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outubro de 2014
Universidade do MinhoEscola de Engenharia
Alexandre Miguel Rodrigues Ferreira da Silva Carneiro
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PARAMETRIZAÇÃO E UNIFORMIZAÇÃO DAS MAIS-VALIAS
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Dissertação de Mestrado Integrado em Engenharia Civil Perfil de Construções
Trabalho efetuado sob a orientação doProfessor Doutor Dinis Miguel Campos Leitão
outubro de 2014
Universidade do MinhoEscola de Engenharia
Alexandre Miguel Rodrigues Ferreira da Silva Carneiro
PARAMETRIZAÇÃO E UNIFORMIZAÇÃO DAS MAIS-VALIAS
DECLARAÇÃO
Nome: Alexandre Miguel Rodrigues ferreira da Silva carneiro
Endereço electrónico: [email protected]
Número do Bilhete de Identidade: 12552147
Título dissertação:
Parametrização e uniformização das mais-valias
Orientador: Professor Doutor Dinis Miguel Campos Leitão
Ano de conclusão: 2014
Designação do Mestrado: Mestrado Integrado em Engenharia Civil
É AUTORIZADA A REPRODUÇÃO INTEGRAL DESTA DISSERTAÇÃO APENAS PARA EFEITOS DE INVESTIGAÇÃO, MEDIANTE DECLARAÇÃO ESCRITA DO INTERESSADO, QUE A TAL SE COMPROMETE;
Universidade do Minho, / /2014 Assinatura: ________________________________________________
ii
iii
AGRADECIMENTOS
Está tese só foi possível devido a todas as pessoas que contribuíram para a realização
deste trabalho, pelo carinho, paciência, dedicação e ajuda. A todos eles, um sincero
agradecimento.
Mas um especial agradecimento ao Professor Doutor Dinis Miguel Campos Leitão, por
me aceitar como orientando e demonstrar sempre disponibilidade no melhoramento deste
estudo. Sendo a sua maneira de ser exemplar e o seu pragmatismo, decisivos para
elaboração da mesma.
iv
v
RESUMO
O desenvolvimento de um município precisa, pois, de ser refletido como um todo
composto por muitas partes, que se articula(m), simultaneamente, em lógicas quer de
proximidade e adjacência, quer de rede aberta num contexto que não depende da distância
física mas da capacidade de integrar sistemas alargados de produção. Necessário será
encontrar o sentido próprio de cada sítio, de cada zona; reconhecer as suas
potencialidades, valorizá-las no sentido que lhe permita desempenhar o papel mais
próprio e adequado na estrutura e no conjunto que incorpora e nos contextos que pretende
vir a integrar.
Foi o contrário o que aconteceu. A maioria dos municípios em Portugal tem crescido de
forma casuística, ao sabor de um interesse frequentemente vinculado a interesses
particulares, sem que a administração afirmasse a lógica do interesse público. Fruto deste
crescimento, pautado por pequenas e grandes urbanizações que não se reveem como
partes de um todo estruturado, e determinado por agentes desinteressados pelos valores
do coletivo citadino, atualmente os municípios encontram-se desmembrada e
desarticulada. O espaço público reflete-o. Está desconexo, vazio de coerência.
Com a revisão da Lei de Bases do Solo (LBPOTU) houve a possibilidade de se integrar
medidas que podiam realmente contrariar a situação atual e corrigi-las. Mas a LBPOTU
ora aprovada, mais não é do que o alicerce de uma operação que, embora pugne pela
reabilitação e regeneração contidas, opta por renovar o direito do ordenamento do
território e do urbanismo que temos vindo a aplicar, através de um Fundo Municipal de
Sustentabilidade Ambiental e Urbanística.
Com esta Dissertação pretende-se que o contributo para esta problemática consista,
especificamente, na redefinição do Fundo Municipal de Sustentabilidade Ambiental e
Urbanística, para que, ao parametrizar as mais-valias simples, o valor destas, fossem
canalizadas para esse Fundo mas com o objetivo de reduzir o valor dos terrenos nas zonas
periurbanas e urbanas, de maneira aproximar a uma uniformização de valores. Dando
liberdade financeira ao investidor, pois aliviava-o da sobrevalorização dos terrenos dessas
zonas e canalizando mais investimento para o imóvel.
Palavras-chaves: Sustentabilidade, Solo, Mais-valias, Parametrização, Especulação.
vi
vii
ABSTRACT
The development of a municipality needs to be reflected, as a whole composed of many
parts, which articulate(s), simultaneously in proximity and adjacency, either in an open
network context, that doesn’t depend on physical distance but the ability to integrate
extensive production systems. Will be necessary to find the proper meaning of each site,
each zone; recognize their potential value them in order to allow it to play the most proper
and appropriate role in the structure and assembly that incorporates the contexts and
which it seeks to integrate.
It was the opposite that happened. Most municipalities in Portugal has grown out of ad
hoc basis, at the mercy of a concern often tied to particular interests, without which the
administration claimed the logic of public interest. The result of this growth, marked by
small and large housing developments that do not identify themselves as part of a
structured whole, and agents determined by the values of disinterested city collective,
currently the counties are dismembered and disjointed. The public space reflects you. Is
disconnected, empty of consistency.
With the revision of the Basic Law of the Land (LBPOTU) there was the possibility of
integrating measures that could actually counteract the current situation and correct them.
But LBPOTU hereby approved, is no more than the foundation of an operation, whilst
supporting the rehabilitation and regeneration contained, chooses to renew the right of
land use planning and urban planning that have been applied through a Municipal Fund
Environmental and Urban sustainability.
With this dissertation is intended that this contribution consists specifically in redefining
the Municipal Fund for Environmental and Urban Sustainability, way to parameterize the
simple gains, the value of these, were channeled into this fund but with the objective of
reduce the value of land in peri-urban and urban areas, so closer to a uniformity of values.
Giving financial freedom to investors, because it relieved the overvaluation of these land
areas and channeling more investment into the property.
Keywords: Sustainability, Location, Windfall gain, Property tax, Speculation.
viii
ix
ÍNDICE GERAL
Capitulo 1 – ENQUADRAMENTO .................................................................... 1
1.1. Introdução ............................................................................................................ 1
1.2. Objetivos ............................................................................................................... 3
1.3. Estrutura da dissertação ..................................................................................... 6
1.4. Metodologia .......................................................................................................... 7
Capitulo 2 – ESTADO DA ARTE ....................................................................... 1
2.1. Enquadramento ................................................................................................... 1
2.2. Sustentabilidade ................................................................................................... 3
2.2.1. Dimensão sócio habitacional ........................................................................... 7
2.2.2. Dimensão socioeconómica ............................................................................ 10
2.2.3. Dimensão ambiental ...................................................................................... 16
2.3. A sustentabilidade fiscal (terrenos e edifícios) ................................................ 19
2.3.1. Tributação do valor do solo ........................................................................... 20
2.3.2. Alteração da base tributária ........................................................................... 21
2.3.3. Exceções e isenções ...................................................................................... 25
2.3.4. Características de um "bom" imposto ........................................................... 26
2.4. Conceitos económicos no ordenamento ........................................................... 29
2.4.1. Teorias económicas no mercado imobiliário ................................................ 32
2.4.2. Mais-valias e o ciclo imobiliário ................................................................... 35
2.4.3. Isenção das mais-valias e crescimento urbano excessivo ............................. 37
2.5. Instrumentos de planeamento ........................................................................... 38
2.5.1. Processos de expropriação urbanística .......................................................... 39
2.5.2. Venda forçada ............................................................................................... 43
2.5.3. Regeneração urbana sustentável.................................................................... 46
2.5.4. Regime de reabilitação urbana ...................................................................... 49
x
2.5.5. Recuperação das mais-valias e intervenção pública ..................................... 51
2.6. Análise comparativa entre países europeus ..................................................... 52
2.6.1. Função social e estatuto da propriedade do solo ........................................... 52
2.6.2. Execução urbanística ..................................................................................... 58
2.6.3. Intervenção da administração pública no mercado de solos ......................... 66
2.6.4. Tributação...................................................................................................... 73
2.7. Lei de bases ......................................................................................................... 77
2.8. Uso sustentável dos rendimentos da tributação sobre a propriedade ........... 81
Capitulo 3 – ANÁLISE DE PROCEDIMENTOS URBANIZÁVEIS ........... 83
3.1. Enquadramento ................................................................................................. 83
3.2. Procedimentos legislativos de tributação ......................................................... 85
3.2.1. Decreto-lei n.º 152/82 ................................................................................... 85
3.2.2. Decreto-lei n.º 43/98 ..................................................................................... 86
3.3. Valorização do solo e do imóvel ........................................................................ 88
3.4. Áreas prioritárias ............................................................................................... 90
Capitulo 4 – NOVA METODOLOGIA DE PARAMETRIZAÇÃO DAS
MAIS-VALIAS ................................................................................................... 93
4.1. Enquadramento ................................................................................................. 93
4.2. Âmbito da proposta ........................................................................................... 95
4.3. Fundamentação da proposta de alteração ....................................................... 99
4.3.1. Sistema de taxas .......................................................................................... 104
4.3.2. Procedimento administrativo e urbanístico ................................................. 107
4.4. Principais limitações ........................................................................................ 109
4.5. Aplicação ........................................................................................................... 111
xi
Capitulo 5 – CONCLUSÃO ............................................................................. 115
5.1. Conclusões ........................................................................................................ 115
5.2. Perspetivas futuras .......................................................................................... 118
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................... 119
xii
xiii
ÍNDICE DE FIGURAS
Figura 1 – Sinopse dos objetivos da presente dissertação ................................................ 5
Figura 2 – Metodologia do trabalho proposto .................................................................. 9
Figura 3 – Circulo virtuoso da gestão urbanística ............................................................ 2
Figura 4 – Dimensões do desenvolvimento sustentável ................................................. 3
Figura 5 – Crescimento anual da população mundial (1950-2050) ................................. 5
Figura 6 – Crescimento da população mundial (1950-2050) ........................................... 5
Figura 7 – Evolução de vários componentes da despesa pública em percentagem do PIB
(1972-2012) ...................................................................................................................... 8
Figura 8 – Fogos construídos para habitação, segundo o setor de promoção (1950-2012)
.......................................................................................................................................... 9
Figura 9 – Alojamentos familiares clássicos de residência habitual segundo os Censos:
total, por ocupantes proprietários e inquilinos (1960-2011)........................................... 12
Figura 10 – Alojamentos familiares clássicos segundo a forma de ocupação (1960-2011)
........................................................................................................................................ 13
Figura 11 – Peso da dívida no rendimento disponível das famílias (1995-2013) .......... 14
Figura 12 – Rácio do crédito vencido das famílias (2009-2013) ................................... 15
Figura 13 – Caminho para a renovação urbana sustentável ........................................... 49
Figura 14 – Organigrama do modelo dinâmico para os procedimentos urbanísticos .... 97
Figura.15.–.Classificação e retenção das mais-valias consoante o nível de
sustentabilidade das localizações.................................................................................... 98
Figura 16 – Organização dos solos numa cidade ........................................................... 99
Figura 17 – Processo da distribuição das mais-valias .................................................. 102
Figura 18 – Ação da introdução de um imposto de forma geral .................................. 105
Figura 19 – Exemplo da redução do Valor de Compra ................................................ 106
Figura 20 – Caso de uma localização valorizada com uma obra pública ..................... 111
xiv
xv
ÍNDICE DE TABELAS
Tabela 1 – Metas Europa 2020 ......................................................................................... 6
Tabela 2 – Transições de uso e ocupação do solo entre 1980 e 2010 ............................ 19
Tabela 3 – Classificação e qualificação do solo nos Instrumentos de Gestão Territorial
........................................................................................................................................ 40
Tabela 4 – Classificação dos solos no Código das Expropriações ................................. 40
Tabela 5 – Sistema ou Instrumento de Execução ........................................................... 42
Tabela 6 – 10 Compromissos de Aalborg ...................................................................... 47
Tabela 7 – Recomendações da Carta de Leipzig sobre as Cidades Sustentáveis ........... 48
Tabela 8 – Indicadores, parâmetros e categorias da dimensão económica do MARUS 93
ÍNDICE DE GRÁFICOS
Gráfico 1 – Distribuição da população mundial (2007-2050) .......................................... 4
Gráfico 2 – Uso e ocupação do solo em Portugal Continental ....................................... 18
Gráfico 3 – Exemplo da valorização real ....................................................................... 23
xvi
xvii
NOMENCLATURA
ACP – Áreas de construção prioritário
ADUP – Áreas de desenvolvimento urbanístico prioritário
CNADS – Conselho nacional do ambiente e do desenvolvimento sustentável
CREL – Circular regional exterior de Lisboa
CRIL – Circular regional interior de Lisboa
CREP – Circular regional exterior do Porto
CRIP – Circular regional interior do Porto
EDS – Estratégia da EU para um desenvolvimento sustentável
FMSAU – Fundo municipal de sustentabilidade ambiental e urbanística
IRC – Imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas
IRS – Imposto sobre o rendimento das pessoas singulares
IVA – Imposto sobre o valor acrescentado
LBPOTU – Lei de bases gerais
MARUS – Manual de apoio a regeneração urbana sustentável
PDM – Plano diretor municipal
PER – Programa especial de realojamento
PGU – Plano geral de urbanização
PP – Plano de pormenor
PU – Plano de urbanização
PI – Pontos de interesse
RJIGT – Regime jurídico dos instrumentos de gestão territorial
RJUE – Regime jurídico da urbanização e da edificação
TVS – Tributação do valor do solo
UE – União europeia
xviii
1
Capitulo 1 – ENQUADRAMENTO
1.1. Introdução
A cidade é, antes de mais, um bem coletivo. Afirma-se como espaço onde uma complexa
vida ocorre, intensa, como plataforma onde a individualidade se declara e o coletivo se
constrói numa dinâmica nem sempre pacífica, porém enriquecedora do tecido social. É
este jogo de tensões em que a cidade se faz e refaz ao longo do tempo, que requer ser
verificado, avaliado e supervisionado – uma supervisão que envolve ponderada
negociação com múltiplas entidades, públicas e privadas, cujos interesses frequentemente
são diferentes, até mesmo contraditórios. Mas o objetivo dessa negociação deve, sempre,
ser o Bem Público, o bem dos habitantes, o bem do cidadão comum. Para isso se faz o
Planeamento. Por isso o Planeamento é realizado no âmbito de uma instituição eleita, que
representa os cidadãos que nela confiaram. Por isso Planear é uma missão pública.
Esse modelo deve considerar a política de solos, a organização urbanística, o justo
equilíbrio entre áreas de construção e de reserva patrimonial, ambiental e ecológica, a
mobilidade e a circulação, os transportes municipais e demais transportes públicos, a
relação harmoniosa entre cidade e sua periferia, os incentivos económicos e a política
fiscal municipal. Neste modelo, a prioridade deve ser a de contribuir poderosamente, nos
limites das suas competências, para combater a crise económica e as suas consequências
sobre a população. Nesse sentido, o município tem de incentivar uma política de solos
que dinamize o aproveitamento racional de recursos, através do desenvolvimento
sustentável da cidade.
Tal índice de desenvolvimento exige o recurso à definição de uma estratégia sustentada
por um desenho urbano que, dentro da incerteza que as contingências do tempo e do
mercado naturalmente implicam, assegurasse a flexibilidade necessária ao
desenvolvimento de uma cidade equilibrada, aglutinada em torno de um espaço público
adequado. Exigiam-se ações que tivessem em vista a construção de uma cidade que
oferecesse bem-estar coletivo.
2
Rever os critérios gerais para a avaliação do solo devem ter em consideração, o bem-estar
coletivo e não atender apenas ao valor de mercado. Por isso, o estado e os municípios não
podem imigrar das suas responsabilidades de urbanizar para entidades privadas.
É fundamental este espírito de construção de um desígnio urbano claro e percetível. É
essencial para o cidadão o domínio do espaço e a compreensão dos modos de
funcionamento do território que habita: que seja capaz de o discutir, que o idealize, que o
projete para o futuro, que o exija no presente. Para isso, é exigido um modelo de
desenvolvimento assente em 3 parâmetros:
• Económico
• Social
• Ambiental
Pensar a cidade assim, leva a questão da classificação e reclassificação do solo, passando
a ser o processo chave na correção das anomalias, designadamente com “planos abertos”
desenvolvidos em permanência e respondendo em tempo real às necessidades e desafios
sócio territoriais. Onde, o objetivo é dinamizar a revitalização e regeneração das áreas
interiores do perímetro das cidades e colmatar os solos urbanos vazios.
A Lei dos Solos de 1976 que vigorou até 2014 e que deveria colmatar as anomalias,
permitiu, que fossem os especuladores a ditarem o desenvolvimento da cidade, que estava
muito ligada à necessidade de a expandir, devido à excessiva procura de habitação na
altura. Atualmente, esta encontra-se completamente desfasada da realidade e contraria a
exigência de densificar e delimitar as zonas urbanas/rústicas, retirando a pressão
especulativa das zonas agrícolas e florestais.
