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Obra essencial para a percepção das origens do Fado e para a sua história.
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A TRISTE CANO DO SUL
ALBERTO PIMENTEL
i
k
triste
cano do sul(SUBSDIOS
PARA A HISTORIA DO FADO)
LISBOA LIVRARIA CENTRAL de Gomes1
58
Rua
da Prata
160
de Carvalho, editor
1904
typ-
.e
LISBOA Francisco X-iiiiz G-oaalve:80,
Rua do Alecrim,1
82
L
)04
Origens do Fado
Os romanos incluam Fatum na sua mythologia
co-
sendo a vontade expressa no s por Jpiter, mas tambm pelos outros deuzes, em relao ao destinodos homens, das cidades e das naes. Os nossos diccionaristas mencionam estagia,
mo
mas interpretam-n'a sob
etymoloo ponto de vista do mo-
notheismo.
Padre Raphael Bluteau, no Vocabulrio, i diz que, segundo a doutrina de Santo Agostinho e S/-tTAssim, o
Thomaz, Fado a disposio e providencia divina, que antev os acontecimentos humanos.Moraes, encostando-se tambm aos theologos, define Fado dizendo a ordenana que se v em as:
$**
Ar
coisas por divina providencia.
De modo quefacto subsiste otas
a differena
consiste
em
admittir a
vontade de muitos deuzes ou
de
um
s Deus,
mas
o
mesmo
tanto nas:
religies polytheis-
como nas monotheistas acredita-se que o destino humano regulado por uma auctoridade sobre-natural e tem de ser cumprido com indeclinvel sujeio.
8
Os nossos poetas d'outr'ora (e ainda os modernos) deixaram-se dominar pela crena na fatalidade do destino, cuja infelicidade lamentam como escravos dasorte.
Bastar citar o exemplo de Bocage
:
Que eu fosse em fim desgraado Escreveu do Fado a ma"o; Lei do Fado no se muda;
Triste do
meu
corao!
O nossosempre
fatalista
tambm4oJFadolivro
povo, semelhana dos poetas, tem sido explica suas faltas e desgraas, e boa fortuna, por uma imposio da lei sua:;
no primeiro caso diz: Estava escripto no dos destinos ou Era Fado; tinha de ser assim;
no segundo caso: Tive sorte; estou em sorte, etc. Mas o nosso povo, com ser fatalista, no que alguns
querem ver principalmente um vestgio da influencia rabe, como se o homem no tivesse acreditado sempre, mais ou
menos,
em;
todos os
tempos e em todos
os paizes, n'uma predestinao que lhe imposta por um Arbitro supremo o nosso povo, crente na fatali-
dade da sorte
que tem de obedecer, apenas n'um passado relativamente prximo comeou a dar o nome de Fados s canes que celebram as agruras doa
destino e a crena na
lei
irrevogvel do Fado.
Ao
accepo da palavra Fado no sentido de ccan
relativamente
moderna, ou s modernamente
passou do calo para o vocabulrio geral da lingua e para a technologia musical.
)
No apparecerios: nota
era os nossos
mais antigos dicciona-
vem em Bluteau (1712-1721); nem em San-
Rosa de Viterbo (1798)*
Nem apparece tambm nas primeiras edies do Diccionario de Moraes (sculo XIX) tanto nas duas que foram revistas pelo auctor como em algumas das quese fizeram depois da sua morte.
Ono
Diccionario de Faria, cuja
l.
a
edio de 1849,
no vocbulo Fado, aquella accepo. JjTjs depois de passada a primeira metade do sculo XIX que a palavra Fado apparece nos diccionatraz,
A/'
da lngua com o significado de cano popular, j sanccionado pelo uso commum. a Lacerda, na 4. edio, que de 1874, diz: Fado,rios
cantiga e dana popular, muito caracterstica e co decente: o de Lisboa, o de Coimbra.
pou-^
Na
5.
a
edio, 1879, no altera a definio,
mas
Coimbra pela palavra Cascaes. Na 5. a edio de Moraes ainda no apparece o vocbulo Fado com a significao de cano ou cantiga. No pudemos consultar a 6. a edio. Mas examinasubstitue a palavra
mos
a
7.
a
(187 8 ) e
foi n'esta
que se nos deparou a
accepo que procurvamos: Fado^poema do vulgo, de caracter narrativo,. em que se narra uma historia
ou imaginaria de desenlace triste, ou se descrevem os males, a vida de uma certa classe, como noreal
^\^
fado do marujo,
um
da freira, etc. Musica popular, com rythmo e movimento particular, que se toca ordinariamente na guitarra e que tem por lettra os poemas chamados fados.
dIsto
pelo
que respeita aos diccionarios portugue-
zes.
Quanto aos estrangeiros, tambm no se encontra no Glossarium de Ducange aquella accepo. Apenas Freund, no seu diccionario latino, cita osvocbulos Fatum e Falas como derivaes de uma raiz commum, attribuindo a Falus tanto a significao dedestino
de
como de discurso, o que justifica a propriedacom que se chama Fado cantiga, ao discurso emquea
verso
trata
do destino, conservando se ainda no
redundncia de dizer cantigas do Fado, paAlemtejo ra designar todas aquellas a que o destino serve dethema.
bastantes canes
Nas colleces da Bibliotheca Nacional de Lisboa ha populares, desde 1820 at hoje,antigas se encontra a de-
mas em nenhuma das maissignao de Fado.
Intitulam se cantigas, romances,
modas ou modi-
nhas, etc.
O38)
Diccionario erudito de Padre Joo Pacheco (1734traz
todas as designaes de musicas, canes e danas do seu tempo, mas no menciona os Fados. Nas Infermidades da lngua, e arte que a ensina a
emmudecer para melhorar, composta pelo dr. Manuel Joseph de Paiva e publicada em 4760, vem arroladogrande numero de palavras e phrases, que o auctor,
com
excessivo e s vezes injustificvel escrpulo, pretendia repellir da lingua portugueza, por as julgar in-
dignas e imprprias de
um
vocabulrio grave.
No apparece
ahi
a
palavra Fadista;
nem
a pala-
11
Fado no sentido de cano ou de vida dissoluta. Mas vem mencionada palavra banza que ns recebemos das nossas colnias africanas, (1) e que envra
teratura humoristica,ta
trou na linguagem de calo d'onde passou para a litcomo se v nas Poesias de Cose Silva (1844):
Encostado s meias portas
Na Banza
surrafaava.
No
fim do sculo
XVIH
a Gazeta
de Lisboa
annun-
ciava, frequentes vezes, modinhas e minuetes, venda nas lojas dos livreiros. Tambm annunciava sonatas
de guitarra. Havia em 1792 um Jornal de modinhas, que se vendia na Real Fabrica e Impresso de Musi-
ca no Largo de Jesus, em Lisboa. O maestro Mr. Marchai, que ento teve certa voga n'esta cidade, deu
estampa uma colleco de minuetes e ronds. Este mesmo maestro explorava a musica das ruas, glosava osvas,
preges das vendedeiras (por exemplo, Azeitonas nocom variaes, pea composta sobre o prego de
uma vendedeira de Lisboaro de
:
Gazela de 26 de feverei-
1793).
Mas
a designao
ainda
em nenhum
dos
annuncios
Fado no apparece que recommendaPortugal,
vam
as musicas populares. Beckford, nas suas cartas sobre
apenas
se refere s
amodinhas,
acompanhadas
a guitarra.
(1) A lngua portuguesa, noes de glollologia geral e especial portuguesa, por F. Adolpho Coelho.
42
E' que no sculo XVIII a modinha estava era voga no nosso paiz ; dominava por toda a parte, at no theatro, onde Antnio Jos da Silva, o Judeu, a aproveitou como elemento essencial das suas composies
dramticas.
Theophiloseja
Braga diz que
a
modinha, comquantoportuguez se
uma
creao musical do gnio
chamava
brazileira, porque no Brazil se conservou levada para ali pelos negociantes e colonos, e do
Brazil a trouxe na sua inteireza primitiva Antnio Jo-
s da Silva, que abandonara a ptria aos oito annos
de idade e achava n'essas canonetas da infncia. (I).Stafford, na Historia
uma
recordao
que as rias nacionaes dos portuguezes eram os lunduns e as modinhas Ftis falia de Hespanha, mas no de Portugal.diz;
da musica,
Em
toda a graciosa colleco da Macarronea, que
to pittorescamente retrata a vida acadmica de
Coim-
bra no sculo XVIII, no ha noticia do Fado, mas sim mille de outras canes que os estudantes cantavam:
trovas,
com
diz o Sabonete Delphico.
Na Feio d moderna ou lograo desmascarada vemespecificadas algumas d'essas canes, portuguezas e E logo dareis duas gaitadas, fazendo hespanholas:
o p, e seguindo o sonoro com a cabea. Victor quem canta; l vae Bella arma msera, ou outra da moda; depois entregar a algum curioso
o compasso
com
(1)
Historia do lhealro porluguez no sculo
XVIII,
pag. 153.
13
o instrumento, sair para o meioa
com
o chapu na
mo
algum circumstante; dar quatro voltas de p cambeo, ou bem ou mal, que sempre no fim se-ha de applaudir com catarro. Acabada esta primeira jordesafiar
Venha doce, que estou esnada, gritareis dizendo falfado; e depois de consolar a barriga comendo do:
ad satielalem, saireis outra vez com o segundo papel lanando uma nesga de relao antiga v. g. do Mariscai de Viron, ou D. Carlos Ozorio, intimandoce asque
no furor das acesvoza
a
valentia, e nos requebros da
ternura, cortando o hespanhol
Alemtejo com faca flamenga, e no do aos vivas com perna trocada.Nicolau Tolentino,doce
como queijo do fim corresponden-
que morreu em 1811, falia no londum chorado, nas modinhas brazileiras, cita algumas canes populares, taes como De saudadesmorrerei e a Comporta; diz referindo se primeira,Cantada a vulgar modinha, Que a dominante agora;e alludindo segunda,
Que de
noite sua porta
ComQue
famosos tangedores,o Talaveiras conforta,
Lhe manda ternos amores Sobre as azas da Comporta;
mas nem uma nica vez
faz
meno do Fado.
Nenhum
dos poetas portuguezes que no sculo XVIII
ae na primeira metade do sculo
XIX
se tornaram mais
populares emprega a palavra Fado ua accepo de cano ou cantiga.E' certo que alguns estrangeiros que n'aquelles sculos, e ainda no anterior, visitaram Portugal, se
mos-
traram impressionados, como lord Heckford, com o tom plangente da musica do nosso povo.
