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XIV Congresso Brasileiro de Economistas, Recife, 2001.
ABERTURA COMERCIAL E PADRÃO DE ESPECIALIZAÇÃO AMBIENTAL DAINDÚSTRIA BRASILEIRA
Maria Cecília Junqueira Lustosa
RESUMO
O objetivo deste trabalho é contribuir para análise dos impactos ambientaisda abertura comercial brasileira dos anos 90, verificando os fluxos de produtosindustrializados segundo o padrão de especialização ambiental. Ao explicarquais as mercadorias que são comercializadas entre os países, baseando- se naintensidade do uso de fatores de produção, as teorias de comércio internacionalprocuram identificar e explicar o padrão de especialização dos países por meiodas vantagens comparativas - que levariam à alocação ótima de recursos etrariam ganhos de bem- estar. Essa noção de bem- estar pode ser ampliada com ainclusão de variáveis ambientais. O padrão de especialização ambiental foielaborado segundo o Índice Linear de Intensidade de Toxidade Humana Aguda eos setores foram classificados nas categorias alta, média alta, média baixa e baixaintensidade de toxidade. As principais conclusões são: (i) quanto àsimportações, a abertura comercial resultou na mudança do padrão deespecialização ambiental, no qual os setores de alta intensidade de toxidadeperderam participação relativa para as categorias de média baixa e baixaintensidades de toxidade; (ii) quanto às exportações, o padrão de especializaçãoambiental está baseado em setores que apresentam alta intensidade de toxidade- cerca de 30% no período analisado; (iii) devido ao padrão de alta intensidade detoxidade, as exportações tornam- se mais vulneráveis às barreiras não tarifáriasde caráter ambiental e (iv) para atingir o superávit comercial, via incremento dasexportações, pode ser necessário aumentar os níveis absolutos das emissõesindustriais e a velocidade de exploração dos recursos naturais - podendo levar àmaior degradação dos mesmos, fazendo o país perder sua vantagem competitiva,além arcar com impactos ambientais negativos.
1. Introdução
Devido as políticas de industrialização via substituição de importações, os
países latino- americanos permaneceram durante algumas décadas com grau de
abertura comercial muito pequeno. A partir da década de 80, entretanto, esses
países passaram a adotar políticas de liberalização comercial, tais como redução
das tarifas aduaneiras e das quotas de importação de produtos estrangeiros. No
caso brasileiro, a abertura ao comércio internacional, que se intensificou a partir
do final dos anos 80, resultou no aumento do valor nominal1 tanto das
exportações quanto das importações. Entre 1988 e 1999, essas últimas tiveram
1 Em dólares americanos correntes.
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um crescimento substancial – mais de 200% –, enquanto que as primeiras
cresceram cerca de 40%. Uma das justificativas para adoção dessas políticas está
baseada em teorias de comércio internacional, que associam o livre comércio
com o aumento do bem- estar das nações, gerando crescimento econômico e
aumento da eficiência alocativa. Mais especificamente, são teorias derivadas da
teoria ricardiana das vantagens comparativas e do modelo de dotação de fatores
de Heckscher- Ohlin.
Entretanto, o conceito de bem- estar adotado por tais teorias poderia ser
ampliado, na medida em que relaciona bem- estar somente ao aumento da renda
real da nação e a maior diversidade de produtos, sem levar em conta as questões
distributiva e ambiental. No que se refere a esta última, poucos trabalhos têm
sido desenvolvidos para avaliar os impactos da liberalização dos fluxos
comerciais brasileiros sobre o meio ambiente 2. Como grande parte dos produtos
comercializados é de origem industrial – e o setor industrial é um dos que mais
provoca danos ambientais, seja por seus processos produtivos ou pela fabricação
de produtos poluentes e/ou que tenham problemas de disposição final após sua
utilização –, torna- se importante analisar os impactos sobre o meio ambiente da
intensificação comércio externo brasileiro.
O objetivo do presente trabalho é contribuir para esta análise verificando
os fluxos de produtos industriais do comércio externo brasileiro segundo o
padrão de especialização ambiental. Avaliar tais fluxos comerciais segundo seu
padrão de especialização ambiental consiste em identificar o comportamento
das exportações e importações de produtos da indústria de transformação3, entre
1988 e 1999, segundo o Índice Linear de Intensidade de Toxidade Humana Aguda
(ILITHA).
As importações de mercadorias da indústria de transformação de outros
países mostram a necessidade de complementação da oferta para atender a
demanda interna. A intenção de classificar as importações segundo seu risco de
2 Ver Serôa da Motta, 1993; Veiga et alii, 1995; Young, 1998 e 1999; Young e Barbosa Fo, 1998;Ferraz e Young, 1999. Um breve resumo dos resultados desses trabalho encontra- se no item 5abaixo. Em Lustosa (1999c) foi feita uma análise do comércio internacional brasileiro, segundo oÍndice Linear de Intensidade de Toxidade Humana Aguda (ILITHA), até 1996.3 A indústria de transformação representa mais de 90% do valor bruto da produção da indústriabrasileira.
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toxidade humana é verificar as emissões poupadas e possíveis danos ambientais,
isto é, verificar o quanto se deixou de emitir e degradar o meio ambiente na
hipótese de que esses produtos importados tivessem sido produzidos
internamente. O inverso ocorre com as exportações: ao complementar a oferta
de outros países, a identificação do padrão de especialização ambiental permite
verificar o quanto de emissões e possíveis danos ao meio ambiente ficaram no
país sem a contrapartida do consumo. Esse procedimento possibilitará formular
hipóteses sobre a relação entre comércio internacional e meio ambiente de
países, bem como testar hipóteses encontradas na literatura 4, como a de que os
países em desenvolvimento tendem a se especializar em exportação de
mercadorias cujos métodos de produção apresentam maiores riscos ambientais,
uma vez que supõe- se que tais países possuem leis ambientais menos restritivas
que as dos países desenvolvidos.
O presente trabalho está dividido em três partes, além dessa introdução.
Na seção seguinte traça breves comentários sobre as teorias de comércio
internacional baseadas na intensidade de uso de fatores de produção,
procurando facilitar a compreensão do padrão de especialização dos fluxos do
comércio internacional brasileiro. A terceira seção busca identificar como o
padrão de especialização do comércio internacional pela intensidade do uso de
fatores de produção pode levar a diferentes classificações para o padrão de
especialização, em capital, trabalho, tecnologia ou recursos naturais. A quarta
seção analisa algumas proposições teóricas do comércio entre nações numa
perspectiva ambiental, ou seja, alguns efeitos do comércio internacional que
podem ser benéficos do ponto de vista estritamente econômico, podem não o ser
do ponto de vista ambiental. A quinta seção analisa as exportações e
importações brasileiras de produtos da indústria de transformação segundo seu
padrão de especialização ambiental. Além de observações acerca das categorias
estabelecidas, são analisados os dados de comércio exterior segundo a
classificação proposta. Finalmente, a última seção traça as considerações finais
do trabalho.
4 Ver, por exemplo, Albrecht, 1998 e Nordström e Vaughan, 1999.
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2. A Intensidade do Uso de Fatores: de Heckscher- Ohlin às TeoriasAlternativas do Comércio Internacional
A teoria ricardiana das vantagens comparativas passou a ser a referência
teórica sobre o comércio internacional. Inúmeros desdobramentos surgiram a
partir de sua aplicação e elaboração. No âmbito da escola neoclássica, a teoria
de Heckscher- Ohlin 5 reeditou a teoria das vantagens comparativas num modelo
do tipo 2x2x2, ou seja, dois países, dois fatores de produção – capital e trabalho –
e duas mercadorias. O comércio entre países ocorreria devido a diferenças na
dotação de fatores de produção. Assim, “alguns países têm mais capital, outros
mais trabalho. A teoria (de Heckscher- Ohlin) diz que os países que são ricos em
capital exportarão bens capital- intensivo, e os que têm mais trabalho exportarão
bens trabalho- intensivo” (Södersten, 1979:61). Logo, a abundância do fator de
produção é que irá determinar a especialização do país no comércio
internacional.