Em consequência, a total desarticulação entre os diferentes diplomas que intervêm nesta
matéria, nomeadamente o RJIGT, o Código das Expropriações e o Código sobre o
Imposto Municipal sobre Imóveis, para além da legislação dispersa e de pouca ou nula
aplicabilidade efetiva, como a relativa à associação de administração com os particulares,
às áreas de desenvolvimento urbano prioritário e às áreas de construção prioritária,
promovendo a sua disponibilização para fins públicos, criar mecanismos que permitam
ultrapassar a retenção dos solos com fins especulativos.
3
Ao adotar os regulamentos é necessário criar condições espaciais, que permitam a sua
real aplicação. Sendo o espaço limitado, dever-se-ia ter acautelado a disciplina de
parametrização e distribuição das respetivas mais-valias, enquadrando essa distribuição
em qualquer plano urbanístico, de modo a garantir a sustentabilidade do mesmo.
Esta medida, assim simplista, escamoteou a questão das mais-valias e, na prática,
concedeu de facto aos proprietários dos terrenos contemplados nas manchas urbanizáveis
o direito de urbanizar e todas as vantagens económicas daí decorrentes, sem regras e sem
disciplina urbanística (Pardal, 2007).
1.2. Objetivos
A crise económica pôs a nu os desequilíbrios de um modelo de cidade e município
“sempre a crescer”. A especulação imobiliária desestruturou o território e criou o impasse
presente de um centro histórico que necessita urgentemente de ser regenerado e
revitalizado, bem como criou a “periferia”, como se lhe chama, revelando a discriminação
negativa de que é alvo, sem qualquer preocupação de ideia de cidade, formando-se e
conformando-se refém da lógica da máxima exploração fundiária e do máximo lucro.
Este é o objetivo geral, para o qual o presente trabalho pretende ser um contributo. O
combate à especulação e articulação entre as diferentes zonas da cidade para incentivar o
investimento no desenvolvimento sustentável das cidades.
Para isso acontecer, deve-se estabelecer duas prioridades nos objetivos. A necessidade de
conseguir articular os diferentes processos de planeamento que se encontram atualmente
dispersos, e que nunca foram pensados como um todo e a necessidade de parametrizar as
mais-valias de forma a gerar uma forma sustentável de dinamizar as localizações.
Nesse sentido, é necessário perceber que para se atingir estes objetivos, tem-se de
repensar o processo como ele atualmente funciona. Os sistemas atuais que atuam nos
procedimentos de planeamento, têm de ser simplificados para que não seja preciso utilizar
ferramentas complexas e demorosas de concluir como as expropriações. Com o que aqui
4
se propõe, passa a ser possível um processo justo que retira a necessidade de ações
judiciais – devido a expropriações – que muito comprometem ações imediatas e futuras.
Ao articular os diferentes mecanismos, deve-se pensar um processo fiscal que seja
compensatório e célere, tanto para o proprietário do terreno, como para a entidade pública,
cabendo ao serviço público legislar para garantir a justa redistribuição dos encargos
fiscais e criar fluidez nas transações. Assim, é preciso capacitar o sistema fiscal com a
parametrização das mais-valias de forma a dotar o sistema fiscal, com uma ferramenta
capaz de intervir diretamente, como estimulo a oferta e a procura das localizações.
Com a parametrização das mais-valias, pode-se continuar a criar planos de
desenvolvimento da cidade criando interesse por parte dos investidores de uma
determinada localização, para dinamizarem um projeto, ou pode-se criar um mecanismo
que crie um planeamento dinâmico que incentive o investidor a desenvolver projetos que
sejam do interesse público. Ao estipular localizações por critérios de sustentabilidade, é
possível reverter a tendência esporádica e descontrolado do alargamento das cidades,
tendo um uso racional dos recursos.
Ao conseguir desenvolver uma metodologia que englobe estes objetivos, gera-se uma
estabilidade nos investimentos, direcionando os recursos para produtos diretamente
produtivos, e não, diretamente improdutivos como acontece com a Lei de base dos solos
de 1976. Este processo permite assim a estabilização dos mercados dos solos.
Apesar dos objetivos tenderem e necessitarem do desenvolvimento de uma metodologia
de avaliação da sustentabilidade das localizações urbanas, o objetivo desta dissertação
não passa por conceber um algoritmo para esse fim. Passa sim, por elucidar para a
necessidade do mesmo como ferramenta para a escolha de localizações prioritárias.
5
Resumindo, os objetivos deste trabalho são os que constam da Figura 1 que a seguir se
apresenta.
Figura 1 – Sinopse dos objetivos da presente dissertação
OB
JETI
VO
S
Novo procedimento de parametrização das mais-
valias
Simplificar
Introduzir conceitos de sustentabilidade
Desenvolver um planeamento dinâmico
Transações rápidas e eficientes de solos
Reverter a tendência de alargamento
Uso racional dos recursos
Estabilizar o mercado imobiliário
Articulação dos procedimentos de
planeamento
Simplificar
Evitar a necessidade de expropriações
Adequar as necessidades atuais e futuras
6
1.3. Estrutura da dissertação
A dissertação é dividida em 5 capítulos distintos, que por sua vez estão subdividos num
total de 60 subcapítulos. A abordagem efetuada corresponde ao seguinte:
- O Capítulo 1, apresenta o âmbito desta dissertação, onde é feita a introdução ao tema e
apresentadas a metodologia a seguir, com a apresentação de objetivos claros do que se
pretende implementar.
- No Capítulo 2, é apresentado o estado da arte. Nos diferentes subcapítulos em que se
encontra organizado, estabelece-se um enquadramento sobre a necessidade de criar um
círculo virtuoso na gestão urbanística. Neste sentido, são abordados os princípios da
sustentabilidade e a sua contextualização internacional e nacional, orientando este
conceito, para a sustentabilidade fiscal do imóvel e da localização. Para tal, é necessário
dilucidar através de conceitos económicos o papel fundamental que as mais-valias tem
para o sistema fiscal e os mecanismos possíveis de utilizar, de forma a exercer o
planeamento, conseguido compará-los entre seis países europeus, abordando de seguida,
uma análise, à nova Lei de Bases do Solo. No último subcapítulo é abordado o uso
sustentável dos rendimentos da tributação sobre a propriedade.
- No Capítulo 3, apresentam-se os fundamentos da metodologia a adotar. É abordada a
legislação concebida para combater a especulação. É também definida a diferenciação
entre o imóvel e uma localização, no sentido de perceber onde e como investir, e
apontando a necessidade de analisar áreas prioritárias para realizar a melhor gestão dos
recursos.
- No Capítulo 4, enuncia-se a necessidade de uma nova metodologia de avaliação
sustentável de localizações, em articulação com o plano de pormenor, para obter
classificações em áreas prioritárias. Analisa-se o sistema fiscal e o seu comportamento,
introduzindo alterações ao Fundo Municipal de Sustentabilidade Ambiental e Urbanística
(FMSAU), de forma adotar a uniformização de valores nas áreas prioritárias.
- No Capítulo 5, são apresentadas as principais conclusões no sentido dos objetivos
propostos, estabelecendo uma reflexão sobre a estabilização do mercado imobiliário. São
7
apresentadas neste capítulo final algumas perspetivas futuras de desenvolvimento para o
tema, com vista à prossecução de investigação nesta temática, cada vez mais pertinente
no domínio das operações urbanísticas em Portugal.
1.4. Metodologia
Tendo em conta o trabalho desenvolvido nesta dissertação é necessário estipular um
conjunto de tarefas ordenadas e coerentes, que vão ao encontro dos objetivos propostos,
mas cientes das limitações que existem no âmbito do conhecimento do direito, economia,
arquitetura e engenharia civil. Neste contexto, a multiplicidade de diferentes tipos de
conhecimento presentes e que em alguns dos casos ainda podem ramificar de acordo com
as políticas regionais ou municipais, explicam a dificuldade em coligar e sistematizar a
informação.
De acordo com a metodologia proposta, será realizado um trabalho exaustivo de pesquisa
documental acerca dos melhores procedimentos e sistemas sustentáveis que existem em
diferentes regiões (nacionais e internacionais). O objetivo consiste em perceber qual a
área prioritária aplicar e nomeadamente como são aplicados ou executados. Para isso,
estabeleceram-se cinco etapas de acordo com os objetivos identificados:
1ª Etapa – Fazer a análise da atual bibliografia sobre o estudo da nova Lei de Base do
Solo (LBPOTU), recolhendo e compilando os estudos de enquadramento para a
preparação da Nova Lei do Solo. Através da recolha de diferentes bibliografias, será
possível perceber os diferentes objetivos que cada autor propôs na alteração da Lei de
Base do Solo. Com esta recolha é possível estabelecer um intervalo de objetivos, e é
possível perceber o que é a especulação e como atua. Estabelecida esta análise serão
delineados parâmetros possíveis a utilizar sem por em causa o direito a propriedade,
salvaguardando ao mesmo tempo o interesse da sociedade.
2ª Etapa – Nesta etapa realiza-se a recolha de legislação que poderá contribuir e servir de
base para a dissertação, de forma a entender se é possível a parametrização das mais-
valias e taxar apenas, áreas que sejam prioritárias para o interesse público.
8
3ª Etapa – Estabelecido os objetivos, propõe‐se a necessidade de se aplicar para situações
de especulação o uso de uma metodologia de avaliação sustentável que englobe o imóvel
e a localização, ou existe a necessidade de separar essa metodologia de forma atuar sobre
a especulação sem por em causa o investimento.
4ª Etapa – Realizar uma observação com o que a LBPOTU propõe, e combater a
especulação e sem por em causa o investimento que possibilite o desenvolvimento
sustentável da cidade.
5ª Etapa – Desenvolver uma proposta, enquadrando-a, no que foi enunciado antes.
Garantindo que essa proposta seja viável e analisar as novas formas de taxar as mais-
valias da LBPOTU, contrariando a atual situação de sobrevalorização de determinadas
localizações.
Incorporando os parâmetros da LBPOTU e atendendo à proposta da dissertação, a
metodologia assenta nos passos identificadores na Figura 2.
9
Figura 2 – Metodologia do trabalho proposto
Metodologia
Caraterização detalhada a nivel social, economica e ambiental em Portugal
Identificação e analise de conceitos económicos
Compilação de instrumentos de planeamento
Analise comparativa entre sistemas europeus
Analise da nova Lei de Base do Solo (LBSOTU)
Identificação de legislação anti-especulativa
Refinamento dos procedimentos propostos
Definição final e conclusão dos resultados obtidos
10
1
Capitulo 2 – ESTADO DA ARTE
2.1. Enquadramento
As palavras muitas vezes citadas de Jean-Baptiste Colbert, (pelo menos nos círculos de
tributação da propriedade), que era o ministro das Finanças de Luís XIV: “A arte da
tributação consiste em depenar o ganso, obtendo o maior número possível de penas, com
a menor quantidade possível de assobios”.
Como McCluskey e Plimmer (2010) destacam:
Continuando a metáfora, “é importante que o "ganso" permaneça saudável e idealmente,
melhore a sua saúde” de modo que a quantidade de 'penas' aumentem de ano para ano.
Assim, pode-se argumentar que um mercado imobiliário ativo, transparente e saudável,
onde os serviços locais contribuem para o valor das propriedades, garante ou melhora o
valor tributável dos imóveis. É certamente importante assegurar que com o processo não
se danifique o “ganso”. “... Também é importante que o processo não seja tão doloroso,
que o 'ganso' tente morder, a pessoa que arranca as penas”.
Por isso, argumentam que, para ser sustentável, um imposto de propriedade deve
contribuir positivamente para o valor tributável dos terrenos e edifícios e incentive a
melhor utilização, manutenção e melhorias dos terrenos e edifícios.
Para atingir os conceitos de sustentabilidade dentro das caraterísticas da tributação de
imóveis, é importante desenvolver um círculo virtuoso no imposto sobre a propriedade,
onde o rendimento gerado do imposto sobre a propriedade, aumenta o valor do objeto
tributado e, portanto, a avaliação do mesmo garante aumento da receita, para ser gasta na
melhoria dos serviços públicos (Figura 3). Desta forma, um imposto sobre a propriedade
sustentável tem o potencial de fazer uma contribuição significativa e positiva no sentido
de desenvolver comunidades sustentáveis.
2
Figura 3 – Circulo virtuoso da gestão urbanística
Só através de um equilíbrio entre os proprietários e a administração pública, é possível
desenvolver um círculo virtuoso que permita atingir um caminho sustentável.
Desta forma, se o objetivo de uma sociedade é o caminho sustentável, é preciso garantir
uma articulação entre os diferentes regulamentos que estabeleçam a ordem e disposição
construtiva da cidade, o interesse da sociedade em adquirir localizações e alcançar a
melhoria dos serviços, graças a uma tributação justa e equitativa. Algo que não tem
acontecido na atualidade, muito devido a sobreposição dos interesses privados, em
deferimento dos interesses públicos, o que levou ao desequilíbrio do mercado imobiliário
e financeiro.
Contudo, a crise não afetou de igual modo todos os países (apesar de uns terem sido
afetados de forma direta e outros de forma indireta), por isso, é preciso analisar a nível
local, nacional e internacional o que levou a este ponto, e retirar ilações do que podia e
pode ser feito. Para isso, é preciso fazer um estudo de diferentes artigos e analises sobre
este assunto, de modo, a conseguir-se, orientar o tema em estudo. Consegue-se assim,
traçar um caminho e perceber a falha no desenvolvimento sustentável que estava traçado
para 2020.
Imovel acresce
valor
Aumento do imposto
Aumento das receitas
municipais
Melhoria dos serviços
publicos
3
2.2. Sustentabilidade
Dados os custos (ambientais, económicos e sociais) na construção de edifícios e outras
estruturas, é preciso garantir que estes são construídos, geridos, utilizados e reutilizados
de forma sustentável, e que existe responsabilidade por parte de quem faz o seu
planeamento. É necessário garantir que os responsáveis por tais ativos - os proprietários
e ocupantes - estão conscientes da enorme importância da eficiência energética, gestão de
resíduos, bem como a saúde e segurança dos utilizadores dos edifícios; garantindo que
eles tem as melhores ferramentas e conselhos disponíveis, para que façam a sua parte e
alcancem um ambiente cada vez mais sustentável, para as gerações atuais e futuras
(Plimmer & Mccluskey, 2011).
Os programas de requalificação, revitalização e reabilitação implementados nos últimos
anos atestam o carácter ineficiente desta estratégia no combate à degradação dos centros
das cidades. É necessário abandonar a ideia de que a cidade constitui um território onde
ocorrem problemas distintos, autónomos e, por conseguinte, investir numa análise que
considera o forte grau de interação entre os diversos problemas (Carvalho, 2008).
De acordo com a Comissão
Brundtland, a consecução
do desenvolvimento
sustentável exige que se
assegure o desenvolvimento
de três pilares de
sustentabilidade: a
sustentabilidade ambiental,
a económica e a social, sob
a premissa de que os
sistemas económicos e sociais não podem desligar-se da capacidade de impacto no meio
ambiente, tal como se pode observar na Figura 4. O desejo de crescimento e bem-estar
social deve conciliar-se com a necessidade de preservar os recursos ambientais para as
gerações futuras (Edwards, 2005).
Os recursos consumidos por uma cidade podem ser medidos em termos da sua “pegada
ecológica”, a qual corresponde a uma área, espalhada por todo o mundo e muito maior do
Figura 4 – Dimensões do desenvolvimento sustentável [adaptado de Edwards, 2005]
4
que as suas fronteiras físicas, da qual a cidade depende. À medida que novas cidades
consumidoras se expandem, também cresce a competição por esses recursos e aumentam
essas pegadas (Rogers & Gumuchdjian, 2001). Para que a sociedade seja sustentável, a
“pegada ecológica” terá de ser inferior à biocapacidade do planeta ou região (Marques,
2009), pelo que as pegadas ecológicas urbanas devem ser dramaticamente reduzidas e
circunscritas (Rogers & Gumuchdjian, 2001).
As cidades ocupam atualmente 4% da superfície terrestre, cerca de quatro vezes mais do
que os ecossistemas de água doce e é, justamente, nas cidades que vive a maior parte da
população mundial, numa tendência crescente (Falcón, 2007).
Assim, as cidades têm de ser pensadas de forma a conter essa expansão, dando mais
condições as zonas rurais, onde se estima que a partir de 2007 a população mundial vai
expandir as zonas urbanas cerca de 70% até 2050. Entre 2007 e 2050, a população que
vive em áreas urbanas é projetada para ganhar 3,1 mil milhões, passando de 3,3 mil
milhões em 2007 para 6,4 mil milhões em 2050. Devido a isto, vai haver um crescimento
quase linear da população urbana menos e mais desenvolvida, como se pode ver no
acumulado no gráfico da Figura 5. Isto é possível ver no gráfico da Figura 6, onde entre
2020 e 2050, existe um decréscimo devido a migração das populações de zonas rurais
para zonas urbanas. Perceber de forma mais simples no Gráfico 1.
