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FACULDADE DE LETRAS
UNIVERSIDADE DE COIMBRA
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Ana Carla Pereira Martins Conselho
Coimbra, 2010
FACULDADE DE LETRAS
UNIVERSIDADE DE COIMBRA
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Dissertao de Mestrado em Literatura de Lngua
Portuguesa: Investigao e Ensino, apresentada
Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra,
sob orientao da Professora Doutora Cristina
Mello.
Ana Carla Pereira Martins Conselho
Coimbra, 2010
Ao casal amigo, Deolinda e Vasco Morgado.
Ao meu marido, Robson Conselho.
E aos meus filhos, Emerson e Thomas.
Agradecimentos
Como cidad do Universo, agradeo vida a oportunidade de ter frequentado o
Mestrado em Literatura de Lngua Portuguesa: Investigao e Ensino, na Faculdade de Letras
da Universidade de Coimbra. Este curso facultou-me o acesso a conhecimentos sistematizados e
respeitados no espao acadmico. Estes saberes conduziram-me ao encontro da poesia. Aps este
momento de alumbramento potico, iniciei o percurso no mbito da investigao da poesia de
Carlos Drummond de Andrade, o poeta do desconcerto da minha adolescncia. No transladar
desse estudo, interroguei-me: por que razo o texto potico to marginalizado no Ensino
Mdio? De que forma os manuais escolares apresentam a poesia deste autor? Qual a funo da
poesia de Drummond na formao dos leitores? Existem alternativas para o trabalho didtico-
pedaggico sobre os poemas drummondianos? Gradualmente, o corpo docente desse Mestrado
mediou este processo de amadurecimento inquietante acerca destas questes, possibilitando
assim a delimitao do corpus da presente Dissertao, que se configura como a primeira
resposta s minhas indagaes referentes ao estudo do texto potico em manuais escolares. No
instante de cerrar as portas deste estudo, retribuo com a minha gratido a todos aqueles que
estiveram ao meu lado neste trabalho.
Agradeo profundamente aos meus amigos, Maria Deolinda Morgado e Vasco
Figueiredo Morgado, que, aqui em Portugal, representaram muito mais do que simples amigos,
sendo na ntegra a minha famlia, a oportunidade e acolhimento dispensados em todos os
momentos desta tragetria;
A orientao cientfica da Doutora Cristina Mello, a quem agradeo o acompanha-
mento, o apoio, a disponibilidade e estmulo constantes para a concretizao deste estudo;
Ao coordenador do curso Doutor Jos Augusto Cardoso Bernardes os caminhos abertos,
a estima e todo o auxlio nos diversos momentos;
Fico grata aos Professores da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra por
todos os saberes que adquiri e aos colegas de Mestrado o auxlio prestado a cada instante;
A todos os meus familiares que, apesar da distncia, me ajudaram com incentivo e
encorajamento nos momentos difceis, para que eu conseguisse finalizar este trabalho;
Agradeo ao meu companheiro atencioso que, mesmo longe, esteve sempre presente,
aos meus dois filhos que tantas vezes me disseram termine o curso e volte logo;
A todos os professores que passaram pela minha vida e que deixaram os seus
ensinamentos impregnados em mim;
Assim, agradeo a todos, desde os funcionrios da universidade, aos amigos
conquistados que me apoiaram, enfim, o meu muito obrigada a todos!
Resumo
A leitura de um conjunto de manuais escolares de lngua portuguesa, adotados,
atualmente, em escolas do Ensino Mdio, no Brasil, considerando o lugar do estudo da poesia, e
mais especificamente o lugar do estudo do grande poeta Carlos Drummond de Andrade,
possibilita-nos assegurar que a compilao da poesia de Drummond nesses manuais (associada a
um conjunto de orientaes para o trabalho escolar) castradora da leitura e do estudo do texto
potico neste ciclo do ensino.
Os estudos sobre os manuais escolares tendem a desconsiderar a legitimidade deste
recurso didtico no trabalho escolar, apesar de, em alguns casos pontuais, ponderarem a validade
deste material didtico.
Consideramos que o estudo do texto potico nos manuais ainda muito escasso, pelo
que o mesmo continua a ser uma temtica pertinente na investigao no mbito da formao de
professores de Portugus.
Postas estas questes, admitimos que adequado um estudo alargado acerca da poesia
de Carlos Drummond de Andrade, em manuais escolares de lngua portuguesa, incidindo sobre
uma anlise: i) dos objetivos da sua leitura e estudo no Ensino Mdio; ii) do modo como o texto
potico estudado na perspectiva destes recursos; iii) da forma como os professores podem
dinamizar o estudo desse texto a partir das sugestes dos manuais.
A articulao desta anlise tem por base alguns estudos que consideram, por um lado,
componentes do texto literrio e, por outro lado, capacidades necessrias ao leitor no ato da
leitura literria, de acordo com os modos literrios em que se enquadram.
Neste sentido, apresentaremos diretrizes que esses estudos nos facultam para uma mais
propcia e adequada escolarizao da poesia de Carlos Drummond de Andrade em manuais do
Ensino Mdio.
Como os pressupostos dos manuais escolares so limitativos do ponto de vista didtico-
pedaggico, sugerimos algumas alternativas para que o estudo da potica deste autor seja
repensado, com vista a uma leitura mais alargada e, portanto, mais pertinente para a formao
dos alunos-leitores.
Palavras-chave: Leitura/ Leitura na Escola/ Leitura nos Manuais, Texto Potico,
Ensino Mdio, Manuais Escolares e Abordagem da Literatura.
Abstract
The reading of a set of Portuguese language textbooks currently adopted in Brazilian
Secondary Education, considering the place occupied by the study of poetry and, more
specifically, the position taken by the poet Carlos Drummond de Andrade, enables us to claim
that the compilation of Drummonds poetry in those textbooks (linked to a series of guidelines
for school work) is emasculating the reading and the study of the poetic text in this cycle of
education.
Studies on textbooks tend to disregard the legitimacy of that didactic resource within
school work, despite pondering the validity of this sort of material in some specific cases.
We believe that the study of poetry in textbooks is still very scarce, so it remains a
relevant thematic in what concerns investigation related to the training of Portuguese teachers.
Faced with these issues, we admit that it is appropriate a broader study on Carlos
Drummond de Andrades poetry in Portuguese language textbooks focusing on an analysis: i) of
the goals of its reading and study in Secondary Education; ii) of the way the poetic text is studied
from the perspective of these resources; iii) of how teachers can foster the study of that type of
text from the suggestions presented in the textbooks.
The articulation of this analysis is based on some studies that consider, on the one hand,
the components of literary texts and, on the other hand, the necessary skills for the reader in the
act of literary reading, according to the literary modes in which they fit.
In this sense, we will present guidelines provided by these studies for a more suitable
and appropriate schooling of Carlos Drummond de Andrades poetry in Secondary Education
textbooks.
As the assumptions of textbooks are limitative from the didactic and pedagogic point of
view, we suggest some alternatives, so that the study of this authors poetic be rethought in order
to reach a broader and therefore more relevant reading for the formation of student-readers.
Keywords: Reading/ Reading at school/ Reading in textbooks, Poetic Text/Poetry,
Secondary Education, Textbooks and Literature Approach.
Se procurar bem voc acaba encontrando.
No a explicao (duvidosa) da vida,
Mas a poesia (inexplicvel) da vida.
Carlos Drummond de Andrade
ndice Geral
INTRODUO10
Captulo 1 O TEXTO POTICO: CONCEITOS TERICOS E ENSINO
1.1. Uma conceptualizao do texto lrico.....................................................................................17 1.2. Finalidades da leitura do texto potico no Ensino Mdio, no Brasil, de acordo com
orientaes curriculares da atualidade.....................................................................................24
1.3. O texto potico em manuais escolares brasileiros de lngua portuguesa e de literatura para o Ensino Mdio..........................................................................................................................36
1.3.1. Explicao prvia: dispositivos oficiais reguladores do uso do manual escolar...............36 1.3.2. Estratgias de leitura do texto lrico em manuais escolares...............................................39 1.3.2.1. Apresentao do corpus....................................................................................................39
1.3.2.2. Dimenses consideradas...................................................................................................40
1.4. Processos de leitura do modo lrico: componentes e capacidades..........................................42 1.4.1. Fatores de adeso leitura do texto lrico..........................................................................44 1.4.2. Fatores de resistncia leitura do texto lrico....................................................................49
Captulo 2 ENQUADRAMENTO HISTRICO-LITERRIO DA POESIA DE CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
2.1. Histria literria do Modernismo Brasileiro...........................................................................53
2.2. Vida e obra de Carlos Drummond de Andrade.......................................................................56
2.2.1. A primeira fase.....................................................................................................................58
2.2.2. A segunda fase.....................................................................................................................59
2.2.3. A terceira fase......................................................................................................................60
2.2.4. A ltima fase........................................................................................................................61
2.3. Drummond: um mito tambm em Portugal............................................................................63
2.4. O lugar do estudo da poesia de Drummond no Ensino Mdio...............................................65
Captulo 3 A POESIA DE DRUMMOND NOS MANUAIS ESCOLARES DO ENSINO MDIO NO BRASIL
3.1. Identificao dos dados observados nos manuais sobre a poesia de Drummond...................70
3.2. O Drummond dos manuais.....................................................................................................71
3.2.1. A estruturao textual dos manuais.....................................................................................72
3.2.2. Enquadramento histrico-cultural da poesia drummondiana..............................................75
3.2.3. As atividades propostas e o desenvolvimento das competncias........................................79
3.2.4. Aspectos grficos e ilustraes nos manuais.....................................................................112
3.3. Concluses desta anlise.......................................................................................................117
CONCLUSO............................................................................................................................120
BIBLIOGRAFIA.......................................................................................................................125
ANEXOS
ndice dos Grficos
Grfico A Grfico percentual dos manuais com textos poticos integrais e fragmentados....74 Grfico B Grfico das percentagens dos poemas (completos ou fragmentados) nos manuais assim configurados........................................................................................................................74 Grfico C Grfico dos textos explicativos sobre o contexto nos manuais.................................78 Grfico D Grfico percentual das atividades com os poemas nos manuais...............................79 Grfico E Grfico de todos os poemas dos manuais do corpus..................................................82 Grfico F Grfico percentual das parfrases nos manuais.........................................................84 Grfico G Grfico das percentagens das questes interpretativas sobre os temas nos manuais..89 Grfico H Grfico percentual dos manuais com enunciados sobre a retrica dos textos poticos..........................................................................................................................................94 Grfico I Grfico percentual dos manuais que abordam o aspecto lingustico nas atividades sobre os poemas.............................................................................................................................97 Grfico J Grfico percentual dos enunciados dos manuais que contemplam a dimenso imagtica dos poemas..................................................................................................................101 Grfico K Grfico de percentagens dos manuais que sugerem enunciados sobre os tipos de leituras..........................................................................................................................................102 Grfico L Grfico percentual dos manuais com questes sobre a interpretao pessoal.....105 Grfico M Grfico percentual dos manuais com enunciados sobre os debates........................106 Grfico N Grfico percentual das atividades sobre a intertextualidade nos manuais...............108 Grfico O Grfico de Percentagens das questes do ENEM e de Exames de Vestibular nos manuais........................................................................................................................................111
ndice de Anexos
Anexo 1- Quadros A I Descrio dos dados da pesquisa.........................................................II Anexo 2- Quadros J (A) e (B) Tipologia das imagens...............................................................XI Anexo 3- Quadros K (A) e (B) Tipologia dos textos...............................................................XIII Anexo 4- Quadro L Os poemas presentes nos manuais............................................................XV Anexo 5- Quadro M As fichas de leituras..............................................................................XVII
10
INTRODUO
Esta abordagem nasceu da vontade de estudar, de forma mais alargada, a leitura do
texto potico em contexto escolar, especificamente no Ensino Mdio no Brasil1 ou Secundrio
em Portugal, atravs da anlise da poesia de Drummond em manuais escolares.
