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1 A SELEÇÃO DE CANDIDATOS ARENISTAS AO GOVERNO DE SÃO PAULO: PROCEDIMENTO INCLUSIVO OU EXCLUSIVO? Daniel Capucci Manffré 1 RESUMO: O objetivo principal do presente artigo é analisar como ocorria o processo de escolha dos Governadores paulistas no período de 1966 a 1979. A formulação deste objetivo visa responder as seguintes indagações: A ARENA paulista foi um partido coordenado por uma coalizão dominante coesa e estável capaz de cumprir o papel de partido situacionista durante a ditadura militar? A escolha era feita exclusivamente pelo Presidente da República? A hipótese que orienta este artigo é que a coalizão dominante arenista em São Paulo foi instável e pouco coesa, impossibilitando a escolha de um candidato que expressasse o consenso entre todas as facções intrapartidárias. Os resultados preliminares indicam que a fragmentação da ARENA em São Paulo dificultou, muitas vezes, a imposição por parte do Executivo Federal do seu candidato preferido, já que não havia uma facção majoritária capaz de garantir apoio suficiente nas convenções estaduais. Isto aparece de forma mais evidente na escolha de Paulo Maluf como governador do estado, pois apesar de ter sido preterido pelos militares, conseguiu apoio das diferentes facções arenistas e conquistou o cargo. PALAVRAS-CHAVE: Regime Militar; organizações partidárias; seleção de candidatos. 1. INTRODUÇÂO Na primeira parte do artigo analisaremos as especificidades do subsistema partidário paulista de 1946 a 1965. No contexto paulista, fenômenos políticos regionais adquiriram grande relevo quando comparados à força eleitoral e estrutural dos principais partidos do período: PSD, PTB e UDN. Isto fez com que surgissem rivalidades e alianças específicas de São Paulo, como a clássica dicotomia entre ademarismo e janismo. Na segunda parte mostraremos como tais rivalidades oriundas da democracia de 46 são fundamentais para a compreensão dos principais conflitos e articulações políticas que marcaram a formação da ARENA em São Paulo. Como será demonstrado, o novo quadro institucional inaugurado pelo AI-2, não foi capaz de apagar a herança partidária dos quadros políticos que passaram a fazer parte da ARENA. Desta forma, alianças e rivalidades advindas do período anterior à instauração do bipartidarismo continuaram servindo como referência para a determinação dos conflitos internos à organização arenista em São Paulo. 1 Mestrando do Programa de Pós Graduação em Ciência Política da Universidade Federal de São Carlos; email: [email protected].

A SELEÇÃO DE CANDIDATOS ARENISTAS AO GOVERNO DE …§ão-de... · (1975, p. 45) “seria um tanto quanto sumário pensar que o fenômeno do populismo dá conta da realidade político-

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A SELEÇÃO DE CANDIDATOS ARENISTAS AO GOVERNO DE SÃO PAULO: PROCEDIMENTO INCLUSIVO OU EXCLUSIVO?

Daniel Capucci Manffré1

RESUMO: O objetivo principal do presente artigo é analisar como ocorria o processo de escolha dos Governadores paulistas no período de 1966 a 1979. A formulação deste objetivo visa responder as seguintes indagações: A ARENA paulista foi um partido coordenado por uma coalizão dominante coesa e estável capaz de cumprir o papel de partido situacionista durante a ditadura militar? A escolha era feita exclusivamente pelo Presidente da República? A hipótese que orienta este artigo é que a coalizão dominante arenista em São Paulo foi instável e pouco coesa, impossibilitando a escolha de um candidato que expressasse o consenso entre todas as facções intrapartidárias. Os resultados preliminares indicam que a fragmentação da ARENA em São Paulo dificultou, muitas vezes, a imposição por parte do Executivo Federal do seu candidato preferido, já que não havia uma facção majoritária capaz de garantir apoio suficiente nas convenções estaduais. Isto aparece de forma mais evidente na escolha de Paulo Maluf como governador do estado, pois apesar de ter sido preterido pelos militares, conseguiu apoio das diferentes facções arenistas e conquistou o cargo. PALAVRAS-CHAVE: Regime Militar; organizações partidárias; seleção de candidatos.

1. INTRODUÇÂO

Na primeira parte do artigo analisaremos as especificidades do subsistema

partidário paulista de 1946 a 1965. No contexto paulista, fenômenos políticos regionais

adquiriram grande relevo quando comparados à força eleitoral e estrutural dos principais

partidos do período: PSD, PTB e UDN. Isto fez com que surgissem rivalidades e alianças

específicas de São Paulo, como a clássica dicotomia entre ademarismo e janismo.

Na segunda parte mostraremos como tais rivalidades oriundas da democracia de

46 são fundamentais para a compreensão dos principais conflitos e articulações políticas

que marcaram a formação da ARENA em São Paulo. Como será demonstrado, o novo

quadro institucional inaugurado pelo AI-2, não foi capaz de apagar a herança partidária

dos quadros políticos que passaram a fazer parte da ARENA. Desta forma, alianças e

rivalidades advindas do período anterior à instauração do bipartidarismo continuaram

servindo como referência para a determinação dos conflitos internos à organização

arenista em São Paulo.

1 Mestrando do Programa de Pós Graduação em Ciência Política da Universidade Federal de São

Carlos; email: [email protected].

2

Por fim verificaremos através das negociações para a seleção de candidatos a

governador às eleições indiretas, como ocorriam as disputas internas pelo poder entre as

diversas facções arenistas. Como será observado, as rivalidades partidárias oriundas do

período de 1946 a 1965 permaneceram na ARENA paulista e fizeram com que os

militares esvaziassem cada vez mais as convenções regionais destinadas à escolha dos

candidatos a governador, ao ponto desta escolha ser feita diretamente pelo presidente da

República sem qualquer consulta às elites regionais. Entretanto, a coordenação do

partido por parte dos governadores indicados sempre foi precária. A necessidade de

distribuir recursos de poder entre as diferentes facções que compuseram a ARENA

paulista fez com que a ARENA paulista fosse um palco de conflitos, carente um centro

forte capaz de coordená-la.

A metodologia empregada neste trabalho foi a pesquisa documental múltipla.

Desta forma, cruzamos dados de diversas fontes, como: documentos oficiais do partido;

arquivos de imprensa; análise de outros autores; e biografias dos políticos pertencentes à

seção paulista da ARENA.

2. O SISTEMA SUBPARTIDÁRIO PAULISTA DE 1946 A 1965: ANTECEDENTES

À FORMAÇÃO DA ALIANÇA RENOVADORA NACIONAL EM SÃO PAULO

Foram poucos os trabalhos que se dedicaram a analisar o sistema partidário

paulista durante o período regido pela Constituição de 1946. A literatura sobre o tema se

empenha em destacar que uma das características principais de São Paulo neste período

foi a emergência do populismo (WEFFORT, 1964). O ademarismo e o janismo,

proeminentes na política paulista durante o período, seriam exemplos típicos deste

fenômeno (WEFFORT, 1964; CARDOSO, 1975). Contudo, como argumenta Cardoso

(1975, p. 45) “seria um tanto quanto sumário pensar que o fenômeno do populismo dá

conta da realidade político- representativa do que ocorreu em São Paulo até 1964”.

De fato, como aponta o estudo de Simão (1973) sobre o comportamento eleitoral

em São Paulo, desde as primeiras eleições de 1946 já era possível verificar uma relação

entre classe e partido. Neste mesmo sentido, Weffort (1964) também chegou a tal

conclusão quando analisou o populismo paulista, embora tenha conferido ao janismo

uma característica mais classista do que ao ademarismo.

A existência de fenômenos de representação tipicamente paulistas durante o

período de 1946 a 1965 foi um dos argumentos de Schartzman (1975) para explicar a

singularidade do sistema subpartidário paulista no período. Para o autor, preponderância

do modelo de cooptação na política brasileira de 1946 até 1964 não impediu que formas

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de representação, ou pelo menos tendências neste sentido, se desenvolvessem em São

Paulo. Justamente pelo dinamismo do desenvolvimento capitalista, surgiram no estado

formas embrionárias de um padrão de participação ligado ao representativo, manifestado

por partidos e setores que podem ser alinhados em um continuum (esquerda- direita),

como: o Partido Comunista, o Partido Socialista, o Social Progressista, o Democrata

Cristão, e por fim, setores conservadores que não se constituíram enquanto um

movimento organizado.

Um elemento consensual presente em todas as análises que investigaram o

sistema partidário paulista de 1946 é o fato de que ele apresentava características

peculiares em relação ao padrão dominante a nível nacional. Em São Paulo, partidos

como o PSD e o PTB, hegemônicos no país, tinham pouca significância no território

paulista. Estas forças foram suplantadas por organizações ou lideranças tipicamente

paulistas, como o PSP e seu líder Ademar de Barros, o janismo, o PDC, etc. A explicação

para Schartzman (1975) estaria justamente no desenvolvimento de padrões de

representação em São Paulo, que prevaleceriam sobre o de cooptação a nível nacional,

em que o PTB e a UDN eram proeminentes. Entretanto, em sua importante análise sobre

a organização do PSP em São Paulo, Sampaio (1982) discorda da análise empreendida

pelo autor.

