5

Click here to load reader

A quimica no efeito estufa

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: A quimica no efeito estufa

10 Nas últimas décadas, a polê-mica sobre um possível aque-cimento global do nosso pla-

neta, decorrente de uma exacerbaçãodo efeito estufa, passou a fazer partedas preocupações da humanidade,com constante cobertura pela mídia.Mas como ocorre o efeito estufa e a quese deve sua provável exacerbação?

O que é uma estufaNos países de inverno rigoroso, os

cultivadores de legumes e plantasornamentais constroem estruturas re-cobertas por painéis de vidro transpa-rente, alguns dos quais podem serabertos de forma controlada na partesuperior da estrutura. Durante os perío-dos de baixas temperaturas, a luz e ocalor do sol penetram no interior eaquecem o ar, as plantas e as estrutu-ras de suporte. Essa energia fica apri-sionada e a temperatura da estufa éregulada pela abertura adequada dealguns dos painéis móveis de vidro, oque permite a saída do ar aquecido.Portanto, as chamadas estufas funcio-nam basicamente evitando que a cir-culação do ar resfrie o ambiente.

Sol, atmosfera e superfícieterrestres: uma interação vital

O planeta Terra apresenta certascaracterísticas que o tornam único noSistema Solar. A atmosfera terrestre,

A seção “Química e sociedade” apresenta artigos que focalizamaspectos importantes da interface ciência/sociedade, procurando,sempre que possível, analisar o potencial e as limitações da ciênciana tentativa de solução de problemas sociais. Este artigo fala dasimplicações do aumento do efeito estufa e explica as basesquímicas para a ocorrência desse fenômeno.

efeito estufa, gases-estufa, aquecimento global

por sua composição e estrutura, inte-rage simultaneamente com a radiaçãosolar e a superfície terrestre, estabele-cendo um sistema de trocas energé-ticas que explica muitos fenômenosque afetam a vida no planeta. A distri-buição espectral da radiação solar (Fi-gura 1) vai desde o ultravioleta até oinfravermelho, com predominância daluz visível (0,4 µm a 0,7 µm). Essadistribuição, conforme previsto pelateoria da radiação térmica (a primeiraaplicação da mecânica quântica, feitapor Planck em 1900), aproxima-se dade um corpo negro a uma temperaturade cerca de 6 000 °C. Da radiação queatinge a Terra, cerca de 70 por cento éabsorvida (51 por cento pela superfíciee 19 por cento pela atmosfera). A fra-ção da energia solar absorvida na su-perfície aquece o planeta e provocareações químicas e transformaçõesfísicas.

A Terra: uma grande estufaO planeta irradia para o espaço

uma quantidade de energia igual à queabsorve do sol. Essa irradiação ocorresob a forma de radiação eletromag-nética na faixa do infravermelho, prin-cipalmente entre 4 µm e cerca de100 µm (Figura 1), com uma distribui-ção espectral, por sua vez, próxima da-quela de um corpo negro a -18 °C, umatemperatura muito mais baixa que a

temperatura média da Terra, cerca de15 °C. Essa diferença de 33 °C é cau-sada pelo famoso efeito estufa, sem oqual muito provavelmente não haveriavida como a conhecemos.

A Terra funciona, portanto, comoum irradiador de infravermelho que iriatodo para o espaço, não fosse a pre-sença na atmosfera de alguns gasesque absorvem grande parte dessa ra-diação e, conseqüentemente, aque-cem-na.

De certo modo, a atmosfera trans-forma a Terra numa enorme estufa. Secompararmos as temperaturas exis-tentes em Marte, poderemos avaliar opapel de verdadeiro ‘cobertor’ que aatmosfera representa. No planeta ver-melho, cuja atmosfera é muito rarefei-ta, a temperatura média na superfícieé de -53 °C, somente 3 °C acima datemperatura de irradiação de -56 °C(obtida a partir do espectro de emissãopor comparação com o de um corponegro).

