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5
Relicário
Alysson Rosa
Derek Soares Castro
Fábio Henrique Pupo
Felipe Valle
Gabriel Rübinger
Innocencio do Nascimento e Silva Neto
Ivan Eugênio da Cunha
Matheus de Souza
Maurilo Rezende
Nestório da Santa Cruz
Renan Tempest
Sérgio Carvalho
7
O Soneto
Nas formas voluptuosas o Soneto
Tem fascinante, cálida fragrância
E as leves, langues curvas de elegância
De extravagante e mórbido esqueleto.
A graça nobre e grave do quarteto
Recebe a original intolerância,
Toda a sutil, secreta extravagância
Que transborda terceto por terceto.
E como um singular polichinelo
Ondula, ondeia, curioso e belo,
O Soneto, nas formas caprichosas.
As rimas dão-lhe a púrpura vetusta
E na mais rara procissão augusta
Surge o Sonho das almas dolorosas...
Cruz e Sousa
9
Sumário
Alysson Rosa ........................................................................ 15
Momentos Mortos ............................................................................... 16
Perdão! ................................................................................................. 17
Cemitério Lôbrego .............................................................................. 18
Recordações ......................................................................................... 19
Reencontro Impactante ..................................................................... 20
Derek Soares Castro .................................................. 22
As Nossas Mãos .................................................................................. 23
Buganvília de Lástimas .................................................................... 24
Réquiens Lacrimosos ......................................................................... 25
Suplício de Tântalo ............................................................................ 26
Musa Imortal ...................................................................................... 27
Fábio Henrique Pupo ............................................... 29
Hipnose Lírica .................................................................................... 30
Confissões do Tempo ......................................................................... 31
Agonias do Ego ................................................................................... 32
Deste a Epicuro o fado igual fez Dante .......................................... 33
Invulnerável n’alma mesoclítica ..................................................... 34
Felipe Valle ............................................................................ 36
10
Flor de Ciclâmen ................................................................................ 37
A Tocha Que Incendeia a Raiva ...................................................... 38
Eu Amo a Tua Sinuosa Brancura ................................................... 39
A Canção d'Outono............................................................................. 40
Inútil Dizer .......................................................................................... 41
Gabriel Rübinger ........................................................... 43
Inquietação .......................................................................................... 44
Fogueira ............................................................................................... 45
O Acender da Pira .............................................................................. 46
O Sono do Anjo.................................................................................... 47
Lavo minhas mãos ............................................................................. 48
Innocencio do Nascimento e Silva
Neto ................................................................................................. 50
Anjinho do bar .................................................................................... 51
Lembranças de natal ......................................................................... 52
Saudades .............................................................................................. 53
Só uma mãe ......................................................................................... 54
De um Amor sem condição ............................................................... 55
Ivan Eugênio da Cunha ......................................... 57
Horas Vazias ....................................................................................... 58
Perecendo ............................................................................................. 59
11
Fala-me destes lírios que tu vês ...................................................... 60
Navio Fantasma ................................................................................. 61
Rosa Negra .......................................................................................... 62
Matheus de Souza .......................................................... 64
Onde está Maíra? ............................................................................... 65
Soneto Inglês Shakespeariano. ....................................................... 66
Soneto Italiano Petrarquiano. ......................................................... 67
Caveira. ................................................................................................ 68
O Lado Incógnito da Cidade. ............................................................ 69
Maurilo Rezende ............................................................. 71
Médio Médium .................................................................................... 72
Eiva ....................................................................................................... 73
Ao Inferno ............................................................................................ 74
Condição ............................................................................................... 75
Mefitismo ............................................................................................. 76
Nestório da Santa Cruz .......................................... 78
Teu Livro ............................................................................................. 79
Acabou de Morrer ............................................................................... 80
Meu Lar................................................................................................ 81
Anjo Recolhido .................................................................................... 82
Camponesa .......................................................................................... 83
12
Renan Tempest ................................................................. 85
Musa Gótica ........................................................................................ 86
Numa necrópole... .............................................................................. 87
Amor... .................................................................................................. 88
Adeus! ................................................................................................... 89
Morro deste amor... ............................................................................ 90
Sérgio Carvalho ............................................................... 92
Jazigo do Amor ................................................................................... 93
Flores Fúnebres .................................................................................. 94
Fúnebre Amada .................................................................................. 95
Paraíso ................................................................................................. 96
Despedida ............................................................................................ 97
16
Momentos Mortos
Recordo suspirando, aos calafrios,
Momentos que ficaram para trás;
Recordo a doce dama que se jaz
No Campo-Santo dos meus desvarios…
Sussurro versos lúgubres e frios,
Vindos do frio que na minh'alma faz.
Estou sozinho e sei que nunca mais
Verei alguém, nos meus jardins sombrios.
Sonho malditos sonhos que me fazem
Lembrar de bons momentos que se jazem
No cemitério do meu pensamento.
Fico na escuridão, sozinho e triste,
Chorando numa angústia que persiste
A eternizar meu último momento…
17
Perdão!
Se fiz da tua foto um amuleto;
Se é teu olhar, a lua que eu admiro;
Se é tua alma, o ar do qual respiro;
Se dei teu nome para um vil soneto;
Se já teu nome é todo o meu dialeto;
Se o vento me oferece o teu suspiro;
Se é com as tuas unhas que eu me firo;
Se apenas com teu riso o meu completo;
Se em cada sonho meu estás inclusa;
Se do meu verso pobre te fiz musa;
Se és cada flor que beija o colibri;
Se é teu gemido que ouço no trovão;
Se a chuva é teu chorar: Perdão! Perdão!
