financeiras também, daí ser um tanto quanto estra-nho ele ter ido ao governo em 1903, no momento em que mais a

empresa precisava de sua presença e esforço para tirá-la daque-le sufoco financeiro.

Na hipótese de se ter algum interesse econômico por trásda morte de Antonio Paes, Zephyr Frank escreve ainda que ocredor da usina Itaicy era a firma Almeida & Cia. Pedro Osório,o vice que assumiu o lugar do governador morto, era ligado por

laços familiares com os Almeida. Com o afastamento do TotóPaes, a família tomaria conta do governo e de sua usina. Parasubsidiar esse ponto de vista, aparece uma indenização da fir-ma Almeida & Cia., ganha na justiça em 1927, para a esposa deTotó Paes, Úrsula de Oliveira Barros.

Hipóteses diversas cabem, mas talvez a verdade sobre essa

morte esteja mesmo nos acontecimentos políticos que viveu oestado naquele episódio. Não havia santos ou bandidos nesseassunto. A atuação dos diferentes personagens, partidos ou gru-pos, obedecia às regras daquele momento político. Eram pro-duto dele e a atuação de todos, certa ou errada pelo prismaatual, seguiu o padrão da política de uma conturbada época.

Além da busca por espaço político havia ainda uma transi-ção econômica em andamento. O extrativismo cedia o domínioà produção industrial do açúcar e também ao comércio interna-

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cional. Os engenhos de açúcar e as casas comerciais ou impor-tadoras e exportadoras dominavam o cenário econômico. A novaeconomia ajudava a empurrar os fatos e os atores políticos emdireções diferentes. Os grupos, também por aí, lutavam parapreencher os espaços que surgiam. Tudo isso fazia parte daque-

la interessante situação política.É preciso registrar mais uma vez que, de forma consciente

ou não, a imagem de Totó Paes na história de Mato Grosso ficouarranhada. Um personagem que era o maior usineiro do estadoe que chegou ao governo e perante a história tem sido marginal-mente estudado. E, quando citado, é de forma desairosa: que

era um homem violento e que enodoava a vida política da épo-ca. Daí, talvez, a impressão que se criou de que os ganhadoresda disputa de 1906 podem ter tentado manipular a história con-tra Antonio Paes de Barros.

Não há, como já dito, nome do Totó Paes em rua ou emnenhum prédio ou monumento público em Cuiabá. Os outros

personagens daquele momento histórico, adversários do gover-nador que desapareceu, são nomes de ruas, prédios e monu-mentos na capital. Impressiona a quantidade de nomes, em ruascuiabanas mais antigas, de pessoas envolvidas na política da-quele período e que ganharam o embate.

A minha impressão é que aquele foi o momento épico da

política estadual e também o auge da participação e domíniodos cuiabanos na política em Mato Grosso. Mas o Antonio Paes,uma das figuras centrais daquele período na vida econômica epolítica do estado, não recebeu nenhuma homenagem pública.

Tem atores políticos daquele e de outros momentos que ti-veram também embates políticos e militares, perderam a disputa

para outro grupo e que têm obras, ruas, escolas ou monumentosem seu nome. O Totó Paes, interessantemente, não tem nada.Houve, parece, uma tentativa de esquecê-lo. E, quando se falava

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na figura dele, era para denegri-la como se não houvesse nada emsua atuação como político e empresário que fosse positivo. Issotudo é parte das especulações que cercam esse personagem his-tórico, pois é difícil provar que houve um trabalho organizado daelite ganhadora do conflito em promover esse esquecimento, ou

que até mesmo manipularam dados históricos nessa direção.É medianamente aceitável, porém, que mais tarde alguns

que escreveram sobre este assunto não queriam provocar rea-ções em certos círculos sociais e políticos ao falar dados positi-vos sobre o governador morto. Uma atitude que poderia ser vis-ta como contra o grupo que dominou a política estadual até

pouco tempo atrás. Quem assim fizesse ficaria numa situaçãoincômoda. O mais comum, de forma consciente ou não, é his-toriadores ou memorialistas que escreveram sobre o tema pin-tarem uma imagem negativa do Totó Paes.

O historiador, Virgilio Alves Corrêa, cuja família se entrela-çou e até se confundiu com o tronco maior dos Corrêa da Costa,

foi o que mais escreveu sobre aquele momento político de MatoGrosso e até mesmo pautou outros historiadores e a opinião defuturas gerações.

