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AEDITORAFORENSEseresponsabilizapelosvciosdoprodutonoqueconcernesuaedio(impressoeapresentaoafimdepossibilitaraoconsumidorbemmanuselo e llo). Nem a editora nem o autor assumem qualquerresponsabilidadeporeventuaisdanosouperdasapessoaoubens,decorrentesdousodapresenteobra.
Todos os direitos reservados. Nos termos da Lei que resguarda os direitosautorais, proibida a reproduo total ou parcial de qualquer forma ou porqualquer meio, eletrnico ou mecnico, inclusive atravs de processosxerogrficos,fotocpiaegravao,sempermissoporescritodoautoredoeditor.
ImpressonoBrasilPrintedinBrazil
DireitosexclusivosparaoBrasilnalnguaportuguesaCopyright2017byEDITORAFORENSELTDA.UmaeditoraintegrantedoGEN|GrupoEditorialNacionalTravessadoOuvidor,11Trreoe6andar20040040RiodeJaneiroRJTel.:(21)35430770Fax:(21)[email protected]|www.grupogen.com.br
Otitularcujaobraseja fraudulentamentereproduzida,divulgadaoudequalquerformautilizadapoderrequereraapreensodosexemplaresreproduzidosouasuspensodadivulgao,semprejuzodaindenizaocabvel(art.102daLein.9.610,de19.02.1998).Quemvender,expuser venda,ocultar, adquirir, distribuir, tiveremdepsitoouutilizarobraoufonogramareproduzidoscomfraude,comafinalidadedevender,obterganho,vantagem,proveito, lucrodiretoouindireto,parasiouparaoutrem,ser solidariamente responsvel com o contrafator, nos termos dos artigosprecedentes, respondendo como contrafatores o importador e o distribuidor emcasodereproduonoexterior(art.104daLein.9.610/98).
Capa:DaniloOliveira
ProduoDigital:OneStopPublishingSolutions
1edio197025edio2017
Fechamentodestaedio:02.01.2017
CIPBrasil.Catalogaonafonte.SindicatoNacionaldosEditoresdeLivros,RJ.
P49i
Pereira,CaioMriodaSilva,
Instituies de direito civil Vol. IV / Atual. Carlos Edison do RgoMonteiroFilho.25.ed.RiodeJaneiro:Forense,2017.
Bibliografia.ISBN9788530974589
Contedo.V.1.Introduoaodireitocivil: teoriageraldodireitocivil.V.2.Teoriageraldasobrigaes.V.3.Contratos.V.4.Direitosreais.V.5.Direitodefamlia.V.6.Direitosdassucesses.I.Direitocivil.II.DireitoCivil.Brasil1.Ttulo.
CDU247347(81)
342.1
AOSMEUSFILHOS
dedicoestevolumequetratadosbens,paraqueaestessaibamsempresobreporos
valoresmorais.
284.285.286.287.288.289.
290.291.292.293.294.
295.296.297.
NDICESISTEMTICO
NotadoAtualizador
Prefcio
Introduo
PartePrimeiraAPosse
CaptuloLXIVGeneralidadessobreaPosse
ConceitodeposseTeoriassobreaposseNaturezajurdicadaposseClassificaodaposseComposseFundamentodatutelapossessria
CaptuloLXVAquisioePerdadaPosse
AquisiodaposseemgeralAquisiooriginriadaposseAquisioderivadaPerdadapossedascoisasPerdadapossedosdireitos
CaptuloLXVIEfeitosdaPosse
EfeitosdaposseemgeralAespossessriasIndenizaraopossuidor
ParteSegundaAPropriedade
298.299.299A.300.301.301A.301B.301C.301D.
302.303.304.
305.306.307.308.308A.308B.308C.
309.309A.310.311.312.313.
314.315.316.
CaptuloLXVIIPropriedadeemGeral
SociologiadapropriedadeConceitoeelementosdapropriedade:seuobjetoPropriedaderesolvel
ExtensododireitodepropriedadeRestriesaodireitodepropriedadePropriedadeurbanaBensdaUnioBensdosEstadosConcessodedireitorealdeuso
CaptuloLXVIIIAquisiodaPropriedadeImvel
AquisiodapropriedadeemgeralRegistroAcesso
CaptuloLXIXUsucapio
AquisioporusucapioemgeralUsucapioextraordinriaUsucapioordinriaUsucapioespecialUsucapioespecialssimaPolticaagrcolaefundiriaUsucapioadministrativa
CaptuloLXXAquisiodaPropriedadeMvel
OcupaoDescoberta
EspecificaoConfuso,comisso,adjunoUsucapioTradio
CaptuloLXXICondomnio
ConceitodecondomnioDireitosedeveresdoscondminosnocondomniovoluntrioAdministraodocondomniovoluntrio
317.318.319.319A.319B.319C.
320.321.322.323.324.325.326.326A.
327.328.329.330.
330A.330B.330C.330D.330E.
331.332.333.334.
ExtinodocondomniovoluntrioCondomnionecessrioCondomnioedilcioDireitosedeveresdoscondminosnocondomnioedilcioAdministraodocondomnioedilcioExtinodocondomnioedilcio
CaptuloLXXIIDireitosdeVizinhana
RelaesdevizinhanaUsoanormaldapropriedadervoreslimtrofesPassagemforadaPassagemdecabosetubulaesguasLimitesentreprdiosedireitodetapagemDireitodeconstruir
CaptuloLXXIIIPerdadaPropriedade
Alienao.Renncia.AbandonoPerecimentodoobjetoUsucapioDesapropriao
CaptuloLXXIIIADireitodeSuperfcie
Origem.PosionaslegislaesestrangeirasenoDireitoptrioConceito.CaractersticasTransferciadodireitodesuperfcieExtinododireitodesuperfcieDireitodesuperfcieepessoajurdicadedireitopblico
ParteTerceiraDireitosReaisLimitadosdeGozoouFruio
CaptuloLXXIVEnfiteuse
ConceitoehistriaDireitosedeveresdoenfiteutaDireitosedeveresdosenhoriodiretoExtinodeenfiteuse
335.335A.
336.337.338.339.
340.341.342.343.344.
345.
346.347.348.349.
350.351.352.353.354.354A.354B.355.
TerraspblicasAConstituiode1988
CaptuloLXXVServides
Conceito.Classificao.CaracteresConstituiodasservidesDireitosedeveresExtinodasservides
CaptuloLXXVIUsufruto.Uso.Habitao
NoesgeraisDireitosdousufruturioDeveresdousufruturioExtinodousufrutoUsoehabitao
CaptuloLXXVIIRendaConstitudasobreImvel
Rendavinculadaaimvel
ParteQuartaDireitosReaisLimitadosdeGarantia
CaptuloLXXVIIIDireitosReaisdeGarantiaemGeral
Noesgerais:garantiapessoalereal.RequisitosEfeitos:privilgio.Excusso.IndivisibilidadeClusulacomissriaVencimento:normaleantecipado
CaptuloLXXIXPenhor
Noesgerais.ElementosdopenhorEfeitosdopenhorPenhorlegalPenhorruralPenhorindustrialemercantilPenhordeveculosPenhordedireitosettulosdecrdito
Extinodopenhor
356.357.358.359.360.361.362.363.364.
364A.364B.364C.364D.
365.366.367.367A.
CaptuloLXXXHipotecaeAnticrese
Noesgerais.CaracteresjurdicosdahipotecaRequisitosobjetivoesubjetivodahipotecaRequisitoformal.Ttulo.Especializao.InscrioEfeitosdahipotecaRemiohipotecriaHipotecalegalehipotecajudicialExtinodahipotecaCancelamentodainscriohipotecriaAnticrese
CaptuloLXXXAPropriedadeFiduciria
GeneralidadessobrenegciofiducirioConceito,requisitoseextensodapropriedadefiduciriaObrigaesdoalienanteedoadquirenteExecuodocontrato
ParteQuintaDireitoRealdeAquisio
CaptuloLXXXIPromessaIrrevogveldeVenda
ContratopreliminaredireitorealRequisitosdodireitorealdepromessadevendaEfeitosLoteamentos
A
INTRODUO
sInstituiesdeDireitoCivilprosseguem.
Eaquivai,deincio,onossoagradecimento.Aosestudantes,aosadvogados,aos professores, aos magistrados, que as prestigiam, adotandoas, citandoas,indicandoas,invocandoas.Aosque,empblicamanifestao,lhesderamoseuaplauso. Ao Instituto dos Advogados Brasileiros, que as considerougenerosamente,aoconcederaseumodestoautoraMedalhaTeixeiradeFreitas.
***
Prosseguem,agora,comosDireitosReais,designaoquedesdeSavignysevem difundindo e aceitando, posto que a denominao clssica Direito dasCoisastenhasidoconsagradanoCdigoCivilBrasileirode1916,emantidanoCdigoCivilde2002,comoprevaleceranoBGBde1896.
J tivemos ensejo de os conceituar, distinguindoos dos de crdito (v. n 7,supra, vol. I), dizendo que os primeiros (iura in re) traduzem uma dominaosobre a coisa, atribuda ao sujeito, e oponvel erga omnes, enquanto os outrosimplicamafaculdadedeexigirdesujeitopassivodeterminadoumaprestao.
No , contudo, erma de controvrsia a matria. Ao invs, eriada dediscusses.No faltamescritoresanegaradiferenaentreunseoutrosdireitos(Demogue), opinando que se caracterizam apenas em razo da intensidade(direitosfortesedireitosfracos).Maisrecentemente,Perlingierialinhasedentreos que refutam a existncia de uma precisa separao.1 Outros proclamam oartificialismo da distino (Thon, Schlossmann), e negam a existncia dosdireitosreais,queaseuvernopassariamdeumprocessotcnico,utilizadopelodireito positivo, ao instituir restries conduta humana, em benefcio dedeterminadaspessoas.
Mesmodentreosqueaceitamadicotomia lavra indisfarvel/disparidadedepareceres,hosqueenxergam,nosdireitosreais,umarelaodesubordinaodacoisa mesma ao sujeito (Vittorio Polacco, De Page, Orosimbo Nonato),
vinculandoos ideia de assenhoreamento sem intermedirios, entre a coisa e otitular.Outroshquesituamadiversificaonumaideiadepercussododireito(Windscheid,MarcelPlaniol),econsideramrelativososdecrditoseabsolutosos reais. Sem embargo dos opinados patronos, subsiste a dvida, e duplamentedesenvolvida.Poisdeumladolevantasecontraoabsolutismodosdireitosreaisa objeo no sentido de que nenhum direito absoluto (Josserand), mas todostm o seu exerccio condicionado s implicaes sociais que conduzem suarelatividade. De outro lado arguise que, a aceitar o conceito da existncia dedireitosabsolutos,abrangeriamestes,foradosdireitosreais,outrasclassescomoo status das pessoas, seu nome, sua vida e integridade fsica (direitos dapersonalidade).
Paraoutracorrente,realodireitoquandooseutitulardispedeexecuoreal, isto , tem a faculdade de conseguir coativamente a coisa prometida,privando dela o promitente (Ziebarth), o que sem ser inexato leva a umaconfiguraodemasiadotcnicae,soboaspectodidtico,muitopoucoprtica.
Aceita,pois,adiferenciao,comoonageneralidadedosautores,soduasasescolasquesedigladiam:realistaepersonalista.
Para a doutrina realista, o direito real significa o poder da pessoa sobre acoisa,numarelaoqueseestabelecediretamenteesemintermedirio,enquantoodireitodecrditorequersemprea interposiodeumsujeitopassivo,devedorda prestao, independentemente de consistir esta na entrega de uma coisa, narealizaodeumfato,ounumaabsteno.2
Em oposio teoria realista, tambm chamada tradicional ou clssica,ergueuse a personalista. Na base de sua construo situase um conceitoessencial, geralmente admitido, e que Emanuel Kant muito bem expressou,segundo o qual no de ser aceita a instituio de uma relao jurdicadiretamenteentreapessoadosujeitoeaprpriacoisa,umavezquetododireito,correlatoobrigatriodeumdever,necessariamenteumarelaoentrepessoas.3
Nodireitodecrditoh,obviamente,doissujeitosemconfronto:osujeitoativo,reuscredendi, em cujo favor ou benefcio a situao jurdica, se constitui e osujeitopassivo,reusdebendi,quesevinculaaoprimeiroe lhedeveaprestao.Armase a relao jurdica, ostensivamente, entre uma pessoa e outra pessoadeterminada.Nodireito real existeumsujeitoativo, titulardodireito, ehumarelao jurdica, que se no estabelece coma coisa, pois que esta o objeto dodireito,mas tema faculdadedeoplaergaomnes, estabelecendosedesta sorte
uma relao jurdica em que sujeito ativo o titular do direito real, e sujeitopassivoageneralidadeannimadosindivduos.Enquantonodireitodecrditohum sujeito passivo, contra o qual o titular da relao jurdica podeindividualmente opor a facultas agendi, no direito real ficalhe reconhecido opoderdeoploindiscriminadamenteatodaasociedade.Odireitopessoaloudecrdito tem um sujeito passivo determinado no direito real, ao sujeito ativoconhecidoopeseoquesedenominasujeitopassivouniversal.
