Upload
others
View
3
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL
CAMPUS DO PANTANAL
THIAGO DA SILVA GODOY
A MULTICULTURALIDADE NA ESCOLA DE FRONTEIRA
Corumbá – MS
2016
2
THIAGO DA SILVA GODOY
A MULTICULTURALIDADE NA ESCOLA DE FRONTEIRA
Dissertação apresentada à Banca Examinadora do Programa de Pós-Graduação Mestrado em Estudos Fronteiriços da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campus do Pantanal, como exigência para obtenção do título de Mestre.
Orientador:
Antônio Firmino de Oliveira Neto
Linha de Pesquisa:
Ocupação e Identidade fronteiriça.
Corumbá - MS
2016
3
THIAGO DA SILVA GODOY
A MULTICULTURALIDADE NA ESCOLA DE FRONTEIRA
Dissertação final apresentado ao
Programa de Mestrado em Estudos
Fronteiriços da UFMS, como parte
das exigências para a obtenção do
título de Mestre.
Corumbá, 21 de maio de 2016.
BANCA EXAMINADORA
__________________________________
Orientador Prof. Dr. Antônio Firmino de Oliveira Neto
(Universidade Federal do Mato Grosso do Sul)
__________________________________ 1° Avaliador
Prof. Dr. Milton Augusto Pasquotto Mariani (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul/PPGEF)
__________________________________ 2° Avaliadora
Profª. Drª. Mara Aline Ribeiro (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul)
4
Ao meu maior sonho e projeto de felicidade, João Vitor, que me dá coragem de viver
qualquer aventura, já que somos “melores” amigos por toda nossa vida!
Ao meu outro amor que me revelou ao amor paternal e apoio nas diversas
ausências, minha esposa Patrícia.
E aos meus pais, Geraldo e Brígida que me ensinaram o que é amar.
5
Agradecimento
A Dom Bosco, grande educador, que está sempre presente em meus sonhos e nos
caminhos da Educação.
À minha sempre mãe, Nossa Senhora Auxiliadora, que sempre velou minhas insônias
pensantes e filosóficas nas noites pantaneiras.
Aos jovens, adolescentes e crianças que me fazem suar, respirar, planejar e lutar por
novas conquistas, em especial os estudantes da Escola Municipal Tilma Fernandes que
deram tantas alegrias e frutos nesses escritos.
Ao professor Antônio Firmino de Oliveira Neto que provocou e instigou tantas vezes para
o melhor resultado nesse estudo.
Aos amigos que se somam aos meus sonhos educacionais e me dão grande desejo de
projetar ainda mais: Livio Wogel, Antônio Spirandeli, Damião de Jesus, “Mestre” Teixeira,
Adalberto Alves, Domingos Sávio, Odair Duarte que sabem o valor da vida, da amizade e
da educação; Fernando, Karla, Aleks, Thais, Rosana, Ana Patrícia, Luciana e a nossa equipe
do Missão Pedagógica no Parlamento (2014); À professora Giane Aparecida Moura da
Silva e professora Celeida Maria Costa de Souza e Silva que ajudaram desde as primeiras
letras desses resultados; à minha “bibliotecária” predileta Leia Duarte; à minha turma do
Eden; À amiga Jane Ely com os apoios internacionais.
À “teacher” Henriete Zanini que nunca me faltou com ajuda nos apuros ortográficos e
despertou, desde cedo, a sede pelo saber de forma criativa.
Aos amigos de profissão do hoje e do ontem, em especial educadores do IFMS (EAD) em
Corumbá: Jeruza Santiago, Rafael Françoso, Alessandra Mendes, Claudia Fernandes,
Sandro Santos e Davi Campos;
Às educadoras e educadores da Secretaria Municipal de Educação de Corumbá que
sempre abriram as portas para as garimpagens de dados e informações.
Aos colegas e professores do Mestrado que estimularam para as vitórias.
Aos familiares que sempre torceram pelas minhas conquistas, em especial: Vó “Eba”, Vó
Ana e Vô Zé (todos in memoriam) que intercedem por meus passos; os meus irmãos Alex
e Liliane, a cunhada Diana, os sobrinhos Luana, Alan, Pedro, Ana, minha sogra Neusa e o
filhão Pedro.
E não o meu último, mas o único agradecimento, a Deus que sempre se fez ação na minha
vida e me apresentou todos esses meios de ajuda aqui nomeados, dentre outros tantos
anônimos e escritos nas entrelinhas.
6
Não sou escravo de ninguém. Ninguém, senhor do meu domínio Sei o que devo defender e, por valor eu tenho e temo o que agora se desfaz
Viajamos sete léguas por entre abismos e florestas
Por Deus nunca me vi tão só. É a própria fé o que destrói Estes são dias desleais
Eu sou metal, raio, relâmpago e trovão
Eu sou metal, eu sou o ouro em seu brasão Eu sou metal, me sabe o sopro do dragão
Reconheço meu pesar quando tudo é traição
O que venho encontrar é a virtude em outras mãos Minha terra é a terra que é minha
E sempre será Minha terra tem a lua, tem estrelas
E sempre terá
Quase acreditei na sua promessa e o que vejo é fome e destruição Perdi a minha sela e a minha espada. Perdi o meu castelo e minha princesa
Quase acreditei, quase acreditei
E, por honra, se existir verdade. Existem os tolos e existe o ladrão E há quem se alimente do que é roubo,
Mas vou guardar o meu tesouro caso você esteja mentindo
Olha o sopro do dragão É a verdade o que assombra. O descaso que condena
A estupidez, o que destrói Eu vejo tudo que se foi e o que não existe mais
Tenho os sentidos já dormentes. O corpo quer, a alma entende
Esta é a terra-de-ninguém. Sei que devo resistir Eu quero a espada em minhas mãos
(...) Não me entrego sem lutar. Tenho, ainda, coração
Não aprendi a me render. Que caia o inimigo então - Tudo passa, tudo passará
E nossa estória não estará pelo avesso, assim, sem final feliz
Teremos coisas bonitas pra contar E até lá, vamos viver. Temos muito ainda por fazer
Não olhe pra trás. Apenas começamos O mundo começa agora. Apenas começamos
(Renato Russo – “Metal contra as Nuvens”)
7
RESUMO
O objetivo dessa pesquisa é apresentar uma proposta de multiculturalidade para Escola de Fronteira. O principal objeto estudado é a Escola Municipal de Educação Integral Tilma Fernandes Veiga, situada em Corumbá, cidade localizada no extremo oeste brasileiro, na fronteira com a Bolívia. O Multiculturalismo é apresentado como meio de superação frente às limitações ainda presente na educação. As particularidades da Escola de Fronteira em Corumbá, a partir de sua identidade com a presença de culturas fortes, brasileira e boliviana, apresentou reflexões sobre os pontos ainda não alcançados no interior da escola que propõem caminhos de desenvolvimento da pessoa enquanto cidadão. Na prática analisada na pesquisa destacou-se o componente curricular “Formação Cidadã” pertencente à Base Diversificada do Currículo Escolar adotado na Rede Municipal de Ensino em Corumbá. A “Formação Cidadã” é apresentada como uma ferramenta de progresso da reflexão em sala de aula acerca da realidade monocultural ainda presente no campo educacional e os desenvolvimentos de preconceitos contra as mulheres, negros, imigrantes, em especial os estudantes bolivianos e outros grupos sociais. Palavras Chaves: Educação. Fronteira. Multiculturalismo
8
RESUMEN
El objetivo de esa pesquisa es presentar una propuesta de multiculturalidad para
la Escuela de Frontera. El principal objeto estudiado es la Escuela Municipal de
Educación Integral Tilma Fernandes Veiga, ubicada en Corumbá, ciudad
localizada en el extremo oeste brasileño, en la frontera con Bolivia. El
Multiculturalismo es presentado como medio de superación frente a las
limitaciones aún presentes en la educación.
Las particularidades de la Escuela de Frontera en Corumbá, a partir de su
identidad con la presencia de fuertes culturas, brasileña y boliviana, presentó
reflexiones sobre los puntos aún no alcanzados en el interior de la escuela que
proponen caminos de desarrollo del individuo como ciudadano. En la práctica
analizada en la pesquisa se destacó el componente curricular "Formación
Ciudadana" perteneciente a la Base Diversificada del Currículo Escolar adoptado
en la Red Municipal de Enseñanza en Corumbá. La “Formación Ciudadana” es
presentada como una herramienta de progreso de la reflexión en el aula acerca
de la realidad monocultural todavía presente en el campo educacional y los
desarrollos de los prejuicios contra las mujeres, negros, inmigrantes, en especial
los estudiantes bolivianos y otros grupos sociales.
Palabras Claves: Educación. Frontera. Multiculturalismo.
9
LISTA DE SIGLAS, ABREVIATURAS E SÍMBOLOS
AEE – Sala de Atendimento Educacional Especializado
CEMEI – Centro Municipal de Educação Infantil de Corumbá MS
ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente
EF – Ensino Fundamental (Escola Básica)
FECIPAN – Feira de Ciências e Tecnologia do Pantanal
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
LDB – Lei nº. 9.394/1996 - Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
LEF – Laboratório de Estudos Fronteiriços
MEC – Ministério da Educação e Cultura
MEF – Programa de Mestrado em Estudos Fronteiriços
NEPFRON – Núcleo de Estudos sobre Tráfico de Pessoas e Povos de Fronteira
PCNs – Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental
PDE – Programa de Desenvolvimento da Educação
PEIF – Projeto Escola de Fronteira
PME – Plano Municipal de Educação
PNE – Plano Nacional de Educação
REME – Rede Municipal de Ensino de Corumbá MS
SEMED – Secretaria Municipal de Educaçao de Corumbá
UFMS CPAN – Universidade Federal de Mato Grosso do Sul Campus Pantanal
10
LISTA DE FIGURAS E IMAGENS
Figura 01 – Estrangeiros na REME .............................................................. 18
Figura 02 – Dados da Entrevista com Educadores ....................................... 27
Figura 03 – Dados da Entrevista com Educadores ....................................... 31
Figura 04 – Dados da Entrevista com Educadores ....................................... 33
Figura 05 – Escolas da REME ....................................................................... 38
Figura 06 – Transporte de Estudantes bolivianos ........................................ 38
Figura 07 – Região de Corumbá .................................................................... 43
Figura 08 – PEIF em Corumbá ...................................................................... 63
Figura 09 – Escolas Integrais no Brasil .......................................................... 67
Figura 10 – Fotografia Almoço Pantaneiro ................................................... 78
Figura 11 – Fotografia Almoço Pantaneiro ................................................... 78
Figura 12 – Projeto Tilma para o Bem .......................................................... 79
Figura 13 – Projeto Tilma para o Bem .......................................................... 79
Figura 14 – Brinquedos com PET................................................................... 80
Figura 15 – Apresentação de projeto na FECIPAN ...................................... 82
Figura 16 – Apresentação de projeto na FECIPAN ...................................... 82
Figura 17 – Aula na Feira Livre ..................................................................... 83
Figura 18 – Aula no MUPHAN ...................................................................... 83
Figura 19 – Piquenique Cultural ................................................................... 84
Figura 20 – Piquenique Cultural ................................................................... 84
Figura 21 – Visita à FM Pantanal.................................................................. 84
11
Sumário
Introdução ........................................................................................................ 12
1. Cultura e Fronteira ....................................................................................... 18
1.1. Multiculturalismo e o Currículo da Escola de Fronteira ............................. 23
2. Procedimentos Metodológicos ..................................................................... 49
3. Resultados a partir da Pesquisa ................................................................... 52
3.1. Características e Identidade de uma Escola de Fronteira ......................... 52
3.1.1 A Escola de Fronteira EMEI Tilma Fernandes Veiga .............................. 55
3.2. O Projeto Escolas Interculturais de Fronteira em Corumbá ...................... 62
4. O Componente Curricular Formação Cidadã como ferramenta de rompimento
com a monoculturalidade ................................................................................. 72
4.1 Aplicabilidade: o Componente Curricular Formação Cidadã nas Escolas
Municipais de Corumbá .................................................................................... 74
4.2 Relato de Experiência ................................................................................ 76
4.3 Análise do Plano Anual do Componente Curricular Formação Cidadã ...... 86
Considerações Finais ....................................................................................... 92
REFERÊNCIAS ................................................................................................ 97
ANEXO 1 – Entrevista com Educadores da Base Diversificada .................... 101
ANEXO 2 – Gráficos das Respostas da Pesquisa ......................................... 103
ANEXO 3 – Dados do QEdu da EMEI Tilma Fernandes Veiga ...................... 109
12
Introdução
O desenvolvimento de uma reflexão sobre região de fronteira se torna, em
grande parte, um exercício de diálogo com os diversos aspectos da vida social
e com a cultura, em especial. A presente dissertação, além de prestar-se a ser
tal exercício, ainda se revigora por ser uma reflexão ligada aos aspectos da
Educação Formal, desenvolvida na fronteira do Brasil com a Bolívia, a partir da
vivência cultural e as relações sociais nesse território. Nessa dinâmica se
apresenta a necessidade de argumentação e algumas tomadas de posição.
Este trabalho foi desenvolvido na linha de pesquisa da Ocupação e
Identidade Fronteiriça, do Programa de Mestrado em Estudos Fronteiriços da
UFMS/CPAN.
Ao deparar com as diversas realidades sociais da Região de Fronteira,
houve a necessidade de desenvolvimento de reflexão sobre a Educação Formal,
em particular no diálogo e nas relações culturais desse processo educativo. E
com os levantamentos das questões de pesquisa, também foram encontrados
alguns indicativos de solução, por isso a escolha do componente curricular
Formação Cidadã como ferramenta participante para os resultados planejados
nos objetivos da pesquisa.
Em todos os processos humanos se encontra cultura, e, isso, nada mais
são que as interferências pessoais, ou de grupos, realizadas nos arrolamentos
sociais onde estão inseridos os padrões indicativos de vivências e contatos de
relações da sociedade. A cultura é quase um tecido vivo, pois nunca deixa de se
renovar, de se desenvolver e de se modificar. O ser humano é o resultado das
relações sociais e isso está ligado ao seu processo cultural; é a sua originalidade
natural. Esse processo faz alterações físicas e metafísicas nos mais variados
espaços, bastando, para isso, haver a presença dos seres humanos. A própria
organização social é fruto da cultura.
Baseado nesse referencial, o objetivo geral deste estudo é a análise do
diálogo multicultural no interior da escola de fronteira. E os objetivos específicos
são: propor a discussão para a identidade de Escola de Fronteira e formas de
superação da monoculturalidade na mesma.
13
O caminho terá a apresentação do roteiro da pesquisa, que evoca a
necessidade de constituição de um processo de diálogo multicultural na região
de fronteira do Brasil com a Bolívia, em especial nas estruturas sociais de
Corumbá e Puerto Quijaro, cidades de nações diferentes, mas que congregam
história, vivências e culturas próprias e inter-relacionais. Tais relações se
reproduzem em todas as dimensões sociais, o que inclui a Educação, já que é
um espaço de interação humana, afinal há, nas ações da escola, processos,
explícitos e implícitos, de constituição de identidade, de cultura e de
conhecimento, entre outros, que incidem na formulação da pessoa e de sua
vivência social.
A fronteira é um território rico de dinamicidades, devido sua genuinidade
– percebida pelos seus ocupantes e definidores (RASFFETIN, 1993,159) –, por
haver nela grande riqueza cultural, mas especialmente por estar no limite de um
território, e se for permitida uma metáfora, ela pode compor funções semelhantes
às da epiderme, que absorve os primeiros contatos externos e auxilia na
retenção e controle da entrada para as demais camadas da pele. No caso da
fronteira do Estado, as relações culturais travadas em seu território são ações
exteriores (à nação-estado, por exemplo) com alvo no interior, se for levada em
conta a ideia de que cada nação apresenta sua identidade cultural, que, apesar
de ser variante, como o caso do Brasil, se torna um processo quase unívoco. O
mesmo acontece no caminho inverso, quando o olhar altera. O espaço
geográfico da Bolívia também é um universo amplamente provocado a receber
interferências com os contatos culturais por meio das fronteiras. De modo
particular, cabe uma informação para completar a compreensão: a atual
Constituição da Bolívia destaca a identidade cultural ampla e plural, já que se
declara como “Estado Plurinacional da Bolívia”. A fronteira vista nesta pesquisa
é mais ampla que o limite do Estado, ela é o campo da relação humana e das
suas inteirações.
O espaço geográfico da Bolívia também é um universo amplamente
provocado a receber interferências com os contatos culturais por meio das
fronteiras. De modo particular, cabe uma informação para completar a
compreensão: a atual Constituição da Bolívia destaca a identidade cultural ampla
e plural, já que se declara como “Estado Plurinacional da Bolívia”. A fronteira
14
vista, nesta pesquisa, é mais ampla que o limite do Estado; ela é o campo da
relação humana e das suas inteirações.
Continuando a ideia metafórica das camadas da pele, as nações dariam,
nesse caso, a ideia de contato de dois corpos, cada um com sua identidade e
características, mas que realizam trocas, como num aperto de mão ou um
abraço. Nesses dois exemplos, pode-se descrever uma gama de trocas que se
dariam no nível da derme: de temperatura, de fluídos, de sentidos, etc. A
comparação é para fazer pensar, mesmo que poeticamente, em como observar
a realidade com mais atenção e com mais visão. Na fronteira, pode-se dizer que
as relações entre as nações que estão em contato têm maior quantidade de
interferências, se forem levadas em conta as demais relações existentes nessa
realidade.
A fronteira é uma parte do território soberano e nacional, que tem sua
importância na mesma escala que as demais classificações e derivações
conceituais, mas que, aqui, torna-se o recorte necessário para a qualidade desta
pesquisa.
Este estudo tem como problemática as relações culturais desenvolvidas
no interior da Escola de Fronteira e as ações necessárias para o enriquecimento
e encontro de mais qualidade para os processos relacionais humanos vividos no
campo escolar.
A escola tem função clara, e uma delas é fazer com que o conhecimento
desenvolvido por meio dos estudos qualifique a vivência social e seus
desdobramentos. Com isso, a proposta é, também, pensar como se dá esse
encontro e o diálogo da cultura social no interior da Escola Básica na região de
fronteira.
O Mato Grosso do Sul é uma jovem unidade federativa, oriunda do
desmembramento do Estado de Mato Grosso, no final da década de 1970. Tem
sua marca histórica pautada pela violência entre o encontro de povos autóctones
indígenas com a expansão agropastoril (NOVAIS, 2004), o que interfere na
formação da endocultura e permite a propagação de preconceitos, já que há
divergência de concepções, e uma delas está ligada ao modo de produção e
subsistência dessas culturas.
O conjunto de informações propõe a reflexão a partir da temática
apresentada e se organiza em 4 seções.
15
O primeiro capítulo tem como proposta apresentar dois dos conceitos
básicos para a pesquisa: cultura e fronteira. Ambos servirão como referência
para o desenvolvimento do corpo da pesquisa, ressaltando a compreensão de
multiculturalidade e sua inserção no currículo da escola de fronteira.
A segunda seção tem como proposta apresentar os caminhos
metodológicos e teóricos que deram suporte à pesquisa, bem como evidenciar
os parâmetros que auxiliaram na constituição deste escrito, a partir das
pesquisas desenvolvidas ao longo de todo o processo, em seus diversos
estágios.
O terceiro capítulo trará a reflexão sobre a pesquisa desenvolvida na
Escola de Fronteira e quais os processos, as características e os resultados que
dão identidade à estrutura educacional da região de fronteira. A escola de
fronteira Tilma Fernandes Veiga, de Corumbá, foi o local específico escolhido
para a pesquisa, pois se situa num espaço considerado limítrofe, na fronteira
Brasil-Bolívia, o que propiciou a observação e o desenvolvimento do estudo.
A análise foi realizada a partir da realidade brasileira, por opção
metodológica, mas que é, na verdade, uma análise possível para que todo o
conjunto relacionado, no caso, a fronteira, possa receber contribuições que se
somem a todos os esforços já desenvolvidos, e os que virão posteriormente,
para maior contribuição à vida educacional e social na fronteira. A discussão se
ampliará com a apresentação do Projeto Escolas Interculturais de Fronteira,
criado pelo MEC, e sob a coordenação da UFMS, tendo por foco a formação de
professores atuantes na fronteira Brasil-Bolívia. É esse o capítulo que
particulariza o estudo, ao apresentar a identidade da Escola de Fronteira em
Corumbá, partindo da contextualização dessa escola no desenvolvimento da
Educação Integral na Rede Municipal de Ensino, nos últimos cinco anos desta
década, e chegando aos aspectos encontrados por meio de uma pesquisa de
campo com educadores ligados aos componentes curriculares da Base
Diversificada do currículo escolar.
No 4º. Capítulo, o último, é apresentada a reflexão sobre uma ferramenta
de qualificação do processo proposto de diálogo cultural no interior da Escola de
Fronteira, por meio de um componente curricular presente em todas as unidades
educacionais da REME: a Formação Cidadã. E nessa seção é apresentado um
relato da experiência do autor desta dissertação sobre a perspectiva de
16
desenvolvimento do diálogo multicultural no interior da escola para fomento de
intervenções na sociedade. O escopo é o de trazer à tona características
observadas como experiência de atuação como educador em escola de
fronteira, por isso o uso da primeira pessoa do singular especificamente nessa
divisão. Ainda há uma seção com anexos, contendo o modelo da entrevista
aplicado com os educadores e os gráficos completos dos resultados das
respostas dadas à pesquisa.
A contribuição esperada por esta pesquisa é suscitar reflexões promotora
de ações com vistas a formular ideários pedagógicos qualificadores do processo
formativo a ser desenvolvido no currículo escolar, como também favorecer a
formulação de algumas diretrizes para a ação dos docentes e da Escola na
região de fronteira.
A investigação propõe processos esperançosos de que o debate possa
trazer mais qualidade aos resultados, não para alimentar vaidades pessoais,
mas que nutram anseios sociais de superação de limites imperantes em grande
parte da sociedade desenvolvida na fronteira, seja aqui ou mas allá. Esta
pesquisa não será capaz de alterar os problemas vividos na fronteira, até porque
não faz parte do objetivo da mesma, mas será um somatório e uma contribuição
para que o processo de qualificação da vida e da sociedade continue seu
processo de desenvolvimento dos melhores objetivos.
Diante de uma pesquisa não se pode alimentar qualquer anseio paladino,
ainda mais quando se percebe que o campo tocado por ela está na realidade
mais criativa do ser humano: a cultura, que se renova, renomeia e muda
constantemente, para oferecer mais processos de superação e renovação.
Este escrito, assim como todos os que se fundamentam no meio social,
é, na verdade, um passo inicial ansiando que todo o seu esforço tenda a provocar
fórmulas e reformulações capazes de criar processos contínuos de busca de
qualidade. Há, neste texto, alguns passos nesse caminho de superação dos
desencontros na educação e das culturas, mas há também possibilidades de
novos projetos, ainda mais iluminadores da realidade, capazes de oferecerem
mais apoio às superações necessárias e aos que já estão em processo de
construção.
17
18
1. Cultura e Fronteira
Um conceito que requer balizamento, nesse escrito, é a cultura, pois, por
meio desse exercício de compreensão, serão dados os passos de análise
propostos nesta dissertação. A compreensão da cultura não é tarefa fácil, pois o
marco exige acurada atenção devido às suas particularidades.
Cultura é processo coletivo que produz, no interior de um grupo social,
interferências e condições para as mais diversas relações, inerentes ao convívio
em sociedade, sendo, portanto, fruto de padrões e ações da vida dos sujeitos
que dela fazem parte. É a partir da cultura que os seres humanos se diferenciam
entre si. Ela interfere na vida das pessoas, modifica a paisagem, a materialidade
e a imaterialidade de um ou mais grupos sociais. E ainda capacita as relações
humanas devido ao desenvolvimento das relações, em especial na produção e
na realização de atos de comunicação.
A cultura pode influenciar a constituição biológica da pessoa,
especialmente quando gera ferramentas de interação entre as pessoas e o meio
que habitam, mas a cultura não é sinônimo das características biológicas e
naturais, e por isso não se pode reduzi-la aos aspetos físicos que a expressam
(GEERTZ, 2013).
Há relação entre educação e cultura (MOREIRA; CANDAU, 2007), já que
ambas criam interferências e alterações entre si. E por ser a região de fronteira
um espaço comum para relações humanas, e, por conseguinte, o espaço de
relações culturais, todas as instituições sociais poderão estar ligadas a esta
identidade cultural.
A cultura está diretamente ligada ao arcabouço simbólico na mentalidade
das pessoas, e, no caso da escola, o uso desses símbolos se torna atuação
quase automática no processo de desenvolvimento do conhecimento. Com isso,
compreender a cultura se faz necessário no contexto deste estudo. Há intenso
fluxo de pessoas na cidade de Corumbá, pelos mais variados motivos: comércio,
turismo, exploração, curiosidade, busca de novas realizações, entre tantos
outros ensejos. No entanto, um grupo em especial chamou a atenção para o
presente estudo: estudantes provindos da Bolívia que atravessam a fronteira
para estudarem em escolas brasileiras nos seus diversos níveis. São fronteiriços,
19
são imigrantes, que deixam seu país, ou são nascidos no Brasil e têm pais
bolivianos. E embora o grupo seja bastante numeroso, não são únicos, são mais
de 4 etnias, segundo dados da Semed. E em 2015, o número oficial de
estudantes estrangeiros matriculados na REME foi de 37, conforme se observa
no gráfico seguinte.
Figura 1. Fonte Semed (corumba.gestorsea.com.br) acesso em fevereiro de 2016.