Se tudo o que imagino é sobre ti…
18
Cemitério Lôbrego
Andejo a ponderar, pranteando agruras
Em madrugadas gélidas, sozinho,
Errando por um tétrico caminho
Que torna as minhas noites mais escuras.
Contemplo, num perene desalinho,
Uma aura matizada de tristuras,
Que envolve as plangitivas sepulturas
E faz o meu respiro ser daninho…
As aflições a cada instante aumentam,
Conforme as almas tristes me atormentam,
Por corredores frios e medonhos.
Vagueio, numa angústia colossal,
Num cemitério lôbrego, no qual
Se quedam, inumados, os meus sonhos…
19
Recordações
Não sei se te recordas, ó meu Bem,
Daquelas noutes lindas, de verão,
Em que nós dous, em meio à viração,
Contávamos estrelas… E, também,
Não sei se vais lembrar das tardes em
Que nós, deitados lado a lado ao chão,
Flagrávamos, na douda mutação
Das nuvens, formas que somente quem
Está deveras muito apaixonado
Consegue perceber… Ah, que passado!
Não sentes essa imensa nostalgia,
Ao recordares, nessa tumba fria,
O tempo em que na nossa vida havia
Nuvens formosas e céu estrelado?…
20
Reencontro Impactante
Depois de duros anos com a ausência
Daquela que estremece o peito meu,
Voltei, enfim, ao bairro em que ocorreu
O mais bonito sonho, em minha ciência.
Quando cheguei na sua residência,
O lúgubre senhor que me atendeu
Gentil e tristemente disse que eu
Podia entrar, a voz em decadência…
Entrei sorrindo — estava mui contente;
Eu poderia vê-la, finalmente!
Era, p'ra mim, o dia mais perfeito!
Mas ela estava pálida e tão fria,
Num leito de madeira, em que dormia
Com suas mãos unidas sobre o peito…
23
As Nossas Mãos
Por esses traços, nessas tortas linhas,
Que estão em minha palma tão marcadas,
Reflito sobre ter as mãos sozinhas,
As minhas mãos assim, desnorteadas...
Onde estarão as tuas mãos amadas?
Dois passarinhos, duas andorinhas,
As nossas mãos perdidas, separadas,
Tão desunidas tuas mãos das minhas.
E tenho as mãos dum roto vagabundo,
Tal como quem buscou e não achou,
Por procurar o sonho mais fecundo.
Por onde estarão? Quem as encontrou?
As nossas mãos perdidas nesse mundo,
Mãos, que o cruel destino separou!
24
Buganvília de Lástimas
"O que serei, então, depois de velho."
(António Nobre)
Em trágicas ruínas, tristemente
Tenho por resumida a juventude;
Turvou-me a aurora prematuramente
A escuridão mortal da senectude.
Envelheci no alvor da solitude
Lançado no infortúnio, penitente;
É-me pesada, tão intensa e rude,
A mão do meu fadário de sofrente.
A flor da idade é bela, forte e ardente!
Quanta ventura pela vida existe!
Que eu tudo vi tornar-se decadente...
Quanta velhice em mim se conglomera!
Senhor! Não há de haver algo mais triste,
Do que um outono em plena primavera!
25
Réquiens Lacrimosos
Escuta Amor, os prantos, os lamentos,
Vindos dos mais arcaicos campanários,
Desses chorosos sinos solitários
Que se pranteiam pelos firmamentos.
Escuta os êneos ecos sonolentos,
Esses profundos sons do além — diários;
Esses sacrais queixumes mortuários,
Nesses ocasos frios, fumarentos...
Escuta Amor, a breve melodia,
A prece divinal do fim do dia,
O réquiem melódico e perfeito.
Escuta ainda Amor, o badalar,
Deste meu coração a prantear,
Na catedral augusta do meu peito!
26
Suplício de Tântalo
"Tudo, porém, era neblina e poeira,"
(Gastão de Deus)
E eu que sonhei durante a travessia,
Da vida inteira a fúlgida visão,
Com os Elísios campos, na utopia,
Plenos de alacridade e floração;
Tanto busquei por esse claro dia,
A glória desses sonhos, na ilusão...
Em minha mente, idealizado eu via,
O meu porvir em gozo e exultação.
Sonhei... Busquei... Mas, tudo no caminho
Era bifurcação e me era espinho,
Um íngreme destino de expiação!
E eu que nutri minh'alma em sonhos tantos,
Vejo hoje, que eram esses vis encantos,
Um Tártaro de imensa decepção!
27
Musa Imortal
Branca, soturna, gélida e imponente,
De corpo cadavérico — Rainha —
O corpo sepulcral de quem definha,
A lua cheia, lúgubre e languente.
Imaculada Santa tão sozinha,
Dama despida, nua, alvinitente,
Mirífica e lucífera nubente,
A lua morta qu'eu julguei ser minha.
Da escuridão amante tenebrosa,
Noturna Senhorita livorosa,
Virgem de tantas faces, tão secretas!
Oh Lua dos errantes desgraçados,
Lua dos solitários malfadados,
A Musa ideal de todos os Poetas!