Como funciona a estufa daTerra

Nas estufas agrícolas, a retençãodo calor e conseqüente aquecimentodo ambiente é resultado de um blo-queio físico, que impede o escape doar quente. Na grande estufa que é aTerra, o mecanismo é bem mais com-plexo.

A atmosfera terrestre é uma misturade gases, com predominância de nitro-gênio (78 por cento) e oxigênio (21 porcento), gases que não absorvemradiação infravermelha. Outros gases,nela presentes como componentes na-turais ou resultantes de ações do ho-mem (ações antrópicas), por sua natu-reza química, principalmente estruturamolecular, absorvem uma fração signi-

Mario TolentinoRomeu C. Rocha-Filho

QUÍMICA NOVA NA ESCOLA Química no Efeito Estufa N° 8, NOVEMBRO 1998

QUÍMICA E SOCIEDADE

Page 2: A quimica no efeito estufa

11

ficativa da radiação infravermelha emi-tida pela superfície terrestre. Essaabsorção implica um aumento nos mo-vimentos vibracionais e rotacionais dasmoléculas (Quadro 1). Esses gases,por sua vez, também passam a irradiarno infravermelho. Essa radiação seespalha em várias direções, inclusiveretornando à superfície, que se man-tém mais quente do que seria na au-sência da atmosfera. O Quadro 2 mos-tra como é o balanço de energia dasuperfície da Terra, da sua atmosferae do planeta como um todo.

A retenção de energia pelos gases-estufa decorre de um mecanismo, físi-co-químico, bem diferente daquele queocorre nas estufas agrícolas.

Cabe destacar que grande parte doefeito estufa natural se deve à presen-ça da água na atmosfera (vide Figura2): vapor d'água (85 por cento) e par-tículas de água (12 por cento). Outrosgases-estufa são o dióxido de carbono(CO2), o metano (CH4), o óxido nitroso(N2O), os clorofluorcarbonetos (CFCs),os hidroclorofluorcarbonetos (HCFCs)e o hexafluoreto de enxofre (SF6).

O aumento do teor desses gasesna atmosfera em decorrência de ativi-dades humanas pode causar uma exa-cerbação do efeito estufa e, conse-qüentemente, um aquecimento globaldo planeta.

Gases do efeito estufa

Dióxido de carbonoO dióxido de carbono tem sido

apontado como o grande vilão da exa-cerbação do efeito estufa, já que suapresença na atmosfera decorre, emgrande parte, de atividades humanas.Na atmosfera atual o teor de CO2 oscilaem torno de 365 mL/m3, com uma ten-dência de crescimento que teve seuinício no final do século XVIII em decor-rência do aumento no uso de combus-tíveis fósseis.

Em termos quantitativos, anual-mente cerca de 2 650 bilhões de tone-ladas de dióxido de carbono sãolançadas na atmosfera. Como o tempomédio de residência do CO2 na atmos-fera é de cerca de cem anos, a estabi-lização ou mesmo a diminuição do teoratmosférico desse gás requer dimi-nuição significativa em sua emissão.

QUÍMICA NOVA NA ESCOLA Química no Efeito Estufa N° 8, NOVEMBRO 1998

O infravermelho corresponde à radiaçãoeletromagnética de comprimentos de ondaentre 100 µm e 1 µm (3 x 1012 Hz e 3 x 1014 Hz).Essa radiação interage com moléculas,mudando sua configuração, especialmente pormeio de vibrações dos átomos em ligaçõesintramoleculares, tais como:

Essa interação leva a uma das espectros-copias mais úteis para o químico, a espec-troscopia vibracional. O comprimento de ondaem que uma absorção/emissão ocorre de-pende das massas relativas dos átomos, bemcomo das constantes de força das ligações.

Os átomos de uma molécula não perma-necem fixos uns em relação aos outros; na rea-lidade, eles vibram em torno de uma posiçãomédia. Se essas vibrações causarem mudançano momento dipolar da molécula, ela será ativano infravermelho, isto é, absorverá e emitirá ra-diação infravermelha. Uma molécula apresentaum dipolo elétrico se nela existirem duas cargasq e -q separadas por uma distância l; essedipolo é representado por uma flecha do tipo

, com o “+” marcando a pontapositiva, como na molécula de cloreto de hidro-gênio:

Associado ao dipolo existe um momentodipolar, definido como igual ao produto q x l.