A questão crucial para a autora se expressa da seguinte forma: “é a das razões

pelas quais São Paulo, dadas as características que Schartzman atribui à dinâmica

política deste estado, não chegou a dar origem a partidos de tipo representacional

expressivos e bem estruturados” (SAMPAIO, 1982, p. 29). Para ela, não é possível

ignorar a relação dos partidos paulistas com suas bases, para verificar se realmente

aspectos representativos ocorriam no estado.

É realmente contestável o fato de Schartzman (1975) distinguir de forma tão rígida

o padrão de participação entre São Paulo e o restante do país através do seu modelo de

representação/ cooptação. Como salienta Sampaio (1982) uma das principais forças

políticas do estado, o PSP, desenvolveu práticas de cooptação com suas bases políticas,

algo que não permite uma caracterização tão rígida do estado. Entretanto, também é

verdade que São Paulo proporcionou o desenvolvimento de fenômenos de mobilização

popular como o janismo e o ademarismo, que bloquearam o desenvolvimento dos

principais partidos políticos a nível nacional no estado.

Portanto, como vimos até aqui, o subsistema partidário paulista no período de

1946 a 1965 apresentava uma dinâmica diferente da observada a nível nacional. Os

motivos deste fenômeno ainda são pouco estudados e serão rapidamente analisados na

próxima seção deste artigo, através das considerações apontadas pela literatura

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especializada nos partidos políticos do período. O importante é notar que um subsistema

partidário específico, deu origem a uma ARENA também peculiar a respeito da origem de

seus quadros internos. Em São Paulo, a UDN, escolhida como “carro chefe” do regime de

1964 pelos militares, não tinha poderes suficientes para coordenar o partido situacionista,

justamente pela proeminência de forças políticas regionais.

2.1 AS ESPECIFICIDADES DO SUBSISTEMA PARTIDÁRIO PAULISTA DE 1946: A FORÇA DE FENÔMENOS TIPICAMENTE REGIONAIS

É impossível falar do período de 1946 a 1964 em São Paulo sem tocar no nome

de Ademar de Barros e da sua organização partidária, o PSP. Cria e criatura

praticamente indissociáveis, de modo que é impossível se referir a um, sem que se pense

imediatamente no outro. Apesar do PSP nunca ter sido um partido com relevância

nacional, esta organização foi fundamental para bloquear a estruturação dos grandes

partidos nacionais (UDN, PTB e PSD) em São Paulo (SAMPAIO, 1982).

A ascensão política de Ademar de Barros começa no Partido Republicano

Paulista, porém é com o golpe de 1937 e sua nomeação como interventor paulista por

Getúlio Vargas, que o futuro governador passará a ter condições de estruturar a sua

própria máquina partidária. Seus contatos e aliados da época da interventoria foram

fundamentais para que, com a redemocratização, ele fundasse o PSP. O principal

interesse de Ademar ao fundar seu partido era a conquista do governo do estado, já que

em outros partidos como a UDN e o PSD, o líder pessepista sofreu forte resistência,

principalmente por parte das rivalidades construídas quando interventor.

Inicialmente as possibilidades de crescimento do PSP no estado eram limitadas,

pois as bases do interior eram controladas pelo PSD e, num grau relativamente menor,

pela UDN. Por outro lado, o eleitorado trabalhista do estado era alinhado ao PTB,

sobretudo, pela influência de Hugo Borghi. A opção inicial de Ademar de Barros foi

disputar com o PTB o eleitorado trabalhista em São Paulo, através de uma aliança com o

PCB. Ademar conquistou o cargo de Governador em 1947 e repetiu, de maneira

estratégica, a mesma medida que tomou enquanto interventor do estado: substituiu todos

os prefeitos nomeados pela administração anterior, estabelecendo a sua própria máquina

partidária. Esta seria a mais eficiente do estado durante todo o período inaugurado em

1946.

O PSP é um fator chave para a compreensão do subsistema partidário paulista de

1946, pois alem de se tornar uma força predominantemente regional, seu crescimento

comprometeu diretamente o PSD já nas eleições de 1947. Este sucesso não era

decorrente do acaso, pois neste ano, graças ao esforço de Ademar, a organização

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pessepista já possuía diretórios e subdiretórios em todos os distritos da capital e do

interior. Sua organização foi construída de modo muito semelhante ao do PSD, ou seja,

baseada nas trocas de favores entre o governo estadual e os municípios (SAMPAIO,

1982).

Apesar das dificuldades encontradas por permanecer fora do Governo Executivo

durante o período de 1954 a 1961, a organização pessepista se mostrava muito forte em

São Paulo. Esta era a única estruturada em todo o estado, e que continuava funcionando

normalmente mesmo em períodos em que não ocorriam eleições. Tal força, somada as

características de funcionamento interno do partido, que ocasionavam a lealdade de sua

clientela à própria organização, contribuiu de forma eficaz para que o PSP sobrevivesse

durante tanto tempo fora do poder. Em 1962, Ademar concorre novamente às eleições, e

desta vez com um tom mais conservador, defendendo a ordem democrática contra a

ameaça comunista, acaba se elegendo e se tornando o último governador eleito de forma

direta por São Paulo antes do golpe de 1964.

Ao lado do ademarismo, sustentado pelo carisma de Ademar de Barros e sua

poderosa organização partidária, São Paulo foi o berço de outro fenômeno tipicamente

populista: o janismo. Segundo Weffort (1964) o ademarismo surgiu no interior do estado

de São Paulo e nos bairros centrais mais antigos da capital, de escassa população

operária, onde a pequena burguesia estava temerosa pelo crescimento da massa

operária. A mensagem propagadora do ademarismo era a de um estado protetor,

assistencialista, que se fosse preciso ultrapassaria os limites da ética para satisfazer o

seu eleitorado. Por outro lado, o janismo, atingia grupos sociais mais esperançosos em

relação a sua possibilidade de ascensão social, e por isso demandavam maiores

oportunidades de trabalho, através de uma concepção de Estado justo, impessoal e

eficiente, ao invés de protetor.

Assim, Jânio Quadros, através do seu slogan “tostão contra milhão”, atingia

principalmente setores da classe média e operários dos bairros novos em expansão. De

maneira oposta a Ademar de Barros, Jânio era um legítimo apartidário, pois quando

precisou de partidos para atingir o poder, não fez questão de montar a sua própria

organização e utilizou as já existentes. Foi eleito vereador pelo PDC, em 1947, e chegou

à prefeitura da capital sob a mesma sigla, em 1953; eleito Governador pelo PTN com

apoio do PSB, em 1955; e presidente com o apoio da UDN e do PDC, em 1960. Como

argumenta Cardoso (1981, p.50): “Seria ilusório, entretanto, pensar que Jânio se apoiou

nestes partidos e grupos para obter sustentação de massa”. O que ocorria era

exatamente o contrário, ou seja, “as pequenas organizações correram ávidas para o seio

das massas na esteira do prestígio janista”.

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Além de penetrar nas classes operárias, como argumenta Weffort (1964), o

janismo também possuía um terreno fértil no eleitorado da periferia urbana. Como expõe

Cardoso (1981, p.50) “Eram vilas sem água, sem esgoto, sem calçamentos, sem

transportes adequados (...) que exprimiam uma enorme ansiedade por melhores

condições de sobrevivência”. Eleito prefeito em 1953, Jânio se esforçou em garantir

melhorias básicas para alguns bairros periféricos, como o asfalto em algumas das vias

principais que davam acesso a eles. Estas medidas, embora de caráter tipicamente

populista, garantiram a Jânio o apelido de candidato da Vila Maria, bairro periférico que

simbolizava seus feitos.

Tratamos até agora de duas forças que dominaram a política paulista de 1946 a

1965, afinal juntos controlaram três vezes a máquina política estadual, duas vezes pelo

ademarismo e uma vez pelo janismo. Seria possível radicalizar este argumento

apontando que o período todo foi dominado por estes dois fenômenos populistas, pois

Carvalho Pinto também teve o apoio crucial de Jânio para ascender ao governo do

estado. Entretanto o carvalhismo rompe com suas convicções iniciais e acaba se

constituindo em uma corrente política particular em São Paulo.

Através desta constatação é justificável a tentação dos pesquisadores reduzirem o

passado político de São Paulo a estes dois fenômenos populistas. Contudo, outros

fenômenos tipicamente regionais emergiram no estado, e em alguns casos também

assumiram um relevo maior do que a tríade dominante a nível nacional.

Em primeiro lugar é possível citar o PTN. Este partido, fundado em 1945, recebeu

Hugo Borghi, Emílio Carlos, e outros políticos que foram expulsos do PTB. Borghi

trabalhou continuamente pela expansão organizacional do partido e através da sua

nomeação para a presidência do diretório paulista, bem como, de seu aliado Emílio

Carlos para presidência nacional, passou a exercer amplo controle sobre a organização.

O primeiro sucesso eleitoral significativo do PTN foi em 1953, através da eleição de Jânio

Quadros para o governo do estado, em coligação com o PSB. Posteriormente, em 1960,

o Partido elege novamente Jânio à presidência da República, através de uma aliança

com a UDN, o PDC, o PL e uma dissidência do PSB.