Apesar de serem dados oficiais, as observações e visitas às unidades
escolares têm outra percepção, já que o número de bolivianos é bem maior que
o apresentado. No entanto, o critério de classificação para ser estrangeiro é a
apresentação da certidão de nascimento, fato que restringe o somatório, já que
muitos estudantes realmente nasceram em solo brasileiro.
Há, nesses grupos de estudantes, os residentes no Brasil e os na Bolívia,
tanto de maneira oficial (que realmente fixam residência) quanto de maneira
oficiosa (quando usam apenas comprovantes de residência cedidos por
terceiros, para cumprirem a exigência legal das matrículas em escolas
brasileiras, por exemplo). Essas pessoas encontram no território fronteiriço o
local para o desenvolvimento de relações culturais.
O território é o espaço humanizado. A partir do momento em que os
espaços sofrem atuação de relações humanas, eles se tornam território e, nele,
há tramas ou estratégias (pessoas, firmas, instituições, infraestrutura e o meio
ecológico – onde ocorre a base física de atuação). Essas territorialidades que
0 5 10 15 20 25 30 35
Bolivianos
Japoneses
Paraguaios
Espanhol
Estudantes estrangeiros em 2015
20
estão ligadas às relações sociais, no caso da escola, são representadas pelas
territorialidades dos professores e dos estudantes. Segundo Raffestin,
Falar em território é fazer uma referência explícita à noção de limite que, mesmo não sendo traçado como em geral ocorre, exprime a relação que um grupo mantém com a porção do espaço. A ação desse grupo gera, de imediato, a delimitação. (RAFFESTIN, 1993, p. 153).
Com isso, não há como analisar ou conhecer a realidade de um território
específico sem conhecer o seu entorno e tudo aquilo que compõe sua realidade,
tanto material quanto imaterial. A atuação das sociedades no espaço fronteiriço
transforma-o num território que, como tal, adquire vivacidade de acordo com as
ações humanas. O que faz da escola um campo de atuação e análise, já que no
seu interior a ação humana é inerente. Por isso se pode classificá-la com
características próprias e influenciada pela identidade própria do território.
Compreender a realidade da região fronteiriça é deparar com aspectos
complexos, como o próprio conceito de fronteira, que pode ser entendida
simplesmente como a divisa geográfica entre os países, ou até mesmo como
linguagem metafórica para designar situações sociais, como a pobreza,
fronteiras epistemológicas, e outros aspectos antagônicos, como o bem e o mal.
No entanto, sempre há uma ideia de limite (atual ou virtual) e pelo menos dois
polos; a fronteira sempre terá dois lados.
Há quem se refira à fronteira como um aspecto concreto, mesmo quando
não há, como o caso de uma fronteira geográfica entre dois países que tenham
um rio entre si. O seu leito sempre será variante, de acordo com a ação das
correntezas fluviais, e mesmo com isso ele será tomado como a fronteira oficial
daquele local. Tal situação faz com que se pense na provisoriedade desse
conceito tomado como físico.
Durante uma das entrevistas semiestruturadas, ao dar sua resposta à
questão sobre o que significa fronteira, uma educadora deixa junto uma reflexão:
Eu tenho dúvida sobre o que é fronteira. Há um marco que diz que ali acaba o Brasil e que começa a Bolívia, mas tudo o que tem aqui também está lá e vice-versa. Acho que fronteira parece ser marco de fim e início, mas vejo muito mais de continuidade.
Mas a intenção é, também, apresentar a compreensão de fronteira que
será desenvolvido neste trabalho, e, no caso, ela partirá do conceito de fronteira
entre dois territórios nacionais, a fronteira político-territorial que divide duas
nações, dois Estados Nacionais. Por muitas vezes o conceito teve seu
21
desenvolvimento na geografia, que manteve a manutenção do arcabouço das
relações, e hoje novas áreas do conhecimento apresentam sua contribuição.
Ferrari (2014) reflete sobre esta dinâmica:
Embora em anos recentes a noção de fronteira tenha sido associada ao limite político-territorial, os termos – fronteira e limite – não guardam o mesmo sentido, pois, como qualquer outro conceito, o de fronteira também sofreu modificações e incorporou novos elementos ao longo do tempo, pelo próprio avançar das sociedades, pelo desenvolvimento de novas técnicas de produção e pelas próprias mudanças políticas, econômicas e culturais.[...] Fronteira não é mais objeto de estudo sob seu único aspecto político, é também objeto de estudo dentro de uma perspectiva da geografia humana social e cultural, particularmente nas integrações econômicas regionais, onde as fronteiras têm sido o centro de interesse de pesquisas renovadas. (FERRARI, 2014, p. 2).
A origem do termo remonta aspectos linguísticos do latim para qualificar
a parte do território situado adiante, e tem as variações frontière, do francês,
frontier, do inglês, e frontera, em espanhol. Machado (1996) faz uma reflexão
sobre o desenvolvimento histórico do termo e a influência das práticas
cotidianas, como se designasse uma expressão de origem popular:
A origem histórica da palavra mostra que seu uso não estava associado a nenhum conceito legal e que não era um conceito essencialmente político ou intelectual. Nasceu como um fenômeno da vida social espontânea, indicando a margem do mundo habitado. Na medida em que os padrões de civilização foram se desenvolvendo acima do nível de subsistência, as fronteiras entre ecúmenos tornaram-se lugares de comunicação e, por conseguinte, adquiriram um caráter político. (MACHADO, 1996, p. 41).
A compreensão atual está intimamente ligada ao conceito de Estado
moderno, o que imprime a variedade de interpretações acerca do tema. Essa
compreensão envolve o desenvolvimento da noção de propriedade - com o fim
do nomadismo -, as relações comerciais e de produção, e uma gama de outros
fatores, a maioria ligados ao território físico, ou seja, traduz-se muito mais em
marcações da soberania do Estado.
A fronteira, então, apresenta a ideia de limite, e lhe são impressos
mecanismos para a permissão ou não das transposições. São usados critérios
com amplitude de origens para que os fluxos desses limites, como, por exemplo,
a necessidade do uso de documentos e o pagamento de taxas para entrada ou
saída de um país por determinados indivíduos. Tais indivíduos têm tratamentos
diferenciados para a passagem, como se são, ou não, cidadãos daquele território
que está fazendo o controle de entrada ou saída, se é uma passagem temporária
22
de longa ou curta duração de permanência, dentre outros critérios. A fronteira ou
o limite podem ter alcances diversos, como o exemplo das jurisdições a que a lei
é submetida em casos acontecidos em determinados territórios.
A fronteira se relaciona com a soberania de uma nação; aliás, a soberania
depende diretamente da fronteira para ter valor ou não.
O comércio, na Bolívia, oferece grande quantitativo de produtos
importados de consumo com valores, muitas vezes, menores aos encontrados
no Brasil, por isso as transações econômicas internacionais são intensas.
Inclusive, é bastante comum para brasileiros o turismo de compras em Puerto
Suarez, Puerto Quijarro e Santa Cruz de la Sierra, todas cidades bolivianas.
Esse tipo de comércio também é realizado na cidade de Corumbá por
muitos comerciantes bolivianos, como também por brasileiros, que ofertam
roupas, produtos alimentícios, tecnologias e artesanato trazidos do país vizinho.
E muitos desses comerciantes bolivianos têm residência em Corumbá ou passa
a maior parte do dia no Brasil, o que permite o uso dos equipamentos e serviços
municipais como a estrutura de Saúde e Educação Públicas. Como apresenta
Campos:
Existe em Corumbá pelo menos três modalidades de atuação de bolivianos no comércio: como ambulantes nas ruas e nas calçadas da cidade, como feirantes nas feiras livres itinerantes ao longo de toda semana, e como comerciantes na Feira Brasbol. Seja em qual for a atividade, os moradores da cidade fazem uso cotidiano [dos serviços públicos] e a partir disso estabelecem algumas relações. (CAMPOS, 2011, p. 144).
Tais contextos da região fronteiriça criam situações sui generis nas
instituições oficiais, com é o caso das escolas, já que há a existência de salas
de aulas com estudantes com dupla cidadania, bilíngues, de culturas com matriz
diversa – indígena, boliviana, paraguaia, brasileira, apenas para citar algumas –
e todas as suas idiossincrasias, como apresenta Costa:
Para entendermos as configurações sociais que se constroem nas regiões de fronteira, é preciso considerar, do ponto de vista empírico, que, apesar do papel estratégico das fronteiras para os estados nacionais, não é possível menosprezar a construção local do espaço social fronteiriço a partir de seus moradores. Os moradores da fronteira sentem-se no direito de ultrapassar as barreiras nacionais, e o fazem cotidianamente, ou seja, indivíduos dos dois lados da linha divisória entre os Estados nacionais fomentam laços sociais que vão além das meras relações comerciais e da manutenção dos negócios transfronteiriços. (COSTA, 2010, p. 67).
23
Esse fluxo de pessoas na fronteira não é um problema em si, inclusive
seria algo comum na realidade da globalização atual, mas há lacunas pontuais
que limitam o processo escolar em sua naturalidade e estabilidade, como as
exigências documentais que deixam estudantes sem possibilidade de conclusão
dos estudos, ou ainda a falta de preparo na ação educativa dos educadores que
atuam em sala de aula para a realidade fronteiriça, propiciando relações com
preconceitos e situações dolosas advindas do senso comum e de situações de
segregação. Um fato concreto acontece com os projetos educacionais,
desenvolvidos nas escolas de fronteira, no Brasil, que intencionam, apenas, que
os estudantes bolivianos aprendam a cidadania brasileira, expressa, por
exemplo, no civismo de entoar o Hino Nacional1. O que impera, em casos assim,
é a ideia unívoca de que a escola brasileira é apenas para os brasileiros.
Por meio da cultural a pessoa expressa sua identidade e mantém suas
relações com os demais em todas as esferas sociais componentes dessa
estrutura: igrejas, órgãos públicos, escolas, comércio, dentre outros.
Essa vivência social, quando observada na escola, tem sido discutida em
pesquisas de todos os níveis. A escola enriquece as reflexões científicas no
campo social. Um exemplo é o aprofundamento de temas relacionados com a
multiculturalidade vivenciada nos estratos sociais dos quais faz parte a escola.
1.1. Multiculturalismo e o Currículo da Escola de Fronteira
A escola é uma das células que compõem a sociedade, o que a faz viva
tão quanto a sua estrutura totalizante, por isso a escola traz dinâmicas criativas
de renovação e inovação. Há quem pense a escola como fomentadora da
sociedade, no entanto se percebe o contrário: é a sociedade que gera sua
escola, sem que isso signifique ferimento das autonomias existentes tanto na
sociedade quanto na escola (CORTELLA, 2008).
A escola é composta de vários segmentos, e um deles, que é por muitas
vezes tido como principal, é o currículo, e nele focamos todas as ações
envolventes na escola (SACRISTÁN, 1998).
1 Fato relatado por um professor da Rede Municipal de Ensino durante sua partilha na reunião formativa da
Semed com professores do componente curricular Formação Cidadã, na abertura do ano letivo de 2015.
24
De modo especial, destaca-se o fato de a escola ser uma parte da
sociedade e, na maioria das vezes, ela ser reduzida a uma estrutura que imprime
uma identidade monocultural2. Podemos dar um exemplo: em muitas escolas,
em nome da organização disciplinar, implementam-se regras que ditam
costumes, como é o caso do impedimento ao uso de bonés e brincos ou a
proibição de alguns tipos de cortes (ou não) de cabelos por parte dos estudantes.
Sob a alegação de uma “ordem” se cria um conjunto de regras inférteis ao
processo educativo, já que em nada incidirá no processo de ensino-
aprendizagem. E muitas vezes tais regras são frutos de ideologias que não
condizem com a realidade atual ou estão deslocadas temporalmente, como era
no período de ditadura militar, que enxertou na sociedade costumes para se
tornarem sinônimos de disciplina e ordenamento. Numa estrutura de
monoculturalidade haverá preeminência pautada pela força sobre minorias.
No entanto, para que o assunto não se torne indagações cartesianas ou
devaneios com raciocínio de base marxista, faz-se necessária uma
compreensão sobre o termo, o que poderia ser o “apresentar as armas do duelo”.
Por isso o início é sobre o que é multiculturalismo. E num conjunto simples de
palavras, Tomaz Tadeu da Silva revela mais informações para a compreensão:
Multiculturalismo: movimento que, fundamentalmente, argumenta em favor de um currículo que seja culturalmente inclusivo, incorporando as tradições culturais dos diferentes grupos culturais e sociais. Pode ser visto como o resultado de uma reivindicação de grupos subordinados — como as mulheres, as pessoas negras e as homossexuais, por exemplo — para que os conhecimentos integrantes de suas tradições culturais sejam incluídos nos currículos escolares e universitários. Mais criticamente, entretanto, também pode ser visto como uma estratégia dos grupos dominantes, em países metropolitanos da antiga ordem colonial, para conter e controlar as demandas dos grupos de imigrantes das antigas colônias. (SILVA, 2000, p. 81).
E ainda, Candau (2009b) oferece uma percepção das variações no
multiculturalismo ao apresentá-lo dividido em três situações. A autora percebe o
multiculturalismo assimilacionista, que é o processo vivido na sociedade de
múltiplas culturas, que repassa essa realidade em suas estruturações, como é o
caso da escola que também permite formação para a cultura. Há o
multiculturalismo diferencialista, que é o fato de cada cultura se manter com
2 Termo usado por Grignon (2005) para designar a ação educativa que contribui para o reforço das características uniformes e uniformizantes da cultura dominante levando ao enfraquecimento correlativo dos princípios de diversificação das culturas populares e minoritárias.
25
identidade diversa uma das outras, são quase que não-coisa da coisa, numa
linguagem poética. E, por último, há o multiculturalismo aberto e interativo, que
descontrói os afastamentos para propiciar a interculturalidade.
A discussão do significado de multiculturalismo é ampla e numerosa. Há
autores como Forquin (2000), Canen e Oliveira (2002), e o próprio Silva (2000)
que acrescentam parâmetros e análises diversas, mas que assumem o mesmo
caráter questionador. Na diversidade de formas de multiculturalidades
existentes, Hall apresenta pelo menos seis exemplos, sendo estes:
O multiculturalismo conservador segue Hume (Goldberg, 1994) ao insistir na assimilação da diferença às tradições e costumes da maioria. O multiculturalismo liberal busca integrar os diferentes grupos culturais o mais rápido possível ao mainstream, ou sociedade majoritária, baseado em uma cidadania individual universal, tolerando certas práticas culturais particularistas apenas no domínio privado. O multiculturalismo pluralista, por sua vez, avalia diferenças grupais em termos culturais e concede direitos de grupo distintos a diferentes comunidades dentro de uma ordem política majoritária ou mais comunal. O multiculturalismo comercial pressupõe que, se a diversidade dos indivíduos de distintas comunidades for publicamente reconhecida, então os problemas de diferença cultural serão resolvidos (e dissolvidos) no consumo privado, sem qualquer necessidade de redistribuição do poder e dos recursos. O multiculturalismo corporativo (público ou privado) busca “administrar” as diferenças culturais da minoria, visando os interesses do centro. O multiculturalismo crítico ou “revolucionário” enfoca o poder, o privilégio, a hierarquia das opressões e os movimentos de resistência (McLaren, 1997). Procura ser “insurgente, polivocal, heteroglosso e antifundacional” (Goldberg, 1994). E assim por diante. (HALL 2006, p. 51.).
Num mundo cercado de pluralidade cultural vivida nas religiões, nas
etnias e na sociedade não se pode negar a qualidade que a ideia do
multiculturalismo fornece à estrutura de educação formal (MOREIRA, 2001),
tendo como principal ganho a resposta e crítica a falsas hegemonias culturais
negativamente etnocêntricas, como o arianismo, por exemplo.
Na escola, também, pode-se analisar as regras muito comuns que
desenvolvem o conjunto do monoculturismo: a marcação do tempo e a duração
das aulas realizados pela própria escola. A separação e a fração do tempo
destinado ao estudo dos diversos componentes curriculares. O conhecimento
passa a ser cronometrado3, e só encontra validade se for empregado de maneira
3 Trazendo o conhecimento da Mitologia Grega da figura de Chronos, o filho de Zeus. Essa mitologia fornece para a tradição ocidental a ideia do tempo linear e cadenciado. Cf. Wogel, L. dos S. Filosofia e Ócio: possibilidades originárias de formação para o Ensino Médio. Tese. Doutorado em Educação: Currículo. PUC/SP, 2014, p.58.
26
sequencial. É somente naquele espaço de tempo que se pode aprender o que
se projetou para tal, e que está no “plano de aula”.
Tal estrutura inviabiliza qualquer vivência de pluralidade no ambiente
escolar, como, por exemplo, a antagonia conceitual do tempo sequenciado, o
kairós4, que permitiria menos rigidez pragmática e mais apreço ao prazer, por
exemplo. É o tempo que se convive, que se conhece, que se analisa, por meio
dos contatos humanos, como em situações de lazer, no pátio ou na quadra de
esportes, nos contatos em sala de aula, entre outros. Nessa vivência não são as
sequências de “tempos” de aula limitadas pelos “sinos” que darão qualidade ao
processo educacional, e o resultado será um aprendizado de qualidade que
inserirá o estudante na experiência social de maneira mais valorada. A força
monocultural está em não permitir que a dinâmica cultural contida na expressão
de vida do estudante adolescente, jovem ou infantil, seja um processo de
conhecimento e aprendizado.
A apresentação desses meios de controle é para evidenciar como a
estrutura educacional não se beneficia da realidade plural, mas se mantém sob
a índole da “experiência acumulada” como ditadora para a educação formal.
E, agora, um parêntese, em 1ª. pessoa do singular, a título de exemplo do
que se está discutindo. Sou professor da Escola Municipal de Educação Integral
Tilma Fernandes Veiga, e, durante os três anos em que atuo lá, tenho sempre
ouvido determinada reivindicação por parte dos estudantes: um momento oficial
de intervalo, já que não há um horário específico delegado aos estudantes para
seu deleite e autonomia. Os estudantes já fizeram o pedido do momento de
recreio, de maneira explícita, ao corpo gestor da escola, por meio de reuniões
entre a coordenação pedagógica e os representantes de sala e em momentos
de diálogo na própria sala de aula, mas seu pedido foi negado sob a alegação
de que haveria muita dificuldade em controlar a disciplina dos estudantes livres
no pátio. E como alternativa se apresentou o fato de que todos os estudantes
gozam de três momentos para refeição5, já que passam 8 horas, diariamente, na
escola. Essas pausas poderiam ser interpretadas como “o recreio” solicitado, no
4 “É um deus jovem e atleta, alado nos ombros e nos joelhos, que somente tem uma mecha comprida na fronte e o restante da cabeça calva. Um deus nu, difícil de ser agarrado. Por ser acelerado, ele não se preocupa com o passar do tempo, mas somente com o presente, com um momento oportuno e uma decisão acertada. Entre os romanos, era conhecido como Tempus, que pode ser traduzido por momento, o tempo em que as coisas ocorrem, o que simbolizava a oportunidade”. (Idem). 5 Café da manhã, almoço e o lanche da tarde, servidos no refeitório da escola.
27
entanto a escola permanece com a rigidez das oito aulas se mantendo na fração
de uma hora cada, e não há intervalo destinado ao domínio da auto-organização
dos estudantes. E cabe destacar que a escola teria autonomia para essa
mudança.
Outra situação presente na escola são regras sexistas que não fazem
parte do cotidiano social. É praticamente inexistente, no Brasil, a separação de
filas por gênero sexual. Muitas vezes com a intenção de garantir o bom
comportamento dos estudantes, há professores que separam meninos e
meninas, e isso acontece em todos os momentos de organização e passagem
entre os ambientes (filas na acolhida matutina, na saída da sala para as aulas
de educação física, nos momentos de refeição, entre outros). O que se percebe
é, na verdade, uma ideia latente de certo preconceito de comportamento sob
base da sexualidade, e a classificação dos meninos como indisciplinados ou não
apenas pela situação de seu gênero sexual, o que não encontra nenhuma base
de prova para a compreensão pedagógica atual.
Ainda na experiência de participante da pesquisa desta dissertação,
presenciei uma cena que permite melhor compreensão desta análise: a
professora de uma série inicial do Ensino Fundamental apresentando uma
conduta de valor a um estudante do sexo masculino ao observar que ele estava
com as unhas pintadas de esmalte colorido. Afirmou ela que tal comportamento
não era condizente a um “homem com H maiúsculo”, referindo-se ao apelo
machista para qualidade humana. Em seguida, ela buscou a opinião de um
professor, para dar autoridade ao seu argumento: “Professor, você não
concorda? ”. A resposta dele foi negativa, explicando que foi um tema trabalhado
em sala de aula nos dias anteriores, ao apresentar a vivência da cultura e da
convivência humana sem estereótipos machistas. E no mesmo ato do diálogo
com a professora, o estudante, em questão, ainda completa que o uso é um sinal
de seu pertencimento a um grupo de amigos que marca a unha com esmalte. O
que foi ignorado mais uma vez pela professora. O fato reflete, apesar de
particular, a percepção formativa em muitas escolas, que reproduzem o senso
comum da percepção social, assim como a designação de cores para os
aspectos sexuais: azul para meninos, cor-de-rosa para meninas.
Posteriormente, os dois professores travaram um diálogo sobre o assunto, e ao
28
que parece a professora refletiu sobre o assunto e passou a compreender a
interface do problema.
O monoculturalismo tem essa situação de apresentar argumentos
falaciosos de maneira absoluta, sem levar em conta a particularidade vivida
pelos demais atores da educação e da cultura social, nesse caso os estudantes.
Ele não permite o diálogo com o universo à sua volta. Ele cria forças que
emudecem culturas já marginalizadas, fortifica estruturas dominantes e
sectárias. O monoculturalismo tem suas bases forjadas em grupos culturais mais
numerosos ou detentores de mais poder.
Quando essa realidade é evidenciada, há algumas constatações que
servem de conteúdo para a reflexão. É o caso da pergunta constante no
questionário respondido por professores da REME, sobre se eles concordam ou
não com a afirmação de que “a escola é monocultural”. Como se pode observar
no gráfico abaixo, a maioria absoluta (97%) responde que não concorda.
Figura 2. Gráfico gerado pelo autor para apresentar os dados da pesquisa com docentes da Base Diversificada, componente curricular da REME de Corumbá-MS.
Quando indagados do “por quê? ”, as respostas variam pouco na ideia de
não haver possibilidade de a escola ser monocultura, já que são muitas pessoas,
e, por conseguinte, muitas culturas em relação, no ambiente escolar. Parece não
haver análise do termo sob a ótica da instituição voltada para os estudantes, mas
as respostas indicam uma generalização conceitual, e isso pode evidenciar,
também, o desconhecimento dessa reflexão. E, em sendo assim, pode suscitar
0,00
5,00
10,00
15,00
20,00
25,00
30,00
Concordo Discordo Não Respondeu
“A Escola é monocultural”. Você concorda ou discorda?
29
a dúvida se há ou não, por parte dos professores, um pensamento reflexivo
quanto à estrutura educacional voltada para a região de fronteira.
Ao que parece há, a resposta indica, também, a compreensão de que é
dicotômico conceito mono e multicultural, sobre o fato de haver um conjunto de
culturas, ou seja, a escola não é monocultura porque há muitas culturas no
mesmo ambiente. No entanto, multiculturalismo não é tratado como
multiplicidades de cultura, mas sim como uma cultura múltipla. Isso muda muito
o aspecto enfocado nesta pesquisa. E a título de ilustração, o multiculturalismo
não é o fato de haver num mesmo ambiente japoneses, coreanos, bolivianos e
brasileiros, mas no fato de que, havendo várias culturas (étnicas ou não), elas
se confrontam e interagem. E no caso da escola, que a cultura da educação seja
aberta para as culturas em sua identidade, ou seja, que a escola não tenha
cultura fechada e sem interação com a realidade daqueles que participam de seu
interior.
E ao observar, no gráfico há 3% dos que responderam ao questionário
que diferem dos demais da pesquisa completa evidenciando, assim, que a
concordância é porque “cada escola tem a sua comunidade e cada comunidade
apresenta a sua cultura”, prevalecendo uma análise da constituição de origem
de identidade, mas não um referencial da atuação educacional institucional.
A intenção de homogeneização estruturada pelo monoculturismo escolar
é sustentada pelos projetos pedagógicos de qualidade máxima, de obtenção de
sucesso financeiro e profissional do estudante. Ou seja, já que a finalidade da
educação é garantir o bom resultado ao estudante, nada mais necessário que
ela siga o padrão estabelecido na lógica capitalista neoliberal.
A escola desenvolvida nos anos 1970 e 1980, no Brasil, estabeleceu uma
identidade cartesiana do conhecimento, e, com isso, a diversidade se tornava
um assunto pautado em meio aos estudos reais. Um exemplo disso é como era
comum a celebração de datas do calendário cívico, como o dia 19 de abril: a
figura do indígena aparecia estereotipado em maquiagens, canções e
expressões artísticas, mas a reflexão sobre seu papel na construção da
sociedade brasileira, seus conhecimentos históricos e sua importância se
tornava obscurecida e presente apenas em poucas vozes mais críticas.
Atualmente, não é raro educadores reflexivos que apresentam a celebração
30
dessa data com aspectos qualificadores e críticos, distanciados das anedotas
pejorativas.
Atualmente, se percebe intensa relação entre a educação e as realidades
conflitantes da sociedade, gerando grande quantidade de reflexões para o
campo acadêmico. Foram as lutas e as conquistas dos movimentos sociais que
produziram essa reflexão, como a presença dos movimentos negros que
ampliaram a compreensão do preconceito que imperou na cultura de muitos
povos. Fato semelhante aconteceu por meio das organizações indígenas,
homossexuais, quilombolas, feministas, e dos povos do campo. Essas ações
deram voz à grande gama de culturas. Essas culturas conquistaram espaços no
interior da escola.