Entretanto, a abundância do fator de produção pode ser determinada de
duas maneiras: uma baseada nos preços relativos dos fatores e outra nas
quantidades físicas dos mesmos. Em relação à primeira, o país possui um fator
em abundância quando seu preço for relativamente mais baixo do que no outro
país. Na segunda definição, a abundância do fator é determinada pela relação
entre as quantidades físicas dos fatores. Então o país que tiver a relação
capital/trabalho mais alta será abundante em capital, o mesmo raciocínio vale
para o fator trabalho.
É importante ressaltar que os resultados do modelo usando essas diferentes
definições de abundância de fatores de produção não são equivalentes. Quando
a abundância é determinada pelos preços dos fatores, o resultado é a
especialização na produção do bem intensivo no fator de produção abundante.
Quando é determinada pelas quantidades físicas, as condições de demanda
interna de cada país poderão influenciar nos resultados do modelo. O país com
abundância de capital, apesar de produzir mais bens capital- intensivo do que
5 Em 1919, Eli Heckscher publicou no Ekonomisk Tidskrift os fundamentos da teoria do comérciointernacional de Heckscher- Ohlin.
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trabalho- intensivo, tem uma demanda tão grande por bens capital- intensivo que
acaba exportando bens trabalho- intensivo, fazendo com que “... os fatores de
demanda mais dos que compensassem a tendência do lado da produção”
(Södersten, 1979:66).
A teoria de Heckscher- Ohlin foi objeto de muitos estudos empíricos e de
muitas críticas 6. Como resultado, sugiram vários desdobramentos – com
modelos multifatores, de mais de dois países e mais de duas mercadorias – na
tentativa de fazer com que seus resultados se tornassem mais condizentes com o
mundo real. Inúmeros testes 7 dessas teorias foram realizados, entretanto,
nenhum deles foi conclusivo e inequivocamente correto. Assim, segundo
Deardorff (1984), são três questões que uma teoria do comércio internacional
deve responder e que são possíveis de serem verificadas com os dados
disponíveis sobre comércio: “(1) What goods do countries trade? (2) With whom
do countries trade? (3) How much do countries trade?” (Deardorff, 1984:469).
Como a maioria dos modelos de comércio é formulada com somente dois
países, é ignorada a questão com quem os países comercializam. Mesmo quando
os modelos são generalizados para vários países, suas mercadorias são idênticas,
implicando que a competição se dá num único mercado mundial e não há como
determinar o comércio bilateral. Adicionalmente, ao não considerar os custos de
transporte, fica uma lacuna na explicação do comércio bilateral, que muitas
vezes é incentivado pela proximidade de países e a evidente vantagem de
redução de custos de transporte. Ao ignorar esse tipo de custo, não se pode
explicar a terceira questão, ou seja, o volume do comércio. Dessa maneira,
Deardorff (1984) conclui que a maioria dos modelos sobre comércio
internacional respondem somente a primeira questão: quais os bens que os
países comercializam e o porquê.
Para as teorias baseadas na tecnologia, o comércio entre países existe pelos
seus diferentes níveis tecnológicos, ou seja, a tecnologia e a ciência passam a ser
um fator de produção, além do trabalho e do capital, sendo também chamadas
6 Deardorff (1984) faz uma resenha bastante completa a respeito dos testes do modelo deHeckscher- Ohlin.7 Bowen et alii (1987) criticam as abordagens para testar o modelo de Heckscher- Ohlin e fazemtestes para verificar a hipótese do modelo.
5
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de “neo- factor proportions” approach . Essa abordagem é um desdobramento da
teoria de Heckscher- Ohlin, na qual a abundância do fator de produção é que
determina o padrão de especialização do país no comércio internacional. Assim,
nesse caso específico, quando um país é abundante no fator de produção
tecnologia, ele se especializará e será competitivo internacionalmente nos
setores intensivos em tecnologia.
Para essa abordagem, o gap tecnológico existente entre os países
desenvolvidos e os países em desenvolvimento tem impactos no comércio de
manufaturas entre o Norte – representado pelos países desenvolvidos – e o Sul –
os países em desenvolvimento. A United Nations (1985) realizou um estudo
empírico a fim de verificar a relação existente entre vantagem competitiva e a
capacitação tecnológica em 90 indústrias manufatureiras, numa amostra de 32
países desenvolvidos e em desenvolvimento. Como indicador do comércio
internacional, tomou- se o índice de vantagens comparativas reveladas (revealed
comparative advantage – RCA) e para medir a capacidade tecnológica nacional
utilizou- se o gasto nacional em pesquisa e desenvolvimento (P&D) por
trabalhador. Foi verificada uma correlação positiva entre a capacidade
tecnológica e o RCA para dois grandes grupos de indústrias: Química e Produtos
de engenharia, mostrando que as indústrias intensivas em tecnologia estão
concentradas nesses grupos. Os outros grupos apresentaram um coeficiente de
correlação próximos de zero, a saber: Vestuário e têxtil, intensivos em trabalho;
Ferro e aço, que possuem tecnologias maduras; e Semi- manufaturados, que são
altamente dependentes de recursos naturais. Dessa maneira, evidencia- se que o
fator tecnologia é determinante nas vantagens competitivas de produção e
exportação dos setores químico e de produtos de engenharia.
Por ser derivada da teoria de Heckscher- Ohlin, o estudo da United Nations
chega a conclusão de que, em geral, os países mais intensivos em P&D possuem
vantagens competitivas na exportação de produtos intensivos em P&D. A
maioria dos países em desenvolvimento da amostra utilizada apresenta uma
composição da pauta de exportações de manufaturas segundo sua capacitações
tecnológicas – exportam produtos de baixo conteúdo tecnológico –, mostrando
que o gap tecnológico entre países desenvolvidos e países em desenvolvimento
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faz com que os produtos intensivos em P&D importados pelos países
desenvolvidos vêm, em sua maioria, dos próprios países desenvolvidos. Para os
países em desenvolvimento, as importações intensivas em tecnologia vêm dos
países desenvolvidos também, inclusive do produtos intensivos em P&D do
grupo Químicos, que são necessários para melhorar o desempenho das
exportações das indústrias tradicionais, intensivas em trabalho, como têxteis,
vestuário, couro e calçados. As exportações de manufaturas dos países em
desenvolvimento para os países desenvolvidos aumentaram no período de 1970 a
1980 – 30% para os EUA e mais de 35% para o Japão –, principalmente os
derivados de petróleo.
Dessa maneira, os fatores tecnológicos são determinantes importantes das
vantagens competitivas da indústria e, consequentemente, dos padrões de
comércio internacional. Os países que possuem o “fator tecnologia” em
abundância são os que possuem vantagens competitivas nas indústrias
intensivas em tecnologia. Mesmo entre os países em desenvolvimento, há
subgrupos de países com diferentes gap tecnológicos em relação aos países
desenvolvidos, que se modificam com o tempo. A redução do gap de alguns
países deveu- se à transferência de tecnologia, sendo que a extensão dessa
redução dependeu da efetividade da transferência de tecnologia, assim como a
capacidade individual dos países de desenvolverem endogenamente uma base
tecnológica.
Outras teorias surgiram 8 posteriormente com novos argumentos a favor do
comércio internacional, que segundo Moreira e Correa (1996) podem ser
divididos em estáticos e dinâmicos. São quatro os argumentos estáticos:
diversidade de produtos, economias de escala, eficiências técnicas e fenômeno
de rent- seeking . O argumento da diversidade de produtos consiste em que
nenhum país pode produzir em autarquia uma diversidade muito grande de
produtos. O comércio internacional possibilita uma maior oferta de produtos
tanto para os consumidores – que elevariam seu nível de bem- estar, pois a
diversidade é valorizada – quanto para os produtores – por meio do acesso a
insumos e bens de capitais de qualidade superior. Com a abertura do país ao
8 Ver Deardorff (1984).
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comércio externo, as economias de escala seriam possibilitadas pelo aumento da
demanda das firmas e, consequentemente, do volume de produção,
proporcionando redução de custos unitários.
No que se refere às eficiências técnicas, o argumento baseia- se no fato de
que são poucos os incentivos para as firmas reduzirem custos e elevarem a
produtividade numa situação em que os mercados são protegidos. Evidencia- se,
portanto, um desperdício de recursos que poderiam ser alocados para o aumento
do bem- estar. O livre comércio, através da exposição das firmas a um mercado
mais concorrencial, faria com que elas se tornassem mais eficientes. O último
argumento estático diz respeito ao ganhos relativos de não propiciar o rent-
seeking , uma vez que uma economia aberta sofre menos intervenção
governamental nas relações de comércio exterior, dando poucos incentivos para
essas atividades improdutivas.