30
Hipnose Lírica
Concatenando, engendras teus sofismas,
Na apoteose idílica do léxico,
Mesmerizando o indouto em teu complexo
E pseudolinguajar cheio de prismas.
Decuplicados, termos nos quais cismas,
Na insipidez diáfana, sem nexo;
Vidrado, encaras máximas, perplexo,
A arder febris vocabuloaneurismas.
Insone, pois, julgando a mente invicta,
Da microencefalia tens o facto
No olvido, até –– o Saber sepulto à cripta,
Quando o apogeu neural houver no impacto
Tolhido em ócio a mística da escripta ––
Caíres, qual o inepto, mentecapto.
31
Confissões do Tempo
O Tempo não afasta da memória
Recordações do Amor primeiro, pois
Distância o próprio Tempo é, afora,
Saudade que a Distância lhe impôs.
O Tempo, então: Saudade por si só,
Reafirmada ao longo do seu tempo,
Que na Extensão, saudoso, o Amor do pó
Retorna um dia, a tempo dum intento:
Amar ardentemente o já amado,
Re-descobrindo o Amor, Ser imutável,
À Intensidade excelsa à do passado,
Que é sentimentalmente mais instável...
Desnudo, o Amor se faz mais atraente
À nostalgia têmpora latente...
32
Agonias do Ego
Morre irrequieto, preso ao leito, à míngua,
À luz mortiça, ao som do peito tísico,
Padece junto ao corpo metafísico
Dos Ideais pegado ao pé e à língua.
E, enquanto cospe a alma, queima a íngua
Do incerto que é partir do mundo físico
E embora sofra neste estado mísero
Rejeita até o fim a Luz contígua.
Até que o corpo à própria enfermidade
Dê cabo e deixe ir o esp’rito, imune
À dor e as chagas, ir à Eternidade.
(Se porventura houver no cosmos vasto
Esse lugar longínquo o qual reúne
Nem causa mortis, nem querer nefasto.)
33
Deste a Epicuro o fado igual fez Dante
Deste a Epicuro o fado igual fez Dante
Que fê-lo, por herege, herege em Cristo;
O Estige ouviu-te os votos e ultrajante
Denúncia incauta a alguém puro e benquisto.
Segues, funesto, o trilho à displicência
E, proclamando à Atenas novo culto
Em prol da falsa ética, na eloquência
De orador-mor, filósofo do insulto,
Agrega a massa leiga às vãs doutrinas
O logro –– teu ludíbrio ––, reles plágio
Desse atomismo o qual tu recriminas.
Destarte, a pão e circo, o vil sufrágio
Faz, do cambista mísero, Alighieri
Que a própria alma a ferro e fogo fere.
34
Invulnerável n’alma mesoclítica
Invulnerável n’alma mesoclítica,
Juraste, dir-me-ia quais invólucros
Do liliáceo bulbo da autocrítica
Impõem-te regra e cárcere nos rótulos.
Enquanto, em ti, por si, desejos módicos
Cujo controle, breque à consciência,
A causticar a mente efeitos sódicos,
Proíbe-te, sujeito à penitência,
De esclarecer-me a mim, alma mais pobre,
Com que esp’riência e esp’rito nobre atuas
No discursar velado, o qual encobre,
Ao miseravelmente expor às ruas,
Desta feita, esse infausto misantropo
Que em ti habita (em mim) o espaço oco.
37
Flor de Ciclâmen
Na minha derradeira hora, suprema,
Os campos de meus lôbregos olhares,
Fanarão as noctívagas das flores.
E o céu d'alacridade, seu emblema,
Tornar-se-á mais roxo pelas dores,
Que carrego, além d'outros mais sofreres...
Sorvendo-me a míngua do mortório,
E contemplando o trágico destino;
Flores dentre as mais belas em silêncio,
Adornarão o olhar meu cristalino.
Anêmica a mão flébil, da Tristeza,
Tocará delicada, finalmente,
Os meus olhos tão cheios da pureza
Perdidos na penumbra opalescente...
38
A Tocha Que Incendeia a Raiva
Pluvial a Dor que vejo na cidade.
O archote acende a chama tenebrosa,
Ao ver toda ira e tanta atrocidade
Entorno da metrópole vultuosa.
Um gato tenta achar tranquilidade,
E agita-se a pelugem asquerosa;
Minh'alma numa atroz perversidade,
Ao telhado erra a noute sulfurosa.
Lamentações, e a tíbia acha de lenha,
Queimando vaga a pêndula rouquenha,
Dentre um jogo de ácidos pesares.
Então minhas mãos frágeis e entrevadas,
Revelam do baralho, vãs jogadas;
Que em tudo queimaram priscos horrores.
39
Eu Amo a Tua Sinuosa Brancura
Cada vez mais eu amo tua brancura;
Lábios que me respondem com carícias,
Olhos desvendadores de delícias!
E madeixas em sua rica negrura...
És a mulher, a única procura,
E entre tantos lugares, e renúncias,
Achei-me em ti no enigma, e me entendias;
Como a um irmão, senti tua ternura.
Em mim, achaste tu um novo homem,
Igualmente ganhamos nosso amém!
E assim íamos, fartos, de paixão.
E, por um certo tempo, assim será,
Porém passado 'sto, tal fim virá;
Sei qu'eu sentirei o gosto da traição!
40
A Canção d'Outono
Tu não sabes da queda d'uma folha
como o coração sente u'a tristeza.
Sulcou n'alma que só assim desfolha
doce n'Outono, minha maior pureza.