Não está também claro até hoje qual foi a participação damaçonaria em todo aquele episódio. Quase todos os líderesenvolvidos no conflito eram maçons, incluindo Totó Paes e

Generoso Ponce. Um grupo maçônico apoiou um lado e o ou-tro o adversário. Há muita especulação e conversa de rua sobreesse aspecto daquele momento histórico. Pode até haver docu-mentos internos nessa entidade que tratam daqueles aconteci-mentos, mas não se tem conhecimento de nenhum deles quemostre como se deu a participação individual ou coletiva de

maçons no desfecho trágico final.Mas, independente de dúvidas como essa e outras, o grupo

ganhador da disputa de 1906 tomou conta da política do estado e

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quem mais se aproveitou da nova situação foi a família Corrêa daCosta. Pedro Leite Osório terminou seu governo. Assumiu depois,em 15 de agosto de 1907, Generoso Ponce. Renunciou por doen-ça e ficou no seu lugar Pedro Celestino Corrêa da Costa. Os ou-tros vices eram Joaquim Costa Marques e João Batista de Almei-

da. Todos do lado vencedor, claro. Em 15 de agosto de 1911,assumiu o governo Joaquim Costa Marques. Seu primeiro vice eraJoaquim Caracíolo de Azevedo. Apareceu um “estranho” no go-verno, em 1915, general Caetano de Albuquerque. Houve umaconfusão política e assumiu o governo, em dezembro de 1916,outro do grupo ganhador, Manoel Escolástico Virginio.

Em 10 de janeiro de 1917 foi decretada intervenção federalno estado devido às desavenças políticas. Houve um acordo e obispo Aquino Corrêa passou a ser o governador em 1918. Volta-ram os Corrêa da Costa, com Pedro Celestino, em 1922. Por motivode doença deixou o governo para Estevão Alves Corrêa, quaseuma extensão da família Corrêa da Costa, que ficou até 1926. Aí

assume outro Corrêa da Costa, Mário, até 1930.Getúlio Vargas no poder em 1930 e começou em Mato Gros-

so um período de intervenções. Foram seis até 1935, os aconte-cimentos nacionais outra vez influenciando a política estadual.Em 1935, o governador foi Mário Corrêa da Costa. Em 1937, jáno Estado Novo getulista, Júlio Strubing Müller foi nomeado in-

terventor no estado. Ele, interessantemente, era casado com aneta de Generoso Ponce. Seu secretário-geral, uma espécie deprimeiro-ministro, João Ponce, era irmão de sua esposa. Apare-ceu, na seqüência, Arnaldo Estevão de Figueiredo, que gover-nou de 1947 a 1951.

O próximo governador foi Fernando Corrêa da Costa, da

UDN, que bateu Filinto Müller, irmão de Júlio, do PSD, na elei-ção de 1950. Em 1956, João Ponce, neto de Generoso, tambémdo PSD, assumiu o governo. O próximo governador? O mesmo

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Fernando Corrêa da Costa, que ganhou outra vez de Filinto Mül-ler. Filinto e Gastão Müller (deputado federal e depois senadorbiônico) ainda tiveram fôlego político durante o regime militar.Houve, portanto, um interessante controle da política estadualpor gente com ligações nos troncos Ponce e Corrêa da Costa.

Surgem outras uniões, agora envolvendo os Mullers, quecimentam um domínio familiar e político interessante. Júlio Fre-derico Muller, filho do médico alemão, Friedrich Muller, quemorava e trabalhava em Cuiabá, casou-se com a irmã de PedroCelestino Corrêa da Costa. Nasceram seis filhos, três deles tive-ram atuação política. Fenelon Muller foi prefeito em Três Lago-

as, no hoje Mato Grosso do Sul, e também prefeito de Cuiabá.Foi ainda interventor no estado por seis meses. Mais tarde, seuirmão, Júlio, teve a mesma função entre 1937 e 1945. Filinto Mullerfoi chefe de polícia no Rio de Janeiro no Estado Novo. Já comosenador foi presidente da Arena, partido dominante no regimemilitar, e presidente do Senado. Morreu num desastre de avião

da Varig em 1973 perto do aeroporto de Orly na França.Houve, portanto, uma união entre os Mullers e os Corrêa

da Costa, como houve também dos Mullers com os Ponces. Maistarde eles dividiram o controle da política no estado. Um grupoficou no comando do PSD e o outro da UDN. Havia disputapolítica entre eles, mas não da forma que entre correligionários

de ambos os lados espalhados pelo estado. Estes, sem atinarpara os laços de parentelas criados, se engalfinhavam politica-mente de maneira mais contundente. Envolviam-se em desa-venças pessoais e de grupos mais agudas e dramáticas. Mas, nacapital, a elite política era quase uma só família e fazia reveza-mento amistoso do poder.

O grupo, mesmo em lados opostos, se entendia desde amorte de Antonio Paes de Barros. Uma seqüência sugestiva demembros de três famílias ou de casamentos entre elas ou ainda

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de amigos de Generoso Ponce que assumem o governo do esta-do na esteira do desaparecimento da oposição, naquele mo-mento específico personificado em Totó Paes. Os fatos sugeremque se ele não fosse morto e continuasse na política talvez fosseo único que tivesse condições de meter uma cunha nesse domí-

nio de um determinado grupo político no estado.Tem um dado recente que, mesmo sendo circunstancial,

dá um toque interessante nessa seqüência de domínio políticono estado. A neta do governador Blairo Maggi (2003-2010), cujafamília é do sul do país, é da quinta geração desde GenerosoPonce. Ela é bisneta de Hélio Ponce de Arruda, irmão do ex-

governador João Ponce e de Maria Ponce Muller, esposa do in-terventor Júlio Muller. Os três (Hélio, João e Maria) são netos deGeneroso Ponce.

