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Universidade Estadual de Maringá 12 a 14 de Junho de 2013
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A TOMADA DE CONSCIÊNCIA DA AÇÃO NO JOGO “HORA DO RUSH”
VIEIRA, Eber Moreno (UEL) 1
OLIVEIRA, Francismara Neves (Orientadora/UEL) 2
Introdução
A presente pesquisa provém de inquietações acerca do jogo de regras no
contexto escolar. Temos observado que o uso do jogo na escola revela certa
predominância da finalidade de ocupar a ociosidade dos alunos, ou seja, preencher os
intervalos em que não há algo a aprender. Com isso, revela-se uma dissociação entre o
jogo e a aprendizagem, o que acaba retirando a intencionalidade no ato educativo por
meio do jogo.
A ausência da relação entre jogo e aprendizagem é ainda mais acentuada na
modalidade do jogo eletrônico, que geralmente é associado ao lazer e raramente é
presente no contexto escolar. A consequência desse modo de lidar com o jogo, impede
um trabalho com situações específicas de jogo que proporcionem a tomada de
consciência das ações e promovam a compreensão, tal como entendida na proposta
piagetiana, aporte teórico adotado neste artigo.
O jogo de regras é amplamente discutido neste referencial teórico por
caracterizar a atividade construtiva do jogador que busca compensar os desafios e
situações desequilibradoras impostas pelas situações-problema que o jogo engendra. O 1 Graduado em Educação Física pela UEL. Mestrando em Educação Escolar – UEL. Membro do Grupo de pesquisa: “Processos de Escolarização no Ensino Fundamental: reflexões a partir da teoria de Jean Piaget.” E-mail: [email protected] 2 Doutora em Educação pela UNICAMP. Professora adjunto da Universidade Estadual de Londrina – (UEL). Docente da Pedagogia e do Programa de Mestrado em Educação Escolar da UEL. Coordenadora do Grupo de Pesquisa: “Processos de Escolarização no Ensino Fundamental: reflexões a partir da teoria de Jean Piaget.” E-mail: [email protected] Os autores são vinculados ao projeto de pesquisa: “Ensinar e Aprender: significações produzidas por gestores educacionais, professores e alunos que envolvidos em programa de apoio à aprendizagem escolar”. O projeto é coordenado pela segunda autora deste artigo. É financiado pelas agências de fomento à pesquisa: Cnpq e Capes.
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jogo suscita a transformação de esquemas de ação em conceitos, oportunizando a
passagem da ação à compreensão por um processo construtivo que se estrutura de forma
dinâmica (PIAGET, 1977, 1978). A coordenação destas relações se evidencia no jogo e
na medida em que se constituem observáveis, ratificam sua utilização pedagógica.
A relação entre o jogo e a construção do conhecimento é estudada na evolução
de várias noções do desenvolvimento cognitivo. A Perspectiva teórica piagetiana
ressalta o jogo como instrumento capaz de identificar os processos cognitivos internos
ao participante em suas construções (PIAGET, 1932/1994, 1946, 1975, 1977, 1978,
1980, 1986, 1987).
As problematizações presentes nas situações de interação lúdica podem ser
provocadoras da descentração na medida em que engendram desafios impostos pelo
outro e por seu jogo. Colocar o outro a jogar e mediar seu jogo pode constitui-se
importante prática educativa.
O jogo neste contexto é visto como possibilidade de investigação sobre a tomada
de consciência da ação. Este processo equivale na perspectiva teórica piagetiana, à ação
e compreensão da ação, como formas de conhecer, imbricadas uma na outra em uma
contínua relação de interdependência. O “fazer” (ação material) relativo ao tempo, ao
espaço e ao objeto está por assim dizer intimamente ligado ao compreender (plano
simbólico) que envolve operações mentais (PIAGET, 1974, 1978).
Entre os autores que defendem o jogo de regras por engendrar mecanismos
favorecedores de observação, questionamento e reflexão, destaca-se Lino de Macedo
(MACEDO, 1994, 1995, 1997, 2000, 2009).
