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A política externa brasileira e suas aproximações com a república popular da china no período pós II guerra
Gabriela Nunes Pereira1
Resumo: Este trabalho retrata a política externa brasileira no período pós II Guerra e o estabelecimento de suas relações com a República Popular da China. Procuro analisar as estratégias para o estabelecimento das relações econômicas entre os dois países a partir do panorama mundial, suas semelhanças e diferenças. A metodologia consiste em uma pesquisa bibliográfica, comparando a visão de diferentes autores, além da utilização da Resenha de Política Externa do Brasil de 1974, como fonte primária. Palavras-chave: Política Externa - Pragmatismo Responsável - China. Abstract: This work shows the Brazilian foreign policy (no period pós II Guerra) under the government of President Ernesto Geisel and the establishment of relations with the People`s Republic of China. The seeking is to assess the strategies for the establishment of economic relations between the two countries from the world scene, their similarities and differences. The methodology consists of a bibliographic search, comparing the different authors’ views, besides the use of the Review of Foreign Policy of Brazil in 1974 as a primary source. Keywords: Foreign Policy - Responsible Pragmatism - China.
Introdução
O presente artigo tem como tema central a política externa brasileira e suas relações
com a República Popular da China, seus momentos de aproximação e recuo desde
o governo de Jânio Quadros até a consolidação das relações diplomáticas entre os
dois países.
O período de governo do presidente Ernesto Geisel, a partir de 1974, caracteriza-se
pela inserção do Brasil na política externa mundial. Neste período o sistema
internacional caracterizava-se pela heterogeneidade, onde de um lado figurava o
ocidente capitalista, e do outro o oriente socialista. Brasil e China encontravam-se
em blocos diferentes, o que prejudicava suas relações até então, por causa de suas
zonas de influência. Com o relaxamento da guerra fria e o enfraquecimento do poder
entre os dois blocos, estabelecem-se novos paradigmas em relação ao sistema
internacional, com a ascensão de novos países no cenário mundial, sob forte
influência das grandes potências. O período precedente mostra o Brasil alinhado aos
interesses norte-americanos, buscando ao lado do bloco anticomunista, recursos
para sua industrialização e desenvolvimento. O governo Geisel seguiu a abertura
1 Graduada em História Licenciatura Plena (FACOS) e Especialista em História Contemporânea
(FAPA). Trabalho realizado sob a orientação do professor Dr. André Luiz Reis da Silva para a disciplina de monografia. [email protected]
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econômica iniciada nos governos anteriores, aproveitando-se da perda da
hegemonia por parte dos EUA e a ascensão de novas potências no mercado
internacional, para se colocar no cenário mundial e manter relações com outros
países de acordo com seus interesses. Por esta razão, o Brasil passa a estabelecer
relações diplomáticas com a República Popular da China, um país politicamente
socialista, que deixou sua rigidez ideológica e se aproximou do ocidente para sua
modernização industrial, tecnológica, científica e agrária.
A proposta deste trabalho consiste em abordar as relações sino-brasileiras a partir
do ano de 1974. Neste período, o Brasil vivia uma ditadura militar, fazendo-se
necessário analisar como o Brasil passou a ter relações comerciais com a República
Popular da China e quais as justificativas e estratégias da política externa dos dois
países para suas inserções no panorama internacional.
A política externa brasileira do governo Geisel utilizou o Pragmatismo Responsável
Ecumênico como meio de justificar suas relações com os países do bloco socialista.
Assim como o Brasil, a República Popular da China também visava abrir seu
mercado externo, principalmente com os países do terceiro mundo.
A abordagem metodológica deste trabalho centrou-se em uma análise bibliográfica,
que buscou comparar as visões de diferentes autores. Foi utilizada também a
Resenha de Política Externa do Brasil de 1974, como fonte primária para analise das
estratégias do governo brasileiro e as informações sobre as relações sino-brasileiras
da Embaixada Chinesa no Brasil. As analises foram feitas a partir de fichamentos e
reflexões da bibliografia existente, buscando perceber os fatores que serviram de
alicerce para as políticas externas dos dois países.
A Política Externa da China e suas relações com os países em
desenvolvimento
Em 1949 foi proclamada a Republica Popular da China, por Mao Zedong;
surpreendendo as maiores potências mundiais - EUA e URSS - que figuravam como
principais potências no novo panorama internacional, em redefinição estrutural com
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o fim da segunda guerra. Fortes tensões marcavam o cenário mundial entre Leste-
Oeste, e o surgimento de um governo popular na China aumentou ainda mais as
precauções dos Estados Unidos na doutrina de contenção ao comunismo. A China
era governada até então por Tchiang Kaichek, do partido político Kuomintang, que
com a revolução se refugiou em Taiwan, sendo reconhecido pelos EUA como único
governo legítimo do povo chinês, inclusive tendo uma cadeira permanente na ONU.
O governo revolucionário de Mao, não tinha o reconhecimento do governo dos EUA
e este tentou desestabilizar a recente RPC, proibindo as empresas norte-americanas
de manterem qualquer tipo de comércio com a nova China, além de intervir na
guerra da Coréia que tinha o apoio da RPC na sua parte norte. Na realidade, a RPC
pretendia manter bons relacionamentos com os demais países, pois para sua
reconstrução econômica interna necessitava também do mundo capitalista (apesar
de manter certa cautela frente ao panorama internacional conturbado e o receio de
sua segurança nacional devido aos longos anos de interferência externa na China).
De início, houve um isolamento diplomático que foi se rompendo com o passar dos
anos.
A política externa chinesa teve a sua frente como representante, Chu Em-Lai, de
1949 a 1958, que segundo Abi-Sad (1996: p.31): “...fixou as diretrizes básicas e as
linhas mestras que iriam influir sobre a política externa de seu país por várias
décadas, conferindo-lhe, uma visão realista e lúdica quanto a complexidade da vida
internacional moderna.” A RPC baseava-se em três diretrizes na sua política
externa: começar da estaca zero, pôr a casa em ordem antes de receber convidados
e inclinar-se para um lado só, sendo que esta última indicava a inclinação da China
ao bloco soviético.
