Upload
others
View
1
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
Universidade Federal da Integração Latino-Americana Instituto Latino-Americano de Economia, Sociedade e Política
Projeto de Extensão Tekoha Guasu - Educação Patrimonial Campanha pelo Tombamento do
Marco das Três Fronteiras como Patrimônio Cultural
Abaixo-Assinado e Estudo sobre o Tombamento do
Marco das Três Fronteiras como Patrimônio Cultural Municipal
Solicitação de abertura do processo de tombamento pela Lei nº4470/16
Pedro Louvain Coordenador
Foz do Iguaçu 2018
2
ÍNDICE
INTRODUÇÃO.....................................................................................................4
CAPÍTULO I – PATRIMÔNIO CULTURAL: VETOR DA CIDADANIA...............8
1.1 – O Conceito de Patrimônio Cultural...............................................8
1.2 – O Tombamento como medida de Proteção.........................................10
1.3 - O Abaixo Assinado Enquanto Instrumento de Participação
Social......................................................................................................10
1.4 - Metodologia De Coleta De Assinaturas......................................12
CAPÍTULO II – DEMARCANDO A FRONTEIRA: A História do Marco das
Três Fronteiras.................................................................................................13
2.1 - Prelúdio..........................................................................................13
2.2 - O Contexto.....................................................................................14
2.3 - A Questão de Palmas...................................................................15
2.4 - A Resolução Pacífica e a Expedição de Demarcação...............20
2.5 - Dionísio Cerqueira – O Comandante da Expedição..................22
2.6 - Henrique Morize – O Astrônomo da Expedição.........................24
2.7 - Desenhando o Mapa - O Acervo do MAST.................................27
2.8 – Em direção à fronteira – A Expedição........................................28
2.9 - Foz do Iguaçu na passagem do século XIX para o XX..............38
2.10 - O longo retorno para casa.........................................................44
2.11 – Prólogo: A Resolução da Comissão........................................54
2.12 - Marco das Três Fronteiras como Símbolo da Paz e Exemplo
de Resolução Pacífica dos Conflitos Internacionais.........................62
3
2.13 - Lista de Exemplos de Litígios Territoriais na América Latina
Resolvidos de Forma Violenta.............................................................68
CAPÍTULO III – O TOMBAMENTO MUNICIPAL..............................................69
3.1 -A Lei Municipal nº 4470/16............................................................70
3.2 – Respondendo a Perguntas da Comunidade.............................71
O Tombamento traz prejuízo a Exploração Turística do Marco?....71
O Tombamento impede a concessão pública à iniciativa privada?.71
Quem será responsável pela proteção e conservação do bem
tombado?.............................................................................................72
O responsável legal pelo bem pode realizar qualquer alteração no
bem sem consultar o poder público?................................................72
O que muda no bem tombado?..........................................................73
E o entorno?.........................................................................................73
3.3 – O Conjunto dos Marcos das Três Fronteiras como Patrimônio
Cultural do Mercosul...........................................................................73
CONSIDERAÇÕES FINAIS..............................................................................75
AGRADECIMENTOS........................................................................................75
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.................................................................76
ANEXO I – ABAIXO ASSINADO......................................................................78
4
INTRODUÇÃO
Diferente do Patrimônio Natural de Foz do Iguaçu, fortemente
representado pelo Parque Nacional do Iguaçu, reconhecido como Patrimônio
Natural da Humanidade pela UNESCO e mobiliza forte visibilidade e
preservação, o patrimônio cultural da cidade, aquele relacionado com a ação
do homem no tempo, não parece estar tendo a mesma sorte. Apesar de sua
relevância nacional e internacional, nos quatro Livros de Tombo do Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional-IPHAN, não há nenhum tombamento
federal no município.
Apesar de a Constituição Federal de 1988, mencionar explicitamente a
proteção do patrimônio cultural (Art. 216), seu estado atual de abandono em
Foz do Iguaçu possibilita um sentimento de desvalorização do seu devido valor.
No nível federal, estados como SP, MG, BA e RJ possuem cerca de 200 bens
culturais tombados. No Paraná inteiro, há apenas 15 bens e nenhum está
localizado no município de Foz do Iguaçu, a despeito de sua importância
histórica nacional e internacional.
Essa situação não é muito distinta do âmbito estadual. O único bem
cultural que teve seu reconhecimento como portador da memória do povo
paranaense de forma oficializada através do instrumento do tombamento é o
Painel do Barrageiro, obra do artista curitibano Poty Lazzarotto, localizado no
Mirante Central da Hidrelétrica de Itaipu. Em uma ação da Secretaria Estadual
de Cultura do Paraná, o Mural foi tombado, em 2014, juntamente com outras
quarenta obras do artista que estão localizadas em diversas cidades do
Estado. Por mais que o Mural de Poty retrate uma fase importante do
desenvolvimento da cidade e a importante figura histórica do trabalhador
barrageiro, a motivação da abertura do seu processo de tombamento parecer
estar mais diretamente relacionado com a história do artista do que com a
singular história da cidade.
Tal situação não advém da inexistência de bens culturais, mas sim da
inexistência de políticas públicas para solicitar sua proteção oficial. Esta
situação facilita a destruição do patrimônio cultural iguaçuense e dificulta sua
5
preservação às gerações futuras. A garantia de um patrimônio cultural
valorizado e preservado é essencial para a promoção da cidadania. Esta
situação gera um quadro de “dano moral coletivo” à sociedade, pois um dos
elementos em que se fundamenta a comunidade nacional, bem como o
fortalecimento de sua identidade, é a valoração de seu patrimônio comum.
Apesar de o município ter tido uma lei de tombamento anterioremente, a
Lei Municipal Nº 1.500, de 24 de setembro de 1990, a mesma não ganhou
aplicabilidade. Esta situação facilita a destruição do patrimônio cultural
municipal e dificulta sua preservação às gerações futuras.
A Lei nº4470/16 constitui uma nova oportunidade para o povo
iguaçuense rever sua política de proteção e valorização do seu patrimônio.
Entre os bens culturais de maior relevância da cidade está o obelisco do
Marco das Três Fronteiras, construído em 1903, para celebrar a resolução
pacífica de um conflito territorial com a Argentina. Nota-se que tanto no século
XIX quanto no século XX, houve diversos conflitos militares entre países latino-
americanos por razões territoriais. Para citar alguns exemplos, a Guerra do
Pacífico, confrontando Chile às forças do Peru e Bolívia (1879-1883),
desastrosa Guerra do Paraguai (1864-1870), a Guerra do Contestado, entre
Paraná e Santa Catarina, a Guerra do Chaco, entre Bolívia e Paraguai (1932-
1935), a Guerra de Cenepa, entre Peru e Equador (1995). Milhares de nossos
conterrâneos pereceram em tais conflitos, que poderiam ter sido evitados
através de diálogos de paz. Porém, o litígio territorial que adentrou o século XX
entre a República do Brasil e a República Argentina felizmente não suscitou em
conflito armado e foi resolvido de forma pacífica.
Após demarcação por um grupo de cooperação Brasil-Argentina, que
ergueu cerca de 310 obeliscos nos 25 km de fronteira seca entre os dois
países, com distância média de 80 metros entre eles, de forma que todos
sejam intervisíveis, foi erguido um obelisco na margem brasileira e outro na
margem argentina, no encontro do Rio Iguaçu com o Rio Paraná. Tais dois
obeliscos não foram construídos para demarcar o território, pois os rios já o
demarcam facilmente na região. Inaugurados simultaneamente no ano de
1903, os obeliscos brasileiro e argentino foram erguidos também para celebrar
a paz e a resolução amistosa do litígio territorial. O obelisco paraguaio viria
6
mais tarde, em 1961, completando simbolicamente o conjunto da tríplice
fronteira. Assim, o Marco das Três Fronteiras é um bem cultural que pode
representar a resolução pacífica dos conflitos entre nossos povos. Entretanto,
não há nenhuma proteção jurídica que garanta sua proteção e impeça sua
descaracterização.
Recentemente a área do obelisco foi cedida ao consórcio Cataratas S/A,
para reformas e exploração turística. Não obstante, na narrativa histórica
construída no local, ainda não há menção substancial sobre a importância
histórica do obelisco. Para surpresa dos visitantes e dos próprios residentes da
cidade o bem cultural, todavia não se encontra tombado. É importante deixar
claro que no que tange a questão da atratividade econômica, bens culturais
tombados possuem forte potencial turístico, um exemplo disso é o fato de os
principais destinos turísticos do mundo, devido absolutamente ao seu
patrimônio histórico cultural preservado. Bens culturais tombados recebem
visibilidade e reconhecimento para além das localidades onde estão inseridos,
não inviabilizando a realização de atividades turísticas e econômicas, muito
pelo contrário, as impulsiona.
Apresentação da Campanha
O presente estudo e solicitação de abertura de tombamento são
provenientes de uma ação de extensão universitária intitulada Tekoha Guasu –
Educação Patrimonial, desenvolvida pela Universidade Federal da Integração
Latino-Americana, através dos Editais PROEX/UNILA nº 27/2015 e nº 39/2016.
A “Campanha pelo Tombamento do Marco das Três Fronteiras enquanto
Patrimônio Cultural” tem como principal objetivo a educação patrimonial. Sabe-
se que o patrimônio cultural não fala por si próprio, é necessário que a
comunidade estabeleça uma narrativa sobre ele, narrativa essa que se vincula
a construção da própria identidade local. O bem cultural, além de mera peça
decorativa, liga a memória social à trajetória da ocupação humana no território.
É oportuno informar que a ideia para o desenvolvimento da atual ação
de extensão é oriunda de uma atividade pedagógica realizada originalmente no
ensino fundamental da rede pública estadual, mais precisamente no Colégio
Estadual Ayrton Senna, em 2014. A partir de uma atividade didática de votação
7
sobre qual bem cultural deveria ser tombado em Foz do Iguaçu, o corpo
discente chegou ao nome do Marco. Promovendo um grande exercício de
cidadania coletiva, a equipe do projeto decidiu levar a vontade dos estudantes
às instâncias oficiais de proteção.
Consonante com ao presente estudo foi desenvolvida uma campanha na
comunidade iguaçuense e internacional com objetivo de sensibilizar e coletar
assinaturas para um abaixo-assinando reivindicando o tombamento do bem
cultural. Este abaixo-assinado, anexado ao presente estudo, encaminha-se ao
presidente da Fundação Cultural de Foz do Iguaçu, solicitando a abertura do
processo de tombamento do bem cultural em questão, para a apreciação do
Conselho Municipal de Patrimônio Cultural (CEPAC).
Não obstante, é importante ressaltar que o tombamento cultural não
constitui um fim em si, mas um meio para se atingir a garantia dos direitos
culturais, a valorização da memória social e a promoção da cidadania.
Agradecemos a todos as dezenas de pessoas que de alguma maneira
ajudaram a construir esse projeto.