O autor (ibid) compreende os jogos como uma atividade desencadeadora de
construções pois constituem uma situação-problema posta, que se apresenta ao sujeito
com objetivo definido e um conjunto de regras norteadoras para que o resultado seja ou
não atingido, uma vez que o mais importante é a análise dos meios empregados. Analisa
a ação de quem joga - a produção (saber-fazer) ou a compreensão (tomada de
consciência das ações), conforme discutiu Piaget (1977). Ao implicar no domínio dos
procedimentos e estratégias não apenas no plano da ação, mas também no plano da
reflexão, o jogo de regras possibilita a antecipação e suscita a explicação dos
procedimentos empregados.
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Comentando sobre mudanças gradativas na ação em função da constatação que o
sujeito faz de seus próprios erros, Petty (1995, p.33) afirma que “superar erros promove
tanto a ampliação do sistema (o que é todo vira parte), como a relativização das noções
(o absoluto é relativizado) até então construídas”.
No estudo que apresentamos, tivemos como prerrogativa para o
desenvolvimento da pesquisa que, durante a ação - experimentação – interpretação e
reinterpretação da ação contida no jogo, é possível que a criança tome consciência,
como. Nesse sentido, afirma Oliveira (2005, p.19), que o papel do jogo neste processo é
o de:
“implicar no domínio dos procedimentos e estratégias não apenas no plano da ação, mas também no plano da reflexão”, o que preconcebe a antecipação e suscita a explicação dos procedimentos empregados pelo jogador para elevá-los ao plano do pensamento.
Pensar e agir com reflexão não são exclusividade da criança tampouco do adulto.
Por este motivo, é importante esclarecermos que ao investigarmos uma idade específica,
não estamos desconsiderando que em outras faixas etárias seja possível que o processo
de tomada de consciência ocorra. Compreendemos que o processo de tomada de
consciência acontece em todas as fases da vida do sujeito, contanto que haja interação –
no sentido estrito do termo, isto é, interiorização da ação (a ação elevada ao plano do
pensamento).
Nosso estudo objetivou investigar no jogo eletrônico “Hora do Rush” as
possíveis relações com o processo de tomada de consciência. Para tal tarefa, buscamos
analisar os procedimentos empregados pelos jogadores para a resolução dos conflitos
cognitivos impostos pelo jogo, identificando os domínios do fazer e do compreender,
relacionando-os aos níveis de tomada de consciência.
Ao tratarmos do processo de tomada de consciência durante o jogo, estamos
considerando que o jogo constitui um espaço propício à construção do conhecimento –
no sentido de apreender a ação e converte-la ao plano do pensamento.
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O jogo no processo de ensino e aprendizagem
Para efeitos de compreensão, traremos algumas definições de ‘ensino', seguidas
de algumas definições de ‘aprendizagem’, mas, no entanto, é importante ressaltar que
em sua função os consideramos indissociáveis.
Ensinar, de acordo com Morais (1986), é:
[...] auxiliar o aluno empenhadamente a encontrar a ciência pelo caminho da consciência...; tentar fazer com o aluno uma jornada que lhe fique, de uma forma positiva, inesquecível..., um processo de desencadear conflitos..., uma forma de intervir em vidas humanas, mas pelo convite e não pela invasão (MORAIS, 1986, p.30-34).
Morais (1986) quando define o que é ensinar, deixa claro que o ensino é fruto da
intervenção, da regência de outra pessoa - referindo-se ao professor. Convém
ressaltarmos que compreendemos que a intervenção crítica e construtiva remete à
compreensão (pelo aluno) daquilo que está a fazer, isto é, sobre a ação, e que o ensino
não acontece sem que haja um interventor/interlocutor, ou seja, alguém que o coloque
em ação. Dessa forma, torna-se importante trazermos também uma definição sobre o
papel do regente – o sujeito que converte o ensino em ação/ato de ensinar, dada por
Chaves (2012) quando explica que:
Quem ensina, ensina alguma coisa a alguém. A situação de ensino é uma situação que envolve três componentes básicos: alguém que ensina (digamos, o professor), alguém que é ensinado (digamos, o aluno), e algo que o primeiro ensina ao segundo (digamos, o conteúdo). Não faz sentido dizer que fulano esteve ensinando sicrano a tarde toda sem mencionar (ou sugerir) o que estava sendo ensinado (CHAVES, 2012, p.10).