O PDC também era do ponto de vista eleitoral um partido tipicamente paulista.

Nasceu em São Paulo, por iniciativa de Antonio Ferreira Cesarino Jr., professor da USP.

Teve seus principais êxitos eleitorais e São Paulo e foi o partido formador de importantes

lideranças políticas paulistas2. Governou o estado através da eleição de Carvalho Pinto

em 1959. O nicho eleitoral do partido era na capital paulista, utilizando segundo Cardoso

2 O PDC foi o berço político de importantes lideranças políticas paulistas, como: Franco Montoro,

Plínio de Arruda Sampaio, Jânio Quadros e Carvalho Pinto.

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(1975) o rótulo de partido dos “homens de mãos limpas”. Este slogan o levou a obter

apoio da classe média e ter como aliado no estado a UDN.

Além dos partidos supracitados, tidos como os principais para bloquear o

fortalecimento dos partidos hegemônicos a nível nacional em São Paulo, organizações

como o PRP e PR, bem como, pequenos partidos trabalhistas como PST e PRT também

contavam com apoio eleitoral vindo predominantemente do estado.

2.2 A TRÍADE DOS GRANDES PARTIDOS NO CONTEXTO PAULISTA

Três partidos são identificados no período de 1946 por sua abrangência a nível

nacional: o PSD, o PTB e a UDN (SOARES, 1981). Esta preponderância não é verificada

em São Paulo, onde as três organizações tiveram que competir com forças tipicamente

regionais. Diante das dificuldades de estruturação e perpetuação, surgem duas

perguntas: o que efetivamente eram estas organizações em São Paulo? Por que o PTB

não conseguiu obter êxitos no estado com o maior potencial trabalhista do país?

O PSD paulista, como já apontado, sofreu grandes danos com a estruturação do

PSP em São Paulo. Sem capacidade de competir com as duas principais lideranças

populistas do estado, o PSD jamais conseguiu chegar a um governo estadual,

participando apenas em 1962 da aliança que elegeu Ademar de Barros. Contrariando a

tendência verificada a nível nacional, e segundo a afirmação de Tancredo Neves, “(...) o

PSD de São Paulo era tão importante que cabia todo na sala de visitas do Cirilo Júnior.”

(Apud. HIPPOLITO, 1985, p. 153). Este foi presidente do diretório paulista do partido

graças ao seu bom relacionamento com as lideranças nacionais e locais. Cirilo Júnior era

o principal representante das “raposas” pessedistas em São Paulo, enquanto Ulisses

Guimarães e João Pacheco e Chaves eram típicos expoentes da “ala-moça”

(HIPPOLITO, 1985).

O PSD evoluiu em São Paulo como o grande partido de clientela, ligado à

máquina burocrática Federal: à Caixa Econômica Federal, às Coletorias, às Seções de

Renda, etc. Aliados a esta estrutura partidária, que não foi capaz de se desvincular do

estado, existiam interesses do grande capital financeiro e interesses agrários que se

articulavam com o PSD. Sua incapacidade de alcançar apoios de massa e a fraqueza

relativa da burocracia federal em São Paulo, fez do PSD paulista um partido em

frequente declínio (CARDOSO, 1975).

O PTB, partido que mais fez alianças com o PSP em São Paulo no período, era

fraco no estado. E esta é mais uma particularidade do sistema partidário paulista no

período. Segundo Benevides (1989, p.134) “O velho PTB paulista foi eleitoralmente fraco,

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politicamente desarticulado e ideologicamente inconsequente” 3. Esta consideração

passa a ser um tanto quanto paradoxal quando consideramos que São Paulo já era na

época o estado mais industrializado do país e fornecia, portanto, ótimas condições de

expansão para partidos como o PTB. Em nível federal o PTB foi o partido que mais

cresceu durante o período, porém uma tendência contrária é observada em São Paulo,

onde o número de votos dos trabalhistas nunca cresceu de forma estável.

Alguns fatores podem explicar a fraqueza do PTB paulista. Em primeiro lugar, o

trabalhismo como expressão partidária e ideológica era alvo de constante disputa entre:

os ademaristas; os janistas; os comunistas (pertencentes a várias legendas partidárias)

que controlavam grande parte dos sindicatos; e os pequenos partidos trabalhistas no

estado, como o PTN, o PRT, o PST e, posteriormente, o MRT. Todos estes grupos

disputavam com o PTB o controle do eleitorado trabalhista do maior parque industrial do

país, algo que dificultou a hegemonia petebista em relação a este seguimento do

eleitorado.

Em segundo lugar, a trajetória do PTB paulista é marcada pelas diversas divisões

internas, que determinaram sucessivos conflitos. As duas principais correntes que

dividiam o partido eram encabeçadas pela deputada Ivete Vargas e pelo deputado Hugo

Borghi, duas lideranças extremamente personalistas, que impediam a coesão e a

estabilidade da cúpula estadual. Em terceiro lugar, a cúpula nacional do partido reagia

de maneira drástica a qualquer tentativa de autonomia dos níveis estaduais4. Líderes com

capacidade de mobilização, como Hugo Borghi, foram expulsos do partido. Afinal, não

era interessante para os níveis nacionais da organização, predominantemente compostos

por membros gaúchos e varguistas, que uma liderança paulista crescesse a ponto de

controlar o partido5.

Completando a tríade dos grandes partidos nacionais, em São Paulo, passamos a

tratar da UDN. Apesar de nunca ter elegido um governador em São Paulo, a UDN

3 Um dos elementos que contribuem para explicar este fenômeno é a Revolução Constitucionalista

de 1932. Para muitos paulistas, Vargas era um ditador que havia abusado do seu poder militar contra São Paulo para se manter no poder. 4 Ainda, segundo Benevides (1989) é possível citar alguns outros fatores que explicam as

dificuldades do PTB em São Paulo: as divisões no movimento sindical (entre janistas e comunistas principalmente); a dificuldades para a consolidação dos diretórios municipais (leais a Adhemar ou Jânio); a indefinição programática; e a ambiguidade em relação aos comunistas, pois ao mesmo tempo em que dependiam da aliança eleitoral do PC, os petebistas se declaravam anticomunistas. 5 A inflexibilidade do PTB afastou da organização os diversos líderes populistas e trabalhistas do

estado - como Adhemar de Barros, Jânio Quadros e Hugo Borghi, que foram se filiar em partidos como PTN e PSP, respectivamente

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paulista apoiou o governo de Carvalho Pinto à sucessão de Jânio Quadros6. Teve como

principal liderança, Abreu Sodré. Este foi líder da bancada udenista em São Paulo e

peça chave para costurar o apoio da UDN à candidatura de janista para a presidência da

República. Como presidente do diretório regional da UDN em 1964, Sodré foi um dos

principais elementos encarregados de buscar apoio para o “movimento” no estado, sendo

um dos responsáveis, inclusive, por promover as articulações para a formação da

ARENA paulista, algo que será tratado posteriormente neste artigo.

A UDN paulista expressava o ponto de vista de uma elite ilustrada no estado, de

tendência nitidamente liberal-democrática, mas favorável a uma democratização restrita

(CARDOSO, 1975). Apesar de em termos de interesses de classe a UDN não pudesse

ser considerada tão “capitalista” quanto o PSP, ela simbolizava para o trabalhismo e para

as massas o “partido dos cartolas”. De acordo com Cardoso (1975) os eleitores da UDN

paulista pertenciam às classes médias tradicionais, principalmente urbanas, de educação

mais elevada do que a média. Tinha também vinculação com o interior e com os grandes

proprietários de terra.

2.3 ALIANÇAS E RIVALIDADES REGIONAIS

Como foi explicitado até agora, o contexto político paulista obedecia a uma lógica

diferente da nacional, principalmente em termos da preponderância de partidos e

lideranças políticas consideradas regionais. Diante deste quadro, alianças e rivalidades

específicas do estado também foram criadas, e não se resumiam à dicotomia UDN e

PSD. A identificação do formato da relação entre os diferentes atores e partidos que

compunham o sistema partidário de 1946 em São Paulo, auxiliarão no mapeamento dos

acontecimentos que marcaram a criação compulsória do partido no estado, e a responder

a questão crucial deste artigo: as rivalidades e alianças construídas durante a vigência do

sistema subpartidário paulista no período de 1946 a 1965, resistiram à sua extinção e

definiram os principais conflitos durante a formação da organização arenista?

A tarefa de mapear os conflitos e as alianças no contexto paulista neste período

não é simples. As coligações partidárias mudaram de forma significativa, e os adversários

políticos surgiam de forma inesperada. Contudo, através do trabalho de Soares (1982),

das importantes informações coletadas no Dicionário Histórico- Biográfico Brasileiro

(CPDOC, FGV) e de alguns ensaios biográficos dos principais expoentes políticos da

6Eleito através do apoio de Jânio Quadros, o governador Carvalho Pinto estabeleceu sua base de

apoio através da aliança entre o PTN e o PSB. E se fortaleceu, posteriormente, através do apoio da UDN, do PDC e do PR.

