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Universidade Estadual de Maringá 02 a 04 de Dezembro de 2015
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A PROPOSTA EDUCATIVA NA HISTORIOGRAFIA ALEMÃ DO SÉCULO
XIX: FORMAÇÃO DE UM HOMEM MODERNO
SOUZA, Paulo Rogério de,
E-mail: [email protected]
Considerações iniciais
A discussão deste trabalho buscará mostrar como a historiografia alemã do
século XIX – privilegiando uma análise de seus principais articuladores e algumas de
suas idéias mais características –, influenciou no processo das reformas pedagógicas
deste período. Para isso, fez-se uma opção preferencial pelos autores como Leopold
Von Rank (1795-1886), Wilhelm Von Humboldt (1767-1835), Jacob Burkhardt (1818-
1897) e Theodor Mommsen (1817-1903), da mesma forma que é importante
contextualizar esse momento histórico, mesmo não sendo esta, segundo Norbert Elias,
uma tarefa simples: “Não é fácil falar sobre a Alemanha em termos gerais, uma vez que
nessa época notam-se características especiais em cada um de seus muitos Estados”
(1994, p. 29).
Isso porque a Alemanha – na segunda metade do século XVII e século XVIII –,
ou principalmente região da Prússia, passava por momentos de conflitos internos e
externos, que se seguira a um período de dominação em que se tentara sedimentar uma
reunificação alcançada somente no ano de 1871, pelo intermédio do general Otto Von
Bismark (1815-1898), quando este ocupara o cargo de primeiro-ministro da Prússia
entre os anos de 1862 e 1890.
As cicatrizes deixadas pela Guerra dos Trinta Anos (1618-1648) provocaram
uma grave crise social na Alemanha. As perdas foram grandes no que concerne às vidas
humanas e causara devastação na estrutura organizacional, e provocara também
problemas econômicos no país. No século XVII, o comércio interno e, principalmente,
suas transações comerciais externas, que se desenvolveram nos séculos anteriores e que
geraram muitas riquezas, sofreram um duro golpe: “O comércio [...] está em ruínas.
Desmoronou a imensa riqueza das grandes casas mercantis, parcialmente devido à
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mudança nas rotas de comércio devido à descoberta de novas terras no ultramar”
(ELIAS, 1994, p. 29).
Como resultado de crise econômica e das feridas que os conflitos internos entre
católicos e protestantes (1618-1629) e guerras externas com a Suécia (1630-1635) e a
França (1635-1648) provocaram houve o despovoamento das regiões mais
empobrecidas, e o que sobrara ainda segundo Elias: “[...] é uma burguesia de pequenas
cidades, de horizontes estreitos, vivendo basicamente do atendimento de necessidades
locais” (1994, p. 29).
Diante dessa desorganização na estrutura política e social e da conjuntura
econômica desarticulada, a cultura alemã passara a “sobreviver” à custa da influência
cultural inglesa e francesa, com destaque para a segunda. Um exemplo foi o trato
dispensado à própria língua nacional. Enquanto a língua alemã era considera uma língua
das classes sociais inferiores, não devendo ser usada em cartas, muito menos na
literatura, a língua francesa passou a ser a língua da classe superior e disseminara-se por
todo o país. Falar francês acabara tornando-se, segundo Elias, símbolo de status da
classe superior (1994, p. 30).
Na segunda metade do século XVIII e do século XIX, houve na Europa um
grande desenvolvimento do cientificismo na área do conhecimento. As ciências
naturais, com seus métodos experimentais, tornaram a metafísica obsoleta diante do
empirismo:
[...] com a ascensão da ciência, muitos acreditavam que a metafísica se tornara obsoleta. As descobertas científicas pareciam mais dignas de confiança porque podiam ser medidas, ao passo que as noções metafísicas eram inverificáveis, não tinha, aparentemente, qualquer aplicação prática (KNELLER, 1984, p. 14).
