A teoria da dependência: um balanço histórico e teórico

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    A TEORIA DA DEPENDNCIA:UM BALANO HISTRICO E TERICO

    THEOTNIO DOS SANTOS

    1 - ANTECEDENTES HISTRICOS: O SURGIMENTO DAS TEORIAS DODESENVOLVIMENTO

    Com o final da II Guerra Mundial, entraram em declnio definitivo as potnciasimperialistas que haviam dominado o mundo do final do sculo XIX at a I GuerraMundial. O domnio colonial, embora contestado a partir dos anos 20, pela emergncia dahegemonia norte-americana, continuou a ser praticado e inclusive exacerbaram-se, astentativas de rediviso do mundo. Estas lutas pelo domnio econmico e territorial doplaneta levaram finalmente II Guerra Mundial.

    As duas principais potncias derrotadas, a Alemanha e sobretudo o Japo,abandonam em conseqncia um importante espao colonial. Os imprios Austro-Hngaro e Otomano desapareceram entre as duas guerras. A Inglaterra vitoriosa, no podesustentar seu esforo de guerra e, ao mesmo tempo, preservar seu vasto mundo colonial. AFrana - entre derrotada e vitoriosa - tambm se viu incapacitada para manter suas antigasconquistas territoriais. Os EE.UU., incontestvel vitorioso, sem que fosse tocado seuterritrio, no podia abandonar sua tradio anti-imperialista de ex-pas colonial. Ademais,

    seu poder se tornou to esmagador que no necessitava carregar o nus de uma dominaocolonial. Ele havia ocupado a Alemanha, a Itlia e o Japo e tinha tropas estacionadas ebases militares em cerca de 150 pases. A guerra fria, a OTAN e outros tratados regionaislegitimaram e consolidaram estes deslocamentos de tropas, sem criar uma conotaoimperial.

    A URSS, herdeira do Imprio Russo, que fora invadido 3 vezes (por Napoleo, pelaAlemanha na I Guerra e pela a ocupao nazista na II Guerra), saiu da II Guerra com umavasta zona sob ocupao, a qual procurou consolidar atravs de regimes aliados de corte

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    ideolgico que protegessem sua frente Ocidental. Estes foram, contudo implantadosimprovisadamente sem o respaldo social suficiente . Isto levar a uma sucesso de graves

    crises (Berlim, Hungria, Polnia). As oposies aos governos da Europa Central contavamcom apoio externo significativo de vrias origens. Esta instabilidade era reforada pelaintensificao da guerra fria. Esta era uma estratgia de confrontao global com a URSS eseus possveis aliados, estabelecida pelos EE.UU e pela Inglaterra e baseada na doutrina deconteno de uma suposta expanso sovitica. De fato, a guerra fria foi implantada pelosEE.UU., para consolidar sua hegemonia sobre o chamado Mundo Ocidental.

    Nesta recomposio de foras mundiais, emerge um conjunto de novos Estados

    Nacionais juridicamente soberanos. Entre eles alguns so extremamente poderosos. Amaior concentrao populacional da terra reuniram-se em duas unidades estatais: a China ea ndia se constituem em Estados Nacionais depois de anos de domnio colonial ou semi-colonial. Ao lado da ndia formam-se os Estados islmicos do Paquisto e Bangladesch.Potncias estratgicas, do ponto de vista geopoltico, como o Egito (que domina apassagem entre o Mediterrneo e o Golfo Prsico), a Turquia, a Prsia, o Paquisto, etc,tambm se liberam do domnio estrangeiro e se constituem em Estados Nacionais. OsMovimentos de Libertao Nacional incendeiam a sia e a frica. O Oriente Mdio setorna uma zona de disputa onde opera um complexo jogo de potncias locais einternacionais. A re-emergncia do mundo rabe d uma nova conotao ao principal plopetroleiro do mundo. Posteriormente, a unidade islmica substituir o pan-arabismo deNasser.

    A Amrica Latina, apesar de ser uma zona de Estados independentes desde o sculoXIX, sente-se identificada com as aspiraes de independncia econmica dos antigospovos coloniais e deseja tambm uma independncia poltica real diante das presses

    diplomticas e intervenes polticas e militares diretas da Inglaterra, sobretudo at 1930, edos Estados Unidos particularmente depois da II Guerra.

    A Conferncia Afro-Asitica de Bamdung, em 1954, realizada na Indonsia deSukarno, reuniu ainda os lideres da ndia, do Egito, da China e da Yugoslvia e consagrouuma nova realidade poltica, econmica, cultural e civilizacional. Novas instituieseconmicas ou polticas, como a UNCTAD e o Movimento dos No-Aliados darocontinuidade ao esprito de Bamdung. As organizaes regionais das Naes Unidas, como

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    a CEPAL, no podiam escapar da influncia deste novo clima econmico, poltico eespiritual. Organizaes como a FAO, refletiam o pensamento crtico e inovaes destas

    regies. Josu de Castro, o mdico e cientista social brasileiro que desvendara a gravidadeda situao alimentar no planeta, em suas obras Geografia da Fome e Geopoltica daFome, chegava presidncia do conselho da FAO propondo uma poltica mundial contra osubdesenvolvimento.

    Era inevitvel, portanto, que as cincias sociais passassem a refletir esta novarealidade. Elas haviam se constitudo desde o sculo XIX - em torno da explicao darevoluo industrial e do surgimento da civilizao ocidental como um grande processo

    social criador da modernidade. Esta correspondia a um novo estgio civilizatrio,apresentado s vezes como resultado histrico da ao de foras econmicas e sociais,como o mercado e as burguesias nacionais. Outras vezes elas aparecem como o resultadode um modelo de conduta racional do homo-economicus e do indivduo racionalista eutilitrio, que seria expresso ltima da natureza humana quando liberada de tradies emitos anti-humanos. Outras vezes, estas conquistas econmicas, polticas e culturais eramapresentadas como produto de uma superioridade racial ou cultural da Europa.

    A crise do colonialismo, iniciada na I Guerra Mundial e acentuada depois da IIGuerra Mundial, colocara em discusso algumas destas interpretaes da evoluohistrica. A derrota nazista impunha a total rejeio da tese da excepcionalidade europia eda superioridade racial. A modernidade deveria ser encarada fundamentalmente como umfenmeno universal, um estgio social que todos os povos deveriam atingir, poiscorrespondia ao pleno desenvolvimento da sociedade democrtica que uma parte dosvitoriosos identificavam com o liberalismo norte-americano e ingls e, outra parte, com osocialismo russo (que se confundia com a verso de Stalin, cuja liderana teria garantido a

    vitria da URSS e dos aliados).Surge assim uma vasta literatura cientfica dedicada anlise destes temas sob o

    ttulo geral de teoria do desenvolvimento. A caracterstica principal desta literatura era ade conceber o desenvolvimento como a adoo de normas de comportamento, atitudes evalores identificados com a racionalidade econmica moderna, caracterizada pela busca daprodutividade mxima, a gerao de poupana e a criao de investimentos que levassem acumulao permanente da riqueza dos indivduos e, em conseqncia, de cada sociedade

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    nacional. Os pensadores que fundaram as cincias sociais modernas, haviam identificadoestas atitudes e comportamentos. Karl Marx, mile Durkheim e Max Weber, alm dos

    economistas clssicos (Adam Smith e Ricardo) e seus seguidores (Stuart Mill) oucontinuadores neo-clssicos estabeleceram teorias em certos aspectos convergentes emoutros contraditrios, sobre esta sociedade moderna e sobre os processos que conduziram sua implantao.

    No sculo XX, socilogos como Talcott Parsons e Merton; antroplogos comoLevy-Bruhll, Franz Boas e Herkovics; politlogos como Lipset, Almone, e Apter,desenharam um modelo ideal mais ou menos coerente do que seria esta sociedade moderna,

    com tcnicas de verificao emprica mais ou menos desenvolvidas para detectar o grau demodernizao alcanado pelas sociedades concretas. A teoria do desenvolvimento buscoulocalizar os obstculos plena implantao da modernidade e definir os instrumentos deinterveno, capazes de alcanar os resultados desejados no sentido de aproximar cadasociedade existente desta sociedade ideal. Por mais que estas construes tericaspretendam ser construes neutras em termo de valores, era impossvel esconder aevidncia de que se considerava a sociedade moderna, que nascera na Europa e se afirmavanos Estados Unidos da Amrica, como um ideal a alcanar e uma meta scio poltica aconquistar. Era mais ou menos evidente tambm uma aceitao tcita de que a instalaodesta sociedade era uma necessidade histrica incontestvel.

    Isto ficou mais evidente com a necessidade de propor polticas coerentes dedesenvolvimento que visassem elevar toda a populao do mundo ao nvel dos pasesdesenvolvidos, que haviam alcanado este estgio superior de organizao social. Naeconomia, autores como Singer, Lewis, Harrod, Domar, Nurske tentaram formalizar oscomportamentos e polticas possveis e necessrios para alcanar o desenvolvimento.

    Outros, mais cticos e alguns at crticos, no deixaram de buscar os mesmos resultadoscom mtodos menos formais. Perroux, Nurske, Haberler, Vines, Singer, Hirschman,Myrdal no deixaram de pretender o mesmo objetivo: elevar as sociedades tradicionais, decomportamento no-racional e valores comunitrios limitados, condio de sociedadesmodernas, racionais, universalistas, etc.

    Na dcada de 50, a teoria do desenvolvimento alcanou seu ponto mais radical e, aomesmo tempo, mais divulgado na obra de W.W. Rostov (1961). Ele definiu todas as

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    sociedades pr-capitalistas como tradicionais. Este barbarismo histrico, que provocou osprotestos dos historiadores srios, era necessrio para ressaltar os vrios estgios do

    desenvolvimento que se iniciaria com o famoso take-off, a decolagem dodesenvolvimento que teria ocorrido na Inglaterra de 1760, nos Estados Unidos ps-guerracivil, na Alemanha de Bismarck, no Japo da Restaurao Meiji, etc. A questo dodesenvolvimento passou a ser assim um modelo ideal de aes econmicas, sociais epolticas interligadas que ocorreriam em determinados pases, sempre que se dessem ascondies ideais sua decolagem.

    Seu livro se chamava um manifesto anticomunista e no ocultava seu objetivo

    ideolgico. Tratava-se de demonstrar que o incio do desenvolvimento no dependia de umEstado revolucionrio, como ocorrera na URSS, e sim de um conjunto de medidaseconmicas tomadas por qualquer Estado nacional que assumisse uma ideologiadesenvolvimentista. Num livro posterior menos divulgado, Rostov defendeu a necessidadede que este Estado desenvolvimentista fosse um Estado forte e seus trabalhos comoconsultor da CIA foram uma das principais referncias das polticas de golpes de Estadomodernizadores praticados nas dcadas de 60 e 70, a partir do golpe brasileiro de 1964.