Por este motivo, não podemos tratar o jogo como um conteúdo de ensino sem
considerar que se aprende algo por meio do jogo. Se compreendermos o ‘ensino’ como
o processo pelo qual a riqueza cultural e os saberes produzidos pela humanidade são
apreendidos por aqueles que desde muito cedo são expostos ao processo educativo,
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teremos um bom motivo para que o jogo seja concebido como conteúdo de ensino, pois
o consideramos como um componente da riqueza cultural.
Fruto do pensamento consciente, a aprendizagem tem sua gênese na ação do
sujeito, sua evolução gradativa permite a construção do conhecimento no plano do
pensamento. Essa construção não parte exclusivamente do indivíduo e nem do objeto,
ao contrário, depende da relação entre estes dois elementos que, gradativamente vão se
concretizando e permitindo ao sujeito, sucessivas tomadas de consciência (SALADINI,
2006 p. 92-93).
Para Piaget (1975) “a aprendizagem não é outra coisa, senão uma reação circular
que procede por assimilação reprodutiva, recognitiva e generalizadora, isto é, o
elemento cumulativo do tateio”. Piaget quer fazer compreender que a aprendizagem
acontece e pode se aprimorar em função ou graças à aquisição de novas experiências do
sujeito com o meio, o que poderia desencadear na construção de novos conhecimentos.
Segundo o que pretendemos investigar, essa aquisição, que aqui é pensada a
partir do jogo, pode ser mais bem sucedida se for mediada em favor da construção do
conhecimento (no sentido de mediação do sujeito com o meio, com regência da terceira
pessoa – o professor). Conforme interpretação da teoria piagetiana, podemos inferir que
tal processo acontece de forma gradativa, cíclica e constante, mediante a interação entre
sujeito – objeto, e na relação entre sujeito – sujeito (entre pares).
Considerando o movimento de pensar e agir contidos no jogo, é possível inferir
que não há possibilidade de se constituir de forma indissociada o pensamento-reflexão e
o movimento-ação, isto é, se toda ação intencional envolve algum tipo de pensamento,
de alguma forma, há que se conceber que durante a ação acontece a capacitação das
estruturas cognitivas.
Antes de prosseguirmos nessa discussão, convém ressaltar que além da
possibilidade de capacitação das estruturas cognitivas, há também as diversas
manifestações socioculturais constituídas a partir do jogo, as manifestações lúdicas, as
diversas formas de coordenação motora, as possibilidades de construir novas regras a
partir das já existentes e de poder modificá-las, dentre outras, o que compõem um
conjunto de significações o qual podemos considerar como resultante da
experimentação e aprendizagem do/no e por meio do jogo.
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Se compreendermos que no jogo há construção de conhecimento contanto que
haja compreensão, podemos remeter aos conceitos da teoria de Piaget (1971, 1973,
1977 apud MOREIRA, 1997), quando enfatiza que ao fazer e compreender, é
desencadeado o processo de tomada de consciência, permitindo a reestruturação dos
esquemas cognitivos a partir da assimilação, acomodação, adaptação e equilibração.
A organização das estruturas capacitativas na/pela criança, desencadeadas na
construção de novos esquemas darão origem aos conhecimentos, que, de acordo com
Volpato (2006), são tecidos conforme a rede de significações que o sujeito construiu
com base em seus conhecimentos antecedentes à ação - que podem ser fruto da
interlocução entre este e o professor, entre este e os demais do seu meio, ou ainda por
meio de recursos de aprendizagem3 ou de informações.
A esse respeito, Piaget (1975) afirma que:
Pelo próprio fato de todo o conhecimento ser, ao mesmo tempo, acomodação ao objeto e assimilação ao sujeito, o progresso da inteligência opera-se no duplo sentido da exteriorização e da interiorização e os seus dois pólos serão o domínio da experiência física (→ Y) e a conscientização do próprio funcionamento intelectual (→ X) [grifo em itálico e símbolos do autor] (PIAGET, 1975, p.331).