Os argumentos dinâmicos, derivados da teoria do crescimento endógeno,
associam comércio internacional e crescimento econômico. Nesta teoria o
progresso técnico é endogeneizado – e não mais exógeno como nas teorias
ortodoxas. São quatro as maneiras pelas quais o comércio afeta o crescimento: a
primeira refere- se à intensificação do fluxo de idéias associado ao comércio,
resultando na expansão da base tecnológica e na redução do custo da inovação,
acelerando o crescimento econômico. A segunda diz respeito à maior
concorrência que ficam expostos os empresários locais, que devem tornar- se
mais inovadores para poder competir internacionalmente. A terceira forma pela
qual o comércio afeta o crescimento é por meio das economias de escalas
associadas à pesquisa e desenvolvimento (P&D), uma vez que o comércio
exterior aumenta o mercado potencial das firmas. Entretanto, esse crescimento
do mercado potencial ocorre para todas as firmas, podendo ameaçar suas
posições relativas, inclusive no mercado doméstico. Finalmente, dado a dotação
de fatores específica a cada país, haverá uma especialização dos setores
produtivos na direção desses fatores. Esse fato pode afetar adversamente o
crescimento, a depender como a especialização vai influenciar nos setores
geradores de novas tecnologias.
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XIV Congresso Brasileiro de Economistas, Recife, 2001.
Para outros autores 9, o comércio estaria relacionado com a diferenciação de
produto que é atribuída a cada país, isto é, produtos iguais produzidos em países
diferentes seriam considerados diferentes pelos consumidores. O trabalho
clássico de Linder (1961) e seus desdobramentos feitos por Balassa (1967) e
Grubel e Lloyd (1975)10 procuram explicar o comércio entre produtos similares. A
hipótese desses modelos é que o nível de conhecimento entre os países é o
mesmo e que cada um se especializaria em produtos similares, mas com ligeira
diferenciação entre eles, devido às economias de escala ao nível da firma.
Bhagwati (1982)11 propõe uma abordagem alternativa para essa questão. A
hipótese de mesmo nível de conhecimento entre os países é retirada e considera
que os tipos de produtos produzidos num país são resultados de um processo de
seleção feito pela sociedade. Logo, fatores como o nível de renda da população e
o nível de P&D no setor manufatureiro, entre outros, definem a capacidade da
sociedade de escolher as características dos produtos. Como exemplo, cita a
especialização do Japão na produção de automóveis de pequeno porte e a dos
EUA em automóveis grandes. Assim, carro é o produto genérico e cada país se
especializa em determinadas características do produto.
3. Identificação do Padrão de Especialização pela Intensidade do Uso deFatores de Produção
Ao explicar quais as mercadorias que são comercializadas entre os países,
baseando- se na intensidade do uso de fatores de produção, as teorias de
comércio internacional procuram identificar e explicar o padrão de
especialização dos países através das vantagens comparativas12. Isso é
importante na medida em que torna- se possível formular hipóteses sobre suas
capacidades produtivas e tecnológicas, definindo a competitividade e,
consequentemente, a natureza da inserção internacional de cada país (Cepal,
1996).9 Armington (1969), de Melo e Robinson (1981) apud Deardorff (1984).10 Ver Bhagwati e Srinivasan (1984), cap. 8.11 Citado em Bhagwati e Srinivasan (1984).12 Como observa Deardorff (1984), a semelhança entre as teorias de comércio internacional maisconhecidas refletem o fato de que elas são casos particulares ou desdobramentos da teoria dasvantagens comparativas.
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Para caracterizar o padrão de especialização é necessário estabelecer
categorias empíricas para estudar a composição do comércio de mercadorias. A
depender das relações que se pretende analisar, diferentes categorias empíricas
devem ser estabelecidas para uma classificação. No estudo da Cepal (1996), o
propósito da classificação é elucidar as relações complexas entre os efeitos
comércio internacional sobre o crescimento econômico. A caracterização da
inserção internacional de um país deve estar relacionada com elementos da sua
estrutura produtiva- tecnológica e com as características dos mercados em que
comercializa seus produtos. Os bens são classificados em primários e
industrializados. Os primeiros são: agrícolas, minérios e insumos energéticos. O
grupo de industrializados é composto por tradicionais – alimentos, bebidas,
fumo e outros –; bens com elevadas economias de escala e alta densidade de
recursos naturais; bens duráveis e suas partes; e bens difusores de progresso
técnico.
Capdeville et alii (1995) adotam a classificação de Pavitt (1984) para explicar
as relações entre capacidades tecnológicas e o padrão de comércio internacional.
Os setores industriais são classificados como:
• dominados por fornecedores, ou seja, a dinâmica tecnológica é dado pelos
fornecedores de equipamentos e são considerados setores tradicionais, como
têxtil e calçados.
• fornecedores especializados, caracterizados pelos setores produtores de bens
de capital, que ditam o ritmo do desenvolvimento tecnológico de outros
setores.
• intensivos em escala, isto é, setores que possuem escala mínima de produção
para serem eficientes, como automobilístico e químico.
• baseados na ciência, são setores que investem pesadamente em ciência e
tecnologia, gerando progresso técnico na economia, como a farmacêutica e a
microeletrônica.
No intuito de realizar comparações entre países, a OECD (Hatzichronoglou,
1997) classificou a indústria de transformação de acordo com o nível de
tecnologia dos setores. Estes foram classificados em alta tecnologia –
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aeroespacial, computadores, comunicações e farmacêutica –, média alta
tecnologia – instrumentos científicos, automóveis, maquinaria elétrica, química,
equipamentos de transporte e maquinaria não elétrica –, média baixa tecnologia
– produtos de plástico e borracha, construções navais, metais não ferrosos,
produtos de minerais não metálicos, produtos metálicos, refino de petróleo e
metais ferrosos – e baixa tecnologia – gráfica, têxtil e vestuário, alimentos,
bebidas, fumo e madeira e mobiliário.
Essas classificações estão embasadas em fatores de produção, como trabalho,
capital e tecnologia, mas não levam em consideração outras questões, como
impactos do comércio internacional sobre o meio ambiente. Em relação a esse
último aspecto, deve- se também utilizar uma classificação que possibilite
estabelecer algumas relações específicas. A importância da determinação do
padrão de especialização para avaliar a relação comércio internacional e meio
ambiente reside no fato de que a escala da atividade industrial juntamente com
sua concentração espacial, a composição setorial da produção e o padrão
tecnológico da indústria (se adota tecnologia limpas13 ou tratamentos end- of-
pipe 14) afetam diretamente o nível de poluição industrial15, ou seja, o padrão de
especialização da indústria é determinante para o nível de poluição industrial de
um país. A intensificação do comércio internacional, que pode ser benéfica do
ponto de vista do crescimento econômico, nem sempre é benéfica do ponto de
vista ambiental. A depender do padrão de especialização e do patamar
tecnológico em relação à tecnologia limpas, o aumento da escala de produção
13 Kemp e Soete (1992) colocam com propriedade que o termo “tecnologia limpa”, apesar de seramplamente usado, não é linguisticamente o mais correto. Primeiro, porque nenhuma tecnologiaé totalmente limpa e segundo porque deve- se distinguir tecnologia limpa (clean ) e tecnologiasque limpam o ambiente (cleaning ). O termo correto seria “tecnologia mais limpa” (cleaner) ou“poupadora de recursos naturais” (environment- saving). Entretanto, a expressão “tecnologialimpa” será empregada como o termo genérico para todas as técnicas, produtos, processos emétodos de produção que diminuem ou não causam danos ambientais e/ou reduzem o uso derecursos naturais. 14 No tratamento end- of-pipe , também chamada de tratamento de final de linha ou final de tubo,as substâncias tóxicas são tratadas antes de serem lançadas no meio ambiente - controle dacontaminação. Incluem também as atividade de restauração do ambiente degradado (clean- up) ,tornando inofensivas substâncias tóxicas já presentes no ecossistema.15 É importante distinguir emissões industriais de poluição industrial. As emissões são os resíduosda atividade industrial, que são em parte absorvidas pelo meio ambiente. Quando a capacidadeassimilativa do meio ambiente é inferior à quantidade de emissões surge, então, a poluição.