    O modelo de Rostov no s tinha um comeo comum na indiferenciada massa daseconomias e sociedades tradicionais, em que ele transformou os 6.000 anos de histria dacivilizao, como terminava na indiferenciada sociedade ps-industrial, era da afluncia qual reduzia o futuro da humanidade, tomando como exemplo os anos dourados decrescimento econmico norte-americano do ps-guerra.

    Apesar do seu primarismo, este modelo prevalece na cabea dos cientistas sociaiscontemporneos. Ele continua orientando pesquisas e projetos de desenvolvimento, apesarde que seu ponto de partida - a sociedade tradicional - tenha se tornado mais diversificado e

    a idia de sociedade afluente tenha cado do pedestal depois dos movimentos de massa de1968. Talvez esta tenha sido uma das intervenes mais fortes e brutais da ideologia nocampo cientfico. Rostov no deixou de acompanhar as modas posteriores: em 1970 aderiuao estudo dos ciclos longos de Kondratiev e em 1990 chamou a ateno para a necessidadede retomar a temtica do desenvolvimento atravs de um mtodo inter-disciplinar que dconta desta problemtica (ver Rostov 1978 e 1994). Apesar de mais srias, embora bastante

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    falhas, estas obras no alcanaram nunca a difuso do manifesto anti-comunista da dcadade 50.

    Mas os ataques de Rostov no deixaram de reconhecer a importncia poltica,histrica, ideolgica e cientfica da obra de Karl Marx. Neste momento, a guerra friacolocava em evidncia a experincia de desenvolvimento da URSS. Na verdade, aRevoluo Russa foi a primeira tentativa de conduzir racionalmente uma experincia dedesenvolvimento econmico atravs do planejamento estatal centralizado. O EstadoSovitico estabelecera o 1 Plano Qinqenal em 1929 e desde ento passou a definir seucrescimento econmico e social atravs deste instrumento revolucionrio que foi adotado

    em parte pela Revoluo Mexicana, depois pelo Estado Indiano, plenamente pela RepblicaPopular Chinesa e pelas Repblicas Populares da Europa Oriental. Os xitos econmicosdestes pases obrigavam a respostas ideolgicas como as de Rostov.

    O pensamento marxista no escapava contudo deste esquema geral de raciocnio.Para Marx, a modernidade se identificava com a revoluo democrtico-burguesa. Tratava-se de uma verso classista e histrica de um modelo cujas pretenses universais derivavamde sua origem de classe, isto , a ideologia burguesa. Os pensadores no crticos aceitavama sua sociedade como a Sociedade, como a forma final e ideal da sociedade em geral. Maspara o marxismo, esta formao social representava somente um estgio dodesenvolvimento global da humanidade.

    A questo se tornava contudo extremamente complicada com o surgimento daRevoluo Russa. A partir de ento tornava-se necessrio explicar como o socialismosurgira, como um novo regime poltico e como um novo regime econmico, que continhaelementos importantes de um modo de produo novo, numa sociedade que no haviaalcanado ainda a maturidade da revoluo burguesa e da modernizao.

    Os regimes dirigidos pelos Partidos Comunistas, implantados na URSS e, depois daII Guerra Mundial, em vrias partes do mundo no-desenvolvido tomaram como tarefarealizar esta modernizao que as burguesias colonizadas e dependentes (tambm chamadasburguesias compradoras na sia e na frica), s vezes quase inexistentes nestes pases,no haviam conseguido realizar. Esta modernizao assumia uma forma nova ao realizar-se sob o comando da classe operria e do partido que a representaria, segundo a ideologiados regimes de democracia popular, ento no poder. Mas na maior parte destes pases

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    no havia uma classe operria capaz de conduzir este processo poltico, nem uma indstriamoderna que pudesse sustentar uma produo ps-capitalista. Estes regimes de transio ao

    socialismo procuravam combinar uma economia estatal e em parte socialista com omercado e outras formas de produo ainda mais arcaicas.

    Difcil problemtica que o pensamento dialtico tentava resolver. necessriolembrar, contudo, que a hegemonia do estalinismo havia significado tambm uma derrotada dialtica marxista de origem hegeliana. A verso estalinista do marxismo se aproximavamais do positivismo. A soluo estaliniana foi de converter o regime sovitico, tal comoStalin o definia, num modelo ideal a ser seguido pelos novos regimes revolucionrios. Os

    fundamentos deste modelo eram: crescimento econmico sustentado na industrializao debase e s secundariamente na indstria de bens de consumo; partido nico ou coligao departidos democrticos populares para conduzir as transformaes revolucionrias; reformaagrria e distribuio de renda que assegurasse maior igualdade social; cultura popular quevalorizasse o folclore, as manifestaes do trabalho e a luta revolucionria. Para alcanartais democracias populares eram necessrias condies especiais que no se reconheciaexistir nos pases do chamado Terceiro Mundo. Por isto se esperava que na maior parte dospases subdesenvolvidos e dependentes se completasse a revoluo burguesa, da qualdeveriam participar os partidos comunistas, para em seguida colocar-se um objetivosocialista. Os casos da China, da Coria e do Vietn e, posteriormente, o caso Cubanovieram a romper este princpio e a provocar uma crise no pensamento de origem stalinista.A possibilidade da revoluo democrtico burguesa se transformar numa revoluosocialista nestes pases passou a se constituir num novo dado da discusso no campomarxista.

    Em 1958, Paul Baran demostrara que a gesto socialista do excedente econmico

    das economias subdesenvolvidas assegurava no somente uma melhor distribuio da rendacomo tambm um crescimento econmico mais rpido e mais equilibrado. O modelosovitico, o modelo iugoslavo que no aceitou vrios aspectos do primeiro, o modelochins, que partia de condies histricas novas, e posteriormente o modelo cubano emesmo o Argelino alm das mudanas que resultavam da desestalinizao da EuropaOriental, tornaram-se objeto de estudo e converteram-se em novas propostas de gestosocialista do desenvolvimento econmico.

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    Apesar do esforo em teorizar sobre os elementos comuns e especficos destasexperincias, assim como do que as distinguia do desenvolvimento capitalista, os estudos

    sobre estes casos continham fortes elementos normativos que pretendiam apresentar osocialismo como a soluo de todos os males do capitalismo, mesmo em economiasque no haviam alcanado ainda os elementos bsicos de uma economia industrialmoderna. No aqui o lugar de desenvolver todos os detalhes de um debate por certoimportante, mas muito equivocado na sua premissa bsica sobre o que poderia ser osocialismo como regime de transio de um capitalismo subdesenvolvido e dependentepara um novo modo de produo ps-capitalista. Agravava ainda mais a dificuldade do

    debate, o fato de que tais regimes se estabeleciam numa economia mundial capitalista. Aprpria URSS no podia se desenvolver segundo sua vontade e era obrigada a condicionarseu desenvolvimento s exigncias da guerra fria imposta pelos EE.UU.

    A caracterstica principal de toda a literatura que discutimos at agora era, contudo,sua viso do subdesenvolvimento como uma ausncia de desenvolvimento. O atraso dospases subdesenvolvidos era explicado pelos obstculos que neles existiam ao seu plenodesenvolvimento ou modernizao. No entanto, no incio da dcada de 60 estas teoriasperdem sua relevncia e fora pela incapacidade do capitalismo de reproduzir experinciasbem-sucedidas de desenvolvimento em suas ex-colnias, que esto, em sua maioria, emprocesso de independncia desde a Segunda Guerra Mundial. Mesmo pases queapresentavam taxas de crescimento econmico bastante elevadas, tais como os latino-americanos, cuja independncia poltica tinha sido alcanada no princpio do sculo XIX,estavam limitados pela profundidade da sua dependncia econmica e poltica da economiainternacional. Seu crescimento econmico parecia destinado a acumular misria,analfabetismo e uma distribuio de renda desastrosa. Era necessrio buscar novos rumos

    tericos.

    2 - A TEORIA DA DEPENDNCIA: UM BALANO.

    A TEORIA DA DEPENDNCIA, que surgiu na Amrica Latina nos anos 60, tentaexplicar as novas caracterstica do desenvolvimento dependente, que j havia se implantadonestes pases. Desde os anos 30, eles haviam se orientado na direo da industrializao

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    caracterizada pela substituio de produtos industriais importados das potnciasimperialistas por uma indstria nacional. Em seguida, terminado o ciclo depressivo

    (caracterizado por 2 guerras mundiais, uma crise global e a exacerbao do protecionismo edo nacionalismo), restabelecia-se, atravs da hegemonia norte-americana, a integrao daeconomia mundial. O capital, concentrado ento nos EE.UU. expandiu para o resto domundo, na busca de oportunidades de investimento que se concentraram no setor industrial.Nestes anos de crise, a economia americana generalizou o fordismo como regime deproduo e circulao e j iniciara, inclusive, a revoluo cientfico-tecnolgica nos anos de1940. A oportunidade de um novo ciclo expansivo da economia mundial exigia a expanso

    destas caractersticas econmicas ao nvel planetrio. Era esta a tarefa que o capitalinternacional assumia tendo como base de operao a enorme economia norte-americana eseu poderoso Estado Nacional, alm de um sistema de instituies internacionaisestabelecido em Bretton Woods.

    Implantada elementarmente nos anos 30 e 40, a indstria nos pases dependentes ecoloniais serviu de base para o novo desenvolvimento industrial do ps-guerra e terminouse articulando com o movimento de expanso do capital internacional, cujo ncleo eram asempresas multinacionais criadas nas dcadas de 40 a 60. Esta nova realidade contestava anoo de que o subdesenvolvimento significava a falta de desenvolvimento. Abria-se ocaminho para compreender o desenvolvimento e o subdesenvolvimento como o resultadohistrico do desenvolvimento do capitalismo, como um sistema mundial que produzia aomesmo tempo desenvolvimento e subdesenvolvimento.

    Se a teoria do desenvolvimento e do subdesenvolvimento eram o resultado dasuperao do domnio colonial e do aparecimento de burguesias locais desejosas deencontrar o seu caminho de participao na expanso do capitalismo mundial; a teoria da

    dependncia, surgida na segunda metade da dcada de 1960-70, representou um esforocrtico para compreender a limitao de um desenvolvimento iniciado num perodohistrico em que a economia mundial estava j constituda sob a hegemonia de enormesgrupos econmicos e poderosas foras imperialistas, mesmo quando uma parte delesentrava em crise e abria oportunidade para o processo de descolonizao.

    Os economistas suecos Magnus Blomstrom e Bjorn Hettne se tornaram abalizadoshistoriadores da teoria da dependncia. Seu livro mais completo sobre o tema (Blomstrom e

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    Hettne, 1984, pp.15) afirma que h um conflito de paradigmas entre o paradigmamodernizante e o enfoque da dependncia. Eles identificam dois antecedentes imediatos

    para o enfoque da dependncia:a) Criao de tradio crtica ao euro-centrismo implcito na teoria do

    desenvolvimento. Deve-se incluir neste caso as crticas nacionalistas ao imperialismo euro-norte-americano e a crtica economia neo-clssica de Raul Prebisch e da CEPAL.

    b) O debate latino-americano sobre o subdesenvolvimento, que tem como primeiroantecedente o debate entre o marxismo clssico e o neo-marxismo, no qual se ressaltam asfiguras de Paul Baran e Paul Sweezy.