Nesse período, também houve o estabelecimento hegemônico de uma classe
social que até então conquistara influência nas decisões administrativas e que passara a
ter forte influência política e econômica: a burguesia. E com ela despertara um
sentimento, por parte de alguns setores da sociedade alemã, da necessidade da formação
de um Estado Nacional que justificasse o ideário burguês, ou seja, o Estado Burguês
alemão unificado.
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Na Alemanha, esse desejo de formação de uma identidade nacional foi
defendido pelos pensadores supracitados na luta pela formação de um homem que
viesse atender as necessidades da sociedade; um homem que tivesse orgulho de sua
pátria; que não tivesse vergonha de sua língua; ou ainda, que não ignorasse as suas
origens.
Os Historiadores Alemães do século XIX
Na vertente racionalista, havia na Europa no século XIX – com destaque nessa
discussão para a Alemanha – uma negação das ciências sociais e da história em pró do
cientificismo. O estudo da história, quando encampado, estava relegado a descrições
gerais de dados, sempre a partir de fontes escritas. A história geral tinha um caráter
moralista, especulativo e subjetivo.
Na contramão do cientificismo, os historiadores alemães como Ranke,
Humboldt, Burckhardt e Mommsen retomaram o estudo da história como um
instrumento que viesse legitimar o discurso nacionalista burguês de unificação e
despertasse na juventude alemã um sentimento de identidade patriótica:
A História surge, desse modo, na perspectiva oficial, como legitimadora das novas bases do poder. Destarte, busca-se nas origens e a evolução da nação, com base na racionalidade, um discurso científico capaz de suscitar no povo o sentimento de identificação com a nova sociedade (DANTAS, 2007, p. 1).
E foi nesse mesmo contexto que, segundo Dantas, a profissão de historiador
ganhou novos contornos e o ensino de História passou a ser ministrado pelas
universidades: “Assim sendo, o século XIX configura-se por ser o ‘século da história
erudita’, nesse período a profissão de historiador se profissionaliza e o ensino de
História passa a ser ministrado nas universidades” (DANTAS, 2007, p. 1 grifo do
autor).
Com Ranke, considerado o pai da historiografia moderna, a história passou a ter
o status de ciência, e foi comparada a arte – mais diretamente a poesias – e a filosofia,
no entanto, superior a ambas em suas particularidades:
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A História se diferencia das demais ciências porque ela é, simultaneamente, uma arte. Ela é ciência na medida em que recolhe, descobre, analisa em profundidade; e arte na medida em que representa e torna a dar forma ao que é descoberto, ao que é apreendido (RANKE, 2010, p. 202).
Essa relação que a história mantinha com a filosofia e a poesia estava, segundo
Ranke, vinculada à cultura grega antiga. Ao apresentar a origem da teoria da pesquisa
histórica na Antiguidade Clássica ele procurava elementos que sustentassem seu
discurso a partir das experiências do grego, considerado uma civilização elevada na
história universal:
É de se notar como os gregos a História se desenvolveu a partir da poesia, é derivada desta. Os gregos tiveram uma teoria da pesquisa histórica [Historie], a qual, embora seu exercício não possa ser igualado quando visto de hoje, sempre foi significativo. Uns têm destacado mais o caráter científico, outros o artístico; entretanto, nenhum apresentou a necessidade de unificar os dois (RANKE, 2010, p. 203).
Para ele uma das particularidades da história em relação às outras ciências era a
sua capacidade de recriação ou reconstrução da vida não mais existente: “Outras
ciências se contentam simplesmente em registrar o que é descoberto em si mesmo: a
isso se soma, na história, a capacidade de recriação” (RANKE, 2010, p. 202).
Ranke propunha que a história não deveria se apoiar nas especulações subjetivas
nem moralizantes, mas deveria manter uma preocupação com a objetividade da pesquisa
e com a fonte escrita, privilegiando a língua materna da fonte. É também na língua do
seu povo que o historiador vai encontrar a identidade alemã.