E como o tênue toque me farfalha,
vacilo ao passar, passa a vagareza...
N'Outono, vai-me o gosto da trebolha,
e volteia em meu olhar tua rareza.
Tu não sabes que vens n'uma colheita
fortes dores sofríveis, que m'espreita,
a alma sente doída u'a gavela;
E a morte me parece ser tão bela
n'Outono, dores, flores, m'assemelha...
Tu não sabes da queda d'uma folha?
41
Inútil Dizer
Horas, passadas horas infrutuosas,
Que levaram, p'ra bem longe, a tristura.
E como assim, quem sente a quentura
Tornar ao rosto as lágrimas penosas.
Foram as incontáveis tristes horas,
Se incrustando na fria e baça nervura.
Teu retrato, revendo, a ida alvura,
No meu peito arfou dores lutuosas.
E a nostalgia sentida em cada canto,
Teu andar se vê, mas vejo-o nevoento,
Entre as arestas, entre os lios de luz;
Sala, quartos, e noutros aposentos,
Pudera eu guardar nossos bons momentos,
Quando tu ias ao esquife num cambaluz.
44
Inquietação
Onde deixei meu coração baldio?
Na tarde de um outono envelhecido,
de folhas a carpir os desenganos
de quem viveu e não amou a vida?
Queixei-me, ao alaúde, das venturas
que agora o vento trouxe. Consolou-me
o vulto violeta de uma breve
verbena que soltou-se de seu galho...
Vesti as ilusões e os velhos sonhos
da imensidão dos campos do cerrado
e cavalguei em nuvens e estrelas.
Banhei meus pés nas lágrimas de um rio
que eu mesmo derramei. Se eu amava,
eu já não sei. Lavei minha alma escrava.
45
Fogueira
Quero queimar meus versos na fogueira,
jogar-me junto, arder-me nessa chama,
pois meu destino é o mesmo da madeira
que enquanto morre o seu choro declama.
Como ela quando canta a derradeira
cantiga aquebrantada, e o fogo brama,
estala e treme o dorso e a cabeleira
do galho que se esfuma em lindo drama.
Quero queimar-me para ter na boca
a voz dos ventos, dos rios uivantes,
da noite lamentosa, fria e oca,
Para acalantar no berço ardendo,
como plangem os ramos soluçantes
pela fogueira, lúgubres, morrendo...
46
O Acender da Pira
Desfraldam-se as nuvens altaneiras
no glacial brancor da antiga Roma,
e um vate colhe a ode, e do ar toma
as brumas soniais das oliveiras...
O escravo faz coroas derradeiras,
e as põe no altar de fora, onde o aroma
que invade tristemente o bosque assoma
os mármores, as folhas, as roseiras.
O Sol atrás morrendo. A tarde expira,
no esmaecer de sombras, de falenas
dançando flébeis, no calor da pira.
A terra cobre o corpo, e as serenas
estrelas lacrimejam. Resta a lira,
tangendo até o chorar das açucenas...
47
O Sono do Anjo
Manhã. Flores tremidas, gotejando
o orvalho frágil... O corpo seu jazia
na cama. E delicada, ela dormia
co'a luz do Sol no rosto atravessando...
As madeixas castanhas perfumando
o quarto... Estranha e doce calmaria.
A pele de marfim, branca, luzia,
ao meu olhar tristonho iluminando.
Os cílios fimbriando, as mãos pequenas,
e, ao suspirar, ingênuas açucenas
na campa morna e pura vão surgindo...
Beijo-lhe a testa, suave e sincero.
E vou-me devagar, por que não quero
que desperte o meu anjo ali dormindo!
48
Lavo minhas mãos
Jurei por Deus deixar paixões de lado,
limpar da alma o negro sofrimento.
Antes pudesse! O teu olhar sedento
matou as juras de um desesperado.
Cintila dentro em mim esse momento,
elísio vento que varre o passado...
A cor do teu olhar esverdeado,
morrendo nele aquele juramento.
Tenho, desde esse dia, um mar de pranto,
mas nesse mar verti meu amor todo...
Não sobrou nada mais dentro do peito.
Meti meus pés nas sandálias de um santo,
andei por sobre a brasa e sobre o lodo,
e disfarcei num riso o teu despeito.
50
Innocencio do
Nascimento e Silva
Neto
51
Anjinho do bar
"E como um par
O vento e a madrugada
Iluminavam à fada
Do meu botequim"
(Oswaldo Montenegro)
Depois d'um estressante e duro dia
Busquei, num bar, a paz devida aos trapos.
Cansado da tarefa "engole sapos",
Busquei, num bar, um pouco d'alegria.
Largado no balcão, ali dormia...
Foi quando a mão mais doce, pelos papos,
Rasgou-me do meu sonho e, em guardanapos,
Virou uns versos ébrios de magia.
O toque mais gostoso em minha face!
E a mão daquela moça, há quem falasse,
Guardava um segredinho lá das gazas!
Talvez não fosse um anjo, mas eu juro
Que quando deu a costa ao vinho escuro
Eu vi em sua costa duas asas...
52
Lembranças de natal
Eu lembro qu'eu corria atrás das mangas...
Papai, naqueles anos, já careca
Dizia: "toma, filho, tal peteca
São três petecas... Não são três pitangas!"
Mamãe, com vozes meigas de boneca,
Contava-me relatos de capangas;
Enquanto consolava as minhas zangas,
Lavava a minha única cueca.