Gráfico 1 – Distribuição da população mundial (2007-2050)2
49%
51%
2007
População Urbana(3.293 milhões)População Rural(3.377 milhões)
57%43%
2025
População Urbana(4.584 milhões)População Rural(3.426 milhões)
70%
30%
2050
População Urbana(6.398 milhões)
População Rural(2.792 milhões)
5
Figura 5 – Crescimento anual da população mundial (1950-2050)1
Figura 6 – Crescimento da população mundial (1950-2050)2
1 Fonte: http://www.un.org/esa/population/publications/wup2007/2007_urban_rural_chart.pdf 2 Fonte: http://www.un.org/esa/population/publications/wup2007/2007_urban_rural_chart.pdf
6
No sentido de contrariar o desenvolvimento desregulado, uma das estratégias
internacionais adotadas para o desenvolvimento sustentável, foi a Europa 2020, que
designa o crescimento para a União Europeia (UE) entre 2010 e 2020. Outro propósito é
o de promover uma maior articulação entre as políticas nacionais dos Estados-membros
e as políticas europeias. Mas a falta articulação fiscal e equidade entre os diferentes países
europeus, tem levado a uma fuga de impostos, que não permite atingir as diferentes metas,
principalmente nas economias semiperiféricos, como se pode constatar na Tabela 1.
Tabela 1 – Metas Europa 2020
Dados de Portugal em 2011
Metas para Portugal
Previsões UE Grandes objetivos
da UE
Taxa de emprego (em %)
69.1% 75% 73.7-74% 75%
I&D em % do PIB
1.5% 2.7-3.3% 2.65-2.72% 3%
Metas de redução das emissões de
CO2 - 1%
-20 % (em comparação com os níveis de
1990)
-20 % (em comparação com os níveis de
1990)
Energias renováveis
24.9% 31% 20% 20%
Eficiência energética – redução do consumo de
energia em Mtep
2.26 6.00 206.9
Aumento de 20 % da eficiência energética,
equivalente a 368 Mtep
Abandono escolar
precoce em %
23.2% 10% 10,30-10,50 % 10%
Ensino superior em
% 26.1% 40% 37.50-38.0% 40%
Redução da população em risco de pobreza ou de
exclusão social
84 000 200 000
Impossível de calcular devido a
diferenças nas metodologias
nacionais
20 000 000
Fonte: INE e Comissão Europeia3
3 Fonte: ec.europa.eu/europe2020/index_pt.htm
7
Como a sustentabilidade fiscal influência os atuais e futuros aspetos econômicos,
ambientais e sociais, é através dos impostos sobre a propriedade, que todos os 3
parâmetros vão influenciar a dimensão política local. Os impostos sobre a propriedade,
geralmente vão financiar serviços que são prestados a nível local e que afetam diretamente
a qualidade do ambiente físico e económico e, portanto, a vida social das comunidades.
Logo, é possível definir e desenvolver impostos sobre a propriedade para alcançar
resultados sustentáveis em cada jurisdição (Plimmer & Mccluskey, 2011).
2.2.1. Dimensão sócio habitacional
As políticas sociais de habitação são compostas por medidas de apoio que visam a
valorização da qualidade de vida da população. O incentivo às políticas sociais de
habitação permitiu nivelar os padrões de consumo aos do centro da Europa, mas, por
outro lado, contribuiu igualmente para o crescimento do mercado privado de habitação,
sobretudo ao favorecer soluções individualizadas no quadro da provisão de bens e
serviços essenciais (Observatório, 2014).
A ideia de substituir o Estado Providência pela iniciativa privada, produziu habitações de
qualidade inferior, que conduziu o ordenamento das cidades à criação de cidades/bairros
dormitórios com uma qualidade de vida reduzida, pois limitou-se a criar localizações para
repousar. A iniciativa privada, apenas procurou a obtenção do lucro e não teve como
objetivo – como acontece com o Estado Providência – um correto desenvolvimento
sustentável da sociedade.
Com a falta de planeamento estratégico, em fornecer determinadas zonas com uma rede
de pontos de interesse (PI), não permitiu um fluxo de pessoas para determinadas
localizações. Esta falta de aposta em PI, que pode enriquecer a qualidade de vida da
região, como também, a construção tardia do Estado Providência em Portugal, levou à
criação de periferias sociais e à criação de zonas sociais, com baixa diversidade social, o
que retirou o efeito de a habitação se ter afirmado como uma área de pleno direito da
política social, mostrando as fragilidades do Estado Providência, talvez com maior
saliência, no setor da habitação. Isto permitiu a desvalorização das localizações e a
segregação social.
8
Em França a habitação social está associada ao conceito de habitação de renda moderada
e estima-se que o arrendamento social represente, 19% dos fogos usados como primeira
residência, o que permite, a estabilidade das famílias de rendimentos médios, médios-
baixos e baixos4.
Até aos anos noventa, a provisão da habitação em Portugal reflete, de modo
particularmente expressivo, este quadro geral (Figura 7) de insuficiência do Estado e das
políticas públicas, bem como a incipiência relativa do setor mercantil, só compensadas
pelas capacidades da sociedade civil na resposta e supressão das necessidades
habitacionais (Serra, 2002).
Figura 7 – Evolução de vários componentes da despesa pública em percentagem do
PIB (1972-2012)
Fonte: DGO/MF e INE/BP
Em simultâneo, começa igualmente a articular-se a política de habitação com a política
de desenvolvimento económico e social, tendo em vista a promoção do bem-estar social
entendido como satisfação de necessidades sociais básicas nos domínios da educação,
saúde, segurança social e habitação (Observatório, 2014).
4 Fonte: http://www.portaldahabitacao.pt/opencms/export/sites/ihru/pt/ihru/docs/hru/Politicas_Franxa.pdf
9
A grande mudança, em termos de política habitacional, à escala do Estado Central,
traduzir-se-ia, como veremos adiante, na transição do paradigma de “apoio à pedra”
(promoção pública direta de alojamentos) para o paradigma do “apoio à pessoa” (Serra,
2002). Isto é, no realinhamento progressivo da intervenção estatal na esfera da habitação
através do estímulo à aquisição de casa própria (sendo o acesso ao crédito incentivado
por benefícios fiscais, por bonificação dos empréstimos e por um desenho do sistema
financeiro favorável à expansão deste mecanismo de provisão habitacional)
(Observatório, 2014).
A análise do peso relativo dos agentes envolvidos nas diferentes modalidades de
promoção direta de habitação em Portugal revela não só a escassa participação do Estado
mas também, e concomitantemente, a significativa importância da promoção privada,
como se pode constatar no gráfico da Figura 8.
Figura 8 – Fogos construídos para habitação, segundo o setor de promoção (1950-
2012)
Fonte: INE, Estatísticas das Obras Concluídas
O PER é o programa de habitação mais emblemático dos últimos vinte anos, sendo
particularmente exemplar quanto à circunscrição da política habitacional, em termos de
promoção direta, às situações mais expressivas de carência de alojamento, constitui uma
espécie de “canto do cisne” das políticas de promoção habitacional direta promovidas
10
pelo Estado Central. Na medida em que revelou a persistência de um modelo de promoção
habitacional direta, ultrapassada, assente na construção de bairros isolados de habitação
social concentrada, periféricos à malha urbana consolidada e, em muitos casos, situados
em zonas desqualificadas e desprovidas de infraestruturas (Observatório, 2014).
Contudo, e tal como as políticas de reabilitação, o PER ilustra igualmente bem a
instabilidade, volatilidade e natureza fragmentada das políticas de habitação em Portugal,
tanto em termos de linhas de orientação, como em termos de definição dos instrumentos
e dos quadros institucionais que os enformam (Observatório, 2014).
Finalmente, devem ainda ser relembrados, nesta relação de concorrência entre o mercado
de arrendamento e da aquisição de habitação própria, os incentivos fiscais do Estado à
aquisição de habitação própria permanente que contrastam com os muito tímidos apoios
públicos ao arrendamento, tanto no parque habitacional público como no privado, e que
se dirigiram sobretudo aos jovens (Observatório, 2014).
2.2.2. Dimensão socioeconómica
Henry George, em 1879, na obra “Progress and Poverty”, constatou que o Léon Walras
concluiu por via da modelação matemática, que o preço da propriedade privada do solo
tenderia para o infinito (Lobo, 2011).
Nessa época, os Estados Unidos não dispunham de quaisquer instrumentos de
ordenamento do território nem de impostos sobre o rendimento, no entanto, este autor
preocupou-se com o facto de a “terra livre” começar a escassear, o que poderia gerar
tensões fortíssimas entre os interesses públicos e os interesses privados. Henry George
estava essencialmente preocupado com o facto da escassez de terra originar graves
desequilíbrios ao nível da igualdade de oportunidade económica que gerariam
inevitavelmente confrontações sociais (Lobo, 2011).
O solo em Portugal, enquanto objeto comercial dinamizou o volume de produção do
mercado residencial, de tal modo, que o mercado imobiliário se caracteriza hoje por uma
oferta excessiva face à população residente. Ou seja, considera-se que se trata, de facto,
de um processo de financeirização da economia e da sociedade portuguesa que não pode,
11
como aliás sucede em qualquer outra realidade histórica, ser desligado do papel central
que o Estado desempenha na sua condução, nem da posição e inserção internacional da
economia portuguesa (Observatório, 2014).
O mercado imobiliário foi um canal para a transferência de capitais financeiros da
economia produtiva para agentes não-produtivos dedicados à arbitragem pura dos valores
do solo e suas benfeitorias edificadas: em 2008, aproximadamente 68% do total da dívida
privada portuguesa resulta do crédito imobiliário a famílias e empresas5, sendo
presumivelmente dois terços desse montante devidos a pagamentos do valor do solo
urbanizável. Segundo os dados do Boletim Estatístico do Banco de Portugal, em 2008 o
saldo de crédito atribuído ao agregado CONSTRUÇÃO + ACTIVIDADES
IMOBILIÁRIAS + HABITAÇÃO somava 168.701 milhões de euros, somando o crédito
atribuído ao agregado AGRICULTURA + PESCA + INDÚSTRIA transformadora
apenas 16.455 milhões de euros. O crédito total aplicado em Portugal nesse ano
representava 248.389 milhões de euros. O PIB português em 2008 rondava os 180.000
milhões de euros (Bingre, 2011).
O volume de créditos hipotecários em Portugal cresceu de 5 mil milhões de euros em
1990 para 104 mil milhões de euros em 2008. Um aumento superior a 2.000 % nos gastos
nacionais2 com o imobiliário durante menos de um vinténio no qual o crescimento
acumulado do PIB per capita não alcançou os 40% e a densidade demográfica aumentou
menos de 10%6. Ora, tal escalada dos preços do imobiliário não pode ser explicada por
um aumento dos custos de construção, já que estes se mantiveram relativamente estáveis
ao longo das últimas duas décadas: esta subida dos preços da habitação foi provocada
sobretudo pelo aumento dos preços do solo, o qual foi exacerbado por fenómenos de
monopolização especulativa de dezenas de milhar de edifícios mantidos devolutos para
que posterior “passe” com encaixe de mais-valias (Bingre, 2011).
O número de alojamentos familiares cresceu intensamente ao longo das quatro últimas
décadas, duplicando o seu valor, registando uma variação global de cerca de 117%7. A
5 Fontes: Plano Estratégico de Habitação 2008/2013, IHRU; Boletim Estatístico do Banco de Portugal – Março 2009 6 Fonte: Luciano Amaral: New Series for GDP per capita, per worker, and per worker-hour in Portugal, 1950-2007. Faculdade de
Economia, Universidade Nova de Lisboa 7 Fonte: http://www.ine.pt/ngt_server/attachfileu.jsp?look_parentBoui=149381305&att_display=n&att
_download=y
12
este crescimento de alojamentos familiares correspondeu por sua vez, como já referido,
um aumento do número de proprietários relativamente aos inquilinos (Figura 9), e um
aumento do número de alojamentos de segunda residência e de fogos devolutos (Figura
10), que denota, ainda que de modo aparente, a supressão das necessidades de alojamento
das famílias portuguesas (Observatório, 2014).
Figura 9 – Alojamentos familiares clássicos de residência habitual segundo os
Censos: total, por ocupantes proprietários e inquilinos (1960-2011)
Fonte: INE
A evolução do mercado de arrendamento português é marcada por um gradual declínio
desde os anos 70, com o setor a perder progressivamente peso para o mercado imobiliário
(Figura 11) (Observatório, 2014).
Com efeito, os últimos dados do recenseamento da população portuguesa mostram que
mais de 50% dos alojamentos com valores de renda inferiores a 20 euros correspondiam,
em 2011, a contratos celebrados antes de 1975. Por outro lado, mais de 80% dos
alojamentos com valores de renda superiores ou iguais a 650 euros correspondiam a
contratos de arrendamento celebrados entre 2006 e 20117.
Ou seja, os incentivos legais e financeiros à aquisição de habitação própria acabaram por
limitar, de forma não negligenciável, o potencial de dinamização do mercado de
13
arrendamento que resultaria da supressão dos constrangimentos legais existentes até aos
anos 90 (Observatório, 2014).
Figura 10 – Alojamentos familiares clássicos segundo a forma de ocupação (1960-
2011)
Fonte: INE, Pordata
Finalmente, importa vincar o papel das políticas públicas na promoção do endividamento
hipotecário. Como vimos anteriormente, num quadro de inexistência de um mercado
dinâmico de arrendamento e de uma inércia política em atacar as suas causas históricas,
o enorme peso dos empréstimos à habitação na dívida das famílias (Figura 11) é o
resultado de uma política pública habitacional concentrada na promoção da compra de
casa própria, por via de incentivos fiscais (créditos bonificados, regimes fiscais
promotores de contas poupança habitação, etc.) e da redução gradual da provisão direta
por parte do Estado, confinada essencialmente à ação autárquica na gestão dos bairros
sociais (Observatório, 2014).
14
Figura 11 – Peso da dívida no rendimento disponível das famílias (1995-2013)
Fonte: Eurostat
Em 2012, apenas 7% das famílias com hipotecas suportavam uma carga excessiva das
despesas com a habitação (isto é, superior a 40% do rendimento disponível do agregado
familiar), sendo este valor de 36% para as famílias que arrendavam a residência do
agregado familiar8 (Observatório, 2014).
A taxa de incumprimento do crédito ao consumo e relativa a outros fins foi a que registou
o maior crescimento, passando de cerca de 6,7% em 2009, para 12,7,% em 2013. Sendo
certo que a taxa de incumprimento do crédito à habitação também tem vindo a aumentar,
a verdade é que continua relativamente contida, tendo passado de 1,6% para 2,4% no
mesmo período (Figura 12) (Observatório, 2014).
O perfil de endividamento das famílias portuguesas, que assenta quase exclusivamente
no imobiliário, é similar ao perfil registado em países periféricos e semiperiféricos, nos
quais o endividamento se encontra, também, concentrado nos estratos sociais mais
elevados (Santos e Teles, 2013). No entanto, em Portugal, e ao contrário do que ocorre
nestes países, o custo real desta dívida foi historicamente baixo, o que explica o
crescimento ininterrupto do endividamento, mesmo durante o período de estabilidade dos
8 Fonte: http://appsso.eurostat.ec.europa.eu/nui/submitViewTableAction.do;jsessionid=9ea7d07d30d6856d59f18bfb40d7b025a0eb
260 41fff.e34OaN8PchaTby0Lc3aNchuNa3iPe0
15
preços da habitação da década de 2000, o que constitui um caso quase único a nível
internacional (Observatório, 2014).
Figura 12 – Rácio do crédito vencido das famílias (2009-2013)
Fonte: Banco de Portugal
Quatro décadas depois, a economia portuguesa mantem características de uma economia
semiperiférica “atrasada no sistema produtivo, moderna no sistema de consumo, atrasada
na proteção social, moderna nas expectativas de vida” (Louçã, 2011).
Esta relativa capacidade de resistência do mercado imobiliário à crise que se instala no
setor da construção é de algum modo visível na evolução dos preços da habitação depois
de 2001, não se verificando uma queda abrupta dos seus valores, como seria de esperar
tendo em conta o excesso de oferta. Esta capacidade de resistência do mercado imobiliário
explica-se, em parte, pela descida das taxas de juro entre 2001 e 2006, que permitiu
manter “uma procura de fogos para especulação, os quais deveriam ser mantidos
desocupados para maximizar a rapidez das transações” (Bingre, 2011).
16
2.2.3. Dimensão ambiental
Apesar de, desde os anos 70, existirem na legislação portuguesa algumas salvaguardas
para as questões ambientais, só a partir de 1986, com a adesão à Comunidade Económica
Europeia e por força da transposição das Diretivas Comunitárias, é que se encontra na
legislação subsequente uma preocupação efetiva com as questões ambientais. Numa
primeira fase, estas questões incidiam mais sobre o controlo da poluição, com o princípio
do poluidor-pagador, passando numa fase posterior a incidir na prevenção (Leitão, 2011).
Com a expansão da construção nova a que se assistiu, não existiram significativas
preocupações com a componente ambiental. A falta de sustentabilidade das soluções e
dos materiais, aliada à má construção vão obrigar a intervenções que acarretam prejuízos
significativos para o ambiente (Leitão, 2011).
Mesmo considerando a referida exceção e outras quantas medidas dispersas nos diplomas
legais nacionais, conclui-se rapidamente o âmbito restrito das mesmas: à poupança
energética, à gestão de resíduos, ao conforto, à saúde e à redução de consumos de
recursos, com reduzido impacto na política global de sustentabilidade ambiental (Mateus,
2009).
