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ABEM Suzuki e Schafer BH 2006

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O PAPEL DA AUDIÇÃO EM DUAS PROPOSTAS DE EDUCAÇÃO MUSICAL

Patrícia MertzigAndré Luiz Gonçalves de Oliveira

Resumo: Este estudo tem como objetivo principal refletir sobre o papel da percepçãoauditiva em duas propostas de educação musical. Iniciaremos realizando uma revisão das propostas de Shinishi Suzuki e Murray Schafer. Posteriormente faremos uma descrição dediferentes atividades que envolvem audição em cada uma das propostas dos autores citadosacima. Nossa intenção é investigar as possibilidades funcionais atribuídas à audição no processo de desenvolvimento musical dentro de cada abordagem metodológica.

IntroduçãoO presente trabalho propõe-se a ressaltar aspectos importantes relacionados à

cognição musical como forma de fundamentar as propostas e as ações em educaçãomusical. Partindo para uma utilização mais específica da audição por parte dos sereshumanos, podemos afirmar que esse é o principal sentido a ser desenvolvido em umtrabalho de educação musical, pois, como o próprio nome já sugere, é uma educação quetem por matéria-prima o som.

Portanto a proposta deste artigo é focar a audição como parâmetro de análise em duas propostas de educação musical. Os dois autores a serem analisados serão Murray Schaffere Shinishi Suzuki que, embora possuam propostas e objetivos diferentes em educaçãomusical, abordam a percepção auditiva como condição primordial em suas práticas pedagógicas.

Revisão de duas propostas de educação musical

Shinishi Suzuki

Violinista de nacionalidade japonesa, Suzuki é considerado um dos grandeseducadores musicais do século XX. Seu método de iniciação musical no violino temalcance em todo o mundo ocidental com bases sólidas e com seguidores fiéis principalmente nos Estados Unidos. Isso deu-se pelo enorme sucesso que sua proposta de

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trabalho alcançou a partir de resultados sérios que o autor atingiu com crianças ainda muitonovas, em seu Instituto de Pesquisa da Educação do Talento em Tókio.

Mas o que o autor considera talento? Para ele otalento não é um acaso do

nascimento (Suzuki, 1994 p.9), ou seja, não considera que algumas pessoas privilegiadasnasceram com talento e outras que não o possuem podem desistir de aprender qualquercoisa na área artística, pois, não vão conseguir trabalhos compensadores. Para ele todos sãocapazes de aprender música e de tocar satisfatoriamente um instrumento musical, bastacriar ambientes favoráveis para que isso ocorra.

Suzuki chegou a essa conclusão quando percebeu a facilidade com a qual ascrianças aprendem a falar sua língua materna. Todas as crianças normais são aptas a falar alíngua materna desde muito pequenas, e elas realmente aprendem e falam. Logo, como

podemos deduzir qual delas é capaz de aprender um instrumento musical e qual não é?Para Suzuki o problema está na metodologia adotada, pois ela pode falhar por falta

de incentivo ou pela utilização de métodos errados. Mas é evidente que, para se alcançarcom eficiência o domínio técnico em um instrumento musical, é preciso que se dê a mesmaatenção que é voltada à aprendizagem da língua materna. Nas palavras do autor vemos esse ponto com clareza quando ele afirma que:

Todas as crianças que são educadas com perícia e compreensão atingem um alto grau deconhecimento, mas essa educação deve começar no dia do nascimento. Aqui está, na minhaopinião, a chave do desenvolvimento integral das potencialidades humanas. (Suzuki, 1994 p. 12)

Mas então como fica a audição para Suzuki? Tendo claro qual é a sua proposta detrabalho no campo da educação musical, acreditamos que o autor também considera oouvido como peça fundamental para o desenvolvimento de sua metodologia, porémrestringe a audição à escuta do repertório tonal que visa desenvolver. Isso dá-se, em primeiro lugar, pelo fato de seu método inserir o aluno direto no instrumento, nãoimportando qual a idade e qual o conhecimento sobre música que venha a ter, e emsegundo lugar, porque o método é composto apenas de músicas tonais e de tradiçãoocidental, portanto é pouco abrangente.