Os irmãos Murtinhos não deixaram sucessor, nem familiarou de correligionários conhecidos. Não moravam mais no esta-do. Aliás, Joaquim Murtinho foi para o Rio de Janeiro desde os

13 anos e nunca mais voltou. Mandou na política do estado semvisitar uma vez sequer Mato Grosso. Ganhou as três “revolu-ções” do período. A primeira, em 1892, com Generoso Ponce àfrente, conseguiu colocar de volta no governo seu irmão, Manu-el Murtinho, que havia sido afastado à força com a queda dogoverno de Deodoro da Fonseca. Na segunda, em 1899, ele se

põe contra Generoso Ponce, apoiou-se na atuação militar deTotó Paes e teve apoio explicito do presidente Campos Salespara se impor outra vez. Na terceira, em 1906, foi em direçãocontrária e se afastou de Totó Paes, aproximou-se de GenerosoPonce depois da formação da Coligação no Rio de Janeiro etambém em Mato Grosso, e mais uma vez sai vitorioso de um

embate político e militar. Era a maior fortuna do estado. Manda-va na Mate Laranjeira e criara um banco. Foi um político atuantena primeira República. Seu irmão, Manuel, algum tempo depois

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de ir para o Supremo Tribunal Federal, aos poucos, foi se afas-tando das lides políticas em Mato Grosso.

Generoso Ponce e Joaquim Murtinho, dois personagensfortes da política estadual, morreram em 1911. Pedro Celesti-no, já doente desde a década de 1920, morreu em Petrópolis,

em 1932. Antonio Azeredo foi constantemente reeleito sena-dor até a chegada de Getúlio Vargas ao poder, em 1930. É umpersonagem da política local que mereceria um estudo maisapropriado. Foi um atuante senador no período político maistrepidante da história local.

Os Paes de Barros ficaram, portanto, fora do poder desde o

confronto de 1906. João Paes de Barros, irmão do Totó, quebandeara para o lado dos futuros ganhadores da disputa, mor-reu em 1905. Não teve tempo de se beneficiar dos resultados de1906, apesar de macabro para sua família. O nome da família foitambém desaparecendo do cenário econômico estadual. Eramgrandes proprietários de terras e usineiros e essa marca também

não ficou. Não que não tivessem propriedades. O inventário deAntonio Paes, de 1906, mostra 19 propriedades rurais em que ouele era dono ou possuía partes delas. Adauto Alencar arrancoudo inventário o nome, lugares e a extensão de todas elas.

Terras não têm liquidez quando se quer e talvez seja porisso que sua esposa, Úrsula de Oliveira Barros, mostrando difi-

culdades financeiras, apresentou um pedido, através de advo-gados, em 2 de fevereiro de 1909, em que solicitou o pagamentopor parte do estado de 20 contos de réis que eram de saláriosatrasados do marido, de outubro de 1905 a 2 de julho de 1906.Este documento está no Arquivo Público. Eles, os Paes de Bar-ros, cederam a ribalta da política e da economia no estado para

outros nomes e interesses.A roda da política continuava sua marcha. Os aconteci-

mentos e os interesses empurraram, de um lado para o outro,

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os personagens principais da história aqui contada. Totó Paesjá não estava mais no palco. Mandavam no estado os Murti-nhos, Generoso Ponce e começou a crescer também PedroCelestino Corrêa da Costa, o patriarca da família que mais sebeneficiou do poder local depois daquele momento tempestu-

oso. Há uma clara aproximação entre Pedro Celestino e Pon-ce. Junto a eles, amigos ainda, mas mostrando as garras, esta-vam os irmãos Murtinhos.

Virgílio Corrêa Filho publicou, na íntegra, nos anexos dolivro sobre Joaquim Murtinho, cartas interessantes entre ManuelMurtinho e Pedro Celestino e também Generoso Ponce, em que

dá para perceber como o poder político poderia ajudar nos inte-resses econômicos e como os aliados já arreganhavam os den-tes um para o outro. A data escapa um pouco do período enfo-cado por este livro, mas trechos dessas cartas talvez mostremum dos motivos da tomada do poder.

Em 25 de outubro de 1907, Manuel Murtinho escreveu lon-

ga carta a Pedro Celestino. A Assembléia Legislativa havia der-rotado um pleito da Mate Laranjeira, empresa ligada ao grupofinanceiro de Joaquim Murtinho. Manuel estava aborrecido edisse: “[...] espero [carta] de V. Exª. explicando o motivo por quea Assembléia Legislativa indeferiu requerimento da empresa [La-ranjeira, Mendes & Cia.]”.

