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FERNANDA PAULA OLIVEIRA
Professora da Faculdade de Direito de Coimbra
Pátio da Universidade 3004-545 Coimbra
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Assunto: - legitimidade urbanística e alteração a loteamento
Coimbra, 11.02.2016
A. SITUAÇÃO DE FACTO
(i) Em 7 novembro de 2014, a ECOIBERIA solicitou o licenciamento de uma
unidade industrial para um terreno situado em Pencelo, com uma área de
38.980,00 m2, cuja confrontação a nascente se apresenta como Rua de S.
João;
(ii) Em 8 abril de 2015, é aprovado o projeto de arquitetura com base nos
pressupostos do ponto 1;
(iii) Após participação de um munícipe, verificou-se que uma parcela de terreno
junto à Rua de S. João (ao contrário do “afirmado” pela ECOIBERIA) não é
pertença desta empresa, antes domínio privado do Município;
(iv) Esta parcela de terreno foi cedida no âmbito do loteamento adjacente para
domínio público (equipamento urbano e infraestruturas) onde se localizaria a
infraestrutura de saneamento do mesmo loteamento. Posteriormente, este
mesmo terreno foi integrado no domínio privado do Município, tendo parte
do mesmo sido já alienado a terceiros, parte essa que não implica, porém,
com este acesso;
(v) Hoje, verifica-se também que esta infraestrutura de saneamento não está
instalada na parcela de terreno que constava do loteamento, mas sim numa
parcela de terreno adjacente àquela cedida pelo loteamento e que pertence à
ECOIBERIA;
(vi) Assim sendo, o acesso ao terreno da ECOIBERIA encontra-se previsto em
parte do terreno que pertence ao domínio privado do Município e que foi
cedido, no âmbito do loteamento adjacente, para equipamento urbano e
infraestruturas.
B. CONSULTA
Em face do circunstancialismo referido, colocam-se as seguintes dúvidas que o
Senhor Presidente da Câmara Municipal de Guimarães pretende esclareçamos
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Professora da Faculdade de Direito de Coimbra
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através da emissão de Parecer Jurídico:
1. A ocupação desta parte do terreno como “acesso à ECOIBERIA” (e não como
equipamento urbano e infraestruturas) implica alteração ao loteamento (onde
foi realizada a cedência do terreno)?
2. Estando o processo em fase de apresentação de projetos de especialidades
(tendo já sido apresentadas todas as especialidades e reunidos os pareceres
necessários), mas estando esta questão de propriedade de terreno (e acesso)
pendente (a qual se julga impeditiva de tomada de decisão até à sua
resolução), quais os prazos a aplicar ao processo e que procedimentos a
adotar?
C. CONSULTA
Razão de ordem
Tendo em conta a urgência com que nos foi solicitado o presente Parecer —
na medida em que se encontra em curso um procedimento administrativo com
necessidade de decisão por parte dos órgãos competentes —, tentaremos dar uma
resposta objetiva às questões colocadas, apenas com o enquadramento teórico e
doutrinário indispensável para o cabal entendimento da mesma.
Assim, iniciaremos o nosso percurso com uma caraterização, ainda que breve,
das operações de loteamento urbano e dos seus efeitos, designadamente no que
concerne ao estatuto das parcelas que são, no âmbito destas operações urbanísticas,
cedidas ao município e da possibilidade, em geral, de a respetiva licença ser objeto
de alteração (1.), debruçando-nos, de seguida, sobre a possibilidade de as alterações
incidirem especificamente sobre parcelas cedências (2.).
Depois destas considerações, procederemos à resposta direta às questões que
nos vêm dirigidas as quais, como se verá, se apresentam como uma decorrência
lógica de tudo quanto tiver sido afirmado nos pontos anteriores (3.).
Terminaremos com uma súmula conclusiva que aponta a tramitação a seguir
no presente caso.
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Professora da Faculdade de Direito de Coimbra
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1. Das operações de loteamento e respetivo regime
(i.) As operações de loteamento, ainda que tenham visto o seu regime jurídico
evoluir ao longo dos anos, sempre corresponderam a uma importante operação de
intervenção no território pela qual se definem as condições da ocupação urbanística
da área sobre que incidem, visando a criação de novos prédios com um estatuto
jurídico determinado: o de lotes urbanos, isto é, de novas unidades prediais com uma
potencialidade edificatória e usos estabilizados (por isso se diz que se destinam
imediata ou subsequentemente a edificação urbana), perfeitamente individualizados
e objeto de direito de propriedade nos termos gerais, desaparecendo,
correspetivamente, do ponto de vista jurídico, o(s) anterior(es) prédio(s).