O baro de Lahontan, queculopelas
esteve
em
Lisboa no s-
XVII,
diz
que
alta noite
ruas tocando
umas
vagueavam guitarristas rias fnebres como o De
Pr o fundis. / No lhes chama Fado, nem podia chamar, porqueessa designao no era usada ainda. (I) O erudito escriptor portuense sr. Rocha Peixoto es-
creveu no peridioco Nova Alvorada um artigo a que deu o titulo de O cruel e triste fado e em que synthetisou a relao psychica existente entre o
Fado, can-
o, e a orientao histrica do povo portuguez. ... o fado pondera esse escriptor e o que n'el-
le
se diz de sonho, de sombra, de amor, de cime, de
(l)
sr.
noite de S. Joo na quinta
visconde de Castilho (Jlio) quando, ao descrever uma da Boa Vista em Carnide, pe Vieira
Luzitano, que nasceu em 1699, a arranhar na banza, como outros rapazes, os accordes lacrimosos e dulcssimos de um fado, da esses accordes
um nome
que se no podia referir poca do
sero,
mas emprega uma designao genrica em o nosso tempo,
por dar a impresso da indole melanclica que sempre tiveram entre ns as canes populares. Tomada ao p da lettra. com relao quella poca, a palavra
Fado seria
um
anachronismo.
15
ausncia, de saudade e principalmente de conformao com o cru e negro imprio do destino, eis o que
exprime dramaticamentefado portuguez, toda Historia.
a feio
da alma nacional.
uma
mentalidade, toda
O uma
Rocha Peixoto se deixou arrastar por anachronismo quando diz que o infante flagrante D. Miguel de Bragana batia o fado. Oliveira Martins, que muitas vezes se enredou em salientes anachronismos, foi mais cauteloso quandoApenas osr.
um
poz a cano Negro melro na bocca dalista.
plebe migue-
Certamente que o povo, poeta das ruas, improvisador espontneo e inconsciente, costumaria cantar empublico as suas desgraas e as da ptria,
como
em maistas cultos
alta;
graduao de mrito
litterario,
faziam, os poe-
do
ellas
ou repetiria as trovas d'estes poetas quanexprimiam as dores da existncia individualdesgraas e dissabores nacionaes.
ou o
luto pelas
se generalisaram na voz do povo as canes que lastimavam a ingente derrota do rei e do exercito em Alcacerquibir. Miguel Leito de Andrade, na Miscellanea, traz uma d'essas
Sabemos que no sculo XVI
canes, lettra e musica,
mance;
e tudo faz crer
mas d-lhe o nome de rona sua origem popular. (1).
eslremamente singelo em estylo (1) E' um canto plangente, de fabordo. Pode-se por isso acreditar na sua origem popular; tem peio menos esse caracter. Ernesto Vieira, A arle musical, n. 79, IV armo.
46
Ados;
estas toadas tristssimas
no se chamava Fa-
nem chamou
a
nenhuma outra do mesmo gneestrangeiros se impressiomelancolia e dolorida do-
ro at depois de 1840. Hoje ainda os viajantes
nam profundamente com
a
ura das nossas canes populares, designam pelo nome de Fados.
mas
j
todos as
Madame Adam, no
seu
livro
La
patrie
porlugaise
agrupados em cantam e acompanham o Fado, a cano que bandos,(1896), escreve: Jovensguitarristas,
se traduz pela palavra Destinolusitana.
puramente Todos os motivos do Fado so portuguezes.vida, para
e que
Ha Fados para todos os acontecimentos da
o amor, especialmente; e para a politica tambm. Tal o testemunho de uma intelligente e instruda
mulher franceza, que reconheceu
umma
caracter privativo,
em os nossos Fados uma expresso nacional, a al-
de
um
povo, emfim.
Igual impresso recebeu um viajante hespanhol, que em novembro de 1896 escreveu, no jornal A Voz do
Commercio,
a seguinte apreciao
:
Nada mejor comola
la
msica
refleja el
caracter v
manera de:
ser especial de los
pueblos.
Un
filsofo
adgios de un pais cualla dictar leyes. Pues bien, yo dispensaria los quiera y adgios y me sobraria con la msica. Espana con sus
aleman decia
daz-me
los
jotas y sus peteneras y Portugal con su rico fado son
y sern siempre dos naciones antitticas. La jota pide luz, castanuelas y vino en jarro. La petenera pide
\7
algomas: abrazos de muger que ahoguen, besos que quemen neurosis debilitantes y por encima de todo esto cannitas de manzanilla bajo el toldo de una par-
En cambio, o fado pide silencio absoluto, penumbra misteriosa y una cierta dsis de tristeza en tan marcadas antojseme el corazon. Gon diferencias tarea fcil legislar para los dos pases sin mas quera.
consultar cuadernos de msica popular.
S os escriptores da actualidade, tanto estrangeiros como nacionaes, fazem meno do Fado no sentido decano popular.
Em umte, (I)
livro
de memorias, alis muito interessanprimeira metade do sculo XIX, do enthusiasmo com que eminglez. e fez
e relativo
diz o seu auctor fallando
Lisboa
foi
recebida a Polka:
No s desthronou o Soloa Gavota,
prescrever
como contribuiu tambm para a emigrao do Pirolito da Maria Cachuchao Beijo Saloia
mo
do Rei Chegou e do Passarinho Trigueiro. Creio mesque s ento deixou de cantar-se a antiga e po-
pular romana
papo
A
vai-te
Nau Calhrineta, uma espcie de embora com que os avs, desde ovinham entretendo os serese...
principio do sculo,
acalentando os netos.
Nem uma
nica palavra de referencia aos Fados.
(1)
A ultima nau
porlugueza, reminiscncias por1891.
Theodoro Jo-
s da Silva; Lisboa,
8
Mencionandodiz o
a litteratura:
de cordel n'essa poca,
mesmo
auctor
Ali (obras
me
do Arco da rua Augusta) entretinhamas toscas gravuras, quasi em papel pardo, do Joo
de Calais
da Imperatriz Porcina da Cornlia Bororda Formosa Magalon, que, guiza de estendal de roupa, se baloiavam bifurcadas no cordel que,chia
e
de lado a lado, se prendia ao tapume com que estava vedada a passagem do Terreiro do Pao para a rua Augusta. p
Tambm nenhuma referencia se vendem em folhetos, muitosmes ou
aos Fados,d'elles
que hoje
com gravuras
toscas (especialmente os que se referem a grandes cri-
outros acontecimentos de sensao) e que so
apregoados nas ruas. No romance do Padre Joo Cndido de Carvalho(vulgarmenterios
Padre
Rabeco)
Eduardo ou
os mysle-
do
Limoeiro,
ser
uma
publicado em I8i9, no obstante chronica muito interessante dos costumes po-
pulares de Lisboa n'aquelle tempo, e de comear por uma scena de taberna na Madraga (hoje rua de Vicente Borga) no apparece a palavra Fado, comquanto haja uma referencia a fadista. E' a seguinte:
Ao canto opposto
existia
uma
outra banca,
como
para guardar symetria quella, de que fallei; e sentado a ella estava um mancebo de 19 a 20 annos, dejaqueta, chapu christina, cinta de seda enrolada fadista, cala de cotim enlameada, fumando no seu
charuto de cinco ris, que accendia repetidas vezes, emquanto acompanhava as fumaas com outros tan-
19
tos
gollos
de
preparar por
uma bebida quente que tinha mandado mais de uma vez, e em cada vez, que
a pedia por ter esgotado o copo, repetia Oh patro! d-me outra Francisquinha. E' o typo do Fadista, descripto em 1849, a beber
vinhoclasse.
na taberna, usando do calo e do traje da sua Mas o Padre Rabeco, que viu o Fadista, no
ouviu o Fado, nem a elle se refere nunca dos quatro tomos do seu romance.Este facto leva nos a formular
em nenhum
umaa
hypothese, que
opportunamente desenvolveremos.
Tem
se
dito
muitas vezes que
origem dos nos-
\
/t^^'
sos Fados rabe.
diz que
Theophilo Braga inclina-se a esta opinio quando os cantos conhecidos pelo nome de Huda,Arcipreste
pelo
que usados pelosa
de Hita, so ainda os nossos Fados, tropeiros do Brazil coincidem compelo
descripo(*)
feita
arabista
Gaussin
de Perce-
val.
Arcipreste de Hita, de que Theophilo Braga deu varias composies no jornal litterario Era Nova e de que Amador de los Rios faz meno na Historia critica da liileratura hespanhola, compoz cantigas p-
O
cegos andantes e para tunas escolares; parecendo que tambm escrevera canes populares em rabe, ora
que
alis contestado
par alguns escriptores.
(1) O Povo Porluguez h pag. 62.
nos seus costumes, crenas
e tradies, vol.
20Mas, como quer que seja, obedeceu manifestameninfluencia rabe, ainda quando se d por as-
te
sente que no chegou a escrever n'esta lingua alguns dos seus cantares.
Theophilo Braga, filiando nos Hudas os nossos Fados,
acceita-os, pelo
menos, como
um
vestgio
d'a-
quella
mesma
influencia.
quando diz: As danas dos caracteres provenientes da portuguezas participam nossa situao: sensuaes, como os Fados, os Batw/uesrecebidos dos rabes e das possesses africanas, e as Modinhas recebidas das colnias do Brazil. (*)2 que nas Epopeas da raa mosarabe ( ) fallando da xcara, usada pelos xaques ou ciganos (d'onde veio a denominao xcara ou xacarandina) diz que o nosso Fado uma degenerao da xcara,
E
ainda mais explicito
E' verdade
que pelas transformaes sociaes veio a substituir a cano de gesta da idade media. Ora ns seguiremos outro caminho; no nos de-
moraremosApenas
a apalpar hypotheses.
mencionaremos os factos, e o que parece o Fado, tal como hoje o conhecemos, nascerto que ceu em Lisboa, depois da primeira metade do sculoXIX, e que d'aqui irradiou para as provncias, apenas com o caracter de moda de inveno moderna,o que exclue a hypothese de
uma
antiga filiao rabe.
(1)0 Povo Porlugnez nos seus costumes, crenasI,
e tradies,
vol
pag. 385.(2)
Pag. 321.
21
O erudito professor Ernesto Vieira, no seu Diccio navio musical, chegou s seguintes concluses, que nos parecem exactas:l.a
O Fado
s popular
foi
levado
pelos
em Lisboa: para Coimbra estudantes, e nem nos arredores
elle usado pelos camponezes, que teem as suas cantigas especiaes e muito diffe-
d'estas
duas cidades
rentes.
Nas provncias do servaram por mais tempo2.
a
sul,
onde os rabes se concostumes etradi-
e os seus
ainda hoje mais vivos, o Fado quasi desconhecido principalmente entre a gente do campo. a 3. Nenhum livro ou escripto anterior ao actuales sosculo
(XIX)
faz
a
menor
referencia a esta musica
popular.
A poesia com que, invariavelmente quasi, se canta o Fado uma quadra glosada em decimas, for4.
a
ma
potica d'uma antiguidade pouco remota, dea
umapoe-
origem nada popular e sem relao alguma comsia rabe.
Effectivamente,
o
Fadonorte,
Lisboa;
mas
a provncia, tanto
grande foco de irradiao do ao sul como ao
apenas o acceitou como um dictame da moda, no logrou absorver e substituir os cancioneiros que
provinciaes.