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pode ter conseqüências danosas ao meio ambiente: se o país for especializado
em mercadorias cujos métodos de produção são muito poluidores, quanto maior
a escala de produção, maiores serão os danos ambientais.
A teoria das vantagens comparativas e seus desdobramentos defendem o
comércio internacional na medida em que esse traria ganhos de bem- estar
resultantes da alocação ótima de recursos. Como apontam Moreira e Correa
(1996:3), “... seria possível elevar a renda real da população através da
especialização da produção nos setores nos quais os país possua vantagens
comparativas, seja em termos de tecnologia (no caso ricardiano), seja em termos
da dotação de fatores (no caso Heckscher- Ohlin)”. Essa noção de bem- estar
pode ser ampliada, incluindo a questão ambiental. Entretanto, um aumento da
renda real da população possibilita a elevação da demanda por produtos
ecologicamente corretos, mesmo com preços mais altos. Esse seria um efeito
positivo do comércio internacional sobre o meio ambiente.
4. Proposições Teóricas do Comércio Internacional na Perspectiva Ambiental
Antes de comentar as proposições teóricas do comércio internacional sob a
ótica ambiental, faz-se necessário explicitar as razões pelas quais a questão
ambiental deve ser incluída na noção de bem- estar e os problemas que o
comércio internacional traz ao meio ambiente.
A poluição, seja atmosférica, hídrica ou do solo, gera danos à saúde humana.
Muitas doenças podem ser evitadas com menores níveis de poluição,
aumentando o bem- estar da população. Adicionalmente, as doenças causadas
pela poluição fazem o governo ter gastos significativos com saúde, como
avaliaram alguns estudos para o caso brasileiro (Serôa da Motta e Mendes, 1995a
e 1995b 16). Além do mais, o custo da despoluição é muito alto, como pode- se
constatar por diversos programas de despoluição, como o da Baía de Guanabara
16 Segundo os autores, os gastos médicos (realizados pelo sistema Inamps) associados à poluiçãohídrica doméstica no Brasil no ano de 1989 foram US$ 40,2 milhões e os gastos hospitalares nacidade de São Paulo com doenças causadas por poluição atmosférica para o mesmo ano foram deUS$ 785 mil. Os custos médios de saúde per capta associados à poluição hídrica foram de US$2,97 e US$ 0,84 associados à poluição atmosférica (para as populações de São Paulo, Rio deJaneiro e Cubatão).
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no Rio de Janeiro e o do Rio Tietê em São Paulo, que já consumiram milhões de
dólares e ainda não estão perto de uma solução definitiva. Tais recursos – os
gastos adicionais com saúde e despoluição – poderiam ser alocados para outros
fins, de modo a elevar o nível geral de bem- estar. Outro importante argumento
para incluir a questão ambiental na noção de bem- estar é a irreversibilidade dos
danos causados ao meio ambiente, incluindo a degradação dos recursos naturais
– sejam renováveis17 ou não –, comprometendo o bem- estar das gerações atual e
futuras.
Quanto aos problemas ambientais causados pelo comércio internacional,
pode- se identificar três tipos de possíveis danos:
1) causados pelo transporte de mercadorias de um país para outro, ou seja, as
emissões atmosféricas provenientes do transporte internacional de
mercadorias e os possíveis acidentes podem contaminar o meio ambiente.
Os transportes marítimos e ferroviários são, em geral, menos poluentes que o
rodoviário e aeroviário em relação aos gases do efeito estufa. O efeito
ambiental líquido do aumento dos fluxos de comércio internacional
dependem, por um lado, das mudanças do padrão desse comércio – isto é, os
parceiros comerciais e o tipo de mercadoria exportada – e por outro lado de
políticas que estimulem determinados tipos de transporte segundo seus
potenciais poluidores (Chudnovsky et alii , 1999);
2) causados pelo uso de um produto 18, ou seja, quando o consumo de
determinado produto importado afeta o meio ambiente do país importador.
Nesse caso, o país produtor estaria exportando problemas ambientais
juntamente com o produto;
3) causados por processos e métodos de produção (PPM)19, isto é, quando a
maneira pela qual os recursos naturais foram extraídos e/ou o produto foi
produzido traz problemas ambientais. Segundo a Vossenaar e Jha (1994), eles
são classificados em duas categorias, A e B.
17 É importante lembrar que os recursos renováveis podem tornar- se não renováveis na medidaem que sua taxa de exploração for maior que sua taxa de renovação.18 Essa abordagem e a do item seguinte estão baseadas em Lustosa (1999a).19 Refere- se ao termo em inglês, processes and production methods (PPM).
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A categoria A, também chamada de PPM relativos ao produto (product-
related PPM), abrange os casos em que o dano ambiental causado por PPM é
transmitido através do produto importado, causando uma externalidade devido
ao consumo. Assemelha- se ao problema tipo 1) acima descrito, pois, em ambos,
o uso do produto é o responsável pelos dados ambientais. Entretanto, a
diferença reside em que, no primeiro, o dano causado não está associado com o
modo de produção e no segundo sim. Desta forma, problemas causados por
PPM relativos ao produto estão associados aos requisitos de processos
industriais que garantem a qualidade. Geralmente ocorrem com produtos que
mantêm resíduos indesejados, remanescentes do processo de produção.
A categoria B, PPM não relativos ao produto (non- product- related PPM),
engloba os casos em que os PPM em si são causadores de danos ambientais no
próprio país produtor ou em outros países, gerando uma externalidade devido à
produção. Nessa categoria, são quatro tipos de problemas causados: poluição
transfronteiriça; perdas de espécies migratórias e recursos vivos comuns;
preocupações com o meio ambiente global; e preocupações com o meio
ambiente local.
Os novos argumentos a favor do comércio internacional, apontados por
Moreira e Correa (1996) e descritos no item 2, devem ser também analisados do
ponto de vista ambiental. São quatro os argumentos estáticos: diversidade de
produtos, economias de escala, eficiências técnicas e fenômeno de rent- seeking .
O primeiro desses argumentos advoga que o comércio internacional
possibilita uma maior oferta de produtos tanto para os consumidores – que
elevariam seu nível de bem- estar, pois a diversidade é valorizada – quanto para
os produtores – por meio do acesso a insumos e bens de capitais de qualidade
superior. No que tange à análise ambiental, essa vantagem do comércio
internacional pode afetar positivamente ou não o meio ambiente, a depender do
padrão de especialização das exportações do país. Se as exportações estiverem
baseadas em setores poluentes, o aumento da produção para exportar elevaria os
níveis de poluição industrial20, gerando externalidades negativas. Reversamente,
20 Pode- se contra- argumentar que não estão sendo considerados os efeitos do progresso técnicosobre os processos de produção industrial. Entretanto, como esse é um argumento estático, atecnologia também está sendo considerada sob esse ponto de vista.
14
XIV Congresso Brasileiro de Economistas, Recife, 2001.
se o país se especializar em setores de baixo potencial poluidor, o comércio
internacional será benéfico sob o ponto de vista do país individual, pois estaria
exportando produtos cujos PPM não afetam o meio ambiente e estaria,
possivelmente, importando produtos com PPM poluidores, logo estaria
poupando emissões. Há de se levar também em consideração os efeitos que o
aumento do transporte internacional de mercadoria pode provocar sobre o meio
ambiente e os tipos de produtos que estão sendo disponibilizados com as
importações – se causam danos ambientais ou não.
O segundo argumento ressalta que com a abertura do país ao comércio
externo, as economias de escala seriam possibilitadas pelo aumento da demanda
das firmas e, consequentemente, do volume de produção, proporcionando
redução de custos unitários. Do ponto de vista ambiental, o aumento da escala
de produção pode trazer efeitos distintos, a depender do padrão de
especialização da exportações. A explicação é a mesma do argumento da
diversidade. Ou seja, se o país for especializado em setores poluentes, a maior
escala de produção agrava os problemas ambientais, pois como ressaltado
anteriormente, a escala da atividade industrial e a composição setorial da
produção afetam diretamente o nível absoluto de emissões de substâncias
tóxicas de um país.