Se certo que, algumas vezes, pode ocorrer a hiptese de ius in re comdevedor determinado (e. g., a constituio de servido sobre imvel), e se seadmiteemtesedireitocomobrigaorealinfaciendo,4nemporistosedesfiguraaoponibilidadeda facultas a todoaqueleque receba,detenhaouadquiraacoisavinculada.Tantomaisqueessesoutrosconstituemmaistecnicamenteacategoriadas chamadas obrigaes propter rem ou obrigaes ob rem, a que noretornamos,porhavlasestudadonon131,supra,vol.II.
No faltam escritores modernos a defender a teoria realista, opondo personalista argumentao ora em profundidade, ora meramente especiosa. Naverdade,defendeDePage(inloc.cit.)adoutrinaclssica,comadistinoacimaresumida:odireitorealcaracterizasepelofatodeexercersediretamente,isto,mediante a utilizao da coisa sem qualquer intermedirio. Ao passo que nodireito pessoal o sujeito ativo no pode ter a utilizao da coisa sem aintermediao de um devedor, ou sujeito passivo determinado. Os irmosMazeaud explicam a teoria clssica, dizendo que o direito pessoal exercidocontraumapessoaenquantoodireitorealcomportaumsujeitoativo(otitulardodireito) e um objeto (a coisa sobre que versa o direito), criando um elementoativo no patrimnio do titular.5 De seu lado, Marty e Raynaud criticam aexistnciadosujeitopassivouniversalcomoargumentosegundooqualninguminscreveemseupatrimnioovalornegativoconsistenteemrespeitarosdireitosreaisdeoutrem,oque,emltimaanlise,noseriaumaobrigaogeralnegativa,masumaregradeconduta.6
No obstante o desfavor que perante bons autores envolve a doutrinapersonalista,elacontinua,dopontodevistafilosfico,amereceraplausos.Semdvidaquemuitomaissimpleseprticodizerqueodireitorealarmaseentreosujeito e a coisa, atravs de assenhoreamento ou dominao.Mas, do ponto devistamoral,noencontraexplicaosatisfatriaestarelaoentrepessoaecoisa.Todo direito se constitui entre humanos, pouco importando a indeterminao
subjetiva,que,alis,emnumerosasocorrnciasaparece,semrepulsaouprotesto.Enocasodapessoajurdica,necessriaasuapersonificaohominumcausa,afimde que se revista da titularidade jurdica.A teoria realista seria entomaispragmtica. Mas encarada a distino em termos de pura cincia, a teoriapersonalistamaisexata.
Assentado que a relao jurdicoreal cria a facultas, que o titular exercecontra quem quer que o moleste, e opena generalidade annima dosindivduos, tendo por objeto uma coisa especificamente, suas caractersticasressaltam,taiscomoateoriarealista,semqueadiversidadetemticalhesponhabices:
1.Odireito realoponvelergaomnes, enquantoodireitode crditoo aumsujeitopassivodeterminado.
2.Oobjetododireitorealsempredeterminado,aopassoqueododireitodecrditobastasejadeterminvel.
3.O ius inre exigeaexistnciaatualdacoisa,emcontraposioao ius adpersonam,compatvelcomasuafuturidade.
4. O direito real exclusivo, no sentido de que se no compadece com apluralidadedesujeitoscomiguaisdireitos.
5.Odireitorealadquireseporusucapio,aopassoqueosdireitosdecrditonosuportamestemododeaquisio.
6.Osdireitosdecrditoextinguemsepelainrciadosujeito,aopassoqueosreais conservamse, no obstante a falta de exerccio, at que se constitua umasituaocontrria,emproveitodeoutrotitular.
7. Os direitos reais so providos da prerrogativa de acompanharem a coisa(ambulatoriedade), autorizando o titular a exerclos contra quemquer que comelaseencontre(sequela).
8.O titular dodireito real tema faculdadede receber privilegiadamente emcaso de falncia ou concurso creditrio, sem se sujeitar ao rateio, cabendolhe,dentrodoslimitesdeseucrdito,embolsaroprodutodavendadacoisagravada(preferncia).
9.O titular de umdireito real, que no possamais suportar seus encargos,temafaculdadedeabandonlo,oquenocabenotocanteaosdireitosdecrdito.
10.Osiurainresosuscetveisdeposse,osdecrditonoso.7
Os direitos reais classificamse, genericamente, em duas categorias: sobre
coisaprpriaesobrecoisaalheia.Noprimeiroplano,estapropriedade,direitorealporexcelncia,oudireitorealpleno.Nosegundo,situamseosdireitosreaislimitados de fruio ou gozo (enfiteuse, servido, uso, usufruto, habitao,direito de superfcie, a concesso de uso especial para fins de moradia, aconcesso de direito real de uso e a laje) eos de garantia (hipoteca, anticrese,penhor,propriedadefiduciria),almdaposse,queocupalugardestacadoe,numderradeiro plano, surge novo direito real, gerado pelas exigncias da vidamoderna, ocupando lugar destacado: direito real de aquisio (promessairrevogveldevenda).
Oaspecto,igualmentepreponderante,nacaracterizaodosdireitosreais,asua limitao legal.8 Somente o legislador (no Cdigo ou em lei extravagante)podecrilos(numerusclausus).Aconvenoouavontadedosinteressadosnotemestepoder.Soosdireitosrevestidosdaprerrogativaderestringirousodosbensacertossujeitos,econvenientequeosnopossacriarsenoolegislador,pelas implicaes sociais consequentes. Na sua enumerao lavra certadiversidade legislativa como doutrinria. Enquanto alguns direitos reais somencionadosouenumeradosemcarterconstante,outrossoaosrevsomitidosemumououtrosistemajurdico.Tendoemvistaasuacaracterizaoespecial,eatendendosprefernciaslegislativas,assimostratamos:a)comodireitosreaisdegozoou fruio, cogitamosdaenfiteuse, servides,usufruto,uso,habitao,rendaconstitudasobreimveisedireitodesuperfcieb)comodireitosreaisdegarantiamencionamos o penhor, a anticrese, a hipoteca e a alienao fiduciriaem garantia c) como direito real de aquisio focalizamos a promessairrevogveldevenda.
Nestevolume,estudaremosodireitorealpleno,isto,apropriedade, ius inre por excelncia, tendo por objeto coisa mvel ou imvel, corprea ouincorprea, do prprio titular. Estudaremos os outros direitos reais limitados,incidentes sobre coisa alheia iura in realiena , os quais a doutrina costumadizerque tmporobjeto apropriedade limitada,9 o quemelhor se denominar,entretanto, falandoque implicamrestriespropriedadealheiaembenefciodotitular.
Posioproeminenteocupaaposse,geradaporumasituaodefatosimilarao domnio (visibilidade do domnio Jhering). Disputam os mestres a suacaracterizao como direito ou mero fato, e, dentre os primeiros, uns lhereconhecem e outros lhe negam a natureza de ius in re. Tudo isto ser
oportunamenteestudado(n286,infra).Limitamonos aqui nesta Introduo a debater a sua localizao, pois que
tambm esta vexata quaestio. H os que situam a teoria da posse antes dapropriedade, e outros depois. Dentre estes ltimos, inscrevemse as escolasfrancesa e italiana, em razo de os respectivos Cdigos disciplinarem apropriedade antes da posse. Mas os primeiros tm razo, pois que,independentemente de adentrar no regime jurdico da propriedade, e de suaslimitaes, defrontase o jurista com os problemas relativos defesa daquelasituaoqueretrataaexterioridadedodomnio,edesuadefesaprovisria.Assimpensando, tm procedido, entre ns e alhures: Mackeldey, Dernburg, Maynz,Windscheid, Muhlembruch, Cornil, Martin Wolff, Salvat, Lafaille, Lafayette,ClvisBevilqua,PontesdeMiranda,WashingtondeBarrosMonteiro,OrlandoGomes.
Nodesenvolvimentodostemas,naexposiodasdoutrinasenafixaodosconceitos, atentamos, primordialmente, nas mais modernas concepes que aconstruo jurdica, nossa e alheia, desenvolve. A contribuio cientfica, nesteterreno,muitogrande,emuitovaliosa,oraarrimadas fontesmaispuras,orainspiradanomaisvivoespritocriador.Masnopodemosdeixar,igualmente,decogitardodireitopositivo,fielorientaodestaobra.
Procedendosereformalegislativa,comoadventodoCdigoCivilde2002,cujaPrimeiraComissocoubenosahonrade integrar, jnasediesanterioresinserimos, a par das informaes necessrias, o que deveria prevalecer nodiploma futuro, tendo em vista as ideias que representam a contribuio maisconstantedopensamentojurdicobrasileiro.
Tivemos tambm presentes as tendncias sociais de nosso tempo, que voimprimindosconstruesjurdicasamarcadesuaspredominncias.Esta,alis, aprovnciadodireitoprivadomais sensvel s influnciasdeevoluo social.Em todos os tempos, medida que a pesquisa histrica os ilumina, avulta apeculiaridadedoassenhoreamentodosbensterrenos,comondicedosfenmenossociopolticos. A organizao teocrtica refletese no contedo de suapropriedade, tal qual nele se espelha a instituio patriarcal o carter sagradopredominante na Cidade Antiga aflora no regime jurdico do seu domnio apreeminnciausufruturiaentreosgermanosatestaacomposiopolticaopostaao extremado individualismoquiritrio, enfraquece a propriedadeprivada comaqueda do Imprio, adquire a noo dominial maior expresso poltica com o
feudalismoaexaltaodapropriedadeimobiliriaeoaviltamentodaresmobilisfixou a tnica da construo jurdica do sculo passado o assalto cidadelaproprietaristacaracterizaarevoluosocialdopresente,ocombateaosprivilgiosassinalaatendnciareformistadenossosdias.
Consignamosnestevolumeos impactosqueaConstituioFederalde1988impsaosdireitosreais,emrefernciafunosocialdapropriedade,aquisioporusucapio,polticadereformaagrria,etudoomaisquecondizcomessesdireitosqueseroestudadosnolugarprprio.
Assim se comps este volume, o IV das Instituies, tendo em vista umadistribuio de matria segundo as cinco grandes divises que o estudo dosDireitosReaiscomporta:PrimeiraParte,APosseSegundaParte,APropriedadeTerceiraParte,DireitosReaisdeGozoouFruioQuartaParte,DireitosReaisdeGarantiaQuintaParte,DireitoRealdeAquisio.
AConstituioFederalde5deoutubrode1988 trouxenovosenfoquesquepercutem nasmatrias atinentes aos Direitos Reais. Na presente reedio destevolumenopodemosdeixardeconsiderar,luzdosnovosprincpios,adoutrinaconstitucional dos bens pblicos, nas duas categorias bsicas: bens da Unio ebens dos Estados, com referncia especial s terras devolutas. Cogitamos emparalelodapolticaagrcola,fundiciriaedareformaagrria,queatraiaatenodos rgos pblicos, e refletem nos particulares, da mesma forma que cuida anovaCartadospreceitosrelativospolticaurbana.Noobstanteasedimentaodas normas disciplinares da desapropriao, indispensvel atualizar as regrasreguladoras.Merecemigualmenteatenoasreservasdegsnaturaledepetrleo(inclusive sua refinao), bem como as de quaisquer minerais, notadamentenucleares.Emboranasediesanteriores tenhamoscogitadoda funosocialdapropriedade, no podemos omitir a preceituao atual, que levantou enormepolmicanaelaboraodosconceitos.Paralelamenteaencontralugarausucapiodereasurbanascomorurais.Adefesadomeioambienteedaproteoecolgicaexigemeno especial de igual que a competncia para legislar sobre as guas,superficiaisquantosubterrneas.