D-se com o Fado e com outras canes, que em Lisboa cairam no gosto publico, o mesmo facto que se d com os figurinos, as toilettes, cujo modelo a capara o interior do paiz: apparecem na provncia alguns exemplares, mas a maneira de vespital
exporta
2prpria de dicionalmente.
tir
cada regio continua subsistindo tra
dantes,
Os Fados chegaram a Coimbra levados pelos estucomo diz Ernesto Vieira; e ao Minho, levados,fidalgose
como diz Gamillo, pelos jovens menos frequentavam a capitalares extravagantes de marialvasterras.
que mais ouir
queriam
dar-se
e fadistas nas suas
Tambm
foi
Lisboa que exportou o Fado para as
provncias ultramarinas. Ha o Fado de Loanda, composto sobre motivos de cantos indgenas por um maestro angolense, j falleci-
que veio Europa estudar musica por conta da sua provncia. No deve passar sem reparo o facto de Lacerda, na a 4. edio do seu Diccionario, feita em 1874, ter citado,
do o Fado de Lisboa e o de Coimbra;o, caes.
e de
na
5.* edi-
de
1879,
ter
substitudo Coimbra por Cascertamente a
Esta alterao corresponde:
um
facto
chronologico ma de Lisboa que a bido o Fado por contacto directofadistas da capital.
que a praia de Cascaes,
mais prxicidade de Coimbra, deve ter rece-
com
os marialvas e
um
Coimbra recebeu-o mais lentamente, levado por ou outro estudante do sul em geraes succes-
sivas.
A guitarra e o Fado tiveram que luctar, nas serenatas da academia, com a tradio do machinho, deque tanto sefalia
na Macarronea, e da viola; e
com
as
23
canes amorosas ou populares, que estavam arraigadas nos costumes coimbros. (1).Jos Dria ficou celebre
como tocador de
viola.
Joo de Deus, que era algarvio, e tinha, por isso, que passar algumas vezes em Lisboa, dava lindas serenatas de viola no Penedo da Saudade, cantando im-
provisos seus ou canes do povo,paihias
mas no
tinha sym-
pelo Fado.
Elle
mesmo
o confessa:
nunca
Fado, nunca o apreciei, nem o toquei: lipensei o desde o principio s mulheres de m vida, e de guei ahi a minha espcie de averso a tal musica mas,;
em
aqui, ouvindo-o a estudantes, nolhe
me repugnou. .
fazer
umas
tantas quadrinlus, e continuar-se-ha.
(2).
Depois, na vida de Lisboa,guitarrae,
familiarisou-se
com
a
portanto,
com
o Fado, a tal ponto que esa
tudou
um
systema de melhorardiz,
pontuao das guiter
tarras. (3).
Joo de Deus
como vimos,
tantas quadrinhas para serem cantadas
composto umas com o acome alguns
panhamento de algum Fado. E' certo que os Fados morte da Severa,
em 1886 o sr. Borges de Figueiredo escrevia no seu Coimbra antiga e moderna: A viola foi sempre um dos ins trumentos mais favoritos dos conimbricenses. Nas serenatas do Mon1)
Ainda
livro
e n'outras pelas ruas e subrbios da cidade, reina ella a par da flauta e do violo (viola franceza), j enchendo os ares de suas harmonias, j formando o acompanhamento de graciosos can-
dego
tares.(2) (3)
Revista Porlugueza, n.
G,1.
1894-95.
No mesmo peridico,
n.
2
24mais, eram em quadras, mas depois o povo adoptou outra forma estrophica. A quadra, no Fado, veio modernamente de Coimbra e foi o estudante Hilrio quelheelle
deu grande voga cantando quadras compostas por ou outras poetas.lettra
do Faio, na tradio popular, como nuta Ernesto Vieira, talhada nos moldes arcadicos do mote
A
emEsta
quadras
e
da glosa
em
decimas.
tradio
mantem-se ainda entre o povo deo cordel e
Lisboa nossubstiturame
Fados que se vendem nos kiosques (queo muro,livraria,
o cego
andante)a de Ve-
em alguma
como,
por exemplo,
rol Jnior
na rua Augusta.
Apenas o Fado Htterario admitte ada decima.
quadra
em
vez
Mas o Fado, apesar da dupla aristocratisao que tem recebido dos poetas e das salas, denuncia a suaorigem popular,a
alma do povo que o canta.espontaneamente,linda flor azul.
H
i\
E'
nas ruas, nas tabernas e nos bordeis que o Fanascer,
do
parece
como
nascem
certas flores nos charcos: a Pontederia crassula, por
exemplo, que
uma
-~Jpo
geral a lettra dos Fados justifica a etymologia, rque celebra as desgraas de um individuo ou declasse,
Em
uma
mas ha casos em que
a lettra,
por glosara toada
um
assumpto alegre ou malicioso, briga com
dolente da guitarra. A musica, o acompanhamento, sempre triste, como um ecco da alma do povo, ingnua e soredora,que, pela sua rudeza, no sabe procurar diiculdades
25
nos
effeitos
musicaes, contentandG-se
com uma
toada
simples e fcil, e que, pelaest
amargura do seu destino,
A
sempre disposta a carpir-se, a lastimar se. lettra do Fado revela a facilidade espontnea da
metrificao popular, da
redondilha, que o portavoz da raa latina da pennsula, e na vivacidade por vezes maliciosa dos conceitos accentua-se a herica
resignao com que ns, os meridionaes, graas inconstncia do nosso humor, benignidade do climae ao azul radioso do ceu,
podemos afogar as nossas
lagrimas no desabafo redemptor de
um
sorriso amar-
go...
Assimmais
que nas cantigas do Fado os assumptos
so temperados por um sabor picante de ironia, que lhes adelgaa o azedume, como, por exemplo, quando o marinheiro conta a sua vida, ao somtristes
da guitarra, sorrindo e zombando do seu prprio destino:
Ao
Para o almoo feijo, janlar bolacha dura;s vez sequerpura.
Nem uma
Pode beber agua
Comprehende-se que o povo, no meio dos seus prazeres, no esquea inteiramente a pesada fatalidade
com que a sorte o subjuga; mas comprehende-se tambm que ache gosto em saborear o desabafo que aguitarra lhelhe pretexto para
proporciona, fazendo-o cantar, e dandomolhar a palavra com o vinho.
D'envolta pois
com
o sentido esmagador da palavra
26representa uma condemnao invencvel, associada a ideia da folga na taberna, da merena gui-
Fado, que
vem
-ti
da nas hortas, do passeio ao luar, emquanto arra vai dizendo da sua justia.
N'esses momentos, o povo, sem esquecer a dureza do destino, porque a sente como o condemnado sgals sente o peso da corrente de ferro, experimenta os nicos prazeres que lhe so permittidos, e que todos parecem volitar, como um enxame de abelhas, em
torno da guitarra
:
o canto,
a
dana, o vinho, e o
amor.Tudo quanto o Fado inspira E' o que s me entretm: Pois quem do Fado se tira No sabe o que viver bem.julga-se relativamente feliz na fruio desque o Fado arrasta comsigo. Assim elle pudesse prolongal-os E, saboreando-os, encarece lhes a voluptuosidade tentadora, que seria capaz, julga elses prazeres!
O povo
le,
porque
o melhor que pode gosar,
de
abalar a
santidade do Papa:Se o Padre Santo soubesse
O
gosto que o
Fadoaqui
tem,
Viria de
Roma
Bater o Fado tambm.
O povoda cidade,
de Lisboa, limitado s ruase,
e s tabernas
uma
vez
por outra,
quando muito, s
hortas dos arrabaldes, encontra na guitarra, nas cantigas do Fado,, a sua melhor distraco.
27
O vinho daat a crime,
taberna pode leval-o at embriaguez,
como no raro
acontece;
mas quando
no vai to longe, suggere-lhe a vaga melancolia de uma vida contrariada de privaes, produz no povoaquillofeliz
a
que Camillo Gastello Branco chamou com
propriedade a sensao nervosa, o soluado reque-
bro das saudades do Vimioso.
Nas aldeias, especialmente no norte do paiz, a vida dos campos, muito laboriosa e sadia, inspira as canes vivazes, movimentadas, que a viola chuleira acompanha num andante batido, repenicado. S o espiri-
de imitao, conduzido pelos fidalgos, pelos estudantes e pelos bohemios, principalmente os cegos anto
dantes, tem introduzidocias
o Fado alfacinha nas provn-
do norte, que o cantam sem o comprehender, porque as condies de vida so ahi muito differentes.E'
tambm por
espirito de imitao
aristocratisou na guitarra
dos
marialvas
que o Fado se e no piano
das salas, como
um
producto
extico violentamente
aclimado, planta d'estufa, que parece chorar pelo seu clima nativo o clima dos bairros infamados e
uma
das ruas suspeitas. E' preciso que o marialva viva fra
da sociedadepovo,
em que
nasceu, identificando-se
com
o
como o
conde de Vimioso, para comprehender e sentir o Fado; a no ser isto, s o comprehende e sente um bohemio de talento, um poeta torturado como D. Josde Almada, de
quem
Jlio
Csar Machado escreveu:
Coisa curiosa: ningum, a exceptuarmos o conde de Vimioso, cantava o Fado como elle. O Fado a me-
28
lancolia.
Por baixo dos seus sorrisos, gracejos e gard'elle,
galhadas
havia lagrimas sempre.
.
.
S
um
ou outro
homem bem
nascido, o Vimioso, o
Almada, tenfconseguido celebrisar-se de guitarra na mo, por condies especiaes da sua existncia; mastodo o homem do povo capaz de pr lagrimas na voz para cantar o Fado, porque cada classe, como cada raa, possue uma gamma especial para interpretaras suas paixes, os golpes cruis do seu destino. J vimos como ainda
antes de estabelecida
a
denominao de Fados,os
viajantes estranse impressionaas canes do-
geiros
ram com
lentes, na lettra e na
mu-
sica, do povo portuguez. E' que sempre temos
sido
clico
povo melanpor eTeito das condies da nossa prpria existncia e de
um
D. Jos d'Almada e LencastreEscriptor e guitarrista primoroso (Fallecido em junho de 1861)
uma
educao tradicional.
Vivemos num paiz entre as montanhas e o mar: as montanhas confrangido criam as povoaes alpestres e os pastores solitrios;os marinheiros pensativos e concentrados, que serenamente jogam a vida contra a fria das tempestades na vastido immensa das aguas.
o
mar educa
Nascemos de um grupo de
lusitanos,
que
tiveram
29
de solTrer o choque de povos poderosos, de immigraes torrenciaes e, por ultimo, de fazer a guerra con-
mouros, uma guerra de fanatismo, estimulada dio de raa e pelo sentimento religioso, que pelo a mais cruel e intransigente de todas as guerras.tra os
Depois fomos navegadorese conquistadores
em mares
desconhecidos
plagas remotas, onde a nostalgia cortava o corao saudoso. Ouvimos o canto montono e languido do preto em Africa. De l parece havermos trazido o lundum, que
em
coadunou com o nosso gnio melanclico, e que a cano popular mais aproximada do Fado actual. A expresso de Tolentino o doce londum chorado d bem a impresso do Fado chorase
tem sido certamente
dinho de nossos dias.