O reconhecimento da RPC como governo chinês se deu primeiramente pela União
Soviética, Bulgária, Romênia, Polônia, Hungria, Checoslováquia, Iugoslávia, Burma
e Índia, e logo após por Paquistão, Grã-Bretanha, Celião, Noruega, Dinamarca,
Israel, Países Baixos, Suécia, Finlândia, Afeganistão e Suíça, sendo que a RPC
deixava bem claro que o seu reconhecimento dependia do não reconhecimento de
Taiwan. Em 1950, RPC e URSS firmam o Tratado Sino-Soviético de Amizade,
Aliança e Mútua Assistência, o que foi visto como a criação de um eixo subversivo
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pelos Estados Unido, e que tardou mais ainda a aquisição, por parte da RPC, de
uma cadeira permanente como membro do Conselho de Segurança. A Europa
também se viu ameaçada por temer movimentos nacionalistas em suas colônias na
Ásia. Quanto ao Japão, apenas na Conferência de Bandung, em 1955, foram
mantidos contatos para o estabelecimento de relações entre os dois países - na
mesma conferência, foram traçados posicionamentos dos países de terceiro mundo.
Neste mesmo período, Chu Em-lai enunciou os Cinco Princípios da Coexistência
Pacífica que nortearam a política externa chinesa, sendo eles: respeito mútuo à
soberania e integridade nacional, não-agressão, não intervenção nos assuntos
internos de um país por outro, igualdade e benefícios recíprocos e coexistência
pacífica entre os Estados com sistemas ideológicos diferentes. Desde então, a
China justifica suas relações externas por estes princípios:
Os Cinco Princípios da Coexistência Pacífica, além de constituírem uma estratégia inteligente para a política externa dos grandes países em desenvolvimento da periferia do sistema mundial, representam a afirmação planetária da concepção westfaliana das relações internacionais. De fato, se observarmos com cuidado, cada um dos itens retoma, de forma atualizada, os princípios da Paz de Westfália de 1648, que consagram o Estado como principal ator da política internacional. Assim hoje, quando os regimes internacionais supranacionais e a nova hegemonia norte-americana buscam reafirmar uma política de poder, ainda que dentro de outros parâmetros, os Cinco Princípios mostram sua atualidade como instrumento de ação dos países em desenvolvimento. (VIZENTINI: 2004)
A China, além de ampliar seus relacionamentos externos, necessitava de segurança
e assistência, o que fez com que buscasse alianças com a União Soviética. Mao
citava a existência de dois pólos de poder: o soviético e o americano, além de uma
zona intermediária, onde se encontravam os demais países, incluindo a China.
Um dos fatores de enfraquecimento das relações sino-americanas foi a Guerra da
Coréia, com a intervenção dos norte-americanos (que apoiavam a parte sul) como
represália às investidas norte-coreanas (apoiados pela RPC) ao tomar a península.
Deste modo, houve um confronto direto entre a RPC e EUA, cujo desfecho foi a
rendição dos dois lados, mantendo-se a região com estava anteriormente. Este fato
serviu para uma recolocação chinesa no cenário internacional, pelo fato de terem
conseguido fazer frente ao poderio ocidental. A intervenção da RPC na guerra da
Coreia se deu pelo receio por sua segurança territorial, ao perceberam que se o
ocidente tomasse a península coreana, poderia entrar em território chinês pela
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Manchúria. O fato ocorrido na Coréia provocou reações norte-americanas, que
terminaram por reatar suas relações com o Japão; vindo este último a firmar um
tratado de paz com Taiwan, ficando cada vez mais distante da República Popular da
China. Formou-se assim um quadro de contenção ao redor da RPC, onde seus
vizinhos estavam protegidos pelos EUA. Por motivos de segurança, até 1959 a RPC
manteve suas alianças com a URSS.
Durante este período, a RPC procurou outros meios de fortalecimento, pois
militarmente estava vulnerável por não possuir armamento atômico e nem manter
aliança com grandes países do ocidente. Foi então que a RPC passou a investir nos
movimentos de independência em países em fase de descolonização, dando apoio a
quem fizesse frente aos ocidentais e se mostrando como modelo com o Grande
Salto Adiante:
O isolamento da China diante dos países desenvolvidos levou a diplomacia de Chu Em-Lai a cortejar os regimes recém-emanciados, apresentando a China como grande defensora da causa do mundo em desenvolvimento contra uma política de poder ocidental marcada pelo colonialismo e práticas imperialistas. O terceiro-mundismo, que influenciaria a política externa chinesa por algumas décadas, desenvolveu-se como forma de afirmação diplomática da RPC de início na região asiática em sua vizinhança imediata, mas também procurou englobar países africanos que acabavam de obter suas independências. (ABI-SAD:1996:p.56)
Esta atitude foi uma estratégia para que mais países reconhecessem a República
Popular da China como governo chinês no lugar de Taiwan. A formação deste bloco
de apoio facilitaria a entrada da China como membro da ONU representando o
terceiro-mundismo em desenvolvimento:
A RPC seria o porta-voz qualificado e intérprete legítimo das verdadeiras aspirações do mundo em desenvolvimento. O terceiro-mundismo representou, dessa forma, um elemento importante e objetivo da política de afirmação de presença externa da RPC, envolvendo interesses precisos e concretos que transcendiam inteiramente a mera retórica de propaganda em defesa de uma 'irmandade de países pobres. (ABI-SAD: 1996: p.57)
Entre 1956 e 1958, a RPC estabeleceu relações com países africanos e árabes,
além de ter ampliado suas relações com o Oriente Médio na Conferência de
Bandung em 1955. Nesta época, as relações com a América Latina não foram de
grande importância, apenas mantendo contatos com governos de tendência
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esquerdista como Chile, Brasil, Argentina, Bolívia, Colômbia, Cuba (primeiro país a
manter relações diplomáticas com a RPC em 1959), México, Uruguai e Venezuela.