A leitura do texto lrico constitui uma problemtica relevante nos nossos dias, j que o
gosto e o tempo disponibilizado pelos alunos do Ensino Mdio para a leitura so praticamente
insignificantes. Dessa forma, torna-se eficaz o estudo da problemtica acima referida, na busca
de caminhos possveis no processo da leitura da poesia drummondiana, nessa etapa do ensino
brasileiro.
Importar, de acordo com a temtica dessa investigao, ver como os manuais
configuram as atividades de leitura da poesia de Drummond, para que os discentes sejam
envolvidos pela leitura da poesia e desenvolvam a sua competncia enquanto leitores. Assim,
esta abordagem configura-se importante porque visvel a ampla dificuldade por parte dos
alunos do Ensino Mdio em compreender e interpretar textos, segundo o resultado de uma
pesquisa no ano de 2001 (INEP 2002)2, isso exige dos docentes de lngua e literatura portuguesas
um trabalho constante para a formao de leitores. Torna-se imprescindvel que em contexto
escolar, o trabalho incida sobre a leitura, para que os alunos desenvolvam essa competncia e
possam concluir o Ensino Mdio sabendo interpretar e compreender textos. Nesse sentido, a
escolha do manual escolar essencial, porque muitas vezes revela-se como o nico recurso no
cenrio do sistema educativo brasileiro. Por isso, para escolher o manual de maneira crtica e
ponderada, de suma importncia que os professores de portugus frequentem cursos de ps-
1 Desde 1996, com a Lei n. 9394, de 20 de Dezembro de 1996, denominada Lei de Diretrizes e Bases da Educao
Nacional (LDB), o Ensino Mdio, no Brasil (antigamente designado segundo grau), que constitui a etapa do sistema
de ensino equivalente ltima fase da educao bsica, tem por finalidade o aprofundamento dos conhecimentos
adquiridos no Ensino Fundamental, bem como a formao do cidado para a vida social e para o mercado de
trabalho, facultando as ferramentas necessrias ao ingresso do estudante no Ensino Superior. A LDB estabelece
regulamentao especfica e uma composio curricular mnima obrigatria, porm, deixa cada um dos sistemas
livres para construir os seus prprios curricula. No entanto, na maior parte dos sistemas de ensino, o Ensino Mdio
composto pelo ensino de Portugus em conjunto com a Literatura Brasileira e Portuguesa; de uma lngua estrangeira
moderna (tradicionalmente o Ingls ou o Francs e, mais recentemente, o Castelhano); das cincias naturais (Fsica,
Qumica e Biologia); da Matemtica; das cincias humanas (Histria e Geografia primariamente, Sociologia,
Psicologia e Filosofia, secundariamente); de Artes, de Informtica e de Educao Fsica. 2 As informaes sobre esta pesquisa foram publicadas pelo INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais Ansio Teixeira (2002), Geografia da Educao brasileira 2001, que apresenta os resultados dos exames avaliativos nacionais de todos os nveis do ensino brasileiro no ano de 2001. O Ensino Mdio foi avaliado
atravs dos resultados do ENEM 2001 (Exame Nacional do Ensino Mdio, criado em 1998) nos diversos mbitos
dos saberes. O ENEM consiste num exame individual, voluntrio, e tem como objetivo possibilitar uma referncia
para a auto-avaliao dos estudantes do Ensino Mdio. O exame feito anualmente com uma prova interdisciplinar
e contextualizada com 63 questes objetivas de mltipla escolha e uma redao, que avalia as competncias e
habilidades gerais dos alunos que terminam ou terminaram o Ensino Mdio.
11
graduao especficos, nomeadamente, cursos que contemplem a problemtica da leitura nos
manuais escolares.
Observamos que, a Universidade de Coimbra, por exemplo, disponibiliza, todos os
anos, cursos na rea da literatura portuguesa que contemplam as reas da investigao e do
ensino, contribuindo para a formao de investigadores e docentes que atuam no Ensino
Secundrio.
Com efeito, as questes do ensino da leitura tm sido tema de inmeras investigaes,
pesquisas e congressos3, que focam os seguintes temas: o ensino de metodologias de leitura
(pragmtica da leitura; semitica textual) em contexto escolar; a leitura e a relao entre autor,
texto, contexto e leitor; o professor de literatura e a formao de leitores; os programas e os
manuais escolares e os modos como orientam a leitura; etc.. Alguns desses temas encontram-se
expostos em diversas publicaes nas reas do ensino e da teoria da literatura, da histria
literria, do ensino da leitura e das anlises dos manuais escolares que serviro de base ao
presente estudo.
*
Esta investigao apoiar-se- em estudos sobre a problemtica da leitura da poesia em
contexto escolar, particularmente, nos estudos que abrangem o ensino do texto potico e os
manuais escolares. Nesse sentido, ponderaremos diversas questes, como: processos de leitura
do texto potico; enquadradores discursivos, presentes nos manuais do nosso corpus que
orientam a interpretao textual (questionrios, fichas de leitura, etc.); modos de estabelecer uma
inter-relao entre as componentes do texto literrio e o desenvolvimento das capacidades dos
leitores. Essas questes iro surgir na nossa dissertao, considerando tambm as orientaes dos
documentos oficiais publicados pelo Ministrio da Educao, do Brasil, que, como j dissemos,
estabelecem os parmetros curriculares para este ciclo de ensino, no que concerne rea de
Linguagens, Cdigos e suas Tecnologias, em cujo mbito se encontram as orientaes para o
ensino do Portugus, disciplina que no Brasil responde pelo nome de Lngua Portuguesa.
Para analisarmos estes vetores, recorreremos aos estudos sobre a literatura, a leitura e,
especificamente, sobre o texto potico, os quais sublinham a importncia deste tipo texto e
esboam linhas orientadoras para um trabalho eficaz com o texto lrico na formao de alunos-
leitores. Encontramos estes pressupostos nos estudos de: Candido (1996), Castro (1998), Ceia
(2002), Dionsio e Castro (2005), Eco (1983), Giasson (1993), Gomes (2000 e 2006), Guedes
3 Alguns desses contributos encontram-se em actas de eventos cientficos, como, por exemplo, as Jornadas
Cientfico-Pedaggicas de Portugus, realizadas, periodicamente, na FLUC.
12
(2002), Jauss (1979), Kleiman (1995), Lajolo (2004), Mello (1998), Paiva (2005), Reis (1997),
Silva (1973 e 1990), etc..
Na dimenso dos estudos sobre os manuais escolares, examinaremos algumas obras que
contemplam a anlise desses recursos didticos, a saber: Cabral (2005), Dionsio (2000), Grard
(1998), Morgado (2004), Rangel (2005), Rodrigues (2000), entre outros.
Com vista ao aprofundamento de todas essas dimenses e sendo vasto o universo
bibliogrfico que consultmos, fizemos uma opo metodolgica, na medida em que
considermos como vetores estruturadores do nosso estudo sobre a poesia de Drummond nos
manuais escolares trs autores, com estudos basilares.
Para a nossa fundamentao terica, ponderaremos particularmente o estudo de Jos
Augusto Cardoso Bernardes (2010), que nos apresenta as componentes do texto literrio, a
abordagem de Daniel Coste (1997), que defende o ensino da leitura pautado no desenvolvimento
das capacidades do leitor, e a pesquisa de Maria de Lourdes da Trindade Dionsio (2000), que
considera os enquadradores discursivos dos manuais escolares, uma vez que estes nos serviro
de pilares tericos para esta anlise da poesia de Drummond nos manuais escolares do Ensino
Mdio, no Brasil.
Por conseguinte, com estes autores e com outros que citaremos ao longo deste trabalho,
analisaremos os contributos dos manuais para a formao de alunos-leitores de Drummond, bem
como do ensino da literatura por meio desse recurso para a concretizao da funo cvica e
cultural da literatura no Ensino Mdio.