Seja a molécula do gás estufa CO2; comoela atua absorvendo e emitindo radiaçãoinfravermelha? Essa molécula linear tem, noestado fundamental, um momento dipolar iguala zero (os dois dipolos se anulam):

Se a molécula vibrar no modo conhecidocomo ‘deformação axial simétrica’, ela é alter-nadamente esticada e comprimida, com ocomprimento de ambas as ligações C—O mu-dando simultaneamente:

O momento dipolar claramente permanecezero ao longo de todo o movimento, fazendocom que esse modo vibracional seja ‘inativono infravermelho’. Já se a molécula vibrar nomodo chamado de ‘deformação axial assimé-trica’, a vibração é ‘ativa no infravermelho’ pois,como mostrado no topo da próxima coluna,ocorre uma alteração periódica do momentodipolar da molécula.

A deformação axial assimétrica, associadaa rotações dos átomos, é responsável pelaabsortividade do CO2 na faixa em torno de 4,25µm - vide Figura 2. Outro modo vibracional

dessa molécula ativo no infravermelho é a‘deformação angular simétrica’:

Esse modo é responsável pela absortivi-dade do CO2 na faixa em torno de 15 µm (Figura2).

Os modos vibracionais possíveis e as va-riações periódicas no momento dipolar da mo-lécula de água são mostrados a seguir.

As deformações axiais simétrica e assimé-trica são responsáveis pela absortividade damolécula de água na região em torno de 2,7µm (Figura 2), enquanto a deformação angularé responsável pela deformação em torno de 6µm (Figura 2).

As deformações acima mostradas levamao que se chama de vibrações fundamentais.Todavia, podem ocorrer interações e acopla-mentos entre os osciladores, o que faz comque surjam vibrações secundárias que absor-vem em outras regiões diferentes das das fun-damentais (vide Figura 2 para o caso da água).

*Adaptado de Silverstein et al., 1979, e Banwell,1983.

Quadro 1: A matéria e a radiação infravermelha*.

Page 3: A quimica no efeito estufa

12

Ao interagir com radiação infraver-melha (Quadro 1), o CO2 absorve-asignificativamente em duas estreitasfaixas de comprimentos de onda infe-riores a 5 µm e em uma ampla faixaacima de cerca de 13 µm. Portanto,como a água e o CO2 não absorvementre 7 µm e 13 µm (vide Figura 2),ocorre na atmosfera uma verdadeira‘janela’ espectral, pela qual a radiaçãoinfravermelha emitida pela superfícieterrestre escapa, perdendo-se no es-paço (essa radiação corresponde a 6por cento da radiação solar que atingea Terra — Quadro 2).

MetanoEste hidrocarboneto, o gás-estufa

mais importante depois do CO2, podeadvir de processos naturais ou antró-picos. Geralmente tem origem em de-pósitos ou em processos de extraçãoe utilização de combustíveis fósseis ouna decomposição anaeróbica de subs-tâncias orgânicas, principalmente celu-lose. Seu teor atmosférico atual é supe-rior a 1,7 mL/m3. Cento e dez anosatrás ele era de 0,9 mL/m3. Como otempo médio de residência do CH4 naatmosfera é razoavelmente curto (cer-ca de dez anos), a estabilização do seuteor requer diminuição de somente 5por cento na sua emissão. Estima-seque essa emissão atinja um total de

pelo menos 515milhões de tone-ladas por ano. Aabsorção de ra-diação infraver-melha pelo meta-no ocorre emuma banda decomprimento deonda ao redor de7 µm.