    Eles resumem em quatro pontos as idias centrais que os vrios componentes daescola da dependncia defendem:

    i) O subdesenvolvimento est conectado de maneira estreita com a expanso dospases industrializados;

    ii) O desenvolvimento e o subdesenvolvimento so aspectos diferentes do mesmoprocesso universal;

    iii) O subdesenvolvimento no pode ser considerado como a condio primeirapara um processo evolucionista;

    iv) A dependncia, contudo, no s um fenmeno externo mas ela se manifestatambm sob diferentes formas na estrutura interna (social, ideolgica e poltica).

    Da que eles possam distinguir trs correntes na escola da dependncia :a) A crtica ou autocrtica estruturalista dos cientistas sociais ligados CEPAL que

    descobrem os limites de um projeto de desenvolvimento nacional autnomo. Neste grupoeles colocam inquestionavelmente Oswaldo Sunkel e uma grande parte dos trabalhosmaduros de Celso Furtado e inclusive a obra final de Raul Prebisch reunida no seu livro O

    Capitalismo Perifrico. Fernando Henrique Cardoso s vezes aparece como membro destecorrente e outras vezes se identifica com a seguinte (o que os seus membros claramenterechaam e com boa razo).

    b) A corrente neo-marxista que se baseia fundamentalmente nos trabalhos deTheotnio dos Santos, Rui Mauro Marini e Vnia Bambirra, assim como os demaispesquisadores do Centro de Estudos Scio-Econmicos da Universidade do Chile (CESO).Andr Gunder Frank aparece s vezes como membro do mesmo grupo, mas sua clara

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    posio de negar seu vnculo terico estreito com o marxismo e sua proposio de umesquema de expropriao internacional mais ou menos esttico o separam do enfoque

    dialtico dos outros neo-marxistas.c) Cardoso e Faletto se colocariam numa corrente marxista mais ortodoxa pela sua

    aceitao do papel positivo do desenvolvimento capitalista e de impossibilidade ou nonecessidade do socialismo para alcanar o desenvolvimento.

    d) Neste caso, Frank representaria a cristalizao da teoria de dependncia para foradas tradies marxista ortodoxa ou neo-marxista.

    Apesar do brilhantismo e do esforo de fidelidade expresso no seu esquema

    histrico, Blonstron e Hettne podem ser contestados no que respeita sua apresentao dodebate entre o pensamento ortodoxo marxista e a corrente que ele chama de neo-marxista.Na realidade, esta ltima corrente tem muitos matizes que eles no parecem reconhecer.Mas esta discusso nos levaria demasiado longe para os fins deste trabalho. Podemos dizerque esta , entre vrias propostas, a que mais se aproxima de uma descrio correta dastendncias tericas principais que conformaram a teoria da dependncia.

    Insatisfeito com estas proposta, Andr Gunder Frank (1991) realizou uma anlisedas correntes da teoria da dependncia baseando-se em cinco livros publicados no comeoda dcada de 90 sobre esta teoria. Frank constatou uma grande disperso na classificaodos dependentistas entre as vrias escolas de pensamento, segundo estes livros. A listaque ele teve o cuidado de estabelecer serve como uma tentativa de apresentao, de umamaneira mais neutra, dos principais pensadores relacionados de acordo com suas origenstericas. Dentre os estructuralistas encontramos Prebisch, Furtado, Sunkel, Paz, Pinto,Tavares, Jaguaribe, Ferrer, Cardoso e Faletto. No que diz respeito TEORIA DADEPENDNCIA, alm de Cardoso e Faletto, que aparecem ligados a ambas as escolas, os

    demais pensadores mencionados so: Baran, Frank, Marini, Dos Santos, Bambirra,Quijano, Hinkelammert, Braun, Emmanuel, Amin e Warren. Frank diferencia ainda, nodebate sobre a TEORIA DA DEPENDNCIA, entre os reformistas no-marxistas, osmarxistas e os neo-marxistas.

    O quadro abaixo, elaborado por Andr Gunder Frank (1991), traz os autores maiscitados no debate sobre a TEORIA DA DEPENDNCIA, de acordo com os cinco livrospublicados sobre o assunto em 1989-90; Hettne, Development Theory and the Three

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    Worlds, 1990; Hunt, Economic Theories of Development, 1989; Kay, Latin AmericanTheories of Development and Underdevelopment, 1989; Larrain, Theories of Development,

    1989; Lehman, Democracy and Development in Latin America, 1990. Estes autores teriamdistinguido, alm das teorias da Modernizao e do Estruturalismo, quatro correntes dateoria da dependncia: os reformistas, os no-marxistas, os marxistas e os neo-marxistas:

    QUADRO I - Escolas da Teoria do desenvolvimento na Amrica Latina

    Autores

    Mode

    rnizao

    Estrutural

    ismo

    Dependncia

    eform. oMarx.

    arx. eo-Marx.

    Prebisch Lar

    Kay, Het,e Lar

    Furtado

    Kay, Lar,Hnt e Het

    Sunkel + Paz

    Kay, Lar,Hnt, Het ay

    Pinto Kayay

    Tavares

    Kay

    Jaguaribe

    Kayay

    Ferrer

    Kayay

    Cardoso + Faletto

    Kay e Hntay ar

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    Baran ar et

    HntFrank

    ar ay et eHnt

    Marini ar ay et

    DosSantos ar ay et

    Hnt

    Bambirra ay et

    Quijano ay

    Hinkelammert ar

    Braun ay

    Emmanuel ar nt

    Amim ar nt

    Warren nt

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    Podemos compreender melhor o sentido destas opes tericas quando revisamos areordenao da temtica das cincias sociais latino-americanas provocada pela teoria da

    dependncia. Esta reordenao refletia no somente novas preocupaes sociais queemergiam para a anlise social e econmica mas tambm novas opes metodolgicasinspiradas nas origens tericas dos pesquisadores.

    No seu conjunto, o debate cientfico latino-americano revela sua integrao numaforte perspectiva transdisciplinar. No fora sem razo que a Amrica Latina (que j revelaraao mundo um autor marxista to original como Maritegui, nos anos 20) dever produzir,nas dcadas de 30, 40 e 50, pensadores sociais to originais como Gilberto Freire (que

    praticava um a sociologia de forte contedo antropolgico, ecolgico, psicanaltico ehistrico que encantou grande parte do pensamento europeu), como Josu de Castro (quealiava uma excelente formao nas cincias da vida, na medicina, na ecologia e nageografia humana com um enfoque econmico, sociolgico e antropolgico extremamentemoderno - inspirador de grande parte do debate mundial no s sobre a fome e suageopoltica mas sobre o subdesenvolvimento como fenmeno planetrio e da relao entreecologia e desenvolvimento), como Caio Prado Jnior (cujo marxismo - s vezes estreitometodologicamente - no o impediu de desenvolver uma obra histrica de grandeprofundidade sobre as razes da sociedade colonial e sobre o carter da revoluobrasileira), como Guerreiro Ramos (cujas razes existencialistas o permitiram pensar demaneira pioneira o nascimento do movimento negro contemporneo alm de iluminar ocontedo civilizatrio da luta do Terceiro Mundo), como Raul Prebisch (cuja visoeconmica transcendia o economicismo tradicional e revelavam fortes implicaes sociais epolticas - iluminadas pelos brilhantes insights do socilogo hispano-latinoamericanoMedina Echevarra) ou um Sergio Bag (que descobre o carter capitalista do projeto

    colonial ibrico, atravs de uma metodologia de anlise marxista modernizada pelosavanos recentes das cincias histricas e sociais), como Florestan Fernandes (cujo esforometodolgico de integrar o funcionalismo de origem durkheimniano, o tipo-idealweberiano e a dialtica materialista marxista talvez no tenha tido os resultados esperados,mas impulsionou um projeto filosfico-metodolgico que vai se desdobrar na evoluo depensamento latino-americano) ou como um Gino Germani (que logrou sistematizar oenfoque metodolgico das cincias sociais norte-americanas com o seu liberalismo

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    exacerbado na criao de um modelo de anlise do desenvolvimento como processo demodernizao).

    A acumulao destas e outras propostas metodolgicas na regio refletiam acrescente densidade de seu pensamento social que superava a simples aplicao dereflexes, metodologias ou propostas cientficas importadas dos pases centrais para abrirum campo terico prprio, com sua metodologia prpria, sua identidade temtica e seucaminho para uma prxis mais realista.

    A teoria da dependncia tentou ser uma sntese deste movimento intelectual ehistrico. A crtica de Bag, Vitale e Caio Prado Jnior ao conceito de feudalismo aplicado

    Amrica Latina, foi um dos pontos iniciais das batalhas conceituais que indicavam asprofundas implicaes tericas do debate que se avizinhava. Andr Gunder Frank recolheuesta problemtica para dar-lhe uma dimenso regional e internacional. A definio docarter das economias coloniais como feudais serviam de base s propostas polticas queapontavam para a necessidade de uma revoluo burguesa na regio. Inspirado no exemploda Revoluo Cubana que se declarou socialista em 1962, Frank abre fogo contra astentativas de limitar a revoluo latino-americana ao contexto da revoluo burguesa.Radical em seus enfoques ele vai declarar o carter capitalista da Amrica Latina desde seubero. Produto da expanso do capitalismo comercial europeu no sculo XVI, a AmricaLatina surgiu para atender as demandas da Europa e se insere no mundo do mercadomundial capitalista.

    No aqui o lugar para revisar em detalhe o extenso debate que se seguiu a estesataques e proposta de Frank de analisar o mundo colonial como um sistema deexpropriao de excedentes econmicos gerados nos mais recnditos recantos destemundo. Eu mesmo censurei o carter esttico do modelo de Frank e o seu desprezo das

    relaes de produo assalariadas como fundamento mais importante do capitalismoindustrial, nica forma de produo capitalista na qual este sistema se transforma nummodo de produo novo e radicalmente revolucionrio.

    Era contudo evidente que Frank acertava na essncia de sua crtica. A AmricaLatina surge como economia mercantil, voltada para o comrcio mundial e no pode ser, denenhuma forma, identificada ao modo de produo feudal. As relaes servis e escravistasdesenvolvidas na regio foram parte pois de um projeto colonial e da ao das foras

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    sociais e econmicas comandadas pelo capital financeiro em pleno processo de acumulao- que Marx considera primria ou primitiva essencial para explicar a origem do moderno

    modo de produo capitalista.No se podia esperar que a revoluo democrtico-burguesa fosse assim o fator

    mobilizador da regio. Mas os erros de Frank abriam tambm um flanco muito srio. Elesfaziam subestimar o obstculo representado pela hegemonia do latifndio exportador e pelasobrevivncia das relaes servis ou semi-servis na formao de uma sociedade civil capazde conduzir uma luta revolucionria. No se deve esquecer o avano das relaesassalariadas na agro-indstria aucareira cubana e a importncia de suas classes mdias e

    do seu proletariado urbano cuja greve geral contribuiu amplamente para a vitria dedezembro de 1958 (veja-se o livro de Vania Bambirra, 1974).