*
Deste modo, este trabalho tratar das questes referentes ao ensino da leitura do texto
potico de Carlos Drummond de Andrade em manuais escolares do Ensino Mdio no Brasil,
adotado em escolas da rede pblica e privada nas cidades de Juazeiro4, Santo Estvo
5 e Feira de
4 Juazeiro um municpio brasileiro do estado da Bahia, com uma rea de 6.390 km. Localizado na regio
submdia da bacia do Rio So Francisco, na fronteira com o estado de Pernambuco, a cidade destaca-se pela
agricultura irrigada que se estabeleceu na regio graas existncia de um caudal do Rio So Francisco. O seu nome
teve origem nos ps de juazeiro, uma rvore tpica da regio. Segundo os dados estatsticos do IBGE/2008, possui
uma populao de 240.627 habitantes, sendo assim a quarta maior cidade do estado. 5 Santo Estvo um municpio brasileiro do estado da Bahia. Localiza-se a uma latitude de 1225'49" sul e a uma
longitude de 3915'05" oeste, estando a uma altitude de 242 metros acima do nvel do mar. Faz parte do Vale do
Paraguau. Segundo dados de 2009, a sua populao de 44. 163 habitantes. Anualmente, tem vindo a revelar um impressionante crescimento da economia, devido instalao da fbrica de sapatos Dilly, em 2001, que injeta mais
de 9 milhes de reais na economia local. Esta cidade situa-se nas imediaes da BR 116, na Microrregio de Feira
de Santana, tem a topografia em forma de tabuleiros, tal como Feira de Santana, e um clima idntico ao do Agreste
Baiano. Tem um bom comrcio e uma tima atividade agropecuria, com destaque para a maior produo de tabaco
da Bahia, e de uma participao pouco significativa na indstria, atualmente, apenas com uma nica fbrica. Possui
uma taxa de ocupao urbanstica superior a 50%.
13
Santana6 Bahia. Delimitamos como corpus um conjunto de nove manuais, sendo cinco de
escolas pblicas e quatro de escolas particulares, publicados entre os anos de 2000 e 2007, na
rea disciplinar de lngua e literatura portuguesas.
Selecionaremos, como objeto de anlise, os captulos que trabalham com poemas de
Drummond, para um estudo sobre as finalidades dessa tarefa escolar, a estruturao das fichas de
leitura, os contedos contemplados, os tipos de atividades propostas no mbito da leitura e de
trabalhos intertextuais. Nessa medida, conjugaremos o modo como a potica Drummondiana
apresentada nos manuais escolares com as finalidades da leitura do texto lrico para a formao
de leitores competentes no Ensino Mdio.
Atravs dessa anlise, verificaremos se o trabalho escolar proposto pelos manuais no
que se refere leitura da poesia de Drummond contribui para que sejam atingidos os objetivos
estabelecidos pelos Parmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Mdio (PCNEM7 e PCN+
8)
do Brasil, como a aquisio das competncias comunicativas e a formao de leitores ativos e
crticos. Paralelamente aos PNCEM e PCN+, sero consideradas as Orientaes Curriculares
para o Ensino Mdio (2006)9, um documento oficial que estabelece as bases curriculares dessa
etapa do ensino brasileiro, por forma a que as escolas construam os seus Projetos Poltico-
Pedaggicos (PPP) 10.
Os PCNEM tm como finalidade instituir as diretrizes do ensino em todo o territrio
brasileiro, estabelecidas na Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional (LDB), n. 9.394/96.
Os PCNEM foram criados no ano 2000 e comeam a sua apresentao da seguinte forma: Este
6 Feira de Santana um municpio brasileiro do estado da Bahia, situado a 107 km da sua capital, Salvador, qual
se liga atravs da BR-324. Feira a segunda cidade mais populosa do estado e a maior cidade do interior nordestino.
Segundo dados do IBGE/2009, a sua populao de 591.707 habitantes. A cidade encontra-se num dos principais
entroncamentos de rodovias do Nordeste brasileiro. Possui, alm de um diversificado comrcio e indstrias de
transformao, a conceituada Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), com 21 cursos, que faz de Feira
uma cidade universitria, j que conta tambm, com sete Faculdades particulares. 7 BRASIL (2000), Parmetros Curriculares Nacionais: Ensino Mdio: Parte II - linguagens, cdigos e suas
tecnologias, (PCNEM) Secretaria de Educao Fundamental-Braslia: MEC/SEF. Os Parmetros Curriculares
Nacionais (PCN) so diretrizes elaboradas pelo Governo Federal que orientam a educao no Brasil e esto
separados por disciplina e fases do ensino. Institudo pela Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional (LDB),
n. 9.394/96. 8 BRASIL (2002), PCN+ Ensino Mdio: Orientaes Educacionais complementares aos Parmetros Curriculares
Nacionais Linguagem, cdigos e suas tecnologias, Secretaria de Educao Mdia e Tecnolgica, Braslia: MEC/SEMTEC. Os PCN+ foram publicados posteriormente aos PCNEM (2000) com o objetivo de ampliarem as
diretrizes estabelecidas pelo documento anterior. 9 BRASIL (2006), Linguagens, Cdigos e suas Tecnologias, Orientaes Curriculares para o Ensino Mdio, Vol. I,
Braslia: MEC Secretaria de Educao Bsica. Este documento foi elaborado pela Secretaria de Educao Bsica, Ministrio da Educao e Cultura, com a finalidade de facilitar o dilogo entre os professores e a Escola sobre a
prtica docente no Ensino Mdio, bem como contribuir para a elaborao do Projeto Poltico-Pedaggico (PPP) das
escolas em todo o pais. 10
Estes Projetos Poltico-Pedaggicos so elaborados por cada uma das escolas brasileiras para a estruturao dos
respectivos curricula escolares, de acordo com as suas prprias caractersticas e com base nas diretrizes dos
PCNEM e PCN+ e das Orientaes Curriculares para o Ensino Mdio.
14
documento tem a finalidade de delimitar a rea de Linguagens, Cdigos e suas Tecnologias,
dentro da proposta para o Ensino Mdio, cuja directriz est registrada na Lei de Diretrizes e
Bases da Educao Nacional n. 9.394/96 e no Parecer do Conselho Nacional de
Educao/Cmara de Educao Bsica n. 15/98. As diretrizes tm como referncia a perspectiva
de criar uma escola mdia com identidade, que atenda s expectativas de formao escolar dos
alunos para o mundo contemporneo. (Brasil, 2000:4).
Assim, os PCN+ enquanto documento complementar, tambm partilham desses
princpios estabelecidos pelos PCNEM e acrescentam que Entre seus objetivos centrais est o
de facilitar a organizao do trabalho escolar na rea de Linguagens, Cdigos e suas
Tecnologias. Para isso, explicita a articulao das competncias gerais que se deseja promover
com os conhecimentos disciplinares e seus conceitos estruturantes e apresenta, ainda, um
conjunto de sugestes de prticas educativas e de organizao dos currculos, coerentes com essa
articulao. Alm de abrir um dilogo sobre o projeto pedaggico escolar e de apoiar o professor
em seu trabalho nas disciplinas, o texto traz elementos para a continuidade da formao
profissional docente na escola (Brasil, 2002:7). Nesse sentido, estes dois documentos mantm-
se num dilogo constante e complementam-se no mbito das orientaes educacionais para o
sistema de Ensino Mdio.
Enquanto que os PCNEM e os PCN+ contm as diretrizes gerais, as Orientaes
Curriculares delimitam os campos didticos especficos para o Ensino Mdio, considerando que:
a poltica curricular deve ser entendida como expresso de uma poltica cultural, na medida em
que seleciona contedos e prticas de uma dada cultura para serem trabalhados no interior da
instituio escolar (Brasil, 2006:8). Assim, estes textos oficiais apontam orientaes didtico-
pedaggicos para a organizao do ensino, principalmente, no trabalho de estruturao do
curriculum para o Ensino Mdio.
Para o efeito, alm destes documentos oficiais brasileiros, que nos serviro de linha de
articulao, vamos considerar, como modelo de aplicao dessas diretrizes curriculares para o
Ensino Mdio, trs Projetos Poltico-Pedaggicos de escolas do Ensino Mdio (PPP), das
cidades de Juazeiro, Santo Estvo e Feira de Santana Bahia (cf. 23, 24 e 25). Esses projetos
foram selecionados pelo fato de constiturem o documento escolar que define os contedos, as
metodologias e as formas de avaliao das escolas brasileiras. Nesse caso particular, esses
Projetos Poltico-Pedaggico (PPP) pertencem a trs escolas que adotaram manuais escolares do
corpus em anlise.
*
15
Com este conjunto de componentes tericas que apresentamos, pretendemos reunir as
condies necessrias para estruturar critrios e proceder anlise dos nove manuais escolares
do Ensino Mdio, adotados em escolas da Bahia Brasil, em particular, nas cidades de Juazeiro,
Santo Estvo e Feira de Santana. Dando especial relevncia s opes estruturais dos manuais
escolares no que se refere ao trabalho desenvolvido com a leitura do texto potico. Para esta
anlise, elegemos a poesia de Carlos Drummond de Andrade, presente nesses manuais do Ensino
Mdio e cujo perodo histrico literrio o da segunda fase do modernismo brasileiro.
Nesse intuito, apresentaremos, em trs captulos, aspectos relevantes sobre essa
temtica.
No primeiro captulo O TEXTO POTICO: CONCEITOS TERICOS E
ENSINO , abordaremos o texto potico na sua dimenso terica, considerando igualmente a
sua dimenso de ensino. No primeiro ponto desse primeiro captulo, faremos uma
conceptualizao do texto lrico, atravs da anlise dos termos: texto, texto literrio e potico,
poema, poesia, lrico, lirismo, gneros poticos, criao potica, ato potico, linguagem potica,
imagem, figuras de linguagem, poeticidade; no segundo ponto, abordaremos as finalidades da
leitura do texto potico no Ensino Mdio do Brasil, de acordo com fontes oficiais da atualidade;
no terceiro ponto, apresentaremos uma caracterizao da configurao do texto potico em atuais
manuais escolares brasileiros de lngua portuguesa e de literatura, mediante uma explicao
prvia sobre os dispositivos oficiais reguladores do uso do manual escolar, seguida, da exposio
do corpus dessa investigao e das estratgias de leitura do referido texto nos manuais em
anlise. Para terminar, exporemos os processos de leitura do texto lrico no mbito das
facilidades e das dificuldades relacionadas com os problemas apresentados por parte dos alunos
no processo de compreenso, interpretao e estudo textual.