Óxido nitrosoO teor atmos-

férico atual doN2O, substânciaanestésica tam-bém conhecidacomo gás hilari-ante, é superior a0,31 mL/m3. Aná-lise de bolhas dear presas em ge-lo antártico per-

mitiu concluir que esse teor era de 0,28mL/m3 no início do século XX. Suaorigem pode ser natural (descargaselétricas na atmosfera, reações foto-químicas entre componentes de aeros-sóis etc.) ou antrópica (queima de car-vão e de outros combustíveis fósseisem motores a explosão, uso de adu-bos nitrogenados etc.).

A taxa atual de incorporação deN2O à atmosfera é de cerca de cincomilhões de toneladas por ano. O teorde N2O na atmosfera tende a aumentarsignificativamente, porque seu tempode residência na atmosfera situa-seentre 120 e 175 anos.Esse gás absorve infra-vermelho significativa-mente em duas regiõeslocalizadas ao redor de4 µm e 7 µm (Figura 2).

OzônioEsse gás também

absorve a radiação in-fravermelha refletidapela superfície terrestre,embora seu papel prin-cipal esteja relacionadocom sua presença naozonosfera, bloquean-do parte da radiaçãoultravioleta do sol. Suaabsorção numa faixa

em torno de 9 µm (Figura 2) diminui atransparência da ‘janela’ atmosférica àradiação infravermelha existente entre7 µm e 13 µm.

Clorofluorcarbonetos (CFCs)Os clorofluorcabonetos ou freons,

principais responsáveis pelo depau-peramento da camada de ozônio, sãocompostos formados por moléculas dotipo do metano ou do etano, em queos átomos de hidrogênio foram subs-tituídos por átomos de cloro e flúor. Osmais comuns são os de fórmulas CCl3F(nome comercial CFC-11), CCl2F2(CFC-12), CClF2CClF2 (CFC-114) eCClF2CF3 (CFC-115). Esses gases,cujo tempo médio de residência naatmosfera varia de 75 anos (CFC-11)até 380 anos (CFC-115), são potentesgases-estufa; uma molécula de CFC-12, por exemplo, tem o mesmo impac-to de cerca de dez mil moléculas deCO2.

Os CFCs são produzidos principal-mente para uso em compressores pa-ra refrigeração doméstica e para ex-pansão de polímeros. A produção, usoe emissão desses gases diminuiumuito nos últimos anos, em decorrên-cia do Tratado de Montreal sobre Subs-tâncias que Destroem a Camada deOzônio, de 1987, e suas revisões pos-teriores.

O teor médio desses gases naatmosfera é de 1,2 µL/m3 e eles absor-vem radiação na faixa de 7 µm a 13 µm,contribuindo, portanto, para fechar a ‘ja-nela’ atmosférica de escape de radiaçãoinfravermelha para o espaço.

QUÍMICA NOVA NA ESCOLA Química no Efeito Estufa N° 8, NOVEMBRO 1998

Quadro 2: Balanço de energia da superfície da Terra, da sua atmos-fera e do planeta como um todo*, mostrando o efeito estufa.

Balanço de energia da superfície terrestre

Chegada Saída

Radiação solar 51 Radiação terrestre 116Radiação atmosférica 95 Evaporação 23Condução/convecção 7Total 146 Total 146

Balanço de energia da atmosfera terrestre

Chegada Saída

Radiação solar 19 Radiação para o espaço 64Condensação 23 Radiação para a superfície 95Radiação da superfície 110Condução 7Total 159 Total 159

Balanço de energia do planeta Terra

Chegada Saída

Radiação solar 100 Radiação refletida e espalhada 30Radiação atmosférica para o espaço 64Radiação da superfície para o espaço 6

Total 100 Total 100

* Energia expressa em centésimos da radiação solar incidente total.

Figura 1: Comparação entre as intensidades dos espectros daradiação solar e terrestre. Em função de sua maior temperaturasuperficial, o Sol emite cerca de 160 mil vezes mais radiaçãoque a Terra e de comprimentos de onda menores (mais energé-tica). [Adaptado de Lutgens e Tarbuck, 1998, p. 34.]

