A produção e o comércio de instrumentos

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A produção e o comércio deinstrumentos e ediçõesmusicais em Lisboa(1850-1900)

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  • A produo e o comrcio de

    instrumentos e edies

    musicais em Lisboa

    (1850-1900)Alexandre A rmnio To ja l

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    As viragens do tempo no significam, necessariamente, inflexes no rumo da Histria.Esquinas h que so contornadas de forma mais ou menos acentuada, dependendo dos ngu-los predefinidos ou do ritmo impresso ao curso das coisas e das ideias que lhes do vida enorte.

    Neste estudo definimos como linha de horizonte uma daquelas esquinas ou viragens, com ointuito de perceber uma evoluo ou involuo, um fluxo ou refluxo da Histria - no final sever - da produo e comrcio de instrumentos e edies musicais em Lisboa.

    Partimos de fontes documentais guarda do Arquivo Municipal de Lisboa, relacionadas como registo e licenciamento de estabelecimentos comerciais da cidade, procurando estudar aque-les que especificamente se dedicaram ao fabrico e comercializao de musicas e instrumentosmusicos ou instrumentos musicaes, circunscrevendo-nos segunda metade do sculo XIX, pero-do que nos pareceu suficientemente rico com a implantao de inmeras casas e a consol-idao do comrcio, mais do que da produo a viabilizar uma leitura consistente do objec-to de estudo.

    Concretamente procedemos ao levantamento daquele tipo de estabelecimentos a partir dedocumentao existente no Arquivo Municipal de Lisboa Arco do Cego, a saber: livros deRegisto das Licenas e tales de Licenas para Estabelecimentos de Comrcio e Indstria; os primeirosutilizados para os anos de 1850 e 1860, os segundos para 1870, 1890 e 1900.

    Fica desde j claro, portanto, que a amostra teve por base o levantamento de toda a infor-mao disponvel naquelas fontes para os anos de 1850, 1860, 1870, 1880, 1890 e 1900. Nosdois primeiros anos as fontes utilizadas foram os Registos das Licenas1. Para os anos de 1870,1890 e 1900 - e na constatao de inexistncia de livros de registo com informao de igualteor recorremos aos tales de pagamento das Licenas para Estabelecimentos de Comrcio eIndstria onde foi possvel obter o mesmo tipo de informao daqueles Registos 2.

    Dos seis anos eleitos, no foi possvel obter informao relativa a 1880. Os tales das Licenaspara Estabelecimentos guarda do Arquivo Municipal, para este ano, no referem o ramo a que

    1 Livros de registo onde se lanavam, um a um, todos os estabelecimentos com venda ao pblico, referindo-se o nmero dalicena, a data de pagamento, o nome da casa comercial, a morada, freguesia, o ramo, o perodo da licena e o valor pago. Olicenciamento, tal como o definia a Postura da Cmara Municipal de Lisboa de 7 de Novembro de 1844, era obrigatrio paratodas as lojas e armazens de venda de quaesquer generos e mercadorias, seguindo o estipulado pela Carta de Lei de 10 de Julho de 1843.No Arquivo Municipal do Arco do Cego existem quatro livros para 1850 e quatro livros para 1860, com 200 fls. cada um; todoseles foram, obviamente, consultados.2 Estes tales seriam preenchidos em duplicado, ficando um exemplar para a administrao municipal e outro para o interessa-do. Em cada um deles regista-se, basicamente, o mesmo tipo de informao observvel nos Registos das Licenas, a saber: o nmeroda licena, o nmero da licena reformada (caso existisse), a morada do estabelecimento, freguesia, o nome da casa comercial, oramo a que se dedica, a renda anual, o valor da taxa pago e a data de emisso do talo.No Arquivo Municipal do Arco do Cego existem trinta e seis volumes de tales para 1870 (com cerca de quinhentos cada um),dezassete volumes para 1890 (com mil tales cada um) e dezasseis volumes para 1900 (igualmente com mil tales cada volume).Foram consultados exaustivamente.

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  • se dedica a casa comercial ou industrial, pelo que inviabilizou o levantamento de dados rela-tivo a 18803.

    Procurmos completar a informao com a pesquisa em diversos almanaques e outras publi-caes que divulgavam os nomes das casas do ramo. Temos conscincia que, apesar dasinmeras fontes consultadas, este estudo no exaustivo, algumas casas tero escapado, noentanto, parece-nos constituir um primeiro contributo para o conhecimento deste assunto.

    Na primeira metade de Oitocentos a msica foi-se transformando numa componente essen-cial da educao mais cuidada melomania ou prenda social no descurada pela nobrezae, acima de tudo, por uma mdia e alta burguesias nascentes de uma sociedade romntica eliberal4. Se a existncia de instrumentos musicais nos interiores domsticos - com o piano cabea se ia verificando gradualmente na primeira metade de Oitocentos, generalizou-selargamente5 na segunda metade e a proliferao e longevidade das casas fabricantes e vende-doras daqueles instrumentos disso indicador.

    A propsito da Exposio da Indstria realizada em 1849 pela Sociedade Promotora daIndstria Nacional emitia-se um parecer sobre as Artes Mechanicas, de alguma forma orienta-do por um proteccionismo econmico, mas que no deixa de ser elucidativo quanto pro-duo, tipo e qualidade dos produtos leia-se instrumentos musicais - fabricados no pas:

    Fabricam-se hoje em Lisboa quantidade de instrumentos de musica, especialmente de vento, e trabalhados aponto de tornar, em grande parte, desnecessaria a exportao desses artigos de industria. Os instrumentos

    expostos pelo Sr. Silva 6, esto acabados com esmero. Os seus sons, se noso to fceis, e puros como os de alguns instrumentos de antigas fabric-