É precisamente em alturas de crise, que existe uma tendência para colocar em segundo
plano, a dimensão ambiental. Mas, se até há algum tempo atrás o trabalho desenvolvido
na chamada área da sustentabilidade era escasso e de fraca qualidade, em grande parte
devido ao facto dos mesmos serem extremamente focados na capacidade de tecnologias
básicas de produzir energia a partir de desperdícios, atualmente já existem, novos
modelos e processos de intervenção, quer por metodologias, quer ao nível legislativo, que
permitam reduzir as emissões de carbono que um tipo de habitação pode produzir na sua
fase de construção ou de utilização.
Existem hoje metodologias de avaliação da sustentabilidade, tais como: a Sustainable
Building Tool (SBTool), destacando-se o caso particular da SBToolPT-H para os
edifícios residenciais (Mateus, 2009), o LiderA (Pinheiro, 2006), o Leadership in Energy
& Environmental Design (LEED) (Kibert, 2005), o Building Research Establishment
Environmental Assessment Method (BREEAM) (BREEAM, 2009), o Environmental
17
Assessment and Classification System for Residential, Office and Retail Buildings
(PromisE) (Häkkinen, 2007), entre outros, que têm vindo a ser desenvolvidas e aplicadas
a casos concretos reais para aferir a sua aplicabilidade prática, faltando apenas a decisão
sobre qual ou quais as metodologias que melhor conciliam as diferentes dimensões do
conceito de sustentabilidade (Leitão,2011).
A nível legislativo, o sistema de certificação energética em Portugal foi uma das primeiras
medidas efetivas, criada com o intuito de racionalizar consumos de energia e de limitar
as emissões de carbono. Porém, a evolução da legislação nesta área, ainda não está
orientada no sentido de permitir o desenvolvimento sério, de políticas ambientais no
sector da construção, possibilitando a existência e a aplicação efetiva de Mecanismos de
Desenvolvimento Limpo.
Outro fator que, no caso de Portugal, poderá travar ainda mais a aproximação do País às
metas estabelecidas no que se refere à sustentabilidade das medidas conducentes à
redução das emissões de carbono, caso tal seja ignorado, é a realidade do tipo, da
quantidade e da qualidade da construção de edifícios novos, em detrimento das operações
de reabilitação, que caracterizou o país nas duas últimas décadas (Leitão, 2011).
Depois de um período de grande expansão da construção nova, feita a um ritmo muito
apressado, passou-se agora para um período que começa a ser caracterizado por uma
crescente preocupação relativa à qualidade funcional e à sustentabilidade dos edifícios
(Leitão, 2011).
Pode-se ainda constatar que a perda de qualidade da construção em Portugal se deveu à
falta de captura das mais-valias urbanísticas das urbanizações-fantasma e a construção
das cidades dormitório que hoje recobrem Portugal e irão ser pagas três vezes: devido a
perda de qualidade ambiental, pelas hipotecas que se assumiram, e pelos impostos que se
investiram (Bingre, 2011).
18
No parecer do CNADS acerca da Política de Solos e Revisão da Lei do Solo, datado de
Fevereiro de 2009, o Ministério do Ambiente, do Ordenamento do Território e do
Desenvolvimento Regional considerou serem as finalidades daqueles instrumentos:
Assegurar a oferta programada de solo urbano indispensável à adequada
satisfação das procuras resultantes da evolução demográfica e desenvolvimento
económico, contribuindo (...) para o funcionamento eficiente do mercado
imobiliário.
Salvaguardando o solo vivo como recurso ambiental e produtivo escasso e não
renovável
No caso de Portugal Continental assistiu-se nas últimas três décadas ao aumento de solos
ocupados por florestas, incultos, artificializados e corpos de água, e à redução de área nos
solos dedicados à agricultura e nos solos agroflorestais (Gráfico 2). Nas zonas húmidas
não se verificou alterações significativas de área.
Gráfico 2 – Uso e ocupação do solo em Portugal Continental
Fonte: DGT
Nas transições do uso e ocupação do solo destas três décadas (Tabela 2) sobressaem as
perdas que ocorreram nos solos agrícolas, agroflorestais e incultos para floresta. O
19
aumento de área dos solos artificializados devido à transição que ocorreu essencialmente
nos solos agrícolas e florestais.
Tabela 2 – Transições de uso e ocupação do solo entre 1980 e 2010
Fonte: DGT
Com esta crescente consciência da necessidade da existência de uma responsabilização
coletiva, importa que sejam revistos os instrumentos e as ferramentas que permitam a
concretização deste conceito, além de estabelecer um conjunto de indicadores que de
forma progressiva fossem sendo completados e permitissem a sua comparação numa
lógica de benchmarking (Leitão, 2011). Com este contexto de organização e objetivos
sustentáveis no sistema de impostos e taxas associadas, é possível, a transição do atual
sistema fiscal, para um sistema com sustentabilidade fiscal.
2.3. A sustentabilidade fiscal (terrenos e edifícios)
A tributação é uma conhecida estratégia governamental que influencia o comportamento
(bem como o aumento da receita) e a utilização de impostos sobre a propriedade para esse
fim, é uma estratégia comum. Assim, a forma como um imposto sobre a propriedade é
estruturado e implementado, pode ter consequências deliberadas, bem como,
imprevisíveis. Em qualquer caso, os impostos sobre a propriedade devem ter em
consideração, como vão afetar a sustentabilidade, na sua tributação (ou não tributação)
através do uso que se dá aos terrenos e imóveis, valorizado pelos contribuintes, em
resultado do seu impacto mais ou menos amplo na sociedade (Plimmer & Mccluskey,
2011).
2010 Agro Corpos Zonas
1980 florestais de água húmidas
Agrícolas 2885894 21180 91897 13093 321463 223855 269 3557650
Agroflorestais 60721 682141 2380 8099 127417 10310 0 891068
Artificializados 2732 0 264252 290 1927 1720 0 270920
Corpos de água 807 15 258 76010 676 2274 41 80080
Florestas 76455 74348 53833 4563 2319742 272369 285 2801594
Incultos 87093 3832 28407 2961 309405 844273 681 1276651
Zonas húmidas 0 0 123 0 11 321 18714 19170
TOTAL (ha) 3113702 781517 441150 105016 3080640 1355121 19988 8897135
TOTAL (ha)Agrícolas Artificializados Florestas Incultos
20
Este capítulo fornece uma série de exemplos de como diferentes características de
impostos sobre a propriedade afetam a sustentabilidade do setor imobiliário - o objeto
passivo -, bem como seus impactos no mercado e na comunidade em geral. Há uma
discussão sobre a forma como tais resultados são sustentáveis, dentro do que é cada vez
mais reconhecida, como as caraterísticas desejáveis de uma comunidade sustentável.
2.3.1. Tributação do valor do solo
A Tributação do Valor do Solo (TVS) procura incentivar a utilização ótima do solo,
através da taxação do mesmo, assumindo que o solo está disponível para a prática mais
eficiente e proveitosa de acordo com as políticas de ordenamento em vigor. Um dos
objetivos declarado da TVS é "modelação ou promoção de uma política de solos
(Lichfield e Connellan, 2000). Reconhece-se, que a TVS, com base na "prática mais
eficiente e proveitosa" irá incentivar o desenvolvimento na altura certa e no lugar certo,
por exemplo, penalizando os proprietários de terrenos de vagos, que não estão a usar por
razões meramente especulativas (Plimmer & Mccluskey, 2011).
Portanto, a TVS pode ser considerado como "sustentável" porque incentiva, através do
sistema fiscal, o uso mais vantajoso do solo; (embora, seja mais exato dizer que a TVS
desencoraja quem não tem o uso ótimo do solo).
Assim, é dentro do foco de incentivar a melhor utilização de solos urbanizáveis e/ou
agrícolas (que é geralmente o que esta coberto por os planos de planeamento das
autoridades locais), é onde a TVS, realmente ganha a sua matriz de sustentabilidade. Por
exemplo, a TVS promove a reutilização de terrenos que tenham sido usados
anteriormente, mas subutilizado (em particular abandonados e locais vagos), desencoraja
construções inadequadas e é utilizada em locais que deveriam estar a atrair mais valor e
um uso mais adequado, etc.; e incentiva a intensificação do uso das infraestruturas
existentes, em vez de aumentar os recursos gastos em, transporte, etc. (Connellan 2004;
Almy et al, 2008:. 186; McClean, 2006; McCluskey e Franzsen, 2005) (Plimmer &
Mccluskey, 2011).
Neste tipo de artigos sobre a TVS, raramente existe o reconhecimento da natureza
caracteristicamente insustentável, devido à constante pressão que a TVS exerce sobre o
21
desenvolvimento da localização. Levando a que seja melhor reconstruir em locais
subutilizados ou vazios no interior das cidades, aliviando assim o desenvolvimento em
zonas verdes, bem como a otimização do uso da infraestrutura existente, que implica o
desenvolvimento urbano (Plimmer & Mccluskey, 2011).
No entanto, os processos de demolição e construção são bem conhecidos por gerar altos
níveis de resíduos (BRE 2006) e de emissões de carbono, que leva ao crescente
esgotamento dos nossos finitos recursos naturais. Assim, ao utilizar-se o sistema fiscal
como ferramenta para colocar pressão sobre os proprietários e manter a garantia que o
seu uso atual corresponde ao exigido pela sua autoridade local de ordenamento, graças a
um sistema de TVS, esta pode ser ambientalmente insustentável, apesar de ser um bom
incentivo para o emprego na indústria da construção (Plimmer & Mccluskey, 2011).
Lembrando que, é a partir do planeamento político que se consegue impulsionar a prática
mais eficiente e proveitosa, como o incentivo para reutilizar, que cria uma abordagem de
ordenamento diferente, ao que reflete a necessidade de se ter uma maior utilização de
edifícios existentes, através do incentivo a reutilização e recuperação, em vez da
demolição e reconstrução, bem como, proporciona uma maior flexibilidade para ser
projetado em novos edifícios, e pode ser visto como uma forma aceitável para se obter
um nível mais eficiente a longo prazo, levando a sustentabilidade dos edifícios, por a TVS
(Plimmer & Mccluskey, 2011).
2.3.2. Alteração da base tributária
"Igualdade" e equidade são geralmente reconhecidos como elementos essenciais para um
imposto sobre a propriedade.
No entanto, "justiça" é um conceito muito subjetivo e pode variar tendo em conta os
divergentes pontos de vista dos diferentes proprietários. Por exemplo, é geralmente aceite
que as propriedades com atributos similares em locais similares devem ter os mesmos
valores tributáveis (equidade horizontal); de modo a quem contribuiu, esteja a pagar uma
quantia semelhante, para desfrutar substancialmente das mesmas comodidades. Isso
normalmente é interpretado como a garantia de que as propriedades com valores de
22
mercado similares têm autos de infração semelhantes e, portanto, passivos fiscais
semelhantes (Plimmer & Mccluskey, 2011).
Na Califórnia, em 1978, a "revolta do contribuinte" garantiu uma mudança do valor de
mercado para o valor de aquisição como a base de tributação para as habitações. O valor
de avaliação é, portanto, fixada no preço do imóvel (mais 2% todos os ano devido a
inflação) de compra. Assim, um contribuinte que comprasse uma habitação em 1980,
poderia pagar um imposto baseado no valor de compra desse ano, enquanto um vizinho
que comprou uma propriedade idêntica no ano passado, estaria a pagar um imposto
baseado no valor de compra do ano passado - e, portanto, um valor acumulado de mais
2% em relação ao ano posterior (Plimmer & Mccluskey, 2011).
Com um sistema de avaliação fixado por PREÇO DO IMÓVEL + 2% do valor da
habitação (valor tal que fica sujeito a parâmetros pessoais de avaliadores), levava a uma
desvalorização real, caso o valor da inflação fosse superior a 2% - por exemplo, se
tivermos uma inflação média de 3% ao ano, como se pode exemplificar no Gráfico 3 com
a “Habitação 2”, em comparação com a “Habitação 1” que obedece a base de tributação
de 1978, concluiu-se, que no final do 4º ano, estava a ter uma desvalorização real de 4%
do valor base. Ora, além de ter um sistema de avaliação da habitação, sujeito a parâmetros
pessoais – avaliadores –, logo subjetiva, criava uma tendência de não investir na
habitação, pois, a mesma ia perder valor real e nunca ia valorizar.
23
Gráfico 3 – Exemplo da valorização real
A revolta do contribuinte foi desencadeada por um escândalo envolvendo assessores
fiscais. Numa altura em que a confiança nos avaliadores é baixa, um custo de aquisição
base é preferível porque remove qualquer subjetividade a partir do valor da avaliação e
pode, portanto, ser visto como uma figura tributável mais precisa e objetiva. "... nenhum
avaliador, nem mesmo um com meios ilimitados, poderia definir uma avaliação da
propriedade que fosse estritamente atual e precisa em todos os aspetos." (California
Taxpayers’ Association, 1993, citando o The State Board of Equalization, antes para a
introdução de Proposition 13) (Plimmer & Mccluskey, 2011).
Esta base de valor de aquisição, a chamada “Proposition 13”, foi julgado "mais justo"
pelo Poder Judiciário do Estado, porque, tal base tributária incentiva proprietários
residentes a não vender sua propriedade (e, assim, perder o patamar atrativo do imposto
a pagar) e isso contribui para preservação bairro, continuidade e estabilidade que,
argumenta-se, são resultados altamente desejáveis e sustentáveis (por exemplo,
Beaumont, de 1994; Picker, 2005). Essa base de imposto também oferece um alto grau
de previsibilidade sobre fatura fiscal do próximo ano. Pesquisa (Beaumont, 1994) mostra
que o valor de aquisição é percebida como mais inovadora do que uma base ad valorem
e que os grupos de renda idosos e baixos foram os mais beneficiados com a mudança -
também um resultado sustentável e útil, pode-se argumentar (Plimmer & Mccluskey,
2011).
94%
96%
98%
100%
102%
104%
106%
108%
110%
112%
114%
Ano 0 Ano 1 Ano 2 Ano 3 Áno 4
Valor Real da Habitação
Habitação 1 Habitação 2
24
Beaumont (1994) fornece uma nova justificação, citando a partir do caso “Amador Vale
Joint Union High School vs. State Board of Equalization” (1978). Assim:
“Proposition 13” não discrimina contra os proprietários que adquiriram a sua propriedade
após 1975, pois estes são avaliados e tributados, exatamente da mesma maneira, que
aqueles que compraram em 1975, ou seja, o valor base é previsto a partir do preço de
compra do proprietário.
Argumenta-se (California Taxpayers Association, 1993) que "os donos dos imóveis na
Califórnia provavelmente não pagam nenhuma penalidade fiscal real sob a “Proposition
13”, porque as avaliações diferenciais são capitalizadas no preço de compra." No entanto,
na venda de uma habitação, qualquer “valor de reserva” – valor que se acumulou 2% ao
ano – tem de ser construída novamente na compra e subsequente ocupação de uma nova
habitação. Isto teve um impacto negativo sobre o mercado imobiliário.
No entanto, o resultado inevitável da “Proposition 13” foi uma grave perda de receita, nos
ganhos das autoridades, bem como uma perda de equidade horizontal e vertical
(Beaumont, 1994). Existe evidências (Beaumont, 1994) dos proprietários investirem nas
suas casas, quando comparado, com outros tipos de oportunidades de investimento de
capital. Isto levou a que menos (e insuficiente) habitações novas fossem construídas e
transformando o incentivo no sistema fiscal, num estímulo a que os proprietários não
vendessem. Isto significa que os custos de aquisição de imóveis residenciais fossem
particularmente elevados e que o mercado seja ineficiente na redistribuição da oferta em
relação as novas exigências para moradias, deixando em desvantagem os proprietários
mais jovens e as empresas mais recentes.
Também houve uma redução significativa no rendimento do imposto sobre a propriedade,
o que forçou os municípios a confiar mais em outras formas de rendimento (por exemplo
o imposto sobre vendas locais) e também a serem inovadores e criativos com outras
oportunidades de aumentar a receita com taxas e remuneração de serviços
(especificamente fontes não-fiscais). De acordo com Beaumont (1994) tais encargos e
taxas “...têm características positivas no seu potencial de receita e eficiência na alocação
de recursos."
25
No entanto, isso resultou em municípios a competirem uns contra os outros para
incentivar os contribuintes comerciais sob a sua jurisdição (“Proposition 13” só se aplica
a imóvel residencial). Como Beaumont (1994) diz: "A Califórnia tem um excesso de
centros comerciais”.
2.3.3. Exceções e isenções
As isenções e abatimentos permitidos pela legislação também afetam a maneira como as
pessoas usam os seus bens e quaisquer concessões feitas, devem garantir resultados
sustentáveis.
A fim de alcançar uma base adequada de receita, (que é um fator importante tanto para a
equidade e para o rendimento - referem-se, por exemplo Lyons, 2007), e para alcançar o
máximo de participação de potenciais contribuintes na jurisdição, isenções e abatimentos
devem ser mantidos a um mínimo.
Tem-se argumentado que qualquer isenção ou redução da carga tributária deve ser feita
dentro dos chamados relevos do sol, ou seja, relevos que são concedidas por um período
limitado de tempo, por exemplo, 5 anos e que são revistos no final do prazo para
estabelecer se as circunstâncias continuam a justificar a concessão (IAAO, 2010). Isso
impede que aqueles que favorecem de tal benefício fiscal, considerem-no um “direito
legítimo”, tornando-se assim politicamente e socialmente mais difícil de remover o
benefício, quando o mesmo já não pode ser justificado.