No que se refere às eficiências técnicas, o terceiro argumento baseia- se no
fato de que são poucos os incentivos para as firmas reduzirem custos e elevarem
a produtividade numa situação em que os mercados são protegidos. Evidencia-
se, portanto, o desperdício de recursos que poderiam ser alocados para o
aumento do bem- estar. O livre comércio, através da exposição das firmas a um
mercado mais concorrencial, faria com que estas se tornassem mais eficientes.
Do ponto de vista ambiental, esse argumento pode trazer efeitos positivos, pois a
concorrência internacional levaria às firmas a inovarem, evitando desperdícios e
utilizando melhor os insumos produtivos. Entretanto, seira necessário a criação
de mecanismos que induzissem as firmas a adotarem tecnologias limpas. Além
do mais, um país de inserção internacional, seja pelo comércio ou pelo
investimento estrangeiro, usa tecnologias mais modernas e menos danosas ao
15
XIV Congresso Brasileiro de Economistas, Recife, 2001.
meio ambiente que um país fechado – resultado da concorrência internacional
que exige padrões ambientais mais rigorosos21.
No que tange aos países em desenvolvimento, as multinacionais ajudam a
difundir tecnologias menos nocivas ao meio ambiente, uma vez que são
pressionadas por grupos ambientalistas e por seus acionistas do país de origem,
pois o custo de implementar um processo de produção limpo é menor do que
modificar um poluidor já existente 22. Entretanto, mesmo adotando tecnologias
que respeitem o meio ambiente, o tratamento dado aos rejeitos industriais pode
não ser adequado ao ecossistema local, necessitando de manejo diferenciado. O
transporte de substâncias perigosas para países menos desenvolvidos são
baseados em critérios de eficiência ambiental mundiais, podendo prejudicar o
meio ambiente do país “importador”, tornando- o um paraíso de poluição e
trazendo danos ambientais locais.
O último argumento estático diz respeito ao ganhos relativos de não
propiciar o rent- seeking , uma vez que uma economia aberta sofre menos
intervenção governamental nas relações de comércio exterior, dando poucos
incentivos para essas atividades improdutivas. Esse argumento não teria
implicações diretas sobre o meio ambiente, apesar de ser importante a ação
governamental no sentido de regulamentar as atividades de comércio
internacional com relação ao meio ambiente. Evitar discriminação dos produtos
brasileiros no exterior, além da importação de produtos nocivos ao meio
ambiente e à saúde humana, são pontos importantes que merecem a intervenção
do governo.
Dentre os argumentos dinâmicos (ver item 2), são quatro as maneiras
pelas quais o comércio afeta o crescimento: a primeira refere- se à intensificação
do fluxo de idéias associado ao comércio, resultando na expansão da base
tecnológica e na redução do custo da inovação, acelerando o crescimento
econômico. Essa troca de idéias pode trazer soluções inovadoras para as
21 Alguns ambientalistas, entretanto, colocam que a abertura comercial favorece a transferência detecnologias obsoletas ou com maior potencial poluidor, dado que os países em desenvolvimentoteriam uma legislação ambiental menos rigorosa. 22 No caso brasileiro, Young e Lustosa (2000) verificaram que as firmas de inserção internacional –aquelas de propriedade parcial (ou total) do capital controlador por estrangeiros ou asexportadoras – são as mais preocupadas com a questão ambiental.
16
XIV Congresso Brasileiro de Economistas, Recife, 2001.
questões relativas ao meio ambiente, sobretudo para os países em
desenvolvimento que podem se beneficiar das inovações ambientais23 geradas
nos países desenvolvidos, cujas regulamentações ambientais são mais exigentes.
A segunda diz respeito à maior concorrência que ficam expostos os
empresários locais, que devem tornar- se mais inovadores para poder competir
internacionalmente. Uma vez que os países desenvolvidos são responsáveis pela
maior parte do comércio internacional e seus padrões ambientais são mais
elevados, há uma possibilidade de que os produtores locais passem a ver a
questão ambiental como um fator importante na estratégia competitiva,
tornando- se, portanto, mais responsáveis em relação ao meio ambiente.
A terceira forma pela qual o comércio afeta o crescimento é por meio das
economias de escalas associadas à P&D, uma vez que o comércio internacional
aumenta o mercado potencial das firmas. Entretanto, esse crescimento do
mercado potencial ocorre para todas as firmas, podendo ameaçar suas posições
relativas, inclusive no mercado doméstico. Do ponto de vista ambiental, essa
economia de escala dinâmica pode beneficiar o meio ambiente, na medida em
que a variável preservação ambiental seja um fator importante na P&D.
Finalmente, dado a dotação de fatores específica a cada país, haverá uma
especialização dos setores produtivos na direção desses fatores. Esse fato pode
afetar adversamente o crescimento, a depender como a especialização vai
influenciar nos setores geradores de novas tecnologias. Como argumentado
anteriormente, essa especialização pode trazer ou aumentar os problemas
ambientais de um país se sua especialização for na direção de setores intensivos
em poluição e recursos naturais. A expectativa é que os países em
desenvolvimento se especializem nesses setores, pois além da legislação
ambiental ser, em geral, menos rigorosa do que nos países desenvolvidos, alguns
países em desenvolvimento possuem os recursos naturais em abundância,
gerando uma especialização na direção desse fator de produção. Nesse ponto, é
fundamental a maneira pela qual é gerenciada a extração dos recursos naturais e
a política ambiental, no sentido de incentivarem a adoção de tecnologia limpas.
23 As inovações ambientais referem- se a tecnologias limpas e métodos de gestão ambiental nasempresas.
17
XIV Congresso Brasileiro de Economistas, Recife, 2001.
Concluindo, o comércio internacional tem aspectos positivos e negativos no
que se refere ao meio ambiente. Os aspectos positivos devem ser aproveitados e
potencializados, dado o movimento de abertura comercial pelo qual passaram os
países em desenvolvimento, incluindo o Brasil. Quanto aos aspectos negativos,
uma vez que eles existem e não podem ser desprezados pelas conseqüências
ambientais que podem trazer, cabe ao governo exercer o papel de regulador,
incentivando as empresas a adotarem uma postura pró- ativa em relação às
questões ambientais. Dessa forma, o país pode ganhar competitividade, na
medida em que terá uma imagem positiva em relação à preservação ambiental
perante a comunidade internacional. A extração sustentável dos recursos
naturais do país é fundamental para que não se perca a dotação desse fator. A
degradação dos recursos naturais tira a vantagem competitiva do país, tanto para
a geração atual como também para as gerações futuras.
5. Os Fluxos Comerciais da Indústria Brasileira segundo seu Risco deToxidade Humana
A definição do padrão de especialização ambiental do comércio internacional da
indústria brasileira foi baseada no ranking de 74 setores industriais, de acordo
com o Índice Linear de Intensidade de Toxidade Humana Aguda (ILITHA)24. Os
setores foram classificados em quatro categorias: Alta Intensidade de Toxidade
(os 25% de maior intensidade), Média Alta Intensidade de Toxidade (os situados
entre 50% e 25% de maior intensidade), Média Baixa Intensidade de Toxidade
(entre 25% e 50% de menor intensidade) e Baixa Intensidade de Toxidade (os
25% de menor intensidade).
A construção de uma classificação para definir o padrão de especialização
ambiental apresenta algumas dificuldades. A primeira é a utilização de dados de
24 O ILITHA foi calculado pela equipe do Banco Mundial, baseando- se em três bases de dados: OToxic Release Inventory – composto de informações anuais sobre as emissões de produtosquímicos tóxicos–, o Human Health and Ecotoxity Database – que contém vários índices depotencial toxicológico – e o Longitudinal Research Database – que contém informações sobre osestabelecimentos industriais. Todos esses dados referem- se à indústria norte- americana e foramponderados pelo risco ambiental e para a saúde humana que apresentam. Esse índice possibilitaa comparação de riscos ambientais e para a saúde humana entre os setores industriais (verHettige et alii, 1994)
18
XIV Congresso Brasileiro de Economistas, Recife, 2001.
emissão da indústria americana, que certamente apresenta PPM diferentes da
indústria brasileira. Mas, na falta de um ranking desse tipo para o caso
brasileiro, a utilização do índice americano fornece uma proxy , uma vez que o
mais importante é a relação entre os setores. Por exemplo, é inegável que
Fertilizantes e Pesticidas (o primeiro do ranking ) apresenta maior risco de
toxidade humana que Cerâmica e Porcelana (o vigésimo sexto). A segunda é a
generalidade do índice, pois um setor pode estar classificado com baixa
intensidade e ser um grande emissor de um poluente específico. Por exemplo,
Laticínios está classificado como Média Baixa Intensidade de Toxidade, mas é
um poluidor potencial de recursos hídricos devidos às altas emissões de DBO
(demanda bioquímica de oxigênio). A terceira dificuldade consiste no inevitável
grau de arbitrariedade na escolha das categorias. Por fim, foi necessária uma
tradução da classificação setorial da ISIC25 revisão 2, a qual se baseia o ranking
dos setores de acordo com o ILITHA, para a NBM26, na qual estão expressos os
valores das exportações e importações. Evidentemente essa tradução pode
apresentar pequenas distorções, o que não inviabiliza a visão mais agregada das
categorias de intensidade de toxidade.