    O debate sobre o feudalismo se desdobrou imediatamente no debate sobre aburguesia nacional. Tratava-se de saber at que ponto o capitalismo da regio havia criadouma burguesia nacional capaz de propor uma revoluo democrtica. Outra vez Frankpolarizou a discusso com sua negao rotunda do carter nacional das burguesias latino-americanas. Formadas nos interesses do comrcio internacional, elas se identificavam comos interesses do capital imperialista e abdicavam completamente de qualquer aspiraonacional e democrtica. Vrios estudos mostravam os limites do empresariado da regio:pouco conhecimento da realidade poltica do pas, pouca presena junto ao sistema depoder, pouco conhecimento tcnico e econmico, falta de uma postura inovadora e de umavontade de opor-se aos interesses do capital internacional que pudessem prejudicar oempresariado nacional.

    Eu e outros socilogos nos lanamos contra estas concepes simplistas. Nos anos30, figuras como Roberto Simonsen, Euvaldo Lodi e vrios outros mostravam uma ampla

    conscincia poltica e econmica do empresariado nacional. Suas entidades de classe comoa Federao Nacional da Indstria, formulavam projeto de desenvolvimento com altocontedo nacionalista e apoiavam o projeto de Estado Nacional Democrtico dirigido porGetlio Vargas.

    Contudo, eu procurava mostrar os limites estruturais deste projeto diante de umaexpanso das empresas multinacionais para o setor industrial. Elas detinham vantagenstecnolgicas definitivas e s poderiam ser detidas na sua expanso por Estados Nacionais

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    muito fortes que necessitavam de um amplo apoio na populao operria e na classe mdia,sobretudo entre os estudantes que aspiravam o desenvolvimento econmico como nica

    possibilidade de incorpor-los ao mercado de trabalho.No se tratava pois de uma questo de ausncia de conhecimento ou disposio de

    luta, ou determinao. Havia srios limites de classe no projeto nacional democrtico quechegou a ser desenvolvido intelectualmente atravs do Instituto Superior de EstudosBrasileiros (ISEB) na dcada de 50, que tinha uma base material na Federao Nacional dasIndstrias e em vrios rgos da administrao pblica que apoiaram o 2 governo Vargas,quando este projeto alcanou o seu auge. Tais foras demonstraram-se contudo hesitantes

    quando puderam avaliar a fora e a profundidade da oposio dos centros de poder mundiala este projeto. A avassaladora campanha pelo impeachment de Vargas, foi detida peloseu suicdio, e a sua carta testamento levou a uma frmula de compromisso no governo deJuscelino Kubistchek: o Brasil abria suas portas ao capital internacional garantindo,contudo, suas preferncias estratgicas e exigindo um alto grau de integrao do seu parqueindustrial.

    O enorme crescimento industrial logrado de 1955 a 1960 aumentou as contradiessocio-econmicas e ideolgicas no pas. O caso brasileiro era o mais avanado nocontinente e no assegurou um caminho pacfico. A burguesia brasileira descobriu que ocaminho do aprofundamento da industrializao exigia a reforma agrria e outras mudanasem direo criao de um amplo mercado interno e gerao de uma capacidadeintelectual, cientfica e tcnica capaz de sustentar um projeto alternativo. Tais mudanasimplicavam no preo de aceitar uma ampla agitao poltica e ideolgica no pas queameaava o seu poder.

    O golpe de Estado de 1964 cerrou a porta ao avano nacional-democrtico e

    colocou o pas no caminho do desenvolvimento dependente, apoiado no capitalinternacional e num ajuste estratgico com o sistema de poder mundial. O que bom paraos Estados Unidos bom para o Brasil. A frmula do General Juracy Magalhes, ministrode relaes exteriores do regime militar consolidava esta direo. Por mais que os anosposteriores tenham demonstrado o conflito entre os interesses norte-americanos e osinteresses do desenvolvimento nacional brasileiro, no foi mais possvel romper estaparceria selada com ferro e fogo no assalto ao poder de 1964.

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    No era possvel, portanto, desprezar a luta interna gerada pelo avano daindustrializao nos anos 30. E a constatao da capitulao final da burguesia nacional no

    anulava totalmente seu esforo anterior. Camadas da tecnocracia civil e militar, setores detrabalhadores e da prpria burguesia nunca abondonaram totalmente o projeto nacionaldemocrtico. Mas ele perdeu seu carter hegemnico apesar de ter alguns momentos deirrupo no poder central durante a ditadura. Nos anos de transio democracia, na dcadade 80, ele voltou a influenciar eleies locais e sobretudo a constituinte de 1988. Contudo, areorganizao do setores hegemnicos da classe dominante levou-os retomada docontrole em 1989 com a vitria de Fernando Collor, e encontrou um caminho ainda mais

    slido com a aliana de centro-direita que venceu as eleies de 1994, com FernandoHenrique Cardoso na presidncia.

    Fernando Henrique fora um dos que demonstraram em 1960 a debilidade daburguesia nacional e sua disposio em converter-se em uma associada menor do capitalinternacional. Ele foi tambm um dos que observou o limite histrico do projeto nacional-democrtico e do populismo que o conduzia.

    Desde de 1974, como o mostramos no nosso artigo sobre sua evoluo intelectual epoltica, (ver Dos Santos, 1996) ele aceitou a irreversibilidade do desenvolvimentodependente e a possibilidade de compatibiliz-lo com a democracia representativa. A partirda, a tarefa democrtica se convertia em objetivo central, da luta contra um Estadoautoritrio, apoiado sobretudo numa burguesia de Estado que sustentava o cartercorporativo e autoritrio do mesmo. Os inimigos no so portanto o capital internacional esua poltica monopolista, captadora e expropiadora dos recursos gerados nos nossos pases.Os inimigos so o corporativismo e uma burguesia burocrtica e conservadora que, entreoutras, coisas limitou a capacidade de negociao internacional do pas dentro do novo

    patamar de dependncia gerado pelo avano tecnolgico e pela nova diviso internacionaldo trabalho que se esboou nos anos 70, como resultado da realocao da indstriamundial.

    Estas teses ganharam fora internacional e criaram o ambiente ideolgico daaliana de centro-direita que veio a se realizar no Mxico, na Argentina, no Peru, naVenezuela, na Bolvia, e no Brasil. Uma importante ala da esquerda populista ou liberal

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    adere ao programa de ajuste econmico imposto pelo Consenso de Washington e assegura aestabilidade monetria e o precarssimo equilbrio macroeconmico dela derivado.

    Em troca desta adeso garante-se um amplo perodo no poder e o apoiointernacional para o mesmo. A Amrica Latina entra assim num novo patamar derelacionamento caracterizado por moedas fortes (princpio j quebrado no Mxico),estabilidade monetria (idem), estabilidade fiscal com privatizao das empresas pblicas,governos reeleitos sucessivamente (j ameaados no Mxico) e forte apoio internacional nocaminho de uma integrao comercial das Amricas ( ver Dos Santos, 1996-b).

    Este caminho de submisso estratgica crescente, seguido pelas burguesias latino-

    americanas, parece confirmar as previses mais radicais sobre seu carter entreguista ecomprador. A crise da dvida externa na dcada de 80, a crise scio-econmica quesignificou a poltica de ajuste para permitir o pagamento da dvida externa, parecemconfirmar o carter dependente de nossas economias. Mas a resistncia das tecnocraciascontinentais a estas situaes foi bem maior do que muitos esperavam. De repente, viu-seum realinhamento de foras desenhando-se no subcontinente. Aparecem resistncias aoprojeto neo-liberal entre os militares, a igreja, setores da burocracia estatal e sobretudotcnicos, engenheiros e cientistas. Todos eles esto ligados existncia de um Estadonacional forte e um desenvolvimento econmico de base nacional significativa. Ostrabalhadores industriais e de servio esto no centro da resistncia. Todos eles tm umpapel ntimo no projeto neo-liberal.

    As dificuldades de eliminar totalmente estas resistncias manteve o projeto neo-liberal nos marcos de um regime liberal democrtico e parece dar razo tese de que odesenvolvimento dependente compatvel com os regimes polticos liberais democrticos.

    No entanto, necessrio ressaltar que no s houve situaes de exceo (como no

    caso do Peru), como tentativas de rebelio dentro das foras armadas argentinas evenezuelanas, como o aparecimento de novos movimentos guerrilheiros, ou mesmo destanova forma de poltica insurrecional que o Exrcito Zapatista no Mxico. Ningum podeassegurar que a atual onda democrtico-liberal resistir indefinidamente a esta combinaode polticas econmicas recessivas, abertura externa, especulao financeira, desemprego eexcluso social crescente. Mesmo que, neste contexto, um setor importante da populaopossa melhorar seus padres de consumo, isto dificilmente substituir o desgarramento do

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    tecido social, da identidade cultural e das expectativas de trabalho e de competitividadeprodutiva de grande parte da populao.

    Esta evoluo dos acontecimentos parece confirmar outra temtica posta emevidncia pela teoria da dependncia: a tendncia excluso social crescente, ao aumentoda concentrao econmica e da desigualdade social. Dependente, concentrador eexcludente estas eram as caractersticas bsicas do desenvolvimento dependente, associadoao capital internacional destacadas pela teoria. Estas caractersticas se exacerbaram nadcada de 80, sob o impacto da globalizao comandada pelo capital financeirointernacional.

    A evoluo da revoluo cientfico-tcnica parece confirmar as anlises do final dosanos 60. Ela favoreceu o crescimento da exportao industrial nos pases dependentes dedesenvolvimento mdio, enquanto os pases centrais se especializavam na tecnologia deponta, geradora de novos setores de servio voltados para o conhecimento, a informao, olazer e a cultura. A expanso industrial da Amrica Latina no resultou na sua passagempara o campo dos pases industriais desenvolvidos. Ao contrrio, tem aumentado a distnciacom os pases centrais colocados na ponta da revoluo ps-industrial, enquanto asindstrias obsoletas e poluentes se concentram nos pases de desenvolvimento mdio. Omais grave contudo comea a ocorrer na dcada de 80 pois, conforme havamos previsto, aadoo crescente da automao diminui drasticamente o emprego industrial. Cada vez maisafastados dos centros de produo cientfica, tecnolgica, e cultural, os pases emdesenvolvimento se inserem na armadilha do crescimento econmico sem emprego, novendo expandir o emprego em educao, sade, cultura, lazer e outras atividades tpicas darevoluo cientfico-tcnica.

    A desvalorizao das camadas mdias de profissionais s compensada em parte

    pela emigrao de grande parte deles para os pases centrais, aprofundando a captao derecursos humanos, o brain-drain dos anos 60, agora dos pases de desenvolvimentomdio, cuja estrutura educacional superior se torna intil diante do atraso de umdesenvolvimento dependente, subordinado, concentrador e excludente. Os quadrosformados por estas Universidades vo ser recrutados nos pases centrais.