Na nossa maneira de entender tal abordagem, Suzuki apresenta três problemasiniciais quanto ao aspecto auditivo. O primeiro está no fato do aluno ouvir apenas uma

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interpretação. Sua referência será baseada somente em uma articulação, uma maneira detocar. Ao invés de pluralizar sua escuta, o método limita-a e a execução do aluno tenderá àimitação, à cópia. O segundo aspecto refere-se ao método que não incentiva a audição nemde sua própria execução, ou seja, além de o aluno ter apenas uma referência deinterpretação, ele só ouve uma execução que não a sua. O terceiro aspecto pode ser descrito pela falta de conexão com outros sistemas musicais que não o tonal. O aluno está rodeadode diferentes tipos de música e muitas vezes ele opta em estuda-la para executar algumestilo específico, e o método restringe-o à prática apenas do sistema tonal, ficando assimalienado da arte e da estética contemporânea.

É necessário destacar, no entanto, que essa abordagem de educação musicalrealizada por meio do estudo de um instrumento musical fez com que muitos dos alunos de

Suzuki chegassem a níveis técnicos e musicais altíssimos no instrumento, o que trouxecomo resultados de sua proposta um reconhecimento internacional e hoje, mesmo após asua morte, seu método e sua metodologia de trabalho continuam sendo utilizados em vários países tanto do oriente quanto do ocidente.

R. Murray Schafer

Em seu livro A afinação do mundo , o autor expõe de maneira sistemática suatentativa de estudar o ambiente sonoro. Para tanto alguns termos que, são recorrentes emseus textos e que acabam por se tornar familiar ao leitor, são criados pelo próprio Schaferno intuito de formar conceitos, já que seu campo de pesquisa ainda não era conhecido nadécada de 70 do século XX. Um desses conceitos é soundscape, que tem sido traduzido para o português como paisagem sonora .

A sistematização de sua pesquisa tem início quando o autor mostra como a paisagem sonora evoluiu no decorrer da história. Seu trabalho chamou a atenção de pesquisadores e de educadores em todo o mundo. Atualmente há conferências nacionais e

internacionais a esse respeito e há inclusive um fórum mundial denominadoThe World

Fórum for Acoustic Ecology (Fórum Mundial de Ecologia Acústica).O autor entende ecologia como um estudo que precisa relacionar todos aqueles que

vivem em determinado meio-ambiente e que produzem e transformam esse meio. Nessesentido sua proposta pode mesmo ser entendida como plano político para o mundo atual.

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Schafer aponta a educação pública como caminho para despoluir a paisagem sonoracontemporânea e ao mesmo tempo, desenvolver a perspectiva estética das pessoas.

Sempre achei que a educação pública é o mais importante aspecto do nosso trabalho. Em

primeiro lugar precisamos ensinar as pessoas como ouvir mais cuidadosa e criticamente a paisagem sonora; depois, precisamos solicitar sua ajuda para replanejá-la. Em umasociedade verdadeiramente democrática, a paisagem sonora será planejada por aqueles quenela vivem, e não por forças imperialistas vindas de fora. (Schafer, 2001 p.12)

É claro que a preocupação com o meio ambiente e o bem estar físico e mental detodos os seres que habitam esse planeta não é e nem pode ser apenas de Schafer, dessaforma vários são os pesquisadores em áreas de atuação diferentes que estão demonstrandouma crescente preocupação com a quantidade de poluição existente atualmente no planeta.

A proposta do autor é tirar a audição de seu sentido mais restrito, que é sempreconfigurada como audição musical, e ampliá-la para outros ambientes ou especificamente para todo o meio-ambiente. Schafer apresenta como primeiros passos para uma escutaconsciente1 perceber os sons à sua volta a ponto de reconhecer sua fonte, sua intensidade,sua origem e classificá-los de acordo com suas diferentes propriedades.

Fica explícita a preocupação do autor com a educação que vai muito além de umaeducação musical em direção daquilo que pode ser chamado de educação auditiva. Nosdias atuais as pessoas vão ficando cada vez mais alienadas a ponto de nem perceberemmais os sons ao seu redor. A preocupação atual do autor é conscientizar as pessoas quevivem em um mundo onde a poluição sonora alcança níveis estrondosos e a partir daísugerir comportamentos para tentar reduzi-la.

No entanto a proposta de audição das paisagens sonoras não acontece apenas pela preocupação com o meio ambiente em que vivemos, que possui níveis de ruído altíssimos,resultando em uma situação alarmante. Para Schafer, o estudo da paisagem sonora, emdiferentes civilizações de períodos distintos, também traz informações ricas sobre sua

cultura, suas crenças, suas relações sociais e com o meio ambiente, seus valores morais eéticos e estéticos.Assim, por meio desses estudos é possível perceber ou, talvez até caiba

1 O termoconsciente está sendo utilizado aqui por citação do próprio autor. Schaefer não faz muito esforço para explicar o que entende por consciência, ao menos em suas duas obras principais. No entanto, de acordocom o cap. 12, de A afinação do mundo , o autor coloca-se em favor de uma perspectiva Junguiana de análisee de descrição dos processos perceptivos e cognitivos. Daí pode-se observar forte característica metafísica naexplicação dos fenômenos cognitivos e perceptivos. Mais adiante discutiremos adequadamente tais aspectos.