Se correlacionarmos o conceito apresentado por Volpato (2006), à explicação
dada por Piaget nesta citação, teremos que a rede de significações que sofre mutação e
aprimoramento constante depende do progresso da inteligência do sujeito. Esse
progresso se constitui na medida em que a experimentação é percebida e dominada por
aquele que experimenta e, ao mesmo tempo, referindo-se à conscientização do próprio
funcionamento intelectual – a tomada de consciência da ação.
Por estes motivos, de acordo com a teoria piagetiana, além de uma intervenção
crítica e construtiva, é necessário um ambiente rico em estímulos (podemos dizer dos
objetos, do meio e dos seus iguais) que favoreçam a aquisição de experiências (ações
sobre), pois quanto mais diversas forem essas situações, maiores serão as possibilidades
de construção de novos esquemas pelo sujeito (acomodação, assimilação e adaptação),
3 Como é o caso do jogo quando aparece nas aulas como meio para um fim, por exemplo.
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ou seja, maior será a incorporação de novos dados a seus esquemas pré-existentes
(equilibração). É então desse modo que o jogo cumpre o seu papel.
Nas obras de Piaget (1971, 1973, 1975, 1977a, 1977b, 2005), o jogo no processo
de tomada de consciência é discutido na perspectiva da compreensão da ação (por parte
daquele que joga) e agrega os verbos ‘fazer’ e ‘compreender’. Considerando que tais
verbos são intrinsecamente ligados quando se trata de tomada de consciência, é
necessário que haja uma compreensão mínima para que ele (o jogo) aconteça (como é o
caso das regras, ou dos movimentos das peças de um tabuleiro, por exemplo).
Entretanto, a compreensão que buscamos investigar está para além do domínio
das regras, dos movimentos ou da natureza do jogo. Assim, compreendemos que o jogo
é o ‘fazer’ em níveis de inteligência e, ao mesmo tempo, é o ‘compreender’ em ação.
A esse respeito, Piaget (1896) explica que uma dada situação em grau suficiente
para atingir os fins propostos (que é o compreender), significa conseguir domínio em
nível de pensamento, nas mesmas situações até poder resolver os problemas por elas
levantados, em relação à ação.
O autor (ibid), em outro trabalho, explica que:
[...] quando acontece a tomada de consciência no sujeito, este realiza o reconhecimento e a compreensão de sua ação, em que, a constatação (conscientização) de um êxito ou fracasso o fará conhecedor de sua ação, mesmo que esta ação já esteja automatizada [grifo em itálico do autor] (PIAGET, 1977, p. 197).
Piaget (1977) esclarece que a tomada de consciência acontece quando se
converte, ao plano consciente, as estruturas utilizadas na produção das ações e
pensamentos e consiste em traduzir as operações motoras em termos de representações
cognitivas.
O jogo neste contexto:
[...] é visto como possibilidade de investigação sobre a tomada de consciência da ação. Este processo equivale na perspectiva teórica piagetiana, à ação e compreensão da ação, como formas de conhecer, imbricadas uma na outra em uma contínua relação de interdependência (OLIVEIRA, 2005, p.08).
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A tomada de consciência consiste, portanto, num contínuo processo de
reconstrução, em direção a conceituação, a reconceituação e transcendência do plano da
ação para o plano do pensamento.
Descrição do método
Tendo em vista que nosso objetivo é verificar o curso do pensamento do jogador
na busca de compreender suas ações e as coordenações dessas ações no jogo na
modalidade de jogo eletrônico, nosso estudo foi estruturado como uma pesquisa de
campo de abordagem qualitativa (LÜDKE; MENGA, 1986). Considerando esta é uma
fase piloto quem que pretendemos observar indícios de tomada de consciência levando
em conta os procedimentos utilizados pelo jogador para realizar uma jogada, optamos
pela modalidade de pesquisa denominada estudo de caso descritivo que de acordo com
Yin (2005) e Martins (2005), proporciona uma análise de questões implícitas,
investigadas por meio de entrevista ou observação.
Nessa fase do estudo, participou do estudo um jogador de 14 anos de idade, do
sexo masculino. A coleta de dados foi realizada na casa do jogador e atendeu aos
indicativos do comitê de ética em pesquisa envolvendo seres humanos, sob Resolução
nº 196/96 (BRASIL, 1996). Como critério para a seleção do participante consideramos a
ausência de conhecimentos sobre o jogo Hora do Rush em suas modalidades, tabuleiro e
eletrônico.