No segundo captulo da dissertao A POESIA DE CARLOS DRUMMOND DE
ANDRADE , comearemos a focar o nosso objeto de estudo. Apresentaremos, no primeiro
ponto, uma breve sntese da histria literria do modernismo brasileiro da segunda fase; no
segundo ponto, faremos um enquadramento da poesia de Carlos Drummond de Andrade, no
contexto da histria literria do modernismo brasileiro da segunda gerao, contemplando
tambm elementos de carter biogrfico, a sua produo literria, e dando nfase s quatro fases
da sua obra potica; no terceiro ponto, faremos uma breve reflexo sobre o lugar mtico de
Drummond em Portugal; por ltimo, no quarto ponto, analisaremos o lugar do estudo da poesia
drummondiana no Ensino Mdio. Esta parte do trabalho visar compreender a importncia da
leitura de Drummond no processo de formao de leitores situados em contextos muito
particulares. Para esta abordagem, consideraremos as bases pedaggicas estabelecidas pelos trs
16
Projetos Poltico-Pedaggicos escolhidos, os quais observam as diretrizes das fontes oficiais do
sistema educativo mdio brasileiro.
No terceiro captulo, onde dedicaremos um maior espao anlise do nosso corpus A
POESIA DE DRUMMOND NOS MANUAIS ESCOLARES DO ENSINO MDIO NO
BRASIL , trabalharemos com nove manuais escolares do Ensino Mdio, expondo e analisando
os dados observados na poesia de Drummond contidos nesses livros. No primeiro momento
desta abordagem, procederemos identificao dos dados observados nos manuais sobre a
poesia de Drummond; no segundo momento, iremos deter-nos na apreciao de componentes
que configuram o ensino da poesia de Drummond atravs desses manuais. A primeira dimenso
a ser considerada a estruturao textual dos manuais no que poesia drummondiana se refere;
a segunda dimenso que analisaremos o enquadramento histrico-cultural da poesia
drummondiana, configurada pelos manuais do nosso corpus; a ltima dimenso (a mais extensa,
neste momento de anlise) incidir na problematizao das orientaes/atividades de ensino
sobre os poemas compilados. Sempre que julgarmos pertinente, apresentaremos sugestes de
propostas alternativas para o trabalho a desenvolver com a poesia de Drummond no contexto
escolar do Ensino Mdio. Estruturaremos esta anlise (no segundo momento do terceiro captulo,
como temos vindo a referir) atravs de exemplos e comentrios das atividades que contribuem
para um profcuo estudo da poesia de Drummond ou reduzem a sua leitura a aspectos muito
genricos. Para esta anlise, teremos em conta dimenses fundamentais da leitura do texto
potico, necessrio ao desenvolvimento de competncias para a formao de alunos-leitores. As
nossas sugestes de alteraes de propostas de orientaes/atividades dos manuais tm como
modesto objetivo contribuir para um melhor desenvolvimento das competncias dos alunos, de
acordo com alguns estudiosos cujos contributos privilegiamos no desenvolvimento desta anlise
crtica.
Para terminar, no poderemos deixar de referir que no temos a pretenso de esgotar a
anlise dos modos de configurao da poesia de Drummond em manuais escolares, mas apenas
esperamos poder fazer uma reflexo didtico-pedaggica sobre a leitura que os manuais
propem, mostrando aquilo que produtivo e benfico para a formao de leitores e, em
especial, para o conhecimento da poesia de Drummond, sobretudo aquilo que possvel de ser
objeto de reviso.
17
Captulo 1 O TEXTO POTICO: CONCEITOS TERICOS E ENSINO
1.1. Uma conceptualizao do texto lrico
Nos muitos estudos de teoria da literatura, facilmente encontramos diversas concepes
sobre textos literrios, incidindo nos modos narrativo, dramtico e lrico. Centrar-nos-emos nas
definies que circundam o texto potico, contidas em estudos mais recentes, pois existem
muitas concepes sobre esse tipo de texto e a bibliografia incomensurvel. Nessa abordagem,
tentaremos definir um conjunto de noes sobre: texto, texto literrio e potico, poema, poesia,
lrico, criao potica, ato potico, gneros poticos, lirismo, linguagem potica, imagem, figuras
de linguagem, poeticidade.
Pensamos ser importante, primeiramente, lembrar que a anlise ou estudo do texto
literrio e potico uma prerrogativa dos docentes das Lnguas e, neste nosso contexto, os da
rea de Lngua Portuguesa. Dessa forma, antes de apresentarmos as concepes que
consideramos pertinentes para o trabalho com o texto potico, frisamos que os educadores de
outras reas, quando recorrem ao texto literrio ou potico11
, geralmente querem aprofundar um
determinado requisito, ou introduzir, ou concluir uma discusso temtica. No entanto, os
professores de Lngua Portuguesa abordam o texto literrio e potico de uma maneira particular,
ou seja, o texto consiste na sua matria-prima. E isso porque o texto fala, tanto pela expresso,
como pelo contedo, particularmente no caso do texto potico, pois o poeta recria o mundo
atravs das palavras. Por conseguinte, quando lemos um poema em que o que se diz to
importante quanto o como se diz, torna-se necessrio conhecer os mltiplos recursos da
linguagem: o uso figurado das palavras, o ritmo e a sonoridade, as sequncias por oposio ou
simetria, as repeties expressivas de palavras ou de sons. Nesse sentido, relevante, em
contexto escolar, que o professor a par do manual adotado, antes de qualquer trabalho, conduza
os estudantes ao encontro das concepes bsicas dessa nomenclatura que envolve o texto
potico.
Uma vez que, nesta anlise, iremos abordar um gnero literrio que o modo lrico
atravs do texto potico, vale a pena lembrar que a palavra texto um termo derivado do latim
textus, que significa tecido, por isso se diz que o texto o entrelaar de palavras e frases.
Porm, esta uma viso muito simplista face ao que representa o conceito de texto. Assim
sendo, os estudos desenvolvidos a partir do sculo XX trouxeram uma definio apropriada ao
texto, nomeadamente em que o considera como um processo sistemtico formado por palavras e
11
Estes textos podem estar configurados em letras de canes, poemas ou trechos de romances, contos, peas
teatrais, drama, tragdias, etc..
18
frases que produzem sentidos, atravs da manifestao e realizao do sistema lingustico, ou
seja, equivale a todo e qualquer processo discursivo12
. Dessa forma, existem diversos tipos de
textos, mas, neste trabalho, limitar-nos-emos a distinguir dois: o texto cientfico e o literrio.
Assim, no texto cientfico empregam-se as palavras no seu sentido predominantemente
denotativo, enquanto que, no texto literrio, se procura empregar as palavras com autonomia,
com um sentido conotativo, figurado, de forma inovadora. Por conseguinte, o texto literrio
aquele que pretende comover, razo pela qual, a lngua usada com uma grande liberdade
expressiva, em que se tira proveito do sentido metafrico das palavras13
.
Nesse mbito, o texto potico consiste num tipo de texto que expressa o sentimento e o
mundo subjetivo do poeta, apresentado muitas vezes em forma de versos, que fazem cantar a
alma e os sentidos. Assim, este texto encerra trs propriedades distintas: a interiorizao, a
subjetividade e a motivao. Segundo Reis (1997:311-314), estas propriedades so notveis nas
mais diversas construes lricas; no entanto, as definies que circundam o texto potico so,
por vezes, contraditrias ou alteradas com o tempo.
Historicamente, a concepo de poesia sofreu muitas alteraes. Segundo Silva
(1973:141-145), no princpio das produes literrias, desde as obras de Plato e de Aristteles, a
poesia foi concebida como a imitao da natureza. O que o poeta fazia era uma mera imitao
das coisas e dos seres existentes. Este conceito sobreviveu at segunda metade do sculo
XVIII, quando o crtico Wordsworth define a poesia como o transbordar espontneo de
sentimentos poderosos14 e, por isso, no pode ser entendida j como uma imitao, pois surge
no interior do poeta carregada de um sabor nico. luz dessa dimenso esttica, a poesia afasta-
se da imitao, exceto nos momentos em que reproduz os sons e movimentos da natureza.
A etimologia do termo poesia advm do grego poesis e do latim, poese, que significam
arte de escrever em verso. Esta concepo, atualmente, encontra-se um pouco ultrapassada, de
acordo com as mltiplas formas poticas, pelo que este termo pode ser entendido de maneira
mais ampla, num sentido mais fludo de texto potico. Nos estudos literrios, a poesia adquire
um significado prprio, sendo entendida como a parte melodiosa e etrea do poema, pois a
poesia pode estar presente nas diversas obras literrias e no somente no texto potico. Assim a
concepo de poesia passou por diversas alteraes at ser compreendida como fruto de
inspirao, produto da imaginao. Como refere Silva (1973:147), citando Novalis, a poesia o
12
Este conceito foi defendido pelos estudiosos do Crculo Lingustico de Copenhague, fundado em 1931, como
expe Silva (1990) p. 185. 13
Estas concepes esto presentes nas obras de Silva (1973 e 1990) e Reis (1997). 14
As referidas concepes so abordadas por Silva (1973), pp. 141-150 (cf. especificamente p. 146).
19
autntico real absoluto. Isso significa que a poesia sempre uma obra indita, na medida em
que o poeta ou artista, no momento da criao, experimenta o seu desabrochar.
Assim, tambm a concepo etimolgica da palavra poema advm do grego poema, e
do latim poema, que significa qualquer obra em verso, assunto ou coisa digna de ser cantada em
verso. Este sentido de verso cantado foi constitudo na Idade Mdia, quando a literatura era
produzida em versos cantados e os trovadores cantavam os seus versos e composies atravs
das apresentaes dos jograis. Com o transcorrer do tempo, o poema tomou a forma de texto,
separando-se da msica; da surgiu o conceito metafrico segundo o qual os poemas cantam,
porm, com a forma definida atravs do texto. Posteriormente, Cohen (1987:123) admite que
este conceito consiste numa metfora perigosa, porque se restringe ao significante sonoro.