Como pode ser observado no comentário de Vera Maria Candau, há
influência na escola de uma visão redutora das capacidades da educação em
aprimorar a pessoa na força da cultura, que pretende amoldar alguns
comportamentos com intuito qualificador da vida social, sem uma visão crítica:
No âmbito da educação também se explicitam cada vez com maior força e desafiam visões e práticas profundamente arraigadas no cotidiano escolar. A cultura escolar dominante em nossas instituições educativas, construída fundamentalmente a partir da matriz político-social e epistemológica da modernidade, prioriza o comum, o uniforme, o homogêneo, considerados como elementos constitutivos do universal. Nesta ótica, as diferenças são ignoradas ou consideradas um “problema” a resolver. (CANDAU, 2011, p. 241).
A cultura cria a identidade da pessoa, além de legitimá-la, valorizá-la e lhe
atribuir significados. No entanto, o que se torna prejudicial aos estudantes nesse
processo do monoculturalismo não está em fatos superficiais de regras de uso
ou não de acessórios, de aceitação ou não da moda, mas um dos principais
desafios culturais para a Educação é barrar a ditadura neoliberal que nivela o
processo educativo na base da produção capital (APPLE, 2006, p. 15). Isso
significa uma possível redução da capacidade de autonomia, emancipação e
desenvolvimento crítico do conhecimento dos estudantes, em particular em sua
socialização e incremento do senso crítico, já que as regras são apresentadas
como meios seguros para o sucesso projetado por essa escola, ainda mais que
o monoculturalismo é oriundo de grupos sectários de ortodoxias ligados ao
poder.
Esse processo apenas classifica a educação no conjunto de produção
capital, e, por isso, sempre a analisa e indaga sob a forma de obtenção ou não
31
de lucro. Os rumos da educação são direcionados pelas finalidades de produção
de capital.
Ao se destacar o tema do multiculturalismo, não se pode destituir o conflito
que o engendra às discussões de grupos sociais e culturais, uma vez que o tema
não pode ser desconectado das relações de poder das diferenças de classe. A
título de compreensão, leia-se a análise de Moreira (2001), em sua leitura de
Tomaz Tadeu, sobre o conceito de multiculturalismo:
Para Tomaz Tadeu da Silva (1999), o multiculturalismo crítico caracteriza-se por não conceber as diferenças culturais separadamente de relações de poder. Enquanto em uma perspectiva liberal apela-se para o respeito à diferença, por se considerar que sob a aparente diferença há uma mesma humanidade, no multiculturalismo crítico a própria definição do que é humano é vista como resultado de relações de poder. Ainda segundo o autor, a perspectiva crítica do multiculturalismo pode ser dividida em uma concepção pós-estruturalista (que concebe a diferença como essencialmente um processo linguístico e discursivo) e uma concepção mais materialista (para o qual os processos institucionais, econômicos, estruturais, estariam na base da produção dos processos de discriminação e desigualdade baseados na diferença cultural). (MOREIRA, 2001, p. 69).
No entanto, o uso da análise de Moreira (2001) não é mero acaso,
especialmente quando se observa o questionário aplicado e respondido por
professores sobre essa pesquisa (em anexo). Um fato se liga a esse assunto de
maneira explícita. Foi indagado aos professores se eles são fronteiriços. Poderia
até ser uma resposta exigente, se for levada em conta toda a reflexão ao redor
do conceito identitário, mas em relação aos educadores parece que não
deveriam perder-se desse assunto. Dos questionários respondidos, cerca de
54% deram a resposta “não” a esta pergunta, 38% responderam “sim”, e ainda
houve uma resposta dizendo que “de certa forma, por passar boa parte do tempo
em região fronteiriça”, ressalvando que 7,6% não deu resposta à pergunta, como
se observa no gráfico.
32
Figura 3. Respostas dos professores entrevistados.
O ponto central é que, ao negar-se como fronteiriço, há um processo,
quase automático – e duplo – de classificação do “outro”, além da negação do
pertencimento a essa situação, já que todo residente da Faixa de Fronteira é
fronteiriço, não apenas os nascidos na Bolívia. Para esses entrevistados, o
fronteiriço é aquele que vem do outro lado da fronteira – no caso, a Bolívia –, e
não aquele que é dessa fronteira, ou seja, todos os que habitam a região de
fronteira do lado em que se encontram. Esse professor, ao não se considerar
como fronteiriço, lança apenas seu olhar para outro que habita o lado “de lá” da
fronteira, o que traz inferências em suas relações e construções conceituais
como as situações desenvolvidas em sala de aula.
Designar-se como fronteiriço é ainda um tema exigente para a maioria das
pessoas, especialmente pela necessidade de avaliação de outros conceitos,
como o de “fronteira”. Mas se for levado em conta que o professor, em sala de
aula, desenvolve espaços para reflexão crítica com os estudantes, também ele
deveria ampliar a crítica sobre esse tema. No entanto, o que se observa é que
tal reflexão é negada em outros processos, como no caso do senso comum, e
pode vir a pertencer ao arcabouço desses educadores.
O fato chama a atenção se for evidenciado que o professor não é mero
reprodutor de atividades pedagógicas; ele é cidadão, ele é desenvolvedor de
ideias que podem se fazer presentes no dia a dia de suas relações, em especial
Sim38%
Não54%
Não Respondeu
8%
33
na sala de aula, o que agrava ainda mais a situação e identidade com a realidade
da fronteira.
Esse perfil de professor muitas vezes está inserido no mesmo processo
de manutenção do senso comum que não permite o desenvolvimento de ruptura
com a monoculturalidade na escola.
Para ser professor, há um processo a ser considerado na sua formação
que ocupa dois níveis: o inicial e a formação continuada. E, talvez, a formação
continuada sofra ainda com uma maior necessidade de aprimoramento,
especialmente se for levada em conta a realidade da consciência de
pertencimento da fronteira.
Basta observar que, dos professores entrevistados, 36% declararam ter
realizado algum curso específico para lecionar nos componentes curriculares da
Base Diversificada6 do currículo escolar. Nessa entrevista, uma professora
evidenciou sua formação para as aulas, já que é bailarina, tem atuação na área
circense e expressão artística e corporal, além de ser professora de Educação
Física, e o componente curricular da Base Diversificada, em questão, foi criado
a partir de um projeto orientado por essa professora. Ou seja, ao que parece há
sintonia entre a formação da educadora para a atuação na base diversificada, o
que é fato raro, de acordo com as entrevistas
A maioria absoluta (como se observa no gráfico seguinte), dos
entrevistados, utiliza-se de conhecimentos transversais para sua formação
acadêmica, o que não é incorreto, já que a Base Diversificada não se vincula a
uma formação específica. E, ainda, há formações proporcionadas pela
Secretaria Municipal de Educação, com periodicidade semestral, mas
geralmente são sugestões de temas e pequenos roteiros para as aulas, sem o
aprofundamento ou planejamento a longo prazo para a criação de plano
formativo.7
6 Com a legislação federal a partir da LDB, a educação trata os componentes curriculares com a designação “Base Comum” e “Base Diversificada”. Esta última é voltada para a formação da cidadania dos estudantes, o que permite às escolas mais autonomia em sua implantação, de acordo com as realidades inseridas. 7 Dados dos últimos três anos, a partir de 2012, período em que acompanho a formação em serviço, proporcionada pela Semed de Corumbá-MS
34
Figura 4. Respostas dos professores entrevistados.
Embora a maioria tenha mais de dois anos em atuação nos componentes
curriculares da Base Diversificada (67,75%), tendo pelo menos quatro Encontros
Formativos em Serviço8, não se pode afirmar que estes foram capaz de suprir a
demanda, de acordo com as opiniões expressas na pesquisa.
A diversidade do sistema educacional e acadêmico atual sofre com o
balizamento para os resultados avaliativos, já que são avaliados sob a ótica
engessada dos centros educacionais e sob parâmetros que não acolhem a
realidade dos coletivos, na expectativa de serem classificados, ou não, como
bem-sucedidos. (ARROYO apud PEREIRA, 2008).
A composição das disciplinas da Base Diversificada está ligada às
particularidades e realidades de cada escola. No entanto, ao se ter essa
possibilidade de criação de novos componentes curriculares, subtende-se que
há também gabaritos mínimos para essa atuação profissional do professor.
Os temas transversais propostos pelos Parâmetros Curriculares
Nacionais para o Ensino Fundamental – PCNs (BRASIL, 1997), do governo
federal, assim como os conteúdos principais, são processos de ensino e
aprendizado, ou seja, são processos de conhecimentos e partem da ideia de que
8 A Secretaria Municipal de Educação organiza, ao menos duas vezes ao ano, um encontro com o propósito de capacitação dos educadores por área de atuação. Geralmente os temas das capacitações são ligados ao componente curricular que o educador ministra.
0,00
5,00
10,00
15,00
20,00
Sim Não Não Respondeu
Você realizou algum curso de formação específico para lecionar na Base Diversificada?
35
há um encontro para se obter um resultado (o conhecimento) desencadeado por
um ensinamento, que é o principal atributo da profissão do professor.
Nos PCNs, os Temas Transversais são organizados em: Ética,
Orientação Sexual, Pluralidade Cultural, Meio Ambiente e Saúde, que devem ser
tratados em meio aos conteúdos da base comum. A finalidade é complementar
o alcance dos anseios sociais analisados nos tempos atuais que ainda não foram
totalmente trabalhados nos outros componentes curriculares da base comum.
(BRASIL, 1997).
Nessa construção conceitual, de optar por novos componentes
curriculares para tratar dos temas transversais, pode-se perceber o viés político
que a educação desenvolve em si. É o que lhe imprime um valor, já que sua
ação se torna caminho de desenvolvimento da cidadania. No entanto, essa
realidade não pode ser compreendida sem a percepção da estrutura social e,
por conseguinte, da cultura. Até porque um dos grandes eixos da
transversalidade da educação passa por esses temas, como indicam os PCNs:
O grande desafio da escola é investir na superação da discriminação e dar a conhecer a riqueza representada pela diversidade etnocultural que compõe o patrimônio sociocultural brasileiro, valorizando a trajetória particular dos grupos que compõem a sociedade. Nesse sentido, a escola deve ser local de diálogo, de aprender a conviver, vivenciando a própria cultura e respeitando as diferentes formas de expressão cultural. (BRASIL, 1997, p. 27).
Tendo presente isso, faz-se necessário que a escola assuma sua atuação
de diálogo, desenvolvimento e enriquecimento cultural. As ações devem ser
verdadeiramente fomentadoras de cidadania, de vivência social, de aprendizado
de regras, mas sobretudo de sólidas relações sociais amparadas em equidade,
justiça, respeito, autonomia e liberdade, de maneira a confluir o conhecimento
para um progresso emancipatório.
O pensamento da professora Vera Candau permite a compreensão do
importante papel que a educação pode proporcionar a essa situação:
A escola tem um papel importante na perspectiva de reconhecer, valorizar e empoderar sujeitos socioculturais subalternizados e negados. E esta tarefa passa por processos de diálogo entre diferentes conhecimentos e saberes, a utilização de pluralidade de linguagens, estratégias pedagógicas e recursos didáticos, a promoção de dispositivos de diferenciação pedagógica e o combate a toda forma de preconceito e discriminação no contexto escolar. (CANDAU, 2011, p. 253).
36
A Educação não é a redentora social, mas seu papel permite e encaminha
à superação de graves problemas. No entanto, seu melhor processo de
qualificação social será alcançado quando o estímulo à reflexão sobre a
realidade for despertado em seu interior, quando as vozes oprimidas na
sociedade puderem se expressar com conteúdo e para audição nos espaços em
que as ações se cumprem.
Esse exercício de diálogo com a realidade desenvolve a multiculturalidade
e permite que a educação se torne um processo de conhecimento, já que suas
bases estão voltadas para a realidade. Será a construção da educação capaz de
promover, na diversidade, a compreensão e a cooperação solidária internacional
e a paz no mundo. Uma educação combatedora de toda forma de discriminação.
No ano de 2012, um novo momento foi inaugurado na escola e na
educação em Corumbá quando a Prefeitura Municipal, por meio da sua
Secretaria de Educação, iniciou o Projeto da Escola Experimental de Educação
Integral. Foram selecionadas, inicialmente, três escolas de Educação Básica da
Rede Municipal de Ensino (REME) para o primeiro estágio da implantação, com
jornada ampliada: as aulas, nessas escolas, passaram a ser das 8 às 16 horas9,
incluindo o tempo de almoço e dos lanches para estudantes, professores e
colaboradores.
Pertenciam a esse primeiro grupo as escolas “Luiz Feitosa Rodrigues”,
“Rachid Bardauil” e a escola foco deste estudo, “Tilma Fernandes Veiga”. Todas
essas instituições apresentavam, à época, segundo dados da própria Secretaria
Municipal de Educação10, estudantes com defasagem de idade e série,
localidade com vulnerabilidade social, e grande índice de evasão escolar11.
O projeto intenciona seguir o Plano Nacional de Educação e criar 50% de
escolas integrais12. A partir de fevereiro de 2015, três outras escolas municipais
de Corumbá passaram a atender em Tempo Integral: “Monte Azul”, “Eutrópia
9 No ano de 2014, o horário da escola mudou, e as atividades de aula passaram a ser das 7 às 15 horas para os estudantes, com a inserção de uma hora de intervalo para os educadores, que finalizam suas atividades às 16h. 10 Cf. Apresentação da Escola Integral. Prefeitura Municipal de Corumbá – Semed. 11 Idem. 12 A meta 6 do PNE: “Oferecer educação em tempo integral em, no mínimo, 50% (cinquenta por cento) das escolas públicas, de forma a atender, pelo menos, 25% (vinte e cinco por cento) dos(as) alunos(as) da educação básica.” Disponível em: <http://pne.mec.gov.br/images/pdf/pne_conhecendo_20_metas.pdf>. Acesso em: 10 mar. 2014.
37
Gomes Pedroso”, e “Porto Esperança”, todas escolas rurais, e essa última
destinada às populações ribeirinhas.
A Educação Integral deve vincular-se às diversas dimensões do ser
humano, já que a pessoa também necessita desenvolver sua afetividade e sua
sociabilidade, além da intelectualidade, que é a mais comumente desenvolvida
em ambientes escolares.
Assim como a ampla maioria da população, segundo uma pesquisa do
Data Folha13, há professores14 seguindo o senso comum e conceituando a
escola integral somente a partir da expansão do tempo, o que também está
presente na proposta do Governo Federal para a criação do “Mais Educação”,
que atende ao artigo 34 da LDB (Lei de Diretrizes Básica da Educação, Lei nº.
9394, de 1996)15, para a ampliação da jornada de aula. Em abril de 2007, no
âmbito das ações do Programa de Desenvolvimento da Educação (PDE), por
meio da Portaria Interministerial nº. 17, de 24 de abril de 200716, que teve como
signatários os Ministérios da Educação, Cultura, Esporte, Desenvolvimento
Social e Combate à Fome, instituiu-se o Programa “Mais Educação”, com o
objetivo de oferecer atividade socioeducativa no turno escolar inverso. No
entanto, a Escola Integral deve ir além da expansão apenas do tempo de aula.
Para a escola, há a exigência de uma formação que ultrapasse o
conhecimento cognoscível e também permita conhecimentos tão importantes
quanto, nas demais dimensões, como a afetiva, a social, a psicológica, dentre
outras. É o que preconiza a Educação Integral.
O ser humano não é um resultado passivo ou casuísta, é um contato e
conjuntos de ações, e a escola integral visa à conexão com a sociedade. Com
isso, quando a pessoa é lançada no processo educativo, ela desperta suas
questões, projeta seus anseios, desenvolve suas capacidades, e esses
“mecanismos” são os responsáveis pelo produto, ou seja, é por esse meio que
o ser humano se torna consciente do papel que a sociedade almeja para ele. E,
13Cf.<http://noticias.terra.com.br/educacao/nove-em-cada-dez-brasileiros-acham-que-escola-integral-e-necessaria,f7b2c7846d531410VgnVCM20000099cceb0aRCRD.html>. Acesso em: 5 set. 2013. 14 Em 2013 fora realizado um programa de atividades como repasse por parte de 4 educadores da escola Tilma Fernandes Veiga sobre o Curso de Docência em Educação Integral (EAD-UFMS), e no início dos encontros 87% dos educadores desta escola conceituaram Educação Integral como “Escola com mais tempo de aula”. Os dados foram apresentados no artigo publicado na Revista GeoPantanal n. 15 (Jul.-Dez. 2015): “A Escola Integral em Região de Fronteira Brasil (MS)-Bolívia” 15 Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9394.htm>. Acesso em dezembro de 2015 16 Cf. <http://educacaointegral.mec.gov.br/images/pdf/port_17_12012010.pdf>. Acesso em: 25 jan. 2014.
38
na vida social, todas as dimensões humanas devem se desenvolver de maneira
integral, assim como propõe o documento que apresenta o Programa Mais
Educação do MEC:
O ideal da Educação Integral traduz a compreensão do direito de aprender como inerente ao direito à vida, à saúde, à liberdade, ao respeito, à dignidade e à convivência familiar e comunitária e como condição para o próprio desenvolvimento de uma sociedade republicana e democrática. Por meio da Educação Integral se reconhece as múltiplas dimensões do ser humano e a peculiaridade do desenvolvimento de crianças, adolescentes e jovens. (BRASIL, 2008, p. 7-8).
Segundo o Programa Mais Educação do MEC (BRASIL, 2008, p.12), as
principais funções da educação na constituição do ser humano são: o
desenvolvimento do senso crítico, as ferramentas do uso da razão, o
aprendizado para criação de questões e capacidade de resposta para as
proferidas por outrem, o desenvolvimento da capacidade de reflexão sobre sua
realidade, a disposição de buscar soluções para seus problemas e daqueles que
estão ao seu redor, além da competência de se tornar convivente com outros
(socialização).
No entanto, há outras funções desenvolvidas por meio do processo
educacional, como os saberes artísticos e a vivência do deleite. O professor pode
se fazer guia da vivência desse prazer em aprender, despertando o prazer de
estudar no estudante, por meio do método, dos assuntos e de outras ferramentas
pedagógicas que estão ao seu alcance, tais como o cinema, o projeto-atividade,
a leitura deleite, salas-ambientes, aulas de campo, as mídias e, sem dúvida, uma
seleção dos anseios dos estudantes.
A realidade das escolas da Rede Municipal de Educação (REME) é ampla
e com particularidades expressivas, como a Escola das Águas, que atende à
população ribeirinha e das regiões alagadas, distantes do centro urbano.
A ampliação das Escolas Integrais é uma ação que busca melhor
atendimento das realidades socioculturais dessa cercania, e talvez uma das
justificativas das escolas das Águas e da Zona Rural também ofereça tal opção.
A observação do gráfico abaixo, com dados do Censo Escolar 2014, demonstra
alguns números das escolas em Corumbá:
39
Figura 5. Dados da Semed em dezembro de 2015.
Cabe ressaltar que todas as escolas integrais de Corumbá também são
inscritas no programa Mais Educação.
Outro ponto especial é a desconstrução do senso comum da cultura local
em sala de aula, que dá margem ao preconceito acerca da cultura advinda de
outras realidades, como a indígena, a boliviana e a paraguaia, para destacar
algumas das que fazem parte da realidade da região de Corumbá. Essa
compreensão precisa dar lugar à compreensão realista e justa da cultura
fronteiriça que não desqualifica as pessoas por causa de sua origem ou etnia.
A literatura e os estudos educacionais demonstram muitas experiências
com resultados elevados do uso e abertura para a cultura no ambiente
educacional. São provas disso a Escola Indígena, a Escola do Campo, algumas
experiências de implantação da Escola de Educação Integral, em particular na
cidade de Nova Iguaçu-RJ.17
A cultura no ambiente escolar pode se tornar um processo de
enrijecimento, especialmente se partirmos da realidade do caráter monocultural
e homogeneizador da escola, que não se abre ao convívio e à construção do
diálogo com a cultura ao seu redor, em especial a cultura dos seus estudantes.
(MOREIRA & CANDAU, 2007).
17 Cf.< https://www.youtube.com/watch?v=xl94JuyS6Os>. Acesso em: 1º. fev. 2016.
23
1213
6
17
6
0
5
10
15
20
25
Escolas daREME
Corumbá
Centros de Ed.Infantil
Escolas com"Mais
Educação"
Escolas deEducaçãoIntegral
EscolasUrbanas
Escolas Rurais
ESCOLAS E CEMEIS DA REME
40
A cultura juvenil, por muitas vezes, é observada em situações mais
explícitas, como a presença de estudantes que se expressam em “tribos”18,
rappers, funkeiros, pagodeiros, ou outras assimilações culturais ou artísticas.
As culturas pátrias e étnicas, no entanto, também são evidenciadas no
ambiente escolar, por meio de sotaques, hábitos, indumentárias e até objetos
escolares. Um exemplo, na escola Tilma Fernandes Veiga, é a predominância
de cadernos quadriculados, amplamente usados por estudantes oriundos de
Puerto Suarez e região. Comumente usados para as aulas de matemática, esses
cadernos são usados pelos estudantes bolivianos também para os outros
componentes curriculares, o que causa estranheza aos estudantes brasileiros,
levando-os, inclusive, a fazer constantes chacotas sobre os colegas do país
vizinho.
As evidências culturais, muitas vezes, não são valorizadas e não
ultrapassam os horizontes folclóricos de datas comemorativas ou eventos
artísticos, como foi observado numa escola da REME, quando um estudante
convidado para representar a multiculturalidade presente na escola, num sarau
cultural, realizou essa empreitada por meio da leitura de uma poesia em
castelhano, como se isso bastasse, e que, no dia a dia, sua identidade não
precisasse ser manifesta. Nenhum contato cultural fica sem interferir na
realidade em que se apoia19.
Os motivos que fazem com que uma pessoa vá a outro país são os mais
variados e de múltiplos contextos. No entanto, quando jovens investem tempo e
dinheiro para sua formação instrucional, isso é indicativo da existência de um
desejo de superação de algo, que não foi provido em seu país, ainda mais num
contexto de comparação entre realidades sociais díspares, como poderia ocorrer
entre o Brasil e a Bolívia. Nesse contexto, surgiram ações como o Projeto Escola
de Fronteira (PEIF), do MEC, recentemente desenvolvido para as escolas desse
espaço fronteiriço.
18 Termo metaforizado usado pela Sociologia para designar grupos pequenos, geralmente juvenis e urbanos, que mantêm características próprias de congregação, como estilos de cortes de cabelos, roupas, comportamento ou maquiagem. São regras e práticas caracterizadas em contraste com o caráter homogêneo e massificado. A origem de tais grupos se liga, quase sempre, à contestação social ou ao modo alternativo de viver em sociedade. 19 Para exemplificar, pode-se imaginar o incômodo (mesmo que mínimo) que vestimentas étnicas causariam num ambiente plural como a escola.
41
A realidade de imersão cultural de uma Escola de Fronteira parte, muitas
vezes, da realidade linguística (ensino do espanhol, em especial, como versa a
LDB em seu artigo 26), o que é uma realidade de grande importância, como
apresentam Nolasco e Guerra (2010):
Do ponto de vista discursivo, algumas atitudes se mostram como ferramentas fronteiriças de espaço, de identidade cultural e de perfil de comunidade. É evidente, portanto, que a língua é um fato importante de identificação de grupos sociais, uma maneira de (de)marcar diferenças entre um grupo e comunidades. (NOLASCO; GUERRA, apud SILVA; GUERRA, 2010, p.29).
No entanto, não é suficiente para marcar a realidade cultural da Escola.
Antes de mais nada, deve-se conhecer a cultura com perspectiva de relação e
interação na Escola de Fronteira, que não é território abstrato, mas que privilegia
as relações humanas. Tal exercício abriria espaço para o estudo e a discussão
de temas como as relações entre o Brasil e a Bolívia no contexto histórico,
aspectos culturais dessa afinidade, e outros pontos que permitiriam melhor
conhecimento e interação entre essas culturas.
A interação cultural vai além da criação de ênfases folclóricas em datas
ou momentos especiais, mas o próprio currículo da escola precisa influenciar a
ação em sala de aula. Há, também, aspectos legais construídos e selados em
acordos bilaterais e no bloco do Mercosul que trazem benefícios para a região e
seus munícipes, mas que ficam desconhecidos e pouco discutidos, como o
Tratado de Roboré20, por exemplo.
Uma ferramenta muito eficaz seria aproveitar-se do componente curricular
existente nas escolas da REME intitulada de Formação Cidadã21. Desde 2012,
as escolas municipais de Corumbá mantêm em sua grade curricular o estudo
organizado como “Formação Cidadã”, na intenção de desenvolver o aprendizado
de maneira mais completa no que tange à vivência social. Há algumas variações
na efetivação desse componente curricular, como escolas que a inseriram em
horários extras e complementares ao cotidiano; há escolas que alteraram os
20 Para mais conhecimento ver AMARAL, M.R. Formação da fronteira Brasil-Bolívia e o Tratado de Roboré.
Dissertação. 2014. Mestrado em Estudos Fronteiriços. Fundação Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campus Pantanal. Corumbá, 2014. 21 Há pequenas variações de nomenclatura em algumas escolas para esse componente curricular, como o caso de “Diversidade e Cidadania” ou “Diversidade, Gêneros e Direitos Humanos”. Para este texto optou-se por padronizar o nome de “Formação Cidadã”, por ser o que é mais utilizado nas escolas e, também, por ser o termo original. E, ainda, por ser um termo consagrado nas finalidades da educação tanto na Constituição Federal quanto na LDB.