A ida deles ao poder não era sem interesses. GenerosoPonce e Pedro Celestino talvez não quisessem deixar que osdois irmãos se fortalecessem ainda mais. Já possuíam poderpolítico, com mais força econômica poderiam ficar muito dis-tantes deles. O mais sugestivo nessa carta é a desculpa queManuel deu para conseguir convencer seus amigos a apoiar o

interesse deles. Dizia que estava preocupado com o abandonode vastas regiões do estado. Eram espaços que deviam ser cui-dados e alegou que

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[...] a imigração rio-grandense [...] vai se avolumando e es-

tendendo-se pelo sul do estado [...] dentro de mais alguns

anos essa colônia dominará pelo seu número e extensão

toda aquela região, constituindo, por assim dizer, um esta-

do dentro do estado.

E disse ainda que, pela distância, o governo estadual não

poderia impedir que isso ocorresse e arrematou que a “[...] novacompanhia tinha também em vista custear uma força armadacriada pelo estado para operar o policiamento na região em quetivessem que estabelecer a empresa”. A Mate já era poderosa

economicamente, com uma força militar aí é que talvez surgisseum estado dentro do estado. Pedro Celestino e Ponce, quehaviam juntado forças com os Murtinhos para eliminar Totó Paes,mostraram-se reticentes em apoiar pleitos dos dois irmãos.

Em carta de 1º de dezembro de 1907 a Generoso Ponce,Manuel Murtinho defendeu o mesmo ponto de vista de se for-

mar uma força militar para pôr “paradeiro às ambições desen-freadas dessa gente [imigrantes do Rio Grande do Sul] que, den-tro em pouco, ficará avassalando aquela região constituindo umestado no estado”. Em 18 de janeiro de 1908, lá estava outra vezManuel Murtinho reclamando para Generoso Ponce sobre omesmo assunto e, como houve pequena movimentação armada

no sul do estado, ele lembrava de que havia previsto isso “devi-do à expansão direcionada dos imigrantes rio-grandenses”.

Quem assinou todas as cartas foi Manuel Murtinho. No ge-ral, não se vê a atuação do seu irmão, Joaquim, dessa forma. Elese colocava numa posição superior, só intervinha em situaçãoextrema. Era o maior nome da política estadual. Tinha poder

político no Rio de Janeiro e ainda detinha enorme força econô-mica. Quem sabe se pode conjeturar que os dois lados, amigosde ocasião na luta para derrubar Totó Paes, não se estranhariam

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mais à frente na política estadual na busca de seus interesses.Talvez isso não chegou a acontecer pela morte, em 1911, dePonce e Joaquim Murtinho. Abriu caminho para que a famíliaCorrêa da Costa reinasse quase sozinha na política estadual porlongos anos.

O leitor deve ter percebido que este livro não mostrou nadasobre a população do estado ou como é que ela vivia e reagia aosfatos aqui contados. A busca deste trabalho foi sobre os fatos po-líticos daquela época, do ponto de vista dos documentos que tra-tam desse assunto. O tema é político, é de briga entre as elites deMato Grosso, basicamente de Cuiabá. A intenção era ir às raízes

dos acontecimentos que levaram ao assassinato do governadorAntonio Paes de Barros. Para isso, foi-se lá atrás, desde o inícioda República, em que os grupos queriam preencher os espaçospolíticos abertos com o novo regime, passando pelas ‘revoluções’ou derrubadas violentas de governos, para se chegar à deposiçãoe morte daquele governador. Este era o foco da análise.

Mas, na busca da movimentação política, impressiona comonão se encontra nos documentos analisados ou cartas, incluin-do as familiares, praticamente nada sobre o povo. Parece quenão existia. As longas cartas trocadas entre membros da elitenão tocam em assuntos que envolviam mais de perto a popula-ção. Falam dos seus problemas políticos, comerciais, econômi-

cos, da família, de armas e insultos, mas nada sobre as coisas davida da população. Parece que esse assunto, mais importantetalvez do que os fatos políticos, pois marcam a alma de umpovo, não existiam. Os fatos do cotidiano é que dá base à cultu-ra local, realidade que fica para a posteridade.

Quase ninguém, hoje, fala sobre os acontecimentos políti-

cos daquele momento. O povo e sua cultura ficaram. Os outrosfatos precisam ainda, como a tentativa deste livro, ser pesquisa-dos para se ter um ponto de vista, entre outros, sobre os aconte-

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cimentos políticos pelos quais passou o estado. As correspon-dências tinham o foco na política, mas não haver nada nelassobre a população de um estado ou cidade chega a encabular.Parece que se vivia em outro mundo.

Por exemplo, como se alimentava a população local? Qual era

a base de sua comida? Como se vestia e falava, quais suas músicase atos festeiros? A elite política, em sua copiosa correspondência,não tem interesse em falar nada sobre isso. Sobre a alimentaçãodaquele momento encontrei somente pequenos comentários. Quan-do do cerco da casa de Generoso Ponce alguém dali, numa ma-nhã, tentou sair e foi impedido por um segurança. Ponce falou com

o chefe de polícia, que era seu vizinho, que estavam impedindoalguém de sua casa ir ao açougue comprar a carne para o almoço.É um dado insignificante, mas é um dos únicos.