    Ao lado dessas tendncias, prossegue a penetrao do capitalismo nas zonas rurais,expulsando mais e mais populao para os centros urbanos. A urbanizao se torna

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    metropolizao e favelizao isto , marginalidade e excluso social, que assume muitasvezes o carter de um corte tnico, o que explica a fora das reivindicaes tnicas nos

    centros urbanos da regio.O abandono do esforo cientfico e tecnolgico regional, levou tambm ao

    abandono do setor de bens de capital onde se concentra a chave do processo de revoluocientfico-tcnica e a possibilidade de um desenvolvimento auto-sustentado. Acomplexidade da indstria de base e de sua modernizao com a robotizao, comea aretir-la mesmo dos pases, como o Brasil, que j haviam alcanado um importantedesenvolvimento da mesma.

    O Estado-nacional v-se avassalado por estas mudanas. Voltado para o pagamentodos juros da dvida externa na dcada de 80, criou uma imensa dvida interna comaltssimos juros e alta rotao. Na dcada de 90, quando os juros internacionais caem, ospases dependentes vm-se estimulados e at forados a empreender polticas econmicasde valorizao de suas moedas nacionais. Estas polticas os levam a criar importantesdficits comerciais, os quais buscam cobrir com a atrao de capital especulativo de curtoprazo, pagando-lhes altos juros, internamente.

    assim que, ao escaparmos dos juros altos internacionais (hoje extremamentebaixos) camos na trampa dos juros altos internos. O Estado se converte em prisioneiro docapital financeiro, afogado por uma dvida pblica em crescimento exponencial, cujoservio no deixa mais nenhum espao para o investimento estatal, e tambm, cada vezmenos para as polticas sociais e mesmo para a manuteno do modesto funcionalismopblico da regio.

    O contedo de classe do Estado faz-se pois, mais evidente ainda. Ele se pecompletamente a servio do grande capital financeiro subordinando cada vez mais os outros

    setores da burguesia. Ele se v obrigado a abandonar o clientelismo e o patrimornialismodas antigas oligarquias atravs do qual o Estado atendia s suas famlias e a uma vastapopulao de classe mdia. Ele corta tambm as aberturas realizadas pelo populismo aosdirigentes sindicais e outras entidades corporativas. No h mais dinheiro para ningum - afome do capital financeiro insacivel.

    As polticas de bem-estar voltadas para os setores de baixa renda e para aprevidncia social tambm se vem definitivamente ameaadas. A onda neo-liberal

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    estimula medidas que giram em torno de uma retomada do dinamismo do mercado que nofuncionou em nenhuma parte do mundo. Os governos Reagan e Thatcher no abandonaram

    o gasto pblico, apesar de liderarem o movimento neo-liberal. Pelo contrrio, Reaganaumentou mais de 5 vezes o dficit pblico estadunidense, criando uma enorme dvidapblica que serviu de ponto de arranque do movimento financeiro da dcada de 80. Osalemes e japoneses foram os principais beneficirios desta poltica. Aumentaram seusupervit comercial com os Estados Unidos e investiram seus ganhos em ttulos da dvidapblica a altas taxas de juros. Ao mesmo tempo, converteram suas moedas em poderososinstrumentos de poltica econmica.

    O que mais surpreendeu aos tericos no dependentistas foi o crescimento dospases do sudeste asitico. Muitos autores apresentaram a consolidao do crescimentodesses pases como evidncia do fracasso da teoria da dependncia. So vrios os estudossobre estes processos e so unnimes em reivindicar as especificidades da situaoregional. As economias da regio no fizeram uma grande dvida externa na dcada de 70,como os latino-americanos e os pases do leste europeu. Elas passaram por reformasagrrias radicais nos anos 40 e 50, para o que tiveram especial apoio norte-americano,devido sua proximidade com os inimigos da guerra fria. Elas contaram com a acumulaode capitais japonesa e a poltica do MITI de exportar as indstrias de tecnologia emprocesso de obsolescncia para os seus pases vizinhos. Elas tiveram condies especiais depenetrao no mercado norte-americano pelas razes geopolticas j mencionadas. Mas,sobretudo, elas praticaram uma forte interveno estatal e protecionismo que lhes permitiusustentar suas polticas econmicas e desenvolver, ao mesmo tempo, uma base tecnolgicaprpria, apesar de modesta.

    Esta evoluo mostra que a agenda colocada na ordem do dia pela teoria da

    dependncia continua a ser de grande atualidade apesar das mudanas fundamentais queocorreram no perodo.

    Mas o que ressalta sobretudo a questo metodolgica. Mais do que nunca aproblemtica do subdesenvolvimento e do desenvolvimento tem de ser analisada noprocesso de evoluo do sistema econmico mundial. Nele, persiste a diviso entre umcentro econmico, tecnolgico e cultural, uma periferia subordinada e dependente e formasde semi-periferia que ganharam grande dinamismo durante a fase depressiva do ciclo

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    Kondratiev (de 1967 a 1993). Tudo indica que se retomar o crescimento econmico apartir de 1994 e novos alinhamentos devero se produzir.

    A queda do socialismo estatizante de forte influncia stalinista, o socialismo numas regio do mundo, provocou uma onda de euforia neo-liberal que prejudicou muitogravemente a evoluo destes pases. Tudo indica, contudo, que devero retificar estaaventura altamente custosa em vidas humanas.

    As contradies entre EE.UU, Europa, e Japo encontraram o canal do grupo dosSete para encaminh-las. A Rssia (liberada dos seus aliados ou satlites europeus e daUnio Sovitica) foi integrada neste grupo. Mas a China em pleno crescimento, a ndia e o

    Brasil entre outras 18 potncias mdias no encontraram ainda seu lugar no sistemamundial ps-guerra fria.

    A separao do mundo em blocos regionais parece ser a forma intermediria que oprocesso de globalizao vem assumindo para resistir ao livre movimento de capitaisfinanceiros ou das empresas transnacionais ou globais. Isto se enquadra tambm nasprevises da teoria da dependncia, inclusive a importncia das integraes regionais naAmrica Latina como um caminho mais slido para a integrao regional de todo ocontinente. O prprio EE.UU se v obrigado a buscar um caminho de mais aproximaohemisfrica. O NAFTA mostra as dificuldades dessa integrao de estruturas toassimtricas e to desiguais. A integrao exitosa do MERCOSUL reafirma o princpio deque mais fcil integrar mercados de nveis semelhantes, particularmente de significativodesenvolvimento industrial. Contudo, o ASEAN mostra a possibilidade de umacomplementaridade entre um pas central que ocupa a funo de um plo de acumulao eoutros perifricos, onde o primeiro organize seu mercado como um consumidor dosprodutos dos mercados prximos, com transferncia de tecnologia para garantir a qualidade

    de seus abastecedores. Os EE.UU. estariam dispostos a gerar uma nova poltica de boavizinhana que integrasse as Amricas sob sua gide. Seno o fizer a mdio prazo talvezencontre j um Brasil consolidado como lder do desenvolvimento regional, na Amrica doSul.

    3 - O DEBATE SOBRE A DEPENDNCIA

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    Para compreender a evoluo da teoria da dependncia necessrio tomar emconsiderao o longo ataque que esta teoria sofreu nas dcadas de 70 e 80. Passamos a

    apresentar um survey desta literatura distinguindo as duas dcadas.Na dcada de 70 uma extensa literatura sobre a TEORIA DA DEPENDNCIA deu

    incio ao debate sobre o tema, desde uma perspectiva universal.O artigo de Suzzane Bodenheimer, Dependency and Imperialism, Politics and

    Society, n. 5, maio 1970, foi talvez a primeira tentativa de apresentar a teoria dadependncia como uma escola de pensamento nova que propunha um paradigma cientficoalternativo ao main stream do pensamento social ocidental. Em fevereiro de 1973, The

    Journal of Interamerican Studies dedicou uma edio especial teoria da dependncia. Decontedo essencialmente crtico, assumia um ponto de vista conservador. Eles levantavama questo de que a noo de dependncia era uma desculpa para explicar o fracassoeconmico dos pases subdesenvolvidos. Neste mesmo ano, Norman Girvan (1973)procurava aplicar o conceito de dependncia realidade caribenha, exercendo umaparticular influncia sobre o governo Manley na Jamaica. Na verdade, este trabalho ser oponto de partida da escola caribenha da dependncia de lngua inglesa (ver Blomstrom eHettne, 1984, 1990, ps. 128 a 155).

    Na frica, a teoria da dependncia encontrou uma elaborao terica em cursosobre o desenvolvimento e produziu-se uma fuso bastante profcua. Samir Amim (1974),convocou uma reunio em Dakar, em 1970, para produzir um encontro entre o pensamentosocial latino americano e africano. Quatro anos mais tarde, Abelatif Benachenou chamar realizao de um Congresso de Economistas do Terceiro Mundo em Argel que dar origema uma Associao Internacional de Economistas do Terceiro Mundo. Anteriormente, emDar-El-Salan reuniam-se cientistas sociais de todo o mundo que tentavam um caminho

    terico alternativo, muito influenciados pelo estruturalismo e pela teoria de dependncia.Surge deste esforo o livro de Tamas Sentzes (1971) sobre o desenvolvimento econmicoque se converteu num clssico da regio.

    Na sia, particularmente ndia, havia j uma longa tradio de crtica anti-imperialista e de formulao de caminhos prprios de desenvolvimento. Mas estaspropostas, apesar de mais abertamente apoiadas no planejamento estatal, no deixavam departir da disjuntiva entre tradicional e moderno, entre atraso e desenvolvimento, apesar de

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    reconhecer os aspectos econmico, social e culturalmente positivos da cultura indiana.Gandhi sobretudo havia apoiado sua mobilizao de massas anti-imperialista no

    reconhecimento dos valores da cultura indiana, entre os quais no estava somente a no-violncia mas tambm a produo autnoma e artesanal e a comunidade hindu. Por estarazo, certos setores do pensamento nacional democrtico indiano receberam mal umaviso do subdesenvolvimento que o ligava formao do capitalismo moderno como umaeconomia mundial. Hettne e Bromstom (1984) insistem na pouca influncia da teoria dadependncia sobre o pensamento indiano.

    Contudo, muitos autores hindus no somente integraram e noo de dependncia

    em suas dimenses tericas ou apresentaes didticas como assumiram a teoria dadependncia como instrumental analtico (ver Baghshi, e Todaro, M.P., 1977). No querespeita ao conjunto da sia pode-se ver este impacto no livro organizado por Ngo ManLan (1984).

    Na Amrica Latina, o programa da Unidade Popular de Salvador Allende etendncias do governo militar revolucionrio peruano incorporavam elementos chaves dateoria da dependncia. A teologia da libertao que surgia no Peru com Gutierrez tomou ateoria da dependncia como sua referncia fundamental. Outros autores como EnriqueDussel assumem claramente esta perspectiva analtica integrando-a na sua interpretaoterica do marxismo e do cristianismo.