Porfim,apresenteediofoiintegralmenterevistaluzdoCdigoCivilde2002esuasulterioresmodificaes,absorvendoaindainovaesnormativas,taiscomoasprovenientesdoEstatutodaCidade (Lein10.257,de10.07.2001),daLei n 9.514/97, que instituiu a propriedade fiduciria sobre bens imveis, doprprio Cdigo de Defesa do Consumidor (Lei n 8.078/90) da Medida
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Provisria700/2015,almdasLeisnos10.931/2004,11.382/2006,11.481/2007,11.977/2009, 13.043/2014, que alterou o DecretoLei 911/1969, 13.097/2015,13.105/2015,entreoutras.
PietroPerlingieri,PerfisdoDireitoCivil,pgs.204esegs.
DePage,Traitlmentaire,vol.I,n127.
Kant,PrincipesMtaphysiquesduDroit,trad.deJosephTissot,pg.88.
LouisRigaud,LeDroitRel,pg.420.
MazeaudeMazeaud,LeonsdeDroitCivil,vol.I,nos161e162.
MartyeRaynaud,DroitCivil,vol.I,nos301esegs.
Cf.,arespeitodadistino:JulioDasseneEnriqueVerasVillalobos,ManualdeDerechosReales,n6DePage,ob.cit.,n131MazeaudeMazeaud,LeonsdeDroitCivil,vol.I,nos161eseg.MartyeRaynaud,DroitCivil,nos301esegs.OrlandoGomes,DireitosReais,n2ClvisBevilqua,DireitodasCoisas,vol.I,6JeanDabin,UneNouvelleDfinitionduDroitRei,inRevueTrimestrielledeDroitCivil,1962,pgs.20esegs.LacerdadeAlmeida,DireitodasCoisas,IntroduoSerpaLopes,CursodeDireitoCivil,vol.VI,nos10esegs.
Lafayette,DireitodasCoisas,Prefcio,n4.
TeixeiradeFreitas,ConsolidaodasLeisCivis,Introduo,pg.LXXXIV.
C
NOTADOATUALIZADOR
HomenagemaCaioMriodaSilvaPereira
ostumase dizer que a tarefa de atualizaode um texto encerra nveis de dificuldademaiores do que os enfrentados na criao de um novo, em especial quando aos
atualizadores se submete obra clssica, admiradssima, e que hmais de quarenta e cinco anos,comoocasodasInstituiesdeDireitoCivil,fascinadiferentesgeraesdecivilistas.Almdaelegnciadeestiloedodomniosingularsobrea linguagem,aobradoProfessorCaioMriodaSilva Pereira alia as marcas da profundidade e da didtica, virtudes tais que distinguem suasInstituiescomoomanualdeDireitoCivildemaiorrepercussonacomunidadejurdica,acriarvinculaointelectualeafetivaentreoMestreeseusleitores,desdeosbancosdagraduaoatodesempenhodasmaisaltasatividadesprofissionaisportodooPas.Assim,ostrabalhosderevisoeatualizaorevestemsedeprofundadimensosocial,poistmporescoponoprivarasatuaisefuturasgeraesdeestudanteseestudiososdodireitocivildaspreciosasliesqueseperpetuamnapresentecoleo.
Comoquealidarcomapurezadosdiamantes,intervenespontuais,adendosemesmo construes inovadoras paulatinamente inseridos, as edies atualizadasprocuram guardar fidelidade ao estilo e s diretrizes centrais do pensamento doautor,incorporandotodaafartaproduojurisprudencialelegislativahodiernaaocontedo do livro. J nosmanuscritos desenvolvidos para a primeira verso psCdigo Civil de 2002, gentilmente cedidos aos atualizadores, percebese apreocupao do professor em conciliar oDireito com as exigncias da realidade,afastandoconstruesensimesmadasemconceitualismosvazios.Aoadotar,norigormetodolgico, o Direito como cincia instrumental aos anseios de justia, CaioMrio logrou imprimir em suas Instituies um significado transcendente e deprofcuaaplicabilidadeaostemposcorrentes.
A exploso dos empreendimentos e da especulao imobiliria, bem como asnovasfacesdaautonomiaprivadanosdireitosreais,eaaindanecessriaampliaodosmeiosdeacessopropriedade,porexemplo,evidenciamaimportnciaprticadasliesdoProfessorCaioMrio.Nessalinha,a25.ediodolivroprocuratratarde temas recentssimos, entre os quais se destacam a disciplina da usucapioextrajudicialeasmodificaesrelativassaespossessriasnoCdigodeProcessoCivilde2015,e,ainda,aatualizaodoinstitutodaalienaofiduciriaeosnovosperfisdopactomarcianonajurisprudncia.
Constatase,desuaprazerosaleitura,que,almdencleoessencialdassituaespatrimoniais, os direitos reais se revelam importantemeio de construo de umasociedade livre, justa e solidria, que prima pela proeminncia dos princpios evalores humanistas consagrados na Constituio da Repblica. A servir de guiainterpretativo do sentido das Instituies, encerramse essas palavras com adedicatria introduzida pelo prprio CaioMrio ao presente volume: Aosmeusfilhos, dedico este volume que trata dos bens, para que a estes saibam sempresobreporosvaloresmorais.
CarlosEdisondoRgoMonteiroFilho
PREFCIO
s vsperas de completar 90 anos, tenho a alegria de entregar a uma equipe dedestacadosjuristasosmanuscritosquedesenvolvidesdeaversooriginaldoProjeto
doCdigoCivilde1975,aprovadopelaCmaradosDeputadosem1984epeloSenadoFederalem1998.
Aexemplodosmaismodernoscompndiosdedireito,comoapoiodaquelesqueescolhi pela competncia e dedicao aoDireito Civil, sintome realizado ao verprosseguir no tempo as minhas ideias, mantidas as diretrizes que impus sInstituies.
Retomo,nessemomento,algumasreflexes,pretendendoqueasmesmassejamincorporadasobra,como testemunhodeumaconcepoabrangenteeconscientedas mudanas irreversveis: a Histria, tambm no campo do Direito, jamais serepete.
Considerandoque inexiste atividadequeno seja juridicamentequalificada,perpetuase a palavra de Del Vecchio, grande jusfilsofo por mim tantas vezesinvocado, ao assinalar que todoDireito , emverdade, um complexo sistema devalores e, mais especificamente, ao assegurar que o sistema jurdico vigenterepresentaumaconciliaoentreosvaloresdaordemeosvaloresdaliberdade.1
EmmeusrecentesestudossobrealgunsaspectosdaevoluodoDireitoCivil,2
alerteiosestudiosossobreoperigoemsedesprezarosmotivosdeordemglobalquelegitimamodireitopositivo,esobreaimportnciadeseteratenosnecessidadessociaisaque,jhmuito,fezrefernciaJeanDabin.3
Eu fugiria da realidade social se permanecesse no plano puramente ideal dosconceitosabstratos,ouseabandonasseosoloconcretodoqueevoltassepelasreas exclusivas do dever ser. Labutando nesta rea por mais de sessenta anos,lutando no dia a dia das competies e dos conflitos humanos, reafirmo minhasconvices no sentido de que o Direito deve ser encarado no concretismoinstrumental que realiza, ou tenta realizar, o objetivo contido na expressomultimilenardeUlpiano,isto,comooveculoaptoapermitirquesedacadaumaquilo que lhe deve caber suum cuique tribuere. E se verdade que viceja nasociedadeatalpontoqueubisocietasibiius,tambmcertoquenosepodeabstralodasociedadeondefloresce:ubiius,ibisocietas.
VisualizandooDireitocomonormadeconduta,comoregradecomportamento,eesquivandomedosexcessosdopositivismojurdico,sempreconclameioestudiosoabuscarconcililocomasexignciasdarealidade,equilibrandoacomonecessriograudemoralidadeeanimandoacomoanseionaturaldejustiaessedominatoaoserhumano.
Nosepode,emverdade,ignorarodireitopositivo,odireitolegislado,anormadotadadepodercogente.Elenecessrio.Reprimeosabusos,corrigeasfalhas,puneas transgresses, traa os limites liberdade de cada um impedindo a penetraoindevidanarbitadas liberdadesalheias.Noaceitvel,porm,queoDireitoseesgotenamanifestaodopoderestatal.Paradesempenharasuafunobsicadeadequar o homemvida social, comoeuodefini,4 h de ser permanentementerevitalizadoporummnimodeidealismo,contribuindoparaoequilbriodeforaseaharmoniadascompeties.
Assistese, por outro lado, evoluo do direito legislado, na expressomorfolgicadesuaelaborao,comotendenteaperdercadavezmaisoexageradotecnicismo de uma linguagem esotrica, posta exclusivamente ao alcance dosiniciados.Semsedesvestirdeumalinguagemverncula,hdeexpressarsede talmodo que seja compreendido sem o auxlio do misticismo hermenutico dosespecialistas.
TomadocomopontodepartidaoCdigoCivilde1916,suapreceituaoeasuafilosofia, percebese que o Direito Civil seguiu por dcadas rumo bem definido.Acompanhandoodesenvolvimentodecadainstituto,vseque,emboraestanques,ossegmentos constituram uma unidade orgnica, obediente no seu conjunto a umasequnciaevolutivauniforme.
Noentanto,asltimasdcadas,marcadaspelaredemocratizaodoPasepelaentradaemvigordanovaConstituio,deflagrarammudanasprofundasemnossosistemajurdico,atingindoespecialmenteoDireitoPrivado.
Diantedetantastransformaes,passeiareveraefetivafunodosCdigos,nomaislhesreconhecendoamissotradicionaldeasseguraramanutenodospoderesadquiridos, tampouco seu valor histrico de Direito Comum. Se eles uma vezrepresentaram a consagrao da previsibilidade,5 hoje exercem, diante da novarealidadelegislativa,umpapelresidual.
ComoressalveinoprimeirovolumedeminhasInstituies,buscandosubsdiosemLcioBittencourt,6a leicontmnaverdadeoque intrpretenelaenxerga,oudelaextrai,afinaemessnciacomoconceitovalorativodadisposioeconduzodireito no rumo evolutivo que permite conservar, vivificar e atualizar preceitosditadoshanos,hdcadas,hsculos,equehojesubsistemsomenteemfunodo
entendimentomodernodosseustermos.Olegisladorexprimeseporpalavras,enosentidorealdestasqueointrprete
investigaaverdadeebuscaosentidovivodopreceito.Cabeaelepreencherlacunaseomisses e construir permanentemente o Direito, no deixando que as leisenvelheamapesardotempodecorrido.
Fielaessaspremissashermenuticas,sempreconsidereiaatuaodeduasforasnumareformadoCdigoCivil:a imposiodasnovascontribuiestrazidaspeloprogresso incessante das ideias e o respeito s tradies do passado jurdico.Reformar o Direito no significa amontoar todo um conjunto normativo comocriaodepreceitosaptosareformularaordemjurdicaconstituda.
Em meus ensinamentos sobre a interpretao sistemtica, conclamei oinvestigador a extrair deumcomplexo legislativo as ideias gerais inspiradoras dalegislaoemconjunto,oudeumaprovnciajurdicainteira,esualuzpesquisarocontedo daquela disposio. Deve o intrprete investigar qual a tendnciadominante nas vrias leis existentes sobre matrias correlatas e adotla comopremissaimplcitadaquelaqueoobjetodasperquiries.7
Estouconvencidodeque,noatualsistemajurdico,existeespaosignificativoparaumainterpretaoteleolgica,queencontranaLeideIntroduosnormasdoDireitoBrasileirosuaregrabsica,previstanoart.5:Naaplicaodalei,ojuizatenderaosfinssociaisaqueelasedirigeesexignciasdobemcomum.
Na hermenutica do novo Cdigo Civil, destacamse hoje os princpiosconstitucionais e os direitos fundamentais, os quais se impem s relaesinterprivadas,aosinteressesparticulares,demodoafazerprevalecerumaverdadeiraconstitucionalizaodoDireitoPrivado.
ComaentradaemvigordaCartaMagnade1988,conclameiointrpreteaumtrabalho de hermenutica informado por uma viso diferente da que preside ainterpretaodasleisordinrias.8
Ao mesmo tempo, alerteio acerca do que exprimi como o princpio dacontinuidade da ordem jurdica,mantendo a supremacia daConstituio sobre alegislatura:Aplicaseincontinenti,pormvoltadaparaofuturo.Disciplinatodaavidainstitucionalexnunc,apartirdeagora,dequandocomeouavigorar.9Noobstanteoseucarterimperativoeainstantaneidadedesuavigncia,nopoderiaeladestruirtodaasistemticalegislativadopassado.10
Diante do princpio da hierarquia das leis, no se dir que a Constituiorevogaasleisvigentesumavezque,naconformidadedoprincpiodacontinuidadedaordem jurdica, a normade direito objetivo perde a eficcia em razode umaforacontrriasuavigncia.Asleisanterioresapenasdeixaramdeexistirnoplano
doordenamentojurdicoestatalporhaveremperdidoseufundamentodevalidade.11
Diante de uma nova ordem constitucional, a ratio que sustentava as leis vigentescessa.Cessandoarazoconstitucionaldaleiemvigor,perdeeficciaaprprialei.