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época, foi possível traçar um quadro das alianças e conflitos que se estabilizam antes do

golpe de 1964 e que por isto, trouxeram mais implicações durante a construção do

sistema bipartidário em São Paulo:

a) O acentuado anti- ademarismo da UDN paulista;

b) A rivalidade entre o PDC e o PSP, incorporada nas suas duas principais

lideranças, Carvalho Pinto e Ademar de Barros, respectivamente;

c) A resistência de uma das alas do PSD à aliança eleitoral com o PSP;

d) A clássica rivalidade entre janistas e ademaristas;

e) A aliança da UDN e do PDC contra o inimigo comum no estado: o PSP;

f) A aliança conflituosa, e com vistas a ganhos eleitorais, entre o PSP e o PTB;

Este é o quadro político partidário que se fixa em São Paulo pouco antes da

extinção dos partidos políticos em 1965. Não parece exagerado considerar que o PSP

determinava a maioria das relações político-partidárias no estado, algo muito ligado à sua

força organizacional e eleitoral. É importante notar que as rivalidades acima citadas, em

1965, estavam constituídas em torno de nomes como: Jânio Quadros; Ademar de Barros

(PSP); Faria Lima (janista); Auro de Moura Andrade (PSD) e Abreu Sodré (UDN). Todos

estes expoentes, com a exceção do líder pessepista, passaram a integrar a ARENA em

momentos específicos. Resta saber se estas rivalidades foram deixadas de lado na

criação da organização arenista, ou permaneceram determinando as principais disputas

iniciais pelo poder.

Na próxima seção do artigo demonstraremos que as rivalidades e alianças

construídas durante a vigência do sistema subpartidário paulista no período de 1946 a

1965 resistiram à sua extinção e definiram os principais conflitos durante a formação da

organização arenista

3. A FORMAÇÃO DA ARENA EM SÃO PAULO

O Ato Institucional número 2, imposto pelos militares em 1965, extinguiu os

partidos que funcionaram durante a experiência multipartidária inaugurada em 1946.

Logo após o AI-2, os militares estabeleceram as principais normas para a criação do

novo sistema partidário. Com este intuito, o AC-4 foi baixado. Este estabelecia a criação

de um sistema bipartidário compulsório, ou seja, os políticos remanescentes do período

de 1946 a 1965 deveriam se alojar no partido do regime, ou no partido que faria oposição

a ele. O principal objetivo dos militares com a instauração do bipartidarismo era impedir o

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renascimento dos antigos partidos (principalmente do PSD e do PTB), bem como,

garantir uma fachada democrática ao regime, permitindo que os grupos oposicionistas se

organizassem enquanto partido (KINZO, 1988).

Os dois partidos resultantes do AC-4 foram a ARENA, o partido de apoio ao

regime militar, e o MDB (Movimento Democrático Brasileiro) de oposição ao regime. A

dificuldade principal encontrada para a formação dos dois partidos foi a acomodação de

adversários políticos. No caso da ARENA a dificuldade principal, pelo menos a nível

nacional, era a de acomodar sob uma mesma legenda elementos que haviam pertencido

a UDN e ao PSD (KINZO, 1988; GRIMBERG, 2009). Sustentamos, porém, que em São

Paulo as dificuldades para a formação do partido foram outras, pois as rivalidades

advindas dos extintos partidos obedeciam a uma lógica diferente.

A importância de analisar como estas rivalidades específicas se articularam para a

formação do partido em São Paulo, decorre de uma preocupação específica da

abordagem organizacional desenvolvida por Panebianco (2005). Para o autor a gênese

de um partido, ou seja, a forma como o partido deu conta de seus dilemas organizativos

iniciais, bem como, os primeiros conflitos travados pelo poder no interior da organização,

continuarão influenciando o partido durante toda a sua trajetória. Portanto, para analisar

uma organização de forma eficaz, em todos os pontos de sua trajetória, é indispensável

retornar às circunstâncias da sua formação.

O grande personagem do contexto paulista pós-64 continuava sendo Ademar de

Barros. O líder do PSP foi um dos principais defensores do golpe militar em São Paulo.

Em seus principais discursos, a defesa da ordem e o alerta a respeito da ameaça

comunista eram os elementos mais enfatizados pelo governador7. Entretanto, o objetivo

dos militares era o de não contar com Ademar para o prosseguimento do regime. Em

primeiro lugar, ele era um elemento capaz de controlar politicamente o maior estado da

Federação, a ponto de impedir que os planos centralizadores do modelo unionista

autoritário descrito por Abrucio (1998) se concretizassem; e, em segundo lugar, Ademar

de Barros era um político marcado por acusações de corrupção ao longo de sua

trajetória, mantê-lo no controle de São Paulo significaria uma incoerência diante dos

discursos de moralização administrativa em que o regime militar se pautava.

Estava claro que a principal intenção de Ademar em apoiar o regime militar era

atingir o cargo de Presidente da República. Porém, quando o líder pessepista percebe

que a intenção dos militares não era a de estabelecer eleições diretas para a presidência,

7 A posição de colaboração manifestada por Ademar foi concretizada no começo de maio de 1964,

quando a liderança do PSP na Câmara Federal assinou um termo de compromisso com o governo militar, junto com a UDN, PSD, PDC e alguns partidos menores (SOARES, 1982).

12

este passa a fazer duras críticas às medidas centralizadoras tomadas pelo novo regime,

ficando politicamente isolado em São Paulo.

Com a extinção dos partidos pelo AI-2, Ademar buscou influir diretamente na

formação da ARENA paulista (DULLES, 1983). Sua estratégia inicial era a de unir as

antigas correntes políticas paulistas e, com esta intenção, convida Abreu Sodré (ex-

UDN) e Carvalho Pinto (ex- PDC) para uma reunião no palácio do governo. A partir deste

momento parece claro que as rivalidades permanecem vivas, pois as duas lideranças não

compareceram à reunião. O aparente predomínio ademarista na nova organização fez

com que estes dois políticos não cogitassem a filiação no momento inicial.

Com o intuito de neutralizar Ademar de Barros, um elemento disfuncional para a

formação da ARENA, e ao mesmo tempo não abrir mão dos pessepistas que

desfrutavam de amplas bases eleitorais em todo o estado e de uma estrutura

organizacional vigorosa, o presidente Castello Branco escolhe Arnaldo Cerdeira para

presidir o partido em São Paulo. Este era do extinto PSP, e apesar de ter sido Secretário

da Agricultura de Ademar, era um político que detinha a confiança do presidente Castello

Branco por ter raízes udenistas8. É bem verdade que um processo de “udenização” do

partido foi a aspiração inicial de Castello Branco, com a tentativa de indicar Ernesto

Pereira Lopes (ex- UDN) como presidente da organização no estado, entretanto a

resistência do PSP impediu que isto ocorresse.

Diante das dificuldades para unir as antigas correntes partidárias o presidente

Castello Branco escolheu uma comissão que seria responsável pela formação do partido

em São Paulo, e cujo principal esforço seria a acomodação de antigas rivalidades. Este

grupo ficou conhecido popularmente como a “comissão dos cinco” e contava com

representantes que possuíam facilidade de trânsito entre as principais lideranças políticas

estaduais. Os nomes e suas respectivas origens partidárias estão elencados na tabela 1:

Tabela 1- Nome e origem partidária dos membros da “Comissão dos cinco”

Nome Origem Partidária

Arnaldo Cerdeira PSP

Ernesto Pereira Lopes UDN

João Batista Ramos PTB

Hamilton Prado PSD

Antônio Feliciano PSD

Fonte: Arquivo do Diretório Nacional da ARENA, CPDOC, FGV.

8 Cerdeira foi um dos principais articuladores da marcha da família com Deus pela Liberdade.

13

Estes deputados tomaram uma decisão, juntamente com o presidente Castello

Branco, de que uma Comissão Executiva composta por onze membros seria estabelecida

no Estado, com o intuito de prosseguir nas tratativas para a formação do partido. Ao

mesmo tempo, Castello concordou em deixar a presidência da ARENA paulista nas mãos

de Cerdeira, devido à grande popularidade do PSP em São Paulo. A composição da

primeira Comissão Executiva esta elencada na tabela 2:

Tabela 2- Composição da primeira Comissão Executiva da ARENA em São Paulo

Nome Cargo Filiação Partidária

Arnaldo Cerdeira Presidente PSP

Ernesto Pereira Lopes 1º vice-presidente UDN

João Batista Ramos 2º vice-presidente PTB

Antônio Feliciano 3º vice- presidente PSD

Hamilton Prado Secretário geral PSD

Lélio de Toledo Piza Tesoureiro -

Abreu Sodré Vogal UDN

José Bonifácio Nogueira Vogal PR

José Salvador Julianelli Vogal PR

Luciano Nogueira Filho Vogal PSP

Manoel Figueiredo Vogal PSP

Fonte: Arquivo do Diretório Nacional da ARENA, CPDOC, FGV.

Parece claro que a composição da Comissão Executiva da ARENA paulista visou

contemplar os principais partidos do período de 1946 a 1964. Era, por este motivo, muito

heterogênea. A diversidade de origens dos membros dificultou a coordenação do grupo

no sentido de formar o Diretório da Arena em São Paulo, fazendo com que o presidente

Castello Branco cobrasse seguidas vezes agilidade dos membros da Comissão.