Outro ponto relevante para o procedimento da investigação histórica para Ranke
partia de uma base de investigação documental, pormenorizada e aprofundada,
permitindo-se uma análise pautada em suposições ou observações livres somente
quando a base documental não possibilitasse o avanço dos estudos do historiador:
Somente então, quando não formos mais capazes de avançar, nos será permitido dar espaço às suposições. Não se deve pensar que com isso
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estaria prejudicada a liberdade de observação. Não; quanto mais documentada, exata, produtiva a investigação, mais livremente nossa arte se movimenta. Somente no âmbito da verdade imediata, impossível de ser negada, é que tal arte chegará a bom termo! Secas em si são apenas as causas aparentes. Causas verdadeiras são variadas, profundas, passíveis de uma observação viva. Assim, tal como o conhecimento em geral, nosso próprio pragmatismo é documental [...] (RANKE, 2010, p. 209).
Seus estudos acabaram influenciando as gerações futuras de pesquisadores da
historiografia moderna não só da Alemanha, mas de outros países pelo mundo.
Assim, pode-se dizer que sua contribuição não se restringiu ao campo da
história, mas ampliou-se para o processo formador do perfil dos novos historiadores,
destacando sua importância social: “Tratar-se-á aqui do que justifica, em si mesmo, o
trabalho do historiador [...] É um trabalho reconhecidamente necessário; sendo
dispensável versar sobre sua utilidade, já que dela ninguém duvida. A sociedade, a
relação entre as coisas exige-na [...]” (RANKE, 2010, p. 203), bem como da ‘nova
história’ que se seguiu, influenciada pelos seus estudos.
Dentre os historiadores alemães supracitados, Humboldt foi um dos teóricos
contrários ao racionalismo cientificista e é considerado um dos intelectuais responsáveis
pela consolidação do historicismo alemão no século XIX.
A sua participação na vida política da Alemanha nesse período foi ostensiva,
seja como diplomata ou nos diversos cargos administrativos que ocupou nas áreas do
ensino e da cultura. Humboldt fez parte do Departamento de Ensino Público do
Ministério do Interior como diretor, o que possibilitou marcar seu nome na história
alemã também como o criador da Universidade de Berlim no ano de 1810, uma das suas
maiores conquistas na carreira burocrática.
Na carreira acadêmica Humboldt teve, inicialmente, uma preocupação com
estudos voltados para a política e também para linguagem. Mas foi com seu artigo
Sobre a tarefa do historiador de 1821 que ele propôs uma nova discussão sobre o papel
do historiador e da concepção de história nesse período, também como negação ao
cientificismo.
O que chama mais atenção nesse texto é a própria figura do seu autor que não
era um historiador propriamente dito. Isso mostra como o historicismo alemão no século
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XIX ganhava força no universo intelectual e também surgia como possibilidade de
auxiliar na formação de um novo homem que pudesse vir a lutar para superar as
contradições sociais em que os estados da Alemanha se encontravam. Contradições que
segundo Humboldt era “característica primordial do homem”.
No texto Sobre a tarefa do historiador havia uma preocupação maior do autor,
não para com o estudo ou com a análise dos eventos da história, mas com a formação da
profissão do historiador:
A história deve sempre produzir esse efeito interno, não importando, no caso, se o seu objeto é uma teia de eventos ou a narrativa de um fato singular. O historiador digno deste nome deve expor cada evento como parte de um todo, ou, o que é a mesma coisa, a cada evento dar a forma da história [...] A teia dos eventos se mostra ao historiador como uma aparente confusão, somente inteligível em seus fatores cronológicos e geográficos. Para dar forma à sua exposição, ele precisa separar o necessário do contingente, descobrir as sequências internas, tornar visíveis as verdadeiras forças ativas (HUMBOLDT, 2010, p. 87).