Descalço e nu, brincava no quintal
Aquele menininho que, no samba,
Nasceu em mim à vista d'um curral.
Brincava e, à cada queda, um tal “caramba"...
E, nessas mil visões de corda bamba,
Habita o meu tão único natal!
53
Saudades
Escritas nas estrelas, nossas vidas
Andam à convergência de destinos.
Os astros cantam notas de violinos...
Enquanto nos perdemos em partidas.
Estrelas guiam nossas despedidas,
Enquanto ouvimos cantos celestinos.
Talvez só sejam sopros repentinos
Que ditam nossas calmas repartidas...
Por isso, sinto o tempo prematuro!
Eu vivo no passado o meu presente...
Esqueço todo o tempo atroz e puro.
Eu sinto coisas vagas, de repente...
E, na presença mádida d'ausente,
Eu sinto já saudades do futuro!
54
Só uma mãe
Profundamente bela sob os medos,
Andava uma donzela sobre os mortos.
Naqueles grandes ossos vis e tortos,
Acomodava os pés em bons segredos.
Com risos cadavéricos e ledos,
Os mortos só causavam desconfortos!
Porém, com gestos gélidos e absortos,
A dama não limpou seus lindos dedos.
A linda e flébil dama só queria
De novo ver o rosto d'alegria:
Do filho que morreu à paz d'um cedro!
Depois da dor, cadáveres nas palmas...
Até qu'ela encontrou - em meio às almas -
O filho. E assim bradou: "Pedro!... Meu Pedro!"
55
De um Amor sem condição
"Eu sei que eu vou te amar
Por toda a minha vida..."
(Tom Jobim / Vinicius de Moraes)
Se amar-te fosse um erro incompreensível,
Meu ser, sem entender, só te amaria
Bem mais, a cada erro e a cada dia
Vivendo d'um Amor imperecível...
Se ter o teu Amor fosse impossível,
Meu peito, no silêncio, pulsaria
O bem d'amar teu ser em fantasia...
Versando o teu sorriso inconfundível!
Se tudo o que tu tens no olhar brilhante
Devesse ser escrito num retrato,
O céu seria o quadro para tanto.
Assim, cada estrelinha cintilante
Seria, dos teus risos, um relato
Porém com menos luz, menor encanto...
58
Horas Vazias
Desde quando meu canto entristeceu,
Tanto tempo... já tanto se passou;
E, nas horas vazias que se passam,
Lembranças me transportam donde'stou;
P'ra quando eram alegres e sem breu;
Os meus dias... mas tudo já passou;
E, nas horas vazias que se passam,
Eu retorno e lamento o que mudou.
O tempo, inexorável, sempre avança,
Mas minha mente, turva em nostalgia,
Não mensura, no tempo, a travessia.
Ah! quiçá não me perca nas mudanças;
Se eu passar a contar o tempo em danos,
Pois posso os danos já contar em anos.
59
Perecendo
Foi, outrora, euclidiana minha mente,
Com retas, que eram retas, de clareza;
E planos, que eram plenos na certeza;
De que o Sol nasceria novamente.
Mas o amor, que m'invade persistente,
Entortou estas retas co'aspereza;
E curvou os meus planos co'a tristeza...
Fez nova geometria: a dum demente!
Ora canto este túrbido universo;
Com dores, com pesar em cada verso...
Com melodia feita de negrura,
Pois só escuridão foi o que vi;
Quando, em minha geodésica, eu caí;
No vil buraco negro d'Amargura.
60
Fala-me destes lírios que tu vês
Fala-me destes lírios que tu vês,
Suas cores, olor, toque de seda.
Fala-me p’ra que tua voz me ceda;
Os lírios que tu vês com nitidez.
Fala-me deste céu com vividez,
Seu azul, esplendor, luz alva e leda.
Fala-me p’ra que tua voz me ceda;
O céu, com sua vasta placidez.
Fala-me desta pulcra natureza;
Que dizes nos cercar com tal vasteza;
De portentos de toda bela sorte.
Fala-me como eu vejo o que tu contas,
Pois, p’ra todo lugar que tu apontas,
Tudo é vil, tudo é cinza, tudo é morte!
61
Navio Fantasma
Balançam o alto mastro quebrantado;
Os duros ventos vários da procela,
Mas, pronta, a chusma eleva cada vela;
— Não teme mais os mares neste estado.
E vaga o grã navio contristado;
(Alheio da existência que o flagela);
Cortando os vagalhões sob a tutela;
Da Morte, que o conduz por este fado.
Sem rumo já navega este navio;
No vário d'horizonte mui sombrio,
Na turva tez dos mares mais medonhos.
Oh!, vê, leitor, meu fado lastimável,
Pois sou este navio abominável;
E os nautas são fantasmas de meus sonhos!
62
Rosa Negra
De espinhos longos, pétalas escuras,
Cresce..., ah!, cresce, bela e florescente,
A rosa que não cresce noutra gente;
Que não cresçam saudades e tristuras.
E expõe suas mil faces, tão impuras,
E exala seu perfume entorpecente,
E cresce..., como cresce!, cresce rente;
À árvore apodrecida das venturas.
Suga, p'ra sua seiva enegrecida,
Esta rosa, a minh'alma, minha vida...
Rosa negra, oh! vil rosa conspurcada,
Por que fui te plantar?! Que grande enfado!