Este aspeto é relevante para caraterizar esta operação urbanística: dela resulta,
desde logo e em primeira linha, a constituição de lotes urbanos, isto é, de unidades
prediais destinadas a edificação urbana (e cujos parâmetros urbanísticos são logo
definidos com precisão), pelo que se pode afirmar que a edificabilidade (e respetivas
prescrições, incluindo os usos) dela decorrente para cada lote integram o estatuto
urbanístico deste e, consequentemente, o conteúdo do respetivo direito de
propriedade.
Isto é, e melhor explicitando, da concretização de uma operação de
loteamento não resulta apenas a transformação fundiária da área por ela abrangida
(divisão ou reparcelamento), mas também, em virtude de dar origem a lotes urbanos
(novos prédios destinados a edificação urbana, e não, simplesmente, a novas
unidades prediais), o direito de o respetivo titular vir a concretizar as operações urbanísticas
para eles previstas.
É por ser este o resultado de uma operação de loteamento — a criação de
áreas destinadas a construção — que se compreende os encargos e os deveres que
são impostos ao seu promotor: efetivamente, admitindo (concedendo) o loteamento
uma determinada carga urbana no território (isto é, uma edificabilidade para a sua
área de abrangência — a edificabilidade global que resulta da soma das
edificabilidades previstas para cada lote — e os usos a que pode ser destinada),
torna-se imprescindível que o promotor a quem a mesma é conferida (e que
posteriormente a transacionará no mercado através da venda dos lotes) assuma
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todos os encargos que se prendem com a necessidade de dotar a área das
características urbanas que permitam a efetiva implantação (e em boas condições)
das edificações e dos usos para ela previstos. Referimo-nos ao encargo de dotar a
área de todas as condições que permitam a servir as edificações a erigir,
designadamente as necessárias a garantir qualidade de vida dos futuros utentes.
Por isso o promotor do loteamento é responsável pela realização das
infraestruturas (obras de urbanização) que sirvam diretamente os lotes (infraestruturas
locais) já que estes não podem ser destinados para edificação e usos urbanos se
não estiverem servidos por arruamentos viários e pedonais, redes de esgotos e de
abastecimento de água, eletricidade, gás e telecomunicações ; por isso, também
tem de pagar a taxa pela realização de infraestruturas urbanísticas, correspondente à
contrapartida pela realização, pelo município, de infraestruturas gerais originadas pela
operação de loteamento (já que as infraestruturas do loteamento, isto é, as locais,
apenas poderão funcionar se se puderem ligar a estas); e por isso, por fim, tem de
prever no projeto de loteamento áreas destinadas a espaços verdes e de utilização coletiva e
equipamentos, com dimensionamento adequado a servir aquelas edificações (pois
apenas desta forma se garante qualidade de vida e um bom ambiente urbano).1
Do loteamento resultam, assim, lotes urbanos (unidades prediais com uma
capacidade edificativa e usos precisos), servidos das necessárias infraestruturas
urbanísticas e de áreas verdes, de utilização coletivas e equipamentos áreas estas que
ficam logo previstas ou, sendo caso disso, são imediatamente cedidas ao município
para aqueles fins.
(ii.) A previsão de áreas para espaços verdes e de utilização coletiva, infraestruturas e
equipamentos a que nos referimos no ponto anterior e que se apresentam como
uma exigência comum aos vários regimes que ao longo dos anos regularam os
loteamentos urbanos , configura uma das exigências essenciais para a obtenção de
um adequado ordenamento do território, em especial na sua vertente de
1 No caso de a área a lotear já se encontrar servida por infraestruturas, equipamentos ou espaços
verdes públicos, a lei passou, desde 1991, a dispensar o promotor de prever áreas destinadas a essas finalidades, pagando uma compensação ao município, a qual é justificada, precisamente, no facto de a operação em causa tirar partido de áreas já existentes destinadas a esses fins.
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racionalização da ocupação da urbe. Liga-se, assim, esta exigência, aos ditames de
um adequado “ambiente urbano” cujo fim último é o de tornar a cidade ou os
espaços urbanos em espaços de sã convivência e de bem-estar humano , e ás
exigências de uma política de ordenamento das cidades.
Destinando-se, as referidas áreas, ao cumprimento dos objetivos apontados,
releva, para efeitos do seu regime, o seu estatuto, concretamente no que concerne à
titularidade das mesmas. Com efeito, o relevo que lhes é reservado decorre não apenas
da definição da sua finalidade específica, mas do regime jurídico ao qual se encontram
sujeitos.
Assim, nos regimes jurídicos em vigor até 1991 as referidas parcelas
configuravam-se necessariamente como áreas de cedência para o domínio público municipal:
se se pretendia garantir qualidade de vida na área loteada tinha de se assegurar a
possibilidade de os adquirentes dos lotes tirarem partido (poderem utilizar) estas
parcelas, o que era salvaguardado pelo estatuto de dominialidade a que se
encontravam sujeitos os bens do domínio público, pois estes destinam-se a ser
usados por todos e em benefício de todos.