No entanto, isto nem sempre é o caso. Por exemplo, em Inglaterra, onde o Imposto
Municipal é imposto sobre propriedade doméstica, existe um alívio de 25% do imposto,
se for garantido a ocupação por apenas uma pessoa (tributável) na habitação.
Tal concessão, incentiva de forma muito tangível (muitas vezes significativa em termos
monetários), um único ocupante a permanecer no local, em habitação de grandes
dimensões. Ao fazer isso, a concessão reduz a pressão para “down size” na habitação,
negando assim as famílias que precisam de alojamento a oportunidade de comprar e fazer
pleno uso de tais bens. Isso afeta negativamente a eficiência do mercado para redistribuir
a oferta, assim como também a exercer pressão sobre o setor imobiliário para fornecer
26
mais casas de maiores dimensões para atender a demanda, com todas as consequências
insustentáveis de desenvolvimento adicional indicado acima.
Princípios de sustentabilidade precisam de garantir que as habitações são integralmente
utilizados, e assim, em vez de encorajar uma única ocupação, as reduções fiscais do
município devem ser revertida para desencorajar especificamente, algo senão a melhor
utilização possível (e, portanto, a sustentabilidade) da propriedade.
2.3.4. Características de um "bom" imposto
Imposto sobre a propriedade é reconhecido como tendo uma série de características
básicas e positivas. Assim, um imposto sobre a propriedade está claramente relacionado
com o valor de terrenos e edifícios e tem uma forte dimensão local, portanto, uma relação
inerente entre o que é tributado, aqueles que pagam e aqueles que gastam, supondo que
esse dinheiro é pago para prestação de serviços para a comunidade local.
Há uma ligação clara e demonstrável entre o que é pago e o que é recebido pela forma de
serviços, porque a receita obtidas dentro de uma comunidade local é gasta naquela
comunidade. É, portanto, reflete e reforça a aposta que os moradores têm na sua
comunidade, sua prosperidade e o seu estilo de vida, que têm impacto sobre a
conveniência (valor) (ou não) de propriedade nessa área (Lyons, 2007).
A propriedade (terrenos e edifícios) é um sinal muito determinante de "riqueza", fácil de
valorizar e, portanto, um alvo legítimo para a tributação. Como fonte de investimento,
representa um de uma série de alvos para os fundos e, portanto, sua tributação é necessária
para um sistema tributário equilibrado (Muellbauer, 2005; IAAO, 2010).
A um imposto sobre a propriedade é difícil fugir, porque os terrenos e edifícios são
visíveis, não se transacionam de jurisdições e é difícil de esconder. O nível do imposto
sobre a propriedade é geralmente definido a nível do governo local, havendo uma forte
ligação entre aqueles que pagam e os que votam nos representantes locais, permitindo a
responsabilidade pública do imposto sobre o imóvel e o processo de gastos.
27
Existem várias fontes que discutem o que é um “bom” imposto sobre a propriedade (por
exemplo, Almy et al, 2008;. Bird e Slack, 2004; Youngman e Malme, 1994), embora
poucas, se é que algumas, reconhecem explicitamente a possibilidade da sua
sustentabilidade. Assim, um imposto sobre a propriedade tem o potencial de fornecer as
seguintes características positivas:
- As avaliações são normalmente disponíveis para escrutínio público e, portanto, o
valor pago é transparente e aberto que incentiva altos níveis de cobrança;
- O desafio contra a avaliação é normalmente disponível numa forma razoavelmente
barata, rápida e informal, permitindo assim que os contribuintes se assegurem que
estão a ser tratados equitativamente dentro da lei;
- A avaliação é menos suscetível a flutuações econômicas de curto prazo e, portanto,
fornece uma fonte de receita estável, confiável e previsível;
- A nível da administração local, o imposto tem de ser eficaz e eficiente, tanto em
termos financeiros, de tempo, bem como o uso de recursos (humanos e técnicos),
especialmente quando assistido por tecnologias modernas;
- Promove a autonomia local e da responsabilidade democrática local;
- Deve quase sempre ser exclusiva para o governo local e, portanto, administrado
localmente, o que permite variações locais para atender às necessidades dos cidadãos
locais;
- Ter dados necessários para administrar o imposto (incluindo o necessário para
avaliações) devendo ser barato e fácil de coletar, armazenar e manter, incluindo a
garantia de níveis adequados de privacidade do contribuinte;
28
- As disposições legislativas podem ser abrangentes, claras, exigindo interpretação
judicial mínima e argumentação jurídica com valor, para garantir o esclarecimento.
Deve ser possível fazer alterações em tal legislação com rapidez e eficiência para
refletir quaisquer alterações necessárias em resposta à evolução das circunstâncias, e,
a fim de melhorar a sustentabilidade do imposto;
- Aumentar os custos do governo possibilitando setores da comunidade que não podem
contribuir para a sua realização;
- Envolver minimamente na privacidade do contribuinte e dos assuntos do
contribuinte;
- Ficar sujeito a reavaliações regulares e frequentes, onde as avaliações podem manter
o ritmo com o aumento da renda, custos, inflação e novidades, atingem a flutuabilidade
ou elasticidade da renda;
- Facilitar a coleta, permitindo uma variedade de métodos de pagamento e medidas de
execução.
Os terrenos e edifícios representam um grande investimento de capital e, para muitas
pessoas, é o maior investimento financeiro que elas fazem, e em muitas jurisdições,
terrenos e edifícios representam direitos a uma renda - realizada pessoalmente ou
corporativamente. No entanto, é claro que o imposto é pago sobre a renda do não capital
e, portanto, a "justiça" de um imposto sobre o capital foi aumentada. Reconhecendo isso,
o IAAO (2010) afirma:
"... um só tem que observar a disponibilidade de empréstimos que utilizam bens ou
patrimônio como garanti colateral, reconhecendo a sua ligação com a riqueza e, em última
instância, a renda continua a existir … isenções, quebra de ciclos, abatimentos fiscais,
classificações, impostos e medidas de limitação de valor, reavaliações frequentes e
regulares, e relações públicas têm sido usados para aliviar a preocupação pública com o
imposto sobre a propriedade."
29
Assim, enquanto a capacidade de pagamento é muitas vezes apresentada como uma
grande desvantagem para um imposto sobre a propriedade, há oportunidades dentro do
sistema fiscal para a construção de salvaguardas, de forma a proteger os mais vulneráveis
e aliviar as dificuldades.
Nós como espécie, precisamos de terrenos e edifícios para a nossa sobrevivência - para
viver, trabalhar, lazer e para todas as outras atividades em que estamos envolvidos ou que
exigimos para o nosso abrigo, conforto e bem-estar. Nós não temos nenhuma mercadoria
alternativa - impostos sobre a propriedade são, portanto, incidir sobre uma necessidade
da vida - na verdade, é isso mesmo o que torna ainda mais importante para alcançar os
benefícios do "valor" e da sustentabilidade dentro do imposto sobre a propriedade.
2.4. Conceitos económicos no ordenamento
A Lei do Solo assume um papel fundamental no ordenamento jurídico do Estado. Da
mesma forma, a sua dimensão económica é evidente. Constituindo o solo um recurso raro,
o seu modelo de atribuição e exploração a interessados concorrentes integra o cerne da
decisão económica (Lobo, 2011).
Deste modo, o solo constitui um recurso fundamental para o progresso de um País e, a
sua utilização eficiente, uma ferramenta para o desenvolvimento de uma qualquer
atividade económica. Poder-se-ia pensar que às entidades públicas ficariam, neste campo,
com uma mera função arbitral na delimitação da circunscrição do direito de propriedade
e gestão dos interesses privados em presença. Tudo o resto, para além da função de
administração da justiça e da proteção da propriedade privada, poderia ser deixado ao
mercado que, nos termos da mão invisível, comporia os interesses em presença de uma
forma eficiente num ambiente de concorrência perfeita (Lobo, 2011).
30
Porém, um mercado só será plenamente concorrencial quando se encontrem reunidos três
pressupostos essenciais 9:
(1) Atomicidade, ou seja, a presença no mercado de uma multiplicidade de agentes
quer do lado da procura quer do lado da oferta, de forma que seja vedado a qualquer
deles determinar individualmente os termos fundamentais que conformam as
transações, máxime, o seu preço;
(2) Fluidez, que consiste na existência de mecanismos que propiciem transações
rápidas e eficientes de produtos homogéneos assentes em decisões económicas
tomadas na posse de plena informação, estando os agentes totalmente esclarecidos
quanto aos termos das opções presentes e das consequências destas num momento
futuro;
(3) Existência de liberdade de entrada e de saída, não sentindo os agentes
quaisquer entraves excessivos quer à entrada no mercado (inexistência de custos de
transação) quer à saída (inexistência de custos irrecuperáveis).
Ora, perante estes requisitos conclui-se rapidamente que o mercado fundiário não é um
mercado plenamente concorrencial10. De facto, o solo não é um bem económico típico. A
sua natureza (única, não reprodutível11) e a organização dos mercados fundiários (falta de
atomicidade, falta de transparência e existência de elementos de monopólio12 (Lobo,
2011).
Ao contrário do que se passa nos mercados de produtos fungíveis, o estudo do valor e
preço do solo não pode ser feito por via da análise dos custos marginais da produção desse
bem dado que não há produtores de solo, mas apenas proprietários e revendedores
(Bingre, 2011).
9 Cfr. Carlos Baptista Lobo, “Tributação do Urbanismo”, in XV Aniversário da Reforma Fiscal, Almedina 10 Cfr., e.g., Denise DiPasquale e William Wheaton, Urban Economics and Real Estate Markets, Prentice Hall, 1996; John
McDonald e Daniel McMillen, Urban Economics and Real Estate, Theory and Practice, Blackwell, 2008- 11 Pelo menos a valores sustentáveis de mercado. 12 Note-se, no entanto, que são estes elementos que fundamentam a criação de cidades, atento efeito que decorre da existência de uma
densidade mais elevada em termos económicos para a organização espacial da propriedade.
31
Podemos perceber com isto, que o solo é um bem essencial, mas escasso, infungível e de
oferta inelástica. Compreendendo que as suas caraterísticas económicas, se dividem em:
Mesológicas: Valorização segundo as suas propriedades minerais e hídrica,
sendo reconhecidas, por setor primário (agricultura, silvicultura, etc.);
Topológicas: Valorização segundo o espaço físico, sendo reconhecidas, por o
setor secundário (indústria) e terciário (serviços).
O preço do solo enquanto valor topológico depende da sua localização, do seu contexto
histórico e socioeconómico, sendo este último uma variável exógena pouco ou nada
determinada pelo proprietário. Quando uma cidade se expande e com ela a procura de
habitação, o valor dos solos agrícolas em seu redor eleva-se por motivos extrínsecos aos
prédios rústicos propriamente ditos. O valor de um solo é parcialmente dado pelo seu
conteúdo mesológico, mas sobretudo pelas suas circunstâncias topológicas às quais o
proprietário é alheio. Daqui resulta que não exista propriamente um único mercado de
solos, mas sim uma multiplicidade de mercados de solo dispersos por localizações com
diferentes usos e expectativas (Bingre, 2011).
O solo assume então, uma parcela de um bem localizado – uma localização – que
adquirimos ou arrendamos, devido a nossa necessidade de ocupar um espaço. Sendo essa
localização limitada e sem fluidez, obtém-se um proprietário com o monopólio de uma
dada localização, não podendo haver, duas propriedades numa única localização.
Dado o facto de, no limite, cada artigo imobiliário ser único e irrepetível em localização
e características intrínsecas, não existe a possibilidade de se estabelecer uma concorrência
perfeita do modo que se verifica, por exemplo, no mercado de commodities (Bingre,
2011).
32
2.4.1. Teorias económicas no mercado imobiliário
No Feudalismo, as economias centravam-se nas casas senhoriais agrícolas onde os
terratenentes - a nobreza medieval - viviam de rendas fundiárias. Nessa época, ser
proprietário de uma parcela de terreno, significava ter um determinado status social, que
os permitia capitalizar toda a riqueza, sem nunca necessitar de investir. Viviam
unicamente das rendas - rentismo fundiário. Entre o século XVIII e início do século XX
a teoria econômica clássica ditou os rumos do processo produtivo, dando foco a modelos
capazes de equacionar a dinâmica dos processos produtivos, a definição apriorística das
variáveis da equação necessariamente condiciona de modo preconceituoso a interpretação
dos resultados. Variáveis destas equações como o custo, o preço e o valor resultam do
cômputo de outras variáveis por seu turno irredutíveis, às quais se atribui a designação de
fatores de produção.
Os economistas da escola clássica, onde pontificaram Adam Smith (1723-1790) e David
Ricardo (1772-1823), reconhecem a existência de três fatores de produção (Bingre,
2011):
Terra, fator que inclui não somente o solo no sentidos mesológico e topológico do
termo, mas também outros bens ou serviços escassos oferecidos pela natureza e que
possuam valor de mercado, como os minerais, os cursos de água, etc. Aos rendimentos
obtidos pela mera posse da terra são designados pela escola clássica de rendas13, e a
sua captura pode ser classificada como uma atividade económica diretamente
improdutiva;
Trabalho, fator que consiste no contributo intelectual e físico do indivíduo humano
para a produção de um bem ou serviço, cuja recompensa consiste no salário. Trata-se
de uma atividade económica diretamente produtiva;
13 Segundo David Ricardo, a renda de um terreno é igual à máxima vantagem económica que se pode obter por mantê-lo em uso,
subtraída dos custos de capital e trabalho necessários à sua exploração. O preço tende a resultar do valor de capitalização à perpetuidade das rendas esperadas. Fenómenos especulativos podem, naturalmente, fazer crer ao mercado que as rendas esperadas no
futuro serão muito maiores do que as do momento presente; nesse caso, a subida de preços representa uma capitalização antecipada
dessas expectativas.
33
Capital, fator que consiste nos meios de produção resultantes do trabalho humano,
seja sob a forma de capital imobilizado (bens de equipamento) como líquido. As
benfeitorias realizadas sobre um determinado solo constituem capital, mas não
integram o valor da terra no sentido estrito. O retorno da utilização deste fator é o juro,
o qual pode ser considerado a compensação de uma atividade económica
indiretamente produtiva.
Outro autor da escola clássica, Jean-Baptiste Say (1767-1832), identificou um quarto
fator de produção — o empreendedorismo, atividade económica diretamente produtiva,
distinta do capital e do trabalho assalariado — cuja recompensa seria o lucro. A John
Stuart Mill (1802-1873), outro autor da mesma escola, devemos a clarificação do papel
da fator terra como instrumento passível de ser utilizado para a captura de rendimentos
imerecidos, se for dada aos terratenentes a faculdade de especular com os solos onde o
capital e o trabalho se encontram em fase de aumento de produtividade; por isso propôs
a retenção estatal de acréscimos nos valores das rendas, sempre que estes resultarem do
progresso do contexto económico alheio aos esforços do proprietário (Bingre, 2011).
A escola neoclássica diferenciou-se da escola clássica, no que se refere ao tratamento do
fator terra, sobretudo a partir dos trabalhos de Alfred Marshall (1842-1924). Este autor
considerou a terra uma variedade de capital, na medida em que as bem-feitorias realizadas
a longo prazo sobre um terreno propiciam, no seu entender, “quasi-rendas” que oferecem
uma solução de continuidade entre a renda fundiária e o juro sobre o capital, tornando-os
na prática rendimentos indistinguíveis. Na esteira desse mesmo raciocínio chegou a uma
conclusão contraditória com a teoria neoclássica de formação dos preços dos bens em
geral, ao indicar que “o valor do solo é ordinariamente expresso pela capitalização das
rendas num dado número de anos”. Não deixa de ser surpreendente que, mesmo
admitindo tal facto — uma negativa implícita do axioma neoclássico segundo o que os
mercados livres tendem a produzir equilíbrios de preços que otimizem a produção — os
seguidores de Marshall continuem a insistir na “liberalização” dos mercados imobiliários
(Bingre, 2011).
34
Outro autor neoclássico, León Walras (1834-1910), reconhecendo que semelhante
incorporação de rendas futuras no preço presente do valor do solo poderia colocar
entraves ao progresso económico por reconduzir o capitalismo à condição de rentismo,
propôs a nacionalização das rendas fundiárias14. A preocupação deste autor era não tanto
de ordem social, mas sim liberal: considerava desejável a realização de um capitalismo
puro, e via na apropriação privada das rendas fundiárias um dos seus principais
impeditivos (Bingre, 2011).
Pesem embora as dissertações de Walras, o pensamento neoclássico encaminhou-se no
sentido inverso ao da defesa da nacionalização das rendas. Partindo do princípio que uma
renda é uma recompensa pela mera posse de um recurso natural escasso — vários autores
quiseram equiparar as rendas fundiárias àqueles rendimentos extraordinários obtidos por
indivíduos dotados de talentos inatos raros, reduzindo ao absurdo por via dessa
equivalência a ideia de nacionalização de rendas. Outros, ignorando o papel da
especulação nos mercados imobiliários modernos, consideraram que as transações de
imóveis são demasiado fluidas para permitirem o rentismo fundiário, excluindo por
consequência a formação de bolhas imobiliárias das análises dos ciclos económicos
(Bingre, 2011).