A tabela 1 e o gráfico 1 mostram as exportações da indústria de transformação
segundo seu padrão de especialização ambiental, de 1988 a 1999. Observa- se
que houve um declínio da participação dos setores de alta intensidade de
toxidade – de 38,21% em 1988 para 32,45% em 1999, apresentando percentuais
inferiores a 30% para os anos de 1997 e 1998. Nessa categoria, os setores
produtores de Ferro fundido, ferro e aço e Obras de ferro fundido, ferro e aço são
os mais exportadores – cerca de 40% em 1988, declinando para 27% em 1999. Os
setores que mais aumentaram suas participações relativas na categoria de alta
intensidade de toxidade foram Madeira, carvão vegetal e suas obras de madeira
(de 5% em 1988 para 11% em 1999), Pastas de madeira e outras matérias fibrosas
celulósicas (de 6% em 1988 para 10% em 1999) e Borracha e suas obras (de 3%
em 1988 para 6% em 1999).
25 International Standard Industrial Classification (Classificação padrão internacional para aindústria).26 Nomenclatura Brasileira de Mercadorias.
19
XIV Congresso Brasileiro de Economistas, Recife, 2001.
A categoria de média alta intensidade teve aumento na sua participação
relativa de 17,42% para 19,65% para os mesmos anos, chegando ao máximo de
23,04% em 1994. Os setores que mais exportam nessa categoria são os
produtores de Caldeiras, máquinas, reatores nucleares, aparelhos e instrumentos
mecânicos e suas partes – cerca de 50% para todo o período analisado. Os
setores que tiveram sua participação relativa diminuída nesta categoria foram os
produtores de Combustíveis minerais, óleos minerais e produtos da sua
destilação e outros (de 19% em 1988 para 5% em 1999). Os setores que mais
aumentaram suas exportações nessa categoria foram os produtores de Pérolas,
pedras preciosas ou semipreciosas, metais preciosos, folheados, chapeados e
suas obras e outros (de 2% em 1988 para 7% em 1999), além dos Produtos
farmacêuticos (de 0,5% em 1988 para 3% em 1999).
Tabela 1 - Exportações da Indústria de Transformação, segundo categorias da classificação pelo Índice Linear de Toxidade Humana Aguda, em %
Class/Ano 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999Alta 38,21 37,99 37,42 40,32 37,16 35,97 35,99 35,64 32,57 29,89 28,26 32,45Média Alta 17,42 19,46 19,62 19,26 18,69 19,90 23,04 20,42 21,19 20,58 21,26 19,65MédiaBaixa
19,12 19,25 21,37 18,37 18,12 18,87 18,03 15,40 17,81 17,55 19,25 21,17
Baixa 25,25 23,30 21,59 22,06 26,04 25,25 22,96 28,54 28,44 31,98 31,22 26,73
Fonte: Elaboração própria, com dados de exportações do Anuário Estatístico do IBGE.
Os setores de média baixa intensidade de toxidade também aumentaram a
sua participação no total da exportações da indústria de transformação (19,12%
em 1988 e 21,17% em 1999), porém mantendo- se mais ou menos constante ao
longo do período analisado, com um queda mais acentuada no ano de 1995
(cerca de 15%). Os setores produtores de Calçados, polainas e artefatos
semelhantes e suas partes eram os maiores exportadores dessa categoria até 1996
– mais de 23% dessa categoria – e foram perdendo participação relativa nos
últimos dois anos, ficando com 16% em 1999. Outros setores também perderam
importantes parcelas de participação nas exportações de média baixa
intensidade de toxidade: Cacau e suas preparações 27 (de 10% em 1988 para 2%
em 1999) e Preparação de legumes e outros (de 24% em 1988 para 16% em 1999).
27 Esse item da NBM inclui as exportações de cacau que caíram muito nos anos analisados. Ouseja, esse item contem um grande componente do setor agrícola.
20
XIV Congresso Brasileiro de Economistas, Recife, 2001.
Os setores que mais aumentaram a participação relativa foram os de Navegação
aérea – com uma participação relativa na categoria irregular, porém com
aumento de 7% em 1988 para 23% em 1999 – e de produtores de Móveis e outros
(de 1% em 1988 para 5% em 1999). Em 1999, os setores com maiores percentuais
de participação nessa categoria foram: Preparação de legumes e outros (16%);
Calçados, polainas e artefatos semelhantes e suas partes (16%); Máquinas,
aparelhos elétricos e outros (22%) e Navegação aérea (23%).
Gráfico 1 - Exportações da Indústria de Transformação, segundo categorias daclassificação pelo Índice Linear de Toxidade Humana Aguda, em %
Finalmente, a categoria de baixa intensidade aumentou sua participação
de 25,25% em 1988 para 26,73% em 1999, atingindo um máximo de 32% em 1997.
Os setores produtores de Açúcares e produtos de confeitaria e de Carnes e
miudezas comestíveis foram os que mais aumentaram suas participações
relativas nessa categoria (de 6% em 1988 para 19% em 1999 e de 9,5% em 1988
para 14,5% em 1999, respectivamente). Os setores que possuíam maior
participação nas exportações dessa categoria em 1988 – Resíduos e desperdícios
das indústrias alimentares e alimentos preparados para animais (31,5%) e
Veículos automóveis, tratores, ciclos e outros (37%) – perderam participação
21
0
5
10
15
20
25
30
35
40
45
1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999
anos
perc
entu
ais
ALTA
MÉD ALT
MÉD BAI
BAIXA
XIV Congresso Brasileiro de Economistas, Recife, 2001.
relativa em 1999 – 15% e 34%, respectivamente –, mas este último continua a ser
o líder nas exportações dos produtos de baixa intensidade.
A tabela 2 e o gráfico 2 apresentam as importações relativas à indústria de
transformação segundo seu padrão de especialização ambiental, de 1988 a 1999,
excluindo o ano de 1989. Fica evidente que houve uma queda mais acentuada
da participação da categoria de alta intensidade de toxidade – de 38,47% em 1988
para 28,14% em 1999. Os Produtos químicos orgânicos são os de maior
participação relativa nessa categoria, ficando em torno de 30% para todo o
período analisado e apresentando uma ligeira queda para os anos de 1996 a 1998
(cerca de 25%). As mercadorias importadas que perderam participação relativa
nessa categoria foram os Produtos químicos inorgânicos e outros e Peles e
couros – de 10,5% para 4% e de 4,4% para 1,2%, respectivamente em 1988 e 1999.
As que ganharam participação relativa na categoria foram Plásticos e suas obras e
Têxteis sintéticos e artificiais – de 7% para 14% e de 0,3% para 3,5%,
respectivamente em 1988 e 1999.
Tabela 2 – Importações relativas à Indústria de Transformação, segundocategorias da classificação pelo Índice Linear de Toxidade Humana Aguda, em %
Class/Ano 1988 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999Alta 38,47 32,58 33,58 32,62 31,66 28,70 28,95 28,78 27,48 27,76 28,14Média Alta 31,07 30,63 29,06 29,99 28,23 28,88 26,24 29,22 30,15 30,40 31,75MédiaBaixa
23,90 25,48 24,62 23,58 23,30 23,13 24,69 27,54 27,99 27,51 29,85
Baixa 6,57 11,32 12,75 13,81 16,81 19,29 20,13 14,46 14,38 14,33 10,26
Fonte: Elaboração própria, com dados de exportações do Anuário Estatístico do IBGE.