O
excesso de religio pesou sobre nscrcere,
com todosa
os
seus terrores inquisitoriaes: o auto de f.
tortura, o
Vivemos mais de meio sculo opprimidos pelo jugo castelhano, a que s alguns fidalgos se mostravam affeioados porvil
cortezanismo.
Soffremos, no principio do sculo XIX, invases ar-
madas que exigiramtarmosa
um esforo duro para reconquisliberdade ameaada.
Tivemos violentas luctas partidrias, que accendiam dios figadaes entre os indivduos de uma mes-
ma
famlia.
Depois da Regenerao, a vida publica tornou-se mais calma, mas os maus processos de administrao trouxeram os desiquilibrios oramentaes, as difficulda-
30
fies
financeiras, a falta de credito, os
embaraos eco-
nmicos, que do
um
malestar geral.
ComoE
ultima desgraa, empobrecemos.
n'isso estamos.
nossa lngua triste, exprime melhor a dolncia, o soTrimento moral, do que os pensamentos alegres e vivos.Falta-lhe o colorido e o gorgeioneo-latinos: do francez,ros;
A
de outros idiomas
que uma lingua de pssaque uma lingua de msicos. Faltalhe o vigor varonil do hespanhol, lingua alis menos harmoniosa do que as outras duas, mas que tem adoitaliano,
bravura como compensao. Orgulhamo-nos de possuir
palavra osaudadeo, que exprime melhor do que qualquer outro vocbulo das lnguas estranhas o doer da ausncia, isto , um
a
pensamento
triste,
consolao nica das almas incon-
solveis por effeito de
uma separao
dolorosa.
Escreveram alguns estrangeiros que somos um povo de namorados. Este conceito sa como diagnostico de uma psychose nacional;
exprimevibratil.
a
nossa sensibilidade doentia
excessivamente
Mas o amor dos portuguezes
sempre uma tortura, nos poetas e nos outros. D'ahi vem que toda a nossa poesia lyrica soluante e dolorida, desde Bernardim Ribeiro e Cames atSoares de Passos e Antnio Nobre; facto que tambmse reconhece nos poetas
bohemios como Bocage, que
perde o seu tom alegre e estrdio logo que roa pelolyrismo subjectivo.
O povo
pertence
mesma
raa
dos poetas, vive e
31
respira note a
mesmo meio geographicolitteraria, soffre
e social e,elles.
par-
educao
comoelles,
Portanto
tambm
canta
como
ferindo
a nota
da tristeza, queixando-se do seu destino. E' ainda mais desgraado, e por isso mais triste. No preciso, para explicar o estado permanenteda alma nacional, exagerar a influencia rabe,liar n'ella,
nem
fi-
melodia plangente do Fado. E' certo que no Alemtejo o rythmo das canes populares lento e arrastado, no que pode admittir-seexclusivamente, aat certo ponto o effeito de
uma occupao rabe mais do que nas provncias do norte. longa Mas esse rythmo no chega a ser choroso e cortanmesma expresso de melancolia acabrunhada, esmagadora, que distingue o Fado.tea
como o dos Fadinhos, nem tem
Em
todo o paiz ha vestgios
diz o nosso povo.
dos mouros, como So communs a todos as provnciasnorte, ainda ap-
as lendas das
mouras encantadas. Nortulas;
parecem as janellas de
no
Alemtejo e Algar-
ve os biocos das mulheres.
Sem embargo, o Fado no est em todas as provindas de Portugal na alma do povo, nem por intuio, nem por tradio. Vai aonde o levam; e algumaspovoaes menos progressivas, acreditando alis nas lendas mouriscas, repellem o Fado, preferem-lhe as suas canes locaes, (i) com que foram embaladas(1)
terra para terra: so cantigas,bos,
Os nomes (Testas canes variam, secundo o seu gnero, de modas, loas, rasadas, chulas, Iroetc.
remances (nos Aores, aravias) jacras (xcaras)
32
desde
a infncia, e
que traduzem melhor
a
tranquilla
resignao, a paz saudvel da sua lide agrcola. O baluarte do Fado continua a ser, alm de Lisboa, as tabernas dos seus arredores e as do Ribatejo, frequentadas por maltezes, toureiros, cocheiros e al-
mocreves que estoa capital.
em
constante communicao
com
Mas nempos.
ahi
mesmo tem
entrado na vida dos cam-
A guitarra, o instrumento de melhor apropriao ao Fado, que nos veio dos rabes; e?sa sim. E' filha do alade musulmano, e foi naturalmente conservada
chamam
pelos jograes mouriscos. Alguns estrangeiros lhe ainda guitarra mourisca para a distin-
e
guir do instrumento a que do o nome de guitarra que no outra cousa seno o violo ou a violafranceza.(*)
se diga que a guitarra, por via da sua origem, trouxe comsigo a musica rabe, e que a melodia do Fado proveio d'esta dupla origem. Parece ter sido no sculo XVIII que reviveu entre
Mas no
ns
tradio rabe da guitarra: pelo menos foi em 1796 que Antnio da Silva Leite publicou um methoa
do, considerado hoje como o primeiro que se imprimiu em Portugal, certamente na espectativa de encontrar mercado favorvel. No padece duvida que n'esse sculo a guitarra serviu entre
ns para executar sonatas e acompanhar
\)
Ernesto Vieira, Oicc. Mus.
33
tristes,
modinhas, muitas das quaes no glosavam assumptos nem cantavam a fatalidade amarga do Destino.Instrumento suavee relativamente perfeito, a gui-
tarra adapta-se
requebros e ternura das canes galantes e sentidas. Fez a sua poca de sonatas e modinhas e iden-
com
facilidade aos
com o Fado por um conjunto de disfavorveis para os soluos do amor, para os posies gemidos de desventura.tificou-se depois
na sua anci de encontrar um instrumento que exprimisse ainda melhor toda a doura gemente do Fado, abandonaram algumfadistas,
Mas os prprios
tempoe a
Tanto
quando appareceu o bandolim. no tinham a intuio de que o Fado guitarra fossem irmos gmeos.a guitarraelles
A
guitarra luctou ento pela existncia e procurourival bandolim.a
combater o seumelhorar-se.lhase
Alindou
se; tratou
de
Mudou
chave, para pontos que eram, em algumas, 12 e, em outras, 14, passaram a 17. As cordas tambm de 10 passaram a12.
sua afinao, que era de cravea elegante chapa-leque; os seus
E
foi
assim, que vendo
em litigio o monoplio do Fade operas,
do, a guitarra se habilitou a executar trechos
como acontecia nas mos de Joo Maria dos Anjos. A toada do Fado obedece a um padro, a um typomusical, descripto segundo a technica pelo erudito professor Ernesto Vieira:
o fado,
quantidade de melodias sobre cada momento os cantores populares inventam outras; mas todas vasadas no molde primitiExistee a
uma grande
34
vo
que o seguinte:2
um
perodo de oito compassos
em
/4
,
dividido
em
dois
membros iguaes
e symetri-
desenhos cada um; preferencia do modo menor, embora muitas vezes passe para o maior com a mesma melodia ou com outra ; acompanhamento decos, de dois
arpejo em semicolcheias feito unicamente com os accordes da tnica e da dominante, alternados de dois
em
dois compassos.
Ocanto:
fadista
chama ao simples acompanhamento docorrido.
Fado
Mastarrista
fora d' este caso,
quando no ha cantor, o
gui-
aphantasia muitas variaes sobre a mesma melodia, abandona se inspirao de momento, borda floreios e ornatos.
Referindo se
em
geral s nossas canes, dizTheo-
philo Braga: A pobreza ou simplicidade da Melodia portugueza provm lhe da falta de melismos, ornatos, floreios estranhos, como acontece com as melodias hespanholas, muito pittorescas, mas cheias de orna-
tos dos rabes. (I) Ora, esta theoria applicada ao Farfo,na sua mais pura
que o canto (porque as variaes so artifcios que resultam de motivos primrios) exclue por sua vez a cooperao ornamental dos rabes na melodia do Fado, que simples, ingnua, corrida.e inicial expresso,
Evendo
tanto assim
queosr. Theophilo Braga, descreo lypo do Fado, mostra-o
em
outros logares
(
1
)
A Tradio, revista de ethnographia portugueza, IV anno, n.
1.
35
como sendoconceitos
a
uma
longa
narrativa, entremeiada de
grosseiros
e preceitos de moralidade,
com
uma forma
dolorosa, observao profunda, graa despretenciosa, monotonia de metro e de canto, que infun-
dem pesar quando os sons saem confusos do fundo das espeluncas. O rythmo d'este canto notado com o bater do p e com desenvoltos requebros. (4)
Fado do Marinheiro(Este
Fado
o
mais antigo de'que diz ter tido conhecimento o velho guitarrista Ambrsio Fernandes Maia)
de metro e de canto no Fado, como o douto professor observou, contm-se justamente nos limites de simplicidade de todas as melodias populares portuguezas; v-se, portanto, que os arabes,que deixaram vestigios de ornato na musica hespanhola, apenas deixariam no rythmo de algumas das nossas canes
A monotonia
um
vestgio da sua dominao, e que o Fado nasceu independentemente d'essa remota influencia. Quer-nos parecer que os Fados da actualidade es-
tnue
to
mais prximos, na ndole como no tempo, dos lunduns africanos do que dos hudas rabes.
(\) Historia da poesia popular porlugueza, pag, 89, e Epopeas da raa mosarabe, pag. 321.
36
Impressionado pela singela estructura musical do Fado corrido, notou o professor Roeder, director do Conservatrio de Boston, que nos Fados portuguezesa
poesia era mais bella do que a melodia.
Este auctorisado depoimento testemunha aindafavor da excluso do
emfa-
elemento rabe no Fado.
Theophilo Braga quiz achar
umase
explicao do
cto apontado pelo professor Rceder,
e sustentou que
acontecia
emuma
Portugal
o
que
d
entre
todos
aquelles povos, cuja
civilisao assenta
no
munici-
palismo:
eflorescencia de lyrismo pessoal, emotrasborda da alma para o verso. tivo, que Pela nossa parte no remontaremos to longe, nem
to alto.
O municipalismoquilla,
trouxe, certo,
uma
vida tran-
um
bem-estar social s povoaes que o accei-
taram como regimen administrativo. A organisao municipal no nosso paiz teve o caracter de umaintima
aggremiao familial, em que os dirigentes defendiam zelosamente os interesses da communida-
de, no vacillando,
quando era preciso, em bater o
p deante da auctoridade real, ameaando-a. Os governados, confiando na vigilncia dos governantes, no tinham que pensar na autonomia e defeza
do municpio:largas
podiam entregar-se
a si
mesmos,
dar
aos
seus
expanso s suas Era, no ha duvida, uma condio favoralvel ao desenvolvimento do lyrismo emotivo.
pensamentos de goso pessoal, emoes e ideaes mais ntimos.