42
tempos de aula para a implantação; e outras que, ao se tornarem Escola Integral,
inseriram novos componentes curriculares.
O movimento de interação cultural está à porta e à margem da escola, se
for levada em conta a realidade da sociedade de Corumbá, especialmente se se
destacar a grande miscigenação cultural da região presente em diversos
aspectos da população local.
A cultura da fronteira está presente em todos os elementos da cidade:
nomes de ruas, tradições, hábitos citadinos, culinária, dentre outros, mas essa
realidade é pouco vivida na estrutura curricular e nos componentes curriculares
da escola. Justamente no espaço de maior atuação dessa sociedade, no âmbito
da educação formal, a cultura do local pode perder a característica de cerne e
ser tratada apenas com uma situação epidérmica, especialmente quando são
evidenciadas as miscigenações apenas nos momentos comemorativos.
Isso não faria com que as relações pedagógicas dessem primazia para os
conteúdos, mesmo que estes possam ser estereotipados e compostos de
xenofobia, em detrimento à realidade cultural circundante? Sacristán (1998) faz
uma análise expressiva sobre este assunto:
[...] a relação pedagógica professor-aluno está muito condicionada pelo currículo, que se converte em exigência para uns e outros. Não se pode entender como são as relações entre alunos e professor sem ver que papéis representam ambos os participantes da relação na comunicação do saber. A relação pessoal se contamina da comunicação cultural – nitidamente curricular – e vice-versa. O professor e os alunos estabelecem tal relação como uma consequência e não como primeiro objetivo, mesmo que depois de um discurso humanista e educativo dê importância a essa dimensão inclusive com mediadora dos processos e resultados da aprendizagem escolar. (SACRISTÁN, 1998, p. 31).
Essa perspectiva exige nova postura dos agentes na educação formal,
para que tragam – e atraiam – para o ambiente escolar novos saberes, novas
estratégias e novas formas avaliativas que poderão acontecer se não emergirem
de um novo currículo – que, aliás, já tem bons traçados na realidade da REME
em Corumbá –, que seja ativo no processo de emancipação humana e
qualificação social com olhar para a realidade da fronteira.
A realidade do imigrante e/ou do fronteiriço adquire particularidades, isso
em termos positivos e, também, em termos negativos, ou seja, participam de
uma realidade que lhes imprime situações muito próprias.
43
No aspecto positivo, pode-se destacar o conhecimento de um novo idioma
e as relações comerciais facilitadas para a região. Por outro lado, destacam-se
os limites legais no que tange ao uso dos aparelhos e instituições públicas, como
o de saúde, por exemplo. Nessa realidade fronteiriça, para que o estudante
boliviano possa se matricular numa escola em Corumbá são necessários alguns
passos, como foi relatado pelo gestor da escola CAIC Padre Ernesto Sassida22:
Para os que têm registro brasileiro, é normal. Se o aluno tem apenas o registro boliviano, mas nunca estudou, ele precisa de permissão da Polícia Federal para estudar no Brasil, e só assim consegue fazer matrícula. Mas, se a criança com certidão boliviana já estudou na Bolívia, é necessário que apresente todos os documentos traduzidos por um tradutor juramentado para, junto com a autorização da Polícia
Federal, fazer a matrícula.23
O estudante estrangeiro tem, no âmbito formal, maneira lícita para estudar
no Brasil, mas tem a sua realidade cultural barrada no interior da escola. Alguém
poderia estranhar tal afirmação e vocalizar: “Mas o que há de errado nisso? Se
ele é boliviano e quer estudar no Brasil, que aprenda a nova cultura”. No entanto,
uma realidade como a sociedade da região de fronteira não pode formar seus
cidadãos deslocados do fato de haver a hibridação cultural, particularmente.
A professora Rose Zozias (ZOZIAS, 2016), ao acompanhar o Centro
Multiprofissional de Apoio ao Desenvolvimento Infanto-juvenil (CMAJID) da
SEMED e situações de inclusão de estudantes, apresentou, na entrevista
concedida no dia 16.02.2016, o fato uma mãe boliviana que procurou uma
unidade escolar no Brasil para matricular seu filho com visão reduzida, para que
essa criança recebesse acompanhamento biopsicossocial do apoio pedagógico,
o que reforça alguns dos motivos da presença de estudantes oriundos da Bolívia
nas escolas brasileira e nessa constante troca de serviços.
O documento de identidade especial para o fronteiriço foi criado pela Lei
nº. 6.815/80, em 19/8/1980, e é expedido pela Polícia Federal, por meio de uma
legislação específica de fronteira. A Constituição Federal brasileira (1988)
determina, em seu artigo 21, que:
22 A Escola CAIC Padre Ernest Sassida foi inaugurada em 1996, e se localiza em Corumbá a cerca de 4,5 km da fronteira entre Brasil e Bolívia, no km 1 da Rodovia Ramon Gomes. Foram realizadas algumas observações nos meses de agosto e setembro de 2014 para uma pesquisa apresentada no V Seminário de Estudos Fronteiriços promovido pelo programa de Mestrado em Estudos Fronteiriços da UFMS. 23 Para aprofundar e conhecer mais sobre o documento fronteiriço, ver a dissertação de SILVA, Fábio Machado. 2013. Documento especial fronteiriço: acordos internacionais e desacordos locais. Dissertação (Mestrado em Estudos Fronteiriços) – Programa de Pós-graduação em Estudos Fronteiriços, Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – Campus do Pantanal, Corumbá- MS, 2013.
44
Art. 21. Ao natural de país limítrofe, domiciliado em cidade contígua ao território nacional, respeitados os interesses da segurança nacional, poder-se-á permitir a entrada nos municípios fronteiriços a seu respectivo país, desde que apresente prova de identidade. § 1º. Ao estrangeiro, referido neste artigo, que pretenda exercer atividade remunerada ou frequentar estabelecimento de ensino naqueles municípios, será fornecido documento especial que o identifique e caracterize a sua condição, e, ainda, Carteira de Trabalho e Previdência Social, quando for o caso. § 2º. Os documentos referidos no parágrafo anterior não conferem o direito de residência no Brasil, nem autorizam o afastamento dos limites territoriais daqueles municípios.
Esta Lei ainda pode ser articulada com o Decreto da Presidência da
República do Brasil nº. 6.737, de 12 de janeiro de 200924, que estabelece o
acordo entre os governos do Brasil e da Bolívia permitindo, também, aos
estudantes que eles se insiram em escolas da região, mesmo com as
dificuldades onerosas que as taxas dos documentos trazem aos interessados,
como se observa com a tradução dos documentos. Aliado a essa problemática
há ainda fatores sociais que imperam na vida desses estudantes, como a sua
organização social, e casos desafiantes para as duas partes nacionais, o Brasil
e a Bolívia, já que para irem para a escola as crianças também precisam fazer
uso de adaptações de transporte, como carrocerias de camionetes, oferecendo
risco à segurança desses estudantes, como podemos observar na foto seguinte:
Figura 6. Transporte de estudantes no retorno para a Bolívia. Fonte:
NEPFRON/LEF/UFMS. Fronteira do Brasil e Bolívia (26.06.2012).
24 Cf. <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/decreto/d6737.htm>. Acesso em: 25 jul. 2015.
45
Porém, um problema particular da escola ainda é o fato de que os
conteúdos e conhecimentos estão desarticulados das vivências dos estudantes,
o que incide particularmente na região de fronteira. De modo ainda
predominante, as realidades são excluídas do ambiente escolar. (SACRISTÁN,
1998, p. 71).
Nada mais se torna vazio, no campo escolar, quanto um aprendizado ou
conhecimentos flatus voci25, e isso é resultado do pseudoconhecimento
alimentado em escolas que não refletem, acuradamente, os seus conteúdos de
sala de aula e seguem apenas os programas de ensino dos livros didáticos,
muitas vezes elaborados sob a perspectiva de grandes centros com cultura
metropolita.
Sacristán (1998) apresenta uma ideia, nesse contexto, que alinha com a
identidade da escola de fronteira:
[...] A escola, numa sociedade de mudança rápida e frente a uma cultura sem abrangência, tem que centrar cada vez mais nas aprendizagens essenciais e básicas, com métodos atrativos para favorecer as bases de uma educação permanente, mas sem renunciar a ser instrumento cultural. Em muitos casos, os modelos de educação que fogem dos conteúdos para se justificar nos processos não deixam de ser propostas vazias. (SACRISTÁN, 1998, p.75).
O foco da instrução formal não pode se distanciar daquilo que a sociedade
vive ou, ainda, evidenciar outra esfera social desarticulada da vida dos
estudantes. Não que o estudo regional seja o único foco do conhecimento para
os estudantes, mas a sua exclusão não é em nada beneficiadora para a
Educação.
As finalidades da educação no Brasil estão expressas em diversas letras
legais: na Constituição Federal, na LDB, no Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA), para citar alguns, mas isso não dá o pleno significado e a
garantia de sua implantação, ou seja, requer atuação social, de modo particular,
dos atores da educação, o que não elimina todos os setores da sociedade.
A educação deve permitir o direito inalienável do conhecimento a todos
os cidadãos para que deem significados àquilo que vivem no cotidiano, mas
também se relacionem com o meio e as demais pessoas.
25 Expressão latina que se pode traduzir como: sopro inútil, som sem significado ou compreensão para o entendimento.
46
A Constituição Federal do Brasil26 versa, no artigo 205, exatamente que a
finalidade da educação deve capacitar a vivência da cidadania e para o mundo
do trabalho, que são aspectos sociais essenciais de todas as pessoas, e segue
por mais nove artigos, sempre tratando da educação como direito básico.
A Educação Básica no Brasil é um conceito, definido no art. 21, da LDB,
como um nível da educação nacional e que congrega, articuladamente, as três
etapas que estão sob esse conceito: a educação infantil, o ensino fundamental
e o ensino médio.
O art. 22 da LDB estabelece os fins da educação básica: “A educação
básica tem por finalidade desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação
comum indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhe meios para
progredir no trabalho e em estudos posteriores” (Brasil, 1997).
A escola no Brasil é organizada em três esferas de competências e
gestão: Municipal, Estadual e Federal. A cada uma delas são designadas
competências, exclusividades ou prioridades. A Educação Básica é instituída
como prioridade dos estados e municípios, geralmente divididos entre Educação
Fundamental, de responsabilidade do município, e Ensino Médio, a cargo do
Estado.
E no Brasil há, ainda, a legislação específica para a educação, a Lei de
Diretrizes Básicas da Educação Nacional (Lei nº. 9.394, de 1996), que lhe indica
os objetivos para todas as esferas. Em especial, destaca-se a escola básica, que
recebe maior acuidade nesta pesquisa:
Os objetivos do ensino fundamental apontam a necessidade de que os alunos se tornem capazes de eleger critérios de ação pautados na justiça, detectando e rejeitando a injustiça quando ela se fizer presente, assim como criar formas não-violentas de atuação nas diferentes situações da vida. (BRASIL, 1997, p. 39).
A escola é ambiente de troca cultural e de convivência social. O cotidiano
da região de fronteira é amplamente vivenciado no ambiente escolar. Essa
realidade escolar está intimamente ligada com a realidade cultural. Assim como
a cultura está mergulhada na multiplicidade de suas origens, na escola se
encontra grande diversidade cultural, especialmente advinda da sociedade em
que está inserida, ou seja, a realidade cultural da escola é a mesma da sua
localização espacial e geográfica.
26 Cf. <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm> . Acesso em janeiro de 2016
47
No entanto, essa realidade cultural é desafio nacional, já que em muitas
reflexões, especialmente as dirigidas pelo MEC, busca-se a superação do
chamado monoculturismo em ambiente escolar, que enrijece as relações e exige
adaptações à estrutura em detrimento à riqueza pessoal, fundadas na realidade
de sermos um país de inumeráveis expressões culturais.
A Escola de Fronteira precisa que suas ações sejam férteis, ou seja,
produzam resultado, e, ao contrário de qualquer corrente neoliberal, a produção
da educação não é imediata e muito menos financeira. Mas o ponto aqui não é
a discussão política da educação, mesmo que não se furte a esta realidade. Os
resultados dessa atuação precisam ser transformadores da sociedade, feito
alcançável por meio da mudança das pessoas, atrizes da sociedade.
A gama das ações primordiais da Escola de Fronteira está no que se
denomina currículo, que é um conjunto de ações educacionais que envolve
diversas atuações, e para que a identidade dessa escola tenha vida são
necessárias intervenções de diversos setores componentes da sociedade, como
o institucional-escolar, o legislativo, o executivo, o setor privado, os órgãos
representativos, entre outros (SACRISTÁN, 1998). Essa articulação refletirá na
formação do cidadão (pessoa consciente e ativa na sociedade), e nada mais
importante, para a escola, que esse processo formativo.
Educadores que provocam os estudantes a refletirem a realidade próxima
às situações locais e vivenciadas ao redor da escola é fato raro ainda
(SANTOMÉ, 2005, 170), o que infere a necessidade de maior atenção para a
educação e a formação docente. Há distanciamentos causados pelos materiais
didáticos organizados com foco em informações pertinentes e ligadas aos
grandes centros urbanos, por exemplo, mas há ausência da realidade daquela
comunidade nos assuntos analisados nos conteúdos escolares. Há mais
discussões sobre o processo de independência dos EUA que conhecimento
sobre a presença espanhola em terras pantaneiras no período colonial brasileiro,
para exemplificar com dados reais27.
27 Para dar mais detalhes, eu, enquanto pesquisador para esta dissertação, no início de 2015 participei da elaboração do plano anual das aulas de História para o Ensino Fundamental de uma escola pública. E notei que, a partir do programa sugerido pelo livro didático adotado, era apresentada a proposta de 8 aulas ligadas aos EUA (sua independência, seu papel econômico, importância política, etc.), e nenhuma aula programada para apresentar o assunto da presença de Espanhóis no início da civilização da região em que se situam Corumbá e as demais cidades pantaneiras. O fato foi questionado e surgiu, no programa, duas aulas para o assunto, o que gerou grandes atrativos para os estudantes e para muitos educadores que desconheciam tal fato, inclusive aqueles formados na área de História de uma Universidade da região.
48
A perspectiva do multiculturalismo é que a educação formal e o
conhecimento obtido nos espaços das instituições de ensino sejam
sensibilizados pelas lutas e anseios das minorias culturais que vivem à margem
da sociedade, que têm participação na construção social e que recebem a
negativa opressiva de sua identidade. Tal situação não ocorrerá ou poderá
depender da “boa vontade” de educadores dessa perspectiva, ela será atual a
partir da implantação das políticas públicas (já existentes e necessárias de
existir), da abertura cultural das instituições educacionais (da educação
fundamental e as de ensino superior, especialmente nos cursos de
licenciaturas), desenvolvimento da identidade reflexiva nos educadores dos
diversos níveis da educação e da existência, nos currículos escolares da
sociedade, da política e da cultura daquela comunidade em todas as suas
riquezas e variedades. Isso porque o estudo reflexivo permite não apenas o
somatório de conhecimentos, mas interferências qualificadas para a superação
dos limites existentes e possíveis de superação a partir do conhecimento formal
e das relações, entre os sujeitos, mais igualitárias.
Essa perspectiva não será eficiente se apenas for um diagnóstico da
realidade, pois ela é processo de desenvolvimento da crítica à realidade, já que
não se pode deusificar a educação e transformá-la em paladina para a sociedade
e suas mazelas.
49
2. Procedimentos Metodológicos
Este capítulo apresenta os procedimentos metodológicos utilizados nesta
pesquisa científica. A escolha desses procedimentos metodológicos ocorreu
devido ao objetivo da pesquisa - o diálogo multicultural da educação na faixa de
fronteira -, bem como ao objeto estudado, a escola de fronteira.
Nesta pesquisa utilizou-se abordagem qualitativa, pela finalidade
exploratória. Outros instrumentos metodológicos utilizados foram questionários,
entrevistas formais e não formais e observação não participante, além da
participação efetiva como educador na escola selecionada como objeto. Utilizou-
se como estratégia de investigação a reflexão sobre o componente curricular
“Formação Cidadã” como ferramenta de superação do monoculturalismo na
Escola de Fronteira, por meio de coleta de informações em entrevista,
documentação e observação direta. A análise da pesquisa deu-se por meio das
técnicas de análise de conteúdo.
Segundo Martins e Theóphilo (2007), a metodologia trata de como se
pode alcançar e captar a realidade em função da ciência. É também o
aperfeiçoamento dos procedimentos e critérios utilizados na pesquisa com a
finalidade de se chegar a um determinado objetivo.
Para Creswell (2010), a seleção do projeto de pesquisa, ou abordagem
da pesquisa, é baseada na natureza do problema ou na questão de pesquisa
que está sendo tratada, nas experiências pessoais dos pesquisadores e no
público ao qual o estudo se dirige.
Neste trabalho, o pressuposto filosófico e os significados são construídos
e extraem-se sentidos baseados em perspectivas históricas e sociais procurando
entender o contexto ou o cenário dos participantes, evidenciando o caráter
qualitativo da pesquisa.
O primeiro estágio constituiu-se na revisão bibliográfica que permitisse a
organização e depuração das questões referentes ao tema da Multiculturalidade
nas Escolas de Fronteira. E, com isso, a busca de ferramentas que fizessem que
da análise surgisse proposta de intervenção para a solução do problema
evidenciado. A partir de então passou-se a confrontar as informações e
conhecimentos desenvolvidos durante as aulas do Programa de Mestrado em
Estudos Fronteiriços (MEF). Com as orientações ad hoc, pôde-se desvelar as
50
indagações que se tornaram pertinentes para o estudo em questão, ligando os
anseios de pesquisa com a realidade do autor da pesquisa e as problemáticas
necessárias de reflexão de acordo com a realidade da escola.
Foram selecionados, para a pesquisa, cerca de 31 educadores, usando-
se como critérios:
a. Serem professores nos componentes curriculares da Base
Diversificada;
b. Terem participado do encontro Formativo em Serviço, promovido pela
Semed no ano de 2015 para os educadores da Base Diversificada;
c. Pertencerem a uma escola da zona urbana, da zona rural ou da escola
das Águas28;
d. Serem professores contratados ou efetivos, atuantes em sala de aula,
em uma das escolas da REME.
Os questionários (nos Anexos) foram aplicados nos meses de julho e
agosto de 2015. Todos os entrevistados foram notificados de que era uma coleta
de dados para o Programa de Mestrado em Estudos Fronteiriços da UFMS, no
campus Pantanal.
O questionário é constituído por 23 questões, sendo 6 objetivas de
múltipla escolha e, as demais, com respostas descritivas, mesmo que algumas
com a primeira parte da resposta necessitando da marcação de uma opção,
como “sim” ou “não”, mas com necessidade de complemento (“Por quê?”).
Todas as questões foram propostas com a intenção de que o problema
em questão pudesse ser constituído de forma mais ampla possível, e que as
respostas permitissem a análise realista para a qualidade das conclusões. Tais
escolhas passaram por testes anteriores, já que um primeiro questionário foi
elaborado, inicialmente, com 13 questões pedindo respostas descritivas sobre o
tema Escola de Fronteira, e aplicado a um número reduzido de 5 professores,
sendo 2 que atendiam a todos os quatro critérios elencados anteriormente, 2
estudantes do programa do MEF, e 1 professor da REME escolhido
aleatoriamente. O teste com esse grupo objetivava evidenciar possíveis lacunas
nas perguntas que poderiam inviabilizar as informações necessárias para os
28 Escolas das Águas são as escolas que atendem à população ribeirinha e se localizam no Alto Pantanal. Foi garantido ao menos um representante que atendesse a esse critério.
51
objetivos da pesquisa. Após análise das respostas recolhidas, o questionário foi
ampliado para 23 questões, indicadas para a pesquisa.
A segunda versão do questionário havia sido utilizada para levantamento
de dados para o artigo intitulado “Territorialidade Cultural em Escola de
Fronteira”, apresentado durante o V Seminário de Estudos Fronteiriços. Tal
pesquisa aconteceu na Escola Municipal CAIC Padre Ernesto Sassida, nos
meses de setembro e outubro de 2014. Interessante ressaltar que, na
apresentação dos resultados da pesquisa na referida escola, houve algumas
arguições de outros pesquisadores, em especial com temas de pesquisas
semelhantes, como o caso de duas doutorandas que estudavam a realidade de
uma escola de fronteira situada no estado de Rondônia, com estudantes
bolivianos (de Guayaramerín) e brasileiros (de Guajará-Mirim), o que trouxe
benefícios à pesquisa ora apresentada.
Após a testagem do questionário, houve remodelações para melhor
adequação, até se chegar à versão final, que é fruto, assim, de várias
interferências para que a pesquisa pudesse ser constituída de maneira a
satisfazer os objetivos reais com qualidade, a fim de contribuir para o processo
de ensino, aprendizagem e pesquisa da ciência.
Antes mesmo do processo de pesquisa, foi necessária a formação dos
arcabouços para ela com os assuntos próprios do MEF, como o caso dos
conceitos basilares de fronteira e fronteira. Esse período trouxe mais clareza
quanto aos desafios de uma pesquisa e melhor delimitação dos projetos da
pesquisa que ora são apresentados.
Também foram aplicadas entrevistas não estruturadas com educadores,
em especial, líderes de equipes que desenvolvem ações formativas com
educadores das escolas de fronteira. Que foram gravadas e transcritas. Ao todo
foram realizadas 10 entrevistas, sendo 03 professores que atuam em sala de
aula, 01 coordenadora pedagógica, 02 líderes de equipes de órgãos
governamentais e que atuam na área da educação formal, 01 professora do
ensino superior coordenadora do PEIF e 03 educadores que lecionam Formação
Cidadã na rede Municipal de ensino.
52
3. Resultados a partir da Pesquisa
3.1. Características e Identidade de uma Escola de Fronteira
Para desenvolver o objetivo desta pesquisa se faz necessária uma breve
contextualização do que se pretende com a discussão sobre a identidade da
Escola de Fronteira.
Este estudo realiza recorte em universo fronteiriço presente no extremo
oeste brasileiro, no estado de Mato Grosso do Sul, mais precisamente na cidade
de Corumbá, local de grande miscigenação cultural e étnica, intenso fluxo
comercial internacional, cuja primeira denominação foi de Arraial de Nossa
Senhora da Conceição de Albuquerque – tem o ano de 1778 como marco de
fundação, para conter o avanço dos espanhóis, pela fronteira brasileira, em
busca de ouro.
Corumbá dista 419 km de Campo Grande, capital do Estado. Separa-se
da Bolívia por fronteira seca e, do Paraguai, pelo rio homônimo, que margeia o
município.
Durante a Guerra do Paraguai (1864-1870), Corumbá foi invadida,
ocupada e destruída por tropas de Solano Lopez, sendo que sua reconstrução
somente foi possível após o término do conflito, e tendo um impulso em seu
desenvolvimento com a chegada, à época, de inúmeros imigrantes europeus e
de outros países sul-americanos.
Devido à sua localização fronteiriça, até a década de 1950 os rios
Paraguai, Paraná e Prata eram os únicos meios de integração da região, fazendo
com que a cidade absorvesse grande parte dos costumes, hábitos e linguagem
dos países da Bacia do Prata.
Segundo o IBGE (2010)29, o município de Corumbá tem uma população
estimada de 103.703 habitantes, num território de 64.962,720 km², um dos
maiores do Brasil. Sua área urbana, hoje, se caracteriza por grande número de
imigrantes provindos de diversas nacionalidades, como libaneses, árabes,
bolivianos, argentinos, paraguaios, entre outros, o que a torna uma cidade
amplamente marcada pela miscigenação étnica e cultural.
29 Disponível em: http://www.cidades.ibge.gov.br/ >. Acesso em: 25 jul. 2015.
53
Figura 7. Imagem de Corumbá e região. Retirado do sítio <https://projetorondonportomurtinho.wordpress.com/2011/07/19/estamos-chegando/>. Acesso em: julho de 2015
A Escola de Fronteira adquire identidade e características próprias que
podem ser evidenciadas quando comparadas e analisadas frente a outras
instituições educacionais de outras localidades. São diferenças não no cerne de
sua qualidade enquanto instituição educacional, mas têm a ver com a cultura
que a forma e se desenvolve ao seu redor, ou seja, estão ligadas à sua realidade.
A Escola de Fronteira é aqui entendida como toda instituição de ensino
formal que se localiza na região de fronteira, mas que, ao mesmo tempo, se
aprimora, conceitualmente, na Escola Básica, já que este segmento da
educação formal brasileira tem a prerrogativa de proporcionar ao estudante
conhecimento essencial para a vida.
54
Ter a intenção de explicitar o que seria uma Escola de Fronteira, ou
melhor, qual a sua identidade não é ter o ímpeto cartesiano de conceituação,
mas seria um balizamento necessário para melhor qualidade da compreensão.
O passo pioneiro, neste texto, trata de caracterizar a identidade da Escola
de Fronteira, o que se traduz além da conceituação, mas na explicitação das
características marcantes e próprias dessa vivência social e humana na faixa de
fronteira. Tal exercício é exigente, já que
[...] um elemento complicador é que as identidades individuais são também sociais e históricas, uma vez que os sujeitos são constitucionalmente culturais, não existindo sem estarem imersos na cultura ou sem uma função simbólica. (NOLASCO; GUERRA, apud AMIN; GUERRA , 2010, p.171).