Com o Decreto-Lei n.º 448/91, de 29 de novembro (artigos 15.º e 16.º) tais
parcelas passaram a poder assumir estatutos diferenciados, já que tanto podiam ser
cedidas ao domínio público municipal, como a permanecer propriedade privada mas, neste
caso, como áreas comuns aos lotes resultantes das operações de loteamento e dos
edifícios que neles viessem a ser construídos.
Atualmente, com o Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE), as
parcelas destinadas àquelas finalidades estão sujeitas a um regime próprio, já que ou são
propriedade municipal (ainda que se admita agora, depois das alterações efetuadas pela
Lei n.º 60/2007, de 4 de setembro, que integrem o domínio privado do município)
ou são, no mínimo, partes comuns dos lotes e das edificações neles erigidas (nos termos do
atual n.º 4 do artigo 43.º), também por esse motivo impedidas de uma utilização
especificamente privada.
Os parâmetros de dimensionamento das áreas destinadas a estes fins
(parâmetros esses que variam em função da maior ou menor carga prevista nos
lotes) consideram-se cumpridos somando-se as áreas cedidas ao município para
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estes fins e as destinadas às mesmas finalidades que permaneçam propriedade
privada com o estatuto jurídico acabado de referir (como partes comuns dos lotes).
(iii.) Atento tudo quanto foi referido anteriormente, e dados os efeitos reais
das operações de loteamento, pode dizer-se que os adquirentes dos lotes têm uma
particular confiança nas regras por eles definidas, nos usos neles fixados e nas áreas
destinadas a usos públicos ou coletivos nele previstas, confiança essa que merece
tutela por parte ordenamento jurídico. E são várias as normas do RJUE que se
preocupam em garantir essa confiança, como, a título de exemplo, as que se
prendem com a garantia de que as infraestruturas previstas no loteamento serão
efetivamente realizadas (cfr. artigos 84.º e 85.º) e as que preveem o direito de
reversão caso as parcelas cedidas ao município no âmbito do loteamento sejam
afetas a um fim distinto (artigo 45.º).
Essa proteção da confiança não é, porém, levada ao limite, já que não há
qualquer garantia de que as referidas prescrições de ocupação dos solos se manterão
inalteradas “eternamente”. Com efeito, os vários regimes jurídicos que ao longo dos
anos regularam os loteamentos urbanos sempre admitiram que as prescrições deles
constantes pudessem ser objeto de alteração, no pressuposto, precisamente, de que
as conceções urbanísticas que lhes estão subjacentes (e que justificaram uma
determinada solução de ocupação territorial), não são estáticas.
Admite-se, assim, que as prescrições das licenças de loteamento sejam objeto
de alteração, a qual tanto pode ser desencadeada ao abrigo do disposto no artigo
27.º do RJUE (alterações por iniciativa dos interessados), como ao abrigo do artigo 48.º do
mesmo regime jurídico (alterações por iniciativa da câmara municipal, mas neste caso, para
a execução de um instrumento de planeamento ou equivalente entrado em vigor em
momento posterior).
Não significa isto, pelo contrário, que o legislador desconsidere a confiança
que os adquirentes dos lotes depositaram nas prescrições constantes da licença de
loteamento, confiança essa que, na maior parte das vezes, esteve na base da
celebração dos seus negócios jurídicos de aquisição dos lotes.
Como efeito, no caso das alterações de iniciativa dos interessados (que é
aquela que aqui interessa), não só os respetivos projetos devem cumprir (ou não
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deverem contrariar) as disposições dos instrumentos de planeamento territorial em
vigor no momento da alteração bem como as demais normas aplicáveis (por
exemplo, da alteração não pode resultar uma ocupação que não cumpra os
parâmetros de dimensionamento para espaços verdes e de utilização coletiva e
infraestruturas viárias e arruamentos em vigor nesse momento), como, precisamente
para garantir e proteger terceiros adquirentes dos lotes, estes têm sempre, no âmbito
do procedimento de alteração previsto no artigo 27.º, uma palavra a dizer quanto às
alterações a promover pelos outros interessados, podendo opor-se às mesmas.
Ou seja, exige-se, quanto às alterações aos loteamentos ao abrigo do artigo 27.º
do RJUE, uma legitimidade acrescida, porque para além de se impor que a alteração
seja promovida por quem tenha um direito que lhe permita desencadear a alteração
em apreço (não pode, de facto, o proprietário de um lote propor uma alteração no
lote de outro), se exige igualmente a intervenção dos restantes proprietários de lotes.