37
o municipalismo est hoje decadente em Portugal pela absorpo tutelar dos governos e pela in-
Mas
As franquias municipaes teem sido profundamente cerceadas. E comtudo no correspondedifferena do povo.
uma sensvel depresso do instincto podo nosso povo, cuja faculdade de improviso se transmitte de gerao em gerao.a
esse facto
tico
Esta faculdade pde ter explicao na
exagerada
sensibilidade dos portuguezes, no seu immenso sentimentalismo, que encontra uai meio propicio ins-
pirao nas circumstancias precrias e por vezes lorosas do paiz.
do^
Quem Quemdiz o nosso
canta seus males espanta, chora seus males augmenta,
povo como um axioma de therapeutica prtica para curar as doenas da alma. O Fado abre uma vlvula de segurana ao desafogo da escria social, to abundante em todas ascapites, especialmente
em
Lisboa, que
uma
cida-
de indolente e pobre. Todo o portuguez poeta. So numerosos os improvisadores em Portugal, at nas classes menos cultas,
e especialmente entre ellas.
A
tria, tradicional,
lingua parece auxiliar esta predisposio heredino s por ser triste e convidar dolente,
cadencia
mas tambm por
se adaptar facil
mente
metrificao,
se encontra feita e perfeita
redondilha, que especialmente em todos os prosadores.
38
Castilho
deu-se,
com umaa
pacincia de cego, ao
trabalho
de medird'eila a
achou dentrometros.
prosa de alguns clssicos, e contextura espontnea de vrios
como osquea
Os msicos em Portugal no so to abundantes poetas, o que mostra que se repete uma ba-
nalidade,
com
resaibos mylhologicos, quando se diz
musica irm da poesia.
Aprendemos sem esforo as melodias simples e singellas, como as do Fado corrido., porque so como
uma resonancia natural do prprio gnio da lngua, uma espcie de metrificao musical, parallela queversificao instinctiva do povo.
Mas os bons compositores de musica, tanto nas classes illustradas como nas populares, no avultam pelo numero. O Fado das ruas, cujo rythmo fcil, muito adaptvel memoria e ouvido do povo, pde ter escasso mrito litterario e artstico, mas tem sempre um altovalor ethnographico: a historia cantada das classese dos indivduos inferiores.
No padece duvida que muitos dos nossos Fados populares provem de pessoas mais instrudas do que o povo; mas so escriptos para elle, que no osassimilar se os no entender.
Por isso grande numero dos nossos Fados mira observao de phenomenos sociaes quotidianos, deinteressese
particularidades
de classe, ao retrato e
rua, quanto mais despresilypos veis mais apreciados pelo povo, que os conhece de perto.
biographia de
da
39
Outros Fados, especialmente os polticos, e os que celebram algum acontecimento grave, so uma explorao de momento, um recurso de occasio, que pretende
sensao causada no povo tanto pelas tranquibernias dos governos e dos collegios eleitoraes, como pelos factos de importncia occorridosaproveitara
nas classes superiores.
De modo que, pde bemsos dias
dizer-se, o
Fado em nos-
poderoso instrumento de divulgao, que se transmitte facilmente, por meio da imprensa, com
um
um
rapidez elctrica. Sob o ponto de vista da satyra e do epigramma, os Fados substituem os mordentes Pater noster deoutr'ora, que no encontravamtofceis
meios de
circulao
como
aquelles que
a
publicidade moderna
proporciona.
Pater noster castelhano, que satyrisava Clemente VII, diz com razo: E' o que hoje chamaramos o Fado do Papa.Camillo, referindo se a
um
Caricatura do lypo fadista no cortejo com que os estudantes da Escola Polytecbnica de Lisboa
celebraram a publicao do Decreto do cuspo.
II
Fadistas
Oisso
facto de
moeiro a
termos encontrado nos Mysterios do Lipalavra fadista (como termo de calo e por
at essa poca (1849) do vocbulo Fado ou Fa~ apparea qualquer vestigio dinho na accepo de cantiga popular, leva-nos conjectura de que foi da moderna nomenclatura da clas-
graphada
em
itlico)
sem que
nome da cano, em vez de cano que proviesse o nome classe.se que derivou o
ser da
Entende se por fadista a
pessoa que cumpre
um
mau
mulher, prostituta ou rufio. E aqui ha a notar que o vocbulo fado tomou em calo um sentido exclusivamente pejorativo: Vidadestino; seja
homem ou
do fado, apalavrasares e
m
vida;
moa do
fado, a
rameira.
Umas
geram
outras: de fado
(destino) veio fadista;
fadistar, levar vida
de fadista; afadistar-se,a
modos de
fadista; fadistagem,
adquirir conectividade
da gente de
mau
fado, a pratica de suas tunantadas e
proezas; fadistice, a chibana ou prospia
de fadista;vulgar)
Fado ou Fadinhocano
(e
Faduncho,
alis
menos
em que
os faditas lastimam o seu destino.
4i
O Fado, escreve Palmeirim,toria verdica e
de ordinrio a his-
romanesca doos
homem
que de guitaras
ra
em punho
extasia
ouvintes,
narrando-lhes
tribulaes da sua vida ou os incidentes e peripcias dos seus amores. O mote, a divisa do fadista :
Eu
hei de morrer cantando
Pois que chorando nasci. (1)
o seu fado veio a dizer-se, por generalicantar o Fado. E esta palavra tomou a acsao, cepo de cantiga de fadistas: como em italiano bar-
De cantar
carola a cano dos barcaiurolos (gondoleiros) e no serrana a cano dos habitantes das portuguez
montanhas (serranos).todos os tempos existiram na sociedade portugueza, e nas outras, como escumalha vilE' claro
que
em
da civilisao, os representantes da classe se d o nome collectivo de fadistas.
a
que hoje
Os autos desculo
Gil Vicente e
do Chiado deixam
uma
n-
tida impresso do que era essa
despresivel classe no
XVI em
Portugal.
N'elles apparece a par da boneja (prostituta) o rufio,
que a explora; o rasco bbado e desordeiro, ocioso e libertino, trovista e tangedor de taberna; ovaganau. etc. No sculo XVIII encontramos,
segundo a ou janisaros, Bluteau, marotos, ganisaros
lioetc.
de
(I)
Galeria de figuras porluguezas, pag, 112.
45
S- desde o fim da primeira
metade do sculo XIX nos apparece, porm, a designao fadistas,
com
a de faias, (1) fai-
antes, (2) bailhes, (3) etc; e a
de Fados como
nome genrico
das suas canes.
Typos de Fadista(Copias de bonecos de barro)
O Fado, n'esta accepo, uma palavra adoptada ha meiosculo
ou pouco mais. O Fadista, no seu aspecto moderno, tem surgido aos nossos olhos como um typo social que os escriptores contemporneos observam e descrevem.ao vaChama-se Fadista diz Theophilo Braga no meio das suas aventuras gabundo nocturno que modula essas cantigas (Fados); no velho francez, Faliste
significa poeta,
que
esta designao(4)
e Edelestand Du Meril pretende vem do scandinavo fata, vestir,
compor.
Apoiado na chronologia, cremos, como j exposmos, que no foram as canes que deram o nomeaos fadistas;
mas que,
pelo contrario,
d'elles
o rece-
beram
as canes.
que o fadista se deu por (1) Uma vaga tradio alfacinha diz orgulho de classe a designao de faia, medindo-se, vaidosamente, com o aprumo e elegncia da arvore d'este nome.(2)
De
faia.
(3)
Bailarim, por comparao. O que
pula jogando a navalha.
risca, faz escovinhas, bate o(4)
Fado,
etc.
Epopeas da raa mosarabe, pag. 321.
46
Tanto mais que, entre ns, a palavra fadista no a significao restricta de tangedor e cantor ou poeta de Fados, mas commum a todos os indivduos que vivem no mesmo meio de depravao e libertina-
tem
gem, sejam de
um
ou de outro sexo.tel-a
Eta
n'esta accepo genrica parece
j
empre-
gado o padre Rabeco
em
1849, porque o
seu fadis-
da taberna da Madraga bebe e no canta. evidencia do typo fadista, de que Lisboa alfobre copioso, tem-se imposto, repetimos, observa-
A
o dos bellos-espiritos da litteratura moderna, alguns dos quaes, e dos mais brilhantes, o retrataram com
uma
fidelidade flagrante, como vamos vr. Ramalho Ortigo, nas Farpas, lana uma aflirmao demasiado absoluta quando diz: a Em cidade alguma da Europa existe uma palavra de significao
anloga a estaE' claro
o
fadista.
que o typo humano no apresenta o mes-
mo
aspecto
em
todas as raas e naes.
O
clima e afun-
civilisao modificam-n'o, alteram-n'o.
Mas ha um
do cosmopolita, de equivalnciaas distancias e as fronteiras.
social,
que supprimeda sociedade,
Assim, pelo que respeitaexiste
escoria
em Hespanha
o chulo, e
em
Frana o souleneur,
que correspondem ao nosso rufio. Todos elles vivem custa de mulheres perdidas, cantando e bebendo nas tabernas e nos bordeis, comoos fadistas portuguezes. Roma ha os camorristi, gente de mala vita, do uma facada por gosto, e vivem na devassique
Em
47
do,
como
os bailhes e faias
da
fadistagem
de Lis-
boa.
Kmdista.
se do povo,
Npoles o lazarone, representando a ultima clasum intil perigoso como o nosso fa-
Fora da Europa, no Brazil, existe o capoeira. Em toda a parte a sociedade tem a sua borra im-
munda,
e
uma
palavra, ou-mais de
uma
palavra, para
definil-a.
to
Precisamos, pois, investigar qual seria o pensamende Ramalho Ortigo, que no desconhece todos esao escrever aquella phrase,
tes factos,
em que
parece
conter-sete
uma
affirmao gratuita por demasiadamen-
extensiva.
Quereria, provavelmente, dizer que, apesar do povo ser em toda a parte fatalista, em nenhuma outralingua ha
uma
dade do destino
palavra que lance unicamente fatalia responsabilidade dos actos pratica-
dos pela ultima classe social. O illustre escriptor lembra que o fadista moderno continua os espadachins populares que, no sculoXVIII, suciavam
com
os fidalgos
ema
arruaas e espan-
camentos nocturnos.Depois zendo:
fixa o perfil
do fadista,
seguros traos, di-
capites que representem uma accumulao de trabalho anterior. Vive dos expedientes da explorao do seu prximo. Faz-se sustentar de ordinrio por uma mulher publica,
O
fadista
no trabalha
nem possue
que
elle
espanca
systematicamente.
No tem do-
micilio certo. Habita successivainente na taberna, nabatota,
no chinquilho, no bordel ou na esquadra da
policia. Est inteiramente atrophiado pela ociosidade,
pelas noitadas, pelo abuso do tabaco e do lcool. E' um anemico, um cobarde e um estpido. Tem tosse e
as pernas
tem febre; o seu peito concavo, os braos so frgeis, cambadas as mos, finas e pallidas como as das mulheres, suadas, com as unhas crescidas, de;;
vadioro;
a
os dedos queimados e ennegrecidos pelo cigarcabelleira ftida, enfarinhada de poeira e de
caspa, reluzente de banha. cio consta de uma guitarra
A
ferramenta do seu
ofi-
e de
uma
Santo
Christo,
que assim chamam technicamente
grande navalha de
ponta e trplice calo na mola. E' habitado por uma molstia secreta e por vrios parasitas da epiderme.