Ah!, como pude ser tão enganado?!...
Acreditado, o amor, ser flor dourada?!
65
Onde está Maíra?
Raia a aurora de meus dias caídos
E não vejo Maíra novamente,
Exceto na candura desta mente
Que os tem mais que de si por compridos.
Em que parte do mundo abastecido
De dúvidas e monstros recorrentes,
Em que parte, cativa por quais Entes
Maíra passa o tempo, reduzido?
Oh!, Maíra, tão longe de meus braços!
Rompe já nosso eterno, nosso laço,
Imudável, que nada romperia!
E meu coração são candeias de monges...
Maíra não estava, estava longe.
É que Maíra foi na padaria.
66
Soneto Inglês Shakespeariano.
Os deuses em cor de prata banqueteiam
No ocaso de um fio áspero de vento,
Num fausto que eles próprios falseteiam
Por ser da sua essência, do seu intento.
Já não temem mais o oblívio e o fim das eras,
Já se esqueceram a cor da eversão:
Suas sombras são suas próprias quimeras,
Seu passado a sua própria diversão.
E quando ao final do movimento eterno
O último dos deuses se destruir,
Descambando para uma forma de inferno
Que ainda não deixou de existir,
Novos deuses cor de prata se desatam,
Num passado que de ermo não dilatam.
67
Soneto Italiano Petrarquiano.
Enlevado sou posto acidentado,
Que a Fortuna faz que se ordene
Minha desdita feita ser perene
E da lembrança ser revisitado.
Mas se crê da procela tribulado
Ser atado meu siso, que condene
Meu ser a estados onde mais se encene
Seu poder de tenção concatenado,
Pois se destas lembranças consistir
A que pena agravar de meu penhor,
Que saiba cousa outra definir,
Que não julgo por mal ser eu senhor
Da lembrança que me faz persistir
Na memória empenhar de meu Amor.
68
Caveira.
Capacete em plangor de vidas encerradas,
Extensão alvacenta, a fulgir em relâmpagos,
Quando um negror apossa extático âmagos
Imanes que abrigam as longas balaustradas;
Capacete coberto inteiro de fumaça,
Ornado de argila enxovalhada em fel,
Logo após distinguir o plácido tropel
A carregar na crina a existência e a desgraça;
Capacete, oficina iluminada, fúlgida,
Lar das ideias, lar dos sonhos consumados,
Do sonho refugado em dias de machados;
Capacete, que me orna com toga túrgida,
Neste Calvário qual pétala em roseira,
Me fita e me desata: Caveira, Caveira!
69
O Lado Incógnito da Cidade.
Eis o lado incógnito da cidade,
Onde as luzes parecem véus de luz
Que aos olhos do viandante seduz,
Quando ele encara esta imensidade:
Um maquinário maior que a montanha,
Inteiro ornado em vastas cicatrizes
Erigidas em chamas de vernizes
Que o próprio maquinário emaranha.
Depois, diante do mar de produtos,
Diante do escarcéu de funcionários,
Depois dos sopros rudes, revolutos,
O viandante afronta seu tamanho:
Ser simplesmente peça dos calvários
Feitos não só de ossos – mas de antanho.
72
Médio Médium
Ouço barulhos no meu quarto escuro,
Cortando a noite a lâmina da dor.
Corta também meu peito frio, duro,
Derrama no chão todo o meu Amor...
Familiar presença do anjo puro
Que sempre me protege em meu temor
Some deste recinto, em que depuro
Minha fé, que perdeu qualquer valor...
Percebo que se trata de algo mau,
Dirige a voz contando o meu final,
Revelando que a morte está consigo...
Tremo, aterrorizado e sem saber
Por que Deus tanto me permite ver
Esses vultos, que vêm dormir comigo...
73
Eiva
Gota de tristeza em taça de amargura,
Satanás sorri enquanto eu me deploro,
O mundo não vai cumprir a sua jura
E, por isso, cada vez mais eu o ignoro...
Não há compaixão... Minh'alma nem procura
Mais pelo perdão, a Deus eu não imploro,
É minha paisagem uma sala escura,
Infinitas lágrimas por dia eu choro...
Foi crucificado um homem só por mim,
A divina culpa jamais terá fim,
Enforquei-me várias vezes... Traidor...
Acelera o tempo rumo à minha morte,
Nesta vida nunca tive azar ou sorte,
Assim como nunca conheci o Amor...
74
Ao Inferno
São centenas de cravos no meu peito,
Toda angústia do mundo está em mim,
Todo encanto que havia foi desfeito,
Esta tristeza enorme não tem fim...
Aperta-me este esquife em que me deito,
Há muito a vida dói-me sempre assim,
Pago o preço de tudo que foi feito
E sobra-me somente a mágoa... Enfim...
Ah, quem me dera algum momento bom,
Ouvir na voz de um anjo o lindo som
De um conselho trazendo-me esperança...
Quem me dera saber se o deus que existe,
É o mesmo deus que me abandona triste
Já que seu céu minh'alma não alcança...
75
Condição
Amarga a morte em minha boca agora,
Desgraças acontecem sem parar,
Toda a minha existência a dor devora,
A cada dia falta-me mais o ar...
Minh'alma, quando ao céu azul implora
Os amores melhores de se amar,
Recebe indiferença e muito chora
— Nuvens cinzas compondo vasto mar...
Tristeza... Mais tristeza sem ter fim...
Despeja o tempo muito medo em mim...