Nunca se exigiu, porém — e continua a não se exigir —, que exista um total
consenso por parte de todos os proprietários dos lotes do loteamento para que a
alteração possa ser autorizada. A este propósito dispunha o n.º 3 do artigo 27.º, na
versão do RJUE imediatamente anterior à que neste momento se encontra em vigor,
que “a alteração da operação de loteamento não pode ser aprovada se ocorrer oposição escrita da
maioria dos proprietários dos lotes constantes do alvará”. O atual n.º 3 dispõe, atualmente,
que “a alteração da licença de operação de loteamento não pode ser aprovada se ocorrer oposição
escrita dos titulares da maioria da área dos lotes constantes do alvará”, mudando assim
substancialmente a regra vigente: deixa agora de se contar o número de proprietários
independentemente da área dos respetivos lotes e passa a ter relevo a área dos lotes,
independentemente do número de proprietários afetados, o que não deixa de ser
uma opção estranha para uma norma cuja finalidade é proteger as expetativas que os
adquirentes dos lotes depositaram nas especificações do alvará.2
Note-se que a pronúncia dos interessados neste âmbito não corresponde a
uma qualquer audiência prévia, podendo revestir moldes mais informais, como
sucede com o envio de uma minuta ou modelo que os interessados podem devolver
manifestando a sua apreciação ao projeto de alteração das licença de loteamento.
2 Sobre esta novidade, numa perspetiva critica, vide o nosso Mais uma Alteração ao Regime Jurídico da
Urbanização e da Edificação, Coimbra, Almedina, 2014, p. 44-45.
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Mais, a oposição não tem de significar a existência de qualquer causa de
indeferimento das referidas no artigo 24.° do RJUE: se estas existirem no momento
em que se aprecia o pedido de alteração, o órgão municipal competente tem que
indeferir o pedido; se não existirem, os proprietários dos lotes podem opor-se à
mesma, visto que a sua aquisição de lotes se fundamentou em determinados
condicionalismos que não pretendem que sejam alterados, mesmo que estejam em
conformidade com a lei.3
Não ocorrendo oposição à alteração nos termos referidos (ainda que tenha
havido oposição de alguns proprietários de lotes), e no caso de a alteração cumprir
todas as normas urbanísticas em vigor, não tem a câmara municipal como indeferir a
alteração de loteamento requerida.
2. As questões que despontam de a alteração dizer respeito a espaços
cedidos ao município
(i.) Uma questão que tem sido já discutida na doutrina e na jurisprudência é a
de saber se as parcelas cedidas ao domínio público municipal, nos termos do artigo
44.°, n.° 1 do RJUE, podem ser objeto de alteração por iniciativa da câmara, ainda
que, como normalmente sucede, em coordenação com um privado.
Para uma conveniente resposta a esta questão deve ter-se em consideração que
a cedência de parcelas de terrenos para o domínio público municipal está dependente do
arranjo urbanístico que é proposto pela concreta operação de loteamento. Pode até
acontecer que, de acordo com a operação de loteamento, não tenha de existir
qualquer cedência para o domínio público municipal.
É nesta perspetiva, ou seja, na perspetiva do arranjo urbanístico da zona que é
proposta pelo loteamento a licenciar, que devem ser entendidas as cedências de terrenos
para o domínio público municipal. Trata-se, nestes casos, de parcelas que ficam
sujeitas ao domínio público, não pela indispensabilidade, insubstituibilidade ou
primordial utilidade pública que em geral e de uma forma permanente
desempenham, mas pela sua indispensabilidade e primordial utilidade pública do
3 Neste sentido cfr. o nosso Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, Comentado, (em parceria com
Maria José Castanheira Neves, Dulce Lopes e Fernanda Maçãs), 3.ª edição, Coimbra, Almedina, 2011, p. 332-333.
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ponto de vista do arranjo urbanístico que resulta da operação de loteamento aprovada.
Isto significa que pode deixar de se justificar o regime de proteção jurídica
especial do domínio público para aquelas parcelas de terrenos sempre que se altere o
arranjo urbanístico que resulta da operação de loteamento inicialmente licenciada ou
sempre que surjam circunstâncias que as tornam desnecessárias.
Nunca vimos, por isso, qualquer impedimento genérico para que uma
alteração à licença de loteamento possa bulir com a definição das áreas cedidas ao
domínio público, desde que, ainda assim, se garanta o cumprimento dos parâmetros
que, nos termos do artigo 43.° do RJUE, se aplicam aos loteamentos (e desde que,
naturalmente, o município, titular dessas parcelas, intervenha no processo,
garantindo a legitimidade para essa alteração) .