Em outro momento, na luta de 1906, o mesmo Ponce emcarta pediu a um amigo que mandasse mais farinha para as tro-pas, pois a dele havia acabado. Fala-se em outras situações em

condução de gado de fazendas para alimentar os milicianos,seja desse ou daquele lado em confrontos diferentes. Deduz-seentão que carne e farinha era parte da alimentação das forçasem confronto.

Mas não se fala nada, nem ali e nem em épocas de sossegopolítico, qual era, como outro exemplo, o tipo de bebida alcoóli-

ca que a população usava em suas folgas ou festas religiosas. Ogeneral Antonio Maria Coelho uma vez falou no guaraná ralado eninguém mais se referiu a isso ou outra bebida daquela época.

Nas cartas, jornais citados, discursos diferentes, manifestospor esse ou aquele assunto, não aparece nada também sobre aIgreja Católica que, sem dúvida, comandava as coisas do espíri-

to em Cuiabá e região. Apareceu o nome de um padre, quandoeste pertenceu a um partido. O enfoque dado a este livro estános fatos políticos e, nesse caso, é de se supor que não ia apare-

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cer nos documentos que tratam do tema nada que se refere àIgreja Católica, mas, como ela também tinha força política, po-deria influenciar grupos a atuarem dessa ou daquela forma enão se vê um documento mostrando determinados bispos oupadres assumir esse ou aquele lado. Uma tomada de posição

desse quilate poderia, quem sabe, fazer a balança, numa dispu-ta mais acirrada, pender para o grupo que tivesse seu apoio.

Não se lê também que, durante os combates na capital ouquando de prisões de adversários, a Igreja tivesse sido chamadapara ajudar. Que ela fosse procurada para intermediar ações entreos desafetos. Ou que alguém buscasse abrigo em casa paroquial

para fugir de algum tipo de repressão. Pode até ter havido. O quese afirma é que isso não consta nos diversos documentos da clas-se política da época que ajudaram na montagem deste livro.

É difícil acreditar que a Igreja fosse absolutamente neutranas coisas da política. Que não tinha suas preferências. Aindamais num momento de transição, em que os grupos procura-

vam preencher espaços. E que ela ficasse quieta, sem tenderpara lado nenhum. Se assim fez, foi um ato incomum para aIgreja Católica daquela época. Este é um fato que mereceria maispesquisa para se fazer paralelos com outros lugares do Brasil,como o Nordeste, em que sua participação foi de forma maisatuante e destacada.

É possível conjeturar que a maior parte da elite política tal-vez fosse de maçons e que as idéias positivistas do período ostenham afastado da Igreja Católica. Mas, mesmo se isso fosseverdade, nada impedia que se falasse nas correspondênciasem atos próprios daquela igreja. Não se lê nada sobre festasreligiosas, por exemplo. E elas não deixaram de existir. Na do-

cumentação que trata eminentemente de política não se men-ciona isso ou nome de santos padroeiros. A maioria da classepolítica local poderia não aceitar os princípios católicos, mas

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suas mulheres, no geral, freqüentavam os templos religiosos.Seja por esse ou aquele motivo, a verdade é que não se falaquase nada sobre a Igreja, seus ritos, dias santos e de qual ladopolítico ela se punha.

Nada também sobre tratamentos em hospitais para solda-

dos, milicianos ou o povo em geral. Parece que ninguém ficavadoente ou precisava de cuidados médicos. Nem mesmo nosmomentos das refregas militares, em que se imagina que haviaferidos, se fala como foram tratados. De doença, a mais comen-tada em cartas foi a de um filho de Generoso Ponce no Rio deJaneiro em que se falou sobre hospital, remédio, intervenção

cirúrgica e até a morte desse jovem. Mas, sobre o povo, na cor-respondência da elite política não se lê praticamente nada;tampouco sobre mortes e enterros. Não seria nessas correspon-dências o lugar para se buscar informações sobre esses dados.Mas, outra vez, o que encabula é que não há ao menos mençãosobre assuntos como esses.

Os fatos indicam que a elite não se preocupava muito comas coisas do povo. É impressionante como falam dos detalhes emovimentação dos grupos políticos e de seus vários persona-gens, mas nada sobre o homem comum. Dá para contar nosdedos o número de pessoas que de fato importavam para aque-les que faziam o jogo político daquela época interessante. Pare-

ce que só existiam eles e que o povo era chamado para ajudarnas lutas entre a elite e para votar em quem ela indicasse, votosque poderiam ser irrelevantes quando havia manipulação nasatas de votação.

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Pequeno ensaio bibliográfico

ALENCAR, Adauto. Coronel Antonio Paes de Barros: Roteiro Ge-nealógico e Projeção Política. Revista do Instituto Histórico deMato Grosso, Cuiabá, v. CXXXV-CXXXVI, p. 31-47, 1991. A basedo trabalho é a pesquisa sobre as raízes genealógicas das famí-lias do estado, basicamente as de Cuiabá e região. Tem infor-mações históricas sobre aquele momento. Útil é o dado sobre oinquérito policial de 1906 sobre as mortes na baía do Garcez.