Pedro Louvain1
Coordenador da Campanha
1 Bacharel e Licenciado em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF), Mestre em Museologia e Patrimônio pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro e Museu de Astronomia e Ciências Afins (UNIRIO/MAST), Técnico em Assuntos Educacionais da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (ILAESP/UNILA).
8
CAPÍTULO I – O PATRIMÔNIO CULTURAL COMO VETOR DA CIDADANIA
O patrimônio, objeto de estudo da museologia, não se restringe ao meio
ambiente natural, mas inclui as obras construídas ou alteradas pela ação
humana, devendo, portanto, ser tutelado coletivamente, para garantir sua
transmissão às gerações futuras. Assim, os bens que constituem o patrimônio
cultural devem possuir significado e valor para a coletividade, constituindo
referências simbólicas e representando seus distintos grupos integrantes.
Diante da agressão e do descarte arbitrário do seu patrimônio, do
menosprezo e descredito aos seus direitos culturais, a comunidade é “atingida
em relação aos seus valores intangíveis, em face, em especial, do estado
coletivo de menosprezo” (BLANK, 2013, p.8). Portanto, é indispensável pensar
o patrimônio congregando cultura, identidade e memória, considerando que a
cultura nacional fortalece a imagem que a sociedade tem de si, legitimando a
salvaguarda do patrimônio cultural, inclusive enquanto campo de conflito entre
as diversas leituras e construções possíveis.
Pensar no patrimônio cultural de Foz do Iguaçu significa pensar o
patrimônio comum da cidade para além do seu patrimônio natural. As
Cataratas do Iguaçu, consideradas como Patrimônio Natural da Humanidade
pela UNESCO desde 1984, destoa em visibilidade e proteção dos bens
culturais da cidade.
No contexto da integração na tríplice fronteira, é de suma importância a
construção de uma valorização cultural diversificada em prol da consolidação
dos direitos culturais fundamentais para uma cidadania latino-americana plena.
A educação patrimonial escolar não é o único meio para se chegar a tais
anseios, mas indubitavelmente é um dos mais indispensáveis.
1.1 O Conceito de Patrimônio Cultural
Para compreender o termo patrimônio é importante verificar que,
segundo Gonçalves (2005, p.17), este é requalificado por múltiplos adjetivos e
parece não “haver limite para o processo de qualificação dessa palavra”.
9
Tereza Scheiner qualifica como patrimônio “todo espaço, território, lugar,
atividade humana ou produto dessa atividade” (SCHEINER, 2007, p.38).
Engana-se quem associa a palavra patrimônio ao estático, ao perene e
ao passado. Valor fundamental, o patrimônio cultural constitui a identidade de
cada sociedade ou grupo social, sendo dinâmico em sua essência, pois este
acompanha a evolução dos campos simbólicos, impossibilitando associá-lo à
ideia de permanência. “Mais que dinâmica, a essência do patrimônio é
duplamente fugaz: ela é um ato criativo e, portanto, intangível em sua própria
natureza” (SCHEINER, 2004, p.72).
Como construir uma identidade coletiva envolvendo diversas
culturalidades e que muitas vezes não possuem passado histórico comum? O
patrimônio cultural participa ativamente nessa construção. Nas palavras de
Gonçalves:
A nação, enquanto uma ‘comunidade imaginada’ (Anderson 1989), pode vir a ser construída discursivamente, enquanto uma literatura (como é o caso das ‘literaturas nacionais’), enquanto língua nacional, enquanto uma ‘raça’, um folclore, uma religião, um conjunto de leis, enquanto uma política de Estado visando à independência política e econômica, ou, ainda, uma política cultural visando à recuperação, defesa e preservação de um ‘patrimônio cultural’. (GONÇALVES, 1996, p.12)
Por isso, não se pode subestimar o poder simbólico do patrimônio. Ou
relegá-lo como subtema diante de outras questões de “maior relevância”.
Entretanto, não se pode enxergá-lo de maneira cristalizada, como uma
categoria monolítica, absoluta e inorgânica, a ser vista de forma homogênea
por todos os indivíduos.
Assim como o processo de invenção da “identidade” pode ser visto em
diferentes lugares e contextos históricos, assim é a relação das sociedades
com seus bens culturais. Nesse sentido, a capacidade de interpretação é uma
peça-chave.
Para Freeman Tilden (1957, p.4), a função dos defensores desses
tesouros é a interpretação, que não é uma tarefa simples. A interpretação é um
dispositivo de educação, e pode ser realizada de formas diferentes. Todo
grande professor, por exemplo, é um grande interpretador. Tilden percebe que
10
somente inspiração não é o bastante, se o interpretador não estiver ciente de
certos princípios (1957, p.4). A interpretação depende de uma pesquisa bem
direcionada e discriminada. Tanto a autenticidade histórica quanto a
interpretação apropriada demandam fatos. “A pesquisa é uma maneira de obter
tais fatos”, “não há substituto a isso” (TILDEN, 1957, p.5, tradução nossa).
Entretanto, o autor ressalta que a “instrução” deve dar lugar à
provocação reflexiva (1957, p.32). Nesse sentido, Tilden acaba por convergir
com a crítica de Demerval Saviani à educação liberal reprodutivista. Para
Saviani, as tendências pedagógicas liberais acríticas, como a escola tecnicista
e a tradicional, buscam entregar de forma acabada e verticalizada o
conhecimento aos educandos, através de “especialistas supostamente
habilitados, neutros, objetivos, imparciais” (SAVIANI, 1984, p.17). Portanto, a
crítica à “educação bancária”, como notoriamente e inexaustivamente
denunciava Freire, pode ser de grande relevância no que tange o exercício
coletivo dos direitos culturais através do acesso ao patrimônio de qualquer
tipologia.
1.2 - O Tombamento como medida de Proteção
Tombamento é uma medida de acautelamento que visa proteger o bem
cultural para as gerações futuras, instituída enquanto figura jurídica no nível
federal pelo Decreto-Lei nº 25/37, e no nível estadual pela Lei nº 1.211/53 e no
municipal pela Lei nº 4.470/16. No Brasil, o Decreto-Lei nº25/1937, instituído
por Getúlio Vargas, cria a figura jurídica do Tombamento, nomenclatura oriunda
do arquivo público português chamado Torre do Tombo. Como pode um decreto
de um presidente que governou sob regime ditatorial em duas ocasiões
sobreviver ainda hoje? A resposta de sua relevância reside na proteção da
memória coletiva.
1.3 - O Abaixo Assinado enquanto Instrumento de Participação Social
A proteção ao patrimônio cultural brasileiro não é responsabilidade
apenas do poder público. A própria Constituição Federal determina que isso
seja feito em comunhão com a comunidade (art. 216, §1º). Segundo informa a
11
Secretaria Estadual de Cultura do Paraná, através do seu sítio eletrônico:
Importante ressaltar a importância destes tombamentos na medida que em todos os casos houve o envolvimento das comunidades, através de abaixo-assinados ou pedidos oficializados por representantes, num verdadeiro manifesto de cidadania por parte daqueles que consideraram o tombamento um instrumento viável para a preservação do patrimônio cultural local.(GRIFOS NOSSOS)
O abaixo-assinado enquanto instrumento social é de grande importância,
pois o patrimônio cultural não é apenas responsabilidade do estado. Sem
mobilização social será difícil que o governo o vincule às necessidades da
população, por isso é necessária sua apropriação coletiva e democrática, para
que todos encontrem nele um significado e compartilhe-o (CANCLINI, 1994).
Nesse sentido, pode-se afirmar que:
Do papel justificador e unificador do sentimento de nação, o patrimônio não pode, na perspectiva das sociedades contemporâneas (referindo-me aqui, sobretudo ao caso brasileiro e possibilitando pensar também a realidade latino-americana) ser abordado apenas como uma ideologia da memória ou testemunhos de uma história do poder. Na verdade podemos atribuir à categoria patrimônio as mais diversas funções que passam da sua institucionalização ao sentimento, das políticas públicas às emoções que o mesmo suscita. (FERREIRA, 2009, p.189)
Há um fato interessante que demonstra o quanto o Oeste do Paraná
encontra-se alijado da política oficial de proteção cultural. Ainda segundo a
Secretaria Estadual supramencionada, no que tange os bens culturais
tombados em sua esfera:
A maioria destes bens tombados estão localizados na região determinada geopoliticamente como Paraná Tradicional (o litoral, primeiro planalto e parte do segundo). Esta é a região que sofreu as primeiras ações de povoamento em nosso Estado.
Portanto, a região onde se localiza Foz do Iguaçu, no terceiro planalto,
está em uma área desprivilegiada das políticas de tombamento, o que não
significa a inexistência de bens culturais na região, muito pelo contrário, torna-
se mandatório cada vez mais valorizar a memória da região de fronteira e suas
singularidades e interseções com a história das demais regiões do país e além
dele.
12
1.4 - Metodologia De Coleta De Assinaturas
O primeiro passo foi realizar uma campanha na sociedade iguaçuense
de convocação para a inscrição de voluntários interessados em recolher
assinaturas para o Abaixo-assinado e participar das atividades. O voluntário
recebeu cópias do abaixo-assinado, bem como material de divulgação
explicativo da campanha. Foram realizados encontros eventualmente. Ao fim
da Ação de Extensão o colaborador recebeu certificado da Campanha de
Tombamento do Marco das Três Fronteiras, enquanto parte da equipe
executora da ação de extensão.
Além disso, foram realizadas diversas atividades educacionais: como
comunicações orais em espaços distintos, pôsteres em encontros,
panfletagens, debates, publicações de matérias e divulgação na mídia local.
Posteriormente, com as assinaturas reunidas e em conjunto com o
estudo sobre o bem cultural protocolamos hoje na Fundação de Cultura de Foz
do Iguaçu, a solicitação de abertura do processo de tombamento do Marco das
Três Fronteiras, de acordo com a Lei 4.470/16, a tramitar em seus respectivos
órgãos competentes de acautelamento de patrimônio cultural. Naturalmente,
esta ação se responsabiliza em acompanhar a instrução do processo e
publicitar socialmente seus trâmites, pois o que torna um bem material em
patrimônio cultural é sua apropriação e valoração coletiva e o envolvimento
social na execução dessa ação de extensão foi, desde primeira hora, condição
sine qua non para sua realização.
13
CAPÍTULO II – DEMARCANDO A FRONTEIRA: A História do
Marco das Três Fronteiras
2.1 – Prelúdio
No período colonial, houve diversas desavenças entre Portugal e
Espanha sobre as fronteiras que separavam seus territórios americanos. A
defasagem do Tratado de Tordesilhas (1494), provocada principalmente pela
inserção continental dos bandeirantes, procurou ser resolvida com o Tratado de
Madri (1750), utilizando-se o principio romano do uti possidetis, que garante a
posse do território apenas a quem de fato o ocupa. Nesse tratado, Portugal
assegurava os atuais estados do Rio Grande do Sul, partes de Santa Catarina
e Paraná e cedia a Colônia de Sacramento, abrindo mão da sua influência no
estuário do Rio da Prata.