Neste sentido, este autor cria uma nova concepo que evidencia o significado das palavras,
quando considera que a poesia o canto do significado, uma vez que o sentido do poema atua
como uma melodiosa msica ao encontro do leitor, fazendo surgir, atravs da sua leitura, os seus
mltiplos sentidos.
Durante muito tempo, s eram aceites como poesia os poemas compostos com rima e
ritmo e obedeciam rigorosamente s regras da mtrica. Somente no sculo XX, com a
modernidade, que passamos a conhecer os poemas em versos livres, quando o poeta passou a
escrever poemas sem obedecer mtrica. O que diferencia o texto potico dos outros tipos de
textos so as suas caractersticas e formas prprias, compostas por musicalidade, criatividade,
modo esttico, rima, ritmo e uma grande carga de subjetividade. Por isso, Cohen (1987:123)
considera que, nos poemas, as palavras parecem animadas por uma espcie de vibrato
interior, ou seja, este conjunto de elementos poticos forma um todo significante. Assim, o
poema a forma textual concreta (na escrita), sendo considerado como a parte material da
poesia.
Nessa medida, outra concepo a do termo lrico, tambm muito ampla e, por vezes,
contraditria, que surgiu do latim lyricu relativo a lira (um instrumento musical). Entre os
antigos, este instrumento era utilizado no acompanhamento da poesia e dos versos cantados;
assim, surge a designao de poesia e versos lricos, que conduziu concepo de poesia lrica
como aquela que exprime o que se sente, ou seja, os sentimentos do prprio poeta, o qual se
apresenta de forma subjetiva no seio do contedo potico.
Posteriormente, os estudos de Cohen (1987:123) ampliaram este conceito ao sublinhar,
que a poesia pode ser lrica, no porque ela exprima o eu, mas porque ela faz cantar o
sentido, ou seja, esta poesia no constituda somente pelos sons das rimas e pelo ritmo, mas
por todo o jogo significativo que a forma. Acrescenta ainda que as palavras so animadas,
20
agem, impem-nos a sua maneira de ser, quer dizer, expressam-se com autonomia. Por
conseguinte, a concepo de lrico adquire uma nova roupagem lingustica, passa a ter um
sentido com duas vertentes conceptuais, primeiro, do eu-potico, isto , de quem canta,
segundo, do sentido ou significado do que se canta.
Com algumas equivalncias, Reis (1997:306)15
apresenta-nos uma concepo da
criao potica como um processo complexo e multifacetado, que consiste num produto
resultante da inspirao potica. Assim, este processo d origem poesia lrica, a qual com
todas as suas faces e ante-faces, esto contidos os sentimentos do poeta e o seu sentido. Dessa
forma, o lrico remete para toda a obra potica que evidencia uma subjetividade, emotividade e
criatividade do eu lrico e expressa uma atemporalidade, na qual se pode ler uma poesia lrica e
no se perceber em que poca foi produzida, mas o seu significado continua a agir dentro do
leitor com a mesma frescura de quando saiu das mos do poeta.
Assim, a criao potica est relacionada com o ato potico, que consiste na
ao/atitude do poeta no momento da inspirao/criao potica. Desta forma, no ato potico, o
artista cria imagens para narrar o que vive e o que vivido pela sua comunidade, traduzindo a
sua prpria maneira de viver e ver o mundo e a do seu grupo, porque a imagem o que torna
possvel a identidade enquanto expresso lrica, sendo, simultaneamente, o dizer potico. O ato
potico marcado pela emoo da escrita, na qual se vivencia integralmente a intensidade de um
momento sublime e mgico, onde o poeta cria, compe, constri, inventa e reinventa a
linguagem. Assim, os poemas trazem palavras meigas, revolucionrias, amorosas, slidas,
distantes, que se arrebatam numa gentil extraordinria cumplicidade. Por isso, o ato potico
define-se pela liberdade e pela rebeldia apresentadas pelo poeta perante os modelos da realidade
em que vive e da qual se mostra altamente soberano.
No que se refere aos gneros especficos da poesia, estes permitem uma classificao
dos poemas conforme as suas caractersticas, a considerar, temos os poemas picos, lricos ou
dramticos. O poema pico , comummente, narrativo, de longa extenso, grandiloquente, como
subgnero dessa forma potica destacando-se a epopeia. Em contrapartida, o poema lrico pode
ser muito curto, podendo querer apenas retratar um momento, um instante da vida ou emocional,
constituindo, assim, a expresso de um sentimento. Geralmente, organiza-se em versos,
caracterizados pela escolha precisa das palavras em funo dos seus valores semnticos16
e
sonoros. Os seus subgneros so: o soneto, a ode, a elegia, o madrigal, as endechas, as cantigas,
15
Na referida obra, Reis, ao conceptualizar a criao potica, faz uma descrio sobre os efeitos produzidos no
poema lrico. 16
Estes valores podem ser denotativos e, especialmente, conotativos, pois a poesia utiliza frequentemente o sentido
figurativo das palavras.
21
os epigramas, etc.. No poema dramtico, a histria contada atravs das falas das personagens.
As peas de teatro escritas em verso constituem uma forma de poesia dramtica, fazem parte dos
seus subgneros: a tragdia, a comdia e o drama.
O lirismo, que se confunde muito com o lrico, outro conceito importante, pela sua
proximidade semntica, a qual, isoladamente, constitui o carter de uma obra, cujo estilo se
aproxima do estilo lrico, ou a inspirao e entusiasmo do poeta lrico. De acordo com esses
parmetros, os estudos literrios e a teoria da literatura17
tambm se norteiam por tais conceitos
para caracterizar as obras que refletem a inspirao do eu lrico e o intrnseco significado
potico, enquanto obra lrica, pois, diz-nos Cohen (1987:123), toda a poesia lirismo e as duas
palavras acabam por confundir o seu sentido. Assim sendo, no que diz respeito produo lrica
em lngua portuguesa, a histria literria portuguesa demarca o incio da produo lrica em
Portugal, no perodo medieval, quando, os trovadores, atravs dos poemas cantados e das
apresentaes dos jograis, deram origem ao conjunto de textos lricos medievais que
conhecemos. A partir de ento, essa nova forma de cantar sentimentos poticos faz surgir a ideia
de lirismo, para designar criaes poticas que contm caractersticas lricas.
O mesmo acontece com a expresso linguagem potica, que difere radicalmente dos
outros modos de produo da lngua, na medida em que uma linguagem livre na sua
constituio e valoriza o requinte da prpria lngua. Por outro lado, na linguagem potica,
verificamos construes lingusticas que apenas so possveis dentro do poema, porque, fora
desse texto, tais expresses so apenas termos lingusticos passveis de oposio. Como admite
Cohen (1987:113), a linguagem potica destri a estrutura opositiva na qual opera o
semantismo da lngua, por isso, as palavras ganham mltiplas possibilidades de sentido dentro
do texto potico. Essa vasta possibilidade de interpretao da linguagem potica faz com que
seja considerada uma forma da lngua inesgotvel e transcendente. Considerada tambm como
uma linguagem de sentidos totalitrios, uma vez que a poesia detm as ligaes de sentido na
prpria estrutura interna do poema, ento, a linguagem potica torna-se rica e permite infinitas
leituras e inumerveis interpretaes.
Dentro dessas inumerveis formas de expresso da linguagem, encontramos as formas
imagticas presentes nos poemas. Nesse sentido, a concepo de imagem importante para a
poesia, como lembra Octvio Paz (1983:22), que define imagem como sendo tudo aquilo que se
diz ou dito pela criao artstica. Uma obra de arte composta de imagens e, ao mesmo tempo,
17
A conceptualizao do lirismo encontra-se bem exposta no Dicionrio de literatura portuguesa, literatura
brasileira, literatura galega, estilstica literria (1984) e na obra Teoria da Literatura (1973), nas quais surgem
referncias sobre o lirismo.
22
compe uma imagem. A palavra, o som, o gesto e a cor so convertidos em imagem pela poesia.
(...) son tambin como puentes que nos llevan a otra orilla, puertas que se abren a otro mundo
de significados indecibles por el mero lenguaje. Ser ambivalente, la palabra potica es
plenamente lo que es ritmo, color, significado y asimismo, es otra cosa: imagen. Assim, a
definio etimolgica de imagem configura-se dentro dos conceitos de metfora, comparao,
alegoria e smbolo, como tambm, em muitas figuras de pensamento que utilizam esta
capacidade figurativa na produo de imagens. Por conseguinte, no campo literrio as imagens
podem ser designadas pelas expresses: imagem metafrica ou imagem simblica, na medida em
que uma imagem pode ser construda no sentido de metfora ou, simplesmente, no mbito dos
smbolos. No possvel substituir os elementos da imagem sem alterar irremediavelmente o seu
significado. Na palavra, o sentido distancia-se daquilo que designamos. J, atravs da imagem
potica, segundo Paz (1983:14), forma y substancia son lo mismo, ou seja, com a imagem no
possvel realizar qualquer tipo de alterao das palavras no poema. Por isso, na poesia, este
recurso de expresso to utilizado pelos poetas para construrem efeitos singulares com o texto
potico. Ento, podemos dizer que a imaginao potica consiste tambm numa forma de auto-
anlise, que pode ser constituda como um espao criativo da conscincia, ou como um lugar
dinmico, onde o poeta guarda e arruma tudo aquilo que o seu dedo artstico consegue alcanar
imageticamente.
Por outro lado, para a construo da linguagem potica, necessrio utilizar alguns
recursos lingusticos, pelo que os poetas recorrem s figuras de linguagem com o objetivo de
conferir maior expressividade mensagem e realar a beleza do ato comunicativo. Tais recursos
so denominados tambm por figuras de estilo ou linguagem retrica, possuindo um valor
conotativo, ou seja, uma linguagem que difere do sentido denotativo, prescrito no dicionrio18
.
Desta forma, o poeta institui um jogo de palavras onde aposta no emprego de acrscimos,
supresso, repetio de termos, comparaes, metforas, etc.. Todos estes recursos so utilizados
de maneira intencional para atingir os fins pretendidos pelo poeta. Por isso, a linguagem potica
est reconhecida como uma forma da lngua to autnoma e indita, na medida em que cada
poema possui uma estrutura e uma forma prprias de enunciar sentidos.