    3 Verificmos que entre 1873 e 1886 os modelos de tales utilizados no continhamnenhuma rubrica para fazer constar o tipo de estabelecimento. Esteve na origemdesta alterao uma Postura da Cmara Municipal de Lisboa de 4 de Novembro de1872 que procedeu a uma reforma do licenciamento. Uma outra Postura Municipal,agora de 16 de Dezembro, originou a reposio da situao anterior, a saber: aincluso nos modelos dos tales de uma rubrica destinada ao tipo de estabelecimen-to.4 Ao iderio liberal no era alheia a conscincia da msica como civilizadora dospovos, como refere O Panorama em 1844: De todas as Bellas-Artes, a msica sem con-tradico a que mais directa e mais naturalmente conduz civilizao dos povos: a que se adquirecom mais facilidade (...), in O Panorama: jornal litterario e instructivo, Lisboa, 3 (108), 1844,p. 23.5 A literatura , tambm, um retrato de poca. Se perpassarmos a obra de Ea deQueirs, por exemplo, constatamos as inmeras presenas da msica no quotidianoe, particularmente, do piano: Muitos so os pianos que E. Q. coloca nos seus cenriosromanescos: Accio e Dmaso tinham pianos (decorativos e mudos), piano tinham Amlia eGenoveva, havia pianos no Ramalhete como em casa do Conde Ribamar, Lus dos SantosFerro, Msica, in Dicionrio de Ea de Queirs, Lisboa, Caminho, 1988, p. 425.6 Em 1850 o seu estabelecimento de fabrico e venda de instrumentos musicais, espe-cialmente aerofones, situava-se na R. do Loreto, 79. Continuar a actividade como sepode verificar no quadro apresentado em anexo.

    A Semana: jornal litterario, n4.

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    as estrangeiras, nem por isso deixam de satisfazer a muitas condies que se exige em objectos desta nature-sa.7

    Da primeira metade do sculo XIX faziam j parte da histria, quer da produo, quer dacomercializao de instrumentos musicais, nomes como Driesel, Francisco Manuel Ferreira,Ziegler, Haupt, Thibeau, Neuparth, Lambertini e Sassetti. A segunda metade da centria como constataremos dar continuao a alguns e ver a iniciao no ramo e a implantaode muitos outros.

    Em 1850 as fontes consultadas do conta de trs casas comerciais em Lisboa: Joo BaptistaSassette [sic], na R. Nova do Carmo, 39 F, com armazem de musica, instrumentos e hornatos de casa,Manuel Antnio da Silva & Filho, na R. do Loreto, 79, apresentando fabrica de instrumentos musi-cos e Ernesto Victor Wagner, na R. Nova do Almada, 40, tendo fabrica de pianos.

    Segundo Ernesto Vieira8, Joo Incio Canongia Jnior, sobrinho do clarinetista Jos AvelinoCanongia, de origem catal, ter-se- estabelecido com armazem de musicas na R. Nova doAlmada em 1850, no entanto, os Registos das Licenas para este ano no o confirmam. Tambmpara a casa da famlia Haupt de origem berlinense, que os tempos de Pombal tinham atrado,no foi encontrado registo do pagamento da respectiva licena. Sabemos que a concorrnciados produtos franceses, mais baratos e de gosto mais moderno, foram prejudiciais para aeconomia da casa que acabou por encerrar as portas, quando, exactamente, no foi possveldeterminar.9

    A casa Sassetti, fundada por Joo Baptista Sassetti, excelente pianista10, de origem italiana, estab-eleceu-se, desde 1848, na R. Nova do Carmo, ondeir permanecer dcadas. Ser a casa que acusamaior estabilidade na morada apresentada, assimcomo maior longevidade. Para alm da venda deinstrumentos musicais torna-se tambm editora,

    7 Artes Mechanicas, parecer assinado por Joo de Andrade Corvo, Guilherme Jos Antnio Dias Pegado, GregrioNazianzeno do Rego, Jos Maria Grande e Francisco P. Celestino Soares, in Sociedade Promotora da Industria Nacional: Exposio daIndustria em 1849, Lisboa, Typographia da Revista Universal Lisbonense, 1850, p. 114.8 Ernesto Vieira, Diccionario biographico de musicos portugueses: historia e bibliographia da musica em Portugal, Lisboa, Typographia MattosMoreira & Pinheiro, 1900, vol. I, p. 203.9 No entanto, Ernesto Vieira, op. cit., p. 488, no sendo totalmente claro, no deixa de entrever para os anos prximos de 1850uma poca de alguma prosperidade econmica para a casa Haupt; tambm no catlogo Com eles se fez msica ... instrumentos de umacoleco esquecida., s. l., Instituto Portugus do Patrimnio Cultural, Agosto/Setembro 1989, s. p. se afirma que a casa ter sobre-vivido at 1890, na R. Augusta.10 Ernesto Vieira, op. cit., vol. II, p. 283.

    Registo das Licenas, 1849-1850.

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    publicando inmeras obras, especialmente para canto e piano, com grande qualidade deimpresso. Em 1865 faz-se anunciar no Almanach11 como fornecedora da Casa Real e doConservatorio, vendendo pianos, orgaos, caixas de musica, metronomos, cordas para dife-rentes instrumentos,estampas, etc. A sua designao comercial sofreu alteraes, no deixando, no entanto, de constarsempre o apelido Sassetti. Em 1900 a renda anual declarada de 600$000 ris12 coloca-a ao nveldas mais prsperas do ramo.

    Os registos de licenciamento da casa Ernesto Victor Wagner - em 1850 com fabrica de pianos naR. Nova do Almada, 40 - surgem-nos descontnuos, no entanto, sabemos que ainda em 1900obter a licena n 8088 para venda de pianos efectuando pagamento de taxa corres-pondenteao primeiro e segundo semestres de 2$800 ris.