Desde a fundação da escola neoclássica de economia até aos nossos dias, já sob a forma
da chamada escola de Chicago, o papel específico da renda fundiária no funcionamento
dos mercados afastou-se progressivamente do centro do debate académico, a ponto de na
prática se ter eclipsado como tópico de estudo nas licenciaturas em ciência económica:
uma breve consulta aos programas letivos e aos índices dos principais manuais
universitários da área basta para constatá-lo. Por seu turno os principais livros de texto
das áreas científicas do Direito, ao tratarem da Economia Imobiliária, também abraçaram
os conceitos neoclássicos ao equiparar rendas e juros, legitimando implicitamente o
tratamento do imobiliário como um ativo financeiro. Este tratamento equivocado do tema
fez desaparecer do debate político e por consequência da produção legislativa a
necessidade de regular o mercado imobiliário em função das especificidades que o
distinguem dos demais mercados (Bingre, 2011).
14 Cfr. Léon Walras, Théorie Mathématique du Prix des Terres et the leur rachat par l´État, 17 de novembre 1880.
35
2.4.2. Mais-valias e o ciclo imobiliário
Os autores clássicos acreditavam que, os mercados concorrenciais e a propriedade privada
gerariam eficiência e produtividade, remunerando os produtores quando fossem de
encontro aos interesses dos consumidores. No entanto, o fator de produção terra tinha um
comportamento peculiar dado que independentemente do aumento da procura a sua oferta
não poderia aumentar. Sendo a capacidade da oferta limitada, a existência de um mercado
plenamente concorrencial estava, à partida, afastada (Lobo, 2011).
Face às incapacidades de se criar um mercado concorrencial, no mercado da propriedade
imobiliária, a ação reguladora do Estado é, mais do que justificada.
Numa das áreas mais sensíveis do governo público – a gestão da “polis” – a “política” no
seu sentido mais profundo, que deverá atuar numa ótica de produção de utilidades – o
planeamento e a construção de infraestruturas urbanas – e de redistribuição – distribuição
eficiente dos custos de infraestruturação e de manutenção bem como dos ganhos
decorrentes das opções de planeamento. De facto, e num modelo ótimo, o promotor (o
proprietário ou o investidor) deverá alcançar a margem de lucro unicamente por via da
eficiente aplicação de recursos produtivos na construção e não pela simples obtenção de
uma benesse de ultrapassagem de bloqueio monopolista – o licenciamento (Lobo, 2011).
O solo é espaço e não capital. O capital ocupa o espaço, mas não se confunde com ele.
Capital fixo ou imobilizado não representa solo. O capital pode ser amortizado; o solo
nunca é amortizado, na medida em não comporta custos de produção mas apenas despesas
de garantia dos direitos reais imobiliários, designadamente aquelas associadas à
manutenção de um aparelho jurídico-administrativo do Estado e sua defesa da
propriedade privada (Bingre, 2011). Foi devido a falta de intervenção por parte do Estado,
que se proporcionaram movimentos especulativos, que impediram a formulação de
decisões económicas ótimas.
Existem dois exemplos finais deste estado de coisas: o primeiro, mais estrondoso, decorre
precisamente da crise financeira de 2008, originada pelo rebentamento da “bolha
imobiliária”, insuflada artificialmente por via de uma prática de titularização desregulada,
que assentando no pressuposto (clássico) de valorização infinita do imobiliário, o aplicou
36
de forma desadequada ao mundo da micro-finança, nomeadamente ao crédito hipotecário
de alto risco; o segundo, de base mais estrutural, resulta da tentativa hodierna de captura
de renda monopolísticas decorrentes do não desenvolvimento imobiliário dos centros
históricos tomando com base a expectativa especulativa de obtenção de ganhos
excedentários por via da transação onerosa da capacidade construtiva (Lobo, 2011).
No seguimento do segundo exemplo, assistiu-se passivamente nestas duas últimas
décadas, à captura da maior parte do investimento imobiliário por operações especulativas
sobre o solo, deixando relativamente pouco capital para o investimento na qualidade de
construção e na remuneração da mão-de-obra. Pelo contrário, o mercado fundiário das
décadas de cinquenta e sessenta estava fortemente tutelado por políticas de solos que
impediam a apropriação privada de mais-valias urbanísticas, foi maior a percentagem do
investimento imobiliário efetivamente dedicada a suportar custos de construção e
portanto a estimular a criação de empregos nesse sector (Bingre, 2011).
As mais-valias (windfall gains) beneficiam proprietários individualmente considerados,
embora os investimentos públicos tivessem sido efetuados à custa de toda a comunidade,
justificando-se, pois, uma socialização desses ganhos (socialização das exterioridades
positivas), por via da imposição de contribuições especiais (Lobo, 2011).
Em sentido inverso, quando os agentes privados causem custos reflexos em outros
agentes devido ao seu comportamento torna-se essencial a sua interiorização, de forma
que o custo privado marginal se equipare ao custo social marginal, eliminando-se
consequentemente a exterioridade negativa15. Tal justificaria, na ótica urbanística, que
um imóvel degradado sustentasse uma mais carga tributária mais elevada pois constitui
um fator de desvalorização na área em redor à da sua localização (Lobo, 2011).
Adicionalmente, agentes com acesso a informação privilegiada ou com influência nos
processos de decisão urbanística poderão atuar como “rent-seekers”, originando modelos
ineficientes de desenvolvimento urbano, onde o ganho económico resulta unicamente de
uma atividade especulativa sem conteúdo material para além da angariação da licença a
edificar (um ganho monopolista decorrente da ultrapassagem com sucesso da
15 Cfr. quanto às exterioridades ambientais cfr. Carlos Baptista Lobo, “Impostos Ambientais. Análise Jurídico Financeira” in Revista
Jurídica do Ambiente e Urbanismo, n..ºs 2 e 3, Almedina, 1994.
37
regulamentação legal) ou do desenvolvimento artificial – mas rentável – de atuações de
simples expectativa especulativa, originando situações de enorme degradação nas zonas
históricas tradicionais (Lobo, 2011).
2.4.3. Isenção das mais-valias e crescimento urbano excessivo
Com a isenção das mais-valias, a expansão da malha edificada vai ocupando solos
periurbanos, a alça dos preços dos terrenos tende a expandir-se para zonas rurais. Nos
países onde não haja retenção pública de mais-valias urbanísticas, as expectativas de
revalorização da habitação são canalizadas para o mercado de solos rústicos, passando
estes a serem transacionados a preços que já incorporam eventuais ganhos “windfall
gains” resultantes de alterações aos planos de ordenamento do território (Bingre, 2011).
A administração pública tende a aumentar a sua despesa com encargos de urbanização,
gozando de empréstimos facilitados. Os decisores políticos acolhem com otimismo os
encargos inerentes à infraestruturação de novas urbanizações, sobretudo graças à descida
entretanto verificada nas taxas de juro dos empréstimos concedidos à administração
pública. No caso português, tal fenómeno permitiu às autarquias compensar por via do
crédito os défices causados pela insuficiente taxação dos encargos de urbanização
coletados aos promotores de novos empreendimentos (Bingre, 2011).
Instala-se a “ilusão dos promotores”, na qual os empresários da construção associam
equivocadamente o aumento do preço dos solos urbanizáveis a um eventual aumento dos
preços dos edifícios que neles podem ser construídos. Isto sucede porque a mera compra
feita ao loteador pelo promotor — o “passe de solo” permite o encaixe de mais-valias
urbanísticas, dando a este última a ilusão de que irá ele próprio lograr ganhos semelhantes
ao dar o “passe de edifícios”. Quando tal sucede durante a fase de crescimento da bolha
imobiliária, então de facto o construtor irá somar aos lucros próprios da construção
algumas mais-valias “windfall gains” (Bingre, 2011).
Instala-se a “ilusão dos remodeladores de imobiliário”. Um número crescente de
investidores amadores começa a dedicar-se ao negócio de comprar habitações, remodelá-
las, e revendê-las com encaixe de mais-valias, ignorando o facto de a maior percentagem
38
dos ganhos assim conquistados resultaram da mera descida das taxas de juro e não de
serviços de remodelação (Bingre, 2011).
O aumento do número de remodeladores e especuladores, nenhum dos quais procura
efetivamente residência para si ou para arrendatários, faz desligar a procura de imóveis
dos seus fundamentos demográficos a longo prazo, e estimula a sobreprodução de novos
edifícios (Bingre, 2011).
A expectativa de encaixar mais-valias graças a alvarás de loteamento faz disparar os
pedidos de licenciamento dos mesmos, independentemente da racionalidade ambiental,
urbanística ou demográfica dessas intenções. O mercado de solos rústico passa a
incorporar as expectativas de valorização urbanística, cotando-se a preços inacessíveis
aos empresários agrícolas (Bingre, 2011). Desta forma a crise imobiliária é convertida em
crise financeira.
2.5. Instrumentos de planeamento
A ausência de um pensamento rigoroso, abrangente e sistematizador tem sido dissimulado
por somatórios de intervenções vistosas, muitas vezes desenquadradas, de discutível
qualidade urbanística e arquitetónica e reduzida competência construtiva.
O planeamento como um instrumento de organizacional, que se caracterizava pelas
metodologias do urbanismo e desenho urbano na gestão e uso do solo e por uma fortíssima
intervenção política, contribuí como peso na balança, de forma a garantir um equilíbrio
inerente entre as diferentes forças.
Caso a tendência de agravamento destes desequilíbrios a que se tem assistido não seja
travada é de se esperar a agudização da insatisfação generalizada das populações, mesmo
nos países em que os cenários de crise ainda não se fizeram sentir (Leitão, 2011).
Torna-se assim imperioso perceber os mecanismos atuais, que administração pública tem
para intervir no meio público, no sentido de promover a sustentabilidade nas zonas já
urbanizadas e nas futuras construções, dando resposta aos problemas a nível do ambiente,
social e económico.
39
2.5.1. Processos de expropriação urbanística
Um dos instrumentos típicos de aquisição e disponibilização dos solos à Administração
e, por isso, um instrumento característico de política fundiária, são as expropriações por
utilidade pública. Para além do mais, as expropriações por utilidade pública são, entre
nós, de há muito, objeto de tratamento sistemático em códigos das expropriações, o que
diminui grandemente a importância do seu tratamento no âmbito de uma lei dos solos
(Oliveira, 2011).
Apesar do atual Código das Expropriações date, como o Regime Jurídico dos
Instrumentos de Gestão Territorial (RJIGT), de 1999, estes dois diplomas legais não se
encontram articulados entre si, o que não deixa de ser um entrave a uma política de
ordenamento do território e de urbanismo que se pretenda eficaz (Oliveira, 2011).
O RJIGT, na parte dedicada à execução dos planos, sistemas de execução e mecanismos
de perequação compensatória, tenha criado condições que permitam, de certa forma,
contrariar o fenómeno da retenção dos solos com fins especulativos e promover a sua
disponibilização para fins públicos, este objetivos esbarram, na prática, com alguma
desarticulação com o Código das Expropriações a vários propósitos em que as
expropriações se relacionam com o fenómeno planificador (Oliveira, 2011).
Essa desarticulação ocorre em matéria de classificação dos solos, sendo diferente aquela
que vale para efeitos de planeamento da que tem relevo para efeitos do cálculo de
indemnização quando os mesmos solos são objeto de expropriação para a execução das
disposições dos planos, não existindo uma uniformidade de critérios a este propósito
(Oliveira, 2011).
Assim, de acordo com o RJIGT, os solos são classificados (Tabela 3), para efeitos da
definição do regime de uso dos solos, em urbanos e rurais, cada um deles integrando
diversas categorias. Já para efeitos do cálculo da indemnização por expropriação o Código
das Expropriações (Tabela 4) classifica-os em solo apto para construção e solo para outros
fins (Oliveira, 2011).
40
Tabela 3 – Classificação e qualificação do solo nos Instrumentos de Gestão
Territorial
Classificação
(Artº 72º DL 380/99)
Solo …
… rural … urbano
Qualificação
(Artº 73 º DL
380/99)
Espaços …
… agrícolas
… florestais de produção
… florestais de conservação
… de exploração mineira
… de agroindústrias
… de indústrias silvícolas
… de indústrias de valorização de
produtos minerais
… naturais
… para infraestruturas não urbanas
… rurais de usos múltiplos
… urbanizados
… de urbanização
programada
… de estrutura ecológica
urbana
Fonte: Fernanda Oliveira, 2011
Tabela 4 – Classificação dos solos no Código das Expropriações
Classificação dos
solos para efeitos
de indemnização
por
expropriação
Solos aptos para construção Solos
para
outros
fins
- Solos dotados de certas infraestruturas urbanísticas
- Solos integrados em núcleo urbano
- Solo qualificado como área destinada a edificação e
urbanização em plano municipal de ordenamento do território
- Solo abrangido por alvará de loteamento ou de licença de
construção em vigor no momento da declaração da utilidade
pública, desde que o processo respetivo se tenha iniciado antes
da data da notificação da resolução de expropriar referida no
artigo 10.º do Código das Expropriações
Os
restantes
Fonte: Fernanda Oliveira, 2011.
Pode também suceder que um município, na sua tarefa de planeamento territorial, decida
destinar para zona verde e de lazer solos que, por natureza, isto é, dadas as suas
características objetivas, estão mais vocacionados para esses fins. Assim, sendo certo que
em causa poderão estar solos “afetos à estrutura ecológica necessários ao equilíbrio do
41
sistema urbano”, o RJIGT, têm a qualificação de urbanos, desempenhando uma função
de melhoria da qualidade urbana da cidade em que se integram, não poderá, na avaliação
que deles for feita para efeitos indemnizatórios, deixar de se ter em consideração as suas
especiais características (designadamente a sua natural inaptidão edificatória) (Oliveira,
2011).
Denota-se, a necessidade de se proceder a uma revisão da legislação envolvida, de forma
a uniformizar conceitos em matéria de classificação de solos. É igualmente visível a falta
de articulação do Código das Expropriações com o RJIGT a outros propósitos que se
prendem, todos, com a avaliação dos terrenos para efeitos do cálculo da indemnização
por expropriação (Oliveira, 2011).
Igualmente óbvia é a falta de consideração, por parte do Código das Expropriações, sobre
a forma como deve ser feita a avaliação dos solos quando a expropriação funciona como
um instrumento de execução dos planos sempre não seja possível contar com a
colaboração dos proprietários ou quando os proprietários a possam exigir como única
forma de os seus terrenos serem disponibilizados para a execução de planos,
nomeadamente para concretização do reparcelamento preconizado em planos de
pormenor. De facto de uma leitura atenta do Código das Expropriadores fica-se com a
perceção de que o respetivo legislador desconhece toda a realidade do planeamento ⎯ isto
é, da sua execução, da perequação de benefícios e encargos, das expropriações do plano,
etc. ⎯ operando à margem de todas essas realidades (Oliveira, 2011).
Ou seja, não obstante exista uma inequívoca relação entre sistemas de execução e
expropriações, com a necessidade de se proceder à determinação de valores de avaliação
dos prédios em muitas das situações geradas pela execução programada e compensatória
de benefícios e encargos dos processos de urbanização, o RJIGT limita-se a formular uma
remissão genérica para o Código das Expropriações (Tabela 5), cujas disposições, por sua
vez, parecem não conhecer esta realidade, definindo regras que necessitam das “devidas
adaptações” nunca devidamente explicitadas. O que não poderá deixar de funcionar como
um entrave à eficaz execução dos planos municipais.
42
Tabela 5 – Sistema ou Instrumento de Execução
Sistema ou Instrumento de
Execução Expropriação
Avaliação
(critérios)
Sistema de compensação
• Valorização prévia dos prédios
• Valorização final dos prédios
------------------
------------------
Sim (CE, com adaptações)
Sim (CE ou outros)
Sistema de cooperação Talvez Idem
Sistema de imposição administrativa Talvez/Sim Idem
Direito de preferência ------------------ Sim (CE, com adaptações)
Demolição de edifícios ------------------ Talvez
Expropriação Sim Sim (CE)
Reestruturação fundiária É possível Sim (CE)
Direito à expropriação
(regularização de estremas)
É possível Sim (CE)
Reparcelamento
• de iniciativa dos proprietários
• de iniciativa da Câmara Municipal
------------------
É possível
Sim (CE ou outros)
Sim (CE)
Dever de indemnização "Equivalente a" Sim (CE)
Fonte: Fernanda Oliveira, 2011.
Esta desarticulação, em especial no que concerne às diferentes formas de determinação
do valor dos prédios, pode ter como consequência, por exemplo, que o valor de um prédio
determinado pelo Código de Expropriações numa unidade de execução estabelecida em
plano municipal de ordenamento do território possa ser radicalmente diferente do valor
determinado em função dos mecanismos perequativos resultantes da ação planificadora
e, por maioria de razão, do valor estabelecido para efeitos fiscais (Oliveira, 2011).
Pode, porém, caber à Lei dos Solos um papel importante na articulação e harmonização
das várias classificações dos solos que valem para fins distintos: para efeitos do regime
dos solos a definir pelos planos; para fins de cálculo da indemnização por expropriação;
para efeitos fiscais e, até, para efeitos registais a que a maioria das operações de
intervenção no território devem estar sujeitas. Esta importante tarefa pode ser levada a
cabo em articulação com aquela outra, a que a Lei dos Solos deve proceder: de definição
do estatuto jurídico dos solos urbanos e rurais onde se integra a definição do conteúdo do
direito da propriedade do solo (Oliveira, 2011).