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dizer, comparar o que a evolução tecnológica, a partir da revolução industrial, trouxe para oambiente sonoro.

As informações sobre a paisagem sonora de outrora são possíveis de seremimaginadas via descrição dos sons em textos sobre a mitologia, em romances, em épicos;ou ainda na observação de desenhos rupestres, em pinturas, na arquitetura, na fauna e naflora, na localização geográfica, na formação rochosa; enfim, em todo o material histórico,artístico e oral que foi preservado e que chegou até nós. Tal material traz consigo umaquantidade de informações, que de certa forma torna possível inferir aspectos do ambientesonoro de cada época e local.

Schafer (1977) leva o leitor a deduzir não só os ambientes sonoros, mas também a perceber a importância que alguns elementos da natureza tinham para as civilizações e

como esses afetavam a vida das pessoas naquela época. Tais aspectos podem ser notadosem afirmações como:

A matéria-prima da Odisséia (de Homero) é o oceano. O agrário Hesíodo, vivendo naBoécia longe do mar e das suas inquietas águas, não pode evitar a atração do oceano(Schafer, 2001, p. 35).

É possível perceber grande abrangência em sua metodologia, pois ele parte sempredo estudo da matéria-prima da música, o som. Tais sons, como já foi dito anteriormente,são colhidos na maior fonte sonora existe no mundo: o próprio meio-ambiente. Os sons sãoentão percebidos e catalogados para, posteriormente, serem manipulados.

Portanto o foco da audição está primeiramente na paisagem sonora do meio-ambiente em que os alunos estão envolvidos. Sua proposta é realmente incentivar a audiçãocomo ponto central para o aprendiz expandir seu universo sonoro para depois conseguirestabelecer critérios úteis de julgamento e de classificação.

Considerações finaisA partir da leitura das duas propostas de educação musical é possível notar a

importância de um trabalho de percepção auditiva, no entanto não queremos dizer queoutros métodos não se preocupem com ela. Propostas como a de Violeta Gainza e H. J.

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Koellreuter 2 vêem a improvisação como importante abordagem metodológica para odesenvolvimento musical do aluno, e isso requer um trabalho de percepção auditiva maisapurado do que simplesmente ouvir para imitar, por exemplo.

O que se pode dizer sobre pontos de divergência entre a proposta de Susuki e a proposta de Schafer é que 1) o material a ser ouvido é completamente diferente. EnquantoSuzuki sugere a audição de peças que serão futuramente executadas pelo aluno noinstrumento, Schafer propõe uma espécie de ampliação da audição que, a princípio, nem éexclusivamente musical; 2) o papel desempenhado pela audição nas duas propostas sãodiametralmente diferentes. Suzuki utiliza audição como meio para conseguir uma execuçãomusical adequada tendo como objetivo final a execução musical, não a audição. Por suavez, na proposta de Schafer podemos observar um papel muito mais central da audição. Em

um primeiro momento ela é mesmo o objetivo e não um meio para alcançar outro propósito. O aluno escuta para desenvolver a audição, não para conseguir tocar isso ouaquilo. É evidente que, com a audição bem desenvolvida, tocar isso ou aquilo torna-se mais possível e mais provável, mas Schafer propõe mesmo um conjunto de atividades que têmna audição seu meio e fim.

Por outro lado podemos localizar como ponto de convergência dessas duas propostasa necessidade do educador musical, quando ao abordá-las, desenvolver o hábito de escutacujo o foco está unicamente na audição, ou melhor, ouvir para fruir e depois falar sobreaquilo que está sendo ouvido, e não ouvir apenas para imitar ou ainda para uma execuçãocoletiva.

BibliografiaFONTERRADA, Marisa Trench de Oliveira. Música e Meio Ambiente: a ecologia sonora.São Paulo: Irmãos Vitale, 2004.SCHAFER, Murray. A afinação do mundo . São Paulo: Editora Unesp,2001. _________.O ouvido pensante . São Paulo: Editora Unesp, 1991.

SUZUKI, Shinichi. Educação é amor : um novo método de educação. 2a

ed. Trad. Anne C.Gottberg. Santa Maria: Pallotti, 1994. ________.Violin School . Miami: Warner Bros. Publications, 1983. Vol. 1.

2 Ver monografia de especialização em preparação.