As mercadorias de média alta intensidade mantiveram sua participação
constante – de 31,07% em 1988 para 31,75% em 1999, com ligeira queda para
26,24% no ano de 1996. A maior participação nas importações dessa categoria é
de Caldeiras, máquinas, reatores nucleares, aparelhos e instrumentos mecânicos
e suas partes, que tiveram uma queda na sua participação de 7%, mas
continuaram responsáveis por mais de 70% das importações dessa categoria para
todo o período analisado. Os Produtos farmacêuticos aumentaram sua
participação relativa de 1,5% em 1988 para 12% em 1999. Vale ressaltar que as
mercadorias classificadas na NBM como Combustíveis minerais, óleos minerais e
22
XIV Congresso Brasileiro de Economistas, Recife, 2001.
produtos da sua destilação e outros foram excluídas pelo alto peso da
importações de petróleo bruto nesse item.
A categoria média baixa intensidade aumentou sua participação relativa
nas importações, de 24% em 1988 para 30% em 1999. A maior participação
relativa da categoria é a de Máquinas, aparelhos e material elétricos, e suas partes
e outros, com 66% em 1988 caindo para 52% em 1991 e recuperando sua
participação relativa para 62% em 1999. Os maiores aumentos nas importações
dessa categorias foram de Leite e laticínios e outros – de 1% em 1988 para 4% em
1999, com um máximo de 6% em 1995 – e de Veículos e materiais de vias férreas e
outros – de 0,5% em 1988 para 2,5% em 1999. A maior queda foi de Instrumentos
e aparelhos de ótica, foto e outros – de 19,5% em 1988 para 14% em 1999.
Gráfico 2 – Importações relativas à Indústria de Transformação, segundocategorias da classificação pelo Índice Linear de Toxidade Humana Aguda, em %
Por fim, as mercadorias que compõem a categoria baixa intensidade
aumentaram substancialmente sua participação – de 6,5% em 1988 para 10% em
1999 –, tendo atingido um máximo de 20% em 1995. A maior participação é de
23
0
5
10
15
20
25
30
35
40
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1988 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999
anos
perc
entu
ais ALTA
MÉD ALT
MÉD BAI
BAIXA
XIV Congresso Brasileiro de Economistas, Recife, 2001.
Veículos automóveis, tratores e outros, que aumentam sua participação de 52%
em 1988, atingindo um mínimo de 27% em 1990 e recuperando- se até 83% em
1999. As mercadorias Sal, enxofre, terras e pedras, gesso, cal e cimento
reduziram bruscamente sua participação relativa na categoria baixa intensidade
– de 26,5% em 1988 para 8% em 1990 e menos de 0,5% em 1999. A participação
dos Produtos da indústria de moagem e outros aumentou substancialmente até
1992 – de 12% em 1988 para 34% –, com posterior queda até atingir 4,5% em
1999.
Concluindo, as exportações brasileiras relativas à indústria de
transformação, apesar das modificações no peso relativo dos produtos
exportados ao longo do período analisado, a categoria de alta intensidade de
toxidade humana ainda é predominante. Quando consideradas conjuntamente,
as categorias de alta e média alta toxidade humana representam mais de 50% das
exportações brasileiras. As principais mercadorias exportadas são dos setores de
Ferro fundido, ferro, aço e suas obras (alta intensidade) e Caldeiras, máquinas,
reatores nucleares, aparelhos e instrumentos mecânicos e suas partes (média alta
intensidade), com 7% e 8% do total exportado em 1999, respectivamente.
As importações de mercadorias da indústria de transformação de outros
países alteraram a composição em relação à toxidade humana na direção de um
padrão importador de menor toxidade humana. Os setores de maior
participação nas importações totais são os de Caldeiras, máquinas, reatores
nucleares, aparelhos e instrumentos mecânicos e suas partes (média alta
intensidade) e de Máquinas, aparelhos elétricos e outros (média baixa
intensidade), com 18,5% e 15% do total importado em 1999, respectivamente.
Outros trabalhos chegam a conclusões semelhantes a respeito da
qualidade ambiental das exportações de produtos manufaturados. Veiga et alii
(1995) ao analisarem o padrão de especialização das exportações brasileiras, de
1975 a 1993, concluem que “The
specialization pattern of Brazilian exports highlights the concentration of
natural resources-intensive products, as well as scale- and/or labor- intensive
groups. Although the nation has progressed in expanding its output and
24
XIV Congresso Brasileiro de Economistas, Recife, 2001.
exporting products with a higher added value, it has done so based on static
comparative advantages: the abundance and consequent low cost of raw
materials and energy allows industries located close to the natural bases to
operate more competitively on the international market” (Veiga et alii,
1995:10).
Usando diferentes metodologias de análise, os outros estudos sobre o
potencial poluidor das exportações brasileiras confirmam seu alto potencial
poluidor. Usando estimativas de intensidade de poluição e de custos de
abatimento para a água e o ar, a partir da base de dados do IPEA28 , Serôa da
Motta (1993) conclui que a maioria dos setores considerados “sujos” são
também os mais dinâmicos nas exportações brasileiras. Utilizando os mesmos
coeficientes de emissões do IPEA e a metodologia da matriz insumo- produto
para os anos de 1980 e 1985, Young (1998) chega a conclusão de que “... a
cadeia de exportações é mais intensiva em emissões do que a média da
economia , ...” e que “... a estratégia brasileira para minimizar déficits
comerciais nos anos 80 resultou em problemas crescentes de poluição sem a
atenção adequada para as política e práticas de controle e redução” (Young,
1998:543). Young (1999) atualiza o mesmo exercício até o ano de 1994,
utilizando a mesma metodologia e os mesmos coeficientes de emissões, e
concluiu que o complexo exportador apresentou coeficientes de emissões
maiores que a média das outras categorias da demanda final – investimento,
exportações, administração pública e consumo privado.
Em outro exercício utilizando o inventário de emissões de dióxido de
carbono (CO2) de combustíveis fósseis, elaborado pela COPPE/UFRJ (1998)29, e a
mesma metodologia da matriz insumo- produto, Young e Barbosa Fo (1998)
concluem que o complexo exportador brasileiro apresenta intensidades de
emissões maiores que a média do restante da economia. Com a metodologia da
matriz insumo- produto, porém com os coeficientes de emissão do IPPS, os
resultados obtidos por Ferraz e Young (1999) avaliam que a intensidade de
emissões da indústria brasileira reduziu como um todo, no período de 1985 a
28 Ver Young (1998), p. 546-547, para maiores detalhes sobre essa base de dados.29 Ver Young e Barbosa Fo (1998), p. 1574.
25
XIV Congresso Brasileiro de Economistas, Recife, 2001.
1995, mas que a intensidade de emissões do setor exportador aumentaram no
mesmo período.
Desta maneira, diferentes estudos utilizando metodologias e base de
dados de estimativas de emissões diversas chegam a mesma conclusão: as
exportações brasileiras apresentam um alto potencial poluidor, seja por meio de
emissões estimadas, seja pelo padrão de especialização ambiental medido pelo
ILITHA. Além do mais, como concluem Veiga et alii (1995) a especialização da
exportações brasileiras, pelo menos até 1993, está baseada produtos que usam
intensivamente recursos naturais e energia, estando a competitividade das
exportações baseadas em vantagens comparativas estáticas. Essa constatação
nos remete a outro ponto fundamental, não abordado nesse trabalho, que é a
velocidade e a maneira pela qual os recursos naturais estão sendo explorados.
Comparando a classificação da OECD (Hatzichronoglou, 1997) com o
ILITHA – os dois estão na classificação ISIC revisão 2 – observa- se que os setores
de alta tecnologia são também os que apresentam menores índices de toxidade
humana aguda – a exceção para farmacêutica. Os de média baixa tecnologia são
os que apresentam maiores riscos ambientais. Cabe lembrar que os produtos
farmacêuticos – classificados como de alta tecnologia e média alta toxidade
humana – aumentaram substancialmente sua participação nas importações
brasileiras. É necessário, evidentemente, um estudo mais aprofundado do
assunto, mas como conclusão geral pode- se inferir que os setores de maior
tecnologia são os menos poluentes, além de que se forem poluentes, por serem
intensivos em pesquisa, possuem maiores chances de desenvolverem tecnologias
mais limpas.