    Em Cuba, a revista Pensamento Crtico abrira suas pginas ao novo pensamentolatinoamericano at a derrota de Che Guevara e no debate travado entre ele e RafaelRodrigues. O fracasso da Grande Safra dos 10 milhes de toneladas e outros erros dadireo revolucionria que levaram adeso do PC cubano s teses do marxismo-leminismo ortodoxo sovitico, com seus manuais de materialismo histrico e dialtico,

    suas interpretaes do imperialismo, da revoluo russa, das revolues de libertaonacional que se restringiam passagem de sociedades feudais ou pr-capitalista para ocapitalismo moderno e a democracia liberal. Eram as teorias da modernizao que secristalizavam num marxismo de inspirao positivista, no qual predominava umevolucionismo mecanicista. Cuba voltava a ser um pas exportador de cana de acar eimportador de manufaturados. O socialismo permitia contudo uma utilizao dosexcedentes desta exportao na implantao do mais avanado projeto educacional, de

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    sade e de controle popular sobre o Estado (mesmo com as deformaes burocrticasimpostas pelos russos elas no conseguiram quebrar a espinha dorsal da revoluo cubana).

    Vania Bambirra protagonizou uma ampla polmica com a ortodoxia cubana, tantoguevarista como comunista. Num seminrio realizado no Centro de Estudos Scio-Econmicos, em Santiago do Chile, ela questionou as interpretaes correntes da revoluocubana e reivindicou o papel das lutas democrticas, das massas urbanas, da mobilizaohistrica pela greve geral e at uma boa parte da militncia do Partido Comunista Cubanono xito da revoluo. Estas teses foram publicados no seu livro A Revoluo Cubana,uma Reinterpretao que foi lido por setores da direo poltica cubana mas no foi

    divulgado neste pas por suas concepes no-ortodoxas. Nele, aplicava-se a teoria dedependncia para mostrar no somente as verdadeiras causas do processo revolucionriocubano como tambm suas dificuldades.

    A teoria da dependncia ganhava assim uma avassaladora influncia na regiolatino-americano e no Caribe; nos Estados Unidos, na frica e na sia aprofundava seucampo de influncia atravs da teologia da libertao. Na Europa, a mesma teoriaencontrava eco na esquerda revolucionria, na esquerda do socialismo e da social-democracia. Ela influenciou pesquisas de grande valor como as realizadas pelo StarnbergInstitute, em Starnberg, por tericos alemes, franceses e ingleses. Entrou finalmente nospases nrdicos ao influenciar as pesquisas para a paz.

    Em 1977, Helena Tuomi fazia um levantamento dos modelos de dependncia napesquisa ocidental sobre desenvolvimento (ver Tuomi, 1977). Ela encontrou naquele anocinco projetos de pesquisa que tentavam definir a ou as variveis independentes edependentes que procuravam medir em perodos de tempo mais ou menos longos, baseandodefinir modelos de explicao do subdesenvolvimento e test-los empiricamente (1).

    Mas era na Amrica Latina que os estudos sobre a dependncia avanavam por todaparte. Na metade dos anos 70 comea; contudo um movimento de crtica teoria dadependncia. No Congresso Latino-americano de Sociologia de 1975, em Costa Rica, estadiscusso tomou grande parte do congresso. Os resultados destes debates foram publicadosno livro: Debates sobre la Teoria da la Dependncia y la Sociologia Latino americana.EDUCA, San Jos, 1979, publicado sob a superviso editorial de Daniel Camacho.

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    Heraldo Muoz publicou um dos melhores resumos sobre a TEORIA DADEPENDNCIA em seu artigo El Anlisis de la Teoria de la Dependencia en los

    Centros: Ejemplos de EEUU in Estudios Internacionales, Vol. 12, n. 45, janeiro-maro,1979, pp, 68-76, c Cambio y Continuidade en el Debate sobre la Dependencia y elImperialismo in Estudios Internacionales, vol. 11, n. 44, outubro-dezembro, 1978, pp. 88-138. Em 1982 ele editou From Dependency to Development - Strategies to OvercomeUnderdevelopment and Inequality, Estudos Especiais sobre Desenvolvimento Social,Politico Econmico, Editora Westview Press, Boulder, Colorado, 1982.

    Veja tambm: Gustavo Rodriquez O., De la Cepal a la Teoria de la Dependencia -

    Un Esquema Descriptivo, IESE, Cochabamba, 1979, e o captulo sobre o MarxismoLatino-Americano escrito por Juan Carlos Portantiero para a coleo History of Marxism,dirigida por Eric J. Hobsbawn.

    A grande onda de crtica Teoria da Dependncia ampliou-se sobretudo na segundametade da dcada de 70 e comeo da dcada de 80, vinda em parte de autores latino-americanos: Agustn Cueva, Problemas y Pespectivas de la Teoria de la Dependencia,CELA, UNAM, deu incio a uma nova crtica Teoria de la Dependencia acusando seusautores de superestimar fatores externos em relao a fatores internos e de abandonarem aanlise das classes sociais. Depois disto ele publicou o livro El Desarrollo del Capitalismoen Amrica Latina, Siglo XXI, Mxico, 1978 onde deu continuidade a estas crticas.Posteriormente ele aceitaria o fato de que estava enganado em suas crticas e passou adestacar as conquistas da Teoria da Dependncia diante dos ataques que ela receberia dopensamento conservador latino-americano e europeu. Octavio Rodriquez publicou seuInforme sobre las Criticas a la Concepcin de la CEPAL, Secretaria de la Presidencia,Mxico, 1974, onde ele defendia Prebisch e a CEPAL das crticas da Teoria da

    Dependncia. Enrique Semo, La Crisis Actual del Capitalismo, ed. de Cultura Popular,Mxico, 1975 apresentou uma crtica baseada no conceito da interdependncia como umatendncia da economia internacional. O trabalho de Vania Bambirra intitulado Teoria de laDependencia; Una Anticrtica, Era, Mxico, 1978, responde a grande parte destas crticas.Ela mostra sobretudo os equvocos de interpretao que elas continham, atribuindo aostericos da dependncia posies que eles nunca defenderam, como a idia de uma

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    tendncia estagnao econmica, uma supervalorizao dos fatores externos em relaoaos internos, etc.

    H tambm um grupo de crticos da Teoria da Dependncia que se chamammarxistas ortodoxos ou simplesmente marxistas(2). Eles acham que a teoria dadependncia coloca as determinaes externas como fundamentais e colocam em segundoplano a luta de classes no interior de cada pas. Condenam tambm qualquer viso crticado desenvolvimento do capitalismo que, segundo eles, no apresenta diferena essenciaisentre os pases dominantes e os dependentes. Esta tendncia endogenista acredita que oimperialismo representa um progresso ao desenvolver as foras produtivas em nvel

    internacional. Eles no compreendem em quanto o imperialismo bloqueia odesenvolvimento das foras produtivas das naes colonizadas, decepam seu poder decrescimento econmico, de desenvolvimento educacional, de sade, etc. No conseguementender o fenmeno da superexplorao e a transferncia internacional de excedentesgerados no 3 Mundo e enviados para os pases centrais.

    De fato, vai ocorrer uma convergncia entre as crticas de Fernando HenriqueCardoso aos seus colegas que iniciaram a teoria da dependncia e as crticas desseschamados marxistas (ver o meu artigo sobre as polmicas com Cardoso). Estes levamcontudo sua ortodoxia muito longe defendendo a necessidade de analisar os modos deproduo no interior de cada economia. So chamados de autonomistas e endogenistas eforam analisados por Marini (1995) com rigor e preciso. Uma leitura sria de Marx jamaisautorizaria este tipo de interpretao do marxismo. Ele sempre chamou a ateno para ocarter internacional do modo de produo capitalista e considerou o comrcio mundialcomo condio necessria da acumulao primitiva capitalista. Marx no autorizaria jamaisuma concepo classista que colocasse em oposio a anlise das economias nacionais e o

    estudo de sua articulao com a economia mundial. Ele sempre entendeu a formao docapitalismo como a dialtica entre a economia mundial, como fenmeno independente, e oconjunto de economias nacionais em competio, apoiando-se nos seus Estados nacionais.

    As implicaes tericas da teoria da dependncia esto ainda por desenvolver-se.Sua evoluo na direo de uma teoria do sistema mundial buscando reinterpretar aformao e desenvolvimento do capitalismo moderno dentro desta perspectiva um passoadiante neste sentido, como o veremos nos prximos captulos (3).

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    4 - A GLOBALIZAO E

    O ENFOQUE DO SISTEMA-MUNDOA teoria da dependncia seguia e aperfeioava um enfoque global que baseava

    compreender a formao e evoluo do capitalismo como uma economia mundial.Prebisch j falava nos anos 50, da existncia de um centro e uma periferia mundial, tese queele aperfeioar na dcada de 70 sob a influncia do debate sobre a dependncia (verPrebisch; 1981). A teoria da dependncia buscou refinar este esquema ao rever a teoria doimperialismo desde sua formao com Hilferding, Rosa Luxemburgo, Hobson, Lenin e

    Bukharin. Andr Gunder Frank (1991) chama a ateno para esta busca de anlise dosistema mundial que se desenha sobretudo no comeo da dcada de 70 com Amin (1974),Frank (1978, 1980 e 1981) , Dos Santos (1970 e 1978) mas que ganha realmente umgrande alento com a obra de Immamuel Wallerstein (1974, 1980, 1989), que desenvolve atradio de Fernand Braudel (1979). Tudo isto tem sido objeto de uma ampla discusso(4).

    Outros autores reconhecem a relao estreita da teoria do sistema-mundo com ateoria da dependncia. Bjorn Hettne traa mesmo uma relao de evoluo do debate sobredesenvolvimento e dependncia em que a teoria da dependncia tem como evoluo ateoria do sistema-mundo enquanto a tendncia estruturalista marcha para a teoria dasnecessidades bsicas encampada pelo Banco Mundial nos anos 70 sob a direo de McNamara. Enquanto isto, a tendncia endogenista que se pretende marxista (e que ele chamade anlise dos modos de produo) se origina, segundo ele, dos modelos marxistas deacumulao de capital.

    A teoria da dependncia tambm teria tido esta origem mas teria sofrido a influnciada anlise econmica estruturalista da CEPAL. As teorias da modernizao teriam, por

    outro lado, mantido seu quadro de anlise ocidentalista enquanto sofria a crtica dosmodelos de outro desenvolvimento ou desenvolvimento alternativo.