O estudo sobre a identidade se desenvolve em diversas ciências, como
na Psicologia, na Filosofia e na Sociologia, o que enriquece, sobremaneira, essa
compreensão. A fonte de tal pluralidade de estudo exige também precaução,
como alertam Nolasco e Guerra (2010):
Claude Lévi-Strauss (2003, p.16) classifica a identidade como uma categoria abstrata, mas imprescindível como norteadora de parâmetros. Deste modo, a identidade não possui referente empírico porque não tem uma referência verificável cientificamente. Por isso que fatores como cor da pele e sexo não são satisfatórios para construir a identidade. Para Lévi-Strauss o homem é formado por duas categorias distintas, mas ambas necessárias para se tornar o indivíduo completo: natureza e sociedade. [...] Portanto, na interação entre natureza e sociedade, encontramos a cultura que surge para realizar uma síntese na relação natureza e sociedade. (NOLASCO & GUERRA, 2010, p. 98-99).
Com isso, compreender que não se pode perceber a identidade apenas
pelos aspectos materiais, mas que há, segundo Lévi-Strauss, o que é imaterial,
desenvolvido a partir de relações plurais que as pessoas realizam e
desenvolvem ao seu redor, em especial, em sua natureza e na sociedade,
justificaria a necessidade de amplitude da análise, em especial no uso de
ferramentas epistemológicas como a Filosofia, a Sociologia e a Psicologia.
Além do mais, identificar é também manter uma posição relacional com
outro, como apresenta Silva (2000):
Afirmar a identidade significa demarcar fronteiras, significa fazer distinções entre o que fica dentro e o que fica fora. A identidade está sempre ligada a uma forte separação entre "nós" e "eles". Essa demarcação de fronteiras, essa separação e distinção, supõem e, ao mesmo tempo, afirmam e reafirmam relações de poder. "Nós" e "eles" não são, neste caso, simples distinções gramaticais. Os pronomes "nós" e "eles" não são, aqui, simples categorias gramaticais, mas
55
evidentes indicadores de posições-de-sujeito fortemente marca das por relações de poder. (SILVA, 2000, p.82).
Em 2014, por meio da Portaria nº. 125 do Governo Federal, de 21 de
março de 201430, o Ministério da Integração classificou Corumbá-MS e Arroyo
Concepción/Puerto Quijarro (Bolívia) como cidades gêmeas, pelas sintonias
existentes entre elas. Segundo a Portaria essa sintonia acontece por:
Art. 1º - Serão considerados cidades-gêmeas os municípios cortados pela linha de fronteira, seja essa seca ou fluvial, articulada ou não por obra de infraestrutura, que apresentem grande potencial de integração econômica e cultural, podendo ou não apresentar uma conurbação ou semiconurbação com uma localidade do país vizinho, assim como manifestações "condensadas" dos problemas característicos da fronteira, que aí adquirem maior densidade, com efeitos diretos sobre o desenvolvimento regional e a cidadania.
Art. 2º - Não serão consideradas cidades-gêmeas aquelas que apresentem, individualmente, população inferior a 2.000 (dois mil) habitantes (D.O.U. de 24/03/2014 nº. 56, Seção 1, p. 45).
Tal classificação permite e disponibiliza mais incentivos políticos e
financeiros que visam ao desenvolvimento social do território, tais como:
intercâmbio formal de pessoas e bens de consumo, trânsito de pessoas
habitantes da região, formalização e legalização de relações comerciais entre as
cidades, dentre outros. Atualmente há, no Brasil, 28 cidades destacadas como
gêmeas31.
A relação próxima entre as cidades não depende da existência da
Portaria, já que, há décadas, a vida da região se incumbiu de criar importância e
identidade, e uma dessas relações desenvolve e marca a identidade do núcleo
desta pesquisa, ou seja, na educação formal desenvolvida na escola.
Com isso, entender o que é identidade é um dos requisitos necessários
para compreender as relações que a Escola de Fronteira abriga e que dão
motivos para esta pesquisa. Compreender os aspectos envolvidos é algo que
contribuirá para a discussão, com a cultura e seu espaço de atuação.
3.1.1 A Escola de Fronteira EMEI Tilma Fernandes Veiga
Nas Escolas de Fronteira o conhecimento da realidade da cultura local
deve ser imperativo para acolher idiossincrasias atraídas para o interior da
30 Publicado no Diário Oficial da União nº. 56, de 14 de março de 2014. 31 Disponível em: <http://educacaointegral.mec.gov.br/escolas-de-fronteira>. Acesso em: 28 de fev. 2016.
56
escola, por isso a atualização antropológica, a necessidade de estudo em equipe
e em rede, com intercâmbio entre educadores e instituições que atuam na faixa
de fronteira. A realidade local precisa ser vivenciada em sala de aula, não apenas
como ilustrações de conhecimentos, mas especialmente como caminhos de
superação de afastamento entre as culturas.
A Escola Municipal Experimental de Educação Integral Professora Tilma
Fernandes Veiga (EMEI-TFV) e o Centro de Educação Infantil Parteira Valódia
Serra formam uma unidade integrada, criada em 7 de outubro de 1977 por meio
do Decreto nº. 162 da Prefeitura Municipal de Corumbá. Essa unidade integrada
oferece Educação Infantil e Ensino Fundamental de nove anos, e é mantida pela
Prefeitura Municipal de Corumbá e pela Sociedade Civil. Em 15 de dezembro de
2011 o Decreto nº. 1.001 integralizou o ensino ofertado na escola, permitindo
que hoje os 376 alunos32 contem com rotina de estudos de 8 horas diárias.
O bairro Cervejaria é a continuidade do Porto Geral de Corumbá, sentido
Bolívia, e é cercado pelos bairros Artur Marinho e Dom Bosco e delimitado pelo
Rio Paraguai. É formado por famílias de baixa renda e com construções,
predominantemente, na encosta de pequenos morros na margem do Rio
Paraguai. Contiguo à escola está o Ecoparque da Cacimba da Saúde, onde boa
parte da comunidade usufrui de uma piscina pública com água natural. O mesmo
local abriga a descoberta do fóssil do ser vivo mais antigo do mundo,
descobertos nos tempos atuais, o Corumbela33.
A escola fica a menos de 2 km da parte central da cidade, recebe água
encanada, possui rede de esgotamento sanitário e também utiliza fossa
sanitária; sua rede elétrica foi ampliada no ano de 2014 para receber os
condicionadores de ar do Projeto Bons Ventos, que a aclimatizou. De suas
dependências se observa o rio Paraguai, distante 300 metros, na abertura do
canal do Tamengo, e a escola é toda murada. O Centro de Educação Infantil
passou por reformas de dezembro de 2014 a setembro de 2015, com prioridades
32 Dados de 2014, retirado do site <http://www.qedu.org.br/escola/258635-emef-tilma-fernandes-veiga-e-creche-municipal-valodia-serra/censo-escolar?year=2014&dependence=0&localization=0&education_stage=0&item=>. Acesso em: set. 2015. 33 O Corumbella werneri trata-se de uma alga marinha encontrada sob a forma de fóssil na cidade de
Corumbá no início da década de 1980 por pesquisadores da Universidade de Brasília, e é apontado como sendo o fóssil de ser vivo mais antigo da Terra. Estimam que a data de sua existência seja de 550 milhões de anos.
57
na requalificação estrutural do telhado, na pintura e nas dependências para
alimentação dos estudantes.
A Unidade Educativa é inscrita no programa “Mais Educação” do Governo
Federal, que tem como prioridade a expansão das habilidades dos estudantes
por meio de atividades educacionais complementares, na maioria das vezes por
meio da prática esportiva ou artística34. Além desse programa, a escola ainda
está inscrita no Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), no Programa
Dinheiro Direto na Escola (PDDE) e no Programa Mais Cultura.
Juntas, a Escola e o Centro Municipal de Educação Infantil contam com
uma equipe de 28 Professores, 13 Agentes de Serviços Institucionais, 4
Monitores, 1 Secretário, 1 Auxiliar de Secretaria, 4 professoras-coordenadoras
pedagógicas e 1 professor na função de diretor-geral.
O nome da escola é uma homenagem à educadora Tilma Fernandes Veiga, que
foi professora do Curso de Admissão de Corumbá, exerceu a cadeira de História
e Geografia do Brasil, cargo que assumiu até ser designada subdiretora em
1969. Depois foi nomeada coordenadora do Centro Educacional “Júlia
Gonçalves Passarinho”. Seu falecimento ocorreu em 15 de novembro de 1973,
decorrente de complicações da saúde após um acidente automobilístico. Há
diversos parentes que registram a personalidade forte e exigente da professora
Tilma. Há sempre boas histórias contadas aos estudantes sobre a dedicação da
professora nas escolas em que atuou35.
Nos anos de 2014 e 2015, a escola atendeu à sua clientela oferecendo 14
salas de aula, uma biblioteca, um laboratório de tecnologia, um laboratório
equipado para experimentos de ciências, uma sala para os professores, um
espaço para atendimento da coordenação pedagógica, a secretaria e a sala da
direção-geral. Os estudantes podem usufruir, ainda, de uma quadra poliesportiva
coberta, amplo pátio, palco elevado, sala de Atendimento Educacional
Especializado (AEE), cozinha, refeitório e área de lazer com parquinho para a
Educação Infantil. Há, em suas dependências, dois banheiros masculinos, dois
femininos e dois infantis, para o uso dos estudantes, e dois banheiros para uso
dos professores e demais colaboradores.
34 Cerca de 60% das atividades do “Mais Educação” é na área esportiva, segundo a técnica responsável pelo programa em Mato Grosso do Sul, em repasse de informações no III Seminário de Educação Integral promovido pela UFMS em 11 de abril de 2015. 35 Dados obtidos na secretaria da Escola Tilma Fernandes Veiga
58
No laboratório de tecnologia são disponibilizados 19 computadores
conectados à internet de banda larga para uso das aulas planejadas pelos
educadores. Para o uso das atividades educacionais há um projetor muitas
vezes usados para apresentação de filmes e animações, de acordo com o
planejamento de aula.
Ao que se percebe, a escola apresenta boas instalações para a atuação
educativa, em especial se for comparada com os espaços de outras unidades
educativas da REME, mesmo que se perceba a necessidade de acuidade nos
reparos gerais da pintura e iluminação nos ambientes internos, além da
necessidade de limpeza frequente do amplo pátio, que não é cimentado. Ainda
sobre a estrutura, a escola tem acessibilidade para pessoas com mobilidade
reduzida.
No que refere aos dados apresentados pelos órgãos oficiais do governo,
em particular o INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa), a escola está
com nível elevado nos principais índices. O que mais se destaca é o número de
aprovação, que é de 95,9%36 para as séries iniciais e de 92%37 para as séries
finais. Tais índices são bem vistos principalmente porque houve evolução dos
números anteriores, em especial do ano de 2011, quando a escola ainda não era
de Educação Integral. Nesse ano, os índices de aprovação para a séries iniciais
eram de 69,5%, e para as séries finais, 69,7%.
Quando se propôs a modalidade da Educação Integral na Escola Tilma
Fernandes Veiga, o principal problema a ser solucionado era a qualificação do
ensino, o que significava, também, a diminuição das reprovações e da distorção
idade-série38. Em 2011, a distorção era de 40% em média; já em 2014 esse
índice caiu para 27%. Uma das principais consequências da distorção idade-
série é o baixo desempenho dos estudantes em atraso escolar quando
comparados aos estudantes regulares, o que pode ser evidenciado pelos
resultados inferiores aos esperados nas avaliações nacionais do Ensino
Fundamental. Há casos em que a situação sociocultural propicia essa distorção,
36 Disponível em: <http://www.qedu.org.br/escola/258635-emef-tilma-fernandes-veiga-e-creche-municipal-valodia-serra/taxas-rendimento>. Acesso em: set. 2015. Os dados completos estão apresentados nos anexos (Anexo 3). 37 Idem. 38 É a distorção ou defasagem em 2 ou mais anos entre a idade recomendada para a série e a idade do estudante, tomando como base a Lei Federal nº. 9.394, de 1996, ajustada pela Emenda Constitucional nº. 59, de 11 de novembro de 2009, que indica que o início da vida escolar obrigatória é aos 5 anos, no ingresso no primeiro ano do ensino fundamental.
59
como o estudante que se evade da escola para inserir-se, precocemente, no
mundo do trabalho, e depois retorna, ou ainda, sucede reprovações.
No mesmo quadro de dados, a escola recebeu o alerta para a única turma
de 7º. Ano, que teve índice de reprovação acima de 15%39, o maior da escola,
em 2014. Houve um processo de intervenção pedagógica para que esses
estudantes não fossem levados a abandonar a escolar e passassem a ser
contingenciados no grupo de distorção idade-série. Foram realizadas conversas
com os responsáveis e com os estudantes, e destacadas algumas ações de
acompanhamento especial para com eles, como a necessidade de elevação da
média já no primeiro bimestre para aqueles que permaneceram na mesma
escola.
O principal índice para as escolas brasileiras tem sido o Ideb (Índice de
Desenvolvimento da Educação Básica). É um índice recente, criado pelo MEC
em 2007 e, segundo o site do INEP, oferece cruzamento dos principais índices
da educação brasileira e de exigências internacionais:
[...] representa a iniciativa pioneira de reunir em um só indicador dois conceitos igualmente importantes para a qualidade da educação: fluxo escolar e médias de desempenho nas avaliações. Ele agrega ao enfoque pedagógico dos resultados das avaliações em larga escala do Inep a possibilidade de resultados sintéticos, facilmente assimiláveis, e que permitem traçar metas de qualidade educacional para os sistemas. O indicador é calculado a partir dos dados sobre aprovação escolar, obtidos no Censo Escolar, e médias de desempenho nas avaliações do Inep, o Saeb – para as unidades da federação e para o país, e a Prova Brasil – para os municípios (INEP).40
No caso da EMEI TFV, o Ideb teve grande alta. Em 2011, projetava-se um
Ideb de 3,1, mas a escola obteve 2,7. Já em 2013, ano de apresentação dos
números, a meta era 3,3, e foi mais elevado, chegando a 4,1. O resultado
evidenciou a escola, especialmente por ter sido um dos maiores níveis de toda
REME.
No entanto, um ponto fundamental de conhecimento e reflexão é a
identidade de Escola de Fronteira da EMEI Tilma Fernandes Veiga. Há casos de
estudantes bolivianos matriculados. A maioria são pendulares, pois residem no
país vizinho e, por motivo de trabalho dos pais, passam o dia na escola. Mas a
39 Conferir Anexo 3. 40 Disponível em: <http://portal.inep.gov.br/web/portal-ideb/o-que-e-o-ideb>. Acesso em: jan. 2016.
60
situação é ampla, pois nos dados oficiais não se comprova a realidade
observada. Em 2014, apenas uma estudante com a documentação boliviana se
matriculou na escola, permanecendo apenas naquele ano. No ano seguinte, uma
família boliviana, com os filhos nascidos no Brasil, trouxe para a escola dois
estudantes da educação infantil. O mais caçula, do nível 2 da Educação Infantil,
falava muito pouco o português. O que se observa é que, mesmo residindo na
Bolívia, ou sendo filhos de pais bolivianos, as crianças são brasileiras sob o
aspecto oficial, mas mantêm suas expressões culturais típicas, como o idioma.
Nesse contexto, era interessante observar que o estudante em questão,
estava na fase da alfabetização, que era feita em português, mas sem interface
de diálogo cultural, como se espera numa escola multicultural.
Na EMEI-TFV optou-se não pelo estudo de espanhol como língua
estrangeira moderna, cuja escolha é facultada à comunidade escolar, mas as
aulas são de inglês. Talvez não apenas pela necessidade da atual clientela, mas
também como estratégia de controle e atrativo para novos estudantes, ou seja,
inibiria o aumento de estudantes “bolivianos”.
A rotina escolar na EMEI-TFV consistia em 8 aulas diárias, com duração
de 60 minutos cada. O início era às 7h da manhã, com o café-da-manhã servido
aos estudantes por volta das 8h, almoço a partir das 11h, e o lanche por volta
das 14h, com o encerramento das aulas às 15 horas. Desde o 2º. semestre de
2013, a rotina escolar passou a experimentar algumas ações para que as aulas
não fossem apenas marcadas pela expansão do tempo. O corpo docente propôs
o uso de certos horários de aula como oficinas temáticas. Foi elaborado um
anteprojeto, que foi apresentado à Gestão Escolar e, posteriormente, à
Secretaria Municipal de Educação. O projeto foi posto em prática no 2º.
semestre de 2014, com algumas mudanças. As oficinas eram diárias, aplicadas
em duas aulas (entre às 11 e às 13 horas). Consistiam na utilização de
metodologias que dinamizassem as aulas, como uso de mídias, jogos, outros
ambientes educativos, filmes, animações, entre outros meios. Os conteúdos
eram todos ligados ao currículo escolar, mas que sofriam alterações didáticas
pelos educadores para que proporcionassem maior interação aos estudantes.
Inicialmente as divisões das turmas originais foram alteradas para as
atividades durante as oficinas, criando classes multisseriadas e, depois, no ano
seguinte, organizou-se com junção de apenas duas turmas para que um
61
educador desenvolvesse sua oficina. Com essa metodologia, a escola encontrou
alternativa para oferecer um intervalo aos educadores, criando dois períodos de
aulas. O intervalo era de 60 minutos diários, entre 11 e 13 horas, alternados
conforme escala gerada pela coordenação pedagógica. Nesse momento, o
professor poderia sair ou não da escola para seu intervalo, desde que seguisse
o prazo máximo estabelecido.
A dinâmica foi bem recebida pelos estudantes e docentes, se for levado
em conta a produtividades de material como artesanato, desenhos, enfeites,
exercícios de reflexão, entre outros. As aulas tiveram mais dinamismo
metodológico, o que trazia mais prazer ao ensino, com boa participação dos
estudantes que tinham a oportunidade de nova rotina em seus estudos. Os
temas das oficinas mudavam de acordo com o planejamento dos educadores e
traziam interação com os assuntos aprofundados nos demais momentos de
estudos, assim como nos livros didáticos utilizados na escola.
Os educadores escolhiam os temas trabalhados nas Oficinas, em especial
em sintonia com os acontecimentos de massa e datas comemorativas mais
tocantes à realidade dos estudantes (Copa do Mundo, Dia do Folclore Brasileiro,
Dia da Consciência Negra, Festa do Banho de São João, etc.). Geralmente o
tema era geral para todas as oficinas, mas era aplicada uma metodologia
diferente para cada grupo: filmes, animações, jogos, dinâmicas, produções de
cartazes e enfeites, entre outros.
Essas oficinas são espaços privilegiados para o aprimoramento
metodológico, mas também poderiam ser espaços para o aprofundamento e
desencadeamento da multiculturalidade e vivências culturais típicas da região de
fronteira. Um bom exemplo a se destacar foi quando a escola propôs a criação
de um projeto para celebração da data conhecida como “Halloween”. Foram
feitas pesquisas sobre a origem do evento, aprofundando-se em sua história, as
relações com a cultura anglo-saxônica, e aproveitou-se esse ‘link’ para o estudo
da língua inglesa. Realmente foi uma grande atividade educativa, com resultados
muito aprofundados em termos de conhecimento geral, mas situações muito
mais conhecidas e da realidade local nem sequer foram aproveitadas, inclusive
se poderia afirmar que foram abafadas, como a que se refere à tradição
corumbaense de celebrar o dia de São Cosme e Damião.
62
No dia 27 de setembro uma leva de crianças e adultos percorrem vários
pontos da cidade recebendo balas, biscoitos e iguarias de caramelos, fazendo
com que ações como ir à escola sejam deixadas para outro momento, por
exemplo. A celebração envolve muitos segmentos da sociedade. Por ser uma
festa inicialmente religiosa, tem bom apreço pelas pessoas mais tradicionais em
Corumbá e Ladário. No entanto, há novas identidades inseridas. A primeira é o
dia da grande celebração: para a Igreja Católica a data litúrgica é o dia 26, mas
para as pessoas que distribuem os doces e guloseimas é no dia 27. Há quem
afirme que é o dia concelebrado pelas religiões de origem africanas. Essa ideia
se junta ao fato de ser uma festa religiosa católica, e gera conflito com
comunidades cristãs evangélicas que são resistentes aos aspectos angiológicos
canonizados pela Igreja Católica.
Esse é um ponto que poderia ter sido bem estudado numa escola
multicultural. O espaço formal de educação não é propício para a vivência
religiosa confessional, mas a reflexões culturais e antropológicas são
densamente carregadas de conteúdos educativos, que podem ser evidenciados
nas atividades escolares, assim como foi feito no “Projeto Halloween” da escola.
A ideia não é substituir um pelo outro, mas perceber que o foco não envolve a
realidade sociocultural em que a Unidade Escolar está mais inserida.
Esse é um exemplo que se pode destacar para a inserção educacional na
realidade cultural e social. E esse realce se torna mais explícito se for levado em
conta que a principal situação é que se trata de uma escola de Educação Integral
localizada em uma Faixa de Fronteira, ou seja, a identidade cultural é ainda mais
evidente por causa dos encontros culturais plurais em toda a região.
3.2. O Projeto Escolas Interculturais de Fronteira em Corumbá
Na cultura, há formas particulares para as relações humanas, ou seja, há
realidades que necessitam de adaptações, e assim também acontece com as
escolas de fronteira. Nelas, a realidade desperta a necessidade de ações em
âmbito nacional, continental ou em blocos de países. Um exemplo dessas ações
é o projeto Escola Intercultural de Fronteira (PEIF), um projeto federal, do
Ministério da Educação do Brasil (MEC).
63
Originário da relação bilateral entre Brasil e Argentina, o PEIF propõe criar
intercâmbio e relações culturais que visam à expansão da fronteira, à troca de
experiências, ao aprendizado de novas línguas e à integração41. O documento
de criação do PEIF foi expedido pelo Ministério da Educação, por meio da
Portaria nº. 798, de 19 de junho de 201242, e tem como objetivo o
desenvolvimento educacional e social da região fronteiriça, o que vai ao encontro
das relações estabelecidas no Mercosul e com os países que fazem fronteira
com o Brasil. Atualmente o projeto foi expandido para outras regiões fronteiriças
do Brasil, como o caso da Bolívia e do Paraguai.
O PEIF utiliza o método de ensino por Projetos de Atividades43, que
consiste num avanço na metodologia regular de ensino. Originária no
construtivismo44, a principal intenção desse método é direcionar o estudante a
questionar um fato e criticá-lo ao ponto de propor e realizar ações que alcancem
soluções eficientes. A diferença é que as soluções se originam da ótica do
estudante e nas pessoas dos órgãos de gestão (FAGUNDES, 2006, p.19). Uma
realidade ainda em construção para e na cidade de Corumbá.
Há, em Corumbá, três escolas participantes45, até o ano de 2015, do PEIF,
e, na Bolívia, participaram dez escolas46. O Projeto consiste em encontros
periódicos com os professores dos dois países, para estudos e trocas de
experiências, após a composição do currículo formativo que atenda à realidade
de sua implantação. O PEIF47, em Corumbá, é coordenado pelo Curso de Letras
da UFMS. Em 2014 havia, inicialmente, 100 vagas destinadas para professores
41Cf.<http://portal.mec.gov.br/index.php?Itemid=836&id=12586&option=com_content&view=article>.
Acesso em: 25 jan. 2014. 42Cf. <http://educacaointegral.mec.gov.br/images/pdf/port_798_19062012.pdf>. Acesso em: 25 jan. 2014. 43 Idem. 44 Construtivismo “é uma posição [pedagógica] compartilhada por tendências de pesquisa psicológica e educativa com foco em como a inteligência é construída”. Cf. Revista Nova Escola - Agosto de 2015, p.22. Tem sua base teórica nos estudos de Jean Piaget, Vygotsky e Wallon. O programa do construtivismo valoriza o estudante e sua participação no processo de ensino-aprendizagem. 45 Sendo: Escola Municipal Rural Polo Eutrópia Gomes Pedroso, Escola Municipal Centro de Atendimento Integral à Criança - CAIC Padre Ernesto Sassida, e Escola Municipal José de Souza Damy. 46 Relatório Final de Curso de Formação Continuada - Programa Escolas Interculturais de Fronteira Brasil-Bolívia e Brasil-Paraguai, 2014, sob a coordenação da professora dra. Lucilene Machado Garcia Arf (UFMS-CPAN). 47 Há boas referências de informações sobre o PEIF em Corumbá em BUMLAI, D. U. M. Ações interculturais nas Escolas de Fronteiras: integração e preservação da identidade. 2015. Dissertação. (Mestrado em Estudos Fronteiriços). Fundação Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campus Pantanal. Corumbá, 2015.
64
de Corumbá e outras 30 para professores da cidade de Bela Vista MS48, mas o
curso conseguiu um número de inscrição maior e concluiu com 111 educadores.
Na Bolívia, o número foi expressivo, mas com a particularidade de que
havia apenas um ônibus particular, alugado pelos professores, com 44 lugares
para fazer o transporte, o que impunha um revezamento na participação desses
professores (como pode ser observado no gráfico).
Figura 8. Dados do Relatório Final do Curso de Formação Continuada - Programa Escolas
Interculturais de Fronteira Brasil-Bolívia e Brasil-Paraguai, 2014.
As escolas da região fronteiriça, segundo o PEIF, são consideradas
gêmeas, já que, embora pertençam a territórios com soberania nacional
diferente, mantêm ligações peculiares devido à aproximação física e aos
intercâmbios culturais, sociais e políticos impulsionados pela realidade
fronteiriça.