Não obstante, os trabalhos de demarcação prosseguiram de forma lenta
e precária principalmente pela dificuldade de locomoção e sobrevivência em
uma região inóspita e exposta a ataques indígenas guaranis. Como
consequência direta, o Tratado de Madri provocou a Guerra Guaranítica (1754-
1756), pois os missioneiros espanhóis em conjunto com os índios aculturados
se recusavam a deixar suas missões no atual solo brasileiro e mudar-se para a
outra margem do rio Uruguai. Essa mudança significava deixar seus lares aos
portugueses, associados pelos índios aos bandeirantes que saqueavam e
destruíam seus povos, escravizando sua gente algumas décadas atrás.
Em 1759, formou-se uma comissão que partiu para explorar e demarcar
a área. Como havia pouco conhecimento topográfico da região, era necessária
a presença de índios e mestiços para guiar a equipe e fornecer informações
sobre os rios e montanhas utilizados como limites fronteiriços. A missão da
comissão era realizar a demarcação a partir de dois grandes rios, o Uruguai e o
Iguaçu, utilizando rios menores para conectá-los, o rio Peperi-Guaçu, que já
havia sido usado como limite desde o século XVII, e o rio Santo Antônio.
Enquanto a turma de demarcadores portuguesa explorava e determinava os pontos geográficos, os espanhóis avançaram em território português na margem direita do rio Uruguai em direção a foz de outro rio que já figurava, embora sem nome, nos mapas do começo desse século. A partir deste rio que nomearam de Peperi-Guassú, buscaram no lado oposto da
14
serra um rio para fazer a ligação entre os dois grandes rios. Na realidade estes rios eram, respectivamente, o Chapecó e o Jangada. (CAPILÉ E VERGARA, 2013)
Pela interpretação espanhola, os portugueses perderia um imenso
território de 30 mil quilômetros quadrados, abrangendo a parte ocidental de
Santa Catarina e Paraná, tomando quase a totalidade da comarca de Palmas.
Apesar de ter sido anulado pelo Tratado do Pardo (1761), o Tratado de Madri
foi importante para a definição das linhas gerais dos contornos naturais (rios e
montanhas) usados no Tratado de Ildefonso (1777).
Os litígios territoriais continuaram com a independência das colônias e o
Império do Brasil tinha dificuldades de gerenciar um vasto território e, à
exemplo do que ocorreu na América hispânica, a possibilidade de
fragmentação desse território em países menores era real. Por mais que o
governo imperial tenha tentado elaborar uma nova comissão para resolver o
problema dos nomes e localização dos rios, nem as atividades científicas nem
a diplomacia bilateral conseguiram uma solução. Com a queda do Império, o
impasse ficaria na responsabilidade da jovem república brasileira para
resolução.
2.2 – O Contexto
Na época do erguimento do obelisco do Marco das Três Fronteiras, em
1903, diversas guerras já haviam assolado a América Latina desde a
proclamação de independência de seus países. Apenas para citar algumas, a
Guerra do Peru contra a Bolívia (1841), depois Peru e Bolívia contra Chile nos
5 anos da Guerra do Pacífico (1879-1884). Entre o espaço cronológico de tais
guerras, o México perderia grande parte do seu território em um conflito
armado contra os EUA (1846-48), bem como a desastrosa Guerra do Paraguai
(1864-1870). Todos esses conflitos e demarcações territoriais foram resolvidos
de forma bélica e sangrenta.
Na passagem do século XIX para o XX, a fronteira entre Brasil e
Argentina ainda era obscura e controversa (Figura 1), o conflito parecia
eminente. O que não seria novidade. Tais países já haviam protagonizado a
15
Guerra da Cisplatina, de 1825 a 1828, quando o Império Brasileiro disputou
com a jovem República Argentina a posse do atual Uruguai, e que por
influência estrangeira, ambos acabaram de mãos vazias e a consequente
criação de um novo país. Mais tarde, o Império do Brasil ainda teria guerreado
contra a Argentina mais três vezes, na Guerra Grande (1851), na Guerra do
Prata (1852) e na Guerra do Uruguai (1864-1865).
Figura 1 – Área em disputa BRA x ARG. Foto: Autoria desconhecida.
Porém entrar em guerra naquele momento com a Argentina seria para o
Brasil ter guerra em duas fronteiras, pois já estava em conflito armado com a
Bolívia, na Guerra do Acre (1899-1903). A expansão rumo ao extremo oeste do
norte do país foi potencializada pela importância da borracha, levando ondas
migratórias de colonos brasileiros ao território boliviano e assim violando o
Tratado de Ayacucho (1867), que reconhecia a posse boliviana sobre toda a
região do atual estado do Acre (Figura 2). No mês de julho de 1899, os colonos
brasileiros proclamaram a República do Acre, porém o governo brasileiro,
reconhecendo a região como território boliviano, envia tropas para dissolver a
revolta no ano seguinte.
Apesar das tentativas bolivianas de colonizar a região, os revoltosos
proclamaram a Segunda República do Acre, em novembro de 1900, com ajuda
16
do governador do Amazonas. Tal atitude provocou a reação da Bolívia que
enviou tropas para a região e debelou mais uma vez o movimento. Em 1902,
no mesmo ano em que se iniciavam os trabalhos a Comissão de Demarcação
da fronteira Argentina e Brasil, os rebeldes tomaram toda a região em disputa
com a Bolívia e proclamaram a Terceira República do Acre. A Bolívia começou
a se preparar para realizar uma invasão massiva a região, não obstante, dessa
vez, os revoltosos contavam com apoio do presidente brasileiro, Rodrigues
Alves, uma guerra mais ampla entre os dois países era quase certa.
Figura 2 – A Questão do Acre. Foto: Autoria desconhecida.
Além do litígio com a Bolívia ao norte, a fronteira entre os estados de
Paraná e Missiones não estava definida ao sul, constituindo mais um desafio
para a diplomacia sul-americana e um momento de incerteza nas relações
internacionais da região. Esse antigo impasse territorial ficou conhecido como a
Questão de Palmas.
17
2.3 - A Questão de Palmas
Até 1888, a Argentina reivindicava as margens ocidentais do Rio
Chapecó até o rio Uruguai, e do Rio Chopim ao Rio Iguaçu. O governo
argentino converteu em território nacional a província de “las Misiones”, dividiu
a região em cinco departamentos e estendeu seu domínio para leste.
Uma área que abrangeria dezenas de municípios paranaenses e
catarinenses (Figura 3). No Paraná, a área pleiteada pela Argentina envolvia
alguns municípios como: Palmas, Pato Branco, Francisco Beltrão, Realeza,
Clevelândia, Dois Vizinhos, Barracão e Cruzeiro do Iguaçu; e, em Santa
Catarina: São Miguel do Oeste, Dionísio Cerqueira, Maravilha, Pinhalzinho,
Palma Sola, Campo Erê, Santa Helena, Cunha Porã e Iporã do Oeste.
Figura 3: Área pretendida pela Argentina antes e depois de 1888.
Foto: Autoria desconhecida.
Porém esse avanço se fez em terras de posse histórica brasileira e
jurisdição do Império. Além disso, era uma área de pecuária que possuía
núcleos de povoamento, como Boa Vista ou Palmas do Sul, Clevelândia (1838)
e Palmas (1855). Após correspondência trocada entre os países, o Brasil
promoveu a instalação de colônias militares dos rios Chopin e Chapecó,
18
objetivando promover a defesa da fronteira. Em 1885, formou-se uma comissão
binacional para explorar os rios e o território. A reunião realizada e Montevidéu
provocou desentendimentos principalmente por dúvidas sobre a localização do
rio Chopim, que os comissários argentinos entendiam ser o rio Jangada.
Após 1888, o país platino passou a reivindicar que a fronteira
aumentasse do Rio Chopim, ao Rio Jangada expandindo seu território até as
margens de Portão União, já quase no centro do atual estado de Santa
Catarina, determinando que o Brasil cedesse mais uma área que englobava os
atuais municípios de Chopinzinho, Mato Branco, São João, Dr. Antônio
Paranhos, Gramados e Saudade do Iguaçu, correspondendo a 30.621 km², que
pelo censo de 1890, abrigava 5.793 habitantes, sendo 5.763 brasileiros, 30
estrangeiros e nenhum argentino.
A área em litígio tinha uma importância econômica devido a sua terra
fértil e zona de campo aberto boa para pecuária, além disso, era grande
produtora de erva-mate, largamente consumida pelo mercado argentino. Havia
na área também uma grande relevância estratégica e geopolítica, pois o Brasil
ficaria reduzido no trecho a uma faixa de terra, do litoral ao rio Jangada, com
extensão de 40 léguas, separando o extremo sul do resto do país e criando
dificuldades de comunicação e defesa do território.
A pretensão argentina teve prenúncio de guerra, mas, ao final dos trabalhos da Comissão, o ministro argentino Henrique Moreno propôs a divisão igual do território, através da média geométrica entre os quatro rios, mas a proposta, embora refutada pelo Conselho de Estado, acabou levando à assinatura do tratado de setembro 1889, através do qual, ambos os países se comprometeram a fixar diretamente a linha divisória dos respectivos territórios, no prazo de 90 dias, do contrário a questão seria submetida à decisão arbitral, sem recurso; confiada ao presidente dos Estados Unidos da América. Esse foi o último ato internacional assinado pelo imperador D. Pedro II, pois em 15 de novembro a República foi proclamada. (PINTO, 2013)
No limite acordado por Quintino Bocaiuva e Zeballos, no Tratado de
Montevidéu, em 25 de Janeiro de 1890, foi traçado uma linha reta do Rio
Uruguai ao Rio Iguaçu, da foz do rio Chapecó à foz do rio Chopim, para tentar
solucionar a questão dos limites entre as repúblicas (Figura 4). O objetivo era
19
realizar uma divisão igual do território traçando a média geométrica da área.
Tal tratado foi interpretado como benéfico à Argentina e ruim ao Brasil,
que realizaria concessão territorial de áreas que já tinha certo povoamento
brasileiro e possuía um artigo que o submetia à aprovação da Assembleia
Constituinte do Brasil e ao Congresso Argentino. Na Argentina o tratado foi
amplamente festejado pela impressa, e quando Quintino Bocaiuva visitou
Buenos Aires após a assinatura foi recebido de forma calorosa, adjetivada de
“principesca” pelo noticiário brasileiro.
No Brasil, a abordagem da impressa foi oposta, acusando o acordo de
traição à pátria, subserviência internacional e até de “argentinismo”. A
comissão do Congresso Brasileiro opinou em seu relatório por rejeitar o Trato
de Montevidéu e pelo recurso ao arbitramento, e seu parecer foi aprovado por
142 votos contra 5, em agosto de 1891, não homologando, portanto o acordo.