    De origem alem, Ernesto Wagner foi professor no Conservatrio, dando nome a uma fbri-ca de pianos. Em 1865 a sua casa localiza-se na R. do Arco do Marqus R. Formosa, 2013.Em 1888 continua a sua actividade, comeada em 1848, fazendo-se anunciar com Fabrica earmazem de pianos e chamando a si os louros da inveno dos tampos harmonicos para piano PatentWagner; para alm da venda, conserta e aluga pianos, bem como instrumentos de arco, sortimentode cordas e pertences para instrumentos de arco14. Em 1900 surge-nos registada com estabelecimen-

    11 Zacharias Vilhena Barbosa, Almanach Industrial, Commercial e Profissional de Lisboa para o anno de 1865, Lisboa, Imprensa Nacional,1865, p. 84.12 Tales de Licenas para Estabelecimentos de Comrcio e Indstria, 1900, licena n 7913.13 Zacharias Vilhena Barbosa, op. cit, p. 82.14 Carlos Augusto da Silva Campos, Almanach Commercial de Lisboa para 1888, Lisboa, Companhia Typographica, 1888, p. 562.

    Almanach(...) para o ano de 1865, p. 84.

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    to situado na R. Nova da Trindade, 111 A, muito prximo da localizao inicial, declarandocomo valor de renda anual 99$000 ris que, comparados com o valor da casa Sassetti para omesmo ano, elucidam quanto ao poder econmico e implantao no mercado das diferentescasas.

    A casa Manuel Antnio da Silva & Filho acusa existncia anterior a 1850. Neste ano apresenta-se com morada na R. do Loreto, 79. No ano anterior esteve representada na Exposio daIndstria, tendo recebido elogios pelos instrumentos apresentados da sua produo, como foiatrs referido. O Almanach15 para o ano de 1865 anuncia a casa Silva, agora na P. Lus deCames, 31 32, com grande detalhe dos instrumentos musicais ao dispr do pblico, par-ticularmente aerofones, praticando preos mais acessveis que aqueles que levam os fabricantesfrancezes, concorrncia que nem sempre foi benfica para a sade econmica de algumas casascomerciais do ramo. Em 1870, a casa - agora Manuel Antnio da Silva - obtm a licena n 6323para venda de instrumentos musicais na mesma morada. Ter deixado de fa-bricar, poisdeclara, ento, no serem aqueles objecto da sua manufactura. Outras casas com o nome Silva foramsurgindo, no nos tendo sido possvel confirmar a sua ligao16.

    No incio da dcada de sessenta de Oitocentos, surgem-nos licenciadosjunto da administrao municipal novos nomes que se iro implantar nocomrcio lisboeta de instrumentos musicais, a saber: Viuva Canongia & C,Jos de Figueiredo, Galezzo Fontana e Lambertini & C.

    Jos Incio Canongia, originrio da Catalunha, ter vindo para Portugalatrado pela poltica de seduo de artfices estrangeiros levada a cabo peloMarqus de Pombal17. Ter legado aos descendentes o gosto e a formaomusicais que detinha. Jos Avelino Canongia, filho do catalo, foi profes-sor de instrumentos de palheta na Escola de Msica do ConservatrioReal de Lisboa, clarinetista de fama internacional e compositor. Foi umneto de Jos Incio que se estabeleceu com armazem de musicas ainda nadcada de cinquenta. A sua morte fez com que a viva continuasse o esta-belecimento de armazem de musicas - basar, situado na R. Nova do Almada,94 96, como consta no Registo das Licenas de 1860, da admi-nistraomunicipal. A actividade foi diversificada com a criao de uma litografiamusical em sociedade com Joo Ciraco Lence, originrio de Livorno.

    15 Zacharias Vilhena Barbosa, op. cit, p. 84.16 Em 1881 surge-nos A. L. da Silva, na R. do Loreto, 34 sobre-loja, (Carlos Augusto da Silva Campos, Almanach Commercial deLisboa para 1881, Lisboa, Typographia Universal, 1880, p. 217); em 1885, a par desta casa, referencimos uma outra Silva & C,na R. do Prncipe, 107 (Carlos Augusto da Silva Campos, Almanach Commercial de Lisboa para 1884, Lallemant Frres, Typographia,1885, p. 153); na Exposio Nacional das Indstrias realizada em 1888 apresentada a casa de Joo da Silva, com morada na R.de S. Jos, 166-168 (Associao Industrial Portuguesa: Catalogo da Exposio Nacional das Industrias Fabris reali-zada na Avenida daLiberdade em 1888, Lisboa, Imprensa Nacional, 1889, vol. III, p. 151).17 Ernesto Vieira, op. cit, vol. I, p. 198.

    Tales de Licenas para Estabelecimentos (...), 1870.

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    Almanach das Senhoras para o ano de 1879, p. CVI.

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    18 Zacharias Vilhena Barbosa, Almanach (...) para o anno de 1865, p. 83.19 Guiomar Torrezo, Almanach das Senhoras para 1879, Lisboa, Officina Typographica de J. A. Mattos, s. d. [1878], p. 106.20 Casa fundada por Valentim Ziegler, editor e comerciante de instrumentos musicais, com morada na Rua do Loreto em 1825.Seu filho, Joo Pedro Ziegler, estabeleceu-se, igualmente, como editor na R. do Carmo, 4, tendo dado sociedade, mais tarde, aoempregado Jos Adrio de Figueiredo (Ernesto Vieira, op. cit, vol. II, p. 414).21 Zacharias Vilhena Barbosa, Almanach (...) para o anno de 1865, p. 83.22 Luiz Maria Pereira de Braun Peixoto, Almanach da Agencia Primitiva de Annuncios para 1876, Lisboa, Agencia Primitiva deAnnuncios, 1875, p. 452.23 Ernesto Vieira, op. cit., vol. I, pp. 423 e segs.

