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Alaúde Instrumento de cordas dedilhadas, de importância capital para a música do Ocidente a partir do final da Idade Média até o séc.XVIII. Suas características são um corpo piriforme, com um fundo abaulado, construído a partir de ripas de madeira (“ilhargas”) curvadas e coladas umas às outras; um tampo harmônico plano com uma boca esculpida em forma de roseta; trastes de ripa cingindo braço e espelho; uma cravelheira que costuma formar ângulo quase reto com o braço, onde cravelhas de afinação são inseridas lateralmente; na parte inferior do tampo harmônico está o cavalete, ao qual se fixam ordem dupla de cordas de tripas (muitas vezes a ordem mais aguda é simples). O alaúde europeu descende de um instrumento árabe, o ud, introduzido no Ocidente quando da conquista e ocupação da Espanha pelos mouros (711-1492); é também da expressão al’ud que se origina a palavra “alaúde”. Os alaudistas seguram o instrumento verticalmente, muitas vezes no colo, com o tampo harmônico perpendicular ao chão, comprimindo (“pisando”) as cordas ao longo espelho com a mão esquerda, e dedilhando as com a mão direita. As cordas são finas, comparadas às de um violão, e produzem muito mais harmônicos agudos; o sistema acústico do instrumento foi criado de forma a produzir um som caracteristicamente nítido, delicado e sombrio. A intensidade sonora é pequena, mas devido à nitidez pronunciada de seu perfil sonoro, o alaúde é prontamente audível em circunstâncias apropriadas. Os alaúdes variam no número de ordens de cordas, na afinação e no tamanho. Menos de quatro ordens seria excepcional. Á medida que mais ordens foram sendo introduzidas eram acrescentadas à região dos graves; por volta de meados do séc.XVIII, muitos alaúdes tinham 13 ou 14 ordens. Quando o número ultrapassava sete, tornava-se difícil digitar as mais graves, que eram afinadas diatonicamente em uma escala descendente a partir da sexta ordem, de forma a que o executante dispusesse de uma seleção das notas mais utilizadas, dedilhando- as sem digitá-las com a mão esquerda (esses pares de baixos diatônicos são chamados de “bordões”). Das muitas afinações, dois tipos são os mais importantes. O conhecido como “afinação renascentista” consistia tipicamente em

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Alaúde

Instrumento de cordas dedilhadas, de importância capital para a música do Ocidente a partir do final da Idade Média até o séc.XVIII. Suas características são um corpo piriforme, com um fundo abaulado, construído a partir de ripas de madeira (“ilhargas”) curvadas e coladas umas às outras; um tampo harmônico plano com uma boca esculpida em forma de roseta; trastes de ripa cingindo braço e espelho; uma cravelheira que costuma formar ângulo quase reto com o braço, onde cravelhas de afinação são inseridas lateralmente; na parte inferior do tampo harmônico está o cavalete, ao qual se fixam ordem dupla de cordas de tripas (muitas vezes a ordem mais aguda é simples).

O alaúde europeu descende de um instrumento árabe, o ud, introduzido no Ocidente quando da conquista e ocupação da Espanha pelos mouros (711-1492); é também da expressão al’ud que se origina a palavra “alaúde”.

Os alaudistas seguram o instrumento verticalmente, muitas vezes no colo, com o tampo harmônico perpendicular ao chão, comprimindo (“pisando”) as cordas ao longo espelho com a mão esquerda, e dedilhando as com a mão direita. As cordas são finas, comparadas às de um violão, e produzem muito mais harmônicos agudos; o sistema acústico do instrumento foi criado de forma a produzir um som caracteristicamente nítido, delicado e sombrio. A intensidade sonora é pequena, mas devido à nitidez pronunciada de seu perfil sonoro, o alaúde é prontamente audível em circunstâncias apropriadas. Os alaúdes variam no número de ordens de cordas, na afinação e no tamanho. Menos de quatro ordens seria excepcional. Á medida que mais ordens foram sendo introduzidas eram acrescentadas à região dos graves; por volta de meados do séc.XVIII, muitos alaúdes tinham 13 ou 14 ordens. Quando o número ultrapassava sete, tornava-se difícil digitar as mais graves, que eram afinadas diatonicamente em uma escala descendente a partir da sexta ordem, de forma a que o executante dispusesse de uma seleção das notas mais utilizadas, dedilhando-as sem digitá-las com a mão esquerda (esses pares de baixos diatônicos são chamados de “bordões”).

Das muitas afinações, dois tipos são os mais importantes. O conhecido como “afinação renascentista” consistia tipicamente em Sol-dó-fá-lá-ré´-sol´, ou Lá-ré-sol-si-mi´-lá’ (a altura não era absoluta). Essa sequência de intervalos continuou a ser aplicada em certos tipos de alaúde durante o séc.XVII e inicio do séc.XVIII. A outra, que surgiu de experiências com a afinação renascentista feita pelos alaudistas franceses no séc. XVII, consistia tipicamente de Lá-ré-fá-lá ré´-fá´, hoje conhecida como “afinação barroca”; existiram muitas variantes.

A mais antiga música específica para alaúde que chegou até nós data do séc.XV. A maior parte do repertório antigo, à exceção dos acompanhamentos de canções, foi transcrita em tablatura, a notação mais usada para o alaúde, a partir de chansons e outras origens vocais. Na Itália, Petrucci publicou seis volumes de tablatura de alaúde (1507-11); um manuscrito importante é o livro de Capirola, que contém obras e instruções para a execução do alaúde, de autoria deste notável alaudista. A principal figura da geração seguinte foi Francesco Canova da Milano, intérprete virtuosístico, que escreveu ricercares e fantasias. Essas formas, bem como a música de dança, formaram a base do repertório no final do séc.XVI. Na Alemanha, são importantes as publicações de Hans Neusidler (a partir de 1536). A execução do alaúde floresceu na Alemanha por todo o séc.XVII e por boa parte do séc.XVIII; o principal virtuose e compositor para alaúde de sua época foi S.L. Weiss (1686-1750). Bach usou o alaúde em música solo e na Paixão segundo São João. Na Inglaterra, o principal virtuose do alaúde do período em torno de 1600

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foi John Dowland, que escreveu muitas fantasias contrapontísticas, danças e outras peças, bem como utilizou o alaúde para acompanhar, seus ayres e na música para consort. Também na França o alaúde foi usado para acompanhamento de canções na air de cour. Houve uma importante escola de alaudistas no séc.XVII (especialmente Ennemond Gaultier, em meados do século, e Robert de Visée, que chegou ao século XVIII); os intérpretes franceses desenvolveram um estilo específico com arpejamento (o STYLE BRISÉ). Na Espanha, a variante local do alaúde, a vihuela, era a preferida. O alaúde teve papel de destaque como instrumento de contínuo durante o período barroco, e permaneceu em uso até a era clássica (Haydn escreveu para ele), mas seu lugar de principal instrumento doméstico foi decididamente perdido para o piano.

Fonte: Sadie, Stanley (Editor).Francisco Alves, Eduardo (Tradutor).Dicionário Groove de Música (Ed. Concisa), 1994.