O governo brasileiro ainda tentou propor um acordo direto depois disso, porém
os argentinos recusaram. Após o episódio, Quintino Bocaiuva foi substituído
por Dionísio Cerqueira.
Figura 4 – Linha demarcatória do Tratado de Montevidéu.
Fonte: Museu de Astronomia e Ciências Afins.
20
2.4 - A Resolução Pacífica e a Expedição de Demarcação
Iniciaram novas tratativas diplomáticas entre os governos, dessa vez foi
solicitado que o presidente dos EUA, Grover Cleveland, arbitrasse a disputa. A
questão ficou conhecida como a Questão de Palmas (1893-1897), devido ao
município de Palmas/PR.
Na Comissão de Litígio, o lado brasileiro foi representado pelo barão de
Aguiar Andrade, enquanto a Argentina nomeu Nicolas Clavo, porém os dois
morreram na fase preliminar do trabalho e foram substituídos por José Maria da
Silva Paranhos Júnior, o Barão do Rio Branco e o chanceler Dionísio
Cerqueira, e pelo lado argentino mais uma vez o chanceler Estanislao Zeballos.
Os países litigantes deveriam montar um relatório apresentando
fundamentação que embasasse seus argumentos em um prazo de 12 meses
para apresentar suas exposições, documentos e títulos de seus direitos, prazo
que depois foi prolongado por mais 6 meses.
O Barão do Rio Branco possuía amplos estudos na área de história e
geografia e já tinha experiência com a questão. Aos 25 anos, em 1870,
secretariou o pai, o Visconde do Rio Branco, nas negociações de paz com os
países envolvidos na Guerra do Paraguai. A defesa apresentada baseou-se em
um vasto trabalho de pesquisa histórica, geográfica e jurídica, e o relatório
conferido ao arbítrio possuía 6 volumes e apêndices, escrito em inglês, 63
mapas, sendo muitos deles confeccionados exclusivamente para o relatório e
muitos outros eram raros e de antiga datação. Para embasar a defesa, foi
utilizado o Mapa das Cortes, de 1749, encontrado no Depósito Geográfico do
Ministério dos Negócios Estrangeiros da França, demonstrando claramente a
localização do rio Peperi-Guaçu e do Santo Antônio, seu contravertente. “A
exposição de Rio Branco foi considerada um completo tratado geopolítico da
região, como também foi admirada como trabalho literário e artístico de valor
fora do comum.” (PINTO, 2013) Sobre o relatório apresentado pelo Brasil,
ainda pode-se afirmar que:
O levantamento para a confecção do relatório elaborado pelo Barão do Rio Branco, auxiliado pelo General Dionísio Cerqueira, consistia em diversas fotografias, mapas com indicações de fronteiras, documentos de antigos tratados, relatórios e correspondências das antigas metrópoles, etc. O
21
texto relata a história da região desde o tempo em que os bandeirantes ali se concentravam para atacar as missões do Uruguai, apresenta os diversos tratados, possui mais de 60 mapas confeccionados exclusivamente, e explana sobre os trabalhos das comissões demarcadoras anteriores, comparando as posições geográficas dos rios originais e os rios que os argentinos supunham ser. (CAPILÉ E VERGARA, 2013)
Em fevereiro de 1895, o presidente estadunidense arbitrou em favor do
relatório brasileiro, estabelecendo a fronteira entre os países nos rios Peperi-
Guaçu e o Rio Santo Antônio e seus respectivos cursos. “O laudo ainda
confirmava que os rios Pepiri-Guaçu e Santo Antônio eram aqueles mesmos
localizados e demarcados em 1759 e 60 pelos comissários portugueses e
espanhóis, do Tratado de Madri”. (PINTO, 2013)
Nesse traçado, que é o traçado atual, a extensão total da fronteira entre
os dois países é de 1261,3 quilômetros, formado por 4 rios (Uruguai, Peperi-
Guaçu, Santo Antônio e Iguassú) e mais 25 quilômetros de fronteira seca.
Porém, para a real execução do tratado era necessário demarcar fisicamente o
território, uma operação de certa complexidade para a tecnologia da época
(Figura 5) e devido ao grande isolamento da região. Para fins de evitar
controvérsias futuras, fixou-se a exigência do levantamento de marcos.
Figura 5 – Fototeodolito Laussedat - Instrumento utilizado na demarcação da fronteira. Fonte: Acervo do Museu de Astronomia e Ciências Afins.
22
No tratado de 1898, assinado por Dionísio Cerqueira e Zeballos, a
comissão mista de ambas as nacionalidades decidiu estabelecer marcos
principais, para determinar pontos geográficos mais relevantes, e marcos
secundários, colocados ao longo da fronteira seca, a cada aproximadamente
80 metros, de forma que fossem intervisíveis entre si, bem como nas principais
ilhas fluviais e em outros trechos. Para executar essa tarefa, foi necessário
mobilizar militares, cientistas, engenheiros, pedreiros e demais ajudantes.
Apenas para ter-se uma noção da importância dessa expedição demarcatória,
o próprio Dionísio Cerqueira em pessoa foi escalado para comandá-la.
2.5 - Dionísio Cerqueira – O Comandante da Expedição
O baiano Dionísio Evangelista de Castro Cerqueira nasceu em 1847,
filho de médico, neto de veterano das lutas pela Independência e primo de
terceiro grau do poeta Castro Alves. Aos 17 anos, pouco após o início da
Guerra do Paraguai, alistou-se como voluntário. Não demorou muito e foi
promovido a primeiro-tenente por atos de bravura no campo de batalha.
Em 1874, obtém os títulos de engenheiro militar e civil e bacharel em
ciências e matemáticas, reunindo então a experiência adquirida no campo de
batalha com conhecimentos científicos. Esse diferencial lhe rendeu importantes
nomeações para comissões de diferentes ramos de atividades, tais como as
obras de abastecimento de água da cidade do Rio de Janeiro e a construção
do reservatório de Pedregulho, realizadas entre 1877 e 1882, e inauguradas
pelo imperador dom Pedro II em 1883.
Entre 1879 e 1885, foi nomeado para a Comissão de Limites entre o
Brasil e a Venezuela, chefiada pelo tenente-coronel Francisco Xavier Lopes de
Araújo. Seu relatório de exploração, apresentado ao Ministério das Relações
Exteriores, serviu de base para o estabelecimento definitivo da fronteira entre
os dois países.
Em 1886 foi nomeado para integrar a comissão brasileira encarregada
de solucionar em definitivo a questão de limites entre o Brasil e a Argentina.
Percorreu e estudou a região de 1886 a 1889, buscando localizar todos os
marcos estabelecidos por portugueses e espanhóis no século XVIII. O
23
resultado foi um tratado firmado em sete de setembro de 1889, prevendo o
arbitramento do litígio pelo presidente dos Estados Unidos, com a incumbência
de julgar a propriedade da área em disputa, baseando-se na documentação
apresentada pelas partes.
Com a proclamação da República, foi nomeado pelo marechal Deodoro
da Fonseca, chefe do governo provisório, para acompanhar Quintino Bocaiúva,
ministro das Relações Exteriores, a Montevidéu, em 1890, como seu consultor
técnico para estabelecer definitivamente os limites. Na pressa de solucionar a
questão amistosamente e construir uma boa imagem do governo provisório,
Quintino Bocaiúva assina o Tratado de Montevidéu com Estanislau Zeballos,
ministro do Exterior da Argentina, que como dissemos anteriormente, dividia a
região em litígio em partes iguais entre as duas nações, sendo vantajoso à
Argentina, pois parte dessa região já havia sido ocupado por brasileiros e era
uma região muito remota para a ocupação argentina.
Não obstante, como deputado constituinte, Dionísio foi relator da
comissão encarregada de avaliar o Tratado de Montevidéu. Seu parecer
rejeitando o tratado foi aprovado por quase unanimidade. Pouco tempo depois,
Floriano Peixoto nomeia-o representante em uma missão diplomática aos
Estados Unidos para tentar obter um tratado mais vantajoso ao Brasil na
demarcação dos limites. O chefe da missão inicialmente foi o barão de Aguiar
de Andrada, porém com seu falecimento foi substituído por José Maria da Silva
Paranhos Júnior, o barão do Rio Branco, que utilizou a documentação
levantada por Dionísio Cerqueira nos arquivos de Madri, para elaborar sua
exposição ao árbitro da questão. Em 1892, o presidente dos Estados Unidos,
Stephen Grover Cleveland, diante aos argumentos apresentados, decidiu a
favor do Brasil.
Devido ao sucesso do acordo, foi nomeado para o Ministério das
Relações Exteriores (1894-1898), pelo presidente Prudente de Morais, e em
1897, coube-lhe assinar o Tratado pelo qual Brasil e França se
comprometeram a submeter à arbitragem do governo da Confederação Suíça a
disputa sobre os limites entre o Brasil e a Guiana Francesa, indefinido desde
1713, quando também obteve vantagens ao pleito brasileiro. No ano seguinte,
24
assinou o tratado que finalmente consagrou a fronteira entre Brasil e Argentina.
Com a mudança de governo em 1898, deixou o ministério. Retornando ao seu
mandato de deputado na Câmara, se envolveu no caso da delimitação dos
limites entre Brasil e Bolívia, na disputa pelo Acre.
Em 1901, Dionísio Cerqueira foi convidado para chefiar a Comissão
Brasileira encarregada da demarcação da fronteira que fora estabelecida pelo
Tratado de 1899, assinado por ele próprio enquanto ministro das Relações
Exteriores, e que resultara do demorado processo de negociação no qual havia
desempenhado tão decisivo papel.
Figura 6 – Dionísio Cerqueira comandando a Expediação. Foto: Henrique Morize – Acervo MAST
Iniciados os trabalhos de demarcação, inaugurou, a 26 de setembro de
1902, o principal marco na foz do rio Peperi-Guaçu. Nessa comissão, a
presença de um astrônomo era essencial para ajudar na precisão dos cálculos
de cartografia. Sendo assim, o Ministério das Relações Exteriores solicitou ao
Observatório Nacional um profissional para a tarefa, e o escalado para a
missão foi o astrônomo Henrique Morize.
25
2.6 - Henrique Morize – O Astrônomo da Expedição
Henrique Charles Morize nasceu em 1860 em Beaune, na França, e se
mudou para o Brasil em 1874, onde se naturalizou dez anos depois. Formou-se
em engenheira industrial na Escola Politécnica do Rio de Janeiro em 1890. No
ano seguinte começou a trabalhar como astrônomo no Observatório Nacional-
ON, onde se ocupou de diversas atividades de relevância.
Figura 6 – Criado originalmente em 1827, o Observatório Nacional é um dos órgãos mais antigos da ciência brasileira.