43
Principalmente nos solos de urbanização programada, os planos municipais de
ordenamento do território, podem encontrar-se prédios rústicos, enquanto, em solos rurais
é possível encontrar prédios urbanos ou mistos (desde que neles tenha sido realizada uma
edificação admitida pelo plano).
Em todo o caso, se é certo que esta caracterização é distinta daquela que anima a temática
dos planos, não é indiferente a afetação que estes façam de um determinado terreno,
alterando as possibilidades da sua utilização, já que esta pode determinar uma alteração
não só da configuração como do estatuto dos prédios para efeitos registrais e mesmo
fiscais. Assim, caso num prédio rústico seja admitida, de acordo com as normas jus-
urbanísticas, a construção de um prédio com dois pisos, tal significa a transmutação da
natureza do mesmo que, de rústico, passará a urbano, com as consequentes alterações em
termos de registo (Oliveira, 2011).
Assim, a Lei dos Solos pode (deve) definir os princípios e os critérios (coordenadas) de
valoração dos solos aplicáveis em todas as situações (operações) em que tal valoração se
mostre necessária, designadamente (Oliveira, 2011):
I. Em matéria perequação compensatória e situações de determinação do valor dos
solos no quadro da execução do planeamento territorial;
II. No que concerne à fixação da justa indemnização nos casos de expropriação por
utilidade pública, qualquer que seja a respetiva finalidade (execução de planos ou
outra);
III. Na fixação do preço a pagar ao proprietário nos casos em que a lei venha a permitir,
como sucede no regime jurídico da reabilitação urbana, a venda forçada.
2.5.2. Venda forçada
A venda forçada é um ato sancionatório sobre “proprietários de prédios urbanos que não
cumpram os ónus e deveres” inerentes ao estatuto da propriedade. Esta figura da venda
forçada nada tem a ver com a expropriação por utilidade pública (Pardal, 2014).
44
O desligamento absoluto entre a venda forçada e a expropriação é fundamental sob pena
do ónus da medida acabar por onerar o erário público. Na venda forçada, ao proprietário
assiste o direito de receber integralmente o valor realizado em hasta pública (Pardal,
2014).
O adquirente de prédios em hasta pública em venda forçada deve ter um prazo para
normalizar a situação do prédio sob pena de haver lugar a nova venda forçada, devendo
aqui o proprietário penalizado numa percentagem, não inferior a 20% do preço da
transação em nova venda forçada. Isto só será possível em articulação com o Código das
Expropriações sob pena de ter de envolver uma revisão constitucional (Pardal, 2014).
A venda forçada é menos lesiva da propriedade e mais resolvida do que o arrendamento
forçado. Em qualquer dos casos, está-se perante um ato sancionatório que deve ser
desligado da expropriação, a qual não é um ato sancionatório, pelo contrário, é um dos
alicerces da defesa e salvaguarda da propriedade privada. A Constituição, na sua versão
atual, não dá enquadramento à venda forçada nem ao arrendamento forçado, pelo que a
aplicação destes regimes sancionatórios acaba por remeter para a expropriação,
estabelecendo uma contradição onde prevalece o direito à expropriação com elevado risco
para a entidade pública que recorra à venda forçada. A confusão é grande e arriscada para
os Municípios e outras entidades públicas que se venham a confrontar com a obrigação
de pagar a justa indemnização determinada judicialmente, num processo de expropriação
(Pardal, 2014).
Para haver lugar à venda forçada terá, também, de ser definido o conceito de valor
correspondente – valor de venda forçada – de modo a salvaguardar condições que
garantam que o preço da transação se posicione numa banda aceitável. Seria muito grave
que a venda forçada viesse a provocar fenómenos deflacionistas nos valores de mercado.
Há que ter, sempre aqui, em consideração um valor justo (Pardal, 2014).
O conceito de expropriação vigente no Direito português pressupõe sempre a utilidade
pública, em nome da qual se vai sacrificar a propriedade privada, compensando o
proprietário com uma justa indemnização (Pardal, 2014).
45
A venda forçada não tem que invocar o interesse público, na medida em que a utilização
física do prédio em causa se confronta, de forma irresolúvel, com a propriedade privada,
convocando por isso o direito à justa indemnização. A venda forçada justifica-se tão-só
pelo facto do prédio em causa se encontrar num estado de degradação e de abandono,
gerador de externalidades negativas que prejudicam os vizinhos e a imagem urbana, e não
respeitam a função social e o sentido útil da propriedade imobiliária. Estamos perante um
ato de desleixo que justifica uma intervenção do Estado no sentido de normalizar um
comportamento de correto tratamento de um bem que, sendo privado, tem de respeitar
relações de enquadramento, de segurança e de racionalidade do sistema socioterritorial
(Pardal, 2014).
Enquanto a expropriação é um direito que assiste à propriedade, como garante de
salvaguarda das suas prerrogativas, a venda forçada, pelo contrário, configura-se como
um ato sancionatório sobre proprietários incumpridores (Pardal, 2014).
A venda forçada só pode ser assumida como um ato sancionatório sobre proprietários
incumpridores e deve explicitar que na sua primeira aplicação a um determinado prédio
(1.ª venda forçada), o montante realizado em hasta pública é razoável que seja
integralmente entregue ao proprietário incumpridor (Pardal, 2014).
No caso de não cumprir as obras de reabilitação dentro desses prazos, proceder-se-ia a
uma segunda venda forçada em hasta pública havendo, aqui, razão para uma penalização
que consistiria em este proprietário receber apenas uma parte do montante, revertendo a
outra parte a favor do Município (Pardal, 2014).
Colocar o direito à expropriação como complemento da venda forçada, mais que uma
contradição, é um absurdo, na medida em que se começa por um ato sancionatório que
culmina na atribuição de um prémio de justa indemnização (Pardal, 2014).
46
A título especulativo, poderia o legislador desdobrar o conceito de expropriação em dois
vetores:
I. Expropriação por utilidade pública — Nesta sede, deveria ser claramente
explicitado que o direito de urbanizar não é uma prerrogativa da propriedade privada
e, consequentemente, que os proprietários de terrenos rústicos eventualmente
urbanizáveis não beneficiem das mais-valias simples, em sede de expropriação. Para
que tal seja instituído de uma forma justa, a urbanização deveria passar a ser uma
competência exclusivamente pública, à semelhança do que vigorou entre 1934 e 1965.
II. Expropriação por incumprimento dos deveres do proprietário em matéria de
normal conservação objetivamente comprovado pelo estado de degradação do
prédio — neste caso, a lei deveria confinar o procedimento à venda forçada em hasta
pública, explicitando que o proprietário em causa apenas tem direito ao montante
realizado nessa hasta pública. Deveriam aqui ser ponderadas e contextualizadas as
diferenças de responsabilidade entre o proprietário da primeira venda forçada e as
responsabilidades de proprietários de posteriores vendas forçadas sobre o mesmo
prédio, considerando que nas segundas vendas forçadas os proprietários devem ser
confrontados com um acréscimo de responsabilidades, assumidas no ato da licitação e
aquisição em hasta pública de venda forçada. Obviamente que aqui a lei deve ser
perentória a dizer que não há lugar a qualquer recurso ou indemnização.
2.5.3. Regeneração urbana sustentável
O desenvolvimento sustentável não deve ser apresentado como um slogan político ou
uma alavanca para garantir contrapartidas. Pelo contrário, o desenvolvimento social e
humano como capacidade de suporte ambiental deverá constituir uma prioridade para as
cidades. É, nesta medida, fundamental encontrar soluções alternativas que permitam gerar
o equilíbrio na forma de habitar das populações e desenvolver uma gestão de recursos
mais eficiente.
A análise das necessidades atuais aponta para uma linha de intervenção que passe não
pela construção de grandes infraestruturas, mas, ao invés, pela reabilitação das já
existentes, sob o propósito de melhorar a sua eficiência, dar-lhes novos usos e delinear
47
um caminho (mais) sustentável a nível ambiental, social e económico (Construção
Sustentável, 2012).
No âmbito do desenvolvimento de políticas multidimensionais, importa promover os três
pilares de forma consentânea, tendo em conta que não existem uns mais importantes do
que outros. Ao invés, existem tão-só medidas em cada pilar que têm pesos diferentes.
Percebendo que os pilares se conjugam em três principais postulados:
Não existe economia sem recursos;
Boa gestão de recursos sem justiça social;
Sociedade sem economia.
No âmbito da Agenda 21, a Comissão Europeia publicou, em 2001, a Estratégia da UE para
o Desenvolvimento Sustentável (EDS), propondo medidas para diminuir as diferenças
sociais, atenuar as alterações climáticas e promover ambientes mais saudáveis. Portugal
definiu, em 2002, a sua Estratégia Nacional de Desenvolvimento Sustentável (ENDS),
baseada nos objetivos da EDS, e muito semelhante aos da Estratégia de Lisboa, de 2000. Os
objetivos da Estratégia de Lisboa consistiam na ampliação da visão de sustentabilidade,
juntamente com a prosperidade económica, justiça e coesão social, proteção ambiental e
promoção da responsabilidade a nível internacional (Castanheira, 2013).
Durante a reunião das Autoridades Locais Europeias na Conferência “Inspirando o Futuro
– Aalborg+10”, de 2004, confirmou-se a perspetiva comum de um futuro sustentável para
as comunidades, através dos Compromissos de Aalborg (Tabela 6). As autoridades
compreenderam o seu papel fulcral em assegurar o desenvolvimento sustentável,
exigindo a adoção de abordagens mais enérgicas e integradas nas políticas locais,
compatibilizando os objetivos ambientais, sociais e económicos (Castanheira, 2013).
Tabela 6 – 10 Compromissos de Aalborg (UE, 2004) Os Compromissos de Aalborg
1. Governança 6. Melhor Mobilidade, Menos Tráfego
2. Gestão Local para a Sustentabilidade 7. Ação Local para a Saúde
3. Bens Comuns Naturais 8. Economia Local Dinâmica e Sustentável
4. Consumo Responsável e Opções de Estilo
de Vida
9. Equidade e Justiça Social
5. Planeamento e Desenho Urbano 10. Do Local para o Global
48
Mais recentemente, em 2007, é elaborada a Carta de Leipzig sobre as Cidades Sustentáveis.
Nesta carta, os Estados Membros da UE definiram, pela primeira vez, que o modelo ideal de
cidade para a Europa do século XXI é o modelo sustentável, reconhecendo, também, o valioso
contributo dos compromissos de Aalborg para uma ação estratégica a nível local. No
documento são acordadas recomendações (Tabela 7) para elaboração de estratégias comuns
para uma política urbana direcionada para o desenvolvimento sustentável (Rocha, 2009).
Tabela 7 – Recomendações da Carta de Leipzig sobre as Cidades
Sustentáveis (UE, 2007)
Recomendações
1. Maior recurso a abordagens de políticas de desenvolvimento urbano integrado - elaboração
de programas de desenvolvimento urbano integrado para as cidades no seu conjunto.
Criação e preservação de espaços públicos de qualidade;
Modernização das redes de infraestruturas e melhoria da eficiência energética;
Políticas ativas em matéria de inovação e educação.
2. Atenção particular aos bairros carenciados no contexto da cidade - coesão social e integração
nas cidades e nas zonas urbanas.
Prosseguir estratégias para melhorar o ambiente físico;
Reforçar a economia local e a política local de mercado de trabalho;
Adotar políticas ativas em matéria de educação e de formação de crianças e jovens;
Promover transportes urbanos eficientes e a preços razoáveis
Nesta medida, é indubitável que o desenvolvimento sustentável começa a exercer uma
importância significativa no desenvolvimento urbanístico. Os inúmeros documentos
inframencionados demonstram a preocupação das autoridades mundiais com a promoção
do desenvolvimento sustentável. Deste modo, a regeneração urbana de cidades
portuguesas e as suas estratégias de intervenção devem ir de encontro aos conceitos do
desenvolvimento sustentável, devendo também seguir os passos do planeamento urbano
sustentável (Castanheira, 2013).
Para chegar as soluções ideais, haverá um processo de iteração (Figura 5), que pretende
direcionar para soluções ou estratégias mais pragmáticas, que sejam capazes de
concretizar os três pilares em simultâneo. Atingindo assim, uma regeneração urbana
sustentável.
49
Figura 13 – Caminho para a renovação urbana sustentável (H.W. Zheng et al.,
2013)
2.5.4. Regime de reabilitação urbana
Uma política de solos que permita uma qualificação de uma determinada localização,
pode ter ainda, um importante relevo na definição do modelo de gestão urbanística a
adotar.
A gestão urbanística corresponde, grosso modo, ao conjunto das atividades relacionadas
com a concreta ocupação, uso e transformação dos solos, quer sejam realizadas
diretamente pela Administração Pública, quer pelos particulares sob a direção, promoção,
coordenação ou controlo daquela (Correia, 2012).
50
Os mais relevantes atos que se reconduzem a este tipo de gestão (atos administrativos de
gestão urbanística) são os que se encontram regulados no Regime Jurídico de
Urbanização e Edificação (RJUE). Também aí, se enquadram atos relativos a operações
em que a iniciativa pertence a entidades públicas, designadamente, aos municípios, já
que, por vezes, a intervenção urbanística nos solos é promovida pela própria
Administração mediante a realização de obras de urbanização, construção de
equipamentos coletivos, construção de habitação social e económica, etc., necessitando,
para o efeito, de desencadear os competentes procedimentos de apreciação prévia dos
respetivos projetos (Oliveira, 2011).
Uma lógica mais recente de gestão urbanística, a que já fizemos referência, aponta para
um papel mais ativo dos municípios, que passam a programar e a coordenar as várias
intervenções no território, assumindo a este propósito especial relevância as formas
referidas de execução sistemática dos planos por intermédio da delimitação de unidades
de execução (Oliveira, 2011).
É necessário escolher, uma programação pública das intervenções a efetuar, para a
delimitação de áreas que apontem para intervenções integradas. Deste modo, a
reabilitação urbana, posiciona-se também como uma via para contrariar o modelo de
desenvolvimento urbanístico assente na expansão urbana permitindo a consolidação e
ocupação do já edificado integradamente com a intervenção em espaços expectantes
dentro das cidades (Oliveira, 2011).
Assim, muito embora o RJIGT e o RJUE tenham sido elaborados em simultâneo, parecem
desarticulados entre si quanto ao modelo de gestão urbanística para que apontam,
permitindo o RJUE, um tipo de gestão assistemática, que o RJIGT parece impedir, ao
impor como forma de execução dos planos e operações urbanísticas a execução
sistemática (Oliveira, 2011).
51
Esta articulação deve, a nosso ver, ser feita estabelecendo uma relação entre o modelo de
gestão a mobilizar e as categorias do solo urbano que estão em causa ⎯ devendo, por isso,
esta questão ser tratada a propósito do estatuto jurídico dos distintos tipos de solo ⎯ a qual
pode ser feita nos seguintes termos:
Solos urbanizados (bem) consolidados;
Solos urbanizados a consolidar (colmatar);
Solos urbanizados (mal ou deficientemente) consolidados;
Zonas (solos) de urbanização programada (zonas urbanizáveis).
2.5.5. Recuperação das mais-valias e intervenção pública
Outro dos temas centrais do direito dos solos prende-se com as questões das mais-valias
decorrentes dos processos de planeamento e ordenamento do território e com os
mecanismos de intervenção da Administração no mercado dos solos. A desigualdade é
inerente ao planeamento, faz parte da sua essência: os planos atribulem diferentes
capacidades de utilização a terrenos com condições similares criando, deste modo, fortes
desigualdades no que respeita à evolução das respetivas rendas fundiárias (Oliveira,
2011).
O RJIGT, ao determinar que um dos objetivos da perequação é a “redistribuição das mais-
valias atribuídas pelo plano aos particulares”, parece admitir que os proprietários têm o
direito a “encaixar” nos seus patrimónios, todas as mais-valias geradas pelos processos
de ordenamento do território e urbanismo (Oliveira, 2011).
Ora, um sistema de gestão territorial que se pretenda eficaz não se poderá ficar por aqui:
numa ótica de financiamento da cidade e de equidade social, deve determinar que uma
parte da renda fundiária gerada pela decisão pública deve ser apropriada (adquirida) pela
Administração, apenas a restante renda fundiária deverá ser distribuída entre os
proprietários por intermédio dos mecanismos de perequação (Oliveira, 2011).
52
Por isso, se afirma, que uma eficaz política de ordenamento do território depende da
existência de instrumentos de política fundiária que permitam a recuperação das mais-
valias geradas pela atuação pública (Oliveira, 2011).