Ao sujeito foi oportunizado a priori que conhecesse as regras do jogo e se
familiarizasse com elas, bem como com os movimentos específicos do mouse e do
teclado, por se tratar de um jogo eletrônico.
Para a coleta de dados foi utilizado um computador portátil (notebook)
conectado à internet e ao jogo no sítio eletrônico: <http://www.gratisjogos.info/1/jogos-
online/jogos-de-estrategia/hora-do-rush.html>, com acesso no dia 27 de março de 2013.
No computador foi instalado o programa de gravação Fraps 3.04, por meio do qual o
registro das jogadas foi realizado e posteriormente transcrito. Foram construídos
4 © 2013 - fraps® and beepa® are registered trademarks of Beepa Pty Ltd - ACN 106 989 815
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protocolos de registro gráfico das jogadas para ilustrar os movimentos realizados pelo
jogador no tabuleiro eletrônico, conforme descrito mais adiante.
Para a análise dos dados, organizamos previamente as possíveis jogadas em
níveis, com vistas a demonstrar posteriormente as representações da tomada de
consciência, nos lances do jogador, com base nos níveis propostos por Piaget (1970,
1977). Segundo o autor (ibid), para cada nível há uma conceituação (primeiro, segundo
e terceiro nível) do mais elementar para o mais reflexivo. O primeiro nível é constituído
pela ação com ausência da compreensão e, portanto, de conceituação. Equivale à ação
material e particular (exterior ao sujeito). O segundo nível é o da conceituação parcial e
subjetiva, no qual o jogador tira seus elementos da própria ação ainda que nelas haja
elementos de tomadas de consciência, mas a eles acrescenta tudo o que comporta de
novo o conceito em relação ao esquema. O terceiro nível revela a possibilidade de
elaboração de hipóteses a partir da compreensão da ação realizada pelo sujeito, em que
a nova ação é dirigida pela conceituação proveniente de sucessivas tomadas de
consciência.
Caracterização do jogo “Hora do Rush”
O jogo (Figura 01) é composto pela imagem de um estacionamento com carros
de formatos diversificados. No lado direito do estacionamento há uma área de fuga em
que se encontra uma saída demarcada por duas setas – que é por onde o carro amarelo
deverá sair.
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Figura 01 – Fase 01, nível iniciante do jogo Hora do Rush5 - Versão online
http://www.sojogosgratis.com.br/jogos_carros/rush_hour.html
As regras do jogo eletrônico são similares às regras oficiais do jogo de tabuleiro,
no entanto, no jogo eletrônico o jogador deve passar de fase (fase a fase) conforme o
grau de dificuldade. Diferente do jogo de tabuleiro, na versão eletrônica não existe a
carta de resolução que descreve todos os possíveis lances. Por este motivo, tivemos que
construir um sistema de resolução6 padrão (Figura 02), semelhante ao do jogo de
tabuleiro, para que pudéssemos observar o percurso utilizado pelo jogador. Nesse
sistema de resolução, esgotamos as possibilidades de jogadas até que encontrássemos o
melhor e mais curto caminho para a finalização da fase do jogo.
5 O jogo é disposto gratuitamente no sítio: <http://www.sojogosgratis.com.br>. Há outras versões do jogo disponíveis gratuitamente, mas, para nossa pesquisa, elegemos esta (ver Figura 01) devido a sua facilidade de visualização e manipulação dos carros por parte do jogador. 6 Torna-se importante esclarecer que optamos por não possibilitar a verificação ou consulta da carta de solução do jogo, para não corrermos o risco de induzir o pensamento do jogador, retirando dele a possibilidade de construir suas estratégias. Portanto, as cartas de resolução serviram de indicação para nossas análises, e não para auxilio aos jogadores.
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Figura 02 – Sequência e descrição da solução do jogo (fase 04)
Utilizando o mesmo procedimento da coleta, capturamos as jogadas com o
dispositivo Fraps 3.0, e isolamos as imagens quadro a quadro, de acordo com o número
de jogadas que havíamos utilizado para retirar o carro amarelo do estacionamento. Em
seguida alinhamos os quadros lado a lado e enumeramos linhas, colunas e quadros para
que pudéssemos fazer uma melhor descrição das jogadas e comparar o protocolo de
resolução com as jogadas executadas pelo jogador.