Foto: Acervo MAST
No ON, realizou observações astronômicas propriamente ditas, como
pesquisas do céu, observações das manchas solares, observações meridianas
para dar a hora do porto e regular os cronômetros. Não demorou muito e foi
indicado para participar da Comissão Exploradora do Planalto Central. Tornou-
se catedrático de física experimental a partir de 1898, da Escola Politécnica do
Rio de Janeiro. Foi precursor dos estudos sobre raios X e da climatologia no
26
Brasil, tendo participado da fundação da Sociedade Brasileira de Ciências e
depois da Academia Brasileira de Ciências, da qual foi o primeiro presidente.
Devido à necessidade de fixar os limites do país com a Bolívia, o
Governo da República convocou o Dr. Luiz Cruls, diretor do ON na época,
posto à disposição do Ministério das Relações Exteriores para servir como
Chefe da Comissão de Limites, a partir de 1900. Devido a essa razão, o
astrônomo Henrique Morize assumiu a direção do Observatório, que exerceu o
cargo durante todo o ano de 1901 enquanto o diretor efetivo se encontrava na
Comissão de Limites com a Bolívia. Em abril de 1902, a pedido do então
general Dionísio Cerqueira na qualidade de chefe da Comissão de Limites com
a Argentina, foi solicitado mais um funcionário do ON para o Ministério das
Relações Exteriores. Como Dr. Cruls ainda estava na comissão de demarcação
com a Bolívia, foi posto o astrônomo Henrique Morize à disposição daquele
Ministério para atuar como 2º comissário na demarcação argentina.
Figura 7 – Membros da Expedição com Morize ao centro.
Foto: Henrique Morize – Acervo MAST
27
Entre suas principais funções na comissão foi determinar pelo método
telegráfico a longitude da cidade de Uruguaiana/RS. As observações
necessárias foram efetuadas à luneta meridiana no Rio e com o teodolito em
no município gaúcho. Foi especialmente encarregado da determinação das
posições geográficas e do levantamento do rio Uruguai superior, assim como
do quilômetro 10 no limite divisor das águas do Peperi-Guaçu e do Santo
Antônio. Depois, no Alto Paraná e Iguaçu, cuidou de análogo serviço e do
levantamento das ilhas existentes no mesmo trecho do Paraná, terminando em
Foz do Iguaçu. Além disso, foi também determinada pelo processo telegráfico a
longitude de Boa Vista, no Estado do Paraná, a pedido do general Dionísio
Cerqueira.
2.7 - Desenhando o Mapa - O Acervo do MAST
No atual Museu de Astronomia e Ciências Afins (MAST), há um acervo
doado pela família Morize que conta com uma coleção fotográfica de fotos
realizadas pelo próprio Henrique durante os trabalhos de demarcação. Além
das fotos nas regiões fronteiriças, o acervo possui documentos sobre a atuação
do titular no Observatório Nacional; nomeação como presidente da Sociedade
Brasileira de Ciências, da Rádio Sociedade do Rio de Janeiro e da Academia
Brasileira de Ciências; trabalhos nas áreas da astronomia, física, meteorologia
e sismologia, como estudos sobre raios X, declinação magnética e
radiodifusão. Segundo o Museu, há 344 documento textuais, 481 Documentos
iconográficos, e 2 documentos cartográficos e encontra-se em reorganização.
A Campanha teve acesso com exclusividade ao acervo, e uma parte dele
encontra-se reproduzido a seguir.
28
2.8 – Em direção a fronteira – A Expedição
Figura 8 e 9 – Os expedicionários partem de trem em direção à fronteira. Foto: Henrique Morize – Acervo MAST.
29
Figura 10 e 11 – A linha férrea passa por áreas de difícil acesso, como serras e
florestas. Foto: Henrique Morize – Acervo MAST.
30
Figura 12 e 13 – O trem para em diversas localidades do interior do país para
abastecer, embarcar e desembarcar passageiros. Foto: Henrique Morize – Acervo MAST.
31
Figura 14 – A jovem linha férrea brasileira despertava a atenção de curiosos e tinha
presença marcante na vida das pequenas comunidades interioranas. Foto: Henrique Morize – Acervo MAST
Figura 15 – Estação de trem de União da Victoria, final da linha férrea na época, possivelmente utilizada pelos expedicionários na volta.
Foto: Henrique Morize – Acervo MAST.
32
Figura 16 – Ao chegar no rio Iguassu, é necessário pegar um barco para continuar uma parte do caminho.
Foto: Henrique Morize – Acervo MAST.
Figura 17 – Foto tirada por Henrique Morize possivelmente no rio Iguassu. Foto: Henrique Morize – Acervo MAST.
33
Figura 18 – Expedicionários saindo do rio. Foto: Henrique Morize – Acervo MAST.
Figura 19 – Acampamento dos expedicionários à margem do rio Iguaçu. Foto: Henrique Morize – Acervo MAST.
34
Figura 20 – A expedição acampa junto aos rios e encontra comunidades ribeirinhas Foto: Henrique Morize – Acervo MAST
Figura 21 – A partir de determinado ponto é necessário seguir a cavalo. Foto: Henrique Morize – Acervo MAST
35
Figura 22 – Expedição atravessando um rio na inóspita região de fronteira. Foto: Henrique Morize – Acervo MAST
Figura 23 – Durante o percurso paravam diversas vezes para acampar e construir
obeliscos de demarcação. Foto: Henrique Morize – Acervo MAST
36
Figura 24 – A comissão construindo um dos centenas de marcos de fronteira.
Foto: Henrique Morize – Acervo MAST
Figura 25 – Obelisco pronto com o acampamento da comissão binacional atrás.
Foto: Henrique Morize – Acervo MAST
37
Figura 26 – Um dos Marcos primários instalados ao longo da fronteira. Foto: Henrique Morize – Acervo MAST
38
Figura 27 – Obelisco demarcatório da fronteira.
Foto: Henrique Morize – Acervo MAST.
39
2.9 - Foz do Iguaçu na passagem do século XIX para o XX
Na época da passagem da expedição por Foz do Iguaçu, a cidade ainda
não havia sido fundada com a emancipação de Guarapuava. O oeste
paranaense era todavia uma região de difícil acesso e comunicação com o
resto do Brasil. Até 1881, praticamente apenas os índios Caigangues
habitavam a região. Nesse ano, foi realizada a fixação de Pedro Martins e
Manoel Gonzales, os primeiros moradores da região, iniciando uma ocupação
precária e irregular e tendo como frente de expansão a cidade de Guarapuava.
A principal atividade econômica da ocupação na região era a extração
da erva-mate e de madeira sem interesse de ocupar definitivamente a área,
pois a exploração predatória obrigava os trabalhadores a mudar-se em busca
de matéria-prima. A produção da erva-mate e da madeira escova para Guaíra,
onde encontra linha férrea até São Paulo.
Figura 28 – Colônia Militar no local atual onde funciona o Ministério do Trabalho, na esquina da av. Schimmelpfeng com a av. Brasil.
Foto: Autor desconhecido.
O povoamento definitivo da região por brasileiros começou com a
instalação da Colônia Militar do Iguaçu em 1888 (FIGURA 28), ainda no final do
40
Império do Brasil, com o intuito de tomar posse e conter a influência
estrangeira.
Foi criada uma Comissão Estratégica nomeada pelo Ministério da
Guerra e com sede na cidade de Guarapuava, ponto mais próximo do centro e
perímetro da área de operação da comissão. Entre os 14 oficiais integrantes,
foi escolhido o 2º Tenente José Joaquim Firmino, engenheiro militar, para
construir estradas estratégicas até a foz do rio Iguaçu e fundar uma colônia
militar. A população encontrada no local na época foi de: 188 paraguaios, 93
brasileiros, 33 argentinos, 5 franceses, 2 uguguaios, 2 orientais e 1 inglês,
totalizando 324 pessoas, sem contar os índios caigangues.
Em agosto de 1889, a expedição de Firmino retornou a Guarapuava e o
tenente dividiu o território em dois distritos, nomeando 2 inspetores
responsáveis. Ao retornar a região da foz do rio Iguaçu, foram afixados editais
avisando o início dos trabalhos de fundação da colônia, com a competência de
conceder lotes de acordo com a lei para matricular como colonos. Com a
Proclamação da República, a Província do Paraná torna-se o Estado do
Paraná e, em 1892, a Colônia Militar de Foz do Iguaçu desmembrou-se da
comissão estratégica do Paraná, que passou a ter a incumbência somente de
construir as estradas entre as colônias.
Em 1897, o militar e escritor goiano Edmundo de Barros levantou a
planta dos Saltos das Cataratas, detalhada e organizou um plano de um
parque a ser realizado na margem brasileira, e no mesmo ano foi instalada a
Agência Fiscal, chefiada pelo capitão Bastos.
Em 1903, quando Dionísio Cerqueira e os demais expedicionários
passaram pela região finalizando os trabalhos de demarcação após 2 anos do
mato atravessando regiões inóspitas, passaram pelas Cataratas do Iguaçu,
registradas eternamente pelas lentes de Henrique Morize:
41
Figuras 29 e 30 – As Cataratas do Iguaçu. Foto: Henrique Morize – Acervo MAST.
42
Figuras 31 e 32 – As Cataratas do Iguaçu.
Foto: Henrique Morize – Acervo MAST.
43
Figuras 33 e 34 – As Cataratas do Iguaçu. Foto: Henrique Morize – Acervo MAST.
44
Finalmente, em 20 de Julho de 1903, são inaugurados os Marcos do
bairro do Porto Meira em Foz do Iguaçu e do outro lado na margem, na atual
Puerto Iguazu. Encerrava-se pacificamente um litígio territorial queda durava
séculos de incerteza, inicialmente entre Espanha e Portugal, mais tarde
disputada pelo Império do Brasil com a República Argentina, e depois por essa
República com a recém-criada República dos Estados Unidos do Brasil.
Figura 35 – Os obeliscos brasileiro e argentino nas primeiras décadas do século XX. Foto: Autor Desconhecido.
2.10 - O longo retorno para casa
Volta para casa não foi nada fácil. Na época, a área onde ficavam
localizados os dois obeliscos era completamente isolada dos centros urbanos
de ambos os países (FIGURA 38). Apesar da colônia militar e uma população
crescente, o município de Foz do Iguaçu só teria sido criado onze anos mais
tarde, em 1914. Não existiam ferrovias que levassem ao local. O Aeroporto do
“Parque Nacional do Iguassu”2, o primeiro de Foz, foi criado por Getúlio Vargas
apenas em 1941. A Ponte Internacional da Amizade foi inaugurada apenas em
2 localizado no atual Clube do GRESFI A charmosa sede do atual Clube Gresfi localizado na
Avenida JK em Foz do Iguaçu foi o edifício de embarque e desembarque de passageiros do
primeiro aeroporto de Foz do Iguaçu.
45
1965 e o asfaltamento total da BR 277 foi entregue só em 1969. A Ponte da
Fraternidade ficou pronta ainda mais tarde, em 1986.