Um homem
de constituio normal desconjuntar-lhehia
o esqueleto, arrombal-o-hiaataca de frente
com um
soco. Elle
sente
isso e traioeiro pelo instincto de inferioridade.
No
o espadachim ou o pugilista, in veste obliquamente, tergiversando, fugindo com o corpo, fazendo fintas
como
com uma
seu nico exerccio muscular
agilidade proveniente do as escovinhas. No ha
senotiro
uma
defeza para
o modo comoesta seja
elle
aggride: o
manejada por um quando estremamente destro. A guitarra debaixo do jogador brao substitue n'elle a espada cinta, por meio daoua bengala,
qual se acamaradavam com a nobreza os pimpes seus ascendentes do sculo XVII. E' pela prenda de guitarrista que elle entra de gorra com os fidalgos, acom-
panhando os ainda hoje nas
feiras,
nas
touradas da
49Alhandra e da Alde Gallega, e uma ou outra vez nas onde depois da meia noite se vai
ceias da Mouraria,
comer o prato de
desfeita, acepipe composto de bacalhau e gro de bico polvilhado de vermelho por uma camada de colorau picante.
seguida pormenorisa o traje tradicional do fataco apiorrado ou o salto de a cala estrangulada no joelho e apolainaprateleira,dista:
Em
a bota fina de
da at o bico do p, a cinta, a jaleca de astrakan e o chapu arremessado para a nuca pelo dedo pollegar,
com
o gesto clssico do grande estylo canalha. Apenas lhe esqueceu um complemento da toilette:lisas
o penteado, as melenas cuidadosamente xadas sobre as orelhas.
e repu-
Descreve-o, finalmente, cantando o Fado: A guitarra, seu instrumento de industria e de amor,dedilha-a elle
com um
desfastio
impvido, deixando
pender o cigarro do canto do beio pegajoso, gretado e descaindo; com um olho fechado ao fumo do tabaco e o outro aberto mas apagado, dormente, perdido no vago em uma contemplao imbecil; o tronco do corpo cahido mollemente para cima do quadril; aperna encurvada com o bico do p para fora; o cachu cho da amante reluzindo na mo pallida e suja. Tam-
bm
canta algumas vezes, apoiando a mo na ilharga, suspendendo o cigarro nos dedos, de cabea alta, esticando as cordoveias do pescoo e entoand*o a melo-
pa dos fados, em que se descrevem crimes, toiradas, amores obscenos e devoes religiosas Virgem Maria,
com uma
voz soluada, quebrada na larynge, acom-
50panhada da expresso physionomica de uma mentalidade de enxovia, pelintra e miservel.
senti-
Uma exuberante tatuagem um dos caractersticos do corpo do fadista; s vezes, no s exuberante, mas tambm muito complicada de figuraes caprichosas,algumas das quaes, como o signosamo, cujapretao ethnographica est por fazer, livram,a
inter-
segundo
superstio tradicional, de
maus olhados
e de esp-
ritos ruins.
Na vida do fado este mem como mulher.
facto
commum
tanto ao ho-
O
rufio
tatua
a
amante, pacientemente, como se
estivesse produzindo,
com
obra de arte; ou se tatua a tuar pelos seus pares.Luiz Augustodista.
ternura e enthusiasmo, uma si mesmo ou se deixa ta-
Palmeirim tambm descreveu o
fa-
Nota que no tem familia, engeitado da Santa Casa, para assim ir ao encontro da predestinao, do
maupeza.
fado,
que vem do bero, e com que o
fadista pretor-
tende desculpar toda a sua existncia
de vicio e
Mas ha muitos que teem
familia, pes conhecidos,
e que so levados fadistagem por uma espontnea tendncia de baixos instinclos, pela companhia e convivncia de faias, pela desmoralisao do Limoeiro on-
de foram
uma primeira vez expiar qualquer rapaziada leve; ou ainda pela suggesto nociva do bairro emque nasceram e moram.
A Bisnaga
escolstica, colhida
do
Campo
da Coto-
51
via pelo lavrador
conta as brigas e contendas travadas entre os rapazes do Bairro Alto
do Palito Mtrico,
e os de Alfama, a
murro
e calhau.
de fadistagem, desde a infncia, os habilitavam, assim, praticamente, continuadores das suas tradicionaes escarapelas e zaEstes dois bairros, antigas escolasragatas, ainda hoje no extinctas completamente. Alfama e o Bairro Alto vem, pois, educando por
suggesto local os fadistas do futuro. Pato Moniz, na Agostinheida, querendo mostrar que o padre Jos Agostinho de Macedo arranchava comfaias e bailhes,
recebendo
d'elles
apoio,
tambm
se
refere a essas pugnas, s vezes cruentas, que preparavam cidados para a vida do fado:
AndavaEntrea
n'este tempo accsa a guerra malta de Alfama e Bairro Alto,
Gingantes campees afragatados, Miqueletes (1) revis, cujas faanhas Em macarrneo metro celebradas (2)
E no
Tem dado assumpto a um par de gargalhadas. sitio da Penha (3) aos dias santos Com poitas, (4) e com fundos de garrafa,
(1)
(2)
Antigos bandidos dos Pyrenos. Alluso Bisnaga escolstica.
(3) A Penha de Frana, segundo a Agostinheida; a Cotovia, segundo a Bisnaga. Em ambas estas eminncias, tanto ao oriente como ao poente da cidade, se feriam as batalhas garotaes. A Penha era reducto para os garotos de Alfama; e a Cotovia para os.
do Bairro
Alto.
(4) Corpos pesados, ordinariamente pedra ou ferro, que os pescadores empregam para fundear os seus barcos.
52
A
dente, unha, bordoada, a ferro,
-Latindo to raivosos
como um perro, Travavam eruentissimos combates No que morresse algum, mas abundavam,;
Entre o furor de punhos e pedradas, Bolas partidas, ventas esmurradas De uma das taes guerrilhas tinha o mandoI
O General Luneta, homem provindo De linhagem illuslre, e por seu* sestros
Entre a mais brejeirai, fia (5) cambada, Entre a rel mais pifia confundido;
E por
seus capites eramflor
com
elle
Claros pimpes, a
da pangayada.
(6).
Pato Moniz illustra
o textofaltada foi
com
a seguinte
nota:
guerra da Penha de Frana; e muito mais depois que n'eila entraram o General Luneta (Dom Th. d'A., cujo rival no generalato era um faa-
Bem
sabida, e
bem
em
Lisboa
a
da
rapazia
no
sitio
nhoso Pretalho)
rem
(7) e alguns outros, que, posto sehavidos em ruim conta, nunca se esgeralmente
perou que chegassem a tanto. V-se mais uma vez que no principio do sculo XIXainda no eram correntes as palavras fadista e fadisa tagem. A l. edio da Agoslinheida d 1817. Pato
Moniz usa todas as expresses
que podem pintar a
(5) (6)
segundo agraphia de Gil Vicente. Reles, despresivel. Rancho de rapazes inteis, vadios.Sfea,
Jos Agostinho, diz Pato (7) N'outra publicao contra o padre Moniz, mais claramente, que o General Lunela era D. Thomaz de Almeida, e que o general do exercito opposto era um preto caiandeiro.
53
escumalha
social: fia
cambada, gingantes campeespifia, flor
afragatados.
rel
mais
da pangayada,
etc.
pudesse dispor do vocbulo fadisto, com certeza o haveria atrambolhado ao padre Jos Agostinho, quealguma coisa teve de isso, em verdade. Casos ha em que os fadistas provem de pais de famlias decentes e remediadas, e honestos,at, facto
s lhe faltava ainda a palavra fadistagem. Se j ento
que
j foi
as raas nobres
tendem
mais vulgar do que hoje, porque a extinguir-se, tem havido fa-
distas descendentes de famlias illustres.
Estes,
eram jovens
fidalgos
que viviam com picado-
res e cocheiros, toureiros, arruaceiros e espadachins.
mo de
D. Affonso Vi, quando infante, e D. Francisco, irD. Joo V, viveram com a ral que hoje se
chama fadistagem.D. Miguel de Bragana foi creado no mesmo teor de vida; mas depois, no exilio, regenerou-se comple-
tamente.
Outros
fidalgos
chegaram
at facada, ao homicdio, e tiveram
houve, porm, que menos felizes de ir
cumprir no ultramar uma pena infamante. Para ser fadista necessrio um longo tirocnio:aprender a tocar guitarra e cantar o Fado, a fazer escovinhas, riscar, a esconder a navalha na mangada jaleca, a puxar as melenas, a enfiar as calas esticadas, e a fallar o calo.
Vemosqualquer
s vezesoficio,
mas
rapazes do povo trabalhando em j vestidos de fadistas: andam na
aprendizagem, por vocao e por gosto.
54
No esperam seno
a
mono
favorvel que os ha
do fado. de levar definitivamente para Essa mono qualquer acontecimento de famliaa vida
a
morte do
pai,
da
me ou de algum
outro parente honra,
que ainda lhes impunha certo respeito. Partido esse lao, adeus trabalho, adeus
adeus dignidade e conscincia. At o seu appellido perdero: ho de passar a ser conhecidos por um alcunha. Ha s um caso em que o novio do fado ainda pode salvar-se: se no conseguiu livrar-se, por debilidade physica, de sentar praa no exercito.
Palmeirim nota com razo: tO fadista, do, deixa de ser homem, um autmato
feito solda!
Os artigos
da guerra arrefecem lhe a inspirao, entibiam lhe o enthusiasmo pela poesia, sua irm de infortnio.
no acontece sempre, no regra geral, porque muitas vezes o iniciado na fadistagem, depois de ter sentado praa no exercito ou na armada, con-
Mas
isso
serva os seus amores nos bordeis, frequenta os bairros e botequins suspeitos,licia e
arma desordens com
a po-
com
os soldados da guarda municipal, e chega. .
o ser
um
heroe.
da Mouraria.
marinheiro muito mais fadista do que o soldado: talvez por que a guitarra de bordo seja o trao de
O
unio que o petual
em
constante communicao
espiri-
comelle
os outros fadistas.
Nos mares da ndia ou da China o Fado, tangidoporao luar, no convs do. navio, lembra-lhe Lis-
r>5
boa, a Mouraria e Alfama; lembra-lhe a sua terra, se saloio ou se natural do Ribatejo.