Humboldt apresentou também no seu artigo uma preocupação em valorizar o
ofício do historiador acima do papel do filósofo e do poeta – apesar de não negar que
poderia haver afinidades entre o historiador e o poeta1 –, por serem considerados
inconsistentes para o trabalho de análise dos eventos devido a abstração de suas
verificações parciais e superficiais no processo de investigação da realidade:
Tal forma não está assentada sobre um valor filosófico imaginado ou prescindível, ou sobre um estímulo poético do mesmo tipo, mas sobre sua primordial e essencial, sua verdade e sua autenticidade, uma vez que um evento acaba sendo conhecido somente pela metade (ou de maneira deturpada) se apenas se considera sua aparência superficial (HUMBOLDT, 2010, p. 87).
O historiador deveria ter seu trabalho orientado pelos estudos a partir de fontes,
como um observador treinado que pudesse superar os equívocos e falsidades dos
1 “Pode parecer duvidoso fazer com que se toquem, mesmo que o seja em um ponto, as áreas do historiador e do poeta. As atividades de ambos, porém, têm afinidades inegáveis [...] Fica, porém, afastado o risco da total supressão das diferenças entre as duas áreas quando se vê que o historiador subordina a fantasia à experiência e à investigação da realidade” (HUMBOLDT, 2010, p.83-84).
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eventos verificados pelo observador comum. Para ele, o historiador era detentor de um
“dom natural” para a análise dos eventos e sua tarefa “[...] consiste na exposição do
acontecimento. Tanto maior será seu sucesso quanto mais pura e completa possível for
esta exposição. Esta é a primeira e inevitável exigência do seu ofício, e,
simultaneamente, o que ele pode pretender de mais elevado [...]” (HUMBOLDT, 2010,
p. 87).
Esse dom natural do historiador de estabelecer conexões seria aprimorado pelo
trabalho da pesquisa, pela efetivação da prática, que deveria superar a análise teórica e
subjetiva: “A todo instante o observador comum atribui equívocos e falsidades aos
eventos que somente serão dissipados através de verdadeira forma revelada unicamente
pelo olhar do historiador, um dom natural burilado pelo estudo e pelo exercício [...]”
(HUMBOLDT, 2010, p. 87).
Assim, verifica-se em Humboldt uma preocupação com o processo formador do
historiador a partir de novas bases científicas para entendimento da história como
ciência, que tem como objeto de análise algo que pode ser verificado, apesar da
impossibilidade de observá-lo.
Já Burckhardt foi um dos historiadores alemães que apresentou criticas ao
método filológico que até então norteara os estudos da história grega e dos cursos sobre
Antiguidade Clássica: “As antiguidades, como nos tempos de nossa juventude as tratava
Böckh em suas famosas aulas, começavam com aos panoramas geográficos e históricos,
depois descreviam em geral o caráter do povo e passavam então a tratar os singulares
aspectos da vida [...]” (BURCKHARDT, 2010, p. 166).
Também fez críticas ao sistema de ensino de história ministrado nas
universidades alemãs e aos métodos ultrapassados que ainda regiam as aulas de maneira
insuficiente para manter as discussões e para dirigir os estudos:
[...] todo o ensinamento histórico universitário encontra-se numa crise que pode levar cada um a colher um caminho próprio. O interesse pela História depende, em alto grau, das oscilações do espírito ocidental, da orientação geral de nossa cultura; as antigas subdivisões e os antigos métodos tornaram-se insuficientes, tanto nos livros quanto na cátedra (BURCKHARDT, 2010, p. 168).