O procedimento a adotar será, neste caso, o previsto no artigo 27.º do RJUE
para efeitos do qual se entende por interessados, todos aqueles que, relativamente à
operação urbanística em causa sejam titulares de direitos que lhes permitam realizar
a alteração pretendida, incluindo não apenas particulares, mas também a própria
câmara municipal em relação a lotes ou a parcelas de que o município seja
proprietário. É que, embora este órgão disponha, para alterar o loteamento, dos
poderes que lhe são conferidos pelo artigo 48.°, estes apenas podem ser utilizados
para a execução de instrumentos de cariz urbanístico surgidos posteriormente à
aprovação do loteamento. Assim, relativamente a parcelas cujo proprietário seja o
município (referimo-nos agora apenas às parcelas destinadas aos fins coletivos e não
a lotes), é possível a câmara municipal promover — ou articular-se com
proprietários dos lotes para promover — uma sua alteração ao abrigo do referido
artigo 27.º, sujeitando-se, naturalmente, às exigências procedimentais nele
estabelecidas, com relevo para as que visam a garantia de terceiros adquirentes de
lotes e a que nos referimos no ponto anterior. 4
Importante também para esta solução é o que decorre do Acórdão do
Supremo Tribunal Administrativo proferido no Proc. n.° 31321, de 9 de Julho de
1996, ao determinar que, numa alteração a um loteamento, por ter de ser emitido
um novo ato administrativo (o deferimento da alteração) que vem tomar o lugar do
4 Neste sentido cfr. o nosso Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, cit. p. 331
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anterior (a licença inicial), aquele novo ato não tem de se estar dependente das
limitações que decorrem do primeiramente emitido, designadamente quanto às
finalidades a que as parcelas cedidas foram destinadas: a decisão sobre a nova
pretensão tem de ser apreciada segundo as normas em vigor no momento da nova
decisão que incida sobre ela (a alteração), o que prova que a nova aprovação é
autónoma da anterior podendo, por isso, diferir dela.
Pode, pois, o ato de alteração permitir que sejam retiradas do domínio público
parcelas de terrenos que, de acordo com a conceção urbanística (o desenho urbano)
da operação de loteamento inicial aí haviam sido integradas e que, de acordo com a
nova proposta, já não se justifica que aí sejam mantidas.
Neste sentido decidiu o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 20
de outubro de 1999, Proc. N.° 44470, nos termos do qual, precisamente, se admite
que possam ser objeto de alteração as parcelas que tenham sido cedidas para o
domínio público municipal, cumpridos que estejam os pressupostos anteriormente
referidos, isto é, que o loteamento alterado continue a dispor de áreas destinadas aos
fins a que aquelas parcelas estavam funcionalizadas, e de acordo com os parâmetros
de dimensionamento exigidos.5
(ii.) Quanto à competência para a redefinição das cedências no âmbito das
alterações ao loteamento, temos defendido que a intervenção da assembleia
municipal é desnecessária, uma vez que não estamos no âmbito de um
procedimento especificamente direcionado para a desafetação de bens do domínio
público municipal — procedimento este de iniciativa municipal e no âmbito do qual
tem competência a assembleia municipal —, mas de um procedimento, de iniciativa
do interessado, de alteração à licença inicialmente emitida, e que se cifra, entre
outros dados normativos, na reformulação do mapa de cedências.6
Esta asserção, assente na diferente configuração destes dois procedimentos, é
confirmada pelo princípio do paralelismo de competências, já que se é da
competência da câmara municipal o licenciamento de operações urbanísticas (artigo
5 Sobre a posição defendida neste Acórdão, e concordando com ela, cfr. o nosso “Cedências para
o domínio público e alterações a loteamento: como conciliar?” Anotação ao Acórdão do STA de 20.10.1999”, P. 44470, in Cadernos de Justiça Administrativa, N.° 21, maio/junho de 2000).
6 Cfr. o nosso Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, cit. p. 335 e ss.
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5.º, n.º 1, do RJUE), do qual resulta a definição de cedências e a sua integração no
domínio municipal — que opera por efeito da emissão do alvará —, também
deverá ser da competência daquele órgão a redefinição das cedências a efetuar no
âmbito de uma alteração ao loteamento (pela qual também ela é competente).
Consideramos que fazer intervir, nesta sede, a assembleia municipal, para além
de desnecessário, é espúrio, pois equivale a conferir-lhe uma competência que a
legislação lhe não atribui: a de definir os termos em que um projeto urbanístico (no
caso, a alteração de um loteamento) deve ser aprovado. Com efeito, ao ser-lhe dada
a possibilidade de não aprovar a desafetação de um bem do domínio público, este
órgão municipal estaria claramente, ainda que de forma indireta, a decidir sobre uma
alteração a um loteamento, competência que claramente não tem.7
Muitos municípios, por terem dúvidas quanto a esta competência da câmara
municipal, entendem por bem sujeitar a deliberação de alteração, na parte em que
procede à desafetação das parcelas cedidas ao domínio municipal, à assembleia
municipal respetiva. Julgamos que o podem fazer, à cautela, mas porque
entendemos que, precisamente, esta competência é da câmara municipal e não da
assembleia municipal — e para que depois não se venha invocar a incompetência da
própria assembleia municipal —, deve a câmara municipal aprovar primeiro a
alteração do loteamento com a nova organização urbanística (e portanto também da
parte relativa à desafetação) sujeitando-a, na parte da desafetação das parcelas
cedidas, à aprovação da assembleia municipal. O que significa que passarão a existir
duas deliberações quanto à referida desafetação sendo, com toda a certeza, uma
delas proferida pelo órgão competente, sanando o vício de incompetência que possa
existir em relação ao ato praticado pelo outro órgão.