    Estas tendncias podem ser visualizados no diagrama apresentado por Bjorn Hettne(1982, p. 140):

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    Orientaes tericas:

    (P) Positivo-formal (F)(N) Normativo-formal (F)(P) Positivo-substantivo (S)(N) Normativo-susbtantivo (S)

    PAnlise dos

    Modelo modos de ProduoMarxista de Anlise do sistema-mundoAcumulao Teoria da

    Dependncia Anlise ocidentalizante

    F SAnlise econmicaEstruturalista Teoria da

    Modernizao

    Modelos Enfoque dasneo-clssicos de necessidades Desenvolvimento

    alternativo

    crescimento bsicas ou outrodesenvolvimento

    N

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    O enfoque do Sistema-Mundo busca analisar a formao e a evoluo do modocapitalista de produo como um sistema de relaes econmico-sociais, polticas e

    culturais que nasce no fim da Idade Mdia europia e que evolui na direo de se converternum sistema planetrio e confundir-se com a economia mundial. Este enfoque, ainda emelaborao, destaca a existncia de um centro, uma periferia e uma semi-periferia, alm dedistinguir entre as economias centrais uma economia hegemnica que articula o conjuntodo sistema.

    Ao mesmo tempo, a teoria do sistema mundo absorveu a noo de ondas e cicloslongos de Braudel (1979) que se diferenciam dos ciclos de Kondratiev. H, no entanto,

    tentativas de conciliar os ciclos de Kondratiev de 50 a 60 anos com os ciclos longos, maisligados ao movimento do capital financeiro, que encontrou Braudel. Desta forma, aevoluo do capitalismo vista como uma sucesso de ciclos econmicos, articulados comprocessos polticos, sociais e culturais. Em livro recente, Arrighi (1995) conseguiu ordenara histria do capitalismo como uma sucesso de 4 ciclos longos de acumulao, baseadosem quatro centros hegemnicos:

    1) O ciclo genovs (que se articula com as conquistas ibricas) que se inicia no fimdo sculo XIV e incio do sculo XV, quando se forma a base da acumulao financeira deGnova, como cidade estado e, posteriormente, como nao dos genoveses, localizada emvrios centros financeiros europeus a qual se prolonga at o fim do sculo XVI e comeodo XVII. Este ciclo tem nas monarquias ibricas principal instrumento.

    2) O ciclo holands que se inicia exatamente no fim do sculo XVI e no incio dosculo XVII at a metade do sculo XVIII.

    3) O ciclo britnico que se inicia na metade do sculo XVIII e que se prolonga at a

    1 e a 2 Guerra Mundial.4) O ciclo norte-americano que se inicia durante a 1 Guerra e se desenvolve

    durante a 2 Guerra Mundial at nossos dias, quando h sinais de emergncia de um novociclo que ter como centro o sudeste asitico, ou algum ncleo de poder supranacional.

    Giovanni Arrighi (1995) analisa a relao destes ciclos com os principais centrosfinanceiros que terminaram se transformando em centros hegemnicos aliados com centroscomerciais. Tem faltado a estas anlises uma aprofundizao maior do aspecto produtivo

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    que estabelea os regimes de produo, a evoluo das foras produtivas e das relaessociais de produo para melhor explicar o funcionamento destes ciclos. Neste sentido,

    Dos Santos (1978) tenta articular a noo de sistema mundial com as grandes estruturas deproduo e particularmente com a revoluo cientfico-tcnica (Dos Santos, 1983 e 1986),indicando um caminho de pesquisa em parte complementar ao esforo mais global da teoriado sistema mundial, em parte reordenador desse esforo.

    Uma caracterstica importante das anlises do sistema mundial a negao dasinterpretaes do mundo contemporneo baseadas na bipolarizao do ps-guerra, vistacomo uma relao entre dois sistemas econmicos de poder paralelo. Os vrios tericos do

    sistema mundial insistiram sempre na existncia de um s sistema econmico mundial,neste perodo, de carter capitalista e sob hegemonia norte-americana. A evoluo daeconomia sovitica e do bloco de naes a ela mais ou menos ligadas no havia sido capazde sair do contexto determinado pelo sistema mundial capitalista. Sempre se esperou que aagudizao deste conflito na dcada de 80 destruiria o modelo de guerra fria que redefiniriaas zonas geopolticas mundiais. Neste sentido ver Dos Santos (1978 e 1993), Wallerstein(1979, 1984) e Frank (1980, 1981).

    Os estudos do sistema-mundo se situaram como expresso terica de um amplodebate sobre as transformaes que ocorriam na economia e poltica mundial dos anos 70.Desde o fim de 1960, surgia uma ampla documentao emprica sobre as corporaesmultinacionais, sobre as novas direes da economia mundial e sobre a nova ordemeconmica mundial proposta pelos no-alinhados nas Naes Unidas. Vrios informessobre a situao econmica mundial se sucederam expressando as vrias correntesinternacionais e sobretudo a preocupao crescente com o meio-ambiente ameaado(5).Dentro desta perspectiva globalizadora (6) necessrio afirmar sobretudo os seguintes

    elementos de uma nova sntese terico-metodolgica em processo:1) A teoria social deve se desprender de sua extrema especializao e retomar a

    tradio das grandes teorias explicativas com o objetivo de reordenar o sistema deinterpretao do mundo contemporneo.

    2) Esta reinterpretao deve superar sobretudo a idia de que o modo de produocapitalista, surgido na Europa no sculo XVIII a referncia fundamental de uma novasociedade mundial. Este fenmeno deve ser visto como um episdio localizado, parte de

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    um processo histrico mais global que envolve a integrao do conjunto das experinciascivilizatrias numa nova civilizao planetria, pluralista e no exclusivista, baseada na no

    subordinao do mundo a nenhuma sociedade determinada.3) A formao e evoluo do sistema mundial capitalista deve orientar a anlise das

    experincias nacionais, regionais e locais buscando resgatar as dinmicas histricasespecficas como parte de um esforo conjunto da humanidade por superar a formaexploradora, expropriatria, concentradora e excludente em que este sistema evoluiu.

    4) A anlise deste processo histrico deve resgatar sua forma cclica procurandosituar os aspectos acumulativos no interior de seus limites estabelecidos pela evoluo das

    foras produtivas, relaes sociais de produo, justificativa ideolgica destas relaes elimites do conhecimento humano.

    5) Neste sentido, a evoluo da cincia social deve ser entendida como parte de umprocesso mais global da relao do homem com a natureza: a sua prpria, a imediata, aambiental e o cosmos, s aparentemente ausente da dinmica da humanizao. Isto , eladeve ser entendida como um momento de um processo mais amplo de desenvolvimento dasubjetividade humana, composta de indivduos e povos que esto construindo o futurosempre aberto destas relaes.

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    NOTAS

    (1) Eram eles, Bruce Russet (1975), Kanfman, Chernostsky & Geller (1975), Chase-Dunn (1975), Duvall et al. (1976), Alschuler (1976). Entre os outros nrdicos quediscutiram a questo dos modelos da dependncia e seu impacto nos estudos sobre a paz,veja-se: Autola, Esko (1976), Galtung, Johan (1971), Hveen Helge (1973), Tuomi, Helma(1977), Vyrinen, Raimo (1976).

    (2) Eles consideram no marxista buscar estabelecer os elementos estruturais queformam o contexto nacional onde se desenvolve a luta de classes e so incapazes decompreender o sentido histrico dos conceitos de imperialismo e dependncia. Nesta linhaesto os textos do OBrien (1975), Kahl (1976).

    Os livros mais globais e srios publicados sobre o tema na dcada de 80 foram:Ronald Chilcote, Theories of Development and Underdevelopment, ed. Westview Press,Boulder and London, 1985; Magnus Blomstrm e Bjrn Hettne, Development Theory inTrasition, The Dependency Debate & Beyond; Third World Responses, Zed Books,Londres, 1984.

    Ronald Chilcote publicou tambm um livro sobre este debate chamado Dependencyand Marxism; Toward a Resolution of the Debate, Westview, Boulder and London, 1982.

    Um debate muito srio acerca do impacto terico e emprico da Teoria daDependncia pode ser encontrado em: Christopher Abel e Colin M. Lewis, Latin America.Economic Imperialism and the State: The Political Economy of the External Connectionfrom Independence to Present, The Athlone Press, Londres, 1985. Se este livro no fosse

    to restrito contribuio de Cardoso, Faletto e Frank, poderia tornar-se uma slidareferncia no estudo da histria da Teoria da Dependncia.

    A participao sovitica tambm foi relevante neste debate, particularmente osseguintes artigos e livros:

    IMEMO - Institute of World Economy and International Relations of the ScienceAcademy, Developing Countries: Regularities, Tendencies and Perspectives, editado naRussia em 1978.

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    Kiva Maidnik, El Proceso Revolucionario de America Latina visto desde la URSS,Editora Tailer, C. Por A., Santo Domingo, Repblica Dominicana, 1982.

    Vladimir Davydov, Nueva Ronda de Debates Acerca de la Dependencia, AmricaLatina, Moscow, n.11, 1984 e Que es la Teoria de la Dependencia?, Amrica Latina,Moscow, n.12, 1985 e n.3, 1986.

    (3) A literatura sobre a Teoria da Dependncia cresce da cada dia em todas as partesdo mundo, mesmo depois de vrios autores decretarem seu falecimento. Andr GunderFrank escreveu no comeo da dcada de 90 um livro autobiogrfico onde ele analisa alguns

    dos livros sobre o tema, citados no incio deste balano. Devemos, no entanto, acrescentar aesta lista as seguintes publicaes mais recentes:

    Charles Oman and Ganeshan Wignajara, The Postwar Evolution of DevelopmentThinking, OECD Development Center, Paris, 1991.

    Alvin Y. So, Social Change and Development, Modernization, Dependency andWorld System Theories, Sage Library of Social Research, Londres, 1990.

    David E. Apter, Rethinking Development, Modernization, Dependency andPostmodern Politics, Sage Publications, Londres, 1990.

    Richard Peet, Global Capitalism - Theories of Societal Development, Routledge,Londres e Nova York, 1991.

    Heintz R. Sonntag, Duda/Certeza/Crisis, La Evolucin de las Ciencias Sociales deAmrica Latina, UNESCO - Editorial Nueva Sociedad, Caracas, Venezuela, 1989.

    Este ltimo livro integrou o debate sobre a Teoria da Dependncia com um novoavano conceitual estabelecido na dcada de 70 que relaciona a discusso sobre odesenvolvimento com o debate sobre a teoria do sistema mundo. Este novo avano

    consequncia de uma preciso crescente do conceito de economia mundial.

    (4) O conceito de economia mundial como uma realidade independente foidesenvolvido pela escola de dependncia sobretudo na dcada de 70:

    Andr Gunder Frank escreveu neste perodo: World Accumulation, 1492-1789, eDependent Accumulation and Undervelopment, ambos editados pela Monthly ReviewPress em 1978. Posteriormente, desenvolveu sua anlise em Crisis in the World Economy e

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    Crisis in the Third World, ambos publicados pela Holmes & Meier, Nova York, 1980,1981.

    Samir Amin produziu, durante este perodo, Accumulation on a World Scale: ACritique of the Theory of Undervelopment, Monthly Review Press, Nova York, 1974.

    Theotnio dos Santos desenvolveu o mesmo tema em La Crisis Norte-Americana yAmrica Latina, ed. PLA, Santiago, 1970, bem como em Imperialismo e Dependncia, Era,Mxico, 1978.