Page 4: A quimica no efeito estufa

13

Hidroclorofluorcarbonetos (HCFCs)

Os hidroclorofluorcarbonetos dife-rem dos CFCs somente pelo fato deum ou mais átomos de cloro e/ou flúorserem substituídos por átomos de hi-drogênio. Estes gases foram propos-tos e aceitos dentro do Protocolo deMontreal para substituir os CFCs, poisa presença de átomos de hidrogênionas moléculas tornam-nas mais instá-veis, o que minimiza muito seu poten-cial de destruição da camada deozônio. Um dos HCFCs mais usadosatualmente em refrigeradores no lugardos CFCs é o de fórmula CH2FCF3(nome comercial HCFC-134a).

Os HCFCs, entretanto, também sãopotentes gases-estufa. Uma molécula

de HCFC-134a, porexemplo, tem o mesmoimpacto que cerca de3400 moléculas de CO2.Estima-se que no ano2000 as emissões glo-bais de HCFC-134aserão da ordem de 148mil toneladas, o que te-rá um impacto-estufasemelhante ao de todoo combustível fóssilqueimado no ReinoUnido naquele ano.

Por isso, diversasempresas européiassubstituíram-nos por hi-drocarbonetos de baixopotencial-estufa, em es-pecial o ciclopentano eo isobutano, o que re-quer adaptações nos re-frigeradores.

Hexafluoreto deenxofre

Este gás inerte e não-tóxico é usado comoisolante em instalaçõeselétricas como gera-dores de alta tensão,disjuntores de alta capa-cidade em subestaçõesblindadas, transforma-dores e cabos subter-râneos de alta tensão.

A quantidade atual-mente existente naatmosfera é pequena.

No Brasil, a liberação de SF6 naatmosfera é da ordem de duas tonela-das por ano. De qualquer modo, comoesse gás tem um potencial-estufa iguala cerca de 25 mil vezes o do CO2, temum longuíssimo tempo de vida médiona atmosfera (na faixa de 880 anos a3200 anos), e como o seu consumotem crescido a uma taxa de cerca de7 por cento ao ano, seu impacto estufafuturo pode ser bastante significativo.O SF6 absorve no infravermelho aoredor de 12,5 µm.

O problema da emissão degases-estufa no Brasil

Em nosso país, a maior fonte deemissão de dióxido de carbono são asqueimadas em florestas da região

amazônica (haja vista a queimada des-controlada de regiões do Estado deRoraima no início de 1998). Tambémtrazem uma notável contribuição asqueimadas de campos e cerrados ede canaviais, muito empregadas nomanuseio de culturas. Outra fonte é ouso de combustíveis fósseis, principal-mente os derivados de petróleo, emmotores de explosão de veículos eoutros sistemas de transporte.

A contribuição em metano pode sertambém considerada significativa,dada a existência de grandes reba-nhos de gado bovino e a presença deextensas regiões que são periodica-mente cobertas pela águas, comoacontece no Pantanal Matogrossensee nas várzeas amazônicas.

A estufa começa a ficarmuito quente

O aumento do teor atmosférico dosgases-estufa leva a um maior bloqueioda radiação infravermelha e, conse-qüentemente, pode causar uma exa-cerbação do efeito estufa: aquecimen-to da atmosfera e aumento da tempe-ratura da superfície terrestre.

O que tem chamado a atenção doscientistas voltados ao estudo do clima,do ambiente e da ecologia são as mo-dificações que poderão ocorrer emecossistemas terrestres ou oceânicos.Supondo-se que os níveis de emissãode CO2 e de outros gases-estufa conti-nuem crescendo e não haja qualquerprovidência efetiva para estacionar oureduzir esses valores, algumas destasmodificações podem ser previstas:

• Elevação do nível dos mares comoresultado da dilatação térmica da mas-sa de água oceânica e do aumento doseu volume pelo aporte de águas resul-tantes do degelo das calotas polares egeleiras de regiões montanhosas. Issocausará grandes alterações nos ecos-sistemas costeiros e perda de superfícieem regiões banhadas pelo mar.