O trabalho da Comissão, que se iniciara em Uruguaiana e terminara no
atual bairro do Porto Meira, cartografando e construindo marcos primários e
secundários de demarcação por toda a extensão da fronteira Brasil e
Argentina, ao longo de dois anos, chegou à Vila Iguassu e encontrou um
desafio ainda pela frente. Como retornar para casa dessa região tão inóspita e
isolada do resto do Brasil?
A forma mais rápida para os expedicionários brasileiros retornarem para
o Rio de Janeiro, capital da república na época, e para os expedicionários
argentinos voltarem até a capital Buenos Aires, era descendo o rio Paraná.
Uma longa viagem de volta para casa.
Figura 36 – Expedicionários aguardando o barco a vapor na atual Presidente Franco,
para descer o rio Paraná. Foto: Henrique Morize – Acervo MAST.
46
Nessa viagem, era necessário pegar um barco a vapor e seguir o fluxo
do rio Paraná até o estuário do Rio da Prata, no oceano Atlântico. O trajeto
começa nas margens do atual município de Presidente Franco, e passa por
diversas cidades argentinas, como Posadas, capital da província de Misiones,
Corrientes, capital da província de Entre Ríos, Santa Fé, capital da província
homônima, Rosário, município localizado rio mais abaixo ainda na província de
Santa Fé, para logo chegar à Buenos Aires e Montevidéu no Rio da Prata.
Em Buenos Aires os expedicionários pegariam outro barco para
finalmente chegar ao Oceano Atlântico e então ao litoral brasileiro, onde
poderiam desembarcar e terminar a aventura por trem, na jovem e em plena
expansão malha férrea brasileira. Tais imagens podem ser vistas atrás das
lentes do astrônomo franco-brasileiro Henrique Morize.
Figura 37 – Expedicionários embarcando em um barco a vapor no Rio Paraná nas margens da atual Presidente Franco-PY.
Foto: Henrique Morize – Acervo MAST.
47
Figura 38 – Mapa do Paraná de 1896, mostrando boa parte da área oeste e norte como “Sertão Desconhecido” e a Colônia Militar do Iguaçu extremamente isolada.
Foto: Alberto de Abreu et Alii.
48
Figura 39 – O barco a vapor “La Edelia”, embarcando passageiros em um local mais abaixo no rio Paraná, onde o rio se torna mais largo.
Foto: Henrique Morize – Acervo MAST.
Figura 40 – Na volta para casa os expedicionários passaram por diversas cidades portuárias argentinas.
Foto: Henrique Morize – Acervo MAST.
49
Figura 41 e 42 – Na volta para casa os expedicionários passaram por diversas cidades portuárias argentinas até chegar a Buenos Aires.
Foto: Henrique Morize – Acervo MAST.
50
Figura 43 e 44 – Na volta para casa os expedicionários passaram por diversas cidades portuárias argentinas até chegar a Buenos Aires.
51
Figura 45 –Porto nas margens do rio Paraná.
Foto: Henrique Morize – Acervo MAST.
Figura 46 – Estivadores trabalhando em porto argentino em 1903.
Foto: Henrique Morize – Acervo MAST. Foto: Henriq
52
Figura 47 – A Plaza de Mayo, principal praça de Buenos Aires e centro da vida política do país
Foto: Henrique Morize – Acervo MAST.
Figura 48 – A praça portenha em homenagem à Revolução de 25 de Maio de 1810,
que iniciou o processo de independência das colônias do Vice-Reino do Rio da Prata. Foto: Henrique Morize – Acervo MAST.
53
Figura 49 – A Buenos Aires da Belle Époque pelas lentes do astrônomo da expedição.
Foto: Henrique Morize – Acervo MAST.
Figura 50 – Crianças brincam pelas ruas de Buenos Aires no início do século XX.
Foto: Henrique Morize – Acervo MAST.
54
Figura 51 – Monumento Portenho. Foto: Henrique Morize – Acervo MAST.
2.11 – Prólogo: A Resolução da Comissão
O trabalho da Comissão deu-se por encerrado em 1905 e cerca de 300
marcos foram construídos ao longo do trajeto percorrido.
No dia 4 de julho de 1903, por decisão unânime de sua Câmara
Municipal, a vila de Peperi-Guaçu passou a se chamar Dionísio Cerqueira/SC,
em reconhecimento pelos trabalhos do general na resolução do conflito sobre a
delimitação da fronteira entre Brasil e Argentina.
O antigo município paranaense de Bela Vista de Palmas foi renomeado
para Clevelândia/PR, pela lei municipal nº 3, agosto de 1908, confirmada pela
lei estadual nº 862, de 1909, em homenagem ao presidente Cleveland, pelo
arbítrio na Questão de Palmas.
Em dezembro de 1909, Dionísio Cerqueira foi nomeado pelo governo
federal a dirigir outra comissão militar, dessa vez em Paris, onde veio falecer 3
meses depois. Durante a missão diplomática, dedicou parte do seu tempo ao
seu último livro, Reminiscências da Fronteira, obra póstuma.
55
Henrique Morize ao retornar à capital brasileira torna-se diretor titular do
Observatório Nacional de 1908 a 1928. Além de diversos trabalhos publicados,
Morize organizou e chefiou a missão brasileira que observou o eclipse solar de
1919 em Sobral. Henrique faleceu em 19 de março de 1930.
Três anos após a instalação do marco das Três Fronteiras, foi instalada
uma linha telegráfica ligando a colônia localizada na foz do rio Iguaçu a
Guarapuava. Pela Lei nº 971 de abril de 1910, a Colônia Militar passou a
condição de Distrito do Município de Guarapuava, denominando-se Vila Iguaçu.
Em 1912, a Colônia Militar foi extinta e a Vila foi emancipada do Ministério da
Guerra, transformando-se definitivamente em povoação civil. Logo em seguida,
pela Lei nº 1383/14, é criado o município de Vila Iguaçu, tendo como primeiro
prefeito o Coronel Jorge Schimmelpfeng e, em 1917, o município é elevado a
Comarca. No ano seguinte, pela Lei Estadual nº 1783/18, passou a denominar-
se Foz do Iguaçu. A partir da década de 1930, foram chegando agricultores do
Rio Grande do Sul, iniciando um novo ciclo de ocupação do extremo oeste
paranaense. O desmembramento de São Miguel do Iguaçu se deu em 1962 e
de Santa Terezinha de Itaipu em 1982.
Desde seu erguimento, o obelisco brasileiro fez parte do imaginário
iguaçuense, durante toda a trajetória da cidade. Em meados de 1924, quando a
Coluna Prestes passou pela região, estabeleceu seu quartel general em Foz do
Iguaçu, para controlar a região oeste de Paraná. A Coluna teve o controle da
cidade por 7 meses e ao transitar estrategicamente pela região, passou pelo
marco das três fronteiras e tirou uma foto que ficou famosa (FIGURA 52). Anos
depois, para demonstrar uma aparência de normalidade e controle sobre a
região, o general Jocob da 1ª Companhia Isolada de Fronteira também tirou
uma foto na área do marco, porém com autoridades civis (FIGURA 53).
O obelisco paraguaio seria construído mais tarde, em 1961,
completando o conjunto da tríplice fronteira (FIGURA 56). É importante notar
que o marco paraguaio tem um formato quadrado diferente dos obeliscos
criados antes, o que gera diversas especulações se estaria relacionado a uma
manifestação nacionalista do governo de Alfredo Stroessner, que governou o
Paraguai por 35 anos, em protesto ao amplo conflito homônimo do século XIX.
56
Para realizar tal afirmação é necessário realizar um trabalho de investigação
mais profundo, esta pesquisa dedicou-se mais profundamente com o obelisco
iguaçuense. Outros afirmam que é devido ao fato de ter apenas uma face
apontada a apenas um rio, o Paraná, diferente dos outros que possuem faces
apontadas também para o Iguaçu. O que se pode afirmar com segurança é que
há outros marcos quadrados no país, como por exemplo, o marco em
homenagem aos soldados da Guerra do Chaco localizado em Jesus y Trinidad,
na província de Itapúa (FIGURA 57). Em 1997, é inaugurado o “Espaço das
Américas”, com uma vista panorâmica privilegiada para o encontro das águas
dos rios Iguaçu e Paraná.
Até os dias de hoje é possível ver os marcos primários e secundários de
demarcação ao longo da fronteira, não apenas em Foz do Iguaçu, mas em
municípios como, por exemplo, Santo Antônio do Sudoeste/PR e Dionísio
Cerqueira/SC (FIGURA 58 E 59). A manutenção deles ainda é feita e novos
marcos foram erigidos ao longo do tempo, para substituir os antigos ou para
reforçar ainda mais a delimitação da fronteira seca.
O obelisco marca o imaginário iguaçuense de tal forma que tanto o
brasão da prefeitura novo quanto o antigo, o mesmo aparece em primeiro
plano. A Lei Municipal nº 502 de 1966, antes da construção de Itaipu,
estabeleceu o brasão da prefeitura com as Cataratas do Iguaçu embaixo, e a
Ponte da Amizade e o obelisco brasileiro do Marco das Três Fronteiras acima.
Mais tarde, depois da construção tanto da Ponte da Fraternidade quanto de
Itaipu, é sancionada a Lei Municipal nº 2394 de 2001, incluindo os novos
símbolos, misturando as Cataratas com o vertedouro da usina embaixo, e
dando ainda mais destaque para o Obelisco, ao colocá-lo no centro do brasão,
entre as duas pontes internacionais (FIGURA 61). Seja pela heráldica oficial
seja pelo imaginário cultural da comunidade iguaçuense o Marco das Três
Fronteiras é hoje um indubitável símbolo da cidade.
57
Figura 52 – Coluna Prestes passa pelo Marco em 1924. Foto: Autor Desconhecido
Figura 53 – 1ª Companhia Isolada de Fronteira no Marco das Três Fronteiras sob o comando do Capitão Jacob Becke
Foto: Autor Desconhecido
58
Figura 54 e 55 – Diversas gerações de iguaçuenses passaram pelo lugar. Fonte: Museu de Astronomia e Ciências Afins
59
Figura 56 – Obelisco Paraguaio do conjunto dos Marcos das Três Fronteiras. Foto: Autor Desconhecido
Figura 57 – Marco localizado na província paraguaia de Itapúa, em homenagem aos
voluntários da Guerra do Chaco. Foto: O autor.
60
Figura 58 – Obelisco localizado em Dionísio Cerqueira/SC. Fonte: Museu de Astronomia e Ciências Afins
Figura 59 – Marco secundário de demarcação de fronteira seca erguido no final do século XX.
Foto: O autor
61
Figura 60 – O Obelisco brasileiro possivelmente na década de 70, com o obelisco argentino ao fundo. Foto: Autor Desconhecido.
Figura 61 – Atual Brasão da Prefeitura Municipal de Foz do Iguaçu. Foto: PMFI.