__________. Roteiro Genealógico de Mato Grosso, quatro vo-lumes. Cuiabá: CCS Editora e Gráfica Ltda., sem data. É um tra-balho de pesquisa sobre as raízes das famílias mais importantesdo estado, principalmente de Cuiabá e sua área de influência.

ALVES, Louremberg. Desenvolvimento Populacional em MatoGrosso. Revista do Instituto Histórico e Geográfico de MatoGrosso, Cuiabá, v. CXLV, p. 47-58, 1997. Trabalha com os dadossobre a evolução populacional do estado. É neste artigo queconsta a informação de que Mato Grosso estava com quase 120mil habitantes em parte do período enfocado por este livro.

ANAIS DO SENADO. Disponível em <www.senado.gov.br>. Sãopor ano e se tem em cada ano vários volumes. Há certa dificul-dade de se pesquisar neste site, mas o pedido da pesquisa podeser feito diretamente ao setor responsável.

ANAIS DA CÂMARA DOS DEPUTADOS. Disponível em<www.camara.gov.br>. Também por ano dos acontecimentos edos debates naquela casa legislativa. Existem também dificul-dades de se pesquisar nesse site. Pode-se solicitar a pesquisadireta ao setor encarregado.

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BARRETO, Dantas. Expedição a Mato Grosso. Rio de Janeiro:Laemmert & Cia. Editores, 1907. É o relato do enviado militar dopresidente Rodrigues Alves a Mato Grosso para ajudar o gover-nador Antonio Paes de Barros. Tem também alguns documen-tos e telegramas.

BARROS, Antonio Pedro Alves de. Mensagem do Presidentedo Estado de Mato Grosso, coronel Antonio Pedro Alves deBarros, à Assembléia Legislativa na sua sessão extraordiná-ria de sua quinta legislatura, 14 de novembro de 1901.Cuiabá: Tipografia Oficial, 1901. No item sobre polícia e segu-rança. A Mensagem pode ser pesquisada em http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u453/index.html

BARROS, Antonio Paes de. Mensagens à Assembléia Legislati-va, anos 1904 e 1905 e Inventário de Antonio Paes de Bar-ros. Publicação avulsa, 2006. (mimeo). São as mensagens dogovernador da época que, como era regra, deveriam ser apre-sentadas à Assembléia Legislativa. Nelas, é mostrado o que ogoverno fez no ano anterior e o que pretendia fazer no próximo.Na Mensagem de 1904 há o arrazoado do governo sobre porqueconcordava em doar terras do estado à Bolívia, de acordo como Tratado de Petrópolis. A de 1905 está disponível em: http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u457/index.html.

BORGES, Fernando Tadeu de Miranda. Do Extrativismo à Pecu-ária: Algumas Observações sobre a História Econômica de MatoGrosso (1870-1930). Cuiabá: Genus, 1991. Informações sobre aeconomia do estado. Boas citações de fontes de pesquisa.

BURNS, E. Bradford. A History of Brazil. New York: ColumbiaUniversity Press, 1970. É um perspicaz olhar estrangeiro sobre ahistória do Brasil. Foi útil a abordagem sobre os passos da Pri-meira República.

__________. The Unwritten Alliance: Rio Branco and BrazilianAmerican Relations. New York: Columbia University Press, 1966.É um excelente livro sobre a história de Rio Branco e como eleconstruiu a aproximação do Brasil com os EUA. A parte queinteressou a este livro foi sobre o Tratado de Petrópolis.

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CORRÊA FILHO, Virgílio. A República em Mato Grosso I. Revis-ta do Instituto Histórico de Mato Grosso, Cuiabá, ano 15,tomos 29-30, p. 3-81, 1933.

__________. A República em Mato Grosso II. Revista do Insti-tuto Histórico de Mato Grosso, Cuiabá, tomos 33-34, a. 17, p.5-93, 1935. Possui farta documentação citada na íntegra. Os doisvolumes trabalham com os fatos históricos que vão do final doImpério até depois do governo de Antonio Paes de Barros.

__________. Pedro Celestino. Rio de Janeiro: Editora Zelio Valver-de, 1945. Fala sobre a vida de Pedro Celestino Corrêa da Costa.Tem cartas e documentos sobre o período enfocado por este livro.

__________. Joaquim Murtinho. Rio de Janeiro: Departamentode Imprensa Nacional, 1951. No mesmo modelo do anterior,outro livro sobre personagem da política estadual. Foca mais aatuação nacional de Joaquim Murtinho. Tem cartas no anexocitadas na íntegra.

CORRÊA, Valmir Batista. Coronéis e Bandidos em Mato Gros-so (1889-1943). É uma tese defendida na USP em 1981. O enfo-que dele é mais amplo e ultrapassa o período estudado por estelivro. Ele também dá ênfase a fatos e acontecimentos que ocor-reram no sul do estado, fora da influência direta de Cuiabá. Éum trabalho pioneiro sobre o assunto, com citações úteis.