    Lence e Canongia, sero, pois, dois nomes que a actividade comercial associar durantedcadas, ainda que com alteraes sucessivas na designao comercial: J. I. Canongia & C;Viuva Canongia & C; Lence & Canongia Abraldes (noticiada em 1865, com a mesma morada eoferecendo ao pblico: armazem de musica, pianos, instrumentos e litographia18).

    Lence & Viuva Canongia, em 1879, anunciavam pormenorizadamente os produtos e servios doestabelecimento na R. Nova do Almada, com depsitos na mesma rua e na R. do Crucifixo:Instrumentos musicos, de metal e de madeira, das melhores fabricas do estrangeiro, pianos, cordas para todos osinstrumentos, e tudo o que diz respeito a arte de musica. Tambem se incumbem de qualquer trabalho lithograph-ico, e editam musica. Alugam pianos, e incumbem-se de mandar vir qualquer objecto especial do estrangeiro noprazo de um mz19. Neste anncio expunha-se a medalha recebida na Exposio Universal de Parisde 1867, difundindo, assim, junto do pblico, o reconhecimento dos mritos profissionais da casaalcanados no estrangeiro. A casa fez-se anunciar nos almanaques at 1888.

    Jos de Figueiredo outro nome a reter no panorama do comrcio e edio musicais. A sua for-mao musical e a aptido para o desenho levaram-no a trabalhar como empregado da casaZiegler20, da qual se tornou, mais tarde, nico proprietrio. Em 1860 a sua actividade licenciadaapenas para armazem de musica, na R. Nova do Carmo, 45, no entanto, em 1865, a casa Jos deFigueiredo Antiga casa de Ziegler - faz-se anunciar com armazem de musica e instrumentos; Lithographia,Estamparia, Bijouterias, Perfumarias e Deposito de Vinhos engarrafados21. No Almanach22 para 1876 acusaalteraes aos produtos oferecidos ao pblico: Musica, Lithographia e Estamparia. Especialidade deArtigos de Bellas Artes, ocupando os nmeros 45 e 47 da mesma rua. A casa Sassetti, estabelecidado outro lado da rua, mais moderna nas edies apresentadas, provocou alguns prejuzoseconmicos a Jos de Figueiredo, cujas partituras eram todas desenhadas mo. At 1885 h not-cia de casa aberta, continuada j, possivelmente, pela descendncia.

    A casa G. Fontana & C , em 1860, apresentava-se ao pblico na R. do Chiado, 104 106.Trata-se da segunda gerao de um emigrado poltico milans que ter sido o primeiroharpista efectivo do Teatro de S. Carlos23. O comrcio de instrumentos musicais entrou nafamlia, dando, um filho, o nome casa Galeazzo Fontana (18361875) que, segundo Ernesto

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    Vieira, foi harpista muito notavel 24, continuando a arte paterna, desde cedo transmitida proleFontana25. G. Fontana ter sido a escolha comercialmente mais chamativa para a clientela inter-essada e familiarizada j com o nome do artista.

    Para os anos de 1860 e 1870 foram pagas licenas Cmara Municipal de Lisboa para armazemde musica e venda de pianos e instrumentos, constatando-se que a casa se manteve na R. do Chiado,primeiro nos n.os 12 13, mais tarde ocupando os nos 101 106. Na dcada de sessenta anun-ciava-se com grande oferta de pianos, dos melhores fabricantes: Erard, Herz, Pleyel26, Blondel,Mangeot, Aucher e Zigler; podiam alugar-se por perodos definidos, ofe-recendo-se reduesnos preos a pagar. Dispunha tambm de harpas, orgos, harmoniflutes e concertinas; de Itliarecebia partituras e cordas para harpa e rebeca27. Em 1876 publicita-se com um anncio idn-tico, renovando-se, no entanto, na oferta de fabricantes de pianos: Boisselot, F. Elck e Debain.Pianos usados eram tambm forma de pagamento possvel.Resultado de uma alterao toponmica, a casa G. Fontana & C ser referenciada pelosanurios comerciais na actual R. Garrett, 104 106, at 1889. No ano anterior28 populariza-va a oferta de pianos de Paris, Londres e Berlim, noticiando a possibilidade de aluguer ou com-pra a prestaes, semelhana de outras casas que, flexibilizando as formas de pagamento,poderiam chegar a uma clientela mais vasta. O affinador italiano Tito Pagani era anunciado maneira de ex-libris da casa.

    Continuando a enumerar nomes do mundo do comrcio de instrumentos musicais e das musi-cas na Lisboa dos anos sessenta de Oitocentos, registamos um outro, tambm de origem ital-iana, associado primeiramente produo de pianos, mais tarde sua comercializao, assimcomo de outros instrumentos: Lambertini.

    Lus Joaquim Lambertini (17901864), bolonhs, chegou a Portugal nos anos trinta do scu-lo XIX, trazendo o gosto e a formao musicais, assim como a inteno de criar uma fbricade pianos que fez montar no palacete de largo de S. Roque esquina da travessa da Queimada29.Insucessos econmicos, alegadamente causados tambm pela concorrncia estrangeira, terolevado abertura e encerramento de vrias casas em diferentes endereos.A casa Lambertini & C , com a licena n 454 registada e paga para o ano inteiro em 12 de

    24 Idem, ibidem, p. 425.25 Ernesto Vieira cita uma notcia da Revista Universal Lisbonense, de Julho de 1844, que relata um concerto dado por CaetanoFontana, acompanhado pelos filhos: Portento musico O sero de 21 no theatro de S. Carlos foi uma demonstrao do que pde a educaodada por um pae eminente nas materias que ensina, a seus filhos. O distincto cavalheiro milanez emigrado , o sr. Fontana, harpista da nossa opera,obtivera essa noite para beneficio de sua imberbe e interessantissima progenie; in Ernesto Vieira, op. cit, vol. I. p. 424.26 Pleyel comeou a construir pianos em 1807, a partir dos modelos de Erard (Lizt em Lisboa, op. cit., p. 34).27 Novissimo Guia do Viajante em Lisboa e seus Suburbios, Lisboa, Typographia Sociedade Typographica Franco-Portuguesa, 1863,s.p.28 Carlos Augusto da Silva Campos, Almanach (...) para 1888, p. 557.29 Ernesto Vieira, op. cit., vol. II, p. 13.