Naquelamesmaoportunidade,advertinosentidodequeanovaConstituionotem o efeito de substituir, com um s gesto, toda a ordem jurdica existente. Opassado vive no presente e no futuro, seja no efeito das situaes jurdicas jconsolidadas,sejaemrazodeseelaborarpreceituaonovaque,pelasuanaturezaoupelanecessidadedecomplementao,reclamainstrumentalizaolegislativa.12
Cabe, portanto, ao intrprete evidenciar a subordinao da norma de direitopositivo aumconjuntodedisposies commaior graudegeneralizao, isto , aprincpiosevaloresdosquaisnopodeounodevemaisserdissociada.
Destaco, a este propsito, o trabalho deMaria Celina Bodin deMoraes, queassume uma concepo moderna do Direito Civil.13 Analisando a evoluo doDireitoCivilapsaCartaMagnade1988,aautoraafirma:AfastousedocampodoDireito Civil a defesa da posio do indivduo frente ao Estado, hoje matriaconstitucional.
AotraaronovoperfildoDireitoPrivadoeatendnciavoltadapublicizaoaconviver,simultaneamente,comumacertaprivatizaodoDireitoPblico,ailustrecivilistadefendeasuperaodaclssicadicotomiaDireitoPblicoDireitoPrivadoeconclamaaqueseconstruaumaunidadehierarquicamentesistematizadado ordenamento jurdico. Essa unidade parte do pressuposto de que os valorespropugnados pela Constituio esto presentes em todos os recantos do tecidonormativo,resultando,emconsequncia,inaceitvelargidacontraposio.14
A autora ressalta a supremacia axiolgica da Constituio, que passou a seconstituir como centro de integrao do sistema jurdico de direito privado,15
abrindoseentoocaminhoparaaformulaodeumDireitoCivilConstitucional,hojedefinitivamentereconhecido,naDoutrinaenosTribunais.
Reportome,especialmente,aosestudosdePietroPerlingieri,aoafirmarqueoCdigoCivilperdeuacentralidadedeoutroraequeopapelunificadordosistema,tanto em seus aspectos mais tradicionalmente civilsticos quanto naqueles derelevnciapublicista,desempenhadodemaneiracadavezmaisincisivapeloTextoConstitucional.16
DiantedaprimaziadaConstituioFederal,osdireitosfundamentaispassaramaserdotadosdamesmaforacogentenasrelaespblicasenasrelaesprivadas,enoseconfundemcomoutrosdireitosasseguradosouprotegidos.
Emminhaobra, sempre salientei o papel exercidopelos princpios gerais dedireito,aqueserefereexpressamenteoart.4odaLeideIntroduosnormasdo
DireitoBrasileirocomofontesubsidiriadedireito.Emboradedifcilutilizao,osprincpios impem aos intrpretes o manuseio de instrumentos mais abstratos ecomplexoserequeremumtratocomideiasdemaiorteorculturaldoqueospreceitossingelosdeaplicaoquotidiana.17
Devoreconhecerque,naatualidade,osprincpiosconstitucionaissesobrepemposio anteriormente ocupada pelos princpios gerais de direito. Na Doutrinabrasileira,cabedestacar,acercadessaevoluo,osestudosdePauloBonavidessobreosprincpiosgeraisdedireitoeosprincpiosconstitucionais.18
Depois de longa anlise doutrinria e evolutiva, o ilustre constitucionalistareafirma a normatividade dos princpios.19 Reportase a Vezio Crisafulli20 aoasseverarqueumprincpio, sejaeleexpressonumaformulao legislativaou,aocontrrio, implcitoou latentenumordenamento,constituinorma,aplicvelcomoregradedeterminadoscomportamentospblicosouprivados.
Bonavides identifica duas fases na constitucionalizao dos princpios: aprogramtica e a no programtica, de concepo objetiva.21 Nesta ltima, anormatividade constitucional dos princpios ocupa um espao onde releva deimediatoasuadimensoobjetivaeconcretizadora,apositividadedesuaaplicaodiretaeimediata.
Concluioconceituadoautorque,desdeaconstitucionalizaodosprincpios,fundamentodetodaarevoluoprincipal,osprincpiosconstitucionaisoutracoisanorepresentamsenoosprincpiosgeraisdedireito,aodaremestesopassodecisivode sua peregrinao normativa, que, inaugurada nos Cdigos, acaba nasConstituies.22
No mbito do debate que envolve a constitucionalizao do Direito Civil,mencionese ainda o 1o do art. 5 do Texto Constitucional, que declara que asnormasdefinidorasdosdireitosedasgarantiasfundamentaistmaplicaoimediata.Considero, no entanto, que no obstante preceito to enfaticamente estabelecido,ainda assim, algumas daquelas normas exigem a elaborao de instrumentosadequadossuafielefetivao.23
Rememorandomeusensinamentossobredireitosubjetivoeacentralidadedafacultas agendi, ressalvadas, claro, as tantas controvrsias e divergncias queenvolvem o tema, destaco na conceituao do instituto o poder de ao, posto disposiodeseutitularequenodependerdoexerccioporpartedesteltimo.Poressarazo,oindivduocapazeconhecedordoseudireitopoderconservarseinerte,semrealizaropoderdavontadee,aindaassim,serportadordetalpoder.
Ainda a respeito do direito subjetivo, sempre ressaltei a presena do fatorteleolgico,ouseja,odireitosubjetivocomofaculdadedequerer,pormdirigidaa
determinadofim.Opoderdeaoabstratoincompleto,desfigurado.Corporificasenoinstanteemqueoelementovolitivoencontraumafinalidadeprticadeatuao.Estafinalidadeointeressedeagir.24
Mais uma vez, refirome aos estudos deMariaCelinaBodin deMoraes, que,apoiandoseemMicheleGiorgianni,esclarece:aforadodireitosubjetivonoadotitulardodireito,esimaforadoordenamentojurdicoqueosujeitopodeusaremdefesa de seus interesses, concluindo que esta fora existe somente quando ointeressejuridicamentereconhecidoeprotegido.(...)
Nombitodosdireitossubjetivos,destacaseoprincpioconstitucionaldatutelada dignidade humana, como princpio ticojurdico capaz de atribuir unidadevalorativa e sistemtica ao Direito Civil, ao contemplar espaos de liberdade norespeitosolidariedadesocial.nestecontextoqueMariaCelinaBodindeMoraesinsereatarefadointrprete,chamadoaprocederponderao,emcadacaso,entreliberdadeesolidariedade.Estaponderaoessencial,jque,docontrrio,osvaloresda liberdade e da solidariedade se excluiriam reciprocamente, todavia, quandoponderados,seuscontedossetornamcomplementares:regulamentasealiberdadeemproldasolidariedadesocial,isto,darelaodecadaum,comointeressegeral,oque,reduzindoadesigualdade,possibilitaolivredesenvolvimentodapersonalidadedecadaumdosmembrosdacomunidade.25
Nessasminhasreflexes,nopoderiameomitirquantospropostasdeJoodeMatos Antunes Varela, as quais ajudaram a consolidar minhas convices, jamplamenteconhecidas,nosentidodadescodificaodoDireito.
Numaanlise histrica, o insigne civilista portugusdemonstra queoCdigoCivil se manteve na condio de diploma bsico de toda a ordem jurdica,atribuindo ao Direito Civil a definio dos direitos fundamentais do indivduo.Desde os primrdios das codificaes, nunca se conseguiu, no entanto, estancar aatividadedasassembleiaslegislativasnoqueconcernelegislaoespecial,aqualseformavaporpreceitosqueconstituammeroscorolriosdadisciplinabsicadosatosjurdicoseprocuravam,deliberadamente,respeitarosprincpiosfundamentaisdefinidosnoCdigoCivil.
O mencionado autor apresenta efetivos indicadores para o movimento dedescodificao:oCdigoCivildeixoudeconstituirseocentrogeomtricodaordemjurdica, j que tal papel foi transferido para a Constituio o aumento emquantidade e qualidade da legislao especial a nova legislao especial passou acaracterizarseporumasignificativaalteraonoquadrodosseusdestinatrios:Asleis deixaram em grande parte de constituir verdadeiras normas gerais paraconstiturem estatutos privilegiados de certas classes profissionais ou de
determinadosgrupospolticos.26
Referese,ainda,aosmicrossistemascomosatlitesautnomosqueprocuramregiesprpriasnarbitaincontroladadaordemjurdica(...)ereivindicamreasprivativas e exclusivas de jurisdio e que tendem a regerse por princpiosdiferentesdosqueinspiramarestantelegislao.27
ConcluiVarelaqueaConstituionopodehojelimitarseadefinirosdireitospolticoseasliberdadesfundamentaisdocidadoeatraaraorganizaodoEstadocapazdegarantiralivreiniciativadosindivduos.Acimadafunoderbitronosconflitos de interesses individuais ou de acidental interventor supletivo nodesenvolvimento econmico do pas, o Estado social moderno chamou,justificadamente,asiduasfunesprimordiais:adepromotorativodobemcomumedegarantedajustiasocial.28
Como Antunes Varela, considero a necessidade de serem preservadas as leisespeciais vigentes, salvo a total incompatibilidade comnormas expressas donovoCdigoCivil,quandoestaremosenfrentandoasuarevogaoouabrogao.Alertese,noentanto,paraacessaodavignciadaleiporforadodesaparecimentodascircunstncias que ditaram a sua elaborao. Invocase, a propsito, a parmiacessanterationelegis,cessatetipsalex.
Entreascausasespeciaisdecessaodaeficciadasleis,nosepodedeslembrara resultante da declarao judicial de sua inconstitucionalidade. Por decisodefinitiva doSupremoTribunal Federal, cabe aoSenadoFederal suspender a suaexecuo, no todo ou em parte (CF, art. 52,X). Portanto, no compete ao PoderJudicirio revogar a lei, mas recusar a sua aplicao quando apura a afronta aprincpiosfixadosnoTextoMaior.
Destaquese,ainda,aLeiComplementarn95,de26defevereirode1998,quedispe sobre a elaborao, a redao, a alterao e a consolidao das leis,declarandonoart.9oqueaclusuladerevogaodeverenumerar,expressamente,asleisoudisposieslegaisrevogadas.
Outrossim, devemos ser cautelosos ao interpretar o art. 2o, 2, da Lei deIntroduo s normas do Direito Brasileiro, segundo o qual a lei nova, queestabeleadisposiesgeraisouespeciaisapardas jexistentes,norevoganemmodificaa leianterior.Damesma forma advertiuMarcoAurelio S.Vianna, aoconsiderar que a generalidade de princpios numa lei geral no criaincompatibilidadecomregradecarterespecial.Adisposioespecialdisciplinaocaso especial, sem afrontar a norma genrica da lei geral que, em harmonia,vigorarosimultaneamente.29
AadequaodoCdigoCivilaonossostatusdedesenvolvimentorepresentaum
efetivodesafioaosjuristasnesserenovadocontextolegislativo.Aminhageraofoisacrificada no altar estadonovista. Quando atingiu a idade adulta e chegou omomentodeaparelharseparacompetirnosprliospolticos,asliberdadespblicasforam suprimidas e o restabelecimento custou inevitvel garroteamento entre osantigos que forcejavam por ficar e os mais novos que chegaram depois eambicionavamvencer.A gerao atual, que conviveu com as diversas verses donovoCdigo,buscaassimilarasliesrealistasdomundocontemporneo.
Novadiretrizdeverserconsideradaparaojuristadestemilnioqueseinicia.San Tiago Dantas pregava, de forma visionria, a universalidade do comandojurdico, conduzindo interdisciplinaridade entre os vrios ramos jurdicos.Considero,contudo,queoDireitodevebuscartambmnasoutrascincias,sobretudonaquelas sociais e humanas, o apoio e a parceria para afirmar seus princpios,reorganizandometodologicamente seus estudos e pesquisas. As relaes humanasnopodemser tratadaspelosistemajurdicocomosefossemapenasdeterminadaspelomundo dos fatos e da objetividade.A filosofia, a psicologia, a sociologia, amedicinaeoutrascinciasindicamnovosrumosaoDireito.