Isto sem prejuízo de, quanto a nós, e reafirmamo-lo, considerarmos
desnecessária a intervenção da assembleia municipal por entendermos que é a
câmara que tem competência para alterar o loteamento, incluindo tudo quanto
respeite as parcelas que por via das cedências integraram o domínio público
7 Neste sentido cfr. o nosso Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, cit. p. 331. Quer-nos parecer que o RJUE, na formulação introduzida pela Lei n.º 60/2007, de 4 de Setembro, aponta inequivocamente neste sentido, já que as cedências no âmbito de operações urbanísticas passaram, a partir desse diploma, a poder ser realizadas para o domínio privado do município, o que demonstra a inerente distinção entre a tradicional afetação/desafetação do domínio público municipal e a cedência de áreas para o município no âmbito de operações urbanísticas.
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municipal.
(iii.) Incidamos agora a nossa atenção sobre a questão do direito de reversão
previsto no artigo 45.º do RJUE. O exercício deste direito refere-se a cedências que,
obrigatória e gratuitamente, foram feitas no âmbito da operação de loteamento,
devendo tais áreas ser afetas, essencial e concretamente, aos fins que justificaram a
sua cedência.
Integrando estas parcelas o domínio público municipal, funcionalizadas a
determinados fins, a mutação do destino das mesmas encontra-se severamente
limitada, já que uma sua utilização para fins distintos confere ao cedente (o
promotor do loteamento) ou aos proprietários de, pelo menos, um terço dos lotes
constituídos em consequência da operação de loteamento, o direito à reversão das
mesmas.
Note-se que a afetação das parcelas à finalidade pública prevista no ato
autorizativo não é um exclusivo das parcelas integradas no domínio público do
município que, por esse motivo, sempre estariam sujeitas a um regime
particularmente restritivo, mas também daquelas que ingressam, a título de
cedências, no seu domínio privado. Estas parcelas, quer se entenda que ingressam
no domínio privado indisponível do município, quer se defenda que estão ligados
por um vínculo jurídico-público de destinação, não podem também ser utilizadas
para outra finalidade, por recair sobre a Administração a obrigação de não conferir
às parcelas subtraídas à propriedade dos particulares uma finalidade diversa daquela
que a havia fundamentado.
O direito de reversão não funciona, porém, naturalmente, nas situações em
que se tenha promovido previamente uma alteração da licença no que se refere a
essas parcelas: ainda que o artigo 45.º apenas exclua a reversão nas situações em que
a alteração seja promovida ao abrigo do artigo 48.° do RJUE, sempre entendemos
que, por maioria de razão, esta exclusão vale quando a licença tenha sido alterada
(nessa parte específica) por outras vias, designadamente a prevista no artigo 27.° do
RJUE. 8
8 Neste sentido vide o nosso Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, cit. p. 389. Na mesma
direção aponta António Duarte de Almeida e outros, Legislação Fundamental de Direito do Urbanismo,
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Apenas entendemos que, neste caso, ao contrário do que sucede quando se
mobiliza o artigo 48.º do RJUE, não haverá direito de indemnização, uma vez que
esta alteração, dada a questão de legitimidade, nunca poderá recair sobre lotes de
terceiros (provocando-lhes prejuízos) e porque, por outro lado, a alteração
pressupõe que os adquirentes dos lotes (em nome da proteção da confiança que
estes depositaram no alvará de loteamento inicial) se pronunciem acerca dessa
alteração.
3. Resposta as questões da consulta
Tendo em conta tudo quanto foi referido no ponto anterior, estamos em
condições de dar uma resposta cabal às questões que nos foram colocadas, resposta
essa que passa pela consideração dos seguintes aspetos:
(a) O que se pretende, no presente caso, é a alteração do destino previsto num
alvará de loteamento para uma parcela que, no âmbito daquele, foi cedida ao
domínio público municipal com vista a nela instalar um equipamento urbano
e infraestruturas.
(b) A finalidade que devia ter sido cumprida nesta parcela foi concretizada numa
outra, curiosamente propriedade da ECOIBERIA, o que significa, por um lado,
que o loteamento não está privado da infraestrutura inicialmente prevista e,
por outro, que a parcela inicialmente cedida ao domínio público municipal já
não é necessária para esse fim.