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Em contraposição a esse ensinamento em crise, ele propôs um novo conceito, o
“tratamento histórico-cultural”, como elemento transformador para o estudo da história
e da sociedade moderna. Ele idealizou a “história da cultura” como algo libertador que
deveria entrar na “alma da humanidade”:
Uma das vantagens do tratamento histórico-cultural e, sobretudo a certeza dos mais importantes fatos culturais, em comparação com os fatos históricos em sentido corrente, ou seja, os acontecimentos-objetos da narrativa histórica. [...] A história da cultura, ao contrário, tem primum gradum certitudinis, pois se nutre principalmente do que as fontes e os monumentos nos revelam sem nenhuma intenção ou interesse [...] A história da cultura quer penetrar no íntimo da humanidade pretérita e revelar o que ela era, queria, pensava, intuía e podia (BURCKHARDT, 2010, p. 168-169, grifos do autor).
Mas a proposta de Burckhardt não tinha apenas como objetivo apresentar um
novo método de análise histórica para mudar as estruturas analíticas cientificistas
vigentes e que não atendiam mais as necessidades acadêmicas. Uma das características
peculiares do seu discurso era a preocupação em formar um homem-cidadão do Estado
alemão moderno, que fosse patriótico e tivesse orgulhoso de sua origem nobre e
civilizada, e conseqüentemente fosse um defensor de uma pátria da qual era, segundo
ele, herdeiro histórico.
Para fundamentar a sua tese ele vai buscar na Antiguidade Clássica, no estudo da
história da cultura grega, elementos que caracterizassem uma relação de intimidade
dessa civilização com o povo alemão:
Após Winckelmann, Lessing e o Homero de Voss, formou-se a ideia de que entre o espírito helênico e o espírito alemão existia um ‘sagrado vínculo nupcial’, uma relação e uma compreensão toda especial, como nenhum outro povo europeu do Ocidente moderno. Goethe e Schiller eram clássicos na alma (BURCKHARDT, 2010, p. 176 grifo do autor).
Não é por acaso que Burckhardt procurou comparar o povo alemão ao grego,
considerado um povo que influenciou culturalmente, direta ou indiretamente, grande
parte da humanidade, muito além do seu tempo.
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Ao propor esta origem ‘virtuosa’, ele objetivava animar o espírito do homem
alemão do seu tempo a assumir um papel transformador na sua sociedade, e também
formar um homem mais civilizado ao modelo digno de sua origem:
Nós vemos com os olhos dos gregos e falamos com as suas expressões. Ora, o dever especial do homem culto e completar em si, o máximo possível da continuidade do desenvolvimento universal; isso o distingue, como espírito consciente, do bárbaro, que é inconsciente (BURCKHARDT, 2010, p. 178).
Assim, pode-se verificar que a proposta metodológica da análise histórico-
cultural tinha como propósito, segundo o historiador, facilitar o entendimento do
homem alemão da relação existente entre esses dois povos, e por isso ela mereceria a
predileção ao formar melhor a sua capacidade de análise histórica em contraposição ao
antigo modelo: “E se a história da cultura iluminar esta relação mais claramente que a
história dos acontecimentos, ela merecerá a nossa predileção” (BURCKHARDT, 2010,
p. 178).
No entanto, verifica-se também um propósito pedagógico formativa em suas
ideias, na qual primava pela formação desse homem-cidadão que deveria compor uma
pátria unificada entorno dos ideais nacionalistas que ganhavam força na Alemanha
nesse momento.
Os ideais nacionalistas também estavam presentes nos discursos de Mommsen.
Em seu texto O ofício do historiador (Discurso de posse na reitoria da Universidade de
Berlim, 15 de outubro de 1874) Mommsen expressou de maneira enfática seu
posicionamento em relação à postura que o povo alemão deveria ter diante da sua
nacionalidade.