Para construirmos o protocolo de análise de dados, convertemos as jogadas em
uma breve explicação contendo: a direção da jogada (para frente ou para trás); o modelo
do veículo movimentado e sua cor (carro amarelo, vermelho ou lilás e, caminhão branco
ou azul); e por último, o número de movimentos da jogada representado pela sequência
linha-coluna (linha: A; B; C; D; E; F; e coluna: 1; 2; 3; 4; 5; 6;) como pode ser
observado nas figuras 02, 03, 04, 05 e 06. Para tornar a leitura do protocolo mais
didática, colorimos cada quadro com a cor do carro que nele é indicado. Após o quadro
de soluções do jogo, são apresentadas as transcrições das jogadas (para frente ou para
trás, da posição A1 para a B3, por exemplo).
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Análise de dados
Construímos nossas análises a partir da resolução padrão que criamos, contando
com a possibilidade de verificar se o jogador está aquém ou além, com relação ao
método utilizado durante suas jogadas, isto é, se o jogador realiza um número menor ou
maior de jogadas do que o que prescrevemos como o “menor/melhor caminho”, e ainda,
se elabora novas possibilidades de resolução a partir de seus acertos e erros.
Em sua primeira jogada, VBG movimentou o caminhão branco da posição A1
para a posição C1, diferente da jogada que havíamos planejado para a primeira jogada
que descrevemos nas soluções do jogo. A partir daí, o jogador realizou mais três jogadas
com o caminhão branco na linha F, buscando corrigir o caminho que havia percorrido
e/ou tentando encontrar um novo caminho para prosseguir com seu jogo.
Foi apenas em sua quinta jogada que utilizou o mesmo caminho inicial que
havíamos planejado para a sequência de solução do jogo, movimentando o caminhão
azul da linha A para a linha D na coluna 01.
Da mesma forma, na jogada 06 e 07, realizadas sequencialmente, como pode ser
verificado na figura 03, o jogador manteve a linha de raciocínio da jogadas 02 e 03 -
descritas nas soluções, movimentando o carro amarelo da posição C3 para a posição C2
e em seguida, o carro lilás da posição D3 para aposição A3.
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Figura 03
No entanto, na jogada 08 (diferente da sequência que havíamos planejado – que
seria movimentar o carro amarelo da posição D3 para a posição A3), o jogador
movimenta o caminhão branco da posição D4 para a posição D2, o que o faz realizar
uma longa sequência de jogadas mal sucedidas que vai até a jogada 16, como pode ser
observado a seguir na figura 04.
Figura 04
Na jogada 17, semelhante à jogada 04 das soluções do jogo, e na jogada 18,
semelhante à jogada 05 das soluções do jogo, VBG movimenta o carro amarelo da
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posição C2 para C3 e o caminhão azul da posição D1 para a posição A1. Dando indícios
de que passou a compreender a existência de uma sequência que leva a solução do jogo.
Mas, no entanto, na jogada 19, VBG retorna o caminhão azul à posição D1, e da
mesma forma, na jogada 20, retorna o carro amarelo para a posição C2, demonstrando
inconsistência e dúvida quanto a sequência lógica do jogo – característica comum ao
nível 02 de consciência descrito por Piaget (1977), e ainda, como podemos observar na
Figura 05, na jogada 21, VBG segue demonstrando características de inconsistência que
o colocam nesse mesmo nível, quando movimenta o carro lilás da posição D6 para A6.
Se observarmos o tabuleiro, veremos que essa jogada não altera em nada a resolução do
jogo, isto é, não havia necessidade em realizar este movimento para encontrar o
caminho de solução do jogo, o que também o caracteriza no nível 02 de consciência,
visto que, como já foi exposto anteriormente, esse nível é o da conceituação parcial e
subjetiva, no qual o jogador tira seus elementos da própria ação e a eles acrescenta tudo
o que comporta de novo.
Podemos inferir que esses movimentos depreendem em regulações ativas, é o
que Piaget (1977) explica quando afirma que a tomada de consciência depende dessas
regulações que comportam escolhas, que podem ser mais ou menos intencionais e não
de regulações sensorimotrizes mais ou menos automáticas.