Convivendo com um sistema normativo, que sempre se contentou com apacificao dos conflitos, cabe aos juristas, intrpretes e operadores do Direito,assumilo com a funo promocional apregoada por Norberto Bobbio desde adcadadesetenta.OCdigodeDefesadoConsumidor,oEstatutodaCrianaedoAdolescente e a Lei de Diretrizes e Bases da Educao representam estruturalegislativaqueseprojetarcomomodelodosdiplomaslegislativos,nosquaishdeprevalecer,acimadetudo,orespeitoaosdireitosfundamentais.
Devemos, portanto, assumir a realidade contempornea: os Cdigos exercemhojeumpapelmenor,residual,nomundojurdicoenocontextosociopoltico.Osmicrossistemas, que decorrem das leis especiais, constituem polos autnomos,dotados de princpios prprios, unificados somente pelos valores e princpiosconstitucionais, impondose, assim, o reconhecimento da inovadora tcnicainterpretativa.
NoquetangeaovolumequartodasInstituies,conteicomoapoiodojuristaCarlosEdisondoRgoMonteiroFilho,professoradjuntoechefedoDepartamentodeDireitoCivilnaFaculdadedeDireitodaUERJ.FoicoordenadordoProgramadePsGraduaoemDireitoeViceDiretordaFaculdadedeDireitodaUERJ.Autordo livro Elementos de responsabilidade civil por dano moral, alm de diversosartigos e ensaios publicados em livros e revistas especializadas. Coautor da obraCdigoCivilinterpretadoluzdaConstituiodaRepblica.MembrodoConselhoAssessor da Revista Trimestral de Direito Civil RTDC. Mestre em Direito da
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CidadeeDoutoremDireitoCivilpelaUniversidadedoEstadodoRiodeJaneiro.ProcuradordoEstadodoRiodeJaneiro.DiretorjurdicodoProconRJ.Advogado.
Agradeooempenhoeodesvelo,quetantoengrandeceramaobra.Graasaoseutrabalho,estevolumefoiacrescidonoapenasdemeusprprioscomentrios,comotambm de referncias a outras teses doutrinrias, nacionais e estrangeiras, cujaseleorevelaapesquisarealizadaemproldacuidadosaatualizao.
Diante doCdigoCivil de 2002, espero queminha obra, j agora atualizada,possa prosseguir no tempo orientando os operadores do Direito, os juristas e osacadmicos do novomilnio, cabendolhes, sob a perspectiva da globalizao dasinstituies, o desafio de conciliar critrios de interpretao que resultem naprevalnciadobomsenso,dacriatividadee,porvezes,demuitaimaginao.
CaioMriodaSilvaPereira
GiorgioDelVecchio.EvoluzioneedInvoluzionedelDiritto,Roma,1945,pg.11,refereseauntentativodiconciliazionetrailvaloredellordineeilvaloredellalibert,muitoemboraparaassegurarumdessesvaloressejanecessriosacrificarcorrespondentementeooutro.
CaioMriodaSilvaPereira.DireitoCivil:AspectosdesuaEvoluo,RiodeJaneiro,Forense,2001.
JeanDabin.PhilosophiedelOrdreJuridiquePositif,Paris,Sirey,1929,pg.22.
CaioMriodaSilvaPereira.InstituiesdeDireitoCivil,RiodeJaneiro,Forense,2003,vol.I,n1.
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C.A.LcioBittencourt,AInterpretaocomoParteIntegrantedoProcessoLegislativo,inRevistaForense,vol.94,pg.9.
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CaioMriodaSilvaPereira.DireitoConstitucionalIntertemporal,inRevistaForense,vol.304,pg.29.
Idem,ob.cit.,pg.31.
Idem,ob.cit.,pg.32.
WilsondeSouzaCamposBatalhaapudCaioMriodaSilvaPereira.DireitoConstitucionalIntertemporal,cit.,pg.33.
CaioMriodaSilvaPereira.DireitoConstitucionalIntertemporal,cit.,pg.34.
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MariaCelinaBodindeMoraes.ACaminhodeumDireitoCivilConstitucional,inRevistadeDireitoCivil,n65,pg.22,jul./set.1993.
Idem,ob.cit.,pg.24.
Idem,ob.cit.,pg.31.
PietroPerlingieri.PerfisdoDireitoCivil:IntroduoaoDireitoCivilConstitucional.Trad.deM.C.DeCicco,RiodeJaneiro,Renovar,1997,pg.6.
VideInstituiesdeDireitoCivil,cit.,vol.1,n13.
PauloBonavides.Cursodedireitoconstitucional,7ed.SoPaulo,Malheiros,1997.
PauloBonavides.CursodeDireitoConstitucional,cit.,pg.246.
VezioCrisafulli.LaCostituzioneesueDisposizionidiPrincipi,Milano,1952,pg.16.
Idem,ob.cit.,pg.246.
Idem,ob.cit.,pgs.261262.
CaioMriodaSilvaPereira.DireitoConstitucionalIntertemporal,cit.,pg.33.
CaioMriodaSilvaPereira.InstituiesdeDireitoCivil,vol.I,n5.
MariaCelinaBodindeMoraes.ConstituioeDireitoCivil:Tendncias,inRevistadosTribunais,vol.779,pgs.55e59,set.2000.
JoodeMatosAntunesVarela.OMovimentodeDescodificaodoDireitoCivil,inEstudosJurdicosemHomenagemaoProf.CaioMriodaSilvaPereira,RiodeJaneiro,Forense,1984,pgs.507509.
Idem,ob.cit.,pg.510.
Idem,ob.cit.,pg.527.
MarcoAurelioS.Vianna,DireitoCivil.ParteGeral,BeloHorizonte,DelRey,1993,pg.53.
PARTEPRIMEIRA
APOSSE
CAPTULOLXIV
GENERALIDADESSOBREAPOSSE
Sumrio
284.Conceitodeposse.285.Teoriassobreaposse.286.Naturezajurdicadaposse.287.Classificaodaposse.288.Composse.289.Fundamentodatutelapossessria.
Bibliografia
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31
284.
E
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CONCEITODEPOSSE
mbora oRomanonunca fosse propenso s abstraes e por isso notivesse elaborado uma teoria pura da posse, aquele Direito foi
particularmenteminuciosoaodisciplinaresteinstituto.Tocuidadoso,quequasetodosossistemasjurdicosvigentesadotamnopormodelo.1
Em nosso direito prcodificado, a omisso legislativa levounos a adotar,qualmoedacorrente,atcnicaromana,suaterminologiaeprincpiosprticos.2OCdigode1916,queimprimiuordemesistemasdisposiesatentoesparsas,econstruiucomlgicaemtodooseuordenamento,noabandonouosconceitosherdados, no que foi seguido pelo Cdigo de 2002, com ainda melhorsistematizao.
Osdoutoresdemaiortalentoeengenho,aoformularemasuadogmtica,noperdemdevistaos textoseasproposiesqueos jurisconsultosenunciaram.E,mesmoquandoalgumsupeestarfazendoobraoriginal,nadamaisconseguedoque repetir ou adaptar em linguagem a experincia que oCorpus Iuris Civilis
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fixouh15sculos,equeotempodecorridoeoreestudosedimentaram.claroque a disciplina legal da posse h de ter presente a organizao socialcontempornea,eascondieslocais,sobpenadeconstituirplantadesarraigada,epor issomesmocondenadaaperecer.Masadogmticadapossenoperdeosconceitosromanos,queenfrentaramumatofrequenteimposiodosfatoseumato farta contribuio de variegadas hipteses que as teorias vo ainda hojeinspirarse naquelas fontes. A exposio, posto que moderna, no dispensa osensinamentosdasabedoriaromana,3comoainvocaodostextos,noobstanteasdvidas levantadasquantos interpolaesao tempodacodificao justinianeia,revelautilidadeindisfarvelparaasoluodeproblemasatuais.
Talvez pelo fato de, nestes 2000 anos de civilizao romanocrist, viver aposse sempre presente na cogitao dos civilistas, o campo onde os temasandam mais controvertidos. Tudo, em termos de posse, debatido, negado,reafirmado.Aspalavrasmesmaspossessio,possidere,quenosderamposseepossuir,sodetimoduvidoso.Oravoprenderseapedesponere,coma ideiadeprosps, fixarse.4Oradizsequevmdesedesponere, sediumpositio,lembrandoaposiodoassento.No faltaquemsimplifiqueapesquisadizendoquepossessionascedeposse,poder.Boasautoridadesafirmamqueaorigemdosvocbulos est na aliana das expresses sedere e sessio (assentarse) spartculas pot ou pos, que lhes do nfase e reforo.5 Deixando de lado asdeturpaes semnticas, que ora levam a confundir posse e propriedade (o que,alis, j ocorria no Direito Romano mesmo), ora a empregar a palavra paradesignarautilizaodosdireitosouaexistnciadeumestadodefatosemelhante situao jurdica (posse de estado de filho), ora a significar a investidura emcargopblico(possedoPresidentedaRepblica),oraacompreenderosbensdefortuna (uma pessoa de altas posses), ora a traduzir a condio econmica nasociedade (classe dos poderosos em contraposio aos que no tm posses) expressesqueseusamnalinguagemvulgarcomonaerudita,aquicomoalhures6
atenhamonostosomentesuaaceporigorosamentetcnica.Trabalhando sobre os textos, os romanistas, desde o tempo da glosa,
disputamasprefernciasnaanlisedoselementos,nasuacaracterizaojurdica,na fundamentao terica de sua proteo. Uma das causas da inconcilivelpolmica reside, certamente, no fato de haver a codificao justinianeia reunidotextosdeperodosvrios(primeirosmonumentos,repblica,pocaprclssicaeclssica), associandose ainda s teses bizantinas e medievais, cada temposofrendo a contribuio de fatores socioeconmicos diversificados e
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diversificantes.7
Semembargodosdiferentesentendimentos,emtodasasescolasestsempreemfocoaideiadeumasituaodefato,emqueumapessoa,independentementede ser ou de no ser proprietria, exerce sobre uma coisa poderes ostensivos,conservandoaedefendendoa.assimqueprocedeodonoemrelaoaoqueseuassimquefazoquetemapenasafruiojuridicamentecedidaporoutrem(locatrio,comodatrio,usufruturio)assimqueseportaoquezelaporcoisaalheia(administrador,inventariante,sndico)assimqueageoqueseutilizadecoisamvelouimvel,paradelasacarproveitoouvantagem(usufruturio).Emtodaposseh,pois,umacoisaeumavontade,traduzindoarelaodefruio.
Mas, nem todo estado de fato, relativamente coisa ou sua utilizao, juridicamenteposse.svezeso.Outrasvezesnopassademeradeteno,quemuito seassemelhaposse,masquedeladiferenaessncia, comonosefeitos.A que surge a doutrina, com os elementos de caracterizao, e com ospressupostos que autorizam estremar uma de outra. Mas da, tambm, queadvm a infindvel polmica. O ponto de partida de toda teoria sobre a posse,segundoMartinWolff, , ento,opoderefetivo sobreumacoisa, senhorioestequepodeexercerqualquerpessoa (fsicaou jurdica), e sobrequalquercoisaoupartesdela.8Ou ainda, como explicaDe Page, na posse existe nsita a ideia deservirsealgumdacoisacomosenhordela.9
TEORIASSOBREAPOSSE
Dois elementos esto presentes em qualquer posse: uma coisa, e umavontade, que sobre ela se exerce. Estes elementos, material e anmico, ho deestar sempre conjugados, e, sem a sua presena conjunta, nenhuma posse h.Desde as fontes assim era, e a sentena de Paulus o proclama:Et adipiscimurpossessionemcorporeetanimo:nequeper seanimoautper se corpore.10Comestas designaes corpus e animus os elementos da posse atravessaram ossculos.Eaindacomasmesmasexpressesqueosescritoresdenosso tempoaludemaoscomponentesobjetivoesubjetivodaposse.
As divergncias aparecem precisamente na sua caracterizao. Desde osglosadoresqueassimfoi,configurandoselhesocorpuscomoocontatomaterialcom a coisa, ou atos simblicos que o representassem e o animus como a
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inteno de ter a coisa para si ou com a inteno de proprietrio.Duas grandesescolas,todavia,dividemosdoutrinadores,comrepercussolegislativaevidente:adeSavigny,chamadasubjetivista,eadeRudolfvonIhering,objetivista.