Em 1957, as relações entre a China e a União Soviética passam a enfraquecer pelo
fato de Kruschev criticar Stálin, além de a URSS não ver com bons olhos o Grande
Salto Adiante chinês, por considerá-lo excessivamente coletivista e ser apresentado
pela RPC como modelo ao terceiro mundo, o que gerava uma concorrência de
lideranças no bloco socialista. A manifestação da RPC em obter armamento atômico
foi outro fator que não agradou a URSS. Em 1960, se dá por completa a ruptura de
ajuda mútua Pequim e Moscou e em 1964, finalmente, a RPC produz sua bomba
atômica, o que lhe fortalece no cenário mundial.
A Revolução Cultural, em 1966, aumentou a desconfiança dos países visinhos por
tratar-se de uma revolução ultra-esquerdista e demasiadamente ideológica. Este fato
causou sérias dificuldades para a RPC em manter seus relacionamentos
diplomáticos por causa da liberalização da violência em defesa da ordem interna,
além de a RPC se autodenominar líder dos países subdesenvolvidos contra as
potências imperialistas:
Quando os ataques revolucionários da Guarda Vermelha propagaram-se no âmbito das relações internacionais, as embaixadas chinesas no exterior tornaram-se centros de proselitismo revolucionário e incitamento não-diplomático dos comunistas locais. De setembro de 1966 a agosto de 1967, essa forma subjetiva e emocional de contatar-se com o exterior levou à ruptura de relações com diversos países, à destituição de embaixadores chineses no exterior, salvo um, e a um declínio do comércio externo. (FAIRBANK e GOLDMAN: 2007: p.363)
A explosão da bomba nuclear chinesa, em 1967, deixou a ordem internacional
ainda mais receosa. Em 1969, aumentam as divergências nas relações sino-
soviéticas, havendo, inclusive, confrontos diretos por defesa de território, o que
tornou os dois países inimigos. Neste momento, começam a ser estabelecidos
contatos entre os norte-americanos e a RPC, onde ocorre a chamada “política do
ping-pong” em que a RPC convida o time norte-americano, que jogara no Japão,
para jogar em Pequim. Neste momento envia um recado a Nixon, dizendo que a
RPC aceitaria receber enviados especiais. Em 1971, Henry Kissinger visita a
República Popular da China e, no ano de 1972, o presidente Nixon vai a Pequim,
onde os dois países passam a manter contatos.
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A China passa a ser membro permanente nas Nações Unidas em 1971, mas apenas
em 1973 são iniciadas as relações diplomáticas com os EUA, que se dará
efetivamente em 1978, no governo Carter, onde a RPC é reconhecida como
representante legítima da China:
Em grandes linhas, a República Popular conseguira, então, um dos objetivos de sua ação externa, ou seja, ver-se reconhecida como interlocutor de respeito na cena internacional, revertendo o papel submisso e aviltado que caracterizara sua política exterior desde meados do século passado. (ABI-SAD: 1996: p.77)
A partir deste período, a RPC normaliza suas relações com os países Asiático,
ocidentais inclusive com a América Latina. Os “três mundos” tinham a China como
membro, e segundo Deng Xiaoping, era a líder dos países em desenvolvimento. Em
1978, a RPC e o Japão estabelecem um tratado de paz e cooperação. Entre 1971 e
1978, a China consegue afirmar sua independência. Em 1976, com a morte de Mão
Zedong, inicia-se a era Deng Xiaoping, que implanta o processo de modernização
do país e a abertura externa, rompendo com as linhas seguidas anteriormente. Deng
utilizou uma política externa pragmática, sem cunho ideológico e aceitando ajuda
externa, mas prevalecendo sua soberania; retoma os cinco princípios de
coexistência pacífica, de 1960, para nortear tanto as relações com os Estados
quanto o crescimento chinês, e implanta a política das Quatro Modernizações, nos
setores: indústria, agricultura, tecnologia e forças armadas:
O melhor caminho para atingir esses objetivos seria implementar uma política de reformas econômicas internas, abrir o país ao dinamismo da revolução tecnológica que se iniciava, associar-se à "decolagem dos 'gansos' asiáticos" e tirar o máximo de benefícios econômicos e estratégicos de uma aliança com os Estados Unidos durante a fase de distensão internacional. (VIZENTINI: 2000: p.68)
Neste sentido, Deng começa a implantar Zonas Econômicas na costa sul, onde
foram instaladas empresas estrangeiras e mecanismos capitalistas, o que dará início
ao Socialismo de Mercado - política que tirava proveito do mercado internacional,
sem alterar profundamente as estruturas internas.
A política externa brasileira no pós II guerra
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O conceito de Política Externa representa os objetivos do Estado no plano
Internacional, onde este representa e legitima suas relações internas e externas.
Trata-se de, como um Estado se relaciona com outros Estados, sendo os mesmos,
soberanos e com seus territórios definidos, constituindo uma unidade política. Estas
relações de interesses de um Estado para com os outros, são atividades que
abrangem as dimensões político-diplomática, militar-estratégica e econômica:
A maior parte dos pesquisadores brasileiros aponta, quase com unanimidade, para o papel preponderante do Estado na definição e implementação da política externa brasileira, estando a sociedade civil, com pequenas exceções, fora desse processo. (OLIVEIRA: 2005: p.2)
Vizentini (1998: p.15 apud SILVA: 1990: p.25) aborda três fases para a política
externa brasileira, sendo a primeira, o período de dominação territorial e as relações
imperialistas de Portugal sobre o Brasil, a partir do mercantilismo até o capitalismo
inglês. A segunda fase inicia no governo de Rio Branco e vai até o governo de
Jucelino Kubitschek, onde entram no cenário mundial as relações hemisféricas, na
qual o Brasil firma uma aliança com os EUA numa relação de dependência com
Washington. A operação pan-americana inicia a terceira fase e vai até os dias
atuais, onde ocorrem as multilaterizações da política externa, em que o Brasil passa
a estabelecer relações com novos parceiros externos, ainda que dependente dos
norte-americanos. É este contexto de multilaterização que, no fim do governo militar,
Ernesto Geisel utiliza-se para justificar a inserção do Brasil no mercado externo, num
processo de abertura política lenta e gradual no período de distensão da guerra fria.