FANAIA, João Edson de Arruda. Elites e Práticas Políticas emMato Grosso na Primeira República (1889-1930). Tese de-fendida em 2006 na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Umestudo também útil, com interpretações e citações que ajudama esclarecer muitos aspectos daquele momento estadual.

FRANK, Zephyr Lake. The Brazilian Far West: Frontier Deve-lopment in Mato Grosso, 1870-1937. É outra tese acadêmicadefendida em 1999 na University of Illinois at Urbana-Cham-paign. O enfoque é o lado econômico. Ele traz um capítulo so-bre a política em Mato Grosso daquele período. Desenvolveinteressante ponto de vista sobre a evolução das elites políticasno estado passando do setor agrário e industrial (açúcar), como

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os Corrêa da Costa e os Paes de Barros, para o de comérciointernacional, cujo nome principal foi Generoso Ponce e che-gando aos profissionais liberais urbanos, como os Mullers. Eletambém mostra como a renda em Mato Grosso caiu cerca de40% com a chegada da ferrovia. A dedução é que o estado em-pobreceu quando a ligação passou a ser com São Paulo e nãocom os países do Prata.

__________. A Usina do Itaicy: Crise Econômica e a Derrota deAntonio Paes de Barros. Revista do Instituto Histórico e Geo-gráfico, Cuiabá, v. CXLV, p. 23-27, 1997. Defende que os outrosusineiros temiam que a produção da Itaicy os quebrassem. Daíos movimentos políticos contra Totó Paes.

LESSA, Renato. A Invenção Republicana: Campos Sales e aDecadência da Primeira República. Rio de Janeiro: Topbooks,1999. Bom para entender a invenção da política dos governado-res no governo Campos Sales ou como foi construída a novaordem política no país no inicio do século XX.

LUZ, Nicia Villela (organizadora). Idéias Econômicas de Joa-quim Murtinho: Cronologia, Introdução, Notas Bibliográfi-cas e Textos Selecionados. Rio de Janeiro: Fundação Casa deRui Barbosa, 1980. É uma coleção de discursos e artigos de Jo-aquim Murtinho sobre fatos e dados econômicos do período.Vai de 1889 a 1911, ano em que morreu.

MENDONÇA, Estevão de. Datas mato-grossenses. Cuiabá: semeditora, 1973. É uma publicação sobre fatos da história de MatoGrosso. Faz referências aos acontecimentos mais importantesdo período trabalhado neste livro.

MENDONÇA, Rubens de. Dicionário Biográfico Mato-Gros-sense. Goiânia: Editora Rio Bonito, sem data. Trás, em ordemalfabética, o nome e um pequeno comentário sobre os persona-gens da história de Mato Grosso. Nomes que tiveram algum des-taque na política, economia, literatura ou na área militar.

MENEZES, Alfredo da Mota. Coisas do Cotidiano. Cuiabá: Mil-lenium, 2003. Especificamente o capítulo sobre integração eco-

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nômica em que enfoca a importância no passado da hidroviaParaguai-Paraná para Mato Grosso. Com ela há uma aproxima-ção maior com os países do Prata. Isto trará o capital argentinoe uruguaio para o estado. E esta presença talvez tenha forçado ogoverno federal a construir a ferrovia até o estado para afastá-loda influência de países limítrofes.

MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES. Relatório apresenta-do ao presidente da República dos Estados Unidos do Brasilpelo ministro de estado das Relações Exteriores compreenden-do o período decorrido de 28 de maio de 1902 a 31 de agostode 1903. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1904. O longo título épor si só explicativo. Foi escrito pelo próprio Rio Branco. Analisatambém o problema do Acre. Assunto que, mais tarde, irá influen-ciar na política de Mato Grosso no governo Totó Paes.

NEEDELL, Jeffrey D. The Revolta Contra Vacina of 1904: the Re-volt Against “Modernization” in Belle-Epoque Rio de Janeiro.Hispanic American Historical Review, maio de 1987, p. 233-269. Analisa a revolta contra a vacina no governo Rodrigues Al-ves. Esta disputa levou o presidente a mandar do Rio para MatoGrosso alguns militares participantes da revolta. Uma parte de-les vai, no estado, fazer política e sedição contra Totó Paes queera amigo do presidente da República.

NEVES, Maria Manuela de Novis. Leões e Raposas na Políticade Mato Grosso. Rio de Janeiro: Mariela Editora, 2001. Analisaa atuação de alguns partidos na política do estado. A fonte depesquisa é oral. Tem um pequeno trecho que trata da históriada política trabalhado neste livro.

PAES BARRETO, João Francisco de Novaes. As Revoluções deMato Grosso e Suas Causas, sem data, local e editora. (mi-meo). Ele foi juiz de Direito em Mato Grosso, secretário de go-verno da administração de Antonio Paes de Barros e depois de-putado federal. É um trabalho pequeno, mas escrito por alguémque viveu de perto os acontecimentos daquele momento histó-rico no estado. Trouxe ao debate a questão do Tratado de Petró-polis e as conseqüências disso na política em Mato Grosso.