Savigny,aosvinteequatroanos,publicouem1803oTratadodaPosse(DasRechtdesBesitzes),queinfluiuprofundamentenopensamentojurdicodosculopassado, e atingiu as legislaes, influenciando to seriamente osCdigos que,athoje,noobstanteascrticasqueoatingem,encontradefensores.Mesmoemsistemas que consagram a opinio contrria, as suas ideias penetram, e amideaparecemcomvisosdentidainfluncia.
ParaSavigny,ocorpusouelementomaterialdaposse,caracterizasecomoafaculdade real e imediata de dispor fisicamente da coisa, e de defendla dasagresses de quem quer que seja o corpus no a coisa em si, mas o poderfsico da pessoa sobre a coisa o fato exterior, em oposio ao fato interior.11
SectriodeSavigny,extraiLafayetteocorolrioesclarecedor,dizendoquebastaasimplespresenadoadquirente,paraqueseperfaaaaquisiodaposse.Mas,seno local acharse outra pessoa, que se atribua a posse da mesma coisa, elasomente se adquire com o seu consentimento, ou com o seu afastamento pelaviolncia.
O outro elemento, interior ou psquico, animus, considerao Savigny ainteno de ter a coisa como sua. No a convico de ser dono opinio seucogitatiodominimasavontadedetlacomosuaanimusdomini.12
AconcepodeSavignyexige,pois,paraqueoestadodefatodapessoaemrelao coisa se constitua em posse, que ao elemento fsico (corpus) venhajuntarse a vontade de proceder em relao coisa comoprocede o proprietrio(affectio tenendi), mais a inteno de tla como dono (animus). Se faltar estavontade interior, esta inteno de proprietrio (animusdomini), existir simplesdeteno enoposse.A teoriasedizsubjetivaemrazodesteltimofato.ParaSavigny,adquireseapossequandoaoelementomaterial (corpus=poderfsicosobre a coisa) se adita o elemento intelectual (animus = inteno de tla comosua).Reversamente: no se adquire a posse somente pela apreenso fsica, nemsomente com a inteno de dono:Adipiscimur possessionem corpore et animonecpersecorporenecperseanimo.Destarte,quemtemacoisaemseupoder,masemnomedeoutrem,nolhetemapossecivilapenasdetentor,temasuadeteno (que ele chama de posse natural naturalis possessio), despida deefeitosjurdicos,enoprotegidapelasaespossessriasouinterditos.
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ParaSavigny,portanto,noconstituemrelaespossessriasaquelasemquea pessoa tem a coisa em seu poder, ainda que juridicamente fundada (como nalocao, no comodato, no penhor etc.), por lhe faltar a inteno de tla comodono(animusdomini),oquedificultasobremodoadefesadasituaojurdica.
Contrapondose a Savigny, e criticando com vivacidade a sua obra, VonJhering(GrunddesBesitzschutzes) tambmanalisaapossenosseuselementos.Paraele,corpusarelaoexteriorquehnormalmenteentreoproprietrioeacoisa, ou a aparncia da propriedade.O elementomaterial da posse a condutaexterna da pessoa, que se apresenta numa relao semelhante ao procedimentonormaldeproprietrio.Nohnecessidadedequeexeraapessoaopoderfsicosobre a coisa, pois que nem sempre este poder presente semque com isto sedestruaaposse.
Oelementopsquico,animus,nateoriaobjetivistadeJheringnosesituanainteno de dono, mas to somente na vontade de proceder como procedehabitualmenteoproprietrioaffectiotenendiindependentementedequererserdono. Denominase objetiva a teoria, porque dispensa esta inteno.13 Para secaracterizaraposse,bastaatentarnoprocedimentoexterno,independentementedeuma pesquisa de inteno. Partindo de que, normalmente, o proprietrio possuidor, Jhering entendeu que possuidor quem procede com a aparncia dedono, o que permite definir, como j se tem feito: posse a visibilidade dodomnio.
OobjetivismodateoriadeIhering,ouseja,adispensadaintenodedononasuaconfiguraopermite caracterizar como relaopossessriao estadodo fatodo locatrio em relao coisa locada, do depositrio em relao coisadepositada,docomodatrioemrelaocoisacomodada,docredorpignoratcioem relao coisa apenhada etc. E isto no mera abstrao.Verdadeiramentedotado de efeitos prticos, permitir a qualquer deles defenderse por via dasaes possessrias ou interditos, no apenas contra os terceiros que tragamturbao, mas at mesmo contra o proprietrio da coisa, que eventualmentemolesteaquelequetenhaautilizaodela.
NoobstanteoenormeprestgiodeSavigny,edosnumerososCdigosquelhe perfilharam a doutrina, bem como da multido de escritores que oacompanharam dentro e fora da Alemanha, a teoria objetiva de Ihering maisconveniente e satisfatria. Com efeito, na relao possessria no se revela oanimusdomini,nemfacilmenteseprova.svezesfaltade todo,enempor isto
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deixa de ser defensvel a relao criada. Quem encontra um cho ermo e ocultiva,notemeipsofactonopodeprovaranimusdomini.Mas,seumterceiroinvadeasuacultura,epretendecolherosfrutosdaterraqueamanhou,defendeacomo possuidor, porque tem a affectio tenendi suficiente para a posse,distinguindoa da mera deteno. s vezes tem o possuidor um poder de fatosobre a coisa. E, historicamente, a ideia de posse deve tla primitivamentecontido.Masnemsempreocorre.Seumindivduovaiconstruiremumterrenoe,residindolonge,alidepositaosmateriaisnecessrios,notempoderfsicosobreeles.Masnemporseafastardasuavistasermenospossuidordeles.QuandooRomano enviava o escravo a terras estrangeiras no lhe perdia a posse, muitoemborapermanecessedelonge,semopoderfsico.Oquesobrelevanoconceitodeposseadestinaoeconmicadacoisa.Umhomemquedeixaumlivronumterreno baldio, no tem a sua posse, porque ali o livro no preenche a suafinalidade econmica. Mas aquele que manda despejar adubo em um campodestinado cultura temlhe a posse, porque ali cumprir o seu destino. Se ocaador encontra em poder de outrem a armadilha que deixou no bosque, podeacuslo de furto, porquemesmo de longe, sem o poder fsico, conserva a suaposse mas se encontra em mos alheias a sua cigarreira deixada no mesmobosque,nopodermanteraacusao,porquenoalioseulugaradequado,porno ser onde cumpre a sua destinao econmica.O comportamento da pessoa,em relao coisa a smile da conduta normal do proprietrio, posse,independentemente da investigao anmica:qui omnia ut dominus facit. O queretira a tal procedimento este carter, e converteo em simples deteno, aincidnciadeobstculo legal.Nestepontoresideadiferenasubstancialentreasduas escolas, de Savigny e Ihering: para a primeira, o corpus aliado affectiotenendigeradeteno,quesomenteseconverteempossequandoselhesadicionao animus domini (Savigny) para a segunda, o corpus mais a affectio tenendigeram posse, que se desfigura em mera deteno apenas na hiptese de umimpedimentolegal(Ihering).
Hojeemdia,passadaafasepolmica,naqualaadoodeumadasposiesera quase uma definio partidria, os escritores se convenceram de que asdivergncias tericas no se manifestam em profundidade no plano prtico, aponto de sugerirem solues diferentes para problemas anlogos. A oposioentreambosmaisaparentedoquereal.14Ejseconsideradiscussobizantinaeestril defender a submisso de tal sistema a qual corrente, porque, em purorigor, as legislaes no tm aceito extremamente, seno tolerando implicaes
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recprocas, quer o subjetivismo de Savigny, quer o objetivismo de Ihering,15
sendo de acrescer que Ihering no eliminou o elemento intencional na suaconcepodaposse.16
ComoCdigode1916,hojerevogado,adoutrinaobjetivaentrouemnossasistemtica,comarelegaodasubjetivadominanteentreoscivilistasanteriores,bemcomoda concepodos glosadores, presente no tambm revogado art. 200do Cdigo Comercial de 1850. O Cdigo Civil de 2002, que em certa medidapromoveuaunificaolegislativadosDireitosCivileComercial,mantevesefieldoutrinaobjetivista.
Aposse,emnossodireitopositivo,noexige,portanto,aintenodedono,enem reclama o poder fsico sobre a coisa. relao de fato entre a pessoa e acoisa,tendoemvistaautilizaoeconmicadesta.aexteriorizaodacondutade quem procede como normalmente age o dono. a visibilidade do domnio(CdigoCivil,art.1.196).
Mas no possuidor o servo na posse (Besitzdiener do art. 855 doBGB),isto,aquelequeconservaaposseemnomedeoutrem,ouemcumprimentodeordensouinstruesdaqueleemcujadependnciaseencontre(CdigoCivil,art.1.198). No se lhe recusa, contudo, o direito de exercer a autoproteo dopossuidor,quantoscoisasconfiadasaseucuidado,consequncianaturaldeseudeverdevigilncia.17
No induzem posse, tambm, os atos de mera permisso ou tolerncia(CdigoCivil, art. 1.208): os primeiros, porque resultamde uma concesso dodominus, por isso mesmo revogvel ao seu nuto os segundos, porquerepresentam uma condescendncia ou indulgncia, pelos quais nenhum direito narealidadecedido.18
Objeto. No encontra a posse, na linguagem legal, limitao s coisascorpreas. Seu objeto, portanto, pode consistir em qualquer bem. Os exegetas,reportandoseaodispostonoart.485doCdigoCivilde1916(quecorrespondeaoart.1.196doCdigoCivilde2002),viamnaspalavrascomqueolegisladorconceituouopossuidoraquelequeexerceumdospoderesinerentesaodomniooupropriedadeuma francaalusoaqueabrange tambmosdireitos,umavezqueovocbulopropriedadeusadoemrelaoscoisasincorpreas,enquantoa palavra domnio mais precisa na meno das corporales res. O CdigoCivil de 2002 aboliu a expresso ao domnio, que h muito j se reputavaociosa, adotando redao mais concisa, sem, contudo, expungir do espectro
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objetivodapossequalquerespciedebem.Empuradoutrina,igualmente,nohempecilhoaqueanoodeposseabrace tantoascoisascomoosdireitos, tantoos mveis quanto os imveis, quer a coisa na sua integridade, quer uma partedela.ODireitoRomano,queaprincpiolimitavaaproteopossessriascoisascorpreas, veio mais tarde a estendla aos direitos reais. Os jurisconsultosmedievais, sofrendo a influncia do Direito Cannico, chegaram a abranger natutela possessria tambm os direitos chamados pessoais. Entre ns, a falta deum remdio jurdico especfico levou os nossos jurisconsultos, guiados peloverbo poderoso de Ruy Barbosa, a sustentar que tambm os direitos pessoaisestavam compreendidos na ideia de posse. A tese, sem dvida sedutora,preencheu, numa fase de nossa evoluo jurdica, importante papel na defesaprincipalmente dos direitos pblicos subjetivos, contra os atos abusivos deautoridades arbitrrias.Hoje, coma amplitudeque se reconhece aomandadodesegurana,destinadoaprotegerdireitolquidoecerto,noamparadoporhabeascorpus,contratodailegalidadeouabusodepoder,sejaqualforaautoridadequeoscometa(Constituiode1988,art.5,nLXIX),perdeuarazodeseraqueleesforo hermenutico. A teoria da posse retoma leito mais firme: podem serobjeto da proteo possessria, na verdade, tanto as coisas corpreas quanto osbensincorpreosouosdireitos,mas,sendoaposseavisibilidadedodomnio,osdireitossuscetveisdepossehodeseraquelessobreosquaispossvelexercerumpoderouumatributodominial,comosedcomaenfiteuse,asservides,openhor.Noos outros, que devero procurarmedidas judiciais adequadas suaproteo.possedosdireitosdseonomedequaseposse, como se dizia emDireitoRomano iuris quasi possessio , exempli gratia quase posse de umaservido.19
Terminologia.A terminologia empregada relativamente posse, coma qualtomaremos contato na medida do desenvolvimento das teses, frequentementemuito especializada, e requer cautela na sua utilizao. Duas impressesreclamam, desde logo, esclarecimento, porque so usadas repetidamente, comsignificaoprpria:iuspossidendieiuspossessionis.