62
2.12 - Marco das Três Fronteiras como Símbolo da Paz e Exemplo de
Resolução Pacífica dos Conflitos Internacionais
O exemplo do precedente de resolução pacífica em litígios territoriais
que o Marco das Três Fronteiras simboliza não foi suficiente para impedir
outros conflitos na América Latina. Ao longo de todo o século XX, houve
diversos conflitos militares entre países latino-americanos por razões
territoriais.
Na década seguinte aos trabalhos da Comissão de Demarcação, os
estados de Santa Catarina e Paraná entraram em guerra devido à mesma
questão de demarcação de território. O evento ficaria conhecido como Guerra
do Contestado (1912-1916) e produziu quase 10.000 vítimas, entre mortos,
feridos e desaparecidos.
Figura 61 – Tropas federais e paranaense com uma metralhadora na Guerra do Contestado.
Foto: Claro Gustavo Jansson.
63
Figura 62 – Milícias Caboclas em guerra contra a governo. Foto: Claro Gustavo Jansson.
Figura 63 – Tropas do governo federal posam para a foto com dezenas de prisioneiros do contestado, incluindo crianças.
Foto: Claro Gustavo Jansson.
64
Em 1932, eclodiria a Guerra entre o Peru e a Colômbia. Ao mesmo
tempo em que se iniciava um sangrento conflito entre Bolívia e Paraguai, na
Guerra do Chaco (1932-1935). Nessa última, quatro tentativas de acordos de
limites de fronteiras entre 1884 e 1907 foram rejeitadas pelos dois países.
A Região do Chaco na época do Vice-Reino do Rio da Prata pertencia à
Bolívia e após a independência de ambos os países da Espanha permaneceu
despovoada. Após especulação de descoberta de petróleo na área, a Bolívia,
que já havia perdido a saída para o mar para o Chile e o Acre para o Brasil,
decide invadir militarmente o Chaco.
O saldo de cerca de 60 mil bolivianos e 30 mil paraguaios mortos. No
acordo de paz firmado em Buenos Aires em 1938, o Paraguai ficou com ¾ da
região e a Bolívia com ¼. Ambos os países saíram do conflito com novas
dificuldades econômicas, 80 mil mortos e com a descoberta de que os
supostos poços de petróleo não existiam.
Figura 64 – Soldados paraguaios indo para Guerra com a Bolívia.
Foto: Autor Desconhecido.
65
Figura 65 – Soldados bolivianos indo para Guerra contra o Paraguai. Foto: Autor Desconhecido.
Figura 66 – Comboio paraguaio bombardeado pela aviação boliviana. Foto: Autor Desconhecido.
66
Figura 67 – Cratera deixada por um bombardeiro boliviano onde caberiam 25 soldados paraguaios.
Foto: Autor Desconhecido.
Figura 68 – Forte Muñoz utilizado pelos bolivianos destruído pelos paraguaios. Foto: Autor Desconhecido.
67
.
Figura 69 – Cemitário de Combatentes da Guerra do Chaco.
Foto: Autor desconhecido.
Figura 70 – Pilha de restos mortais de combatentes na Guerra do Chaco.
Foto: Autor Desconhecido
68
No desfecho do século XX, a Argentina tentou sem sucesso retomar as
Ilhas Malvinas da Inglaterra, na Guerra das Malvinas (1982) provocando a
morte de cerca de mil pessoas. Logo em seguida, Peru e Equador guerrearam
mortalmente por apenas uma colina na ainda recente Guerra de Cenepa
(1995).
Não obstante, o litígio territorial que adentrou o século XX entre a
República do Brasil e a República Argentina, conhecido como Questão de
Palmas, felizmente não suscitou em conflito armado e foi resolvido de forma
pacífica. Por mais de um século o obelisco descansa sobre um morro no bairro
do Porto Meira com uma visão incrível sobre a foz do rio Iguaçu.
2.13 - Lista de Exemplos de Litígios Territoriais na América Latina Resolvidos de Forma Violenta
1841 - Bolívia x Peru
1846-1848 - México x EUA
1864-1870 - Paraguai x Brasil/Argentina/Uruguai
1879-1884 - Guerra do Pacífico – Chile x Peru/Bolivia
1902-1903 - Guerra do Acre – Bolívia x Brasil
1912-1916 - Guerra do Contestado – SC x PR
1932 -1933 - Peru x Colômbia
1932-1935 - Guerra do Chaco – Bolívia x Paraguai
1982 - Guerra das Malvinas – Argentina x Inglaterra
1995 - Guerra de Cenepa – Peru x Equador
69
CAPÍTULO III – O TOMBAMENTO MUNICIPAL
É importante perceber que a proteção ao patrimônio cultural brasileiro,
segundo a Constituição Federal, não é reponsabilidade apenas do Poder
Público, mas deve ser realizado com a colaboração da comunidade. Sendo
assim, todos os cidadãos integrantes da sociedade civil de forma organizada
possuem o dever de cumprir o papel constitucional que nos foi reservado. O
município igualmente possui função determinante no processo.
Segundo a CF de 88, ao estabelecer o rol de competências reservadas
aos municípios, determina que os mesmos devem promover o ordenamento
territorial, mediante o planejamento do uso, do parcelamento e ocupação do
solo, além de defender e proteger o patrimônio histórico cultural, sem prejuízo
da legislação e da ação fiscalizadora federal e estadual.
Art. 30. Compete aos Municípios: I - legislar sobre assuntos de interesse local; II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber; [...] V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial; [...] VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano; IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.(BRASIL, 1988, art.30, GRIFOS NOSSOS)
A participação democrática de uma população esclarecida é
imprescindível para a garantia de um ordenamento urbano compromissado
com uma cidade que entende, reconhece e valoriza suas múltiplas
manifestações culturais. Para valorizar tais manifestações, o Poder Público
possui diversos instrumentos, como os conselhos consultivos e deliberativos, o
70
plano diretor, obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes,
registros de inventário de bens culturais e a figura jurídica do tombamento,
recentemente regulamento em Foz do Iguaçu pela Lei nº 4470/16. Essa lei traz
um novo fôlego para a politica pública de preservação do patrimônio cultural
iguaçuense, tendo em vista que a lei de tombamento antecessora, a Lei
Municipal nº1500/90, não teve efetividade.
3.1 – A Lei Municipal nº 4470/16
De acordo com a Lei Municipal nº 4470, de 5 de Agosto de 2016,
determina em seu artigo primeiro que constituem Patrimônio Cultural e
Histórico de Foz do Iguaçu os bens de natureza material e imaterial, tomados
individualmente ou em conjunto, relacionados à identidade, à memória, ao
acervo de reminiscências e à atuação humana formadora da sociedade
iguaçuense. Dentro desse escopo de características, o obelisco brasileiro,
dentro do conjunto dos Marcos das Três Fronteiras, pode ser facilmente
percebido. A lei supramencionada, determina que o Município proceda o
tombamento, de forma total ou parcial, “dos bens imóveis, móveis e integrados
existentes em seu território, de propriedade pública ou particular, que pelo seu
valor cultural, histórico, artístico ou ambiental ficam sob a proteção do Poder
Público Municipal.” (art. 8º)
Bem como o Decreto-Lei 25/37, que institui o tombamento federal, a lei
municipal também prevê a criação de livros de Tombo. No caso iguaçuense,
determina-se que os bens tombados serão inscritos em três livros de Tombo, a
saber:
Art. 23 A Fundação Cultural de Foz do Iguaçu possuirá e
manterá 3 (três) Livros de Tombo, nos quais serão inscritos
os bens a que se refere o disposto nesta Lei, a saber:
I - Livro de Tombo de Bens Naturais incluindo paisagens,
espaços ecológicos, recursos hídricos, monumentos e
sítios, reservas naturais, parques e reservas municipais;
II - Livro de Tombo de Bens Imóveis de valor histórico,
arquitetônico e urbanístico, urbanos, rurais e paisagísticos,
71
como obras, edifícios, conjuntos e sítios urbanos ou rurais;
III - Livro de Tombo de bens Móveis e integrados de valor
histórico, artístico, folclórico, iconográfico, toponímico,
etnográfico, incluindo-se acervos de bibliotecas, arquivos e
museus, coleções, objetos, documentos bibliográficos,
videográficos, fotográficos e cinematográficos, de
propriedade pública e privada. (FOZ DO IGUAÇU, 2016,
art. 23)
No caso do obelisco do bairro do Porto Meira, recomenda-se que o
mesmo seja inscrito no livro de tombo previsto no inciso II, devido à sua
imobilidade.
3.2 – Respondendo a Perguntas da Comunidade
Ao longo desta Campanha de educação patrimonial, diversas perguntas
foram levantadas no diálogo com a sociedade civil. Alguns mais especiais
estão disponíveis a seguir:
O Tombamento traz prejuízo a Exploração Turística do Marco?
Não, pelo contrário, impulsiona. O tombamento amplifica o potencial turístico
do bem cultural, que passa receber uma valorização ainda maior através do
reconhecimento oficial como portador da memória social. Até o momento e
infelizmente, a história do Marco das Três Fronteiras não é contada na
visitação turística. A narrativa contada é a das Missões Jesuíticas, uma
interessante página da história sul-americana, que, entretanto, não ocorreu no
local. Inclusive ainda não se sabe exatamente onde está localizado o sítio
arqueológico das Ruínas da Missão de Santa Maria Mayor, as REAIS ruínas de
Foz do Iguaçu, que fugindo dos bandeirantes luso-brasileiros atravessaram o
rio Iguaçu, se mudando para terras argentinas, e hoje constituem Patrimônio
Cultural da Humanidade, declarado pela UNESCO em 1984.
O Tombamento impede a concessão pública à iniciativa privada?
Não. Há vários bens tombados que desenvolvem atividades econômicas
turísticas através de concessão privada, como por exemplo, o Cristo Redentor,
que é considerado patrimônio cultural da humanidade pela UNESCO, são
72
gerenciados pela iniciativa privada através de concessão pública. Além disso,
segundo o artigo 3, §4º, da lei de tombamento municipal:
§ 4º Para a execução do disposto nesta Lei, o Poder
Público poderá constituir parcerias de cooperação,
assessoramento, apoio técnico, operacional e
financiamento, resultado de convênios, ajustes e contratos
mantidos com instituições públicas e privadas, federais,
estaduais, municipais, estrangeiras e internacionais, na
forma da legislação. (FOZ DO IGUAÇU, 2016, art. 3)
É importante esclarecer que o Marco das Tres Fronteiras é uma Concessão
Pública e contratos de Concessão Pública duram certa quantidade de tempo.
Uma rodovia, por exemplo, troca de concessões ao longo do tempo, mas a
rodovia continua lá servindo as pessoas, pois é um bem público e pertence à
sociedade. Bens culturais costumam durar séculos e muitas vezes até milênios,
mas isso APENAS se em determinado momento forem reconhecidos como
portadores da memória social e da identidade coletiva.
Quem será responsável pela proteção e conservação do bem tombado?