Entretanto, a tarefa de formar a ARENA paulista não era fácil, pois além da necessidade

de aglutinar muitas rivalidades regionais no mesmo partido, o Governador Ademar de

Barros ainda estava no comando do estado, e suas posições indefinidas acerca dos

rumos do regime ainda influenciavam muitos políticos paulistas, inclusive Arnaldo

Cerdeira, presidente do diretório paulista.

Diante deste quadro, dois acontecimentos foram cruciais para a formação no

partido no estado. O primeiro deles foi o rompimento de Arnaldo Cerdeira com Ademar de

Barros, que vinha sendo um elemento disfuncional para a formação do partido através de

seu controle dos políticos vinculados a ele. Este rompimento ocasionou uma divisão entre

os ex-pessepistas, já que parte deles permaneceu vinculada a Ademar, e outra aliada a

14

Cerdeira. O segundo fator fundamental para impulsionar a formação do partido no estado

foi o fim da resistência dos udenistas a compartilhar a mesma organização do que os

pessepistas, seus principais adversários na democracia de 1946 a 19659.

A diversidade de origens dos integrantes do diretório estadual arenista fica clara

na tabela 3, algo que ilustra a dificuldade encontrada pela Comissão Executiva estadual

para formar o partido:

Tabela 3- Origens Partidárias dos Deputados Federais que passaram a compor o Diretório Estadual da ARENA paulista

Origem partidária %

PSP 24

UDN 19

PDC 16

PTB 13

PSD 8

PTN 8

PRT 5

PR,PRP, PST 7

Fontes: Arquivo do Diretório Nacional da ARENA e Dicionário Histórico Biográfico Brasileiro (ABREU, 2001).

A análise dos nomes escolhidos para compor o Diretório Estadual da ARENA

paulista indica que todos os 38 Deputados Federais eleitos durante o pleito de 1962,

ainda sob o governo João Goulart, que optaram por aderir à ARENA, passaram

automaticamente a fazer parte do Diretório Regional do partido. Também é possível

ressaltar a diversidade de origens dos deputados federais que conformavam o partido do

governo e, consequentemente, fazia com que o órgão dirigente paulista fosse muito

heterogêneo. A respeito do número de Deputados Federais, o PSP era o partido

majoritário contando com nove deputados, o que significava 24% do total. Em seguida a

UDN com sete deputados possuía 19% do total.

A respeito da quantidade de deputados estaduais pertencentes ao Diretório

Estadual, cabe ressaltar, que o PSP e a UDN dividiam a condição majoritária em termos

do número de representantes. Num total de 16, o PSP e a UDN, possuíam cada um três

deputados, obtendo quase a metade da representação desta categoria na cúpula

estadual do partido. Assim, justamente a principal rivalidade paulista da democracia de

9 Os apelos feitos por Ernesto Pereira Lopes aos seus companheiros de partido foram constantes.

Entretanto, os udenistas só se convenceram a integrar no partido após Castello Branco enviar uma carta a Abreu Sodré, na qual o presidente ressaltava a importância dos udenistas na estruturação política da “revolução” e na organização da ARENA em âmbito nacional.

15

1946 a 1965, acabou ocupando majoritariamente o partido, logicamente com a

predominância do PSP em termos numéricos.

Formada a ARENA, o principal objetivo dos militares em São Paulo passou a ser

outro: afastar o governador Ademar de Barros do seu cargo. Logo após a criação da

ARENA em São Paulo, o líder do extinto PSP passou a fazer duras críticas ao

bipartidarismo.

Mesmo fora do partido Ademar continuou influenciando muitos políticos no interior

da ARENA, e este era o principal acusado, principalmente pelos membros udenistas, pela

falta de coesão interna do partido em São Paulo. E logo na primeira crise enfrentada pela

ARENA, o ex-líder pessepista foi apontado como um dos culpados.

Este conflito entre os membros da ARENA ocorreu nas eleições para a

presidência da Câmara dos Deputados. As intenções de neutralizar a influência dos ex-

pessepistas da ARENA foram claras nesta ocasião. Isto ocorreu, pois foi derrubado o

critério de proporcionalidade, segundo o qual, a presidência da chapa da ARENA paulista

deveria ser dada ao partido que tivesse o maior número de deputados para a

organização arenista, e este partido era o PSP. O critério foi mudado, e passaria então

ocorrer através da escolha da maioria, pelos deputados do partido, e passaria pelo crivo

da Comissão Executiva Estadual.

O deputado Waldemar Lopes Ferraz foi escolhido como o candidato oficial da

ARENA. E este foi derrotado de maneira surpreendente pelo candidato do MDB,

Francisco Franco. O vencedor carregava em sua chapa Israel Novaes, Roberto Cardoso

Alves, Solon Borges dos Reis e Mendonça Falcão. Os três primeiros eram ligados à

Carvalho Pinto, e o último um apadrinhado janista. A derrota da ARENA ocorreu porque

alguns membros do partido votaram no candidato da oposição. Mais precisamente,

embora 89 fossem considerados arenistas, assegurando assim a maioria, 49 deles

rejeitaram o candidato oficial do partido, e se aliaram aos 24 do MDB para eleger o

Presidente10.

Este episódio foi interpretado pelos elementos udenistas pertencentes à ARENA

como algo ocasionado por Ademar de Barros, que ainda exercia ampla influência sobre o

presidente do partido, e tentou através dele impedir a eleição de qualquer chapa que não

fosse a sua. Cerdeira, que a esta altura já se encontrava desligado de Ademar, ao

explicar o caso ao presidente Castello Branco, atribuiu a vitória da oposição às

influências de Ademar, dos ex-governadores Quadros e Carvalho Pinto, e do prefeito

Faria Lima, que ainda ditavam os rumos de muitos dos políticos agora vinculados à

ARENA. Os udenistas, então, passaram a defender medidas drásticas por parte do

10

Fonte: O Estado de São Paulo, ano 1966.

16

Diretório Estadual, contra os deputados “da pesada”, ou seja, aqueles ligados a Jânio,

Ademar, Carvalho Pinto e Faria Lima.

O acontecimento supracitado deixa claro que seria impossível para a ARENA

governar sem a neutralização definitiva de Ademar de Barros, e a cooptação dos

seguimentos carvalhistas e janistas, que neste último caso orbitavam em torno do prefeito

da capital, Faria Lima. E justamente na impossibilidade inicial de adequar estas três

correntes numa só organização, é que temos a evidência de que as antigas rivalidades

determinaram a formação do partido em São Paulo.

Em junho de 1966, Ademar é finalmente cassado. E a reação de Carvalho Pinto,

dada a impossibilidade de seu adversário pessepista entrar na ARENA, é o seu próprio

ingresso no partido e sua candidatura ao Senado nas eleições de 1966. Faria Lima,

entretanto, considerou por muito tempo impossível um janista como ele ingressar num

partido predominantemente pessepista, opinião que fez com que ingresse na ARENA

apenas em 1968, com vistas às eleições para governador em 1970.

Portanto, cerca de dois anos foram necessários para aglutinar no interior de um

mesmo partido as correntes políticas necessárias – udenistas, pessepistas, janistas,

carvalhistas - para que a ARENA fosse de fato hegemônica em São Paulo. Embora

hostis, principalmente em termos da presença do PSP na organização, todos estes

grupos, que de certa forma, remontavam o passado partidário, eram fundamentais para

que a ARENA desfrutasse principalmente: de um maior número de vereadores, prefeitos

e deputados estaduais e federais; e de uma ampla estrutura organizacional,

proporcionada principalmente pelo PSP.

Contar com todas estas facções no mesmo partido tinha um preço: distribuir

recursos de poder organizacional a todas elas. A distribuição destes recursos de poder se

dava principalmente em termos de: a) cargos no gabinete Executivo; b) indicações para

as secretarias municipais e estaduais; c) a seleção de candidatos para as eleições diretas

e indiretas. Isto impediu que um centro forte, uma facção majoritária, controlasse e

impusesse as suas diretrizes ao partido no estado. Algo que fez da coalizão dominante

da ARENA paulista, nos termos definidos por Panebianco (2005) instável e pouco coesa.

Na próxima sessão do artigo investigaremos a seleção de candidatos ao cargo de

governador em São Paulo durante o período de 1966 a 1978 com o intuito de analisar

como os conflitos pelo poder ocorriam entre as diferentes facções da ARENA. A

dificuldade de obter consenso entre as diversas facções arenistas fez com que o critério

para a escolha dos governadores fosse cada vez mais centralizado nas mãos dos

presidentes militares. Entretanto a tentativa de colocar o controle da ARENA paulista nas

17

mãos dos governadores sempre foi um fracasso, dada a impossibilidade de coordenar os

interesses divergentes das diferentes facções que conformavam os órgãos dirigentes.