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    Almanach (...) para 1876, pp. 532-533.

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    Janeiro de 186130, localizava-se na R. Oriental do Passeio, 2, e apresentava armazem de pianos einstrumentos. No ano seguinte morte de Lus Joaquim Lambertini, em 1865, os filhosrenomeiam a designao comercial da casa passando a chamar-se Lambertini Filhos & C, noLg. do Passeio Pblico, 8 12. A morada sofrer pequenas alteraes de nmero de polcia,no deixando, no entanto, de se fixar sempre na zona do Passeio Pblico, mais tarde P. dosRestauradores e Av. da Liberdade.

    O nome perdurou por toda a segunda metade do sc. XIX, tendo dobrado a centria. Para operodo delimitado para este trabalho registamos o seu licenciamento at 1900, assim comoo anncio da casa nas publicaes comerciais da poca. No limiar do sc. XX a casa estava jnas mos de um neto do bolonhs, Miguel ngelo Lambertini, na P. dos Restauradores,43 49, declarando uma renda anual de 400$000 ris, sintomtica da prosperidade econmi-ca da casa e da sua implantao no mercado, no atingindo, no entanto, os 600$000 risdeclarados, no mesmo ano, pela casa Sassetti.

    30 Registo das Licenas, 1861, Lv. de Janeiro a Abril, fl. 11.

    Branco e Negro, 84, s.p.

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  • 9531 Isabel Freire dAndrade, Fabricas de Sons, Lisboa, Museu da Msica, s. d., p. 2.32 Por exemplo, Novissimo Guia (...), s. p.33 Ernesto Vieira, op. cit., vol. II, p. 120.34 Idem, ibidem.35 Novissimo Guia (...), s. p.

    Para alm de comerciante, Miguel ngelo Lambertini foi tambm grande coleccionador dascoisas da msica, desde instrumentos a edies musicais, livros, publicaes peridicas,hoje integrados na coleco do Museu da Msica31.

    A casa Neuparth foi fundada em 1824, como referem os anncios publicados32 e desde entofixou-se na R. Nova do Almada. Mais uma vez estamos perante uma famlia de origemestrangeira, neste caso alem, que ao fixar-se em Portugal abraar o comrcio de instru-mentos musicais durante vrias geraes. Repete-se tambm a lio: o comrcio fundado temsubjacente algum - Eduardo Neuparth com formao musical e prtica em diversas ban-das militares alems e francesas33. Augusto Neuparth e Neuparth & C designaro a mesma casaao longo da segunda metade do sc. XIX, acusando a continuidade na famlia, sempre namesma rua.

    Se o fundador teve louros de bom instrumentista, de maior nomeada foi merecedor seu filho,Augusto Neuparth (18301887), o mais extraordinario tocador de fagotte34, professor doConservatrio e pioneiro da didctica da msica. Segundo Ernesto Vieira, foi Neuparth quempela primeira vez tocou saxofone em Portugal.

    Em 1863 fazia-se anunciar na R. Nova do Almada, 97 99 com armazem de musica e instru-mentos; Cordas de tripa e bordes para todos os instrumentos, rebecas, violetas, violoncelos, contrabaixos, vio-letas francesas e todos os pertences para os mesmos instrumentos. Pianos. Musica, flautins, flautas, clarinetes,saxhorns em todos os tons, cornetins, trompas, cornetas, trombones, figles, bombos, pratos, etc; aceita encomen-das para a provncia; afina e constri instrumentos; recebe dos melhores fabricantes de Frana e Alemanha;edies de msica para todos os instrumentos35. A casa foi continuada por descendentes Neuparth36

    como provam os licenciamentos na Cmara Municipal de Lisboa para os anos de 1870, 1890e 1900, apresentando neste ltimo ano um valor de renda anual de 350$000 ris, valor que acoloca no grupo das mais prsperas. Foi tambm editora e responsvel pela publicao deperidicos na rea da msica.

    Ainda na dcada de sessenta de Oitocentos vemos aparecerem mais casas ligadas aos comr-cio em Lisboa de instrumentos musicais, particularmente pianos, todas elas acusando origensem nacionalidades fora de portas: C.A. Habel, no Lg. do Calhariz, 69 71, esquina com a R.das Chagas, com armazem e fabrica de pianos; Garciatto G., na R. do Ferragial de Cima, 36, 3,oferecendo pianos importados de Paris com preos no elevados; E. Meumann & C, na Tv.da Parreirinha, 3, com armazem de pianos e harpas.

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    A casa Habel mudar-se-, mais tarde, para a R. Nova da Trindade, 17 (em 1885) ou 17 19(em 1889), havendo notcia de, pelo menos at 1892, a ter permanecido, sempre dedicadaprincipalmente venda e produo de pianos. Em 1888 o Almanch Commercial37 anuncia-acomo nica representante dos pianos alemes produzidos por V. Berdux, oferecendo garan-tia por seis anos, novidade no panorama publicitrio.

    Os nomes Garciatto G. e E. Meumann parecem ter tido existncia mais meterica ou pelomenos menor implantao38 no comrcio lisboeta.

    A terceira dcada de Oitocentos, para alm das casas j implantadas atrs referenciadas, acusa,atravs do licenciamento obtido junto da administrao municipal, algumas novidades: A. M. deSousa Damio, com armasem de musica, na R. Bela da Rainha, 33; Custdio Cardoso Pereira, na R.

    37 Carlos Augusto da Silva Campos, Almanach (...) para 1888, p. 556.38 Tero sido absorvidas por outras casas? No foi possvel encontrar informao mais conclusiva.