O curso completo tem duração de um ano, com aulas duas vezes por
semana, num total de 160 horas. Além das aulas formativas, os professores
realizaram o Cruce49, que consiste de um estágio para que os professores
experimentem uma realidade diferente, pois os profissionais bolivianos cumprem
uma jornada de aulas em escolas brasileiras e vice-versa. O objetivo é que
docentes e discentes (que também participam da visita à escola-gêmea) possam
48 Em Corumbá, a organização do PEIF ficou ao encargo da UFMS, que também o estendeu para a região de Bela Vista MS, distante 478 km de Corumbá e que faz fronteira com o Paraguai, com a cidade homônima. Com isso houve formação para os educadores, naquela cidade. 49 Do espanhol se pode traduzir a palavra “cruce” para cruzamento ou entroncamento, segundo o Dicionário Michaelis. Acessado em www.michaelis.oul.com.br em jan de 2016
Escolas de Corumbá-MS
33%
Escolas em Bela Vista-MS
5%
Escolas na Bolivia56%
Escolas no Paraguai
6%
PEIF em Corumbá
Escolas de Corumbá
Escolas em Bela Vista
Escolas na Bolivia
Escolas no Paraguai
65
atuar e expandir o conhecimento cultural, que é o objetivo da atividade do Cruce.
Em 2014, o PEIF realizou 4 Cruces entre as escolas Eutrópia Gomes Pedroso
(Brasil) e a Unidade Educativa La Frontera (Bolívia).
Em Corumbá, o Cruce foi realizado na escola Eutrópia Gomes Pedroso,
cuja localização é na zona rural de Corumbá, próxima fisicamente da linha
limítrofe entre Brasil e Bolívia. Todos os professores dessa escola participaram,
organizando aulas cujos temas fossem culturais, com isso qualquer componente
curricular poderia ser aplicado em aula na cidade boliviana. A escola que
recebeu, na Bolívia, a atividade foi a La Frontera, que fica a poucos metros da
fronteira entre os dois países. De acordo com o programa do PEIF, a
metodologia é simples para que essa realidade aconteça: o professor faz a
proposta de organização de uma aula em país vizinho. Não há necessidade de
saber ou falar, durante essa atividade, a língua local, mas há uma preocupação
em se fazer entender, o que se pode fazer com um discurso pausado e auxílio
de outros educadores para traduzirem alguma ou outra expressão, à medida da
necessidade. Professores brasileiros deram aula para estudantes bolivianos e
os professores bolivianos deram aulas para estudantes brasileiros. E como
expressou a professora Lucilene Machado Arf, em entrevista concedida ao autor
dessa dissertação em 25.05.2016:
O Cruce tem um objetivo estritamente cultural, que é de compartilhar culturas, para que os estudantes daqui [do Brasil] vejam e conheçam a cultura boliviana, pois moramos aqui e não conhecemos os mitos, a história, as festas da Bolívia. E se ninguém não nos os apresenta, também não os vamos conhecer nunca.(ARF, 2016).
O desenvolvimento desse conhecimento não é algo ainda natural na
realidade da região fronteiriça em que se insere Corumbá. Para a realização
dessa etapa do PEIF em Corumbá, foi escolhida a literatura como temática, e
para isso foi realizada uma pesquisa entre os autores locais cujas obras
apresentassem algo em relação à fronteira. No entanto, foi dificultoso apresentar
em mais de 50 anos de silenciamento os autores brasileiros, da região, que
explorassem os elementos da fronteira em suas obras. Algo semelhante ocorre
na região boliviana pesquisada. A coordenadora do PEIF revela que durante as
aulas notou situações bem diversas da vivência da fronteira, como no caso da
fronteira entre Brasil e Paraguai, em Bela Vista, onde a convivência, a
miscigenação e interação é muito mais frequente. Inclusive há a presença do
66
“portunhol” (língua de contato) no cotidiano dessas cidades, fato pouco
observado em Corumbá e região. Na ausência dos elementos fronteiriços na
literatura local, o Cruce explorou a literatura pantaneira, rica na região, as
influências na economia, culinária, moda, as situações esportivas no futebol
brasileiro, que é conhecido na Bolívia (os times e os jogadores, em especial), as
expressões artísticas como artesanato, música e danças, entre outras.
Durante os Cruce foi observado uma grande interação entre educadores
e estudantes. Os professores brasileiros, por meio de relatórios, apresentaram
depoimentos sobre os fatos vividos na escola boliviana, como o respeito diante
do professor, o silêncio total durante a fala deste, o portar-se de pé à entrada da
aula, entre outros. Na escola brasileira, os professores bolivianos também
tiveram boa impressão, de acordo com as observações, já que despertavam a
atenção curiosa dos estudantes sobre as realidades culturais apresentadas.
Umas das ações do PEIF, além das aulas com os educadores das escolas
inscritas, é o acompanhamento semanal dos professores formadores, a maioria
da UFMS. Essa ação visa, ao observar a realidade das escolas, procurar trazer
os pontos mais importantes para o itinerário formativo do Programa.
O PEIF tem como base o tripé: a interculturalidade entre os países
participantes, a interação linguística e o próprio método de atuação que é a
pedagogia de projetos, que nada mais é que a ferramenta educacional escolhida
para a realidade das escolas.
Há uma vinculação entre as Escolas de Fronteira e as Escolas de
Educação Integral, de acordo com a proposta do MEC, a começar pela
apresentação do conceito para Escola de Fronteira aparecer no site do MEC
como subseção da Escola de Educação Integral.
Uma das regras para a escola brasileira se inscrever no PEIF é a
necessidade de, além de pertencer à Faixa de Fronteira, ser participante no
programa “Mais Educação”, do MEC. Este programa é, também, um dos meios
de constituição da escola em Tempo Integral e de Educação Integral, de acordo
com as diretrizes do governo federal.
A legislação que efetiva a criação da Escola Integral se realiza,
primeiramente, com a ampliação da jornada de aula, e isso pode acontecer por
meio da participação do “Mais Educação”.
67
É necessária a compreensão sobre a distinção entre Educação Integral
versus Escola em Tempo Integral, tomando as conceituações de Moll (2010) e
Cavaliere (2002). Começando com Moll (2010), para quem a Escola em Tempo
Integral significa:
[...] Em sentido restrito refere-se à organização escolar na qual o tempo de permanência dos estudantes se amplia para além do turno escolar, também denominada, em alguns países, como jornada escolar completa. Em sentido amplo, abrange o debate da educação integral – consideradas as necessidades formativas nos campos cognitivo, estético, ético, lúdico, físico-motor, espiritual, entre outros – no qual a categoria “tempo escolar” reveste-se de relevante significado tanto em relação a sua ampliação, quanto em relação à necessidade de sua reinvenção no cotidiano escolar. (MOLL, 2010, p. 78).
E para Cavaliere (2002), Educação Integral é um conceito oriundo das
ideias da escola novista:
O movimento reformador, do início do século XX, refletia a necessidade de se reencontrar a vocação da escola na sociedade urbana de massas, industrializada e democrática. De modo geral, para a corrente pedagógica escolanovista, a reformulação da escola esteve associada à valorização da atividade ou experiência em sua prática cotidiana. [...] Uma série de experiências educacionais escolanovistas desenvolvidas em várias partes do mundo, durante todo o século XX, tinham (sic) algumas das características básicas que poderiam ser consideradas constituidoras de uma concepção de escola de educação integral. (CAVALIERE, 2002. p. 251).
Educação integral é a adoção de uma perspectiva que verifica mais que
ações da Educação formal de sala de aula. Ela faz interconexão com outras
fontes de conhecimento, como a vida cotidiana, a vida relacional, espaços fora
dos muros da escola. Assim, uma educação integral pode ser aquela que se
aprende brincando, conversando, pescando, vivendo a cultura indígena, a
construção artística ou outros momentos que não apenas o escolar formal, pois
seu objetivo está na integralidade da pessoa, e não apenas nos seus aspectos
cognitivos.
No Brasil há uma expansão do número de escolas integrais, como se pode
observar na figura do território brasileiro apresentado no site do MEC sobre a
Educação Integral (http://educacaointegral.mec.gov.br).
68
Figura 9. Indicações da expansão das escolas de Educação Integral no Brasil50.
Uma das ações do PEIF é a formação em conjunto dos professores dos
dois países, colocando-os em intenso contato, o que permite a discussão e a
apresentação das realidades vivenciadas em suas escolas. Essa situação
permite ainda uma acurada reflexão para as gêneses das políticas públicas para
que qualifiquem ainda mais as relações e as atividades educacionais, a
compreensão e busca de soluções dos problemas limitadores na fronteira, pelo
menos no âmbito educacional. Se o objetivo da Escola Integral é a inserção
explícita do cotidiano social na prática educacional, e o PEIF vincula a realidade
fronteiriça ao conjunto de estudos da escola, esses dois programas, ao se
adicionarem, permitem com que o foco de abrangência da cultura seja ainda
mais ampliado e melhor explorado na escola.
Nesse contexto fronteiriço, a escola precisa se abrir para o diálogo criativo
com as diversas culturas que habitam seu espaço, reconhecendo diferenças,
ampliando o intercâmbio e descobrindo com isso novas soluções para os
desafios práticos. Isso se faz necessário para que a vida de cada pessoa seja,
50 Cf. <http://educacaointegral.mec.gov.br/videos-2>.Acesso em: 28 fev. 2016.
69
no ambiente escolar, mais próxima da realidade, já que, como se observa no
texto do MEC sobre a diversidade,
[...] O que caracteriza o universo escolar é a relação entre as culturas, relação essa atravessada por tensões e conflitos. Isso se acentua quando as culturas crítica, acadêmica, social e institucional, profundamente articuladas, tornam-se hegemônicas e tendem a ser absolutizadas (sic) em detrimento da cultura experiencial, que, por sua vez, possui profundas raízes socioculturais. (BRASIL, 2005, p. 43).
Essa preocupação com a educação na fronteira não pode permanecer
apenas em aspectos de conteúdos e práticas, como aula de idiomas51. A
fronteira é algo vivo em todas as pessoas, então conhecer a história, a cultura,
os aspectos idiossincráticos dos povos que constroem a história do lugar é
necessidade urgente, especialmente se for levado em conta o niilismo52 em que
a região e sua cultura foram condenadas a viver, pela falta de atuação política
de valorização da cultura local, quando o assunto é a Educação e sua vivência
da identidade fronteiriça.
Todos os atores da educação – sejam os pais, os estudantes, os gestores,
os docentes – precisam desenvolver essa reflexão e darem espaço a ela nas
aulas e demais atividades educacionais. A partir do PEIF a formação dos
docentes pode ser sensibilizada para se criar o olhar e dirigi-lo para a situação
real da fronteira e suas idiossincrasias, para se combater o preconceito que
ainda impera sobre a cultura boliviana e a dos povos dessa região, para
reformulação de programas de estudos em sala de aula que problematizem e
aprofundem a identidade fronteiriça e suas riquezas culturais e, ainda, para que
o senso comum que lidera algum matiz de opressão não tenha força para limitar
a vida social desse encontro cultural da e na fronteira.
Outro aspecto da região de fronteira que se pode analisar, no interior da
escola, são os chamados esquemas, que se desenvolvem em algumas relações
no ambiente social e que também podem ser observados na estrutura
educacional. Tais esquemas são advindos de situações que podem ser ilegais,
51 Cf. BUMLAI, D.U.M. Ações interculturais nas Escolas de Fronteiras: integração e preservação da identidade. 2015. Dissertação. (Mestrado em Estudos Fronteiriços). Fundação Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campus Pantanal. Corumbá, 2015 52 Niilismo está na perspectiva da filosofia de Nietzsche. É um termo que designa um fenômeno do final do
século XIX em contraponto à decadência do cristianismo, e significa, então, uma perda de ideal pelo desaparecimento de uma referência desejável e mobilizadora como era a religião, que se revela por uma atitude meramente contemplativa do mundo e pelo desalento.
70
por isso exigem segredo e discrição dos participantes. Segundo Costa (2014),
o esquema é conceituado como
Um procedimento de caráter regular, realizado de modo parcial ou totalmente ilegal por uma rede de pessoas, unidas por relações mútuas de confiança e segredo, na busca de apropriação de benefícios pessoais, lucro e/ou prestígio social. (COSTA, 2014, p 211).
Os esquemas, muitas vezes, camuflam mais que intervenções de caráter
legal, mas podem ser observados nas relações de estrutura na escola diante de
desafios que não podem ser evidenciados de modo explícito, como o preconceito
étnico ou o afastamento entre as pessoas que, mesmo originárias de culturas
diferentes, partilham o mesmo ambiente. O conceito originariamente
apresentado pelo autor se refere, particularmente, a situações ilegais tais como
a cópias de produtos sem autorização, mas que pode ser comparado à situação
que alguns grupos de estudantes bolivianos vivem nas escolas brasileiras. Eles
não expressam de maneira clara as formas de preconceitos ligados à
nacionalidade.
Os estudantes de origem boliviana, mesmo falando, em sua casa, uma
das línguas maternas da Bolívia53, mesmo tendo residência fixa na Bolívia, e
tendo outras expressões próprias de sua cultura, preferem não as expressar em
público ou na sala de aula. E, quando indagados se sofrem algum tipo de
preconceito, a resposta é negativa54, numa tentativa de disfarçar a realidade,
revelando um esquema para sobrevivência no ambiente diferente do próprio
país55.
Segundo Passavento (2006, p.123), precisa-se observar que a fronteira é
muito mais que dois lados que estão em polos diferentes. Fronteira é, para a
autora, um elemento qualificador da vida desses dois polos, dessas duas
realidades juntas.
53 A Constituição do Estado Plurinacional da Bolívia reconhece 36 idiomas como oficiais, além do castelhano. Cf. Artigo 5: “Son idiomas oficiales del Estado el castellano y todos los idiomas de las naciones y pueblos indígenas originarios campesinos, que son aymara, araona, baure, bésiro, canichana, cavineño, cayubaba, chácobo, chimán, ese ejja, guaraní, guarasu’we, guarayu, itonama, leco, machayuwa, machineri, mojeño-trinitario, mojeño-ignaciano, moré, mosetén, movima, pacawara, quechua, maropa, sirionó, tacana, tapieté, toromona, puquina, uru-chipaya, weenhayek, yaminawa, yuki,yuracaré y zamuco”. 54 Esse fato foi observado durante uma pesquisa em uma escola de Corumbá com grande número de estudantes bolivianos. Cf. GODOY, T.S.; MACHADO, A.F; MARIANI, M. “Territorialidade Cultural em Escola de Fronteira”, apresentado durante o V Seminário de Estudos Fronteiriços, em maio de 2015 (em fase de elaboração). 55 Dados obtidos em pesquisa realizada em setembro de 2014 com estudantes da Escola CAIC Padre Ernesto Sassida, apresentado na V Semana de Estudos Fronteiriços - UFMS/CPAN.
71
Nas interações surge a mestiçagem, que é, na verdade, a genuinidade
dos territórios, já que etnias e culturas se fundem em novos indivíduos (nas
características físicas e culturais). Das relações no território surge a
territorialidade, que, para Raffestin (1993),
[...] é definida como um fenômeno de comportamento associado à organização do espaço em esferas de influência ou em territórios nitidamente diferenciados, considerados distintos e exclusivos, ao menos parcialmente, por seus ocupantes ou pelos que os definem. (RAFFESTIN, 1993, p.159).
A realidade da escola exige novas reflexões com ações como as do PEIF,
que não são suficientes para açambarcar a necessidade, mas seus resultados
interferem, positivamente, na atuação docente e nas demais ações
educacionais.
72
4. O Componente Curricular Formação Cidadã como ferramenta de
rompimento com a monoculturalidade
Atualmente, as Escolas Integrais da REME mantêm em seu currículo a
chamada Base Diversificada, em todas as suas séries, com as seguintes
matrizes curriculares: Formação Cidadã (em toda a REME); Projeto e Pesquisa;
Projetando Futuro; Juventude em Ação; Identidade, Autonomia e Valores
Humanos (IAVH); Estudo Dirigido; Atividade Circense; Comunicação e Mídia;
Musicalização; Produção de Texto e Oralidade; Treinamento Esportivo; entre
outras56. A distribuição respeita a particularidade e a autonomia de cada escola,
e, por isso, cada uma pode criar suas próprias matrizes curriculares,
resguardando a carga mínima da Base Comum. Esses componentes
curriculares seguem o objetivo de aprofundar, especialmente, os temas
transversais apresentados nos PCNs.
Para a escola de Educação Integral, o estudo de temas transversais deixa
de ser apenas por meio de assuntos tangenciais, mas se concretiza em
construção de conhecimento no mesmo grau de importância do conhecimento
científico da Base Comum.
A Escola Integral para a realidade de Corumbá, como toda escola integral,
exige ir além da expansão do horário, já que deve haver aumento qualitativo de
oportunidades educacionais, por meio da inserção de novos componentes
curriculares, novos espaços de aprendizagem e aumento de carga horária de
disciplinas da Base Comum e Regular do Ensino Básico, que são as regulares
do currículo nacional, tais como Língua Portuguesa, Matemática, Geografia e
História. A opção das escolas de Educação Integral de Corumbá deu mais
passos no que se refere aos PCNs, ao que se refere aos temas transversais, já
que criou, sem desvincular a necessidade de interdicisplinaridade, as diretrizes
de transversalidades propostas pelos PCNs, por meio da criação de novos
componentes curriculares.
Ao apresentar a relevância dos componentes curriculares da Base
Diversificada, a professora Rose Zozias, da SEMED, em entrevista concedida
56 A nomenclatura aqui apresentada foi utilizada no ano de 2014; no ano seguinte, alguns componentes curriculares sofreram alterações na terminologia, conservando a essência original de sua implantação, em 2012, na REME.
73
em 16.02.2016, destaca o valor como proposta de inclusão dos estudantes na
realidade circundante:
A gente acredita que quem tem que delinear os conteúdos e os assuntos a serem abordados [na Base Diversificada] é a Escola, a partir da sua realidade, seja étnica, seja social, financeira, para superação da situação de vulnerabilidade social ou cultural, por exemplo. Pois cada escola tem sua especificidade. E para nós [a Base Diversificada] é uma ferramenta positiva para o desenvolvimento da qualidade educacional, surtindo efeito de inclusão da criança sem distinção, e que ela tenha autonomia em todos os aspectos. (ZOZIAS, 2016)
Na proposta da Semed de Corumbá, a Base Diversificada é apresentada
como um meio de qualificação da Educação, quando ele tem as particularidades
culturais, sociais e representativas da comunidade escolar. Essa situação
oferece possibilidades de estudos que vão além das informações comuns nos
livros didáticos, especialmente se há sensibilidade na construção do currículo
escolar.
Os novos componentes curriculares atuais têm sua gênese com o
processo de implantação da Escola de Educação Integral, em Corumbá. Ainda
há flexibilidade na nomeação dos mesmos enquanto componentes curriculares,
mas é mantido o objetivo de se tornar uma forma de aprendizado mais ampla no
espaço da educação formal. É comum reduzir o currículo a uma de suas
dimensões, como é o caso dos conteúdos, mas não se pode ignorar a “trama
cultural, política, social e escolar” que o envolve para lhe dar corpo e realidade.
Mesmo que os conteúdos respondam a uma dimensão cognitiva e setorizada,
há uma complexidade que alinhava outras e essenciais dimensões que não são
neutras em relação à construção do saber, da compreensão do estudante e da
escola (SACRISTÁN, 1999, p. 17).
E, já que a identidade da Escola de Fronteira reflete sua realidade cultural,
não se podem excluir aspectos vividos no cotidiano e nos estudos escolares,
como apresenta Sacristán (1998):
Não existe ensino nem processo ensino-aprendizagem sem conteúdos de cultura, e estes adotam uma forma determinada em determinado currículo. E a atuação pedagógica tem sua preocupação mais no como ensinar que no o que ensinar. (SACRISTÁN, 1998, p. 30).
E fazemos tal opção por compartilhar a ideia de Sacristán (1998, p.34): “O
currículo é uma opção cultural, o projeto que quer tornar-se na cultura conteúdo
74
do sistema educativo para um nível escolar ou para uma escola de forma
concreta”.
Tal “culturalidade” na educação é o que melhor poderia interpretar a
necessidade de uma Escola “na” e “da” Fronteira, que adquire e transmite seus
conhecimentos a partir daquilo que a sua sociedade faz ser real.
A escola é um espaço sociocultural de grande importância para a
construção da pessoa, para a vivência cidadã. E tal construção se faz no tempo
e no espaço da escola, além do currículo.
4.1 Aplicabilidade: o Componente Curricular Formação Cidadã nas Escolas
Municipais de Corumbá
O Componente Curricular Formação Cidadã é uma grande ferramenta
para permitir que as culturas presentes no território investigado possam “entrar”
na escola, especialmente quando ela tem como objetivo uma educação integral
do estudante.
Quando o componente curricular for referendado como meio de
articulação da multiculturalidade para a escola, serão projetados mais que
horizontes ou elencos de solução, que são um problema não para a Escola de
Fronteira, mas um anseio para toda a Educação no Brasil. A escola é o espaço
privilegiado, ainda que não seja o único, para a formação da pessoa em suas
principais dimensões, além de gerar intensa contribuição para o progresso das
demais, e por isso o olhar para a vida que a pessoa pode desenvolver enquanto
cidadã é a grande perspectiva de sucesso da educação. A escolarização é uma
capacitação para compreender a integração na vida social, o que gera um
vínculo propedêutico aos demais níveis educativos e de aprendizado. E como
apresenta Sacristán (1998, p. 56): “Uma educação básica preparatória para
compreender o mundo no qual temos que viver exige um currículo mais
complexo do que o tradicional, desenvolvido com outras metodologias”.
Na base comum da escolarização, os livros didáticos geralmente impõem
ao professor o conteúdo programático, mesmo que nas escolas seja
aperfeiçoada a autonomia dos professores. Sacristán (1998) fala sobre sua
avaliação da prática educacional:
75
[...] As disciplinas e áreas do saber que formam os currículos escolares são, em muitos casos, seleções arbitrárias, sem coerência interna, que não transmitem nem cultivam a experiência básica genuína de cada área. Algo muito parecido se pode dizer da apresentação cultural que os livros-textos realizam em muitos casos. (SACRISTÁN, 1998, p. 67).
E isso é um problema para a educação escolar, pois, muitas vezes, os
estudantes desenvolvem seus conhecimentos desarticulados de sua realidade.
Um exemplo é a facilidade que as gerações mais jovens têm na utilização das
tecnologias frente a muitos professores que intensificam mecanismos de
controle e cerceamento do uso das novidades tecnológicas, ao avesso de sua
inserção nas atividades educacionais.
Sacristán (1998, p. 91) dá ares de relativização à atuação do professor no
que diz respeito à interferência no resultado do estudo, no entanto não exclui sua
essencial participação graças a sua gama de desempenhos não-didáticos, como
o político, o de controle, o administrativo, e até o de jurisdição.
Em sala de aula, o professor precisa, e pode produzir o diálogo com a
cultura exterior que é cada vez mais ampla, complexa e vivaz, mas isso não se
faz com diagnóstico da realidade, com vídeos ou documentários de visão
zoológica dos problemas sociais, ou seja, o assunto é visto como uma atração
pública, como um safári turístico na atualidade. Para obter esse resultado, não é
apenas o conteúdo que deve se dirigir nos trilhos da realidade, mas a forma de
construção das idiossincrasias culturais no interior da escola. Ao fato dos
estudos dos idiomas estrangeiros nas escolas básicas do Brasil como meios de
obtenção da multiculturalidade, não se pode afirmar ou mensurar a realidade e
a qualidade dos resultados, já que não é comum que esse estudo venha a
permitir conhecimento real do idioma estudado.
No entanto, numa realidade como a da região em que se encontra
Corumbá, especialmente com as dificuldades ainda existentes nas relações
entre bolivianos e brasileiros (BUMLAI, 2015; COSTA, 2010), o estudo do idioma
espanhol seria um dos articuladores. Cabe lembrar que, por ser facultada à
escola a escolha de qual língua estrangeira comporá sua matriz curricular,
geralmente o principal motivador da escolha, em Corumbá, é a presença
significativa ou não de estudantes bolivianos. Essa articulação não acontece
apenas com o estudo do idioma, mas com a articulação de uma cultura que sofre
com o mutismo cravejado de preconceito.
76
Os componentes curriculares da Base Diversificada ainda não têm
estabelecidas suas metas no macrocosmo da realidade de Corumbá, ou seja,
cada escola pode articular seus projetos com autonomia, mesmo que aconteçam
formações periódicas e específicas para os educadores que lecionam esses
componentes. Outra informação pertinente é que todos os planos precisam se
articular com os PCNs (de acordo com a LDB). Com isso, um programa anual de
Formação Cidadã - para o Ensino Fundamental II - da Escola Municipal de
Educação Integral Tilma Fernandes Veiga será apresentado e analisado como
forma de explicitação e aplicabilidade desta pesquisa.
A perspectiva de reflexão sobre as realidades pertinentes e vivenciadas
pelas pessoas da escola deve estar presente na construção da identidade
multicultural da escola. Nessas reflexões, assuntos como preconceito,
subalternidades sexuais, conflitos raciais, violência, e os exemplos de vivências
e relações sociais trazidos pelos próprios estudantes precisam entrar nos
programas de aula. Para aprofundar na questão, e com o intuito de melhorar a
compreensão do assunto, será apresentada uma análise de um plano anual de
uma das séries do Ensino Fundamental.
4.2 Relato de Experiência
Como professor fui convidado a lecionar numa escola básica de Educação
Integral da cidade de Corumbá, no ano de 2013. Minha formação inicial não
apresentava vinculação direta com a Base Comum da escola. Sou formado em
Filosofia, que é habilitação para componente curricular frequente apenas no
Ensino Médio, e a escola em questão tem apenas as séries do Ensino
Fundamental. No entanto, como já apresentado, a escola de Educação Integral
apresenta a Base Diversificada, com componentes curriculares próprios
intimamente ligados à realidade da comunidade e da escola, segundo análise da
comunidade educativa.