4. O GOVERNO ABREU SODRÉ: EVIDÊNCIAS DO UDENISMO VERSUS

ADEMARISMO NA ARENA PAULISTA

A primeira evidência empírica de que seria impossível impor ao partido em São

Paulo uma diretriz que beneficiasse apenas um dos grupos organizados ocorreu logo na

primeira indicação para governador. A escolha do governador pelo presidente Castello

Branco, e que foi homologada pela Comissão Executiva do partido tinha um interesse

bem claro: tornar a UDN, ou melhor, os ex-udenistas, os principais atores do regime em

São Paulo. Nesta seleção, os membros do diretório estadual da ARENA paulista

deveriam votar e posteriormente o presidente Castello Branco escolheria um, dos três

nomes mais votados. O resultado desta prévia foi uma conseqüência da heterogeneidade

dos quadros internos da Arena no que diz respeito à origem partidária de seus membros,

afinal, sete nomes foram escolhidos para a apreciação do Presidente Castelo.

Dos sete nomes indicados pelos membros da ARENA paulista, o Presidente

Castelo Branco indicou Abreu Sodré, ex-presidente do diretório regional da UDN em São

Paulo. Caberia à convenção regional, portanto, apenas homologar o nome do novo

governador, que posteriormente seria eleito pelo legislativo.

A seleção do primeiro governador eleito indiretamente em São Paulo foi

extremamente anti-democrática e tinha um interesse específico. Entretanto, os resultados

desta escolha mostram que as facções intra-partidárias baseadas no pertencimento aos

antigos partidos, não estavam dispostas a entregar o comando político do estado e da

ARENA a um ex-udenista. E a maior resistência foi apresentada pelos ex-integrantes do

PSP, rivais da UDN no estado e que agora conviviam no mesmo partido.

A força do PSP no estado foi, sem dúvidas, o maior obstáculo para que a antiga

UDN atuasse como a principal facção da coalizão dominante da ARENA paulista, como

era de fato o interesse dos militares. Algo que se comprova pela imposição dos antigos

pessepistas, que já obtinham a presidência do partido no estado, do vice-governador

Hilário Torloni, um político vinculado a Ademar de Barros. Esta escolha não ocorreu ao

acaso, mas pelo fato de 59 dos 74 Deputados Estaduais terem assinado um manifesto

exigindo que o vice-governador saísse das fileiras do extinto PSP.

A escolha do vice-governador mostra que a fragmentação da ARENA em São

Paulo não permitiria que a alta cúpula militar indicasse nomes ao seu bel prazer e que

seria necessário distribuir recursos de poder às diferentes facções internas. O convívio

18

de Abreu Sodré, ex- UDN, e Hilário Torloni, ex-PSP, nos cargos de governador e vice

respectivamente, reativaram uma das principais rivalidades estaduais do período de 1946

a 1965, e determinaram os conflitos no interior do partido pelo poder organizacional.

Durante o governo de Abreu Sodré grupos organizados integraram a ARENA e

praticamente remontaram o passado partidário do estado. Lideranças políticas que

representavam os extintos partidos ou fenômenos tipicamente populistas passaram a

integrar a organização. As principais lideranças eram: Carvalho Pinto (ex-PDC); Faria

Lima (herdeiro do janismo); Ademar de Barros Filho; e Hilário Torloni (ex-PSP). Os dois

primeiros, hostis ao ademarismo, ingressaram na ARENA por se apresentar como a

única possibilidade de concorrerem à sucessão estadual. Ademar de Barros Filho,

herdeiro do pai embora nunca tivesse sido filiado ao PSP, entrou na ARENA para tentar

coordenar os ademaristas. Entretanto muitos membros da “ala-velha” do PSP recusavam

admitir o filho de Ademar como líder, e se alinhavam a Hilário Torloni.

As facções que dividiam a ARENA paulista dificultaram tanto a administração

quanto a imposição das diretrizes de Abreu Sodré no partido que deveria servir de

sustentáculo para o seu governo. No que diz respeito ao aspecto administrativo, Abreu

Sodré teve que escolher o seu secretariado de acordo com os interesses das facções

que integravam o partido. Para isso consultou as principais lideranças de cada grupo

interno para que indicassem nomes de sua escolha.

No interior da ARENA as relações do governador com o presidente do partido,

Arnaldo Cerdeira e com o vice Torloni foram extremamente conturbadas, fruto da

rivalidade regional entre UDN e PSP. Esta pode ser empiricamente observada na eleição

para escolha da segunda Comissão Executiva da ARENA paulista, em 1969. Nela, duas

teses foram defendidas de maneira oposta no partido. Abreu Sodré e Carvalho Pinto

eram partidários da renovação dos quadros dirigentes da ARENA, afim de que as

rivalidades advindas dos extintos partidos deixassem de atrapalhar a unidade arenista.

Por outro lado, Arnaldo Cerdeira comandava articulações, junto dos pessepistas para

continuar na presidência do partido.

A solução encontrada para tentar “pacificar” a organização foi a proposição de

uma chapa única para a escolha do diretório regional, com a presença das lideranças das

diversas facções que integravam o partido: a harmonização. Entretanto, o vice-

governador Hilario Torloni recusou-se a participar da chapa integrada por Sodré. E o

motivo da desavença foi a decisão do governador de afastar da Secretaria do Interior, um

ex- pessepista, Waldemar Lopes Ferraz. Esta secretaria foi uma criação de Ademar de

Barros, sempre foi tradicionalmente comandada pelo PSP, e funcionava como um

eficiente órgão para distribuir cargos às bases do partido no interior.

19

Desta forma, enquanto o MDB paulista concorreu unido em torno de uma chapa

para a eleição do diretório regional, a ARENA se dividiu em duas: a “harmonização” e os

“municipalistas”. A primeira representava o governador Abreu Sodré, e contava com a

presença de importantes lideranças estaduais, entre elas: Carvalho Pinto, Arnaldo

Cerdeira, Faria Lima, Laudo Natel e Delfim Neto. O pertencimento destes políticos à

chapa harmonização visava claramente a obtenção do apoio de Sodré para a sucessão

estadual. Por outro lado, a chapa municipalista, comandada por Hilario Torloni, tinha

feições do PSP, contando com prefeitos do interior, e desafetos de Abreu Sodré. Todavia,

nesta ultima chapa também figuraram elementos ligados às facções políticas de Faria

Lima, Carvalho Pinto e Laudo Natel.

A chapa “harmonização” possuía interesses extremamente conflitantes, pois a

maioria de seus membros buscava a sucessão estadual. Por outro lado, a “municipalista”

contava com a presença das bases interioranas do PSP. De acordo com a legislação

vigente, se uma das chapas conseguisse 81% da votação dos delegados, a outra não

teria representação. Entretanto, desde que uma chapa obtivesse 20% dos votos dos

delegados, poderia contar com ao menos seis dos trinta membros do diretório, crescendo

essa representação de acordo com a votação alcançada.

O resultado das eleições favoreceu a chapa harmonização com 66,35% dos

votos. Entretanto, de acordo com o resultado da votação, a chapa municipalista pode

contar com dez, dos trinta membros. O resultado foi visto como conseqüência da ação de

elementos que figuraram na chapa de Sodré, mas apoiaram de forma velada os

municipalistas. As maiores acusações recaíram sobre o presidente do partido Arnaldo

Cerdeira, que teve a sua cassação determinada em novembro de 1969.

O resultado da eleição para a Comissão Executiva estadual mostra que o acordo

entre os membros da chapa “harmonização” era realmente precário, pois os

municipalistas, mesmo contando com a minoria no diretório regional, conseguiram

compor com 18 membros e contaram com a maioria para o pleito. A formação do

chamado “grupo dos 18” demonstra que realmente havia elementos meramente

formalizados na chapa do governador, como era o caso de Ademar de Barros Filho, José

Maria Marin e Rafael Baldacci. E a resposta do chamado grupo harmonização, agora

minoritário, foi simplesmente a abstenção do pleito.

Rafael Baldacci Filho, da corrente do agora falecido Faria Lima, foi eleito o

presidente da ARENA paulista. Este que havia aderido a chapa harmonização para as

eleições do diretório mudou de lado nas eleições para a Executiva estadual. Esta vitória

simbolizou uma derrota do governo e principalmente do regime de 1964. E rapidamente

foi questionada com uma tentativa de anulação no TRE, através da iniciativa dos

20

deputados José Pereira Lopes (UDN) e João Batista Ramos (PTB). O motivo alegado

para isto foi a falta de quórum.

Por decisão unânime do TRE a eleição da Executiva paulista foi anulada. E em

curto prazo não havia possibilidades de pacificação do partido. O primeiro mediador

escolhido para tentar esta tarefa foi o Senador Auro Moura Andrade, ex-PSD, que não

fazia parte das principais facções que se digladiavam pela Executiva do partido.No

entanto, em nota divulgada à imprensa, o Senador comunicou a sua desistência de

pacificar a ARENA em São Paulo, principalmente pela falta de interesse dos

municipalistas na negociação, grupo que agora era composto por 15 membros:

Depois de haver procedido a contatos pessoais com os companheiros da ARENA sobre um entendimento abrangente das forças políticas nela expressas, considerei oportuno solicitar uma audiência coletiva ao grupo dos 15(...) Ontem, porém, recebi a visita do deputado Rafael Baldacci, que me informou que se ausentaria de São Paulo, e que os seus liderados não compareceriam em obediência às suas instruções. (...) Não atribuo aos companheiros essa divisão. Ela vem de longe, fruto de desentendimentos prolongados entre paulistas.