O fadista saloio, diga-se de passagem, tambm tem tanto caracter de classe, que se conhece pela apparencia: a carapua ou o chapu desabado, a melena repuxada, a cala de bocca de sino, o ar gingo e canalha. Traz na carroa a guitarra e toca o Fado nas ta-
bernas da estrada: s vezes combina, com os maltezes,fazer
um
crime, assaltar
um
casal solitrio e
matar os
donos.ta: Jlio
Ainda outro escriptor portuguez descreveu o fadisde Castilho no 1. volume da sua Lisboal
antiga. Deixal-o
(o Fadista) sentado
na borda do mo-
cho da taberna, arranhar na banza truanesca os amores do conde de Vimioso, mais os seus; deixal-o ir saracotear-se na espera dos toiros, todo chibante com a sua cala de bocca de sino, e a sua jaleca de alamares; deixal-o ir para as hortas ao domingo, deleitar,
com
os chistes ambguos do
ultimo
fadinho corrido,
os bulhentos freguezes da Perna de Pau edo Alto do Pina. Estou-o a ver encostado a uma ombreira, de cha-
pu para
traz
e
mos cruzadas nas
costas,
com
os
olhos piscos do fumo azul de
um
cigarrito engelhado,
que de quando em quando lhe pende ao canto da bocca, exprimir no rosto encorreado, na fronte baixa eestreita, na
nuca de co de agua,enxota
e na
melena recur-
va,
que
elle
com
as
costas da
mo, todos os
segredos ignbeis dos antros que lhe so theatro. A sua voz avinhada e rouquenha come umas palavras,4
56morte da Severa,
e estropia outras, ao prantear a
1111111
tom
silvestre de acre melancolia indescriptivel.
tOde
fadista
do Bairro Alto o marialva do rs dodas tendnciaselegantes
cho da sociedade, escria
cidade grande, producto bastardo da ociosidade e do vicio. E' o triste frequentador da galeria das causas crimes; e muita vez o pobre Othello obscuro da parte de policia. O fadista um aleijo nos costumes; tarde lhe chegar a sua vez de regenerao,
uma
lbrego vadio inconsciente, a quem o Limoeiro fascina, com o magnetismo escancarado de um sapo collossal.
O fadista tem, nos seus bairros, botequins e tabernas especiaes, que frequenta todos os dias ou todas as noites: ahi se discutem os assumptos da classe, rixas,amores, cimes, crimes da vspera ou do dia seguinte... Fialho d' Almeida, nos Gatos, (\) coloriu com duaspinceladas intensamente descriptivas Garreirinha do Soccorro:A's oito horas, no a sala
um
botequim
3
Foi iramensa a berraria,
Houve grandeP'raSito
confuso.
um
belio primeiro andar,
no Largo do T^ato,a famlia morar.
Foi o senhor Joo Gato
ComFoi
um
de livre pensar,
Para a de Santa Quitria E a famiiia do Misria
PV
Calada do Vombeiro;
PV Areo do Limoeiro Foi uma famlia sria.
UmE
P'r
cguinho se mudou rua da Bella Vista, uma senhora modistase passou.
PVs Ferreiros
N''Alegria casa achou
O
senhor
Pena
Tristo;
Mudou- se um avarento P'r rua da Caridade, E foi o Dr. Verdade P'r rua do Capello.
Um
dizer, de certo
barbeiro de Bucellas quiz lembrar-se, para Fado composto sobre o onomstico
melo-
cativo do
Termo de Lisboa, mas no se recordou
se-
no d'estes quatro versos:Deu Bucellas uma facada Na ribeira do Tranco.Acudiu-lhe a Ponte Nova,
Camarate
e
AppellaSo.
O Fado
saloio
tem
j hoje vida prpria e antno-
124
ma. Quero dizer que os fadistas do Termo no se limitam a copiar os Fados de Lisboa, mas j por suavezos compem sobre assumptos locaes: portanto natural que lhes dem um caracter toponymico. N'esta espcie de Fados a quadra substitue a decidifficil
ma, que de maisquadrasoutro livro
locaes da Ericeira
por mim
improvisao; mas j ouvirecolhidas"
em
(1) cantadas no rythmo do Fado.ha Fados saloios
Sem embargo tambm
em
dci-
mas, que Lisboa exporta nos almanachs, com o fim de conquistar leitores entre as povoaes suburbanas:P^a.d.0
ealoio
Souv
saloio, honro-me d'isso, P'ra casacas no sou mau;
Os janotas atrevidosSei correr a varapau.
Que andamos no ramerro Dizem l os de Lisboa;
Porm
entre ns j sa
O
brado da illustraSo:
Escolas j c esto
Fazendo bello servio;
Eu
c j lenho toutio
Para entender os jornaes,
Tenho
ideias liberae?,
Sou
saloio,
honro-me dHsso.
Aos comcios vou tamhem
E
l sei fallar
em harda
\\)
Sem passar a
fronteira, pag. 138.
125
Contra quem
E
mo pe albarda, nos deixa sem vintm:
E' certo que no vou bem Com quem se me faz marau;
Mas jamais corro
a calhau
Quem me
sabe respeitar;
Se no vem c namorar P'ra casacas no sou mau.
PVCom
as
madamas que
c
vem
o fim de tomar ares,
Temos modos singulares E attenes como ningum; Ns c antamos muito bemOs doces fados corridos; D'amor mil versos sentidos Sabemos improvisar.
E com
elles castigar
Os janotas
atrevidos.
E
saiba qualquer senhor
Que No
eu, saloio esperto e girio, soffro manguem co'o ciriotanto amor: ar
A que tenho Se vem com
zombador
Algum janota marauFazer o servio
mau
De quem a crena me ataca, Ver como eu um casacaSei correr a varapau.
Algarve tem oprovinda:
seu
Fado,
que abrange toda
a
126
Fado algarvioDosseus fructos abundantes Algarve se ensoberbece Graas ao trabalho honrado,
O
;
De dia
a dia enriquece
.
Quem que torceu a venta, Quem fez, acaso, careta, Ao bom vinho da FuzetaQue o nosso Algarve apresenta? que se no contenta Co'os nossos figos chibantes ? Quem n3o quer ver quanto antes
Quem
No
prato o
atum saboroso?
Pasma
este solo, orgulhoso,.
Dos
seus fructos abundantese variada
Abundante
E'no Algarve a pescaria, E quem na vida porfia Mantm sempre a vid? honrada;
A
figueira
abenoada
Vigorosa aqui floresce;
Por parte alguma apparece Outra que lhe seja igual De n'el!a no ter rival.
O AlgarveE'
se ensoberbece.
Villa
bem formosa Tavira, Nova formosa ,tira:
Formosssima Loul, Gloria a Faro ningum
Galharda brilha Odemira
Em oE
seu torro fadado;
de pobre ou rico estado, Do Algarve a boa gente
127
Leva a vida alegremente, Graas ao trabalho honrado.Salve, pois, terra eminente
A que devo chamar nobre, Onde o rico vale ao pobreT"o briosa e christmentel
ODe
Algarve
um
brado valente
toda a nao merece; justo que aqui
E
me
apresse
Em
offereeer a cantiga
A quem, graas fadiga, De dia a dia enriquece.Os assumptostados pelobblicos
so
muitas vezes aprovei-
cantador fadista n'um sentido religioso.
Por exemplo:
A doce me de Jesus, Que remiu a humanidade,Sentia a cruel saudade
Que ao nada a alma reduz. Nos cus no havia luz Desde o sul at ao norte,Sella
chorava a sorteto horrvel trilho,ali,
E o seuPorque,
A Virgem
do querido filho chorava a morte.era o seu pranto,
Quo amargo
Quantas lagrimas vertia Ao pensar que lhe morria
Quem na
vida amava tanto!e santo
Seu corao puro
Sentia-se aniquilado,
1*8
E
ora erguia aos cos um brado Repassado de desgosto,bello rosto
Ora olhava o
Do
seu filho idolatrado.
Tambm o fadista investe s vezes com mas mysteriosos de alem da campa, comodo:ReunindoSatana, rei do Avento, o seu conselho,a caldeiraBotelho.
os problen'este
Fa
Mandou fa^er
Do grande ProDa
Clara ideia ningum faz sua monstruosidade,
Nem
de quanta humanidadede Salanaz
Em
suas fornalhas jaz.
Por ordem
Foi posta ao meio do inferno, ordem do seu governo
E ali tudo queimado, Depois de haver decretado Satana^, rei do Governo.As bruxas em voltad'ella
Preparam enguirimanos,
E os mais negros manipanos Vigiam- n'a, com cautella. Ali cae desde a donzellaAo condemnado mais velho. Ha bem perto um apparelho, Semelhante a uma lousa, Onde o diabo repousa Reunindo o seu conselho.Os infernaes feiticeiros. Que do demnio so filhos,
129
Cantam tristes estribilhos, Ateiam os seus brazeiros.Horropilam os berreiros
Que saiemMas orei
d'esta lareira!
vendose
a
maneira
Como
as
almas
perdiam,
Vendo que mais appar'ciam,
Mandou fa\erE' ali
a caldeira.finda,
que tudolhe
Ali tudo se consome:
De Pro
deram o nome
P'la sua crueza infinda.
Quem para o cu se no guinda ttente bem n'este espelho:Pois quem segue mau conselho, Ou caminha com cegueira,
Vae acabar na
caldeira,
Do grande Pro Quanto historia
Botelho.
sobre os amores eainda sobre
de Portugal, tenho ouvido Fados morte de D. Ignez de Castro epocase
outras
assumptos, como por
exemplo:.Fa^er nos Lusos matana Muitos tyrannos tentaram; Mas vof da Liberdade^Elles seus foros salvaram.
Foi
Dom
Joo o primeiro,real,
Quem, por seu punho Para livrar Portugal,
Esta/ou o conde Andeiro.
Dona Leonor n'um
berreiro,
Pedia ao povo vingana;
130Porem fugindo-lhe a esp'rana De recobrar o seu mando,Deu-se priso; mas jurando, Fa\er nas lusos matana.
L se partiu p'r'as Hespanhas, Pedir ao rei que a vingasse,
m
Que Portugal
conquistasse,
Contando- lhe outras patranhas. Umas taes artes, e manhas,
Sempre o hespanhol abalaram: Logo os seus teros entraram
No reino, altivos e bravos; E j fazer-nos escravos,Muitos tyranno8 tentaram
Mas os famosos montantes De Dom Joo, formidvel,
E
do seu gro Condestavel,rijo, possantes.j, vacillantes,
Deram-lhesEis rotos
Os hespanhoes, co'anciedade, Fogem, ou pedem piedade;
Triumpham,
pois, dos revezes
Esses laes portuguezes, Ms vof da Liberdadel
Sempre em continuas batalhas Seu nobre sangue vertendo, Aos inimigos tecendo,
Com ferro, as negras mortalhas; Eis como assim das migalhas
O
reino todo alimparam;
Eis como, pois, alcanaram
Das naes todas
respeito:
E
Liberdade
com
preito
Ellet seus foros salvaram'.
134
Disse-rae o sr.
Verol
Jnior tencionar imprimir
colleco de Fados, que abrange todos os perodos da historia de Portugal. A vida do fado est intimamente relacionada com a
uma
tauromachia.