26
XIV Congresso Brasileiro de Economistas, Recife, 2001.
Chudnosvky et alii (1999) analisa o padrão ambiental das exportações da
indústria manufatureira argentina, de 1990 a 1997, após a maior exposição da
economia argentina ao comércio internacional. Fazendo uma classificação das
exportações argentinas também pelo ILITHA, porém dividindo entre três
categorias – alto, médio e baixo potencial poluidores – , os autores concluem que
a Argentina tem um padrão exportador de manufaturas onde predominam os
setores de alto e médio potencial poluidores (72% em 1990 e 69% em 1997).
Assim, a abertura comercial não gerou um padrão de especialização das
exportações manufatureiras mais limpo. A mesma conclusão é válida para o
Brasil: a abertura comercial não alterou o padrão de especialização das
exportações de manufaturas em direção de um potencial menos poluidor.
6. Considerações Finais
Ao explicar quais as mercadorias que são comercializadas entre os países,
baseando- se na intensidade do uso de fatores de produção, as teorias de
comércio internacional procuram identificar e explicar o padrão de
especialização dos países por meio das vantagens comparativas. As diversas
classificações apresentadas na literatura estão embasadas em fatores de
produção, como trabalho, capital e tecnologia, mas não levam em consideração
outras questões, como impactos do comércio internacional sobre o meio
ambiente. A classificação do padrão de especialização do comércio internacional
pelo ILITHA é um passo na direção da escolha de uma classificação que possa
incorporar variáveis ambientais.
Na análise do comércio externo da indústria brasileira, segundo a
classificação do padrão de especialização ambiental, os dados do período 1988 a
1999 revelam que a maior abertura ao comércio externo durante os anos 90
resultou na mudança do padrão de especialização ambiental das importações.
Os setores de alta intensidade de toxidade perderam participação relativa para as
categorias de média baixa e baixa intensidades de toxidade, principalmente para
essa última. Mesmo assim, em 1999, 60% das importações de manufaturas são
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XIV Congresso Brasileiro de Economistas, Recife, 2001.
relativas às categorias de alta e média alta intensidades, o que significa que o país
pode estar poupando emissões.
Quanto às exportações, seu padrão de especialização ambiental está
baseado em setores que apresentam alta intensidade de toxidade humana, pois
em todos os anos analisados esses setores são responsáveis por mais de 32% do
valor das exportações – exceto para os anos de 1997 e 1998, com 30% e 28%
respectivamente. Como um dos principais componentes do ILITHA são as
emissões de poluentes das unidades industriais, significa que cerca de um terço
das exportações brasileiras são provenientes de processos produtivos
potencialmente poluidores. Assim, tais exportações permitem que os países
importadores consumam bens com PPM intensivos em emissões, sem arcar com
o ônus da degradação ambiental associado à poluição da produção desses bens.
Pode- se observar, também, que os setores de alta intensidade de toxidade
humana são os produtores de commodities e de bens tradicionais, cujos produtos
possuem baixo valor agregado e baixo conteúdo tecnológico. Logo, além da
poluição, as exportações possuem pouca capacidade de gerar renda. Por
estarem sujeitas às cotações dos preços internacionais, as commodities possuem
limitações para internalizar a poluição em seu preço, ou seja, há pouca
possibilidade de sobrepreço para compensar os danos ambientais, pois poderia
haver perda de parcelas de mercado.
A análise dos fluxos comerciais das manufaturas, pela classificação do
ILITHA e de outros trabalhos, revelam que os produtos com PPM potencialmente
poluidores apresentam um percentual participação elevado nas exportações
brasileiras, reforçando a tese de que os países em desenvolvimento tendem a se
especializar em setores industriais de alta intensidade de poluição, apresentando
evidências contrárias à hipótese de que a abertura comercial gera um padrão
ambiental mais limpo para a indústria. Essas conclusões, entretanto, devem ser
tomadas com cautela, pois são estimativas do potencial poluidor. Para chegar a
conclusões mais definitivas é necessário estudar a poluição efetiva – tarefa
extremamente difícil – e levar em consideração as melhorias tecnológicas e a
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XIV Congresso Brasileiro de Economistas, Recife, 2001.
introdução da gestão ambiental em diversas empresas brasileiras, que
certamente contribuem para uma indústria mais “limpa”.
Duas implicações decorrem do padrão de especialização ambiental das
exportações brasileiras: a primeira é que devido ao seu padrão de alta
intensidade de toxidade humana, elas se tornam mais vulneráveis às barreiras
não tarifárias de caráter ambiental. Os países desenvolvidos, com padrões
ambientais mais rígidos do que os brasileiros, têm cada vez mais erguido esse
tipo de barreira. Dado que a participação desses países no comércio
internacional é alta – seja pela demanda ou pela oferta –, existe a possibilidade
das exportações brasileiras sofrerem esses tipo de restrição.
A segunda implicação está relacionada à necessidade de superávit na
balança comercial, que foi eliminado após alguns anos da abertura ao
comércio internacional. Para obtê- lo, é necessário um aumento das
exportações, o que implica na possibilidade de aumentar a produção dos
setores exportadores de alta e média alta intensidades de toxidade
humana, dado o padrão de especialização ambiental das exportações e a
vantagem comparativa das exportações de produtos intensivos em
recursos naturais. Ou seja, para atingir o superávit comercial é necessário
aumentar os níveis de emissões industriais e a velocidade de exploração
dos recursos naturais.
É importante salientar que as variações de preços relativos não foram
consideradas. O exercício deste trabalho – a classificação dos fluxos comerciais
de manufaturas pelo ILITHA – tomou o valor das exportações e importações para
verificar variações nas participações relativas das manufaturas comercializadas.
Entretanto, o valor comercializado é o resultado de preços praticados e
quantidades físicas comercializadas, sendo atribuídas às variações de valores as
variações de quantidades. Ou seja, os preços foram considerados constantes,
uma hipótese irrealista, uma vez que os preços das commodities industriais e dos
produtos tradicionais apresentaram queda ao longo da década de 90. Isso
significa que o Brasil pode estar produzindo mais para exportar o mesmo valor,
resultando em níveis de emissões industriais mais elevados do que os estimados.
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XIV Congresso Brasileiro de Economistas, Recife, 2001.
Como observado anteriormente, toda classificação possui arbitrariedades,
sendo o mais importante ver o seu propósito. Ao utilizar dados da
indústria americana, não estão sendo consideradas as diferenças de
tecnologias entre os EUA e o Brasil, além de não contar com a
modernização de alguns setores industriais ocorrida com a intensificação
da abertura comercial brasileira. Mas o propósito da classificação
segundo o ILITHA é perceber quais os setores industriais apresentam mais
riscos à saúde humana, seja em relação ao produto ou aos PPM. Uma
observação importante é que as emissões setoriais de qualquer poluente 30
e o ILITHA apresentam um comportamento exponencial, ou seja, grande
parte das emissões estão concentradas em poucos setores31. Esse fato tem
implicações importantes para políticas ambientais, na medida em que
basta atingir poucos setores para reduzir grandes quantidades de
emissões.
Sendo a indústria alvo de preocupações ambientais crescentes, são
necessários mais estudos que possam analisar as especificidades dos setores
mais poluentes através de dados de emissões das unidades produtoras, para
poder comparar com os resultados já obtidos. Como há uma necessidade
macroeconômica de equilíbrio das contas externas e de superávit na balança
comercial, que pode ser parcialmente solucionado com o aumento das
exportações industriais – e tendo estas um caráter poluidor –, surge a
necessidade de implementar instrumentos de política ambiental que possam, ao
mesmo tempo, induzir às empresas a inovarem na direção de tecnologias limpas
e aumentar sua competitividade, dando um passo importante na direção do
desenvolvimento sustentável.
30 Segundo os parâmetros do Industrial Pollution Projection System (IPPS), do Banco Mundial,referentes às emissões atmosféricas, hídricas, tóxicas ou quantidades de metais (ver Hettige et alii ,1994).31 Para estimativas setoriais de emissões atmosféricas no Brasil para 1990, segundo a base dedados do IPPS, ver Lustosa (1999b).
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