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PANG, Eul-Soo. Bahia in the First Republic: Coronelismo andOligarchies, 1889-1934. Gainesville: University Press of Florida,1979. É um estudo sobre política na Bahia durante a primeirarepública. Mostra como funcionava e suas ligações com o go-verno federal. Aproxima em alguns aspectos com o que ocorriaem Mato Grosso no mesmo período.

PITALUGA, Paulo Costa e Silva. A Visão dos Vencidos: Totó PaesCem Anos Depois. Cuiabá: sem local e editora, 1997. É uma pu-blicação em comemoração ao centenário da usina Itaicy.

PONCE FILHO, Generoso. Generoso Ponce, um chefe. Rio de Ja-neiro: Pongeti Editora, 1952. É um livro sobre a história do pai, porisso laudatória. No entanto, é útil pelos documentos que levanta. Eeste livro os usou na busca de se entender o momento político aquienfocado. São cartas, debates no Congresso, matérias de jornais deMato Grosso e do Rio. Só para se ter uma idéia, da página 46 à 463,espaço que o autor dedica à atuação política do pai entre 1889 e1906, existem cerca de 320 documentos, a maioria na íntegra.

PÓVOAS, Lenine de Campos. O Ciclo do Açúcar e a Políticade Mato Grosso. São Paulo: Impressão na Editora Resenha Tri-butária, sem data. Trata da presença dos donos de usinas napolítica estadual. Tem pequena informação histórica sobre operíodo enfocado neste livro.

SOUZA, Antonio Fernandes. Antonio Paes de Barros (TotóPaes) e a Política de Mato Grosso. São Paulo: Gráfica Cine-lândia, 1958. O autor trabalhou com Totó Paes na usina Itaicy eno seu governo. É o livro que faz contraponto com o de PonceFilho. Procura enaltecer a atuação de Antonio Paes.

SOUZA PORTELA, Lauro Virginio. Alianças e Disputas Políticas:os Primeiros Anos da “Política dos Governadores” em MatoGrosso (1899-1906). É uma monografia de qualidade de fim cursopara o Departamento de História da UFMT. Tem boas citações.

TOLEDO, Roberto Pompeu de. A Capital da Solidão – umaHistória de São Paulo, das Origens a 1900. São Paulo: Obje-tiva, 2003. É, como diz o subtítulo, uma história da cidade de

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São Paulo. O autor é jornalista. Fez pesquisa histórica e temboas citações de fontes. A que aqui foi usada é sobre a popula-ção de Cuiabá no final do século XIX.

WIRTH, John D. Minas Gerais in the Brazilian Federation,1889-1937. Stanford: Stanford University Press, 1977. Como nocaso da Bahia é outro estudo sobre política em um estado bra-sileiro. São estudos úteis para se entender como funcionava apolítica estadual e suas ligações com o governo no Rio naqueleperíodo. Não que um caso seja similar ao outro. Eram diferen-tes, mas trabalhos assim ajudam a entender o que ocorria emMato Grosso naquele momento nacional.

Documentos do Arquivo Público do Estado

BARROS JÚNIOR, Sebastião do Rego. Ofício ao governo do es-tado, datado de 18 de agosto de 1906, em que solicita informa-ções sobre a morte de Totó Paes. Em 28 de agosto de 1906, umnovo ofício sobre o mesmo assunto. A sua tentativa seria paraesclarecer como se deu a morte do governador.

CASTRO JÚNIOR, João. Ofício manuscrito, de 6 de julho de 1906,para Pedro Osório comunicando a morte de Antonio Paes.

__________. Também do mesmo dia 6 de julho, no Arquivo Pú-blico do estado, tem o Boletim nº 50, em que é comunicada ademissão de João Damasceno da Silva.

__________. Há ainda um outro ofício de João Castro Júnior, de16 de julho de 1906, em que historia para o general Dantas Bar-reto o que acontecera na Fábrica de Pólvora, lugar em que TotóPaes se refugiou e foi morto.

FONTOURA, Manoel Lopez Carneiro. Ofício manuscrito para ogovernador Antonio Paes de Barros, de 25 de junho de 1906.Historia a situação do momento militar e recusa ajudar o pedi-do do governador.

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MORAIS, João. Ofício deste juiz de direito ao governo do estadoem que acusa recebimento de ofício que o convida para a ses-são na Assembléia Legislativa de 6 de julho de 1906.

OLIVEIRA BARROS, Úrsula. Requerimento, de 2 de fevereiro de1909, ao governo solicitando pagamento dos salários do ex-go-vernador Antonio Paes de Barros, de outubro de 1905 a 2 dejulho de 1906.

OSÓRIO, Pedro Leite. Mensagem à Assembléia Legislativa, de 6de julho de 1906. Mensagem do vice-governador, então chefe doExecutivo, no mesmo dia da morte de Antonio Paes de Barros.

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