O
fadista
no
falta a
uma
sua guitarra na
mo
;
o fadista de
espera de touros, com a um e outro sexo,
mulheres e homens.
Antigamente o enthusiasmo era maior, no tempo da Severa e do Vimioso, quando os fidalgos, ama-
uma A
dores e cavalleiros, no perdiam tourada.tradio tauromachica
uma
espera,
nem
era ento muito mais in-
tensa do que hoje, porque no sculo XVIII Unhamos tido touros de morte, e o enthusiasmo pelas luctas
cruentas do redondel conservava ainda, no espirito do povo, um rescaldo ardente.
No
sculo XVIII havia:
em
Lisboa nada menos de
quatro praas de touros a da Estrella, nas terras do Infantado; a da Parada, junto ao Rocio ; a do Salitre, e a do Campo de SanfAnna. No fallando no Terreiro do Pao, onde se realizavam as touradas de maior
pompa.
Quem
fazia as cortezias era o neto (2),
(meirinho da
(2) N'um opsculo em que se descrevem as touradas com que o senado da camar de Lisboa celebrou a acclamao da rainha D. Maria I, encontra-se a origem da accepo tauromachica da pala-
vra Neto. Diz o folheto
.
Seguiu- se
a entrar
na praa o meiri-
132
cidade);
quem
as recebia
era o
rei,
o senado da cae, s
mar, o tribunal da junta da casa do Infantado, vezes, Nossa Senhoraf
Assim, no programma de uma corrida em obsequio da devotssima imagem de Nossa Senhora do Cabo, sendo o produclo para os cultos da mesma Senhora, l-se o seguinte: A's duas horas e meia estar tudo prompto, e feito o signal
zer as suas cortezias devotssima
costumado, entrar o Neto a faimagem de Nossa
Senhora, que ha de estar collocada prio, e depois ao Tribunal.
em um
logar pr-
Por esta no esperava de certo o leitor: que a prpria imagem de Nossa Senhora, collocada em altar todo florente de galas, fosse quem recebesse as cortezias
do cavalleiro.de fazer touradas
O costume
em
beneficio de Nos-
sa Senhora e dos santos, era ento vulgarissimo.
merciodizia,
Em setembro de 1778 effectuou-se na Praa do Gomum combate de touros, como n'esse tempo sea bem do adeantamento das obras daegreja
de
Santo Antnio doesta cidade.Assistiram suas magestades.agosto d'esse mesmo anno realizou-se na Prado Gommercio uma tourada em beneficio de Nossa a Senhora do Cabo, funco promovida pelo capito
Em
nho da cidade Joo Marcelino Alvares de Stas funces chama Nelo, pela tradio de Neto, que assistiu a muitos d'eslessa, e
um
(a que o vulgo n'es. meirinho de appellido
festejos) etc. E'
uma
nota curio-
por isso a registamos.
133
Joo Dias Talaia Souto Maior, como escravo que era, toda a sua famlia, da mesma Nossa Senhora.
e
que vinham sobrecellentes, eram offerecidos bizarramente pela cade 25,afora ossa real.
Os touros,
em numero
No mesmo anno pediu o padre Emygio Jos da Cospara organizar um combate de touros na Real Praa do Gommercio, a fim de adquirir uma avultada esmola destinada aos enfermos particularesta licena
da capital.
Os touros que ho-de morrer, dizia o programma, so dezeseis, que El-Rei N. Senhor e vrios fidalgosd'esta Corte
deram para o presente
dia.
Aqui temos, pois, as touradas de morte, que tanto horrorisam os portuguezes que a ellas assistem hoje em Madrid, Badajoz ou qualquer outra praa hespanhola.
Quantum mutalus ab Mo.Outro programma dizia:
.
.
o portuguez
I
Entrar Nicolau Theodoro, suhio (sic), vestido suhia com uma lana na mo, e sobre uma mesa porta do touril esperar
um
touro, e ao
tempo que o
investir lhe metter a lana, e repentinamente saltar por sima d'elle ; e ficando em p metter a mo es-
pada, e esperar o touro cara a cara, e promette matai o s estucadas ou s cotiladas.
Copia textualmente para conservar
toda
a
feio
434
histrica dorei a
programma. Pela mesma razo no
alte
ortbographia dos seguintes perodos que de ou-
tros vrios
programmas vou transcrever.
Entrar o Neto a fazer as cortezias ao Tribunal, e depois um breve divertimento de algumas danas, em
quanto os cavalleiros se pem promptos, e rodeando a praa sahir tudo para fora, entraro os quatro contendores a fazer as cortezias do costume ao Tribunal,primeiro lugar Theodoro Francisco Ribeiro, o qual j domingo passado entrou tambm em primeiro logar, e mostrou o quanto era destemido ; em segundologar Jacintho Pinto de Moraes, aquelle que domingo passado ficou sem capa, pelo Touro lha tirar dos hombros, e n'este dia a quer restaurar ; em terceiro logar Thomaz Csar, o polvilheiro, que por esta Cida-
em
de vende poz
(sic),
que tendo
noticias,
que domingo
passado os cavalleiros fizeram tantas proezas, quer elem quarto logar Carolos Antnio Canule imital-os;
te,
Genovez de Nao, com logea defronte do Palcio do Excellentissimo Monteiro Mr, sujeito de muito valor, e foras, e a figura muito especial, tem viajado pela China, e ndias de Hespanha, e quer mostrar con'estes paizes se tourea, etc.
mo
Seguir-se-ha logo o Contendor Bernardo de Maga lhes e Noronha, filho do Capito Mr de Formoselha,assistente no
campo de Coimbra, pessoa bem conhe-
cida n'esta corte, o qual pelo seu nascimento, e valor,
135
executar aces muito distinctas. Ter para combater 15 touros escolhidos das
melhores raas
;
ir
acom
panhado de seus criados ricamente vestidos, e capinhas, tudo com igual aceio.
cavalleiros
E logo entraro os contendores, que sero quatro do gosto dos senhores espectadores, em primeiro logar Loureno Antnio de Moraes Bandeira,
o qual desempenhar n'esta tarde o seu logar, pelas ralorosas aces que se esperaro do seu animo ; em
segundo logar Sebastio Antnio de Mendona, igual ao primeiro no mesmo valor; em terceiro lugar Francisco daSilva Alcntara, por appellido o fava secca, este sua parte
promette matar de rojo trs, ou quatro touros, por em quarto lugar se obrigar a isso no ajuste que fez Thomaz Csar, pulvilheiro d'esta cidade, e n'ella mui;
to
bem conhecido entraro estes quatro cavalleiros bem vestidos, e providos de bons cavalios, acompanha;
dos dos seus criados, homens de a fazer as cortezias, e acabadas
forcado, e capinhas
sairo
para fora a
mudarem de
cavalios
;
entraro
novamente, e cada
occupar um angulo da praa, e se iro seguindo cada um quando lhe tocar, esperar o touro sahida da porta do touril, ficando n'esta forma touriando,
um
sem haver perturbao de
logares,
somente quando
houver duellos os perdero para se desaggravarem. Entrar logo Neto e depois os contadores a faze-
remsa
as devidas cortezias ao Tribunal da Junta da
Ga
do
Infantado,
criado
do
quaes seros Caietano Romo, Excellentissimo Conde de Arcos, e Jooos9
136
Gaspar, Allemo de Nao, professor da arte de Cavallaria, de muitas foras e igual valentia, o que pertende fazer certoa p, e
neste combate; para o
que promette
pr-se esteja com todas as suas foras, e ao investir pegar-lhe em numa ponto grande cuta, e passando-lhe o p dar-lhe huma tilada, que, se fr no pescoo, lho deixar quasi se-
chamar hum {ouro, que
parado; e se fr no lombo, lhe cortar o espinhao, de sorte que lhe saio os intestinos pela ferida; e sepela violncia
do touro lh'o no puder fazer da
pri-
meira vez, tentar segunda e terceira; e no caso que o no possa conseguir apezar de toda esta diligencia
que promette fazer, chamar o touro de cara a cara, e pegando-lhe por ambas as pontas o deitar em terra de pernas assima, tudo com muita ligeireza, e desembarao: e se no fizer destas trs valentias huma perder
dez moedas de ouro, que tem depositado; e se executar das trs valentias alguma, as ganhar, etc.
Vejamos agora a nomenclatura que tinham os versos logares occupados pelos espectadores:
di-
Adverte-se que os preos dos camarotes do primeiro andar so a 600 ris a vara, e do segundo an-
dar
a
480
ris a vara; e as
trincheiras daris.
sombra
a
150
ris, e as
do
sol a
60
N'outros espectculos, que no fossem' touros, mas que se dessem em qualquer das praas, baixavam os
preos consideravelmente.
Assim, n'uma exhibio pyrotechnica,
feita
por
um
137
hespanhol de nao, os preos
dos
camarotes eram a
300
ris
por vara, tanto no/primeiro como no segundo
andar, e todos os palanques a 40 reis. Um outro programma, da Praa do Campo de San-
fAnna,
diz:
Os camarotes do andar de sima serocornado, (sic).
com mais
(1)
Comprehende-se quesculo anterior
o
sculo
XIX
recebesse do
uma
viva tradio tauromachica, que
enthusiasmavacujo
ainda o povo pelas antigas corridas,
brilho e perigo no tinham sido menores que nas praas de Hespanha. As mulheres de m vida no ficavam indifferentesa essa tradio;
no ficou a Severa, que zombava dasella,
suas collegasescola.
menos animosas do que
e
que
fez
Algumas raparigas do fado chegaramte
a
tomar par-
em
touradas.
Assim aconteceu n'uma corrida realizada em outubro de 1842.
A
Revista Universal, redigida por Castilho,
commeque
morou o acontecimentose perdeu j o feitio:
n'este suelto vernculo, de
A corrida de touros de domingo ultimo no Cam-
(1) Todas estas noticias foram colhidas n'uma curiosa colleco de programmas, coordenados em volumes de miscellanea, que existem na bibliotheca da Academia Real das Sciencias de Li sboa.
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po de SanfAnna pouca meno merece. Sim eram bravos os animaes; mas, exceptuando algumas quedas,alguns corpos humanos marrados e pisados, e algumas sades provavelmente arruinadas para sempre,
no houve ahi successo por onde
a tarde se podesse
figura humana, de pequeno interesse dramtico; preciso dar-lh'a prom-
chamar boa. Semear morte em vultos de
pta e estrondosa; doutrina corrente, aphorismo entre os partidrios do curro. Para descontar porma semsaboria da festa,
houve
n'ella a
novidade (pom-
posamente annunciadatal)
em
todas as esquinas da capi-
de uma rapariga a cavallo n'um rossinante, correndo ura toiro vara larga: o toiro, que a podia ter morto, contentou-se fidalgosa mente de dar-lhe uma lico; e mettendo os cornos pelos peitos ao cavallo, e
prumo, a despejou da sella, estirada de costas no meio da praa por entre os risos dos cira
arvorando-o
cumstantes
.
A mulher
forte,
com
razo assomada da descortedesaffrontar;e
recavalgou para damos que o houveras