A intenção dos governantes brasileiros, em grande parte, era projetar o Brasil para o
exterior, tentando torná-lo uma nova potência ou buscando apenas sua soberania. A
soberania nacional se dá pela criação de um plano de desenvolvimento, e é com
este preceito que um país tenta se posicionar frente ao plano internacional; com este
objetivo foram criados os planos de desenvolvimentos do Brasil. Marco Aurélio
Garcia afirma que:
O lugar que um Estado nacional pode ocupar na ordem econômica e política internacional está relacionado com sua capacidade de vencer ou contornar os constrangimentos externos existentes e de aproveitar as oportunidades que o quadro mundial lhe oferece. Para tanto, é necessário que ele seja capaz de formular e implementar um projeto nacional de desenvolvimento. Esse projeto não só assegura a soberania nacional no seu sentido jurídico-formal, como permite criar as condições econômicas,
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sociais e políticas indispensáveis à plena constituição de um Estado nacional.
Ao final da Segunda Guerra Mundial, no contexto da guerra fria, onde o mundo se
dividia em dois grandes blocos, comunista (URSS) e capitalista (EUA) o Brasil se
mantém aliado aos norte-americanos com laços de cooperação. Este alinhamento
passivo teve sua maior expressão no segundo governo de Getúlio Vargas com o
estabelecimento da Comissão Mista Brasil-Estados Unidos para o desenvolvimento
econômico, entre outros acordos militares. Vargas buscava a multilaterização para
conseguir barganhar com os norte-americanos maiores investimentos para a
industrialização e desenvolvimento do país, mas o nacionalismo adquirido na
tentativa de obtenção de unidade interna, como a questão da Petrobrás na
campanha O Petróleo é Nosso, acabou se tornando um movimento popular e gerou
contradições entre as políticas externa e interna, brasileiras, o que terminou
desagradando tanto suas bases de apoio quanto a oposição, gerando o isolamento
do presidente, vindo este, a praticar o suicídio em 1954.
Alguns governos brasileiros fizeram tentativas de abandonar ou pelo menos diminuir
este alinhamento com Washington, mas até a década de 1970, o Brasil mantinha-se
ao lado dos EUA. No governo Café Filho (1954 a 1956), que sucedeu ao de Vargas,
há o retorno ao alinhamento do eixo norte-sul e a abertura ao capitalismo
internacional. Durante o governo de Jucelino Kubitschek, é retomado o processo de
industrialização, mas com ênfase nos bens de consumo duráveis, com apoio da
classe média, conseguindo assim, aliar os interesses da potência hegemônica e o
processo de industrialização, o chamado nacional-desenvolvimentismo. Em 1958,
Jucelino retoma a barganha nacionalista de Vargas:
A crise dos milagrosos "50 anos em 5" e determinadas alterações internacionais - como a criação da Comunidade Econômica Européia, a reeleição de Eisenhower num quadro de crise e descontentamento latino-americano, bem como as pressões do FMI - levaram o governo a reativar a velha barganha nacionalista através da Operação Pan-Americana (OPA). (VIZENTINI: 2003: p.206)
A OPA visava uma política mais eficaz para a erradicação do subdesenvolvimento
na América Latina. Neste período foram criados o Banco Internacional de
Desenvolvimento (BID), a Associação Latino-Americana de Livre Comércio (ALALC)
e a Aliança para o Progresso (programa de ajuda norte-americano para os países
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subdesenvolvidos da América Latina). Porém, o governo de Jucelino não levou a
política externa brasileira para além do continente americano.
Já em 1961, no governo de Jânio Quadros e João Goulart (vice), é implantada a
Política Externa Independente pelo ministro San Tiago Dantas, que procurava
mundializar a política externa brasileira:
Um dos fundamentos da política exterior de Jânio Quadros foi a defesa do princípio da autodeterminação dos povos. Ao proclamar o direito que têm os povos de se auto-determinarem, reivindicava mais liberdade de movimentos para o país no cenário mundial com vistas a fazer uma política exterior que atendesse aos interesses econômicos nacionais de maneira vigorosa. Anunciada sem reservas, tal política, que respondia aos anseios nacionalistas e foi apoiada pela esquerda e por segmentos contrários à presença marcante dos Estados Unidos na economia brasileira, gerou um debate interno a respeito do seu acerto, alcance e oportunidade, tendo recebido forte pressão contrária, inclusive de parte da imprensa. (CERVO e BUENO: 1986: p.77 e 78)
Durante seu governo, Quadros tomou diversas medidas que desagradaram os EUA,
como o encontro com Fidel Castro e Nikita Krushev: o não rompimento com Cuba, o
apoio às independências de Angola e Moçambique, a crítica ao apartheid, o retorno
das relações diplomáticas com países do leste europeu além de buscar reatar com a
URSS. Apesar disso, a política econômica estava alinhada ao FMI, mas ao mesmo
tempo, o Brasil necessitava de novos mercados, pois as relações apenas no
continente americano estavam limitadas. A crise com os EUA se deu,
definitivamente, quando Jânio Quadros condecorou Che Guevara (ministro da
economia de Cuba) e enviou seu vice-presidente, João Goulart, à República Popular
da China em missão comercial e diplomática. Bóris Fausto se refere a estes
acontecimentos da seguinte forma: "Não havia nesse gesto qualquer intenção de
demonstrar apoio ao comunismo. Ele simbolizava para o grande público a Política
Externa Independente que Jânio começara a por em prática. (1994: p.439)". O
presidente aproveitou a crise para renunciar ao cargo, e estando o seu vice em um
país socialista, a direita civil e militar, que desde 1954 tentara subir ao poder, não
aceitou o seu retorno e a posse de Jango, o que terminou por desencadear a
Campanha da Legalidade por Leonel Brizola, para garantir a posse do vice-
presidente.