“Nada modesto” em seu discurso patriótico, como o mesmo assumira, ele
procurou ressaltar a necessidade desse orgulho cívico que deveria conduzir o espírito do
homem alemão a um assenhoreamento intelectual nas áreas das ciências, das artes, da
política, da religião:
Por certo temos também orgulho de sermos alemães, e disso não nos encabulamos. De todas as ostentações, nenhuma é mais vazia e falsa do que a da modéstia alemã. Nada temos de modestos, não o
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queremos ser e nem que se diga que somos. Pelo contrário, queremos progredir nas artes e nas ciências, no Estado e nas Igrejas, em toda vida e em todo desempenho, para alcançar o topo e dele nos assenhorearmos. Não há galardão que nos pareça brilhar demais ou inalcançável, muito acima ou muito abaixo de nós (MOMMSEN, 2010, p. 113).
O historiador também ressaltara as contribuições da pesquisa alemã e das
influências que esta tivera no processo formador das universidades e na vida prática do
ensino acadêmico: “A pesquisa alemã, e sua influência direta sobre a vida prática do
ensino acadêmico, contribuíram decisivamente com o estabelecimento dos fundamentos
de nossa nação” (MOMMSEN, 2010, p. 114).
Para ele, o intelectual alemão, principalmente a figura do professor, participara
diretamente do processo formador dos alicerces da nação unificada, auxiliando
efetivamente na superação dos conflitos e problemas sociais: “O intelectual alemão
também pode se vangloriar do que a ciência trouxe em beneficio ao povo. Inclusive
durante os tempos difíceis que agora ficaram para traz” (MOMMSEN, 2010, p. 114).
Segundo Mommsen o avanço das ciências e da ciência da história, em posição
de igualdade ao comércio, a industrialização, a arte, a política também ocupavam papel
aglutinador no processo de fortalecimento do Estado institucionalizado:
Eis o horizonte do futuro: organizar o Estado institucionalizado de forma que o comércio alemão, a manufatura alemã, a arte alemã, a ciência alemã, a sociedade alemã e a vida alemã continuem equiparadas ou se equiparem ao poder da nação (MOMMSEN, 2010, p. 114).
Nesse processo, caberia ao intelectual pesquisador/historiador alemão, que: “[...]
não tem de almejar tornar-se o que não é, mas sim permanecer o que é [...]”, manter o:
“[...] estágio atual na ciência [...]” e da pesquisa alemã naquele contexto nas
universidades, haja vista terem alcançado um estágio satisfatório de reconhecimento,
tanto dentro como fora da Alemanha: “[...] nós agora devemos dizer que nossos desejos
se restringem a ver mantida a pesquisa alemã em seu estágio atual da ciência, e
preservada a posição que as universidades alemãs lograram alcançar na vida da nação”
(MOMMSEN, 2010, p. 115).
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Ao buscar as particularidades no pensamento desses articuladores do
historicismo alemão no século XVII e XIX poderá se verificar que em cada uma deles
há pontos de destaques em seus discursos que caracterizam suas posições e as
diferenciam uma das outras, ou pelo menos demonstram certa singularidade entre suas
ideias.
Rank destacou-se pela sua proposta de interesse com a objetividade da pesquisa
histórica apoiado no estudo das fontes. Já Humboldt demonstrou em parte de seus
estudos sua preocupação com a formação do perfil do novo historiador. Burckhardt
enfatizou a estudo da história cultural como conceito transformador e libertador do
homem. E por fim Mommsen procurou destacar as virtudes do intelectual alemão, em
especial a figura do professor universitário, apresentando as significativas conquistas
das ciências, principalmente da história.
No entanto, essas particularidades – quando existiam – não deixaram de
caracterizar uma unicidade no processo formador do historicismo alemão nos séculos
XVIII e XIX.
Numa análise geral do pensamento desses autores supracitados verificam-se
também pontos convergentes em seus pensamentos, principalmente no que tange a
formação de um homem-cidadão que deveria atender as necessidades históricas na
tentativa de superação das contradições existente na Alemanha nesse período.