    Este interesse pela economia mundial tambm manifestou-se no artigo de FernandoHenrique Cardoso Imperialismo e Dependncia na Amrica Latina, Structures of

    Dependency, F.Bonilla e R. Girling, editores, Stanford, California, Institute of PoliticalStudies, 1973, bem como no artigo de O.Sunkel sobre Capitalismo Transnacional eDesintegrao Nacional na Amrica Latina, Social and Economic Studies, University of West Indies, 22-1, 1973.

    Prebisch tambm orientou-se em direo economia mundial durante este perodo,sobretudo em seu livro Capitalismo Perifrico, Crisis y Transformacin, Fondo de CulturaEconmica, Mxico, 1981. Ao mesmo tempo Ruy Mauro Marini escreveu Dialtica da laDependncia, confirmando sua tendncia para uma anlise mais terica e global,expressada ainda com mais clareza por Orlando Caputo em sua tese sobre As Teorias daEconomia Mundial, defendida por ele quando candidato ao ttulo de doutor naCoordenao de Doutorado em Economia da UNAM, Mxico, 1979 (que infelizmente nofoi publicada).

    (5) Esta mudana em direo ao conceito de economia mundial tambm deu origema uma literatura crescente sobre as corporaes multinacionais e o surgimento de um

    anlise metodolgica da economia mundial por instituies internacionais, sobretudo com acriao, em 1978, da publicao anual do Banco Munidal chamada World DevelopmentReport. Na dcada de 70 se criaram tambm vrios modelos de economia mundial,preparados por organizaes internacionais, bem como a publicao, em 1973, de The Stateof the World, produzida pelo gabinete da presidncia norte-americana:

    Os estudos clssicos de Vernon nas dcadas de 60 e 70 (Raymond Vernon, TheSovereignity in the Bay) so uma referncia pioneira para o estudo das corporaes

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    multinacionais. Devemos considerar estas pesquisas como uma relevante antecipao daanlise da economia mundial. As contribuies de Theotnio dos Santos sobre o tema esto

    resumidas nos livros Imperialismo y Corporaciones Multinationales, ed. PLA, Santiago,1973, e Imperialismo y Dependencia, ed. Era, Mxico, 1978. Veja tambm: TheMultinational Corporations: Cells of Contemporary Capitalism, in Laru Studies, n.6,Toronto, Canad, 1978, Big Capital and Structure of Power, The New Tendencies of Foreign Investments in Latin America, in Petras and Zeitlin, eds, Latin America - Reformor Revolution, ed. Fawcett, Nova York, 1969.

    O Centro das Naes Unidas para Corporaes Transnacionais foi criado no incio

    da dcada de 70 e publicou quatro informes gerais com dados empricos substanciais sobreas corporaes multinacionais e o desenvolvimento mundial:

    1973 - Multinational Corporations and World Development1978 - Transnational Corporations in World Development: A Reexamination1983 - Transnational Corporations in World Development: Third Survey1988 - Transnational Corporations in World Development: Trends and PropectsEm 1991 inicia-se a publicao do Words Investment Report dedicado a The Triad

    in Foreign Direct Investment, e em 1992 Transnational Corporations as Engines of Growth.Estes estudos foram influenciados por uma viso mais sistemtica do capitalismo mundial,que foi muito bem sintetizado por C.A.Michelet em seu livro Le Capitalisme Mondial,P.U.F., Paris, 1985. A partir de 1994 os World Investment Report foram entregues responsabilidade da UNCTAD.

    Veja tambm: W. Andreff, Les Multinationales, La Dcouverte, Paris, 1987 e PierreGroa, Atlas Mondial des Multinationales e LEspace des Multinationales, Rcins-LaDocumentation Franaise, Paris, 1990.

    A discusso em torno da nova ordem econmica mundial teve seu incio devido proposta do presidente Luis Echeverra da Carta de los Derechos y Deberes Econmicos delos Estados, votada nas Naes Unidas em 1973. Posteriormente, em 1975, Boumedinnecriou o termo nova ordem mundial no Encontro dos No-Alinhados em Argel. Sob oimpacto da crise do petrleo, os pases do Terceiro Mundo avanaram consideravelmenteno plano internacional com a criao da Dcada de Desenvol-vimento, vetada pelaAssemblia das Naes Unidas em 1969; com o desenvolvimento da UNCTAD; com o

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    funcionamento do Movimento dos No-Alinhados e o dilogo Norte-Sul. Vasta literaturafoi produzida neste perodo sobre a Nova Ordem Econmica Mundial, que incluia o

    debate sobre a ecologia, despertado pelo encontro de Estocolmo em 1972. Esta literatura seapoiou principalmente num conjunto de informes internacionais, quais sejam:

    Club of Rome, The Limits to Growth, Universe Books, Nova York, 1972;What Now?, The Dag Hammarskjid Report to the United Nations, Development

    Dialogue, 1-2, 1975;Amilcar Herrera et al., Catastrophe or New Society? A Latin American World

    Model, IDRC, Ottawa, 1976;

    Jean Timbergen (coordenador), Reshaping the International Order, RIO, Report tothe Club of Rome, Dutton, Nova York, 1976;

    W.Leontief, The Future of World Economy, Naes Unidas, 1977;Willy Brand Commission Report, North-South: A Programme for Survival, Pan

    Books, Londres & Sidney, 1980;The Global 2000 Report to the President of the US, Government Printing Office,

    Washington, D.C., 1980;Willy Brand Commission Report, Common Crisis North-South: Cooperation for

    World Recovery, Pan Books, Londres & Sidney, 1983;Willy Brand e Michael Mantley, Global Challenge, From Crisis to Cooperation:

    Breaking the North-South Stalemate, Report of the Socialist International Committee onEconomic Policy, Pan Books, Londres & Sidney, 1985;

    Olof Palme Commission Report, Common Security: A Program for Disarmament,Pan Books, Londres & Sidney, 1982;

    Fidel Castro, The World Economic and Social Crisis, Peoples Publishing House,

    Delhi, 1983;OCDE, Interfuctures, Paris, 1979;Amilcar Herrera et al., Las Nuevas Tecnologas y el Futuro de Amrica Latina;

    Siglo XXI, Mxico, 1992.O Desafio ao Sul - Relatrio da Comisso Sul, ed. Afrontamento, 1990.Durante as dcadas de 70 e 80 a idia de uma ordem mundial leva criao de

    informes permanentes sobre a economia mundial:

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    Desde 1978 o Banco Mundial inicia uma publicao anual chamada WorldDevelopment Report responsvel pela anlise de um ou dois temas centrais e publica,

    tambm anualmente, seu World Development Indicators.Desde 1980 o Fundo Monetrio Internacional publica seu World Economic Outlook

    anualmente at 1984, e tornando-se semestral posteriormente.Desde 1986 as Naes Unidas publica o Report on the World Economy, baseado em

    informes regionais da Europa, Amrica Latina, sia e frica atravs de suas comissesregionais e de organizaes especiais das Naes Unidas.

    A UNCTAD tem mantido tambm seus informes anuais de grande valor crtico e

    excelente fonte estatstica.Em 1991 o UNDP inicia a publicao anual de Human Development Report.Desde sua fundao em 1961, o OCDE estuda a economia mundial e publica o

    Economic Outlook, com distribuio restrita aos seus pases membros. A OCDE crioutambm um modelo economtrico mundial, o INTERLINK.

    O WALRAS representa outro modelo multinacional que aplicou um modelo deequilbrio geral para quantificar a economia internacional.

    Durante este perodo foi criado um grande nmero de informes privados sobre asituao da economia mundial tais como, LEtat du Monde, publicado desde 1981 pelaeditora La Dcouvert, Paris, e RAMSS - Rapport Annuel Mondial sur le Systmeconomique et les Stratgies, publicado desde 1981 pelo IFRI - Institut Franais desRlations Internationales, bem como The State of The World, da Worldwatch InstituteReport, publicado desde 1984, sobre os progressos feitos no sentido de uma sociedade auto-sustentvel.

    (6) A mudana conceitual mais importante relativa economia mundial relaciona-se

    com a constituio de uma nova tradio terica na dcada de 70, e principalmente nadcada de 80 baseada na categoria de sistema mundial.

    Fernand Braudel desenvolveu seus conceitos de conomic-monde no terceirovolume de Civilisation Matrielle, conomie et Capitalisme, sob o ttulo Le Temps duMonde, Armand Colin, Paris, 1979. Immanuel Wallerstein apresentou suas idias sobresistema mundo em The Capitalist World Economy e The Politics of the World Economy,ambos publicados pela Maison des Sciences de lHomme, 1979 e 1984. Ele tambm

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    publicou a sntese de seus conceitos em Le Capitalisme Historique. Sua perspectivahistrica da formao de um sistema mundo est sendo publicada em vrios volumes do seu

    Modern World System, Academic, New York, 1974, 1980 e 1989. As idias de AndrGunder Frank sobre o sistema mundo esto em A Theoretical Introduction to 5000 yearsof World System History, in Review, Binghamton, vol. XIII, n.2, pp. 155-248, primavera1990.

    Dois recentes debates metodolgicos sobre o conceito de sistema mundo esto em:Olivier Dolphus, Le Systme Monde, in LInformation Gographique, 199 , n. 54, pp.45-52, e Michel Beaud, Sur la Connaissance de lconomic Mondiale, Mimeo, Paris,

    1990. Um ensaio sobre as polticas econmicas e como estas se relacionam com a idia dosistema mundo esto em Kostas Vergopoulos, Mondialisation et Dispersion, Universitde Paris VIII, Mimeo, Paris, 1990.

    Autores norte-americanos relacionam a teoria do capital monoplico de Sweezy eBaran e a escola da teoria da dependncia como duas bases importantes da teoria dosistema mundo Frank aceita esta relao em sua autobiografia.

    (7) A literatura sobre a globalizao da economia mundial, o processo deregionalizao e a integrao regional cresceu em progresso geomtrica nos ltimos dezanos sendo por demais extensa para ser apresentada aqui. Gostaria de lembrar, no entanto,as instituies mais importantes para o desenvolvimento de uma nova linha terica deabordagem da economia mundial neste ltimos anos:

    O Fernand Braudel Center, de New York State Universiter at Binghamton o maisimportante centro de estudos do sistema mundial dentro do pensamento de ImmanuelWallerstein.

    O CEPII (Centro dtudes, Perspectives et dInformations Internationales), Frana,produz uma ampla anlise da economia mundial, tendo inclusive seu prprio modeloeconomtrico.

    O WIDER, na Finlndia, parte integrante da Universidade das Naes Unidas,produz um grande nmero de estudos sobre poltica econmica de acordo com umaabordagem em escala mundial.

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    O FAST, em Bruxelas, dedicava-se s previses do desenvolvimento tecnolgicoem relao economia mundial e sociedade, tendo sido extinto em 1995.

    O SPRU, em Sussex, dedica-se ao estudo das relaes entre as mudanastecnolgicas e as ondas longas de Kondratiev. Nesta mesma linha temos tambm oMERIT, Maastrich Economic Research