• Alterações climáticas em todo oplaneta, com o aumento das tempesta-des, das ondas de calor e alteraçõesnos índices pluviométricos — algumasregiões para mais e outras para menos.

• Aumento da biomassa terrestree oceânica pela aceleração da funçãoclorofiliana e pelo aumento do teor deCO2 dissolvido nos oceanos. Neste último

QUÍMICA NOVA NA ESCOLA Química no Efeito Estufa N° 8, NOVEMBRO 1998

Figura 2: Absortividade de alguns gases atmosféricos e daatmosfera como um todo em função do comprimento de onda.Note que existem duas janelas atmosféricas à radiação. A pri-meira é para a radiação solar, entre 0,3 e 1 µm, causando oaquecimento da superfície da Terra. A outra ocorre entre cercade 7 e 13 µm, permitindo que parte da radiação emitida pelasuperfície terrestre escape para o espaço. [Adaptado de Lutgense Tarbuck, 1998, p. 41.]

Page 5: A quimica no efeito estufa

14

QUÍMICA NOVA NA ESCOLA Química no Efeito Estufa N° 8, NOVEMBRO 1998

caso, haverá sensível aumento dosorganismos com exoesqueletos forma-dos por carbonato de cálcio.

• Modificações profundas na vege-tação característica de certas regiões etípicas de determinadas altitudes.

• Aumento na incidência de doen-ças e proliferação de insetos nocivosou vetores de doenças, o que poderáresultar em grandes alterações sociais.

Como evitar a catástrofe?O aquecimento global tem preocu-

pado homens, mulheres e instituições,pois talvez o próprio destino da huma-nidade esteja em jogo. Além do alertadas organizações ambientalistas, há apreocupação de órgãos intergoverna-mentais como as Nações Unidas e aOrganização Meteorológica Mundial(OMM). Em 1988, a OMM e o Progra-ma das Nações Unidas para o MeioAmbiente criaram o Painel Intergover-namental sobre Mudança do Clima(IPCC), para: a) avaliar a informaçãocientífica disponível no campo de mu-dança do clima, b) avaliar os impactosambientais e socioeconômicos de mu-danças do clima e c) formular estraté-gias de resposta. Em agosto de 1990,o IPCC terminou seu Primeiro Relatóriode Avaliação, que serviu de base paraa negociação da Convenção Quadroda ONU sobre Mudanças do Clima,adotada em Nova York em maio de1992, que visa proteger o sistema cli-mático para gerações presentes efuturas. O Segundo Relatório de Avalia-ção foi divulgado pelo IPCC em 1995,

incluindo questões técnicas relacio-nadas aos aspectos socioeconômicosda mudança de clima. Ambos os rela-tórios se tornaram padrões de referên-cia, amplamente usados por legisla-dores, cientistas e outros especialistas.O terceiro relatório está previsto parao ano 2000, mas o IPCC, em seu se-gundo relatório, já concluiu que osaumentos globais de temperaturaocorridos no último século “são impro-váveis de serem totalmente devidos àvariabilidade natural — um padrão deresposta climática a atividades huma-nas é identificável no registro climato-lógico”.

A Convenção Quadro da ONU pre-vê conferências das partes signatárias,sendo que a terceira sessão ocorreuem Kioto, Japão, no período de 1 a 10de dezembro de 1997, quando foi acor-dado o Protocolo de Kioto, que visareduzir a emissão total antrópica de ga-ses-estufa (calculada como se só fos-se CO2, usando a relação entre o efei-to-estufa de cada gás e o do CO2) empelo menos 5 por cento abaixo dosníveis de 1990 no período decompromisso de 2008 a 2012, mas demodo diferenciado país a país (amaioria dos países terá que diminuirsuas emissões em até 8 por cento). OBrasil, como país em desenvolvimento,não assumiu nenhuma obrigação deredução de suas emissões. A quartasessão das partes ocorreu de 2 a 13de novembro de 1998, em BuenosAires, Argentina.