    Tales de Licenas para o Estabelecimento (...), 1900.

    Guia do Forasteiro nas Festas Antonianas, p. 147.

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  • 9739 Associao Industrial Portugueza: Catalogo da Exposio (...) em 1888, p.149.40 Por exemplo, Carlos Augusto da Silva Campos, Almanach (...) para 1888, p. 556 ou Carlos Augusto da Silva Campos,Almanach (...) para 1889, p. 515.

    Nova do Carmo, 41, vendendo instrumentos de musica; Jacintho Heleodoro dOliveira, na P. D. PedroIV, 56 58, com armasem de musica e instrumentos e ornatos de casa, um outro estrangeirado, GuilhermeSteglich, na R. Direita do Loreto, 34, com venda de pianos e, finalmente, uma mulher Maria BalbinaXimenes - a dar nome a um estabelecimento de pequeno comrcio, com alguns produtos doramo, situado na R. do Moinho de Vento, 26, a saber: Objectos de capella, roupa branca, livros e musi-ca. Ter sido certamente uma loja maneira de bazar, com edies mais populares e pequenosinstrumentos acessveis mdia e pequena burguesias, no podendo consider-la exactamenteuma concorrente no ramo.

    Implantar-se-o, sem dvida alguma, as firmas Custdio Cardoso Pereira, Guilherme Steglich eJacintho Heleodoro dOliveira. A primeira chega aos nossos dias, sinal, portanto, de grande adap-tao s inovaes tecnolgicas na rea dos instrumentos e edies musicais que foram ocor-rendo ao longo do sc. XX.

    Na Exposio Nacional das Indstrias Fabris realizada em 1888, a casa Pereira & C -Custdio Cardoso identifica-se como fabrica a vapor de instrumentos musicos39, com sede no Porto efilial aberta em Lisboa, na R. Nova do Carmo, 41, e , indiscutivelmente, a firma que maisinstrumentos expe. Publicita as medalhas recebidas nas Exposies Internacionais do Porto,Filadlfia, Paris e Rio de Janeiro, transmitindo, assim, a imagem de uma empresa poderosa,bem implantada no mercado e com mrito reconhecido internacionalmente. No registo delicenciamento para o primeiro semestre de 1900 identifica-se como Custdio Cardoso Pereira &C, com estabelecimento de instrumentos musicos, na R. do Carmo, 9 11 e declara uma rendaanual de 700$000 ris, sem dvida o valor mais alto registado em todas as licenas recenseadaspara o ano de 1900, em igualdade com a casa J. J. Pacine que referiremos mais adiante.

    Guilherme Steglich dobrou, igualmente, a centria, denunciando grande prosperidade.Permaneceu na mesma zona com pequenas alteraes (da P. Lus de Cames passou R. Garrett). Os anncios faziam jus variedade de instrumentos e servios oferecidos pelacasa: alta novidade de musicas allems dos principaes auctores, aluguer de pianos e oficina dereparao de instrumentos40, assim como possibilidade de pagamento em prestaes mensais,acompanhando a flexibilizao que outras casas do ramo foram adoptando quanto s moda-lidades de pagamento.

    Em 1900 recebia a licena n 2845 para o armazem de pianos, na R. Garrett, 116 118, declaran-do como renda anual a quantia significativa de 500$000 ris.

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    Almanach (...) para o ano de 1888, p. 556.

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    Ainda na dcada de setenta importa referenciar a Livraria Encyclopedica de C. S. Afra & C, situ-ada na R. do Ouro, 180 182. Oferecia grande variedade de edies musicais com preosmuito variados, desde partituras de operas completas para canto e piano a $800, 1$000 e 1$500 risat musicas para baile, cadernos de 20, 30, 40, 50 e 100 peas a $300 ris41.

    Para o incio dos anos oitenta registamos duas novas casas: Manuel Pereira, guitarreiro, na R.de Sto. Anto, 189 191 e Viuva Martins, na R. Oriental do Passeio42, 130, com armazem de musi-ca, pianos e outros instrumentos, que se implantar confortavelmente no mundo comer-cial. A casaHeliodoro de Oliveira surge agora renomeada Viuva Heleodoro dOliveira, na mesma morada, acu-sando continuidade na famlia, apesar do desaparecimento do seu fundador.

    Manuel Pereira dos Santos (popularizado por Manuel Pereira) foi reconhecido fabricante domodelo de guitarra portuguesa43, tendo sido premiado na Exposio Nacional das IndstriasFabris em 1888, onde exps guitarra e viola francesa44, assim como na Exposio Universalde Paris de 1888-1889. Foi esta a ltima referncia encontrada casa.

    Tambm na dcada de 80 encontramos notcia de Henrique Monteiro & F, fabricante, deinstrumentos de corda na R. do Abarracamento de Peniche, 77, oferecendo ao pblicoharpas, violinos, violoncelos e contrabaixos45.

    Ao aproximarmo-nos do final do sculo verificamos um acrscimo de concorrncia no ramo,assistindo abertura de novos estabelecimentos. Ainda no final dos anos oitenta vemos sur-gir a Companhia Propagadora de Instrumentos Musicos, na R. do Chiado, 29 1; a EmpresaConstructora e Vendedora de Pianos e Instrumentos de Musica, na R. Garrett, 110 114, ambas divul-gando os seus produtos e pases de origem, os servios que prestam (aluguer, afinao,reparao) e os preos e condies de pagamento de uma forma muito apelativa para umpblico mais vasto.

    Neste final da dcada surge tambm a casa de S. Alberto Xisto, na Tv. da Queimada, 19, 2,que fornece musicas e instrumentos, especialmente vocacionados para as bandas e fanfarras,ento em grande expanso.