Viver matando amores fez-me louco.
Desta vez fecho a porta e engulo a chave,
Minha mazela sempre é muito grave,
Mas tudo diz-me que inda sofro pouco...
76
Mefitismo
Qual demônio roubou minha esperança?
Qual inferno será a minha casa?
Vivendo na desgraça eu fui criança,
Por que Deus inda minha morte atrasa?!
Tristeza e solidão são minha herança
Dos meus pais, que cortaram a minha asa,
Que alava meu sonhar, minha alma mansa...
Meu espírito co'esta dor se arrasa...
Se Satã já tem tudo que é de mim,
Por que não vejo logo disso o fim?
Por que, além da maldade, a covardia?...
Qual báratro será o meu abrigo?
Enorme maldição está comigo
Desde meu nascimento... Triste dia...
79
Teu Livro
"São assim todas, todas as mulheres."
(Alphonsus de Guimaraens)
Amada, teu carinho me transporta
Ao pélago infinito vaporoso;
Meu coração deságua rios de gozo
Onde a doçura mansamente aporta.
Toda lembrança fere, mas conforta,
Deixando um rastro pálido... moroso;
Meu coração deságua tão choroso
Ao ver partir a sombra pela porta.
Meu coração... antigo muro branco;
Antigo livro alegre, aberto e franco.
Página tua, amada... teu amigo...
Meu coração... hoje padece só;
Restando traça e fungo sob o pó.
Meu coração hoje é teu livro antigo!
80
Acabou de Morrer
"Ó Formas alvas, brancas, Formas claras
De luares, de neves, de neblinas!"
(Cruz e Sousa)
Ela morreu. Lá fora chove tanto...
Lavando a estrada em larga despedida.
A natureza dantes refletida
Naquela face. Hoje é só mágoa e pranto!
Tão meiga e fria em pulcro e vil encanto;
Um anjo airoso! a vida reprimida...
A flor tão branca foi por Deus colhida
Para habitar - talvez - outro recanto.
Que bela e pura! E magra e tão pequena...
A face altiva hoje é feliz, serena...
Modesta roupa em frágil perfeição;
Dedos que obravam... hoje frios, parados;
Seus olhos vivos... hoje estão cerrados;
Funesta imagem d'anjo em oração!
81
Meu Lar
Dias. Anos. Retorno ao lar materno.
Reviro as caixas das recordações.
Fito os retratos, oiço mil canções;
Vejo meu pai fardado, firme e terno.
Lá fora chove. Tremo ao frio do inverno.
Cravo a santinha... dúzias de orações;
Primeira virgem minha das visões!
Soluço e gemo… tudo me é fraterno.
Corro à vozinha, o cheiro de café;
Vejo as irmãs brincando, também peço;
Cerro os portões pesados, me despeço…
Mas que deserto… Aqui nada mais é!
Eu vejo as cruzes no Salgueiro, juntas;
E vou-me embora co'as visões defuntas…
82
Anjo Recolhido
"Saúde, irmão! Eu sou a Indiferença."
(E. Berthoud)
Estava tão serena... recostada
Na cama de madeira sob o pálio;
Um anjo meigo, ao fim de triste ordálio
Que a vida ofereceu na curta estrada.
Como era bela! A monja tão parada,
Jamais sorveu do amor o mago idálio;
O seio em flor... indômito petálio
Que rescendeu o odor d'alma exilada.
Aquele rosto pálido, já morto;
Lembrava o Cristo lânguido, que no horto
Fitara o céu, sentido, em dor profunda;
A pobre também fora abandonada:
Sem Deus! Sem pai! Sem mãe! Sem luz! Sem nada!
Seu premio? era uma cova fria... imunda...
83
Camponesa
Ela era a mais doce morena, pura!
Sempre vestida tão discretamente,
Colhia as flores rosas, calmamente,
Para bordá-las com sua costura;
Na mão pequena, calos de ternura,
Pois carregava as roupas, fortemente;
Sempre a passar, sorrindo, brevemente;
Pr'a toda dor, era a divina cura!
Um dia, ansioso, eu bem tomei coragem,
Levantei cedo e preparei a aragem,
E fui buscá-la ao pé de humilde porta;
Bati três vezes, e aguardei sorrindo,
Foi quando eu vi que um velho foi surgindo,
Dizendo: — É tarde! A camponesa é morta!
86
Musa Gótica
Contemplo-te, belíssima, em meus sonhos,
Pálida, a reluzir na noite escura,
Lânguida tal como uma rosa pura,
Adormecendo os meus prantos tristonhos;
Sem ti, meus dias são tristes, medonhos;
Desejo teu Amor, tua ternura,
Dantes qu'eu durma numa sepultura,
Farto de viver dias enfadonhos...
Teu encanto inefável me deslumbra
Na bela e melancólica penumbra
Da noite terna, eterna em solidão...
Musa gótica dos sonhares meus,
Flor regada p'las lágrimas de Deus,
P'ra sempre será teu, meu coração!
87
Numa necrópole...
À sombra de um 'scuríssimo cipreste,
Próximo destas árvores chorosas,
Descerram-se lembranças dolorosas
Do derradeiro beijo que me deste.
Recordo-me de teu olhar celeste,
A então contemplar as lôbregas rosas,
Que estavam congeladas... mas brilhosas,
P'lo Inverno, — que de dor a tudo veste. —
Co'a face deplorando amargo pranto,
Sobre um gótico túmulo, falaste:
"Vê como de tais flores morre o encanto!