Recebi a proposta da Coordenação Pedagógica, e o primeiro passo foi
organizar o Plano Anual do componente curricular Formação Cidadã. Recebi um
opúsculo elaborado pela Secretaria Municipal de Educação, com um conjunto de
aulas voltadas aos temas de cidadania mais comuns ao cotidiano da escola
(ecologia, sustentabilidade, prevenção às drogas, aspectos da cidadania e do
77
protagonismo juvenil), além de sugestões de metodologias para as aulas, como
vídeos, ferramentas tecnológicas, jogos e sítios interativos. Ao todo eu lecionaria
7 componentes curriculares, sendo: “Estudo Dirigido”, “Formação Cidadã”,
“Projetando Futuro”, “Projeto e Pesquisa”, “Produção de Texto e Oralidade”,
Juventude em Ação” e “Identidade, Autonomia e Valores Humanos”, com turmas
da 4ª à 9ª séries do Ensino Fundamental. Eu estava iniciando minha experiência
na escola de Educação Integral, e tinha como ideia que isso significa única e
exclusivamente a expansão do tempo em ambiente escolar, a inclusão de
algumas matérias nesse aumento de tempo, já que as aulas nessa escola eram
das oito da manhã até às dezesseis horas.
Após um bimestre de aula, eu me encontrava numa ‘bagunça’
epistemológica sem igual. Os planos de aulas eram mais surreais que uma obra
de Salvador Dalí, especialmente porque os objetivos para as aulas eram
balizados pela minha formação em Filosofia, o que não tinha muita compreensão
para os estudantes e, muito menos, para a Coordenação Pedagógica, num
primeiro momento. Tal realidade alterou-se quando foi oportunizada uma
capacitação complementar para professores das Escolas Integrais: Docência na
Escola de Tempo Integral (DETI), pela EAD da UFMS.
Assim como Sacristán (1998) versa que a atuação do professor em sala
de aula também apresenta um currículo oculto, que é formado pelos substratos
e experiências do próprio educador, a educação exige melhor qualificação do
professor, em especial na revisão de suas concepções pessoais que alimentarão
ou interferirão nos conteúdos trabalhados nas atividades educacionais. Com
isso, a compreensão de uma educação mais ampla que os conhecimentos
cartesianos e que os conteúdos dos livros didáticos fez-se necessária para a
qualificação da minha atuação como professor.
A partir da compreensão da realidade da escola, da sua finalidade e,
ainda, da ampliação do estudo no Mestrado em Estudos Fronteiriços, a minha
dedicação educacional tomou outras perspectivas.
Tive contato com a metodologia do PEIF, particularmente com o
desenvolvimento de projetos em sala de aula. Com isso, as aulas tornaram-se
mais participativas, os processos pedagógicos tiveram melhores resultados, em
especial com a elaboração de um projeto premiado pela Semed, conhecido como
78
“Tilma para o Bem”57. Tal projeto evidenciava a participação dos estudantes na
melhoria da realidade que os cercava. Tendo essa matriz, propus que na
disciplina "Formação Cidadã" pudesse ter base o protagonismo dos estudantes
e suas realidades. Penso que toda ação educativa precisa contar com a
participação efetiva dos pares, especialmente dos estudantes, com isso objetivei
que eles também opinassem em ações que demostravam como o mundo pode
ser melhor sem milagre, e que isso é possível com ações pontuadas no
cotidiano.
Convidei os estudantes participantes desse projeto – todos provindos de
realidade de risco social – que olhassem "seu mundo" e propusessem uma ideia
para melhorá-lo. Durante as aulas, os estudantes apresentaram suas ideias e
fizeram o Plano de Ação para as atividades, com o objetivo de possibilitar aos
próprios estudantes a reflexão e a criação de propostas de soluções para os
problemas que eles sentem como urgentes e estão ao seu redor.
O objetivo principal do projeto era: “Possibilitar aos estudantes refletir e
propor soluções para os problemas que eles sentem como urgentes e estão ao
seu redor”.
O projeto teve três etapas: a geração e seleção das ideias para melhorar
o mundo; a aplicação das ideias; e a avaliação das atividades. As principais
opiniões aplicadas e selecionadas pelos estudantes foram a coleta seletiva na
escola e no bairro, com divulgação do calendário de recolhimento e informações
de separação do lixo. No entanto, a principal ação escolhida pelos participantes
do projeto foi a pintura de jogos pedagógicos e figuras animadas no pátio da
CEMEI Valódia Serra (anexa à escola) com intuito de embelezamento e para
servir de ferramenta pedagógica para os educandos da mesma. Eles também
participaram de uma Oficina de Fotografia, que gerou uma exposição intercalada
com estudantes de Macapá (que tinham o mesmo tema para retratar: "A vida
que margeia o rio", e por isso fotografaram ao longo da margem do rio Paraguai,
e os estudantes de Macapá fizeram o mesmo por lá). Também participaram de
uma oficina de artesanato para confecção de materiais a partir da coleta de
57 Em 2014 o projeto “Tilma para o Bem” realizado com as turmas de 8º e 9º anos recebeu o 1º. lugar no Prêmio Professor por Excelência. No ano de 2015 o projeto teve outras ações que envolveram estudantes do 6º ao 9º anos, e ficou na 2ª. colocação do prêmio organizado pela Semed. Ainda em 2015, “Tilma Para o Bem” foi finalista regional no prêmio “Professor do Brasil”, realizado pelo MEC, na categoria de 6º a 9º anos – Anos Finais do Ensino Fundamental.
79
latinhas, garrafas pets, caixotes usados e pneus descartados. E, por fim,
partilharam o conhecimento sobre a cultura da cidade por meio de uma
exposição de aspectos próprios da culinária corumbaense com um “Almoço
Pantaneiro”, feito com a participação dos estudantes, servido a todos da escola.
Nesta atividade, os estudantes participaram de um encontro com a
pesquisadora da gastronomia da região de Corumbá, Lidia Leite, e a partir de
então, escolheram um prato para que fosse servido na refeição da escola. A
escolha do cardápio foi por meio da pesquisa e da possibilidade de realização
com os estudantes.
Figura 10. Atividade pedagógica: Gastronomia e Cultura (Almoço Pantaneiro).
Figura 11. Atividade pedagógica: Gastronomia e Cultura (Almoço Pantaneiro).
80
Outra ação desenvolvida pelos estudantes foi o reaproveitamento da água
dispersada pelos condicionadores de ar que foram implantados na escola. Os
estudantes viram que diariamente muita água se perdia. Após uma palestra
sobre o uso racional e o ciclo da água, o tema passou a ser discutido. Após os
estudantes terem feito uma pesquisa na internet, surgiu a ideia de coletar essa
água para uso na limpeza. Eles pesquisaram meios de coletar e armazenar a
água: aproveitamos as garrafas pet que recolhemos para venda (o dinheiro
é usado na formatura da turma); cada aparelho de ar-condicionado recebeu uma
garrafa para retenção do líquido, e, a cada tempo, uma dupla recolhe a água e
a deposita numa caixa d’água doada para essa finalidade. Medimos a
quantidade (que chegou a mais de 300 litros diários) e vimos o potencial de
economia.
Figura 12. Projeto “Tilma para o Bem” (Coleta de Garrafas Pet)
Figura 13. Projeto “Tilma para o Bem”: utilização de garrafas pet como coletoras de água dos condicionadores de ar.
81
Figura 14. Reutilização das garrafas pet para confecção de brinquedos para os próprios estudantes.
Inicialmente enfrentamos resistência da equipe de limpeza, que alegava
grande esforço em usar a água devido à acomodação estar distante dos
ambientes e terem que tirá-la usando um balde, mas, aos poucos, com a ajuda
da gestão da escola, a água passou a ser usada na limpeza e hoje se soma a
um novo projeto da escola: de arborização dos pátios e arredores. Recebemos
apoio da Prefeitura Municipal e a água é canalizada e depositada em barris
preparados e dotados de torneiras para a facilitação do uso da água. Essa
ação se tornou piloto para implantação em outras escolas, e está em fase de
aprimoramento. Os estudantes apresentaram a ideia na Fecipan - Feira de
Ciência do Pantanal -, no ano de 2014, organizada pelo Instituto Federal de Mato
Grosso do Sul (IFMS), e receberam o incentivo com a premiação do 3º. lugar na
Feira. A participação na FECIPAN trouxe para a sala de aula, além do
reconhecimento do esforço dos estudantes, a busca por um aprimoramento dos
estudos e motivação para que outros educadores também participassem de
outras edições.58
Durante o desenvolvimento das atividades, nos planejamentos das aulas
receberam destaque as atividades de projetos que objetivavam inserir o
cotidiano e promovessem a autonomia dos estudantes. Assim, os estudantes
58 Em 2015, a escola participou com outros 3 projetos, obtendo o 2º. lugar da categoria Multidisciplinar com o projeto “Escola Vida Verde: Plante essa Ideia”.
82
tiveram aulas em outros ambientes além da sala. Numa atividade organizada em
conjunto com as educadoras do 4º e do 5º ano, os estudantes pesquisaram, por
meio de um roteiro, aspectos observáveis numa das feiras livres de Corumbá.
Lá os estudantes tinham de fazer anotações sobre pesos, medidas e expressões
idiomáticas ou palavras desconhecidas do vocabulário cotidiano. As anotações
foram utilizadas nas aulas de Língua Portuguesa, Matemática e Formação
Cidadã.
Outra atividade foi a organização da aula de campo no Museu de História
do Pantanal, onde os estudantes puderam entrar em contato com informações
que remetem à pré-história do Pantanal (artes rupestres, fósseis e objetos
arqueológicos da região).
Tendo como intenção a socialização e o desenvolvimento de cidadania, a
aula que apresentava hábitos de saúde por meio da boa alimentação foi
apresentada num piquenique no Ecoparque da Cacimba da Saúde.
Partindo da curiosidade dos estudantes também foi oportunizado a eles
conhecerem o funcionamento de uma Rádio Comunitária, a FM Pantanal. Lá os
estudantes entrevistaram o radialista Arturo Ayala, e também apresentaram suas
impressões sobre assuntos educacionais e de cidadania por meio da
participação ao vivo na programação desse veículo de comunicação.
Durante as atividades, os estudantes contaram um pouco da vida, dos
medos e de suas realizações, o que fez com que meu processo avaliativo, para
a atividade, alterasse para algo mais amplo que os resultados mensurados nas
avaliações por meio das notas e conceitos oficiais. Também pude compreender
a realidade que viviam, as dificuldades que nem sempre eram percebidas nas
relações em sala de aula. Nas fotos seguintes, pode-se ver alguns estratos
dessas atividades educacionais:
83
Figura 15. Estudantes da Escola Tilma durante a apresentação na FECIPAN.
Figura 16. Stand de apresentação na FECIPAN.
84
Figura 17. Aula-pesquisa na Feira Livre. Os estudantes pesquisavam preços, medidas e expressões idiomáticas em castelhano e "portunhol".
Figura 18. Aula de campo no Museu de História do Pantanal (MUPHAN), cujo tema era o desenvolvimento histórico do Porto de Corumbá.
85
Figura 19. Aula de Campo: atividade Piquenique Cultural.
Figura 20. Piquenique Cultural
Figura 21. Conhecendo a FM Pantanal, como atividade de aula do componente curricular Formação Cidadã.
86
Nesses relatos se pôde observar que a cultura e a realidade foram
tratadas como elementos de conhecimento, tiveram aspectos de reflexão para o
desenvolvimento da cidadania, para o mundo do trabalho, e de estudos
posteriores.
No grupo em questão, há estudante que aprendeu a manufaturar
artesanato para contribuir com a renda familiar, e todos continuam os estudos
formais59. Há dois estudantes que passaram na seleção do IFMS, umas das
mais concorridas na região, e realizam o curso Técnico de Informática. O grupo
mantém contato pelas redes sociais e relata que realizam a coleta seletiva do
lixo em sua prática cotidiana e propagam a ideia de reaproveitamento da água
de condicionadores de ar, ambas atividades que aplicaram nos projetos na
escola. Podemos dizer que o ensino rompeu o monoculturalismo e se abriu à
multiculturalidade, já que passamos a projetar o estudo a partir da realidade
local, sem reduzir o alcance de aprendizagem.
4.3 Análise do Plano Anual do Componente Curricular Formação Cidadã
Como é de praxe nas escolas, é atribuição do professor elaborar o Plano
Anual dos componentes curriculares que serão desenvolvidos em sala de aula.
É uma atribuição delegada no Artigo 13 da LDB, no 2º. parágrafo: “Elaborar e
cumprir plano de trabalho, segundo a proposta pedagógica do estabelecimento
de ensino” (Brasil, 1996). A proposta deste escrito também recebe caráter de
aplicação do conhecimento. Como já foi apresentado no capítulo 2, a Escola
necessita da superação do monoculturalismo, uma tarefa que envolve todos os
seus atores, no entanto, observando a realidade da escola na fronteira, essa
atitude pode ter um dos desenvolvimentos a partir da sala de aula.
É o que propõe a análise do planejamento anual para as atividades do
componente curricular “Formação Cidadã” para o Ensino Fundamental (EF) na
EMEI Tilma Fernandes Veiga. Uma informação se faz necessária: em cada série,
usualmente, há um plano básico do componente curricular. No entanto, para a
59 Em 2013, na turma do 9º. ano foram matriculados 16 estudantes, sendo que, ao final do ano, 3 foram reprovados, 2 abandonaram a escola, restando, então, apenas 11 aprovações. Dos aprovados, no ano seguinte apenas 4 continuavam o estudo regular, segundo dados obtidos pelo autor. Já em 2014, a turma do 9º. ano era composta por 7 estudantes, e todos concluíram com aprovação. E no ano de 2015 todos continuam matriculados e frequentes em escola. Os dados podem ser confrontados no site <http://www.qedu.org.br/>.
87
“Formação Cidadã”, a primeira diferença para a Base Comum é que os seus
conhecimentos, ou melhor, o objetivo de conhecimento, não se exterioriza em
sequência lógica somatória, ou seja, seu plano de assuntos não segue um
encadeamento cartesiano no que tange à sua sequência. A diferença para cada
ano escolar está na própria realidade em que se encontra a turma, podendo um
mesmo assunto ser trabalhado tanto com uma turma da série inicial quanto com
uma turma da série final do EF, sem que isso signifique falta de sintonia entre a
fase educacional e o conteúdo estudado. O plano propõe os mesmos assuntos,
com pequenas nuanças, mas a variação maior está em função do público de
destino, ou seja, haverá variação e adequação de metodologia, enfoques
diferenciados e variações que permitam a realização dos objetivos. O que será
evidenciado nas análises seguintes.
De acordo com os objetivos apresentados para os Temas Transversais
dos PCNs (BRASIL, 1997), quatro eixos-mestres foram elegidos, pelo professor,
para a “Formação Cidadã”60:
1.Compreender e desenvolver a cidadania como participação social e política, assim como exercício de direitos e deveres políticos, civis e sociais, adotando, no dia a dia, atitudes de solidariedade, cooperação e repúdio às injustiças, respeitando o outro e exigindo para si o mesmo respeito; 2. Ter o conhecimento ajustado de si mesmo e o sentimento de confiança em suas capacidades afetiva, física, cognitiva, ética, estética, de inter-relação pessoal e de inserção social, para agir com perseverança na busca de conhecimento e no exercício da cidadania e desenvolvimento biopsicossocial; 3. Traduzir os conhecimentos sobre a pessoa, a sociedade, a economia, as práticas sociais e culturais, especialmente a da região de fronteira, em condutas de indagação, análise, problematização e protagonismo diante de situações novas, problemas ou questões da vida pessoal, social, política, econômica e cultural que os sujeitos estejam inseridos; 4. Aplicar as tecnologias das Ciências Humanas e Sociais na escola e em outros contextos relevantes para sua vida para qualificação da vida.
Tais metas, embasadas nos PCNs, indicam o quanto a realidade precisa
ser vista e revista em ambiente escolar. Tais princípios foram apresentados para
balizar a atuação em sala de aula, o que dirige as opções e assuntos que serão
estudados e que permitirão a construção do conhecimento do estudante. Esse
objetivo se evidencia na finalidade-mestre proposta pela LDB para a Educação
Básica, em seu artigo 22.
60 Essas referências foram elaboradas pelo autor dessa dissertação ainda durante o período de pesquisa, e já se encontram em aplicação na realidade da Escola Tilma Fernandes Veiga.
88
Art. 22. A educação básica tem por finalidades desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação comum indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores. (BRASIL, 2010b).
Como apresentado no capítulo 2, a compreensão da finalidade da
Educação está imbricada à vivência social. E se for acrescida à esta reflexão o
2º. parágrafo do artigo 27 da LDB, o alcance será ainda maior, já que “a difusão
de valores fundamentais ao interesse social, aos direitos e deveres dos
cidadãos, de respeito ao bem comum e à ordem democrática” necessariamente
passaria pela vivência multicultural, o que significaria respeito à cultura sem
rebaixamento humano ou qualquer outro preconceito ou separação entre as
pessoas. Isso é “tolerância recíproca em que se assenta a vida sócia”, como
versa o parágrafo IV do mesmo artigo. Com isso, não coaduna com o objetivo
de exercício da cidadania a construção estrutural sem o diálogo e a relação
cultural, práticas representantes do monoculturalismo.
A “Formação Cidadã” será uma ferramenta para a articulação multicultural
na escola e rompimento do monoculturalismo quando agregar a presença da
cultura social no interior das salas de aulas, nos corredores, pátios, banheiros,
sala de professores e demais dependências de articulações de conhecimentos
das escolas (APPLE, 1986, p. 76 e ss; SACRISTÁN, 1998, p. 93-94). Isto é,
quando o conhecimento não precisar ser apenas avaliado para composição de
notas ou conceitos de progresso seriado, e se tornar substrato de reflexão da
pessoa enquanto provedora de suas escolhas na pólis que atua. Quando a
realidade extramuros for a contemplada no interior do palco escolar. Para isso,
toda ação escolar precisa ser tocada, a começar com o Projeto Político-
Pedagógico, mas também em sua atuação em sala de aula, o que envolve o
planejamento pedagógico e suas articulações. E, para isso, os educadores
precisam de formação, desde a inicial até a continuada, que revele a realidade
em que exercerão sua prática. Formação que não se acostume com a
necessidade e existência de formalidade para sua compreensão, mas que
desperte abertura para o diálogo, necessidade perene de atualização, como bem
inferem Lorieri & Rios (2004):
O diálogo [na escola] ganhará maior consistência na medida em que resultar e, ao mesmo tempo, criar espaço para um exercício de reflexão, de investigação. Investigar, reflexivamente, é uma rica forma de dialogar, no campo da educação. Na busca coletiva de ampliação
89
do conhecimento, os educadores têm oportunidade de derrubar certos preconceitos, apontar contradições, superar problemas. Se acreditarmos que a busca de ampliação do conhecimento não se dá só na direção do que é externo, mas no olhar sobre si mesmo, os educadores têm também oportunidade de falar de si e de sua prática. (LORIERI & RIOS, 2004, p. 69).
A sala de aula é o encontro necessário para a construção de um saber
que se desenvolva, qualificadamente, na sociedade. É nela que as barreiras do
preconceito e dos afastamentos entre as culturas construtoras desta região
fronteiriça perderão força, já que serão debatidas e iluminadas para se
concretizarem em práticas cidadãs e da sociedade. Com isso, os estudantes
poderão solidificar e ter consciência da importância recíproca e comprometida
dos valores sociais que emanciparão, reflexivamente, ainda mais, a coletividade
e o território, para desembocar na cidadania, que nada mais é que a
responsabilidade partilhada entre todos os sujeitos desse território.
Esse exercício será um processo de compreensão da realidade que está
inserido em todos os segmentos sociais desta região, e, como apresenta Wogel
(2014), será a realização dos significados reais:
Compreender tem a ver com a capacidade de identificação e interpretação dos sentidos da realidade. Aliada ao entendimento - que se faz pelo reconhecimento das características distintivas - das estruturas que constituem um objeto ou objetos e as funções ou finalidades desses, a compreensão busca uma razão ou um sentido, o que indica uma interpretação para além da própria coisa que estabelece relação com outras coisas, objetos, pessoas e realidades. Além da possibilidade de identificar, ou seja, do ser capaz de dizer o que é e como é algo, a interpretação apresenta outras questões, o porquê e o para quê. Mas estas questões necessitam de respostas embasadas por meio da apresentação de intenções e descoberta de motivos, respostas que fazem relações causais e estabelecem nexos interpretativos, que idealizam sentidos, que valorizam e apresentam qualificações e ofereça significados. A compreensão tem a ver com a produção de significados, que está intimamente ligada às culturas e às vivências dos sujeitos, seus entendimentos e afeições, sua subjetividade em relação com os objetos que conhecem. (WOGEL, 2014, p. 30-31).
Ou seja, o papel da sala de aula, na Escola de Fronteira, por meio da
“Formação Cidadã” será uma tradução social da realidade ainda encistada das
relações culturais presentes na cidade de Corumbá e região. É o que revela o
primeiro eixo proposto para a Formação Cidadã: “compreender a cidadania
como participação social e política”, e para obtenção do fim da injustiça e a
propagação da solidariedade é que exige participação na vida do outro.
90
Essa participação na vida do outro requer um processo de dupla via, que
exige conhecimento de si (segundo eixo), o que relaciona o amadurecimento
afetivo e biopsicossocial de forma a obter a vivência plena da cidadania.
E ao ser apresentado o processo de mutismo entre as culturas na
estrutura de ensino da escola, deve-se propor o diálogo crescente, criativo e
equilibrado para a constituição das soluções necessárias para o fim desse e de
outros problemas que segregam a multiculturalidade necessária para a harmonia
da fronteira. Quando o educador facilitar o acesso às reflexões que deem voz ao
protagonismo juvenil para a busca de soluções, a realidade em que vivem terá
seu aggiornamento61 em desenvolvimento.
Os eixos propostos para o Plano Anual da disciplina Formação Cidadã
não são quimeras ou elucubrações meramente estéticas. O objetivo principal
está em constituir estratégias e caminhos de superação das desarticulações
entre as culturas desse território. Os eixos indicam passos que devem interferir
nos assuntos propostos para os estudos, nos paradigmas educacionais, no
currículo escolar para fornecer a reflexão necessária para a instauração de uma
sociedade dialogante e de acordo com o que almejam os princípios propostos
pelo ensino ministrado no Brasil62.
Os eixos propostos não versam, de maneira explícita, sobre a identidade
particular da Escola de Fronteira, o que não é mero casuísmo. Tal realidade
observa que não é apenas para a Escola de Fronteira a necessidade de
superação do monoculturalismo, mas em todas as demais identificações de
escola. No entanto, a maior força de identificação da Escola de Fronteira é a
multiculturalidade de sua sociedade, a tentativa é de provocação direta e
explícita para ela.
A vivência da cidadania obriga a reflexão sobre as relações históricas
entre culturas autóctones e grupos posteriores, já que nesses encontros não é
incomum o desenvolvimento de pseudoparadigmas para as relações culturais,
mas também para as diferenças sexuais e de compreensões intelectuais
embasadas em experiências do cotidiano, como o caso observado nos mestres
61 Termo italiano que se tornou célebre na voz do Papa João XXIII para propagar a necessidade de renovação da Igreja Católica, o que culminou no último grande Concílio Ecumênico, o Vaticano II. Seu significado pode ser traduzido como “em renovação para o hoje”. 62 Como versam os parágrafos do Art. 3º. da LDB, em particular o XII, que recebe redação da Lei nº .12.796, de 4/4/2013, de consideração da diversidade étnico-racial, por exemplo.
91
griôs63. A reflexão dessa vivência deve despertar a criticidade que desenvolva,
nas ações sociais, as aproximações necessárias para a superação das
desigualdades, como os preconceitos étnicos, mas também o consumismo, a
degradação ecológica, a depredação dos patrimônios públicos, as opressões
geradas pelo pensamento da masculinidade hegemônica do mundo do trabalho,
entre outros aspectos limitadores da vida em sociedade. Tudo isso para
despertar nos estudantes ações e estratégias de intervenção para a superação
das mazelas, já que não é a escola que, sozinha, será capaz de causar a
transformação social necessária, almejada.
63 O termo Griô é universalizante, porque ele é um abrasileiramento do termo ‘Griot’, que por sua vez define um arcabouço imenso do universo da tradição oral africana. É uma corruptela da palavra “Creole”, ou seja, Crioulo, a língua geral dos negros na diáspora africana. Foi registrado no Cartório do Registro de Pessoas Jurídicas da Comarca de Lençóis (BA), no Livro A-03, nº. 215, o Projeto de Lei de inciativa popular “Lei Griô Nacional” - uma política de transmissão oral do Brasil, em novembro de 2009.
92
Considerações Finais
No processo de construção das sociedades humanas, as relações
permitiram evolução e conquistas de novos saberes, de alterações estruturais,
criação de esferas sociais, para que houvesse harmonia nas relações com os
meios e as pessoas. Este é um dos elementos da força da cultura, que em seu
viés imaterial perdura além do tempo, seja pela ótica cronológica seja pelo
kairós. Este é o ponto central dessa pesquisa: a cultura, ou melhor, as culturas,
mas sua visão na escola de fronteira.
A proposta e estrutura deste trabalho foi organizada de maneira clara e
simples com a situação da educação na escola e suas relações culturais. Como
apresentado, o espaço receptor da focagem desta pesquisa é um território
múltiplo de cultura, mas que ainda não se traduz em multiculturalidade, pois o
que é multicultural não significa coletivo de culturas, como se observou no
capítulo 2.
A região de fronteira é território rico em diversidade cultural, embora sem
se apresentar exclusiva frente às outras jurisdições. A região onde se encontra
os limites físicos do Brasil e da Bolívia vai além da demarcação do fim das
soberanias nacionais. Nessa terra é onde se desenvolve uma cultura rica em
outras expressões, numa fusão criativa e ampla de relações expressas na língua,
nas características físicas, na culinária, na arquitetura, nas indumentárias, na
estética, e em tantos outros aspectos da cultura.