11

A única fórmula encontrada para superar as divergências internas foi a

intervenção do Diretório Nacional na ARENA paulista. Rondon Pacheco, presidente

nacional da organização, realizou reuniões com os membros das duas chapas, em

especial com Sodré e Torloni. E a fórmula imposta para contornar o conflito foi a

composição de uma chapa em que a corrente do governador ficaria com a presidência do

partido e mais dois dos sete órgãos, e os municipalistas ficariam com os demais12. Sodré,

fazendo uso das suas prerrogativas indicou o ex-governador Lucas Garcez como

presidente, um político anti-ademarista13.

A solução encontrada através do auxílio do Diretório Nacional não pacificou a

ARENA paulista, e muito menos deu condições a uma das facções que compunham a

sua coalizão dominante de se sobreporem sobre as demais. A polarização entre

lideranças do PSP e da UDN, rivais regionais, tornou precários os acordos na coalizão

dominante do partido.

4.1. O GOVERNO LAUDO NATEL E A TENTATIVA DE ALIJAMENTO DAS

ELITES PARTIDÁRIAS PAULISTAS VINCULADAS AOS EXTINTOS PARTIDOS

11

Fonte: O Estado de São Paulo, 05/12/1969, p.4. 12

A chapa harmonização ficou com a presidência, a segunda secretaria, e com o cargo de tesoureiro. Por outro lado, os municipalistas ficaram com a primeira vice-presidência; a segunda vice-presidência; a secretaria; e com a procuradoria. Fonte: Arquivo do Diretório Nacional da ARENA. CPDOC, FGV. 13

Lucas Nogueira Garcez foi governador de São Paulo durante o período de 1951 a 1955. Ascendeu ao cargo através do apoio de Ademar de Barros, mas rapidamente rompeu com o líder do PSP. (SAMPAIO, 1982).

21

Em 1970, após a instauração do AI-5, eram claras as intenções do presidente

Médici de influir diretamente na escolha do governador paulista que sucederia Sodré. Se,

como aponta Grimberg (2009) era questionável, por parte dos militares, a possibilidade

de continuar a contar com a ARENA como partido do regime; em São Paulo a

desconfiança era ainda maior. Com o intuito de ouvir os diferentes grupos organizados,

Sodré fez uma lista dos nomes apontados pelos dirigentes estaduais e enviou ao

Diretório Nacional do Partido. Neste processo surgiram 18 candidatos, algo que

demonstrava o quanto seria inviável para o regime deixar o processo de escolha nas

mãos dos arenistas.14

A escolha foi feita pelo presidente Médici, impossibilitando a interferência dos

membros do diretório paulista. E o selecionado foi Laudo Natel. Este foi escolhido com

base nos relatórios elaborados pelo presidente nacional da agremiação, Rondon

Pacheco, e enviados ao presidente Médici, tratando da situação da ARENA em São

Paulo. A escolha não agradou as principais lideranças políticas regionais da ARENA, pelo

método anti-democrático15, e por acreditarem que Natel não contava com o prestígio

necessário para garantir o apoio eleitoral à ARENA nas eleições de 197016.

A intenção do presidente Médici era impor na ARENA aquilo que Sodré não havia

conseguido através da convenção regional: o controle total do partido nas mãos do

governador designado. E para isto a campanha para as eleições de 1970 deveriam ser

comandadas por Laudo Natel. O novo governador já teve idéia da fragmentação da

ARENA paulista logo na convenção que homologou seu nome como candidato às

eleições indiretas. O conflito foi ocasionado pela escolha dos candidatos que

concorreriam a duas vagas ao Senado em eleições diretas. Nesta ocasião a facção do

PSP indicou dois candidatos: Hilário Torloni e Orlando Zancaner; enquanto o governador

Sodré, ex-udenista, com o apoio de Carvalho Pinto, indicou Auro Moura Andrade17. O

resultado foi a vitória dos dois candidatos oriundos do PSP na convenção.

Marginalizados no partido, Auro Moura Andrade e Abreu Sodré pouco

participaram da campanha arenista. Nestas eleições os resultados foram favoráveis à

ARENA no que diz respeito ao número de Deputados Estaduais e Federais eleitos.

14

Fonte: Arquivo do Diretório Nacional da ARENA. CPDOC, FGV. 15

Carvalho Pinto era o que mais fazia oposição à pouca importância atribuída à ARENA por parte do regime militar. Sobre a escolha de Natel o Senador afirmou: “(...) tenho manifestado, lealmente, a minha discordância com o processo vigente para a constituição dos governos estaduais”. Fonte: o Estado de São Paulo:12/05/1970, p. 4. 16

O vice-governador Rodrigues Filho, também foi escolhido por Médici, diante de uma lista de cinco nomes escolhidos pela executiva regional paulista.

22

Entretanto, Franco Montoro do MDB foi o candidato mais votado ao Senado. A ARENA

só conseguiu eleger Orlando Zancaner para uma das duas vagas, algo que provocou a

renúncia do presidente do diretório Lucas Garcez.

Com a presidência da ARENA paulista vaga, Natel passou a por em prática seu

plano de reestruturar a ARENA em 1971. A intenção do Governador era colocar membros

de sua confiança na Comissão Executiva e, assim, comandar a organização arenista.

Entretanto, somente com a intervenção do presidente do diretório Nacional, Batista

Ramos, foi estabelecido um critério aceito por todas as facções intra-partidárias. Apesar

de Natel poder contar com quatro indicações na Executiva, em especial, do novo

presidente Salvador Julianelli, Abreu Sodré, Carvalho Pinto e a facção pessepista

deveriam indicar um membro cada.

Visando a convenção estadual de 1972, o governador passa a buscar apoio no

partido para que seu grupo se imponha sobre as facções organizadas em torno dos

antigos partidos. A reação mais drástica contra este processo partiu dos antigos

pessepistas, através do senador Orlando Zancaner, secretário geral da ARENA paulista.

Este acusou diversas vezes Natel de falar em nome do partido, sem levar em conta as

facções existentes na organização, bem como, de ignorar a Executiva da organização

para realizar a reestruturação partidária18.

Submeter o ademarismo que ainda era a maior força eleitoral do Estado ao seu

controle não seria uma tarefa possível ao governador Laudo Natel. Não só na facção

pessepista, quanto na udenista e na carvalhista, havia lideranças consolidadas no estado

que não se submeteriam ao controle de um chefe do Executivo sem raízes políticas,

eleito pela via indireta, e sem a participação do partido. A escolha dos membros do

diretório regional em 1972, portanto, teve que respeitar as facções intra-partidárias,

através do seguinte critério: o ademarismo, o carvalhismo e o udenismo deveriam indicar

quatro elementos cada; enquanto Laudo Natel indicaria os outros dezoito. Este critério,

como é perceptível, esvaziou totalmente a importância da convenção regional.

A respeito da nova Executiva, o governador contou com seis das nove indicações.

Estas, por um critério fixado pelo presidente estadual do partido, Salvador Julianelli,

deveriam sair da bancada da ARENA na Assembléia Legislativa de São Paulo. A

justificativa para isto foi que a predominância dos deputados estaduais no órgão

Executivo dificultaria a falta de quórum nas reuniões a serem realizadas. Entretanto, a

hipótese que consideramos é a de que Laudo Natel não desfrutava do apoio de muitos

Deputados Federais e muito menos dos Senadores arenistas.

18

Acervo Histórico da Assembléia Legislativa do estado de São Paulo.

23

A estratégia de Laudo Natel de marginalizar as facções partidárias vinculadas aos

antigos partidos obteve êxito. O governador foi acusado constantemente por

irregularidades nas obras que envolviam a expansão das ferrovias da FEPASA. Foi

obrigado a substituir o prefeito escolhido por ele para a cidade de São Paulo, Figueiredo

Ferraz, um técnico, sem vinculações partidárias, que fazia questão de afirmar que não

era um político. O secretariado de Natel, predominantemente composto por técnicos, foi

um dos erros estratégicos do governador, que ao tentar o predomínio sob a cúpula

partidária do partido em São Paulo, se esqueceu que a distribuição de incentivos

seletivos entre as facções seria fundamental para que obtivesse o controle sobre o

partido.

4.3. PAULO EGYDIO: O GOVERNADOR TÉCNICO

A imposição do Governador Laudo Natel pelo presidente Médici descontentou as

elites políticas regionais. E este, segundo Abrucio e Samuels (1998) foi um erro cometido

pelo militar ao escolher um candidato que desfrutasse de poucas ligações com as elites

políticas estaduais. A intenção de criar uma nova classe política identificada com o

regime de 1964 não deu certo, principalmente por retirar das elites regionais os recursos

de patronagem das governadorias, algo que as tornava a cada eleição cada vez mais

descontentes com os rumos do regime.