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O governo de João Goulart foi marcado pela implantação do parlamentarismo, o que
delegava poucos poderes ao presidente. Além disso, Jango era visto com suspeitas
na questão ideológica. A Revolução Cubana preocupava os EUA que temiam que o
Brasil se tornasse uma nova Cuba. O retorno ao presidencialismo em 1963 foi visto
por Washington como um perigo maior, pois temiam uma virada significativa do
governo à esquerda.
Em 1964, após o comício na Central do Brasil, as reformas de base e a Marcha da
Família com Deus pela Liberdade e aproveitando a conjuntura que se estabelecera
no país, os militares brasileiros aplicaram o golpe no dia 31 de março de 1964, com
o apoio norte-americano dando fim a Política Externa Independente e a democracia
no país:
A Política Externa Independente constituiu ou projeto coerente, articulado e sistemático que visava transformar a atuação internacional do Brasil. Até então, a diplomacia brasileira havia sido basicamente reflexo da posição que o país ocupava no cenário mundial. (...) a partir da passagem das décadas de 1950 e 1960, a política externa procura tornar-se um instrumento indispensável para a realização de projetos nacionais (...). Eis o elemento dinâmico da PEI, dentro do qual os demais fatores devem ser entendidos. É esse plano que confere sentido ao nacionalismo que marcou o período. Sem dúvida, a emergência e a concretização desse projeto encontram-se marcadas por tensões e até contradições, que serão visíveis em todos os governos entre 1951 e 1964, mas especialmente na derrocada do regime. (VIZENTINI: 2003: p.212)
A política externa do regime militar é marcada pela inserção de diplomatas de
carreira formados pelo Instituto Rio Branco, fundado em 1945, o que resultou em um
corpo diplomático profissional onde os negócios internacionais eram decididos pelos
chanceleres juntamente com o presidente. O período de ditadura militar foi marcado
pela inserção do Brasil no cenário internacional que estava em transformação,
visando uma abertura lenta e gradual até o fim do regime em 1984.
O primeiro governo militar do presidente Castelo Branco e seu chanceler Vasco
Leitão da Cunha foi chamado de interdependente, rompendo com a continuidade da
PEI, onde respeitavam a doutrina de Segurança nacional e se colocavam
definitivamente alinhado aos Estados Unidos. Internamente, o Brasil procurava
proporcionar a segurança eliminando a ação subversiva.
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A política Interdependente de Castelo Branco transformou-se, portanto, em uma
política externa dependente. O governo de Castelo Branco, ao deixar de lado a
Política Externa Independente do governo anterior para retornar seu alinhamento
automático com os Estados Unidos, abandonou aparentemente também as suas
relações com os países terceiro-mundistas:
A posição defendida na PEI de maior aproximação com as jovens nações africanas recém-descolonizadas, tendo-se em vista o papel que poderiam desempenhar no cenário internacional e igualmente a abertura que propiciava ao Brasil na pesquisa de um novo horizonte político que não fosse limitado ao sistema interamericano, chocou-se frontalmente com as diretrizes básicas da Revolução Brasileira. (OLIVEIRA: 2005: p.115)
Ao subir ao poder, em 1967, o presidente Costa e Silva implanta a Diplomacia da
Prosperidade, visando à segurança e o desenvolvimento, bases do governo militar.
A Diplomacia da prosperidade buscava uma nova estratégia para a política externa
brasileira, pois a política norte-americana de segurança e a brasileira de
desenvolvimento, não estavam mais sendo convergentes. Para Henrique Altemani
(2005: p.122), às mudanças no cenário mundial como a permanência dos EUA no
Vietnã, o estabelecimento da détente e a política norte-americana insuficiente para a
América latina, foram vistos pelo governo brasileiro como perda de liderança no
ocidente e abandono dos aliados na América Latina. Além disso, o Brasil se recusou
a assinar o Tratado de Não-Proliferação Nuclear, que era visto por Costa e Silva
como outra forma de dependência que impediria o desenvolvimento do país.
Portanto, a política externa de Costa e Silva quebrava com a política anterior de
Interdependência e assemelhava-se a PEI, porém, sem reformas sociais.
Durante o governo Costa e Silva, nota-se a transferência da responsabilidade da
segurança para o próprio país, em troca de maior independência para seu
desenvolvimento, pois ao tentar se afastar da dependência econômica dos Estados
Unidos e se aproximar dos países da América Latina, África e outros países do
terceiro mundo, era necessário também, se auto-delegar a função da segurança
nacional. Não que o Brasil tenha deixado de lado suas relações com os países
desenvolvidos, houve apenas uma mudança de relacionamento:
Assim, embora a política externa implementada por Costa e Silva apresente-se com a percepção de que, até certo ponto, difusa e os resultados obtidos tenham sido modestos, é interessante ressaltar a
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importância do reconhecimento da falência do atrelamento às diretrizes norte-americanas e a abertura do País a novas inflexões, em particular aos países em desenvolvimento. (OLIVEIRA:2005:p.125)
O governo que se seguiu após a morte de Costa e Silva, foi comandado pelo general
Emílio Garrastazú Médici e seu chanceler Gibson Barbosa, de 1969 a 1974, com a
Diplomacia do Interesse Nacional, onde a estratégia bilateral (ligado à ordem
material) teve prioridade sobre a multilateral (ligado a ordem econômica e política).