H um outro termo, estudado por Cohen (1987:114), a que daremos ateno no elenco
dessas concepes: refiro-me poeticidade. A sua teoria baseia-se num postulado a
poeticidade dum poema o produto do seu sentido , na medida em que a poesia se concretiza
na linguagem potica e, portanto, tem um significado prprio. Contudo, o autor chama a ateno
18
Os estudos de Silva (1973 e 1990), Reis (1997), como tambm de Candido (1996) trazem referncias sobre as
figuras de linguagem utilizadas pelos poetas.
23
para no se cair no absurdo da traduo dos significantes do poema, isto porque a linguagem
potica inteligvel e intraduzvel, considerada como uma potncia da lngua. Nesse
mbito, a poeticidade constitui o conjunto de significados criados em todo o poema e
apresenta-se de maneira nica em cada estrutura potica.
Terminaremos com este conceito de poeticidade que considera as diversas
possibilidades da lngua criadas pelo texto potico. E Cohen (1987:156), na construo dessa
teoria, considera que o poema descreve sempre uma experincia vivida, atravs da sua
linguagem prpria, tal como a poesia no do domnio do fictivo e nada deve ao imaginrio.
Por isso, a poesia o cantar intraduzvel das palavras, capaz de expressar uma viso do mundo
irreal que existe no mundo da realidade.
Nesse sentido, o texto lrico encerra uma subjetividade que dificulta o entendimento,
primeira vista, dos sentidos contidos num poema. Assim, enquanto estrutura textual torna-se
tambm difcil delimitar os conceitos relativos a esse tipo de texto. No decorrer da histria
literria percebemos que as formas e as estruturas poticas esto sempre a renovar-se e, nessa
medida, ampliam-se tambm as concepes sobre o texto lrico. Desse modo, poderamos falar
ainda dos inumerveis estudos que evocam essas concepes sobre o texto lrico, no entanto,
consideramos que estas j suprem as necessidades trazidas por esse trabalho acerca da poesia nos
manuais escolares.
Assim, em contexto escolar, ao abordar estes contedos conceptuais, coloca-se perante
os alunos os recursos necessrios para que leiam aquilo de que os autores se servem para
produzir os textos poticos, mostrando-lhes um caminho seguro para que aprendam a criar
hipteses interpretativas, partindo do reconhecimento dos recursos e das concepes da
linguagem potica presentes no texto. Nas orientaes apresentadas por alguns programas
escolares brasileiros de lngua portuguesa (PCN+, por exemplo) estas diretrizes so bem
explcitas, quando se afirma que O conceito o elemento estrutural do pensamento. Por meio
dos conceitos promove-se a construo dos significados do mundo concreto, circundante,
sensorial. Por meio deles, agrupamos categorias da realidade19. Assim, postula-se a
conceptualizao como o princpio para uma didtica do Ensino Mdio, que trabalha por meio da
linguagem verbal e no-verbal os mecanismos da expresso e compreenso tanto oral como
escrita. Com efeito, por meio de nomeaes, descries e concepes que consolidamos
conhecimentos e podemos agir sobre os diferentes sentidos dos textos. Por essa razo,
verificamos tambm que os conceitos citados neste captulo so to referidos em diversas obras e
19
Cf. nota 27, PCN+ (2002), p. 33.
24
manuais que abordam o estudo da poesia. De igual modo, consideramos importante descrever a
origem etimolgica e apresentar conceitos tericos sobre o texto potico.
1.2. Finalidades da leitura do texto potico no Ensino Mdio, no Brasil, de acordo
com orientaes curriculares da atualidade
Aps as consideraes sobre as concepes do texto potico, analisaremos a presena
desse tipo de texto no Ensino Mdio do Brasil, na medida em que a poesia tem algumas funes
essenciais: de arte literria que se manifesta atravs da lngua, de possibilitar o distanciamento
crtico da realidade, de desenvolver a personalidade, de ampliar o entendimento e a experincia
de mundo, de cumprir uma funo simblica e de criar novas linguagens. Neste sentido, a funo
do texto potico inquestionvel, porque constri, de forma nica, a sua linguagem potica,
como refere, Silva (1973:138)20, a respeito da obra literria, necessrio admitir, por
conseguinte, que a obra literria, dentro da sua especificidade, pode desempenhar mltiplas
funes. O prprio Roman Jakobson observa que, se em qualquer obra literria a funo potica
da linguagem a funo nuclear, nem por isso as outras funes da linguagem, nas suas
dimenses de informao, de apelo, de expresso, etc., deixam de estar compresentes. Dentro
dessa viso ampla da especificidade da obra literria, procuraremos analisar os principais
objetivos do estudo da poesia no Ensino Mdio, com base nos documentos oficiais: PCNEM,
PCN+, Orientaes Curriculares para o Ensino Mdio e suas relaes com os Projetos Poltico-
Pedaggicos de trs escolas, que estabelecem as diretrizes do ensino brasileiro. Na sequncia
dessa anlise, procuraremos demonstrar como as orientaes do estudo da poesia no Ensino
Mdio no Brasil, imagem de um discurso oficial, levam ou no em conta estudos sobre o
ensino da poesia desenvolvidos por Guedes (2002)21
, Gomes (2000 e 2006)22
, Coelho (1944),
Candido (1996), Bastos (1997), entre outros.
Por isso, interrogamo-nos: para que se estuda a poesia no Ensino Mdio? Quais as
finalidades especficas desse estudo? Que funes so atribudas ao texto potico? Existem
inmeros caminhos para encontrarmos respostas para estas perguntas. No entanto, no intuito de
solidificar os argumentos relacionados com o valor do estudo do poema no Ensino Mdio,
apresentaremos uma descrio, seguida de uma anlise terica das diretrizes fundamentais para o
estudo da poesia neste ciclo de ensino, estabelecidas por aqueles documentos oficiais.
20
Este autor reflete sobre a funo da literatura, no cap. 2 Funes da literatura, da obra Teoria da Literatura. 21
Utilizaremos duas obras dessa autora: (2002), Ensinar a poesia, assim como, (2002), Poetas difceis? Um mito. 22
Selecionmos tambm duas obras desse autor: (2006), Avanos, recuos: Leituras de prosa e poesia em portugus,
e tambm, (2000), Da nascente voz: contributos para uma pedagogia da leitura.
25
Nessa descrio dos documentos, comearemos por considerar a estruturao do
sistema educativo brasileiro organizado pela Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional
LDB (n. 9.394, de 20 de Dezembro, de 1996), que estabelece as diretrizes bsicas da
educao23
. Conforme esses princpios definidos pela LDB, o Ministrio da Educao (MEC)
elaborou, juntamente com educadores de todo o Brasil, o perfil dos curricula escolares. O MEC
procurou atribuir um novo significado ao conhecimento escolar, evitando a
compartimentalizao existente no ensino por meio da contextualizao e da
interdisciplinaridade, de modo a incentivar o raciocnio e a capacidade de aprendizagem.
No mbito do Ensino Mdio, a partir dessa lei as finalidades educativas foram
organizadas pelos PCNEM (2000), o que foi posteriormente melhorado pelos PCN+ (2002), que,
recentemente, deram origem s Orientaes Curriculares para o Ensino Mdio (2006). Estes
documentos foram elaborados para atender, de forma geral, a todo o sistema de ensino do pas.
Todos visam ajudar as escolas, diretores e docentes na construo do Projeto Poltico-
Pedaggico (PPP), responsvel por estabelecer os curricula de cada instituio escolar
brasileira, atravs dos respectivos: objetivos, contedos, metodologias, recursos e avaliaes. Por
isso, descreveremos as finalidades do ensino da poesia, partindo dos princpios estabelecidos
pela LDB, at chegarmos aos demais documentos.
Para o Ensino Mdio, a LDB prope a formao geral, em oposio formao
especfica defendendo que o desenvolvimento da capacidade de pesquisar, de procurar
informaes de analis-las e selecion-las e a capacidade de aprender, de criar e formular,
desvalorizam o simples exerccio de memorizao. As quatro premissas apontadas pela Unesco
como eixos estruturais da educao na sociedade contempornea so incorporadas como
diretrizes gerais e orientadoras da proposta curricular24
. Assim, o inciso III do artigo 35 da LDB,
23 O sistema educativo brasileiro est estruturado e dividido entre a Unio, os Estados, o Distrito Federal e os Municpios. A sua organizao descrita no ttulo IV da Lei Diretrizes e Bases da Educao (LDB), desde o artigo
8. at ao 20., onde so desenvolvidas as respectivas incumbncias. O sistema educativo encontra-se legislado nesta
lei, mas devido extenso territorial do pas, Estados, Distrito e Municpios possuem a liberdade para organizar,
manter e desenvolver os rgos e instituies oficiais dos seus sistemas de ensino regionais. Isso gera no pas uma
autonomia educacional em cada Estado, Distrito e Municpio. Os nveis e as modalidades da educao so
estabelecidos no ttulo V, captulo II, desde o artigo 21. at ao 38., dividido em cinco seces referentes
Educao Bsica, que abrange: Educao Infantil, Ensino Fundamental, Ensino Mdio, Educao Profissional
Tcnica de Nvel Mdio e Educao para Jovens e Adultos. 24
Os quatro pilares da educao considerados pela Unesco esto presentes na LDB da seguinte forma: Aprender a
conhecer (ressalta a importncia de uma educao geral, com possibilidade de aprofundar algumas reas de
conhecimento, e de dominar os prprios instrumentos do conhecimento); aprender a fazer (estimula o
desenvolvimento de novas habilidades e aptides, na medida em que as situaes esto em transformao
permanente); aprender a viver (trata do aprender a viver juntos, desenvolvendo o conhecimento do outro e a
percepo das interdependncias, de modo a permitir a realizao de projetos comuns ou a gesto inteligente dos
conflitos inevitveis); aprender a ser (a educao deve estar comprometida com o desenvolvimento total da pessoa,
com a preparao do indivduo para elaborar pensamentos autnomos e crticos e formular os seus prprios juzos
de valor, com a construo da sua identidade).