(c) Fazemos um parenteses para chamar a atenção para o facto de que não
entendemos de que forma, tal como vem afirmado na Consulta, a referida
parcela “foi integrada no domínio privado do Município, tendo parte do mesmo sido já
alienado a terceiros”. É que, independentemente do procedimento adotado para
o efeito, a verdade é que, não tendo sido feita uma alteração ao loteamento,
as prescrições dele constantes para aquela parcela continuam em vigor e, por
isso, vinculam a câmara municipal, o proprietário do prédio e os adquirentes
dos lotes (n.º 3 do artigo 77.º do RJUE), o que é consequência: (1) dos
Lisboa, Lex, 1994, p. 580, para quem o desvio de fim da parcela só é relevante para efeitos de reversão quando ela não corresponda a uma alteração legal das prescrições do loteamento.
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efeitos reais das licenças de loteamento (já que definem as condições de
ocupação urbanística da sua área de abrangência) e (2) do seu carater
vinculativo, equivalente ao dos planos [por isso são nulos os atos que violem
a licença de loteamento, nos termos da alínea a) do artigo 68.º, in fine, do
RJUE]. Uma alteração ao loteamento impõe-se, assim, para que possa ser
viabilizada a aprovação do projeto de arquitetura nos termos propostos.
(d) Essa alteração segue os termos e as exigências previstos no artigo 27.º do
RJUE, conforme referido supra.
(e) A alteração que permite a resolução do problema aqui em apreciação passa,
na proposta apresentada pela ECOIBERIA, pela cedência, por esta, do terreno
onde as infraestruturas do loteamento estão agora integradas, autorizando o
Município, em contrapartida, o acesso à edificação da ECOIBERIA a erigir na
parcela da sua propriedade.
(f) Esta é, de facto, uma solução possível, e dela decorre que a alteração ao
loteamento se deve traduzir, tão só, em retirar (desanexar) do seu âmbito
(isto é da sua área de incidência) a parcela inicialmente cedida ao Município,
de forma a poder utiliza-la para uma finalidade distinta da para ela prevista na
licença de loteamento inicial.9 E a autorização da câmara para que aquela
parcela possa ser utilizada como o acesso à obra de edificação cujo projeto de
arquitetura já foi aprovado é necessária para garantir a exigida legitimidade na
realização da operação urbanística.
(g) Julgamos, porém, que esta solução pode colocar o Município numa posição
“frágil”, tendo em conta os antecedentes deste processo e a forte contestação
que lhe está subjacente: por um lado, porque pode colocar a dúvida de ter
desprovido o loteamento de infraestruturas do mesmo (já que a parcela onde
a infraestrutura que para ele estava inicialmente prevista deixa de estar
abrangida pelo loteamento e, por isso, afeta de forma imediata aos lotes por
9 A manutenção desta parcela no loteamento, mesmo que não afeta àquele fim inicial, não faz, de
fato, qualquer sentido, na medida em que os usos a que vai estar afeta nada têm que ver com aquela operação de loteamento.
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ele criados10); por outro lado, porque ao autorizar o acesso ao projeto da
ECOIBERIA por uma parcela da sua propriedade, pode ser “acusado” de se
estar a associar a esta operação (na medida em que a sua intervenção em
associação com o promotor é indispensável para garantir a legitimidade
urbanística que permite o licenciamento da obra);
(h) A superação destas dificuldades pode passar por promover uma alteração ao
loteamento que consista num seu “rearranjo” ou “reconfiguração”: com base
num projeto muito simples, retira-se dele a parcela inicialmente cedida (e que
já não é necessária para o fim previsto) e nele se integra a parcela agora afeta
à finalidade inicialmente prevista como necessária ao loteamento.
(i) Esta solução supera, desde logo, a primeira dificuldade supra enunciada, na
medida em que, ao integrar no loteamento a parcela com a infraestrutura
inicialmente para ele prevista, permite afirmar que esta infraestrutura é
(continua a ser) a infraestrutura do loteamento e a ele primordialmente
afetada.
(j) Quanto à parcela retirada do loteamento, o que faz sentido é a sua aquisição
pela ECOIBERIA, aquisição que pode perfeitamente ser assumida como a
contrapartida (permuta) pela cedência ao Município da parcela a integrar no
loteamento (e destinada à infraestrutura), deixando, assim, a operação de
edificação de ser vista como realizada em associação entre o Município e a
ECOIBERIA (como seria se aquele mantivesse a propriedade da parcela).
(k) É certo que esta solução — de cedência da propriedade à ECOIBERIA a troco
da parcela a integrar no loteamento —, não podendo ser titulada pelo
aditamento ao alvará de loteamento (na medida em que esta mesma parcela
deixa de ser por ele abrangida), não dispensa a realização de atos notariais de
transferência da propriedade.