Ah, o Inverno da vida também — que amaste —
Faz das almas cessar o breve canto!"
E beijando-me, "adeus!" tu suspiraste...
88
Amor...
Viver é sofrer, sofrer é amar,
Amar é viver verdadeiramente.
Morrer sem numa vida amar o amar
Não é viver, é existir brevemente.
Se não amas, não sonhas; e sonhar
É não findar, é ser perenemente.
Não sonhar é não sentir, não chorar;
É se arrepender quiçá eternamente.
Ama o amor e escalda em suas chamas,
Ama e sê como aquilo que tu amas,
E em vez de só existires, viverás!
Doce é a morte se a vida consumamos,
E a consumamos quando nela amamos...
Ama, pois, e florente morrerás!
89
Adeus!
Adeus, meus sonhos! Adeus, meu amor!
P'ra fenecer minh'alma triste chora,
Ora apagou-se-me o fulgor doutrora,
Cobre-me a face, angelical palor.
Adeus, maldito spleen! Adeus, langor!
Uma sombria e fria dor me aflora,
Sem nostalgias, partirei agora,
Entristecido como murcha flor.
Quando jazer entre sepulcros, quedo,
Sentir-me-ei outra vez deveras ledo,
Morrerá a dor atra que a mim domina...
Quando p'r'o inferno me levar Satã,
Não lacrimeis por minha vida vã,
Olvidai esta desgraçada sina!
90
Morro deste amor...
Perder-te não quis; só quis o amor ter-te,
Na amara solidão em que eu te amara,
Mas se aprazer-te não é qual pensara,
Acaso te perder pode aprazer-te!?
Pois se a ti eu amara e tentei crer-te,
Era embalde como a flor que murchara!
Só de entrever-te assaz eu me encantara,
E ora ver-te faz querer esquecer-te...
Morro deste amor... oh, lágrimas bebo!
Eis a sina dum lúgubre mancebo
Que amou demais... tal é o seu grave crime!
Ah, nunca é cedo para uma partida,
E a alma já cedo à Morte em despedida!
Enfim, hei de sair de onde perdi-me...
93
Jazigo do Amor
Oh! Noiva amada vem velar meu pranto!
Nos pomos alvos de mortal ternura,
Que as flores mortas — que deitei-te em canto —,
Cobrem c’os lírios nossa sepultura.
Sobre teu leito que a bruma trescala,
Vamos fulgir nas tumbas nosso amor,
Nubentes mortos nesta negra vala,
Por entre as cruzes, num fanal de dor.
Defuntos podres — que mil vermes comem —,
Num atro escuro dos pudores nossos,
Trocando beijos no ranger dos ossos.
Dois astros níveos pelos prados somem,
Luzindo o espaço num fulgor eterno
Qu’encheu de luz o breu do próprio inferno.
94
Flores Fúnebres
No leito convulsiva inda me fita,
Pranteio teus instantes de aflição;
Em rútilos espasmos tua mão
Acena-me; e, partindo, inda me grita.
Me junto aos teus suplícios tão sofridos,
Que fluem entre a febre e agonia,
Em plácidos momentos de utopia;
Carpindo sobre os sonhos destruídos.
No derradeiro “ai!” Partimos juntos
No mesmo chão; os corpos se apodrecem
De tanto amor, as plantas que ali crescem
Carregam a paixão destes defuntos;
Em pleno inverno a tumba se vestiu
De orquídeas, deste amor que não floriu.
95
Fúnebre Amada
E quando tu partiste oh! Dama linda,
Deixaste no meu leito o branco lírio
Que a morte — em negros prantos de martírio —,
Conduz-me ao teu sepulcro novo ainda...
No breu da noite o Bufo vem ruflando
As asas pelos vales mais sombrios;
Bramindo entre seus galhos mais esguios
Que sinto a voz d’amada me chamando...
E sobre tua lousa d’alma em pranto,
Em cirros me açoitando um branco véu
Arrebatado, eu vago pelo céu...
Pairando em vestes alvas por um canto
Que me conduz ao leito que dormia
Unindo dois defuntos neste dia.
96
Paraíso
E quando a luz da lua entristecida
Resvala em minha campa abandonada,
Coberta — pelo mato empoeirada —,
Nas ruas da necrópole perdida,
Meus ossos, sob a pele enegrecida,
Despertam-se na fria madrugada
Pra ver em cada tumba desolada,
A luz da lua cheia refletida...
A lua é um barco etéreo — luzido,
Clarão sobre o meu mundo tão perdido
É luz que, no momento, eu mais preciso.
Por entre as tumbas, sacras esculturas;
Eu vago, feito a lua, nas alturas,
A espera que me venha o Paraíso.
97
Despedida
E quando, enfim, findar-se o dom da vida
No badalar dos sinos mais tristonhos,
Debrucem sobre o véu desta partida
Mil flores pra cobrir meus tristes sonhos.
Ceifaram minhas asas, meu lamento,
Nos prados verdejantes — já despidos —,
Vagou nos braços fúnebres do vento
Meu coração deserto, ressequido...
E a chuva que caiu no pó da terra
Desceu nos trilhos fúnebres da serra,
Tornando o vale infértil, infecundo...
No sangue que correu pelo meu rosto
Havia solidão, dor e desgosto
E um luto que cobriu de negro o mundo...