Primeiramente, cabe ao proprietário ou responsável legal do bem tombado a
proteção e conservação do mesmo (art. 26). No caso, por se tratar de uma
concessão pública, a concessionária vencedora da licitação de concessão é a
responsável legal pelo bem, devendo realizar sua proteção e conservação. O
que não desonera a Prefeitura Municipal de zelar pelo bem cultural, por ser
proprietária da área.
O responsável legal pelo bem pode realizar qualquer alteração no bem
sem consultar o poder público?
Não, é necessário consultar primeiro. Nesse caso, caberá à Fundação
Municipal de Foz do Iguaçu, em conjunto com a Secretaria Municipal de
Planejamento e Captação de Recursos e a Secretaria Municipal de Obras
analisar e aprovar projetos e serviços de reparação, pintura ou restauração ou
qualquer obra de intervenção dos bens imóveis tombados e de sua área de
entorno (art.30).
73
O que muda no bem tombado?
Segundo a lei de tombamento, o bem tombado não poderá ser
descaracterizado, destruído, demolido, mutilado, desmontado, desconfigurado
ou abandonado (art. 29). Portanto, deve-se manter sua integralidade para que
continue sendo digno do seu status de patrimônio cultural do povo iguaçuense.
E o entorno?
Tombar o Obelisco do Marco das Tres Fronteiras significa reconhecê-lo como
bem cultural e portador da memória iguaçuense, estabelecer limites e evitar
possíveis descaracterizações e traslados. O tombamento do entorno, se
necessário, deverá ser debatido e delimitado pelo órgao de acautelamento
municipal e pelo CEPAC, como determina a lei nª 4470/16, e a descrição das
imposições pelo entorno e à paisagem do bem tombado, quando necessário,
deverão seguir as restrições resultantes do tombamento (Art. 36).
3.3 – O Conjunto dos Marcos das Três Fronteiras como Patrimônio
Cultural do Mercosul
Em 2012, o Conselho do Mercado Comum do Mercosul cria uma nova
tipologia de Patrimônio Cultural, o Patrimônio Cultural do Mercosul (PCM),
criado pela Decisão nº 55/12. O objetivo é contribuir para o reconhecimento e a
valorização da identidade cultural regional, por entender que os bens culturais
constituem elementos de compreensão de referências, princípios e valores
compartilhados entre os países da região.
A medida é uma forma do Bloco afirmar que o reconhecimento de um
bem cultural para além das fronteiras de um país é um importante vetor na
integração regional. Segundo o Regulamento para Reconhecimento do
Patrimônio Cultural do Mercosul:
Art. 3º – Da caracterização do PCM Poderá ser reconhecido como Patrimônio Cultural do MERCOSUL (PCM) qualquer bem cultural, de natureza material e/ou imaterial, que:
74
a) manifeste valores associados a processos históricos vinculados aos movimentos de autodeterminação ou expressão comum da região perante o mundo; b) expresse os esforços de união entre os países da região; c) esteja diretamente relacionado a referências culturais compartilhadas por mais de um país da região; d) constitua fator de promoção da integração dos países,
com vistas a um destino comum. (MERCOSUL, 2012, art. 3,
GRIFOS NOSSOS)
Os três obeliscos do Marco das Três Fronteiras, em seu conjunto,
podem ser identificados entre os 4 incisos que definem os critérios de
determinação do PCM. Pode-se dizer que os mesmos constituem uma
expressão comum da região (a) e expressa os esforços de união entre os
países (b) da região, tendo em vista todo o esforço diplomático dispendido para
a resolução pacífica do conflito. O conjunto dos marcos está diretamente
relacionado com referências culturais compartilhadas por mais de um país, no
caso por três (c).
Sem dúvidas constitui um fator de promoção da integração dos países
da tríplice fronteira com vistas a um destino comum (d), pois sua resolução
pacífica foi um marco para a história das relações internacionais sulamericanas
e emblemático na construção da integração regional e da solução amistora dos
litígios territoriais, um precedente que não foi observado nos conflitos
posteriores, onde milhares de latino-americanos morreram
desnecessariamente, se precedentes diplomáticos como o do Marco das Tres
Fronteiras tivessem sido observados.
Entretanto, para um bem cultural ser interpretado como patrimônio
supranacional, ou seja, internacional em alguma esfera, é necessário que o
mesmo já tenha alguma proteção prévia no âmbito interno nacional primeiro. O
obelisco brasileiro ainda não goza dessa proteção doméstica. Ainda.
75
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este estudo histórico sobre o Marco das Três Fronteiras, em conjunto
com os signatários do abaixo-assinado que o acompanha, vem explicitamente
atender o artigo 14, da lei municipal de tombamento, que diz que:
Art. 14 A proposta de tombamento, quando apresentada
pelo proprietário ou qualquer interessado, pessoa física
ou jurídica deverá ser encaminhada à Fundação Cultural
de Foz do Iguaçu, que instruirá o processo, encaminhando-
o para o Conselho Municipal de Patrimônio Cultural, no
prazo de até 60 (sessenta) dias.
Parágrafo único. Caberá ao Conselho Municipal de
Patrimônio Cultural emitir parecer e deliberar sobre os
pedidos de tombamento de bens imóveis e integrados no
prazo de até 60 (sessenta) dias. (FOZ DO IGUAÇU, 2016,
art. 14, GRIFOS NOSSOS)
Por isso, de boa fé e em nome do interesse público, esta ação de
extensão da Universidade Federal da Integração Latino-Americana, vem
solicitar à Fundação Cultural de Foz do Iguaçu, a abertura do processo de
Tombamento do Marco das Três Fronteiras, para que seja apreciado pelo
egrégio Conselho Municipal de Patrimônio Cultural sobre seu reconhecimento
enquanto patrimônio cultural municipal e sua consequente inscrição no Livro de
Tombo de Bens Imóveis. Não são apenas obeliscos para determinar fronteiras,
mas são símbolos de uma paz obtida através do diálogo e do esforço de
diversas gerações.
AGRADECIMENTOS
A todos os voluntários e bolsistas que participaram do projeto e a todos
aqueles que de alguma forma ou de outra contribuíram e incentivaram seu
desenvolvimento.
Às incansáveis trabalhadoras e trabalhadores da educação iguaçuense,
em especial, ao C.E.Ayrton Senna e C.E.Bartolomeu Mitre.
Ao Grupo Escoteiro Guairacá PR/033 de Foz do Iguaçu.
76
Ao Ecomuseu de Itaipu e sua equipe e ao Grupo da Terceira idade da
Vila C.
À toda comunidade da Universidade Federal da Integração Latino-
Americana por seu compromisso com a promoção da dignidade dos povos e
dos direitos culturais através principalmente da extensão universitária.
Agradecemos ao leitor e estamos sempre disponíveis à toda
comunidade interessada em tirar dúvidas ou em debater Patrimônio Cultural
em suas múltiplas esferas, objetivo principal desta ação de Educação
Patrimonial.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALVES, Vânia Maria Siqueira; REIS, Maria Amélia Gomes de Souza. Museus Escolares no Brasil e o desejo de memória. In: GRANATO, Marcus; SCHEINER, Tereza (Org). IV Seminário de Pesquisa em Museologia dos Países de Língua Portuguesa e Espanhola (IV SIAM) – Museologia, Patrimônio, Interculturalidade: museus inclusivos, desenvolvimento e diálogo intercultural, Vol. 2. Rio de Janeiro: MAST/UNIRIO, 2013, p.319-331
BLANK, Dionis, Possibilidade Jurídica de Dano Moral Coletivo pela Destruição
de Bens Culturais: Exame da Jurisprudência Estadual Brasileira, Dissertação
de Mestrado apresentado junto ao Programa de Pós-Graduação em Memória
Social e Patrimônio Cultural da Universidade Federal de Pelotas, 2012
Disponível em: <http://www2.ufpel.edu.br/ich/ppgmp/dissertacoes/defesas-
2012/dionis-mauri-penning-blank/> Acesso em: Maio de 2014
CANCLINI, Nestor Garcia, O Patrimônio Cultural e a Construção Imaginária do
Nacional. In: HOLLANDA, Heloísa Buarque (org.) Revista do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional, nº 23. Rio de Janeiro: IPHAN, 1994 p.95-115
GONÇALVES, José Reginaldo Santos. O Patrimônio como Categoria de
Pensamento. In: ABREU, R; CHAGAS, M. (Org.). Memória e Patrimônio:
ensaios contemporâneos. Rio de Janeiro: DP&A editora, 2003, p. 21-29.
_______________________________. Ressonância, materialidade e subjetividade: as culturas como patrimônios. Horizontes Antropológicos, v.11, n.23, p.15-36, Porto Alegre, jan. / jun. de 2005. Disponível em: . Acesso em: Maio de 2014
_______________________________. A Retórica da Perda: os discursos do patrimônio cultural do Brasil. Rio de Janeiro: Editora UFRJ / Ministério da Cultura / IPHAN, 1996.
OLIVEIRA, Pedro Louvain de; GRANATO, Marcus. Legislação de Proteção ao
77
Patrimônio Cultural de Ciência e Tecnologia. In: Anais do XV Encontro Regional de História da Associação Nacional de História – Seção Rio de Janeiro - ANPUH–RJ, Rio de Janeiro, 2012; Disponível em: Acesso em: Maio de 2014.
RANGEL, Márcio. A cidade, o museu e a coleção. Liinc em Revista, v. 7, p. 301-310, 2011. Disponível em: http://revista.ibict.br/liinc/index.php/liinc/article/viewFile/415/304
______________. Museologia e patrimônio: encontros e desencontros. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, Belém, v. 7, n. 1, p. 103-112, jan.-abr. 2012.
SAVIANI, Dermeval. Escola e Democracia. São Paulo: Cortez/Autores Associados, 1984.
SCHEINER, Tereza C. M.. Imagens do ‘Não-Lugar’: comunicação e os novos patrimônios. Rio de Janeiro: UFRJ/ECO, 2004. 294p. Tese (Doutorado em Comunicação e Cultura). Orientador: Priscila Siqueira Kuperman.
_____________________. Políticas e diretrizes da Museologia e do patrimônio na atualidade. In: BITTENCOURT, José Neves; GRANATO, Marcus; BENCHETRIT, Sarah Fassa (Orgs.). Museus, Ciência e Tecnologia. Rio de Janeiro: Museu Histórico Nacional, 2007, p. 31-48.
TILDEN, Freeman. Principles of Interpretation. Interpreting our Heritage. The University of North Carolina Press, Chapel Hill, 1957. p. 3-10.
XAVIER, Mateus Fernandez, A COLUNA PRESTES E SEUS IMPACTOS NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS DO BRASIL, Revista Crítica Histórica Ano V, nº 9, julho/2014 ISSN 2177 - 9961
Ms. Pedro Louvain
Coordenador da Campanha
Edital PROEX/UNILA Nº 27/2015 e Nº 39/2016