E, nesse conjunto, a Escola recebe o imperativo convite de qualificação
no desenvolvimento efetivo de meios que garantam os caminhos de incremento
da vivência da cidadania pelos estudantes durante os anos de sua formação,
mesmo que esse processo não seja exclusividade da educação, como
apresentado por Cortella (2000).
A qualificação, em questão, é o processo reflexivo contrário ao
demonstrado na monoculturalidade retransmissora de ideologias culturais
dominantes, em detrimento de minorias demarcadas pela vulnerabilidade
econômica e social. Esse processo é essencial para a escola no cumprimento
de seu objetivo de superação das injustiças (BRASIL, 1997, p. 39), e a
generalidade do tema é proposital, pois se comete injustiça quando se criam
93
limites opressivos medidos por visões unilaterais embasadas no preconceito,
como é o machismo, a homofobia, a xenofobia e o proselitismo.
Num território de múltiplas culturas (o que não é propriedade peculiar da
fronteira, se for levado em conta as dimensões continentais do Brasil), ao que
parece poderão surgir, de diversas ascendências, embates e competições na
cultura. Assim também se observa no decurso da história mundial. No entanto,
todas essas situações desvalorizarão o enriquecimento adquirido da diversidade
e da cultura se prevalecerem apenas as relações em sentidos horizontais e de
mão única. Isso é artifício da monoculturalidade.
O multiculturalismo é a resposta para essa situação, e essa realidade
necessariamente precisa ser encontrada no currículo escolar. O significado disso
não é apenas para o bojo predominante que engendra as estruturas curriculares,
porém toda a estrutura da escola, seja ou não de fronteira, necessita desenvolver
democracia, diálogo, reflexão, soluções pacificadoras nos conflitos, socialização,
equidade, justiça, e uma gama de outros aspectos que possam tolher o
progresso de fontes monoculturais para resultar em multiculturalidade. Então, a
proposição não é a simples inserção de mais dados para o estudo em sala de
aula. Há a necessidade de promoção de exercícios de diálogos sem degraus,
num mesmo plano, no interior da escola, em particular na Escola de Fronteira.
A ideia pode ser vista sob o aspecto metafórico e comparativo do conceito
de fronteira apresentado no capítulo 2: a Escola de Fronteira não é apenas a
instituição geograficamente alojada num território fronteiriço. Há possibilidades
para ampliar essa identidade. A Escola de Fronteira pode ser a estrutura que
tem algum limite, mas apenas material, pois ela tem seu significado
supraterritorial, ou seja, é a escola que não se preocupa apenas com o ensino
formal de seus estudantes, mas que participa ou fomenta a reflexão de sua
sociedade e auxilia na ampliação das conquistas de equidade desse grupo, mote
expresso na Educação Integral.
Um caminho indicativo desse percurso está no componente curricular
Formação Cidadã. Esse mecanismo de estudo pode ser visto como um processo
de superação de monoculturalidade a partir do ensejo de protagonismo social
para aqueles que participam de sua articulação no currículo escolar (estudantes,
educadores, equipe administrativa, comunidade circundante e familiares). Para
94
isso, a participação em rede e a abertura institucional se torna imperativa. É
desse movimento que o silenciamento cultural dessa fronteira perderá força.
É por meio desse “exercício” que a harmonia e a organização estrutural
dependerão menos das regras coercitivas e irrefletidas e darão autonomia de
expressão às crianças, adolescentes e jovens da Escola Básica. No mesmo
processo haverá espaço para o desenvolvimento do diálogo, não no sentido
dual, mas na acepção filológica grega que se traduz em “passagem”, ou seja, no
exercício de construção de informação para seguir adiante e, nesse caso,
ampliar as “vozes” de reflexão que militam no desenvolvimento dessa Fronteira.
O processo não é atribuição unívoca do professor, que é um dos
articuladores basilares na escola, mas deve-se ter atuação de toda a sociedade
nas políticas públicas, dos setores promotores da formação inicial e continuada
dos educadores, nos órgãos de gestão educacionais, sociais e de serviços para
os cidadãos. Todas essas esferas têm contato e inferência na escola e podem
encontrar nela um polo postulador para essas mudanças.
Não é a ação em sala de aula a única força para a mudança necessária
da articulação cultural da Educação Formal, já que a escola é uma construção
social e, por isso, necessita da participação de todos os segmentos que
compõem esse tecido. A mudança requer a participação dos governos, das
instituições, dos aparelhos sociais, da sociedade organizada e de todos
complexos que agem e vitalizam a sociedade.
O desenvolvimento da multiculturalidade não é dirigida apenas para a
escola, mas para toda a sociedade, uma vez que, ao ser desenvolvida nos
ambientes de irradiação, como é a educação, torna-se um processo
emancipatório acessível e mais dinâmico.
Em sala de aula, como se observou na seção 4, há grande número de
possibilidades para o desenvolvimento desse conceito, que precisa ser
instaurado a partir dos assuntos e conteúdos apresentados nas ações
educacionais, mas que deve fazer parte da rotina da instituição. Isso significa,
por exemplo, que situações como o fim do analfabetismo estejam presentes na
vida dos colaboradores técnicos que fazem a limpeza dos ambientes escolares
e não sejam apenas voltadas para o arrefecimento de estatísticas futuras ou
programas governamentais. Ou seja, é possível desenvolver essa bandeira e ter
no seio educacional pessoas que são analfabetas ou com o ensino incompleto.
95
A escola também precisa ser promotora de diálogo multiétnicos, sexuais,
plurirreligiosos em seus diversos níveis de organização.
Distante da apresentação de um receituário que desemboque na escola
multicultural, a proposta é articular as bases educacionais já presentes no PNE,
PME e outros arcabouços formais da educação.
Com isso, o componente curricular Formação Cidadã pode adquirir mais
predicados que os demais. Isso é real se a preocupação não for resultado
esperado apenas para as avaliações institucionais, a criação de rankiamento ou
situações superficiais para qualidade educacional. Há variadas formas para esse
caminho (ou descaminho), mas pode-se propor ou evidenciar alguns, a partir das
pesquisas e experiências acondicionadas nesta dissertação.
O primitivo passo está ligado à ideia de ampliação do conceito de
Currículo, que vai além dos conteúdos ministrados durantes as aulas, mas que
toca em todas as atuações em todos os setores educativos, em especial
naqueles ainda de reprodução do senso comum irrefletido e presente no
chamado currículo oculto dos educadores. Essa ação educativa é mais que
reproduzir conceitos. Ela necessita de interação entre os participantes de modo
a constituir diálogo e interferências propositivas para melhor qualidade, seja
social ou de convivência equitativa.
Um dos melhores meios para essa proposta está na abertura de espaços
de protagonismo dos estudantes, como apresentado nos projetos desenvolvidos
entre os anos de 2013 a 2015 na EMEI Tilma Fernandes Veiga (capítulo 4).
Tais ações necessitam de propostas intencionais de formação e
composição do perfil do profissional de educação para esse componente
curricular. A formação deve principiar de todos os meios antropológicos,
filosóficos, históricos, libertos do preconceito em relação aos povos presentes na
fronteira, e desenvolver relações comprometidas com a emancipação e a
multiculturalidade sem polarizações ou hegemonias de uma ou outra cultura.
Partindo do pressuposto de que o estudante precisa exercer a cidadania,
conforme o objetivo da Educação Básica expresso na LDB (Artigo 22), é fato que
ele precisa conhecer sua sociedade, as relações humanas e tudo mais que se
conceitua cidadania. A proposta da Pedagogia de Projetos pode permitir esse
conhecimento, por ser um meio que impele conhecimentos mais amplos que os
comumente apresentados nos programas escolares cartesianos. A escola não é
96
um sistema fabril de produção de cidadãos, ela é uma das maneiras de
desenvolvimento humano e social de grande importância, devido à sua
elaboração e alcance.
Essa forma de estudo pode ser ainda mais profícua se for desagregado o
sistema avaliativo que apenas espera resultados e reprodução de saberes, como
as avaliações escritas embasadas em cópias dos escritos dos livros didáticos e
repasses do professor, ou seja, sem discussão crítica e pontuada na realidade
vivida na sociedade. A avaliação precisa aprimorar seu alcance e superar o
processo de atribuição numérica segundo as métricas cartesianas para a
promoção ou não dos estudantes. Especialmente porque a finalidade desse
componente curricular não permite respostas apenas aguardadas; ele pode e
deve fomentar a reflexão e a crítica para o desenvolvimento de novas perguntas
e processos de cogitação.
Não se pode acreditar que a educação tem planos paladinos para a
sociedade, mesmo com toda sua importância social, no entanto sua atuação
permite a descobertas de muitas soluções para os limites sociais e toda forma
de coibição da qualidade para o desenvolvimento humano. Tendo como base
essa ideia, o estudo apresentado não se postula como único e absoluto, mas faz
coro a grande número de outros que almejam a emancipação e equidade em
todos os territórios, em especial naqueles tradicionalmente colocados à margem
de qualquer fronteira.
97
REFERÊNCIAS
AMARAL, M. R. Formação da fronteira Brasil-Bolívia e o Tratado de Roboré. Dissertação. 2014 . Mestrado em Estudos Fronteiriços. Fundação Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campus Pantanal. Corumbá, 2014.
APPLE, M W. Ideología y currículo. Madrid: Ediciones Akal, 1986.
_______. Educando à Direita. Mercados, Padrões, Deus e Desigualdade. São Paulo: Cortez; Instituto Paulo Freire, 2003. (Biblioteca Freiriana; v.5)
BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais : apresentação dos temas transversais, Ética / Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1997. 146p.
BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: pluralidade cultural, orientação sexual. Brasília: MEC/SEF, 1997. v. 10.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília-DF: Senado, 1998a.
BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Lei n°. 9.394/96, de 20 de dezembro de 1996. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Brasília: MEC, 1998.
BRASIL. Ministério da Educação (MEC). A Educação como exercício de diversidade. Brasília: UNESCO; MEC; ANPEd, 2005.
BRASIL. Ministério da Integração Nacional. Proposta de Reestruturação do Programa de Desenvolvimento da Faixa de Fronteira. Brasília: MIN, 2005.
BRASIL. Ministério da Educação (MEC). A Escola de Fronteira. Brasília: MEC, 2006.
BRASIL. Ministério da Educação (MEC) / Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade (Secad). Programa Mais Educação, passo a passo. Brasília, 2008.
BRASIL. Ministério da Educação (MEC) / Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade (Secad). Educação integral: texto referência para o debate nacional. Brasília, 2009.
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica / Diretoria de Concepções e Orientações Curriculares para a Educação Básica. Subsídios para diretrizes curriculares nacionais específicas da educação básica. Brasília: MEC: 4 de agosto de 2009b. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/subsidios_dcn.pdf>. Acesso em: 15 mai. 2015.
BRASIL. LDB: Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - Lei nº. 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. 5. ed. Brasília: Câmara dos Deputados; Coordenação Edições Câmara, 2010a. (Série Legislação, nº. 39).
BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Básica. Resolução CNE/CEB nº. 4, de 13 de julho de 2010b. Define
98
Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Básica. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&task=doc_download&gid=5916&Itemid=>. Acesso em: 10 maio 2015.
BUMLAI, D.U.M. Ações interculturais nas Escolas de Fronteiras: integração e preservação da identidade. 2015. Dissertação. (Mestrado em Estudos Fronteiriços). Fundação Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campus Pantanal. Corumbá, 2015
CAMPOS, D.L. Globalização e fronteira: um estudo de caso sobre a Brasbol em Corumbá, MS. 2011. Dissertação. (Mestrado em Estudos Fronteiriços). Fundação Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campus Pantanal. Corumbá, 2011.
CANDAU, V.M. Diferenças culturais, cotidiano escolar e práticas pedagógicas. Currículo sem Fronteiras, v.11, n. 2, p. 240-255, jul./dez. 2011.
_______. “Educação escolar e cultura(s): multiculturalismo, universalismo e currículo”. In: CANDAU. V. M. (Org.). Didática: questões contemporâneas. Rio de Janeiro: Forma & Ação, 2009b.
CANEN, A. ; OLIVEIRA, A. M. A. de. “Multiculturalismo e currículo em ação: um estudo de caso”. Revista Brasileira de Educação, n. 21, p. 61-74, set./dez., 2002.
CAVALIERE, A.M.V. “Educação Integral: uma nova identidade para a escola brasileira?”. Educação & Sociedade, Campinas-SP, v. 23, n. 81, p. 247-270, dez. 2002.
COSTA, G.V. da. ; OLIVEIRA, G.F. “Esquemas de fronteira em Corumbá (MS): negócios além do legal e do ilegal”. Revista Dilemas, Rio de Janeiro, v. 7, n. 2, p. 207-232, abr./mai./jun. 2014.
COSTA, G.V.L. "As fronteiras da identidade em Corumbá-MS: significados, discursos e práticas". In: COSTA, G. V. L da.; COSTA, E. A. ; OLIVEIRA, M. A. M. (Orgs.). Estudos fronteiriços. Campo Grande: Editora da UFMS, 2010.
_______. Os muros invisíveis. Tempo Social - Revista de Sociologia da USP, São Paulo, v. 25, n. 2, 2013.
CORTELLA, M. S. A escola e o conhecimento: fundamentos epistemológicos e políticos. 12. ed. São Paulo: Cortez, 2008.
CRESWELL, J.W. Projeto de Pesquisa: métodos qualitativos, quantitativo e misto. Trad. de Magda Lopes. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2010.
FAGUNDES, L. da C., et al. "Projetos de Aprendizagem - uma experiência mediada por ambientes telemáticos". Revista Brasileira de Informática na Educação. (2006) . Disponível em: <http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/me003153.pdf>. Acesso em: 15 de dezembro de 2015
FERRARI, M. As noções de fronteira em Geografia. Revista Perspectiva Geográfica, Marechal Cândido Rondon-PR – Unioeste, v.9, n.10, 2014.
FORQUIN, J. O Currículo entre o relativismo e o universalismo. Educação & Sociedade, v. 21, n. 73, dez./2000. Disponível em: <http//:www.cedes-gru.unicamp.br/revista/index.html.>. Acesso em: jan. 2016.
99
GEERTZ, C. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 2013.
GRIGNON, C. “Cultura dominante, cultura escolar e multiculturalismo popular”. In: SILVA, T. T. da. (Org.). Alienígenas na sala de aula: uma introdução aos estudos culturais em educação. 6. ed. Petrópolis-RJ: Vozes, 2005. p. 178-189.
HALL, S. Da Diáspora: identidades e mediações culturais. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2006.
HOUAISS. A. Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa. Versão 2.a Portable. Rio de Janeiro: Objetiva, 2007.
LESCANO, E. C.; GUERRA, V. M. L. Linguagem, verdade e poder: a gíria em Estação Carandiru. In: ______. (Orgs.). Culturas do contemporâneo: projetos locais, leituras globais. Campo Grande: Editora da UFMS, 2010.
LORIERI, M. A; RIOS, T. A. Filosofia na escola: o prazer da reflexão. São Paulo: Moderna, 2004. (Col. Cotidiano Escolar).
MACHADO, L.O. “Limites e fronteiras: da alta diplomacia aos circuitos da ilegalidade”. Revista Território, Rio de Janeiro, v. 8, p. 9-29, 1996.
MARIANI, M.A.; FISCHER, R.M. “As territorialidades de empreendimentos econômicos solidários (EES) no contexto de um sistema produtivo do turismo: um estudo de caso em Corumbá - MS”. Revista Brasileira de Ecoturismo, São Paulo, v. 7, n. 2, p. 412-433, mai./jul. 2014.
MARTINS, G.A.; THEÓPHILO, C.R. Metodologia da investigação científica para ciências sociais aplicadas. São Paulo: Atlas, 2007.
MARX, K. O Capital. V. 1. livro 1, t. 1. São Paulo: Abril Cultural, 1983.
MOLL, J. Histórias de vida, histórias de escola: elementos para uma pedagogia da cidade. Petrópolis-RJ: Vozes, 2000.
MOREIRA, A.F.B. “A recente produção científica sobre currículo e multiculturalismo no Brasil (1995- 2000): avanços, desafios e tensões”. Revista Brasileira de Educação, São Paulo, v.18, p. 65-81, 2001.
MOREIRA, A.F.B.; CANDAU, V M. Indagações sobre currículo: currículo, conhecimento e cultura. Brasília: MEC/SEB, 2007.
NEVES, O. Dicionário da origem das palavras. Lisboa: Oficina do Livro, 2012.
NOLASCO, E.C; GUERRA, V. M. L. (Orgs.). Culturas do contemporâneo: projetos locais, leituras globais. Campo Grande: Editora da UFMS, 2010.
NOVAIS, Sandra N. S. Ruínas de Xerez: marco histórico do colapso do projeto castelhano em Mato Grosso (1593-1632). 2004. Dissertação. (Mestrado em História Região e Identidades). Fundação Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campus Dourados, 2004.
PEREIRA, J. E. D. “As licenciaturas e as novas políticas educacionais para a formação docente”. Educação & sociedade, Campinas-SP, v. 20, n. 68, p. 109-125, 1999.
______. Quando a diversidade interroga a formação docente. Belo Horizonte: Autêntica, 2008.
100
PÉREZ GÓMEZ, A.I. A cultura escolar na sociedade neoliberal. Porto Alegre: Artmed, 2001.
PESAVENTO, S. J. “Fronteiras culturais em um mundo planetário: paradoxos da(s) identidade(s) sul-latino-americana(s)”. Revista del CESLA - Centro de Estudios Latinoamericanos, Universidad de Varsovia, n. 8, p. 9-19, 2006.
RAFFESTIN, C. Por uma geografia do poder. Trad. de Maria Cecilia França. São Paulo: Ática,1993.
SACRISTÁN, G.J. O currículo: uma reflexão sobre a prática. Porto Alegre: Artmed,1998.
SANTOS, M. A natureza do espaço. Técnica e tempo. Razão e emoção. 2. ed. São Paulo: Hucitec, l997.
SANTOMÉ, J.T. “As culturas negadas e silenciadas no currículo”. In: SILVA, T. T. da. (Org.). Alienígenas na sala de aula: uma introdução aos estudos culturais em educação. Petrópolis-RJ: Vozes, 2005. p. 159-177.
SAYAD, A. Imigração ou os paradoxos da alteridade. São Paulo: Edusp,1998.
SCHNEIDER, J. Discursos simbólicos e símbolos discursivos: considerações a sobre a etnografia da identidade nacional. Mana, Rio de Janeiro, v.10, n.1, p. 97-129, abr. 2004.
SILVA, T.T. Documentos de identidade: uma introdução às teorias do currículo. Belo Horizonte: Autêntica, 1999.
_______. (Org.). Identidade e diferença – A perspectiva dos estudos culturais. Petrópolis-RJ: Vozes, 2000. 133p.
_______. Alienígenas na sala de aula: uma introdução aos estudos culturais em educação. Petrópolis-RJ: Vozes, 2003.
WOGEL, L. dos S. Filosofia e ócio: possibilidades originárias de formação para o Ensino Médio. 2014. Tese. (Doutorado em Educação: Currículo). São Paulo, Pontifícia Universidade Católica, 2014.
101
ANEXO 1 – Entrevista com Educadores da Base Diversificada
Programa de Mestrado em Estudos Fronteiriços – UFMS CPAN
Data:____________
1. Há quantos anos você leciona? ( ) Há 01 ano ( ) De 02 a 05 anos ( ) De 06 a 10 anos ( ) Há mais de 10 anos
2. Há quantos anos você leciona na mesma escola? ( ) Há 01 ano ( ) De 02 a 05 anos ( ) De 06 a 10 anos ( ) Há mais de 10 anos
3. Há quantos anos leciona disciplinas da Base Diversificada? ( ) É o 1º ano ( ) De 02 a 05 anos ( ) De 06 a 10 anos
4. Marque quais disciplinas você leciona: ( ) Formação Cidadã ou Cidadania e Diversidade ( ) Musicalização ( ) Comunicação e Mídias ( ) Linguagem e Intr. Literária ( ) Expressão Corporal ( ) Projeto e Pesquisa ( ) PTO ( ) Outras_________________________________
5. Para quais séries leciona, atualmente? ( )Pré I ( )Pré II ( )1ª ( )2ª ( )3ª ( )4ª ( )5ª ( )6ª ( )7ª ( )8ª ( )9ª
6. Em qual(is) unidade Educacional(is) você leciona? _____________________________________________________________
7. O que lhe parece a ser a Fronteira? ( ) Um lugar bom para viver ( ) Um lugar perigoso ( ) Um lugar para conhecer
8. Qual o maior conflito ou dificuldade para a atuação docente nas disciplinas da Base Diversificada? _____________________________________________________________
9. Em sua sala de aula há estrangeiros? ( ) Sim ( ) Não 10. Você acredita que a matéria Formação Cidadã contribui para a qualidade da Educação? ( ) Sim ( ) Não Por que? _____________________________ Você realizou algum curso de formação específico para lecionar na Base Diversificada? ( ) Sim ( ) Não Por que? _____________________________ 11. Você é fronteiriço? ( ) Sim ( ) Não
Indique 05 temas essenciais para serem tratados nas aulas das disciplinas da Base Diversificada? _____________________________________________________________
12. “Quando seguimos as regras somos recompensados; mas se não obedecemos seremos punidos”. Essa é uma ideia na sua atuação em sala de aula? Por que?
_____________________________________________________________ O que é multiculturalidade, em sua opinião? _____________________________________________________________ Lecionar as disciplinas da Base Diversificada é opção que você escolheria caso lhe fosse permitida a escolha? Por que? _____________________________________________________________
13. Qual o objetivo geral das disciplinas da Base Diversificada, na sua opinião? _____________________________________________________________
14. “A Escola é monocultural”. Você concorda ou discorda com a afirmação?
102
( ) Concordo ( ) Discordo Por que? ________________________________
15. O que é Fronteira? ______________________________________________ 16. Em sua opinião, por que foram inseridas as atuais disciplinas da Base
Diversificada no currículo escolar? _________________________________ 17. Qual a principal função da Educação, em sua opinião? __________________ 18. Você alteraria algo nas disciplinas da Base Diversificada que você leciona? O
que?_________________________________________________________ 19. Como você realiza as avaliações e atribui as notas aos estudantes nas
disciplinas da Base diversificada? _____________________________________________________________
Obrigado por responder essas perguntas.
Caso queira receber um feedback sobre esse questionário, insira seu e-
mail:_________________________________________________________
103
ANEXO 2 – Gráficos das Respostas da Pesquisa
4,00
14,00
3,00
9,00
1,00
0,00
2,00
4,00
6,00
8,00
10,00
12,00
14,00
16,00
Há 01 ano De 02 a 05 anos De 06 a 10 anos Há mais de 10anos
Não respondeu
Há quantos anos você leciona?
10,00
15,00
4,00
1,00 1,00
0,00
2,00
4,00
6,00
8,00
10,00
12,00
14,00
16,00
Há 01 ano De 02 a 05 anos De 06 a 10 anos Há mais de 10anos
Não respondeu
2. Há quantos anos você leciona na mesma escola?
104
- 5,00 10,00 15,00 20,00 25,00
É o 1º ano
De 02 a 05 anos
De 06 a 10 anos
Não respondeu
Há quantos anos você leciona disciplinas da Base Diversificada?
12,00
1
0,00 5,00 10,00 15,00 20,00 25,00 30,00
4. Marque as disciplinas que você leciona na Base Diversificada
Outras
PTO
Projeto e Pesquisa
Expressão Corporal
LILT
Comunicação e Mídias
Musicalização
105
7,008,00
17,00 17,00 17,00
19,00
17,00
12,0011,00
10,009,00
0,00
2,00
4,00
6,00
8,00
10,00
12,00
14,00
16,00
18,00
20,00
Pré I Pré II 1ª 2ª 3ª 4ª 5ª 6ª 7ª 8ª 9ª
5. PARA QUAIS SÉRIES LECIONA, ATUALMENTE?
Luiz Feitosa42%
Escola das Águas10%
Eutrópia10%
Tilma F. Veigas17%
Rachid7%
Cyriaco de Toledo
14%
6. Qual Unidade Educacional você Leciona?
Luiz Feitosa
Escola das Águas
Eutrópia
Tilma F. Veigas
Rachid
Cyriaco de Toledo
106
0,00
5,00
10,00
15,00
20,00
25,00
Um lugar Bompara Viver
Um lugarperigoso
Um lugar paraconhecer
Não Respondeu
7. O que lhe parece ser a Fronteira?
0,00
2,00
4,00
6,00
8,00
10,00
12,00
14,00
16,00
Sim Não Não Respondeu
9. Em sua sala de aula há estrangeiros?
107
-
5,00
10,00
15,00
20,00
25,00
30,00
35,00
Sim Não Não respondeu
10. Você acredita que o Componente Curricular "Formação Cidadã" contribui para
a qualidade da Educação?
0,00
5,00
10,00
15,00
20,00
Sim Não Não Respondeu
11. Você realizou algum curso de formação específico para lecionar na Base Diversificada?
108
0,00
5,00
10,00
15,00
Sim Não Não Respondeu "Talvez"
14.“Quando seguimos as regras somos recompensados; mas se não obedecemos seremos punidos”. Essa é uma ideia na sua
atuação em sala de aula?
0,00
5,00
10,00
15,00
20,00
25,00
Sim Não Não Respondeu
16.Lecionar as disciplinas da Base Diversificada é opção que você escolheria caso lhe fosse
permitido?
109
ANEXO 3 – Dados do QEdu da EMEI Tilma Fernandes Veiga
110
111
112
113
114