Este período foi chamado de os "anos de chumbo", que se caracterizou pela forte
repressão interna aos movimentos de oposição ao governo, pelo autoritarismo do AI-
5 que possibilitava prisões, torturas, sequestros, mortes, censura entre outros
métodos repressivos, que acabavam desrespeitando os direitos humanos, o que
causaram péssima imagem do Brasil frente aos países desenvolvidos. Porém, foi
também neste período que o crescimento econômico se desenrolou se
caracterizando pelo "milagre brasileiro", tendo os governos anteriores preparado o
terreno para tal crescimento:
Consolidava-se o tripé econômico: as empresas estatais encarregavam-se da infra-estrutura, energia e das indústrias de bens de capital (aço, maquias-ferramenta); as transnacionais produziam bens de consumo duráveis (automóveis e eletrodomésticos); e o capital privado nacional voltava-se para a produção de insumos (autopeças) e bens de consumo popular. (VIZENTINI: 1998: p.133)
Foi durante a administração de Médici que grandes obras públicas foram
construídas, como a hidrelétrica de Itaipu, a ponte Rio-Niterói, a rodovia
Transamazônica, além de estádios de futebol, indústrias e de comunicar a pretensão
de ampliar o mar territorial do país em 200 milhas. O novo crescimento econômico
interno fez surgir uma nova classe média que se via satisfeita com o poder de
aquisição, porém, o mercado interno ainda não era suficiente para suprir a demanda
da produção, sendo necessário buscar novos mercados externos. O "milagre
brasileiro" mostrava-se então, ambíguo, pois, conforme Altemani (2005: p143),
gerava: "...de um lado, a um consumo cada vez maior de petróleo e bens de
equipamento para abastecimento do mercado interno e externo e, de outro lado, a
um crescimento descontrolado da dívida externa."
O Brasil inicia, então, uma política de aproximação com a América Latina em um
programa de cooperações bilaterais, como a exploração do gás boliviano, a
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construção da hidrelétrica de Itaipu com o Paraguai e a cooperação industrial com a
Venezuela. Outra atitude brasileira, ligada à crise do petróleo, é a definição do país
frente ao conflito no Oriente Médio, apoiando o mundo árabe. Estas alterações no
campo diplomático dariam suporte ao próximo governo, de Ernesto Geisel.
Conforme coloca Ricardo Seitenfus (1994: p.64): "...estas mudanças na diplomacia
brasileira receberam o nome de pragmatismo responsável, versão brasileira da
doutrina Kissinger, que substitui o fator ideologia na política mundial pelos princípios
oriundos da realpolitik."
A política externa brasileira, nos anos de 1974 a 1979, durante o governo Geisel e
de seu chanceler Antônio Azeredo da Silveira, foi onde ocorreram as mudanças
mais ousadas. Seguiu a abertura iniciada por Costa e Silva e ampliada por Médice.
O Pragmatismo Responsável visava redefinir as relações brasileiras no plano
internacional, e se tornou possível devido à infra-estrutura econômica existente no
país.
O mercado consumidor interno não supria a grande demanda de mercadorias
produzidas no país, sendo assim, o Brasil necessitava diversificar seu comércio com
outros países. Geisel batiza então, sua política externa de Pragmatismo
Responsável e Ecumênico.
Por Pragmatismo Responsável e Ecumênico, no contexto da política externa
brasileira, entendemos como uma política que não se comprometia com conceitos
ideológicos:
Por “pragmática” entendia-se uma política descomprometida com quaisquer princípios ideológicos que pudessem dificultar o entendimento dos interesses nacionais. (...) Já por “ecumênica”, pretendia-se uma política externa de caráter universalista que levaria em conta todas as possibilidades de aumento das relações internacionais do país. (...) O adjetivo responsável constituía-se numa palavra-chave e era particularmente dirigido às bases de sustentação do regime. (PINHEIRO: 1993: p.3)
Com o Pragmatismo Responsável e Ecumênico criavam-se condições para o Brasil
reverter o seu posicionamento que privilegiava as alianças com os EUA e buscar
novas, segundo Azeredo da Silveira (1975: p.40): "O ecumenismo brasileiro tem
duas conotações complementares: a repulsa a todas as formas de hegemonia e a
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prática de uma interdependência real e dinâmica." pois devido a crise que se
instalara no final do governo Médici, onde o país endividara-se externamente com a
industrialização e necessitava de petróleo, matéria-prima e bens de equipamentos
que precisavam ser importados, e os EUA já não eram suficiente para abastecer o
Brasil. O presidente Ernesto Geisel dizia que:
No caso do Brasil, sua política externa é baseada no que chamamos de ‘pragmatismo responsável’, no ecumenismo e num princípio que consideramos essencial: o princípio de não intervenção nos assuntos internos dos outros Estados (...). A política exterior brasileira é pragmática porque procura considerar a realidade internacional tal como ela se representa, e é responsável porque é ética. (1975: p7)
No período do governo Geisel, a política externa pragmática foi possível devido às
mudanças ocorridas na conjuntura mundial. O esfriamento da guerra fria, o declínio
da capacidade militar norte-americana frente a URSS, o surgimento de novos atores
fortes no cenário mundial como China, Europa e Japão, a criação da Organização
dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), a descolonização Afro-Asiática e a
Guerra do Vietnã, tornavam possível para o Brasil, se desprender do alinhamento
aos Estados Unidos.
O objetivo do governo Geisel era inserir o Brasil no plano internacional de maneira
autônoma, o que reafirmou a insatisfação dos Estados Unidos com as pretensões
brasileiras, vindo os dois países, posteriormente, a desfazer o acordo militar vigente
desde 1952:
O primeiro passo da diplomacia denominada Pragmatismo Responsável e Ecumênico do chanceler Antônio da Silveira foi aproximar-se dos países árabes. O Itamaraty permitiu a instalação de um escritório da OLP em Brasília, apoiou o voto anti-sionista na ONU e adotou uma intensa política exportadora de produtos primários, industriais e serviços, em troca de fornecimento de petróleo. Mais do que isto, o Brasil adotou uma íntima cooperação com potências regionais como Argélia, Líbia, Iraque e Arábia Saudita, sob forma de joint-ventures para prospecção no Oriente Médio através da Braspetro, e para o desenvolvimento tecnológico e industrial-militar (venda de armas brasileiras e projetos comuns no campo dos mísseis). (VIZENTINI: 1998:p.202)
É neste período que o governo intensifica e estabelece relações com países afro-
asiáticos, além de se voltar também, com mais entusiasmo à América Latina. Em 15
de agosto de 1974, o Brasil passa a estabelecer relações diplomáticas com a
República Popular da China, iniciadas no governo de Jânio Quadros e João Goulart
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e interrompidas com o golpe militar. Brasil e China tinham interesses em comum em
relação ao plano internacional, ambos queriam autonomia internacional, soberania
nacional e integridade territorial (OLIVEIRA: 2005: p.155). Este relacionamento só se
tornou possível devido ao Pragmatismo Responsável de Geisel, que foi base para a
Política Externa Independente de Jânio Quadros e conseqüência da abertura política
e econômica resultante do crescimento interno do país durante o regime militar e da
conjuntura internacional de multilaterização e perda de hegemonia das grandes
potências.