    Atravs da Exposio Nacional de 1888 recensemos46 o estabelecimento de Antnio Jorge

    41 Luiz Maria Pereira de Braun Peixoto, Almanach (...) para 1876, p. 352.42 Mais tarde Av. da Liberdade.43 Isabel Freire dAndrade, op. cit., p. 4.44 Associao Industrial Portugueza: Catalogo da Exposio (...) em 1888, p. 148.45 Com eles se fez msica ... instrumentos de uma coleco esquecida [Catlogo], s. l., Instituto Portugus do Patrimnio Cultural,Agosto/Setembro 1989, s.p.46 Associao Industrial Portugueza: Catalogo da Exposio (...) em 1888, pp. 145 e segs.

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    Alegria, fabricante de palhetas para instrumentos musicos, assim como os nomes de: AugustoFrederico Haupt47 (apresentando flautas fabricadas nos meados do sculo por Ernesto Frederico Haupt48

    e por Jos Frederico Haupt & C), Henrique Sauvinet (com rebeca de Galro e violoncelo de Rodrigues)e Joo Jos da Matta (expondo pregadeira musical, instrumento musico feito de alfinetes vulgares, nico,vendendo-o o seu auctor por 50$000 ris), sem casa comercial registada.

    Entre 1890 e 1900, o acrscimo de estabelecimentos neste ramo notrio. Reunida a infor-mao obtida atravs do pagamento das Licenas para Estabelecimentos de Comrcio e Indstria eas publicaes de divulgao comercial e industrial, registmos quinze novas casas, de entreelas, um nmero significativo de guitarreiros e violeiros, dedicado produo, venda e reparaodeste tipo de instrumentos de corda, de utilizao e fruio mais populares, muito ligados aofado. A ttulo de exemplo refira-se Joo Pedro Garcia, na R. da Boavista, 118 loja, com offici-na de guitarras e venda a mido; Jos Linhares, na R. da Junqueira, 145, c/v, com officina de gui-tarras; Jos dOliveira, na R. dos Remdios, 53, com estabelecimento de guitarreiro; ou Jos Gomes,na R. do Bemformoso, 38, 1, com venda de instrumentos de corda49.

    A renda anual declarada por estas casas francamente dspar dos 700$000 ris declarados pelacasa Custdio Cardoso Pereira & C ou mesmo de outras mais discretas como a Neuparth & C(que para 1900 declara 350$000 ris) ou a Viuva Heleodoro dOliveira (com um valor de rendaanual de 310$000 ris).

    Joo Pedro Garcia declara na licena n 603, emitida em 18 de Julho de 1900 pela CmaraMunicipal de Lisboa, 72$000 ris; Jos Linhares para o mesmo ano, 54$000 ris; Jos dOliveira,18$000 ris.

    De todas as novas casas importa referir Jos Jorge Pacine, que em 27 de Maro de 1900 recebea licena n 8881 para o seu estabelecimento de venda de pianos, na R. Garrett, 36, 1 dt,declarando uma renda anual de 700$000 ris. Este valor justifica a sua nomeao individua-lizada, pois s a casa Sassetti a iguala; todas as outras apresentam rendas inferiores.

    Os dados percorridos pela segunda metade de Oitocentos do-nos agora oportunidade paraenunciar algumas ideias que sintetizam, ainda que, possivelmente, de modo incompleto, a rea-lidade que procurmos descrever.

    47 Descendente da famlia Haupt, cuja casa e fabrica de instrumentos foi j refenciada neste trabalho, com grande projeco naprimeira metade do sculo.48 Segundo Ernesto Vieira, op. cit., vol. I, p. 487, a flauta por este fabricada de ebano ricamente guarnecida de prata lavrada seria umaoferta ao Prncipe Augusto de Leuchtenberg, primeiro marido de D. Maria II, muito dedicado msica. A sua morte antes docasamento inviabilizou a entrega do presente.49 Como referimos, so exemplos. Optmos, nesta dcada, por no enumerar no texto - atendendo ao nmero significativo -todas as casas, remetendo para o quadro anexo.

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    Em primeiro lugar, e remontando ao perodo abordado inicialmente neste trabalho, verifi-camos que este ramo do comrcio foi iniciado e desenvolvido, predominantemente, porfamlias estrangeiras, cuja sucesso de geraes foi acompanhada de sucesso econmico, via-bilizando, assim, a estabilizao das casas comerciais e a sua assimilao pela sociedade por-tuguesa. Wagner, Sassetti, Canongia, Lence, Neuparth, Lambertini, Fontana, Habel, sonomes que Lisboa ver estabelecerem-se, de forma mais ou menos perdurvel, durante asegunda metade do sculo XIX e que no oferecem dvidas quanto sua origem.

    Estas casas fundadas por estrangeiros, que chegaram a Portugal pelas mais diversas razes,apresentam um denominador comum: uma cultura e prtica musicais. Com maior ou menorrigor, praticamente todos os fundadores no s detinham formao musical como eram exe-cutantes, tendo sabido, muitos deles, contagiar a descendncia50. Esta caracterstica quepoder parecer quase gentica foi-se esbatendo lentamente com a proliferao de casascomerciais, medida que o sculo se ia findando, e com a sucesso de geraes dentro damesma famlia, mais preocupadas, talvez, com a gesto comercial da casa que entretanto seengrandecera.

    Uma segunda linha de reflexo vai para a localizao destas casas comerciais na geografia dacidade. Sem dvida que o melhor comrcio em Lisboa se repartia entre a Baixa e o Chiadona segunda metade de Oitocentos. Acorriam a este palco social todos os actores do cos-mopolitismo nacional.

    na R. Nova do Almada, R. Nova do Carmo ou R. do Loreto que encontramos os princi-pais estabelecimentos de venda de pianos ou armazns de msica nos anos 50 de Oitocentos.E por aqui vo aparecer outros tantos, com o caminhar do sculo, numa concorrncia lado alado ou frente a frente, nestas ruas renomeadas Garrett ou do Carmo. Manuel Antnio da Silva,Sassetti, Wagner, Canongia, Jos de Figueiredo, G. Fontana, Neuparth ou Custdio Cardoso Pereira sonomes que preencheram durante dcadas os letreiros do Chiado.