Iuspossidendi (literalmente, direito de possuir) a faculdade que tem umapessoa, por j ser titular de uma situao jurdica, de exercer a posse sobredeterminada coisa. O proprietrio, o usufruturio, o locatrio etc. tm iuspossidendi sobre o objeto da respectiva relao jurdica. Ius possessionis odireito originado da situao jurdica da posse, e independe da preexistncia deumarelao.Aquelequeencontraumobjetoeoutiliza,notemoiuspossidendi,
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emboratenhaiuspossessionis,porqueprocedecomopossuidor,emboralhefalteum ttulo para possuir.O que cultiva uma gleba de terra abandonada tem o iuspossessionis,emboralhefalteoiuspossidendi.Aleiconfereaopossuidor,comfundamentono iuspossessionis,defesasprovisrias,aindanocasode lhe faltariuspossidendi.Outrasvezes, aliada aposse aoutros requisitosque compemausucapio, a lei converte o ius possessionis em propriedade, que, a seu turno,geraiuspossidendisobreamesmacoisa.20
NATUREZAJURDICADAPOSSE
Sendo frequente a controvrsia em torno da posse, no poderiam faltar asdisputasarespeitodesuanaturezajurdica.DesdeosRomanosquesedebate.Ostextos, imprecisos, ora proclamamna um fato, res facti21 ora dizemna umdireito,deiuredominiisivepossessionis22oraatribuemlhebivalncia,aludindoaquesimultaneamenteumfatoeumdireito:probatiotraditaevelnontraditaepossessionisnontaminiurequaminfactoconsistit.23
No estranha, pois, que ainda se discuta o tema, dividindose os escritoresentreastrscorrentes.Naverdade,pelaautoridadedoscombatentesnosedecideabatalha.Seaprimeiraproposio (aposseumfato) temsido sustentadaporjuristas do porte de Cujacius, Donnellus, Voet, Windscheid, De Filipis,Trabucchi e a segunda (aposseumdireito), porAccursius,Bartolo, Ihering,Molitor,Cogliolo,TeixeiradeFreitas,EdmundoLins a terceira (aposse umfatoeumdireito,simultaneamente)vemamparadaporSavigny,Merlin,Namur,Domat,Ribas,Lafayette.E longa iria a relao, de antigos emodernos.Comamincia que caracteriza os seus trabalhos, Edmundo Lins alinhou um a um osargumentos com que pretende provar as teses, e, em seguida, dissecaos e osrefuta, um a um, com os prprios textos romanos, para chegar, moda dosmatemticos, a um fecho de que como se queria demonstrar: a posse umdireito.24
Em termos de maior atualidade, e dentro da linha de princpio que norteiaestaobra,enfrentamossemdvidaaquesto,semnosdeixarmoslevarpelotompolmico dos debates, que em estudomonogrficomelhor quadraria, e que, emverdade,semprehderessurgir,comoprofetizaWindscheid.25
Nolugarprprio (n5,vol. I)conceituamosodireitosubjetivonasimbiose
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dos elementos teleolgicos (Ihering) e psicolgicos (Windscheid), entendendocomJellinek,Michoud,Ferrara,Saleilles,Ruggiero,queumpoderdevontadeparaasatisfaodeinteresseshumanos,emconformidadecomanormajurdica.luzdestanoo,procedemoscaracterizaodaposse.
Nodeveperturbaraquestoacircunstnciadeemtodaposseassomarumasituaodefato,poisquenumerosasrelaesjurdicasaparentamigualmenteumasituaodestaordem, semque sedesfiguremperdendoacondiodedireito.Apropriedade mesma, como todo direito real, vai dar numa posio deassenhoreamento,quesemanifestaporinequvocoestadodefato.Enemporistodeixa de ser um direito, paradigma, alis, de toda uma categoria de direitos.Direito creditrio, e direito inequivocamente, o crdito representado por umttulovalorimplicaumacondioftica,emquearelaojurdicasenodissociada materializao instrumental, de cuja exibio depende a efetivao do podercreditrio do titular. O que cumpre, ento, enfocar o fenmeno luz doconceito,everqueselheenquadra,semconfundirsecomofatoqueogerou.
Asescolas, tanto subjetivaquantoobjetiva,destacamnaposseumpoderdevontade, em virtude do qual o possuidor age em relao coisa, dela sacandoproveitooubenefcio.,pois,umestadoemqueotitularprocedeemtermosdelograr a satisfao de seus interesses. uma situao em que a ordem jurdicaimperequisitosdeexerccio,cujocumprimentoasseguraafaculdadedeinvocaratutelalegal.
Vistadeoutrongulo,epartindodequeatododireitocorrespondeumaaoque o assegura (o que vinha consignado no art. 75 doCdigoCivil de 1916 eencontra hoje sua fonte no art. 5, n XXXV, da Constituio de 1988), ouatentandoemqueactionihilaliudestquamiuspersequendi iniudicioquodsibidebetur,26ocarterjurdicodapossedecorredequeoordenamentolegalconfereao possuidor aes especficas, com que se defender contra quem quer que oameace,perturbeouesbulhe.
No lhe retira esse carter a circunstncia de que a ordem jurdica protegetambm a posse injusta. objeo, segundo a qual no prprio do direitoconceder proteo ao comportamento antijurdico, responde Ihering que aproteodadaaopossuidor injusto tememvistaavisibilidadedapropriedade,eno a pessoa do que injustamente possui. De acrescer ser, ainda, que a leiprotegeaquelequeadquireaposseviciosamentecontraterceiros,masnocontraavtima.27
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Se certo que ainda subsistem dvidas e objees, certo , tambm, que atendnciadadoutrinacomodosmodernoscdigosconsiderlaumdireito.28
Naverdadeperdeuhoje importncia o debate, resolvendose comdizer que,nascendo a posse de uma relao de fato, convertese de pronto numa relaojurdica.29
Caracterizada como direito, vem depois a discordncia quanto tipificaodeste. Sem embargo de opinies em contrrio, um direito real, com todas assuascaractersticasoponibilidadeergaomnes,indeterminaodosujeitopassivo,incidnciaemobjetoobrigatoriamentedeterminadoetc.30
Como direito real especificamente qualificado de direito real provisrio,para distinguilo da propriedade que direito real definitivo, compreendeaMartinWolff,ecomeleamodernadoutrinatedesca.31
CLASSIFICAODAPOSSE
Sem se desfigurar a sua natureza ou alterar o seu contedo, a posse podeoferecernuanasqueaqualificam,sujeitandoaaespecificidadesquesotratadaspeculiarmente pela ordem jurdica. Sempre ser conceituada nos termos dadefinioqueficouacimadeduzida.Mas,emrazodefatoresacidentais,tomatalouqualaspecto,dequeresultamasvariedadesdetratamento.
A)Posse justa e posse injusta. Dizse que justa a posse quando no lhepesa a marca de qualquer dos defeitos tpicos, isto , que no violenta,clandestinaouprecria (CdigoCivil,art.1.200), repetindoseanoonegativaromana:necvi,necclam,necprecario.Injusta,aorevs,aposseviciosa,eivadadeumadessastrspechas.
Posse violenta (adquirida vi) a que se adquire por ato de fora, seja elanaturaloufsica,sejamoralouresultantedeameaasqueincutamnavtimasrioreceio.Aviolnciaestigmatizaaposse,independentementedeexercersesobreapessoadoespoliadooudeprepostoseu,comoaindadofatodeemanardoprprioespoliadoroudeterceiro.32
Clandestinaapossequeseadquireporviadeumprocessodeocultamento(clam),emrelaoquelecontraquempraticadooapossamento.Contrapeselheaque tomadaeexercidapblicaeabertamente.Aclandestinidadedefeitorelativo: ocultase da pessoa que tem interesse em recuperar a coisa possuda
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clam,noobstanteostentarsesescncarasemrelaoaosdemais.Salientase que a violncia e a clandestinidade, como vcios relativos,
somente podem ser acusadas pela vtima em relao a qualquer outra pessoa, aposse produz seus efeitos normais. E, como vcios temporrios, podem serpurgados, com a sua cessao, desde que no consista a mudana em ato doprpriopossuidorvicioso.33
Posse precria a do fmulo na posse (Besitzdiener), isto , daquele querecebeacoisacomaobrigaoderestituir,earrogaseaqualidadedepossuidor,abusandodaconfiana,oudeixandodedevolvlaaoproprietrio,ouaolegtimopossuidor.Estevcio,comoobservaSerpaLopes, iniciasenomomentoemqueo possuidor precarista recusa atender revogao da autorizao anteriormenteconcedida.
Aposse injusta no se pode converter emposse justa quer pela vontade oupelaaodopossuidor:nemosibiipsecausampossessionismutarepotest,34querpelo decurso do tempo: quod ab initio vitiosum est non potest tractu temporisconvalescere.
Nada impede, porm, que uma posse inicialmente injusta venha a tornarsejusta,medianteainterfernciadeumacausadiversa,comoseriaocasodequemtomoupelaviolnciacomprardoesbulhado,oudequempossuiclandestinamenteherdardodesapossado.
Reversamente, a posse ab initio escorreita entendese assim permanecer,salvosesobreviermudananaatitude,comooexemplodolocatrio(possuidordireto),querecusarestituiraolocador,eseconverteempossuidorinjusto.
Em qualquer caso, todavia, a alterao no carter da posse no provm damudanadeintenodopossuidor,masdeinversodottulo,porumfundamentojurdico, quer parta de terceiro, quer advenha da modificao essencial dodireito.35
B)Possedeboaoudemf.Oconceitodeboaf fluido.Unsentendemqueelaseresumenafaltadeconscinciadequedadoatocausardano,e,destasorte, imprimemlhe um sentido negativo, equiparandoa ausncia de mf(Ferrini). Outros exigem um fatoramento positivo, e reclamam a convico doprocedimentoleal.Nemaprpriaincertezasatisfaz.36
Considerasedemf aquelequepossuina conscinciada ilegitimidadedeseu direito. De boaf est aquele que tem a convico de que procede naconformidade das normas. Esta opinio poder corresponder realidade,mas
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tambm possvel que se origine de um erro, de fato ou de direito, quanto legitimidade da posse.Nodeixar de estar de boaf o possuidor que ignora oobstculoaquepossua,ouqueequivocadamentetenharazodesuporescorreitaasuacondio,emboranaverdadenoseja.
O problema da prova da boaf, em matria possessria, no escapa aostormentos da demonstrao da boaf em geral.37 Em virtude do postulado daboaf nas relaes jurdicas, todo aquele que a invoca, para extrair proveito ouvantagem,bastantequeproveadilignciaoucautelanormais,presumindolheaboaf, e incumbindo ao reivindicante a demonstrao de que o possuidorconhecia os vcios de seu ttulo.38 uma circunstncia de fato, que se supeexistiratqueocontendorseconvenadequeopossuidorpossuiindevidamente,emrazodeconhecerovciooudeterhavidoumainversodottulogeradoradamfsuperveniente.Arguise,contraoprincpiolegal(CdigoCivil,art.1.202)a dificuldade de se investigar a mf, penetrando no nimo do agente. Noobstante, o alicerce moral do preceito bvio, pois que, se as circunstnciasinduzem a presuno de que o possuidor no ignora que possui indevidamente,nosedevemobilizaraseuproloaparelhojurdicoprocessual.39
C)Possecomjusto ttulo.Apalavra ttulo,que,na linguagemvulgar,comona especializada, usase em variadas acepes, aqui, e para os efeitosmencionados,trazosentidodecausaoudeelementocriadordarelao jurdica. assim que se diz que a doao ou a compra e venda ttulo aquisitivo dodomnioouqueoproprietrioo,detaisbens,attulohereditrio.
Edizsejustoottulohbil,emtese,paratransferirapropriedade.Bastaqueosejaem tese, isto, independentementedecircunstnciasparticularesaocaso.Uma escritura de compra e venda ttulo hbil para gerar a transmisso da resvendita.Selhefaltaremrequisitospara,naespcie,causaraquelatransferncia,oadquirente,que recebeacoisa,possuicom ttulo justo,porqueo fundamentodesuaposseumttuloqueseriahbiltransmissodosbens,senolhefaltasseoelementoqueeventualmenteestausente.
Quempossuicomjusto ttulo temporsiapresunodeboaf.Masumapraesumptio iuris tantum (v. n 105, supra, vol. I), e, como tal, ilidese pelaprovacontrria,produzidapelocontendor.