26
de 1996, determina como uma das finalidades para o Ensino Mdio: o aprimoramento do
educando como pessoa humana, incluindo a formao tica e o desenvolvimento da autonomia
intelectual e do pensamento crtico25. Assim, esse inciso estabelece, como modelo de formao,
o modelo humanstico e cvico, na medida em que determina o aprimoramento, a formao e o
desenvolvimento dos discentes enquanto seres humanos inseridos num meio social, capazes de
crescerem com sentido tico, crtico e intelectualmente. No campo da estrutura curricular
nacional, somente para fins didticos, os curricula foram agrupados em trs grandes reas:
Linguagens e Cdigos e suas Tecnologias, Cincias da Natureza e Matemtica e suas
Tecnologias e Cincias Humanas e suas Tecnologias. Nesse sentido, o estudo da poesia foi
includo na rea de Linguagens e Cdigos e suas Tecnologias.
Por conseguinte, descreveremos os Parmetros Curriculares Nacionais do Ensino Mdio
(PCNEM), na rea Linguagens, Cdigos e suas Tecnologias, considerando as seguintes
dimenses: a leitura literria, o contexto escolar e as metodologias, a formao do aluno-
leitor e a formao dos professores, no intuito de verificarmos as determinaes deste
documento orientador do ensino da lngua portuguesa no que diz respeito s finalidades para o
estudo da poesia. Estas dimenses que referimos so princpios norteadores de todo os PCNEM
que, em relao ao ensino de literatura, definem a importncia da contextualizao, da
intertextualidade, da produo e da recepo de textos literrios ou no literrios.
Na dimenso da leitura literria, configura-se que o estudo da literatura deve estar
integrado nas aulas de leitura e considerado como um bem simblico. O objetivo fulcral das
aulas de leitura , pois, nesses documentos, desenvolver no aluno: i) a viso crtica de mundo; ii)
a percepo das mltiplas formas de expresso da linguagem; iii) a sua habilidade de leitor
competente dos diversos textos representativos da nossa cultura. Tambm devem considerar-se
como fundamentais a aquisio e o desenvolvimento de trs competncias: interativa, gramatical
e textual.
De acordo com a proposta dos documentos oficiais, no que se refere leitura literria, a
lngua, enquanto base da literatura, deve ser considerada como uma linguagem, entre outras
existentes, que constri e desconstri sentidos. Assim, considera a linguagem como, a
capacidade humana de articular significados coletivos e compartilh-los, em sistemas arbitrrios
de representao, que variam de acordo com as necessidades e experincias da vida em
sociedade. A principal razo de qualquer ato de linguagem a produo de sentido (Brasil,
2000:5).
25 Cf. notas 1 e 55, que fazem referncia a esta Lei.
27
Na dimenso do contexto escolar e das metodologias, o ensino da literatura deve ter
em conta o carter scio-interacionista da linguagem verbal, tendo o texto como objeto de
trabalho, bem como os diversos gneros literrios que circulam na sociedade. Por outro lado,
considera-se que a tradicional aula de Literatura Brasileira, com predominncia para a
memorizao das meras listagens sobre as caractersticas de estilos de poca, dos autores e das
obras, atualmente j no corresponde mais s necessidades educativas dos alunos. Nessa medida,
admite-se que, Os contedos tradicionais de ensino de lngua, ou seja, nomenclatura gramatical
e histria da literatura, so deslocados para um segundo plano. O estudo da gramtica passa a ser
uma estratgia para compreenso/interpretao/produo de textos e a literatura integra-se rea
de leitura (Brasil, 2000:18). Assim, insiste-se que o ensino das diversas linguagens artsticas j
no pode abandonar quer o eixo da produo (eixo potico), quer o da recepo (eixo esttico),
quer o da crtica. O ensino da literatura, como se depreende dessas orientaes programticas, j
no pode reduzir-se histria literria, nem mera aquisio de repertrios textuais, e muito
menos a um fazer por fazer, espontneo, desvinculado da reflexo e do tratamento da informao
literria.
Na dimenso da formao do aluno-leitor, o aluno deve ser visto como um texto que
constri textos, ou seja, o aluno visto como sujeito participante do imaginrio coletivo, que
procura conhec-lo e entend-lo na escola. Procura-se desenvolver tambm a concepo do
aluno ativo no seio do processo de ensino, com capacidades crticas e com mltiplas formas de
expresso, ou seja, O aluno deve ser considerado como produtor de textos, aquele que pode ser
entendido pelos textos que produz e que o constituem como ser humano (Brasil, 2000:18).
Nesse mbito da formao, o professor considerado como o norteador de todo este
processo e como tal O trabalho do professor centra-se no objetivo de desenvolvimento e
sistematizao da linguagem interiorizada pelo aluno, incentivando a verbalizao da mesma e o
domnio de outras utilizadas em diferentes esferas sociais (Brasil, 2000:18). Dessa forma,
procura chamar a ateno do docente para repensar e avaliar a forma como ensina, para que a
formao de leitores de literatura acontea com abrangncia. Todavia, no apresenta indicaes
mais objetivas para o trabalho efetivo do professor e da sua formao.
Por essa razo, foram publicados os PCN+ com as Orientaes educacionais
complementares aos parmetros curriculares nacionais, em 2002, no intuito de acrescentarem
mais-valias aos PCNEM. Assim, este documento procurou explicitar conceitos e desenvolver a
compreenso de trs eixos de sustentao dos PCNEM: Representao e Comunicao,
Investigao e Compreenso, Contextualizao sociocultural.
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Sobre a dimenso da leitura literria, os PCN+ reafirmam o que determinado pelos
PCNEM, onde a literatura concebida no mbito das aulas de leitura, ao considerarem que A
lngua, bem cultural e patrimnio coletivo, reflete a viso de mundo de seus falantes e possibilita
que as trocas sociais sejam significadas e ressignificadas. No domnio desse conceito est, por
exemplo, o estudo da histria da literatura, a compreenso do dinamismo da lngua, a questo do
respeito s diferenas lingusticas, entre outros (Brasil, 2002:66).
Na dimenso do contexto escolar e das metodologias, este documento tece
consideraes mais alargadas em relao aos PCNEM, quando refere: Trata-se do
aproveitamento satisfatrio e prazeroso de obras literrias, musicais ou artsticas, de modo geral
bens culturais construdos pelas diferentes linguagens , depreendendo delas seu valor esttico.
Apreender a representao simblica das experincias humanas resulta da fruio de bens
culturais. (Brasil, 2002:67). Assim, neste documento destaca-se o valor do trabalho didtico
atravs da literatura na formao do aluno-leitor.
O mesmo acontece quanto dimenso da formao do aluno-leitor, porque, assim
como os PCNEM, os PCN+ consideram que o aluno deve adquirir, atravs das aulas, habilidades
que o ajudem ativamente ao longo da sua vida, ao ter em conta que As diversas manifestaes
culturais da vida em sociedade so marcadas por traos que as singularizam, expressos pela
linguagem. Espera-se que o aluno do ensino mdio consiga reconhecer e saiba respeitar produtos
culturais to distintos quanto um soneto rcade ou um romance urbano contemporneo. (Brasil,
2002:63). Este documento ainda considera importante motivar nos discentes a concepo
mltipla da literatura, na medida em que refere que Entender as manifestaes do imaginrio
coletivo e sua expresso na forma de linguagens compreender seu processo de construo, no
qual intervm no s o trabalho individual, mas uma emergncia social historicamente datada. O
estudo dos estilos de poca, por exemplo, em interface com o dos estilos individuais, adquire
sentido nessa perspectiva: a de que o homem busca respostas inclusive estticas a perguntas
latentes ou explcitas nos conflitos sociais e pessoais em que est imerso (Brasil, 2002:52).
Na dimenso da formao do professor, os PCN+ trazem uma abordagem mais
especfica do trabalho de formao profissional qualificada do docente, quando abordam que
preciso reconhecer que a formao de docentes uma tarefa delicada, que hoje exige muita
ateno tanto no que diz respeito importncia social do ofcio de ensinar quanto no que tange
ao papel do professor de lngua portuguesa (Brasil, 2002:86). Diversas so as consideraes
expostas quanto necessidade e s dificuldades para esta formao contnua do professor. Desse
modo, os PCN+ apresentam e comentam dez competncias a serem desenvolvidas pelos
docentes, com base na tese estudada por Philippe Perrenoud, para abordarem a importncia do
29
desenvolvimento de competncias e habilidades pelo prprio professor, a saber: 1. Organizar e
dirigir situaes de aprendizagem; 2. Administrar a progresso das aprendizagens; 3. Conceber e
fazer evoluir os dispositivos de diferenciao; 4. Envolver os alunos em suas aprendizagens e em
seu trabalho; 5. Trabalhar em equipa; 6. Participar da administrao da escola; 7. Informar e
envolver os pais; 8. Utilizar novas tecnologias; 9. Enfrentar os deveres e dilemas ticos da
profisso; 10. Administrar sua prpria formao contnua (Brasil, 2002:86-89). Com estas
propostas, os PCN+ terminam as suas consideraes diretivas do ensino.
Mas, as Orientaes curriculares para o Ensino Mdio (2006), o mais recente
documento desenvolvido pelo MEC, na sua carta ao professor, expem como foram
desenvolvidas e quais os seus objetivos, ou seja, foram elaboradas a partir de uma discusso
com as equipes tcnicas dos Sistemas Educacionais de Educao, professores e alunos da rede
pblica e representantes da comunidade acadmica. O objetivo deste material contribuir para o
dilogo entre professores e escola sobre a prtica docente. (Brasil, 2006:5). O primeiro volume
dedicado rea de Linguagens, Cdigos e suas Tecnologias, composto pelos seguintes
captulos: Conhecimentos de Lngua Portuguesa, Conhecimentos de Literatura, Conhecimentos
de Lnguas Estrangeiras, Conhecimentos de Espanhol, Conhecimentos de Arte e Conhecimentos
de Educao Fsica.