O governo que se seguiu ao de Geisel, do general Figueiredo, foi uma continuidade
do Pragmatismo Responsável, apesar de algumas mudanças internas e externas
desfavoráveis ao governo. O chanceler Ramiro Saraiva Guerreiro utilizou-se do
Universalismo, como forma de continuidade ao governo anterior no plano de
inserção internacional, neste período foram estabelecidos e ampliados diversos
acordos bilaterais extracontinentais. Foi em 1979 que finalmente são assinados
acordos de âmbito comercial marítimo com a república popular da China, com a
isenção de impostos e cooperações entre os dois países. Além disso, Figueiredo
manteve a proposta da abertura lenta e gradual; interna e externamente; até o fim do
regime militar em 1984.
Relações entre Brasil e China - oscilações e aproximações
O Brasil e a China tiveram alguns momentos de aproximação e recuo desde a
década de 1950. Foi a partir de 1974, durante o governo militar de Ernesto Geisel,
que os dois países estabelecem efetivamente relações diplomáticas e comerciais,
devido à crise econômica mundial (crise do petróleo), a procura por novos mercados
e a inserção no sistema mundial.
No período entre 1949 e 1960 a relação entre o Brasil e a República Popular da
China (RPC) foi quase inexistente. Após o fim da II Guerra o Brasil alinhou-se aos
EUA, e com vitória de Mao Zedong e a criação da RPC, o Brasil transfere sua
representação diplomática para o Japão, mostrando seu alinhamento com o bloco
capitalista anti-comunista. Apesar de algumas tentativas comerciais,
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diplomaticamente não houve relações entre os dois países no segundo governo de
Getúlio Vargas e nem de Jucelino Kubitschek. No governo JK, surgiram esboços de
incrementar um comércio exterior fora do alinhamento norte-americano devido ao
não recebimento de recursos financeiros por parte deste, tendo o Brasil então,
mantido contato com a URSS para compra de petróleo e venda de café, cacau e
óleo de mamona e com o Sudeste Asiático na importação e exportação de
manufaturas, mas este último, devido aos autos custos tornou-se inviável.
A Republica Popular da China neste período estava mais preocupada com suas
questões internas, não sendo aceita na ONU e nem reconhecida internacionalmente,
justificava seu isolamento, restringindo seus contatos apenas com países
comunistas e com o terceiro mundo da Ásia e África. A aproximação entre Brasil e
China inicialmente se deu no período de 1961 a 1964, no governo de Jânio Quadros,
que implementou a Política Externa Independente, na tentativa de equilibrar a
balança comercial brasileira. Quadros iniciou também o Modelo Substitutivo de
Exportação, mantendo relações com a América Latina, a África, a Ásia e a Europa
Oriental, em uma tentativa de enfrentar a baixa dos preços das matérias-primas e
promover a exportação de produtos manufaturados. João Goulart, então vice-
presidente visita a RPC para investigar possíveis relações comerciais. Em 1962, o
chanceler San Tiago Dantas apresentou um relatório com capacidade comercial de
cada região:
Neste relatório, a Republica Popular da China fora apresentada como uma região com crescente capacidade de importação e exportação. Neste caso, o relatório recomendava ao Brasil investir na região e estabelecer missões comerciais no sentido de incentivar as trocas entre ambos os países. (SILVA: 2003: p.172)
Com a deposição de João Goulart em 1964 e a instalação da Ditadura Militar, o
processo de aproximação sino-brasileiro é interrompido, sendo presos os
representantes do escritório comercial chinês no Brasil.
Com a crise econômica mundial, a détente e a crise do petróleo, entraram novos
atores no cenário internacional, principalmente à emergência da China, que deixou a
rigidez ideológica socialista e se aproximou do ocidente possibilitando sua
modernização industrial, tecnológica, científica e agrária. A China passou a se
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relacionar com países da América Latina, RFA e Japão, integrou como membro da
ONU e recebeu a visita do presidente Nixon dos EUA. A reaproximação dos dois
países se deu na década de 1970, devido à política pragmática e desenvolvimentista
brasileira e a política de inserção internacional da China.
O panorama chinês na década de 1970 buscava o estreitamento nas suas relações
com os EUA, devido ao desgaste com Moscou após os conflitos armados na
fronteira sino-soviética, além dos planos de modernização econômica após a
Revolução Cultural, que necessitava aumentar as relações com outros países.