Seaposseoriginriaerainjusta,odesconhecimentododefeitodaquelequearecebeu por ttulo hereditrio no lhe apaga o defeito porque o herdeiro, comosucessor universal do defunto, continua na mesma posse, com os vcios e
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qualidadesquearevestiam.Se a aquisio se der a ttulo singular (conveno, legado), o mesmo no
ocorre,poisque,comeandosempreapossecomoatoaquisitivo,noainquinamos vcios anteriormente existentes. certo que o adquirente tem a faculdade dejuntarsuaapossedoantecessor(accessiopossessionis),masmerafaculdade,dequesomenteseutilizarselheconvier,eopossuidordistoonicorbitro.40
O ttulo que, em tese, no seja hbil a transferir o domnio no justo, e,consequentemente,notemocondodegerarapraesumptiobonaefidei.
D) Posse ad interdicta e ad usucapionem. As fontes, como os autores,aludem posse ad interdicta e posse ad usucapionem. Como a seu tempoveremos(n296, infra), paraqueopossuidorobtenhao interdito queo amparecontra o turbador ou esbulhador, basta que demonstre os elementos essenciais,corpus e animus, isto , a existncia da posse e a molstia. Mas, para queadquira por usucapio, necessrio ser que, alm dos elementos essenciais posse, revistase ainda esta de outros acidentais: boaf decurso ou trato detempo suficienteque sejamansaepacficaque fundeem justo ttulo, salvonausucapioextraordinriaque sejacumanimodomini, tendoopossuidor a coisacomosua, jqueaaffectio tenendi,bastanteparaos interditos, insuficienteadusucapionem.41
E) Posse direta e posse indireta. Como temos exposto, a posse, comovisibilidadedodomnio,traduzacondutanormalexternadapessoaemrelaocoisa,numaaparnciadecomportamentocomose fosseproprietrio,como fitode lograr seu aproveitamento econmico. Este, muitas vezes, tem lugar com autilizaodacoisaporoutrem.Ocorreassim,paraqueacoisapossudacumpraasua finalidade, um deslocamento a ttulo convencional, e, ento, uma outrapessoa, fundada no contrato, tem a sua posse sem afetar a condio jurdica doproprietrio, ou do possuidor antecedente. Somente a teoria de Ihering ocomporta, pois que basta determinao da posse que se proceda em relao coisacomoofazoproprietrio(posse=visibilidadedodomnio),eaquelequearecebe numa destinao econmica usaa como o faria o proprietrio. O que importantequeestepossuidornoanulaacondio jurdicadodono,dequemrecebe o seu ttulo. E relevante acentuar, tambm, que tal desdobramentopressupe uma certa relao jurdica entre o possuidor indireto e o possuidordireto.42
Umatalsituaoexplicasepelodesdobramentodaposse,considerandoseo
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cessionrio igualmente possuidor. Desse desdobramento resulta, assim, aduplicidade excepcional da posse sobre amesma coisa. Dois possuidores. Um,possuidorquecedeousodacoisa,possuidorindiretooumediato.Ooutro,queorecebepor foradecontrato,dizsepossuidordiretoou imediato.Vrias so ashipteses desse desdobramento: locao, usufruto, penhor, depsito, transporte,comodato.Oart.486doCdigoCivilde1916enumerava,exemplificativamente,alguns casos (usufruto, penhor e locao).Commelhor tcnica, o art. 1.197doCdigoCivil de 2002 dispe, genericamente, que a posse direta, de pessoa quetem a coisa em seu poder, temporariamente, em virtude de direito pessoal, oureal,noanulaaindireta,dequemaquelafoihavida,podendoopossuidordiretodefenderasuapossecontraoindireto.Convmacentuar,entretanto,queseexcluiodependente,oservidor,quejamaissereputapossuirparasi,pormsempreemnomedeoutremeparaeste(TitoFulgncio,Hedemann).
Aspossesdiretaeindiretacoexistemnocolidemnemseexcluem.Ambas,mediata e imediata, so igualmente tuteladas, sendo ilcito ao terceiro oponenteinvocar em proveito prprio o desdobramento. Uma vez que coexistem, e nocolidem, lcito aos titulares defendla.Qualquer deles. Contra o terceiro quelevante uma situao contrria, pode o possuidor direto invocar a proteopossessria,comoigualmenteopossuidorindireto,semquehajamisterconvocaro auxlio ou assistncia do outro.Cada um, ou qualquer um defende a possecomodireitoseu,porttuloprprio,eindependentedottulodooutro.
Mas, se o possuidor indireto molestar a posse direta daquele a quemtransferiuautilizaodacoisa,temopossuidordiretoaocontraele.
Aconcepodessedesdobramentopossessriopeculiar,repetimos,teoriade Ihering, e vemdesenvolvida pelos romanistas e civilistasmodernos, abrindonovos horizontes aplicao dos princpios, e atendendo s necessidadesprticas.43
Maismodernamente,consolidouseoentendimentosegundooqualtambmopossuidor indireto pode defender a sua posse contra o direto, ainda que odispositivo legal (CC,art.1.197)noo tenhacontempladoexpressamente (v.g.,exploraodepedreira,pelopossuidordireto,noautorizadaemcontrato).
precisonoconfundira ideiadapossedesdobradaemmediatae imediata,com a noo de compossesso ou composse, a que dedicaremos o pargrafoseguinte.
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288. COMPOSSE
Talqualapropriedade,que,comodireito real tpico,exclusiva,econsistenafaculdadedeusar,gozaredispordacoisa, reivindicandoadequemquerqueinjustamente a detenha, tambm a posse exclusiva. Uma conduta da pessoa,retratandoocomportamentonormaldoproprietrio,nosecompadececomofatode outras simultaneamente exercerem os mesmos poderes e direitos, sobre amesmacoisa.Jasfontesodiziam:Plureseamdemreminsolidumpossiderenopossunt.44 Da prpria noo de posse resulta que a situao jurdica de umaniquila a de outro pretendente, e, em consequncia, enquanto perdurar umaposse,outranopode ter comeo,pelamesma razoqueaconstituiodanovaimplicaadestruiodaposseanterior.45
Ocorre, porm, que, por fora de conveno ou a ttulo hereditrio(adquirentesdecoisaemcomum,cotitularesdomesmodireito,maridoemulheremregimedecomunhodebens,coerdeirosantesdapartilha,comunheirosantesdacommunidividundo),duasoumaispessoas tornamsecondminasdamesmacoisa, mantendose pro indiviso a situao respectiva, em virtude de qual elaconstitui objeto da propriedade de todos. No se fragmenta em tantaspropriedadesdistintasquantosforemosscios,nemsefracionamaterialmentedemolde aque exera cadaumodomnioproparte.Ao revs, cada condmino titular do direito de propriedade, por quota ideal, exercendoo por tal parte quenoseanuleigualdireitoporpartedecadaumdosdemais,enoseembaraceoseuexerccio.
Uma vez que a posse a exteriorizao do comportamento do dominus,admitesecomocorolrionaturalacomposse,emtodososcasosemqueocorreocondomnio,compossuidoresoscondminos.Nassuasrelaesexternas, isto,nas relaes com terceiros, os compossuidores procedem como se fossem umnicosujeito,46no interessandoaosestranhosrelaocompossessria indagardo estado de comunho, ou sua causa, nem apurar o valor da quota de cadacomunheiro.47
Interesse maior, obviamente, reside na determinao das relaes internasentrecompossuidores,efixaodosrespectivosdireitos.
Atodososcompossuidoresreconhecealeiiguaisatributos,assegurandolhesa todos a utilizao da coisa comum, contanto que no interfiram no exerccio,por parte dos outros, ou de qualquer deles, de iguais faculdades (art. 1.199 do
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289.
CdigoCivil de 2002).Nenhumdos compossuidores possui a coisa por inteiro(Lafayette), porm cada um temlhe a posse por frao ideal. Se, pois, umperturbar o desenvolvimento da composse, poder qualquer dos outros valersedosinterditos,cujoalcanceadstringesecontenodocompossuidornorespeitopossedosoutros.Mas,sequalquerdelesentenderqueocomunheiroexcedeuasforas de seu ttulo, explorando simplesmente a coisa a maior, os remdiospossessrios so inbeis para apurar a increpao, cabendo apenas aosinteressadosorecursosviasordinriaspararessarcimentodoprejuzo.
Cessaacomposse:A)Peladiviso,amigvelou judicial,dacoisacomum,umavezqueelaa
consequncianaturaldoestadodeindiviso.B) Pela posse exclusiva de um dos scios que isole, sem oposio dos
demais, uma parte dela, passando a possula com exclusividade, o que implicaumadivisodefato,efetivadacomaanunciadoscomunheiros,erespeitadapelodireito como um estado transitrio, at que a definitiva se realize, comobservnciadosrequisitoseformalidadeslegais.
Dividida a coisa comum, cada scio presumese na posse da parte que lhetoca, desde o momento em que a composse se instituiu, e, desta sorte, tem odireito de invocar a sua condio para efeito de aquisio por usucapio(Lafayette).
A composse , obviamente, temporria. Tradicionalmente, sempre o foi.Mas,comainstituiodoregimededivisodosedifciosporplanoshorizontais,criouse, a par da propriedade exclusiva sobre as unidades autnomas, apropriedade em comum sobre o solo e partes de uso de todos (hall de entrada,corredores, reas deventilao, paredes laterais, elevadores, teto).E, comoestecondomnioinsuscetveldecessao,porsercondioaqueoprdiopreenchaasua destinao,48 a composse sobre as partes de uso comum do edifcio deapartamentos perptua, no sentidodequeno se extinguir enquanto existir oprdiocomoentidadeeconmicaeconjuntotil.
FUNDAMENTODATUTELAPOSSESSRIA
Temsidovexataquaestioentreosmaiores,a indagaodomotivopeloqualaposse recebedoordenamento jurdico to insistenteproteo.Oshistoriadores
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do Direito Romano, projetando as luzes de suas pesquisas pelos temposprimeiros da Cidade, mostram que foi o sistema de defesa da posse a tcnicausadanaquelafasededistribuiodoagerpublicus,tendoemvistaquenopodiao beneficirio invocar a garantia dominial, por lhe faltar o ttulo de dono,incompatvelque seria este coma inapropriabilidadedas terras, insuscetveisdedomnioprivado.
pocadasactioneslegisnosedistinguiaapossedapropriedade.Depois,jdiscriminadosebemdefinidososprocessosaquisitivos,paraasresmancipiepara as res necmancipi, foi ainda o instituto da posse omeio de que se valeuaquele Direito para desenvolver os critrios de aquisio onde faltava amancipatio.
AevoluodoIusRomanum,aampliaodoiushonorarium,aricafloraodoperodoclssico,atacodificaoassistiramsempreaorespeitopelaposse,sua garantia por via dos interditos, sua proteo pelas aes em que esses seconverteram,emboraconservassemadesignaodeinterdicta.EoCorpusIurisCivilis est referto de princpios, que fazem da posse um complexo jurdicoextraordinariamente desenvolvido, reputadomesmo por um jurista to eminentequo sbrio no dizer, como a parte mais sistemtica e profunda daqueleDireito.49
Por toda a Idade Mdia, como nos tempos modernos do direito, quer nospases em que a propriedade sedimentada nas bases de velha tradio, quernaqueles outros em que a competio pelo aproveitamento de amplas extensesterritoriais d maior nfase affectio tenendi sempre a posse ocupa a maisrelevante funo social, e sua proteo reclama maior atividade do aparelhojudicirio.
Porisso,imponenteaindagaoqueseformulaaosjuristas,doporqudatutela possessria. Por isso, tambm, to viva a polmica que os dispersa noarticulararesposta.
Aquipesagravementeaconcepotericadoinstituto.Elongeiramos,seaexposio e anlise de cada uma viessem detidamente articuladas. Evitando asdemasias, atemonos s teorias principais, como exemplificao tpica,observandoqueumasjustificamnapelaposseemsi,outrasemrazodediversofator, quer especfico (propriedade, pessoa do possuidor), quer genrico (pazsocial,interessesocial).
ParaBruns,protegeseaposseporsimesma,umavezqueopossuidor,pelo
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sfatodeoser,temmaisdireitodoqueaquelequenoo:Qualiscumqueenimpossessor, hoc ipso quod possessor est, plus iuris habet quam ille qui nonpossidet.50
IgualmentetmemvistaaposseemsimesmaAhrenseRoder,paraosquaiso possuidor, em razo de o ser, devemanterse provisoriamente no statusquo,porque a relao externa, em que se encontra para com a coisa, no injusta:quilibetpraesumituriustusdonecprobeturcontrarium.
SavignyeRudorff,considerandoaposseumsimplesfato,preconizamasuadefesa tendo em mira a pessoa do possuidor, e a represso viol