Em 1974, numa tentativa de prestigiar os grupos políticos estaduais, e ao mesmo

tempo eleger governadores de sua confiança, Geisel tentou reintegrar as elites estaduais

no processo de escolha do Senado e das Governadorias. Para isto foi enviado aos

estados Petrônio Portela, presidente nacional do partido, para discutir a indicação dos

nomes preferidos das elites regionais, procedimento que foi chamado de “Missão

Portela”. Em São Paulo as principais lideranças políticas, representantes das facções

partidárias que comandavam a ARENA, Abreu Sodré, Orlando Zancaner e Carvalho

Pinto, articularam uma candidatura que significou um consenso relativo no partido. O

nome encontrado foi o de Delfim Neto. Pretendiam com estas articulações influir na

escolha do próximo governador.

Os esforços dos membros da ARENA foram em vão, pois o verdadeiro intuito da

chamada “missão Portela” era o de comunicar às elites estaduais uma decisão que já

estava feita pelo presidente Geisel: a indicação do engenheiro Paulo Egydio. Dessa

forma a ARENA foi à convenção estadual de agosto de 1974, apenas para homologar os

nomes já escolhidos. Para o Senado, Paulo Maluf e Ademar de Barros Filho foram nomes

preteridos em favor de Carvalho Pinto, que apenas foi homologado na convenção.

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Com estas indicações, que contrariaram algumas das principais facções arenistas,

o desinteresse pelas eleições foi evidente. José Pedro Carolo, presidente estadual da

ARENA, fez declarações afirmando que o partido não toleraria indiferença de seus

membros em relação à candidatura para o Senado. O futuro governador Paulo Egydio foi,

assim, encarregado de coordenar a campanha no estado. Desvinculado das elites

políticas regionais e portador de um caráter predominantemente técnico, Egydio relatou a

situação da ARENA durante a campanha:

(...) a Arena era uma colcha de retalhos. Cansei de ir para comício no interior com três participantes da Arena do meu lado, que se detestavam e se digladiavam entre si. E nós tínhamos que enfrentar o MDB, um partido mais unido. A Arena foi incrível, os problemas e as dificuldades que atravessamos foram muito sérios. Mais tarde, quando assumi o governo do estado, para mim esse foi um aspecto trágico. Havia a Arena 1, a Arena 2, a Arena 3, e em alguns lugares a Arena 4.Vinha o sujeito e dizia: “Eu represento a Arena 1. Não subo no caminhão com o senhor junto com o representante da Arena 3”. Era uma animosidade que vinha dos antigos partidos e que não cessou com o decreto presidencial que os extinguiu.

19

Nas eleições de 1974 os resultados foram péssimos para a ARENA em São

Paulo. Para deputado estadual a ARENA elegeu 25 deputados, enquanto o MDB elegeu

36. A respeito dos deputados federais a ARENA elegeu 17 deputados e o MDB 29. No

entanto, a pior derrota foi para a vaga ao Senado, pois Orestes Quércia derrotou de

forma expressiva Carvalho Pinto, liderança inconteste da ARENA. Abrucio e Samuels

(1998, p.148) creditam a derrota ao fracasso da “Missão Portella” no estado à derrota:

A elite paulistana- tanto a política como a empresarial- tinha como candidato o ex-ministro Delfim Netto, que foi preterido em favor de Paulo Egydio, nome aceito à revelia pela maioria dos arenistas. No Senado o problema foi ainda maior, já que havia dois candidatos fortes dentro do partido (Paulo Maluf e Ademar de Barros Filho) e ambos foram preteridos(...) O descontentamento gerado pela escolha fez com que importante parcela de arenistas atuasse na campanha do candidato do MDB ao Senado.

Paulo Egydio aprendeu com os erros de Laudo Natel, e ao escolher seu

secretariado optou por lideranças das diferentes facções arenistas, em especial de

elementos vinculados ao PSP e a UDN.

4.4. A ELEIÇÃO DE PAULO MALUF: EVIDÊNCIAS DE QUE A ARENA PAULISTA NÃO FOI O PARTIDO DESEJADO PELO REGIME DE 1964

No contexto de reforma eleitoral promovida pelo “Pacote de Abril” em 1977, a

ARENA paulista pode mostrar a sua verdadeira face, afinal as convenções regionais

19

Paulo Egydio conta: Depoimento ao CPDOC, FGV.

25

foram revitalizadas, tornando o processo de escolha do governador e dos demais cargos

mais inclusivo. Se a coalizão dominante, devido à existência de facções organizadas, já

possuía acordos instáveis, num contexto de abertura as dificuldades de coordenação do

partido seriam ainda maiores. A eleição de Paulo Maluf ao governo do estado em 1978

mostra que a ARENA paulista, não fosse as imposições dos Presidentes militares e de

sua cúpula Nacional, não forneceria condições as mínimas de atender aos interesses do

regime.

É possível afirmar que o governo saiu derrotado das convenções da ARENA

paulista em maio de 1978, pois Laudo Natel, indicado pelo futuro Presidente Figueiredo

para o cargo de governador, foi derrotado por Paulo Maluf. Precisamente, 617 votos

foram atribuídos a Maluf, enquanto 589 foram dirigidos à Natel. A quantidade de votos

recebidos por Maluf na convenção mostra que ele se beneficiou da falta de coesão

interna da coalizão dominante da ARENA paulista para compor com diferentes facções e

ascender ao poder à revelia dos militares, que determinaram a Claudio Lembo,

presidente estadual da organização na época, o máximo esforço para eleger Laudo

Natel. Entretanto, maiores investigações ainda são necessárias para identificar quais

grupos internos apoiaram a ascensão de Paulo Maluf.

5. CONCLUSÕES

As especificidades do contexto político- partidário paulista do período de 1946-65

trouxeram conseqüências específicas para a formação do bipartidarismo no estado e, em

especial na formação da ARENA, que aglutinou em seu interior as principais correntes

políticas paulistas. Pela preponderância de forças políticas regionais, foi impossível

repetir na ARENA em São Paulo, a condição de relevo que a UDN possuía nos níveis

nacionais do partido.

Para que a ARENA fosse hegemônica em São Paulo, era necessário contar com

correntes políticas muitas vezes hostis entre elas, mas que desfrutavam de amplo apelo

em relação ao eleitorado e, como no caso do PSP, de uma eficaz máquina organizacional

em todos os municípios. Entretanto, seria um erro pensar que as rivalidades foram postas

de lado em prol do fortalecimento da ARENA. Elas continuaram vivas, e estas foram as

principais referências para que os membros do partido se organizassem e lutassem pelo

poder organizacional.

A aglutinação destes grupos hostis fez com que o acordo entre eles na coalizão

dominante do partido em São Paulo fosse muito precário e instável. E a dificuldade de

coordenação das divergências internas fez com que os presidentes militares tivessem

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que interferir diretamente no processo de formação do partido e na escolha dos

governadores. Estes mesmo sendo indicados pelos chefes do Executivo Nacional, nunca

conseguiram ser unânimes em relação às diferentes facções do partido.

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Arquivos

CPDOC/FGV, Rio de Janeiro.

Arquivo do Diretório Nacional da ARENA

Periódicos

Folha de São Paulo, São Paulo.

O Estado de São Paulo, São Paulo.

ABRUCIO, Fernando. Os Barões da Federação: os governadores e a redemocratização brasileira. São Paulo: Editora Hucitec, 1998. BENEVIDES, Maria. Vitória. O velho PTB paulista: partido, sindicato e governo em São Paulo (1945-1865). São Paulo. In: Lua Nova nº 17, pp. 133-162, 1989. CARDOSO, Fernando Henrique. Os partidos políticos e a representação popular. In: FLEISCHER, David Verge. (org.) Os partidos políticos no Brasil (2vol.). Brasília: Ed. Universidade de Brasília, v. 2, 1981. CARDOSO, Fernando Henrique. Partidos e deputados em São Paulo. In: CARDOSO, Fernando Henrique e LAMOUNIER, Bolívar. (org.) Os partidos e as eleições no Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1975. DULLES, John Watson Foster. Castello Branco: o Presidente reformador. Brasília: UNB, 1983. GRINBERG, Lúcia. Partido político ou bode expiatório: um estudo sobre a Aliança Renovadora Nacional (Arena), 1965- 1979. Rio de Janeiro: Mauad X, 2009. HIPPOLITO, Lúcia. De raposas e reformistas: o PSD e a experiência democrática brasileira, 1945-1964. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985. KINZO, Maria D’alva Gil. Oposição e autoritarismo. Gênese e trajetória do MDB. São Paulo: Idesp/Vértice, 1988. PANEBIANCO, Angelo. Modelos de Partido: organização e poder nos partidos políticos. Trad. Denise Agostinetti, São Paulo: Martins Fontes, 2005. SAMPAIO, Regina. Adhemar de Barros e o PSP. São Paulo: Global, 1982. SCHWARTZMAN, Simon. São Paulo e o Estado Nacional. São Paulo: Difel, 1975.

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SIMÃO, Azis O voto operário em São Paulo. In: Revista Brasileira de Estudos Políticos, nº 1, 1956. SOARES, Glaucio Ary Dillon. A democracia interrompida. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2001. WEFFORT, Francisco Correia. As raízes sociais do populismo em São Paulo. In: Revista Civilização Brasileira. Nº 2, 1964.