Em 1972 é assinado o “Comunicado de Shangai”, onde as diferenças ideológicas
eram reconhecidas e permitiam apenas o reconhecimento da República Popular da
China como único representante chinês e não reconhecimento de Taiwan, entre
outros assuntos:
Não resta dúvida, portanto, de que a mudança da política norte-americana com relação à RPC e o reingresso desta na ONU contribuíram significativamente para dar legitimidade ao governo de Beijing frente ao resto do mundo, donde o fluxo de países que seguiu reconheceu Beijing em detrimento de Taipe. (PINHEIRO: 1993: p.09)
Neste processo, o Brasil também foi influenciado a reconhecer a RPC. Além disso,
devem-se levar em conta os interesses particulares brasileiros. O país encontrava-se
na mesma situação da China no plano econômico, tentando inserir-se no cenário
mundial para enfrentar o estrangulamento externo visando o aumento das
exportações. O país era uma das primeiras economias semi-industrializadas do
terceiro mundo a fazer a transição do atendimento interno para o externo por meio
de exportações e liberalização do comércio exterior com o modelo substitutivo de
exportação, onde o aumento desta era visto por entidades financeiras como uma
forma de combater o déficit no balanço de pagamentos. A consolidação das relações
entre Brasil e China só se deram no governo Geisel, com sua política pragmática:
A adoção de fortes políticas protecionistas pelas economias desenvolvidas, junto com os efeitos da crise do petróleo, afetava profundamente o mercado internacional. Tornou-se ainda mais difícil obter preços justos para os produtos primários normalmente exportados pelos países menos desenvolvidos. (PINHEIRO: 1993: p.02)
O alinhamento com os Estados Unidos ganhou mais força logo após o golpe militar
de 1964, principalmente durante o primeiro governo de Castela Branco, afrouxando
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gradativamente nos demais governos. Este alinhamento automático foi a política que
prevaleceu no início da ditadura militar, que, apesar de apresentar algumas relações
diplomáticas com outros países, economicamente, as relações permaneceram
estagnadas. A política externa do governo Geisel, aproveitando a situação criada
pelos governos anteriores, de Costa e Silva e Médici, intensificou a abertura
econômica ao mercado externo, porém, sem cunho ideológico, o que permitiu ao
Brasil, estabelecer relações com países socialistas, países de terceiro mundo e
subdesenvolvidos. O presidente Geisel então implanta a política de substituição de
importações, onde a perda da hegemonia norte-americana e a política de deténte
entre as duas potências abriram espaço para que o Brasil buscasse novas relações
exteriores.
O Brasil necessitava de maior tecnologia e matéria-prima para sua industrialização,
e neste contexto, Geisel introduz o Pragmatismo Responsável Ecumênico, onde
prevalecem os efeitos práticos e universalistas podendo manter relações
internacionais com diversos países:
O pragmatismo responsável (...) orientou-se, basicamente, para uma posição de ruptura da aliança especial com os EUA, de reaproximação a antigos parceiros e de inclusão de novos. O contexto internacional desse período – multipolarizado e diversificado politicamente, concentrado e integrado economicamente – permitia, em países como o Brasil, um tipo de função em mãos do Estado associada a uma internacionalização crescente do sistema produtivo. (OLIVEIRA: 2005: p.151)
O Presidente Geisel passa a justificar sua estratégia política com o Pragmatismo
Responsável Ecumênico, possibilitando uma política externa independente, visando
à exportação de produtos manufaturados para manter o seu crescimento industrial
que necessitava da importação de petróleo e equipamentos.
Brasil e China tinham semelhanças quanto à inserção no mercado internacional. Os
dois buscavam estreitamento nas relações com o terceiro mundo, se recusavam a
aderir o tratado de não-proliferação nuclear e buscavam distância em relação aos
direitos humanos nas resoluções impostas pela ONU. Apesar destes fatores, os
militares receavam pela segurança nacional, mas de outro lado, os empresários
pressionavam para a exportação de manufaturas. Em 15 de agosto de 1974, a RPC
e o Brasil restabelecem relações diplomáticas, e após isto, diversas missões são
realizadas para analisar os produtos que serão comercializados.
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O Brasil e a China tinham objetivos semelhantes para a inserção no cenário mundial,
o que facilitou a aproximação entre os dois países em 1974, pois ambos viam no
Terceiro Mundo a oportunidade de ampliar seus interesses. Além disso, buscavam
novas alianças nas relações sul-sul em acordos bilaterais. A China, após o
rompimento com a União Soviética, e ter ficado independente das grandes
potências, adquirira importante papel no sistema internacional, o que interessava ao
Brasil:
A China de fato detinha um importantíssimo papel político-estratégico no sistema internacional, o que levava a que o governo brasileiro esperasse ganhar um aliado de peso no debate mundial. (...) deve-se sublinhar o papel desempenhado pela RPC na comunidade internacional com relação a questões de grande importância para o Brasil: questão nuclear, direito de mar, questões ambientais e direitos humanos. (PINHEIRO: 1993: p.10)
A China e o Brasil, portanto, restabelecem suas relações a partir de 1974, onde o
Brasil utiliza-se do conceito do Pragmatismo responsável para se inserir no sistema
internacional, passando a manter uma política externa sino-brasileira, que avançou
lenta e gradativamente, e que alcançou mais altos níveis apenas na década de 80.
Considerações finais
Pode-se dizer que o estabelecimento das relações diplomáticas entre Brasil e China
não fora, totalmente, uma surpresa. O que surpreendeu, sim, foi o período em que
isso ocorreu. Os dois países já oscilavam em seus contatos nos últimos dez anos, e
a partir da década de 1970, visitas não-oficiais fizeram parte da agenda dos dois
países. Quem acompanhava as mudanças no cenário internacional, podia esperar
tal atitude.
Em primeiro lugar, cabe salientar, que a aproximação entre os dois países, nada
mais foi do que uma jogada estratégica de ambos os lados, de acordo com os
interesses econômicos de ambos. O Brasil necessitava de petróleo e bens de
consumo para sua industrialização, e a China, que estava abrindo sua economia
para o mercado externo, precisava de novos consumidores. Ambas as partes
lucrariam com as negociações.
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Em segundo, temos o fator da mudança da política norte-americana em relação à
República Popular da China. Após o rompimento sino-soviético, e após os EUA
perceberem a crescente força com que RPC vinha se inserindo no panorama
mundial, principalmente no que diz respeito à questão nuclear, Washington viu na
China um importante aliado contra seu principal inimigo, a URSS. Tendo a RPC
estendido seus contatos pela Ásia e países do Terceiro Mundo, serviria como um
meio de contenção à União Soviética. Portanto, neste caso, o que podemos afirmar
é que o Brasil e a China só puderam se aproximar, devido às mudanças norte-
americanas em relação a esta, pois estando o Brasil, alinhado ao ocidente
capitalista, e necessitando ainda, da proteção norte-americana, em outros
momentos não poderia ter efetivado estas relações, assim como não pôde acontecer
durante os governos Jânio Quadros/João Goulart, pois seriam reprimidos, assim
como acontecera no golpe militar.
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