Apesar de também existirem agen-

tes naturais (vulcões, tempestades so-lares, meteoritos etc.) que imprevisivel-mente podem causar mudanças no cli-ma da Terra, o cumprimento pelos dife-rentes países das medidas previstasnos protocolos da Convenção Quadroda ONU é fundamental para minimizarprevisíveis mudanças do clima e paraque a humanidade consiga um desen-volvimento sustentável que garanta acontinuidade da vida em nosso pla-neta.

Mario Tolentino, doutor honoris causa pela Uni-versidade Federal de São Carlos, é aposentado co-mo professor titular do Departamento de Química -UFSCar. Romeu C. Rocha-Filho, licenciado emquímica, doutor em ciências (área de físico-química)pela USP, é docente do Departamento de Química daUniversidade Federal de São Carlos.

GlossárioCorpo negroCorpo negroCorpo negroCorpo negroCorpo negro: qualquer objeto capaz de

emitir e absorver uniformemente radiação detodas as freqüências. Um exemplo prático decorpo negro é um recipiente opaco com umfurinho, pois a radiação que sai por ele foiemitida e reemitida tantas vezes dentro dorecipiente que entrou em equilíbrio térmicocom as paredes.

Distribuição espectralDistribuição espectralDistribuição espectralDistribuição espectralDistribuição espectral: gráfico da quan-tidade de radiação emitida por um corponegro em função da freqüência da radiação,sendo que essa distribuição varia com a tem-peratura (vide Figura 1).

TTTTTemperatura de irradiaçãoemperatura de irradiaçãoemperatura de irradiaçãoemperatura de irradiaçãoemperatura de irradiação: temperaturade um corpo negro emissor de radiação àqual está associada uma distribuição espec-tral característica. Analisando-se a distri-buição espectral de um dado corpo radiantee comparando-a com a de um corpo negro adiferentes temperaturas, é possível deduzir aque temperatura de corpo negro ela equivale.

Referências bibliográficasBANWELL, C.N. Fundamentals of

molecular spectroscopy. Londres:McGraw-Hill, 1983.

LUTGENS, F.K. e TARBUCK, E.J.The atmosphere. 7. ed. Upper SaddleRiver: Prentice Hall, 1998.

SILVERSTEIN, R.M., BASSLER,G.C. e MORRIL, T. C. Identificação Es-pectrométrica de Compostos Orgâni-cos. 3. ed. Tradução por Alencastro,R.B. de, FARIA, R.B. Rio de Janeiro:Guanabara Dois, 1979.

Para saber maisMOLION, L.C.B. Um século e

meio de aquecimento global. Ciência

Hoje, v. 18, n. 107, p. 20, mar/95.MOLION, L.C.B. Os vulcões afetam

o clima do planeta. Ciência Hoje, v. 20,n. 120, p. 24, mai/96.

RABELLO, A.L. Efeito estufa: umaameaça no ar. Ciência Hoje, v. 5, n. 29,p. 50, mar/87.

TOLENTINO, M., ROCHA-FILHO,R.C. e SILVA, R.R. da. O azul do plane-ta. São Paulo: Moderna, 1995. Contém,entre outras, informações sobre o efei-to estufa e o depauperamento da ca-mada de ozônio.

Na Internet:

A home page do Ministério de Ciên-cia e Tecnologia tem uma boa descrição

da Convenção Quadro da ONU: http://www.mct.gov.br/gabin/cpmg/climate/programa/port/homeclim. htm;

O sítio http://kekule.fe.usp.br/glo-bal/ca-index.html contém hipertextoscom atividades a serem desenvol-vidas pelos alunos dentro do tópico“A atmosfera em mudança”.

Um número enorme de outros sí-tios da Internet contém informaçõesdiversas sobre o efeito estufa, confor-me pode ser verificado procurandopela expressão ‘efeito estufa’ na ferra-menta de busca Altavista: http://www.altavista.com (vide QuímicaNova na Escola n. 7, p. 15-16).