(l) A realização destes atos não será, no entanto, indispensável, para que a
licença de construção possa ser concedida, mesmo que se entenda que da
10 De referir, ainda, que a parcela onde a infraestrutura acabou por se localizar, também não está
integrada no loteamento e, por isso, não tem com ele qualquer vínculo jurídico.
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aquisição da propriedade daquela parcela depende a legitimidade da
ECOIBERIA para obter o licenciamento urbanístico.
m) É que, ainda que a legitimidade seja um pressuposto procedimental que deve
estar verificado logo no início do procedimento, sob pena de rejeição do
pedido, temos entendido que ela não releva para este fim naqueles casos em
que a ausência de legitimidade é conhecida logo no início do procedimento
mas é colocada, pelo próprio Município, na dependência, para que possa ser
preenchida, da prática de atos dependentes da sua própria atuação (ainda que
em momento posterior à emissão do ato constitutivo do procedimento). É o
que sucederá sempre que a câmara municipal faça depender a legitimidade da
operação urbanística da celebração de ato notarial de transmissão da
propriedade da parcela do Município para o privado. Nesta situação temos
apontado para a validade do ato administrativo praticado — a licença de
construção que vier a ser emitida sem o preenchimento do pressuposto da
legitimidade — tomado com conhecimento suficiente das circunstâncias de
facto e de direito que o rodeavam, estando colocada em causa apenas a
eficácia deste ato enquanto a condição de aquisição da legitimidade — que
depende do próprio órgão que praticou o ato — não se encontrar
preenchida.
n) Estaremos, numa situação destas, perante um ato (a licença de construção)
apenas transitoriamente ineficaz, o que significa que o início da obra fica
dependente, nestes casos, não apenas da emissão do alvará, mas também da
celebração do ato notarial de transmissão da propriedade da parcela.
Assim, e concluindo:
1. A ocupação da parcela inicialmente cedida no âmbito da operação de
loteamento como “acesso à ECOIBERIA” (e não como equipamento urbano e
infraestruturas) como previsto no alvará, exige a prévia alteração ao
loteamento onde a cedência do terreno foi realizada, alteração que tem de
seguir o procedimento definido no artigo 27.º do RJUE;
2. Na medida em que a desconformidade da licença de construção com a
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operação de loteamento é geradora de nulidade, deve o respetivo
procedimento ser suspenso (e não emitida a licença de construção) até que a
alteração ao loteamento esteja concluída;
3. De forma a não deixar dúvidas quanto a esta suspensão, deve a câmara
municipal notifica-la ao particular informando-o de que, até que tal alteração
esteja concluída, o prazo de decisão (para a emissão da licença) se encontra
suspenso. Esta suspensão deve vigorar pelo período de tempo que demorar a
referida alteração.
4. Na medida em que o ato de aprovação do projeto de arquitetura vem sendo
considerado um ato administrativo (na verdade, trata-se do ato
administrativo central do processo de licenciamento), e tendo em conta que,
na presente situação, no momento da sua aprovação o loteamento ainda não
estava alterado — o que, atendendo à regra do tempus regit atum, pode levar à
conclusão de que aquela aprovação é nula por desconformidade com o
loteamento —, consideramos que, caso a alteração ao loteamento seja
alcançada, deve a Câmara Municipal, ao abrigo do novo Código do
Procedimento Administrativo (CPA), sanar tal nulidade (desconformidade do
projeto aprovado com o alvará de loteamento), através da conversão do ato
(n.º 2 do artigo 164.º do CPA), isto é, emanando uma nova deliberação de
aprovação do projeto de arquitetura em tudo igual à anterior (agora sem o
vício) e conferindo-lhe efeitos a partir da data da prática da aprovação inicial.
(n.º 5 do artigo 164 do CPA).11
5. Juntamente com a alteração ao loteamento, tem de ser realizado o ato
notarial de transferência da propriedade da parcela destinada ao acesso a
favor da ECOIBERIA (na verdade, o ato notarial de permuta da parcela em
causa por aquela onde a infraestrutura está localizada e que será integrada no
loteamento). Tal não significa, porém, que a licença não possa ser emitida:
pode sê-lo desde que os seus efeitos fiquem condicionados àquela
11 Os pressupostos desta norma do CPA estão verificados no caso concreto, na medida em que,
embora com a alteração ao loteamento, se modifique a situação de facto que lhe está subjacente, o regime legal (que exige, para a validade dos atos de licenciamento de obras, a sua conformidade com os loteamentos) se mantém.
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transferência, o que significa que após a alteração ao loteamento, pode ser
levantada a suspensão do procedimento, emitida a licença final e notificado o
particular para proceder ao levantamento do alvará, ainda que com a
informação de que o início da obra está dependente da realização do referido
ato notarial que transfere a propriedade.
Este é, salvo melhor, o nosso parecer
(Fernanda Paula Oliveira)