Figura 05
Da jogada 22 até a jogada 29, VBG segue construindo sequências (mesmo que
sem sucesso) na tentativa de encontrar a solução do jogo, mas, somente na jogada 29
(Figura 06) é que inicia uma sequência de movimentos, com o caminhão branco da
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posição D2 para a posição D1 e, em seguida, com o caminhão branco da posição F2
para a posição F1, o que demonstra que a compreensão de que esses movimentos eram
necessários para abrir caminho para os demais movimentos. Daí em diante, VBG realiza
jogadas equivalentes às cartas de solução (Figura 01) sendo, o movimento do caminhão
azul da posição A4 para a posição D4 – equivalente à jogada 08, abrindo caminho para
o carro amarelo ir da posição C3 para a saída e, assim, solucionando o jogo. Esse
procedimento evidencia que, apesar da criança demonstrar características do nível 02
quando experimenta diversas formas de movimento (ação) sobre o objeto, devido à sua
compreensão sobre a ação e à construção mental do caminho que leva a resolução do
jogo, a criança encontra-se no nível 03 de consciência, descrito por Piaget (1977), em
que se revela a compreensão da ação pelo sujeito, que é dirigida pela conceituação
proveniente de sucessivas tomadas de consciência que, nessa ocasião, advém de
tentativas sequenciais para encontrar o caminho de resolução do jogo.
.
Figura 06
Considerações finais
Pudemos evidenciar que entre as jogadas 08 e 16 houve um tempo de
reorganização das ações que sucedeu a tomada de consciência, pois após uma sucessão
de tentativas e desacertos o jogador compreendeu que o caminho iniciado não era o
melhor. Interessante observarmos que não se tratou de ter em mãos uma carta contendo
as resoluções, como na maioria dos jogos eletrônicos, e ir encontrando as soluções. Ele
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faz tateios, organiza o pensamento a cada novo lance, passa por regulações e então
constrói gradativamente a solução para o impasse. Em determinado momento do jogo, o
jogador quer iniciar novamente o jogo ao que o pesquisador dá resposta negativa. Ele
então retoma as jogadas e continua o evidente processo de conflito cognitivo em
andamento.
Essa reorganização das ações e construção de estratégias prolongou-se até a
jogada 29 e somente a partir daí é que realmente foi possível observar o aproveitamento
de constatações das jogadas anteriores, conscientemente na elaboração de novas
estratégias - a tomada de consciência. Observamos indícios de compreensão do jogador
durante a ação, e pudemos constatar nossa hipótese de que por meio do jogo eletrônico
“Hora do Rush”, ocorre a instalação do conflito cognitivo, principal condição para
desencadear os processos de tomada de consciência da ação, ou compreensão. Durante a
experimentação do jogador, verificamos que houve níveis (inicial, parcial e elaborado)
de compreensão sobre o jogo até atingir novas ações dirigidas por conceituações
provenientes de sucessivas tomadas de consciência, em jogadas anteriores.
Mais estudos se fazem necessários para demonstrar o valor do jogo de regras
“Hora do Rush” em sua modalidade eletrônica, bem como de outros jogos de regras
eletrônicos no contexto educativo. Porém, o presente estudo demonstrou que na
perspectiva teórica piagetiana esse jogo engendra possibilidades de promover os
processos de tomada de consciência da ação, indispensáveis à construção do
conhecimento e, portanto, permite que o relacionemos a situações de aprendizagem
escolar.
REFERÊNCIAS BRASIL. Diretrizes e Normas Regulamentadoras de Pesquisas Envolvendo Seres Humanos - Conselho Nacional de Saúde - Resolução 196/96. Disponível em: <http://www.bioetica.ufrgs.br/res19696.htm>. Acesso em: 27 Mar. 2013. BROUGÈRE, G. Jogo e educação. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998. CAILLOIS, R. Os jogos e os homens. Catavia : Lisboa, (1990). CHAVES, E. O. C. A Filosofia da Educação e a Análise de Conceitos Educacionais. Disponível em: <http://www.chaves.com.br>. Acesso em: 10 Fev. 2012.
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