    Ali se compravam os pianos que enchiam muitos seres de famlias burguesas, ou que entre-tinham lanches de donzelas prendadas. Mas tambm a se podiam adquirir os instrumentospara uma pequena orquestra constituda por alguns familiares e amigos, que animava saraus ereunies e que fazia musica di camera como lhe chamavam os italianos, ou para uma banda queanimasse as tardes ou os seres das festas lisboetas.

    Excepo vai para a zona do Passeio Pblico do Rossio, depois Av. da Liberdade, que acolhea casa Lambertini e a Viuva Martins. Aps a abertura daquela avenida, inaugurada solenemente

    50 Sassetti foi pianista, Ernesto Wagner professor do Conservatrio, Jos Avelino Canongia clarinetista, Jos de Figueiredoestudou no Conservatrio, Galeazzo Fontana foi harpista no S. Carlos, exemplos de uma pliade.

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    em 28 de Abril de 188651, esta artria da cidade tornou-se zona de habitao cobiada pelamelhor sociedade lisboeta. O comrcio a estabelecido, obviamente, no negava o ambi-ente.

    A ltima dcada de Oitocentos assistiu ao incremento destas casas, mas outro gnero tevetambm relevo, como comprova a pesquisa que efectumos atravs dos licenciamentoscamarrios. Com uma implantao em artrias secundrias, surgiram um conjunto de nomesdedicados ao comrcio de instrumentos de corda, alguns deles assumindo o ofcio: guitarreiroou violeiro. Satisfaziam, certamente, uma clientela mais popular, com uma vivncia de bairro,onde as guitarras e as violas acompanhavam, muito provavelmente, vozes castias seduzidaspelo ritmo do fado.

    Na R. do Benformoso ou na R. da Boavista, na R. dos Remdios ou na R. de S. Jos, um JosGomes ou um Joo Pedro Garcia, um Jos dOliveira ou um Antnio Joaquim dos Reis abriam as suasoficinas de guitarreiro ou violeiro, ou as suas lojas de venda a miudo com instrumentos decorda.

    Esta implantao popular, que a Histria faz sempre mais annima, reproduzia um pequenocomrcio que as rendas anuais declaradas pelos proprietrios acusavam: Jos Gomes, na R. doBenformoso, com venda de instrumentos de corda, declara 18$000 ris; Joo Pedro Garcia, na R. daBoavista, com officina de guitarras, venda a miudo, 72$000 ris; Jos dOliveira, na R. dos Remdios,guitarreiro, apresenta o valor de 18$000 ris; Antnio Joaquim dos Reis, na R. de S. Jos, com offic-ina de violeiro, 26$400 ris.Este gnero de estabelecimentos constitui, sem dvida, um outro lado da execuo e fruiomusicais no menos importante, parece-nos, para a histria da cultura urbana.

    Atravs da leitura dos anncios com que as casas se apresentavam - nos almanaques e noutraspublicaes de divulgao - apercebemo-nos de uma linguagem comercialmente apelativa,assim como da flexibilizao das modalidades comerciais, que se acentuam, igualmente, como encerrar de Oitocentos.

    Inmeras casas, procurando chegar a uma clientela mais vasta, permitem o aluguerde pianos, pagamentos a prestaes e abatimentos: na casa de Galeazzo Fontanaalugam-se aos meses, e com abatimento aos trimestres e semestres, recebendo tambm empagamento pianos usados52, na Guilherme Steglich vendem-se pianos a prestaes mensaes53, a

    51 Do Passeio Avenida: os originais do Arquivo Municipal de Lisboa [Catlogo], Lisboa, CML/Diviso de Arquivos, Maro/Maio1998, p. 81.52 Novissimo Guia (...), s.p.53 Carlos Augusto da Silva Campos, Almanach (...) para 1888, p. 556.

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    Companhia Propagadora de Instrumentos Musicos54 anuncia com letras gordas venda aprestaes sema-naes e mensaes, pelo prazo de 36 meses e sem juro55, S. Alberto Xisto enviacatalogos gratis a quem os requisitar com os instrumentos e partituras disponveis, com15 por cento de desconto sobre o preo do catalogo ou 10 por cento livre de todas as despezas, epostos na estao do caminho de ferro mais proximo da localidade dos destinatarios56.

    De forma exemplificativa procurmos evidenciar atravs dos anncios referidos - a ideia deuma generalizao crescente do acesso aos instrumentos musicais.

    Sem dvida que, se na primeira metade do sc. XIX a msica e o piano o seu instrumentoemblemtico - ia estando presente nas casas das melhores famlias lisboetas, a segundametade da centria acusa a sua generalizao numa camada social mais abrangente, ciosa daformao cultural dos seus filhos e, especialmente, filhas, por verdadeira melomania ou cons-ciencializao do seu carcter civilizador, por orgulho ou promoo social.

    Finalizamos abrindo as portas das salas da msica ou do piano que se multiplicaram nascasas da Lisboa da segunda metade de Oitocentos, para nos sentarmos num canap ou numacauseuse e admirarmos os estuques encenados com violinos e flautas, olharmos o piano e obanco entalhados e desfolharmos a vista pelas partituras abertas na estante ... Vemos que tam-bm o interior domstico se organizou em funo da msica, prenda cultural que a sociedadenobilitou.

    54 O nome comercial desta casa sintomtico do propsito de fazer chegar os instrumentos musicais e a fruio da msica auma clientela mais generalizada, menos elitista.55 Carlos Augusto da Silva Campos, Almanach (...) para 1889, p. 514.56 Idem, ibidem, p. 518.

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