Considerações finais
Inicialmente verificou-se que nos séculos XVIII e XIX a Alemanha passara por
um processo de crise na sua economia e na sua organização administrativa. A influência
francesa em suas bases políticas e culturais proporcionava ao povo um estado de
ressentimento em relação à inexistência de supremacia da nação e um sentimento de
inferioridade nas questões intelectuais e culturais. Os alemães estavam desejosos por um
Estado nacional forte e unificado.
Com base em princípios nacionalistas e de unificação política da Alemanha, os
principais pensadores do historicismo alemão partiram em busca de argumentos que
pudesse propor a formação de uma identidade nacional para o povo alemão. O orgulho
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da pátria e a constituição de uma origem que despertasse a dignidade pessoal foram as
amalgamas de suas ideias utilizadas para alicerçar os alemães entorno de um objetivo
comum: a formação de um Estado nacional.
O desejo de uma identidade nacional; a valorização da língua alemã; a procura
de uma origem ‘virtuosa’ que despertasse orgulho do povo; a necessidade de
consolidação de um intelectualmente alemão, foram esses princípios, entre tantos
outros, que tornaram os discursos de pensadores como Leopold Von Rank, Wilhelm
Von Humboldt, Jacob Burkhardt e Theodor Mommsen convergentes.
Faz-se pertinente destacar que convergente também foi o interesse desses
pensadores em recorrer à Antiguidade Clássica grega para adquirir elementos que
dessem sustentação a esses ideais e desta maneira justificar a superioridade alemã e a
sua capacidade superação diante das contradições sociais.
Nesse viés, pode-se se dizer que o compromisso desses homens não estava
apenas em propor elementos que viessem conduzir a um novo método de análise da
história ou destacar modelos de como deveria ser o perfil do novo historiador. Ao
fazerem a crítica o cientificismo, a preocupação estava em negar o modelo intelectual
que conduzira o pensamento do homem alemão e sua sociedade até aquele momento.
Uma forma de condução que precisava passar por mudanças, pois não atendia mais as
necessidades postas diante das transformações que estavam ocorrendo na sociedade
alemã e no mundo durante o século XIX.
E para que essas mudanças ocorressem da maneira desejada, propôs-se a
formação de um novo homem-cidadão alemão, apoiado nos alicerces dos ideais de
unificação, do patriotismo, da dignidade de ser alemão, de orgulho do seu passado, para
que assim pudessem escrever um novo capítulo na história alemã.
REFERÊNCIAS
BURCKHARDT, Jacob. História da cultura grega: Introdução (1872). In: MARTINS,
Estevão de Rezende. (Org.). A história pensada – Teoria e método na historiografia
européia do século XIX. São Paulo: Editora Contexto, 2010. p. 166-178.
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DANTAS, Simone Aparecida Borges. História e historiografia nos séculos XIX e XXI:
Do Cientificismo à história cultural. In: I Congresso Internacional do Curso de
História da UFG/Jataí: Jataí, 2007. p. 1-10.
ELIAS, Norbert. O processo civilizador – volume I. 2ª ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Editor, 1994.
HUMBOLDT, Wilhelm Von. Sobre a tarefa do historiador (1921). In: MARTINS,
Estevão de Rezende. (Org.). A história pensada – Teoria e método na historiografia
européia do século XIX. São Paulo: Editora Contexto, 2010. p. 82-100.
KNELLER, George F. Introdução à filosofia da educação. 8ªed. São Paulo: Zahar,
1984.
MOMMSEN, Theodor. O ofício do Historiador – Discurso de posse na reitoria da
Universidade de Berlin, 15 de outubro de 1874. In: MARTINS, Estevão de Rezende.
(Org.). A história pensada – Teoria e método na historiografia européia do século XIX.
São Paulo: Editora Contexto, 2010. p. 111-122.
RANKE, Leopold Von. O conceito de história universal (1831). In: MARTINS, Estevão
de Rezende. (Org.). A história pensada – Teoria e método na historiografia européia do
século XIX. São Paulo: Editora Contexto, 2010. p. 202-215.