A organizao desse volume j assinala uma separao entre o ensino de lngua e o de
literatura. Com efeito, no captulo referente aos Conhecimentos de Literatura, retoma-se a
discusso sobre a necessidade da literatura no Ensino Mdio, quando entendida sob o enfoque da
arte ou do fazer artstico. Refora-se a ideia de que a literatura, assim como outras formas de
expresso artstica, vital ao homem e no pode ser privilgio de alguns em detrimento de uma
grande parte dos alunos que no tem acesso a ela em suas casas. Este captulo sobre
Conhecimentos de Literatura constitudo pelos seguintes pontos:
Na dimenso do contexto escolar, 1. Por que a literatura no Ensino Mdio? (Brasil,
2006:47-60). Neste ponto, discutida a concepo de arte e do fazer artstico, relacionando-os
com a funo da literatura no Ensino Mdio.
Na dimenso da formao do aluno-leitor,2. A formao do leitor: do Ensino
Fundamental ao Ensino Mdio, (Brasil, 2006:60-65). Evidencia-se a formao dos alunos-
leitores por meio do contato textual, lingustico e esttico da obra literria, e consideram-se como
impasses para o ensino de literatura trs tendncias, que devem ser evitadas: i) substituir a
literatura difcil pela dita fcil; ii) reduzir o ensino a um conjunto de informaes exteriores s
obras e aos textos; iii) substituir textos originais por simulacros.
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Na dimenso da leitura literria, 3. A leitura literria: 3.1- A importncia do leitor;
3.2- Que leitores somos; 3.3- Formao do leitor crtico na escola, (Brasil, 2006:65-72). Nestes
pontos, apresentam-se algumas consideraes acerca da leitura literria pautada na sua dimenso
dialgica e na sua pluralidade discursiva, referindo que, A palavra plural, disseminadora de
sentidos, requer uma leitura tambm ela mltipla, no mais regulada pela busca do significado
nico ou pela verdade interpretativa, mas atenta s relaes e s diferentes vozes que se cruzam
nos textos literrios. (Brasil, 2006:66). Tambm enfatiza a ideia do aluno interlocutor que sabe
decidir o que ou no literrio, o foco exclusivo na histria da literatura e a ideia de fruio
esttica contida nas obras literrias, quando expe que Fatores lingusticos, culturais,
ideolgicos, por exemplo, contribuem para modular a relao do leitor com o texto, num arco
extenso que pode ir desde a rejeio ou incompreenso mais absoluta at a adeso incondicional.
Tambm conta a familiaridade que o leitor tem com o gnero literrio, que igualmente pode
regular o grau de exigncias e de ingenuidade, de afastamento ou aproximao. (Brasil,
2006:68). Assim, as Orientaes Curriculares consideram fundamentais, para a formao do
leitor, estes princpios de apreciao atravs do texto literrio.
Na dimenso das metodologias e formao do professor, 4. Possibilidades de
mediao: 4.1- O professor e a seleo dos textos; 4.2- O professor e o tempo; 4.3- O leitor e o
espao, (Brasil, 2006:72-83). Considera-se que a seleo dos textos deve passar pelo crivo
utilizado para os escritos cannicos, no mbito da intencionalidade artstica, do significado
histrico-social, da produo de estranhamento e do prazer esttico. Alm disso, o professor
deve conhecer e apropriar-se da histria, do estilo, da linguagem e da esttica dos textos
literrios, tal como a escola responsvel por disponibilizar o seu espao para o conhecer
literrio e potico, na medida em que importante, para isso, ampliar na escola o circuito de
poemas e poetas, quem sabe buscando novas formas de circulao social de poemas, como
jornais, revistas (impressos e digitais), e mesmo em outros meios audiovisuais, que, em
dobradinhas com livros de poemas, permitiriam ver e entender a poesia como uma prtica social
integrada vida cotidiana. (Brasil, 2006:75). Relativamente s metodologias, a explorao dos
diversos recursos produzido pelo texto potico igualmente entendido como relevante, uma vez
que A explorao dos efeitos de sentido produzidos pelos recursos fonolgicos, sintticos,
semnticos, na leitura e na releitura de poemas poder abrir aos leitores caminhos para novas
investidas poticas, para muito alm desse universo limitado temporal e espacialmente de
formao. (Brasil, 2006:74).
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O documento termina por considerar que o acesso do aluno a bibliotecas com um bom
acervo bibliogrfico indispensvel nesse processo de formao e apresenta sugestes
metodolgicas para o trabalho com a literatura na escola26
.
Passamos a apresentar os trs Projetos Poltico-Pedaggicos (PPP) que enquadram o
ensino da poesia em trs escolas a que este trabalho faz referncia. Trata-se de escolas do Estado
da Baa, sediadas nas cidades de Juazeiro (Colgio Modelo Lus Eduardo Magalhes), Santo
Estvo (Colgio Modelo Lus Eduardo Magalhes) e Feira de Santana (Colgio Padre Ovdio).
Nos trs PPP, observamos que a poesia est inserida nos contedos propostos para a
disciplina de lngua portuguesa e as articulaes pedaggicas esto gizadas de acordo com os
documentos oficiais.
Assim, na dimenso da leitura literria, esses projetos consideram o estudo do texto
potico como uma ferramenta na formao do aluno-leitor, a qual contribui para a construo
dos conhecimentos histrico-culturais. Na dimenso das metodologias (inseridas no contexto
escolar), apresentam os parmetros gerais respeitantes aos saberes declarativos, onde a poesia
surge subentendida no estudo das escolas literrias e das tipologias textuais. Essas orientaes
metodolgicas esto baseadas na construo coletiva do conhecimento, fazendo aluso
prtica da interao entre os sujeitos e aprendizagem entendida como construo de
significados.
Na dimenso da formao do aluno-leitor, estes PPP propem levar o aluno a pensar,
interpretar, experimentar e vivenciar, na busca e problematizao de informaes, nas mais
diversificadas situaes de aprendizagem. Na dimenso da formao dos professores,
apresentam propostas de cursos, trabalhos interativos entre os diversos docentes das variadas
reas e incentivam a formao contnua dos professores. Estes so considerados no mbito do
processo de ensino como mediadores na construo do conhecimento, pelo que devem provocar,
desafiar, problematizar e criar situaes de aprendizagem durante todo o processo.
Levando em conta todas estas consideraes produzidas por estes documentos oficiais,
percebemos que o texto potico no possui propriamente um espao nessas abordagens, isto
porque, nos primeiros documentos LDB e PNCEM, o texto potico no aparece claramente
sendo necessrio verificarmos a sua presena nas entrelinhas dos textos referentes leitura do
texto literrio. No entanto, admitimos que, no inciso III, a LDB deixa espao para uma primeira
justificao do estudo do texto potico na escola mdia. Posteriormente, os PCNEM apresentam
26
Estes espaos so, normalmente, bibliotecas (ou institutos, com a funo de biblioteca), salas de informtica, salas
de vdeo, etc.. O documento sugere tambm atividades que promovam o acesso cultura, como, por exemplo,
passeios culturais, estudos do meio regional, permitindo assim que os alunos tambm conheam as produes
literrias regionais.
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diversos parmetros para o trabalho com a literatura atravs das aulas de leitura. Assim, com este
conjunto de parmetros apresentados a partir dos PCNEM, torna-se evidente o valor e a funo
da obra literria (potica). Entretanto, os dois ltimos documentos os PCN+ e as Orientaes
Curriculares alargam um pouco mais essas dimenses sobre o estudo da poesia no Ensino Mdio.
Tambm consideram que a leitura do texto potico contribui para essa formao e para o
desenvolvimento dos estudantes nos mbitos: da autonomia intelectual, do pensamento crtico,
do poder criador, da imaginao, da sensibilidade e do sentido esttico, segundo Guedes (2002).
Neste elenco de dimenses sobre a finalidade do texto potico nos documentos oficiais,
observamos algumas consideraes que assentam nos pressupostos de que a leitura da poesia
expande as possibilidades comunicativas do leitor, bem como, o conhecimento da prpria
cultura. Tambm Matos (1999) nos seus estudos sobre o interesse cognitivo da literatura,
acrescenta que a leitura do texto potico pode ter uma funo distinta, ou seja, o alargamento da
experincia individual que a esttica da recepo lhe concede27, na medida em que o poema,
enquanto texto, amplia o lxico, desconstri, reconstri e conserva a lngua nas variadas formas
de representao do imaginrio28
. Nesse sentido, os documentos oficiais admitem que o poema
desenvolve consideravelmente os diversos nveis discursivos, porque necessria uma
abstrao elevada para se escrever ou falar sobre poesia. Alm disso, enquanto manifestao
da linguagem influencia os leitores na construo e formao individual da lngua. Todavia, est
exposto, nas Orientaes Curriculares, que este trabalho exige dos estudantes do Ensino Mdio
um empenhamento considervel, ao mesmo tempo, que exige do docente o seu empenho para
motiv-los nesse percurso, pois, como sabemos, a percepo da linguagem potica processa-se
de forma lenta e gradativa.
Nesse sentido, no Ensino Mdio, de acordo com as Orientaes Curriculares, que tm
por base os estudos de Bakhtin sobre a dimenso dialgica e a pluralidade discursiva do texto
potico, admite-se que a leitura da poesia proporciona ao estudante uma percepo intertextual e
desempenha igualmente uma funo primordial, isto , contribuir para a formao de leitores.
Assim, atravs do percurso de trabalho proposto pelos documentos do MEC, o aluno deve
conseguir percepcionar o texto potico enquanto estrutura lingustica impregnada de sentidos e
27
Estas consideraes surgem no artigo de Maria Vitalina Leal de Matos (1999), As funes da literatura, in ROCHETA, Maria Isabel (Orgs.), Ensino da literatura: reflexes e propostas a contracorrente, pp. 37-46. A autora
apresenta as funes da literatura tendo por base a teoria defendida por Jauss (1979), que considera que a literatura
exerce o papel anlogo ao da decepo da expectativa relativamente a descobertas cientficas, j que permite aos leitores progredirem no conhecimento do mundo (p. 45), sendo que esta obra tambm faz parte da bibliografia deste
trabalho. 28
Essa uma viso de Reis, quando considera a poesia lrica como um trabalho ativamente subversivo, mostrando
como, nalguns casos, esse trabalho constitui uma radicalizao inovadora, capaz de alterar formas e revelar sentidos
inusi