2.6. Análise comparativa entre países europeus
Este subcapítulo, contém a recolha e a identificação das soluções normativas de direito
de solo em vigor em 6 países europeus. O atual subcapítulo é uma síntese do relatório da
Análise comparativa das Leis de Solos de Países Europeus, que foi elaborado no âmbito
do projeto de preparação da Lei do Solo. Devido a extensão do mesmo e se tratar de uma
pesquisa de direito comparado, o atual subcapítulo vai ser constituído e organizado em 4
temas:
Função Social e estatuto da propriedade do solo
Execução urbanística
Intervenção da Administração Pública no mercado de solos
Tributação
2.6.1. Função social e estatuto da propriedade do solo
2.6.1.1. Função social e natureza do estatuto da propriedade
Em todos os ordenamentos jurídicos analisados o direito de propriedade não se assume
como um direito absoluto, um direito sem limites, outrossim encontra-se sujeito a limites
funcionalizados para atender ao interesse público. Em todos os casos, a função social da
propriedade assenta no reconhecimento de que o interesse geral da coletividade se
sobrepõe ao do proprietário do solo, impondo limitações ao pleno exercício do direito de
propriedade, sem que, por um lado, de tal decorra para o particular o direito a ser
indemnizado e obrigando, por outro, à partilha das mais-valias urbanísticas com a
coletividade.
Não obstante, o exato alcance e amplitude da função social do direito de propriedade é
variável e radica substancialmente nas especificidades geográficas (Holanda), históricas
ou culturais (Inglaterra) de cada ordenamento. Em Itália esta é uma questão sensível,
sobretudo no que concerne às decorrências da função social da propriedade como
53
fundamento de redução do valor indemnizatório, bem como da imposição de
condicionantes ao direito de propriedade que não devam ser ressarcidas. Na Alemanha,
a possibilidade da Administração emitir injunções destinadas a garantir a execução pelos
particulares das prescrições do plano assume-se também como uma expressão da função
social da propriedade.
Constata-se, ainda, que o direito de propriedade, sendo tradicionalmente de natureza civil,
encontra-se enquadrado e o seu exercício limitado pelo direito administrativo.
2.6.1.2. Oneração da propriedade por motivos de interesse público e direito à
indemnização
Em todos os ordenamentos analisados se verifica a existência de condicionantes que
oneram a propriedade privada por motivos de interesse público, como expressão da
função social da propriedade, contemplando-se como regra geral a obrigação de
indemnizar quando as limitações forem excessivas, designadamente quando existam
direitos adquiridos ou o sacrifício exceda as limitações inerentes à função social da
propriedade ou resulte em preterição do princípio da igualdade perante os encargos
públicos (dano especial e anormal).
Em França, o valor da indemnização é calculado nos termos gerais devendo ser subtraída
a mais-valia de que os imóveis beneficiem por execução do instrumento de planeamento.
Na Itália, só as medidas que não devam ser suportadas pelo proprietário no contexto da
função social da sua propriedade devem ser objeto de indemnização, mas quando esta
existe deve garantir um serio ristauro. A indemnização por sacrifício resultante do
planeamento urbanístico deve ser proporcional ao dano efetivamente produzido e o seu
modo de cálculo deve constar do próprio plano.
Na Holanda, o valor da indemnização integra o dano patrimonial de capital (redução do
valor da propriedade) e o dano com a cessação de rendimento, suportando o lesado uma
“franquia” de 2% do rendimento que deixou de auferir por ocorrência do dano ou do valor
de depreciação da propriedade. De realçar que não existe lugar à indemnização se a
54
compensação for atribuída de outro modo, facultando a utilização de procedimentos
perequativos.
Na Espanha, a privação do direito de edificar pode dar azo a indemnização
(indemnização pelo sacrifício) nas circunstâncias previstas na lei e desde que não seja
possível compensar o particular através dos mecanismos de perequação.
Na Alemanha a indemnização pelos danos sofridos em consequência das opções do plano
encontra-se expressamente prevista, tendo o particular direito a indemnização face à
afetação do solo para usos públicos bem como quando seja alterado o zonamento previsto
em plano, sempre que tal se traduza na alteração de zonamento de uso privado para uso
público. Neste caso, a indemnização corresponde à diferença entre o valor de uso
permitido e o novo valor decorrente do uso público do solo.
Por outro lado, quando o plano proceda à alteração de uso privado para um uso público,
se o particular não tiver concretizado o uso inicial, ainda que não tenha decorrido este
período de 7 anos, a indemnização não é substancialmente reduzida, sendo usual a
aquisição do bem pelo município.
Em Inglaterra, as limitações ao direito de propriedade decorrem do interesse público
concreto, como é o caso da realização de obras públicas, suscetíveis de indemnização.
Neste caso a indemnização resulta da redução do valor do terreno causada pela atividade
de construção das obras ou pelo uso subsequente à execução de tais obras, especificando
a lei os fatores físicos que podem depreciar a propriedade e dar azo a indemnização (ruído,
vibração, emissão de gases etc.).
Também pode existir indemnização por revogação ou alteração do planning permission,
a determinar em função dos custos tidos com os trabalhos, perdas e danos diretamente
resultantes de tal decisão, e indemnização por depreciação do valor do terreno resultante
de decisões de planeamento que afetem direitos de particulares.
55
2.6.1.3. Sistemas de compensações ambientais
A análise efetuada permitiu apurar a existência de sistemas perequativos à escala local e
à escala alargada, como expressão do princípio da equidade e coesão social, bem como
alguns sistemas de compensação decorrentes de ações tendentes à proteção ambiental.
Na Itália, no caso concreto da Região da Lombardia, o Plano Territorial Regional
determina as formas de compensação económico-financeiras a favor das entidades locais
sujeitas a limitações de desenvolvimento bem como modalidades de compensação
ambiental e energética pelas intervenções que determinam impactos relevantes no
território.
Na Holanda, onde as questões ambientais assumem uma maior acuidade atenta a sua
situação geográfica, merece destaque o fenómeno das compensações red-for-green, no
contexto das quais se compensa a cedência de solo para fins ambientais mediante a
atribuição de terrenos edificáveis aos proprietários lesados ou pela qualificação de certos
terrenos como tal.
Por outro lado a legislação relativa à utilização do solo para fins agrícolas, prevê no que
concerne à requalificação da propriedade agrária, a existência de cedências e permutas
destinadas a compensar os proprietários pela delimitação de corredores ecológicos, bem
como para efeitos de reparcelamento da propriedade agrária em geral.
Na Alemanha a lei prevê a existência de mecanismos de perequação compensatória
relativa à conservação da natureza e da paisagem, nomeadamente o regime do Ökokonto
(conta ecológica), que simplifica o regime das compensações ecológicas a que se deva
proceder.
2.6.1.4. Forma e efeitos da classificação do solo, competência, nível de discricionariedade
Com exceção do caso de Espanha, nos demais ordenamentos analisados, a situação de
base do solo não influencia o estatuto jurídico-económico do direito de propriedade. Em
56
todos os casos, os usos abstratamente admissíveis resultam do zonamento e/ou da
qualificação do solo.
Em todos os sistemas existe um sistema de planeamento com vários níveis, em função da
organização territorial de cada país, que inclui planos de carácter estratégico e planos de
maior densificação, vinculativos para os particulares. Realce merece o caso de Inglaterra
onde, o direito do solo assenta em fontes diversas e os planos têm carácter meramente
orientador.
Na França não existe distinção entre classificação e qualificação do solo - a zonage
réglementaire identifica os usos urbanos admissíveis no âmbito de operações
urbanísticas, estando em regra proibida a construção nas demais zonas. Os Schema de
Coherence Territoriale (SCOT), que não definem a classificação do solo mas são
importantes instrumentos de conceção e de planeamento estratégico municipal ou
intermunicipal, referenciais para as diferentes políticas sectoriais municipais e que têm
um prazo de vigência de 10 anos.
Na Itália, a definição formal do estatuto subjetivo da propriedade não existe. A
competência para a aprovação destes planos é municipal mas a Região pode, a título
excecional e em substituição do município que por inércia não aprove instrumentos de
planeamento, assumir ela própria essa tarefa.
No sistema italiano, cada região trata a qualificação do solo de forma diversa,
constatando-se significativas diferenças entre elas. Na Toscana o Piani Regolatore
Generale tem um prazo de validade de 5 anos, findo o qual caduca.
Na Holanda, onde as urbanizações de iniciativa privada são uma realidade recente, a
classificação dos solos destina-se apenas a disciplinar a sua utilização, não produzindo
quaisquer efeitos ao nível do regime jurídico da propriedade. Atentas as condições
geográficas deste país e a prática de agricultura intensiva que aí ocorre, existe um regime
especial para o solo rural, sendo de realçar que historicamente se chegou a registar uma
diferença muito pequena entre o valor dos terrenos destinados à agricultura e dos terrenos
urbanos. Compete aos municípios regulamentar o uso e qualificação do solo, mediante a
57
aprovação de planos, bem como regulamentar a gestão do solo nas áreas que não são
objeto de instrumentos de planeamento.
Em Espanha, a classificação de solo rural e solo urbanizado é determinante para a
definição do regime jurídico fundiário, desde logo porquanto envolve um regime de
utilização próprio para cada classe de solo, bem como a aplicação de regras específicas
para a valoração de cada um. O solo urbanizado implica a existência de urbanização
concluída ou a sua integração de forma real e efetiva na rede urbana, dotado dos
correspondentes serviços. As demais situações integram o solo rural.
Subsiste no ordenamento espanhol a distinção do solo em urbano, urbanizável e não
urbanizável mas esta distinção não produz efeitos autónomos uma vez que é através da
classificação de base do solo (ora denominada situação de base do solo, por razões de
prudência legislativa que se prendem com a repartição de competências entre o Estado e
as Comunidades Autónomas,) que se determina os usos possíveis, dentro dos limites do
seu estatuto, bem como a intensidade de usos e a tipologia de construção.
Compete aos municípios proceder à classificação e qualificação do solo. De acordo com
a Lei do Solo a transformação do solo deve ser efetuada em função da ponderação dos
interesses económicos, sociais e ambientais subjacentes e só pode reclassificar-se como
urbano o solo necessário. O restante solo rural deve ser preservado, principio que
enquadra o grau de flexibilidade na classificação do solo.
Na Alemanha a classificação do solo tem efeitos no jus aedificandi apenas na medida em
que limita e condiciona o seu exercício, integrando três categorias: solo abrangido por
plano municipal vinculativo (Bebauungsplan - BbP), solo urbano sem tal plano e solo
rural. O grau de densificação da legislação urbanística alemã impõe múltiplas
condicionantes à elaboração dos planos, encontrando-se já definidos no Regulamento
Federal de Construção (BauNVO), com grande detalhe, os usos admissíveis e os não
admissíveis bem como os limites à intensidade de uso, regras que consubstanciam o
estatuto jurídico objetivo dos terrenos, por efeitos da sua classificação no plano
municipal, ou mesmo na sua ausência, por aplicação direta do direito da construção.
58
Na Inglaterra não existe uma classificação do solo que defina o estatuto subjetivo da
propriedade. A noção de regra urbanística oponível a terceiros é substituída pelo conceito
de development, desenvolvendo-se a atividade urbanística em torno das pretensões de
development do solo e do uso que nele vinha sendo exercido, que culmina com o planning
permission.
O sistema inglês apresenta um elevado grau de centralização no Governo e nas Regiões,
em matéria urbanística. Estes poderes serão substancialmente reduzidos, se for aprovada
a Localism Bill, proposta de lei ainda em análise, que introduz também novas formas de
planeamento assentes no âmbito local.
2.6.2. Execução urbanística
2.6.2.1. Programação e iniciativa da execução
O papel que a Administração Pública assume enquanto agente no desenvolvimento
urbano e os modos de participação e iniciativa dos particulares na execução urbanística
são aspetos determinantes em cada sistema de gestão territorial para a caracterização dos
níveis de programação, dos tipos de instrumentos e dos modos de relacionamento e
contratualização entre os agentes públicos e privados.
O sistema francês contém dois instrumentos centrais de execução urbanística, que se
distinguem tanto no que respeita à iniciativa, como ao âmbito e conteúdo da atuação: a
Zone d’Aménagemente Concerté (ZAC) e o lotissement.
A ZAC tem como objetivo infraestruturar e equipar uma determinada área,
compreendendo o zonamento e normas urbanísticas de detalhe, o programa de
equipamentos públicos e o balanço financeiro da operação.
O lotissement constitui o instrumento de execução de iniciativa privada, limitando a sua
esfera de atuação à divisão fundiária e à infraestruturação mínima necessária para a
viabilização da edificação nos lotes a constituir.
59
Relativamente aos loteamentos, a lei estabelece algumas garantias gerais para a sua
adequada execução, nomeadamente, e para além da possibilidade de caducidade da
licença por incumprimento das obrigações, a interdição de transações de lotes antes da
execução completa da infraestruturação e da verificação das prescrições impostas pela
Administração, exceto quando existam garantias financeiras para conclusão dos
trabalhos. A Administração Pública pode, decorridos 5 anos após a conclusão da
operação, alterar as regras de edificabilidade fixadas na operação de loteamento,
dispositivo que lhe permite manter um desejável nível de discricionariedade para o futuro
e, simultaneamente, incentivar o adquirente do lote à imediata construção.
Em Itália, a Administração deve atuar como agente impulsionador do desenvolvimento
urbano mediante a elaboração dos seus programas plurianuais de atuação que, com uma
vigência entre 3 e 5 anos, estabelecem a programação municipal da urbanização e de
coordenação das operações no território, definindo as prioridades de execução das
grandes infraestruturas e a execução temporal do desenvolvimento urbano.
Os instrumentos de planeamento da execução por iniciativa privada são os lottizzazione,
sujeitos à aprovação municipal, sobre os quais são instituídas convenzione edilizia,
contratos entre as entidades pública e privada nos quais se definem as cedências, os custos
assumidos pelos particulares nas obras de infraestruturação e equipamentos e eventuais
compensações perequativas.
Os promotores não proprietários podem ainda promover a execução e vir a beneficiar das
expropriações que a Administração Pública fará a seu favor, sendo que nestes casos
suportam os custos da expropriação, realizada com recurso ao valor de mercado, a menos
que se fundamente diretamente na prossecução da função social da propriedade, o que
justifica a redução do valor da expropriação, pese embora a Europeu dos Direitos do
Homem a esta prática oposição reiterada do Tribunal.
Os projetos de loteamento devem ser executados num prazo máximo de 10 anos, sob pena
de caducarem e o incumprimento das obrigações determinadas pela convenzione ediliza
poderá ser merecedora de sanções penais, administrativas ou outras acessórias.
60
Na Holanda historicamente a programação e a execução urbanística foram conduzidas
exclusivamente pelo município, que procedia à elaboração do plano de pormenor (o
Bestemmingsplan, único plano municipal vinculativo no ordenamento holandês), à
compra dos terrenos aos proprietários, à sua infraestruturação e posterior venda ou
concessão das parcelas, com particular destaque para as associações de habitação com
vista à prossecução das políticas sociais de habitação (atualmente maioritariamente
privatizadas). Na sequência do 4.º Relatório Extra de Planeamento Nacional de 1990,
reforçado pela revisão da Lei do Planeamento Territorial em 2008, a execução urbanística
foi amplamente aberta à iniciativa particular e os municípios passaram a recorrer cada
vez mais à colaboração dos particulares, mediante parcerias público-privadas suportadas
por contratos de desenvolvimento fundiário.
Entre as alternativas de colaboração com os privados, conta-se a concessão integral das
tarefas de urbanização aos privados, a participação destes com os municípios numa
empresa de capital misto, ou a concessão dos edifícios após a sua construção pelos
municípios aos privados. Ainda, se pode recorrer a um mecanismo de permuta de solo
por direitos de construção, através do qual o proprietário vende o solo ao município em
troca de um valor pecuniário (frequentemente abaixo do valor pelo qual o adquiriu)
acrescido de direitos de edificação e sob obrigação de aquisição de lotes após a conclusão
da urbanização realizada pelo município.
Em Espanha, a regulamentação da programação e da execução dos planos é competência
autonómica, pelo que pode variar de acordo com a legislação de ordenamento do território
e urbanismo de cada comunidade autónoma.
Relativamente à execução urbanística, a Administração Pública pode assumir distintos
papéis, mediante um conjunto diversificado de sistemas de execução. O município pode
expropriar ou utilizar os seus próprios terrenos para, sujeitar a execução a concurso
público para seleção do agente urbanizador privado para executar a infraestruturação e a
edificação. Neste sistema, compete aos proprietários suportar os encargos da urbanização,
designadamente mediante a consignação de parcelas urbanizadas após o reparcelamento
dos terrenos afetados. De forma direta, o município pode efetuar a gestão do seu
património público de solo para a prossecução de determinados fins sociais.
61
A definição de prazos e regimes de caducidade e de condições para a execução urbanística
tem sido robustecida na regulamentação autonómica, bem como o recurso a mecanismos
de expropriação e venda forçosa dos terrenos que não tenham sido objeto de atempada
urbanização, com a admissão de terceiros não proprietários para conclusão da execução.
Estes mecanismos reportam aliás, não apenas à urbanização, como também à edificação,
porquanto no ordenamento espanhol emana a noção de integração destas duas tarefas na
programação e execução urbanística, dissociadas no direito de propriedade dos solos.
Em Inglaterra, a Administração Pública atua predominantemente como entidade
reguladora numa execução urbanística promovida essencialmente pelos particulares.
Cada proposta de desenvolvimento urbanístico é analisada pelo seu mérito concreto, com
base em instrumentos e orientações não vinculativas e sem recurso a parâmetros fixos
estabelecidos. A autoridade de planeamento negoceia com o particular e contratualiza as
obrigações de interesse público e de vizinhança que o mesmo deve cumprir na execução
da operação (planning obligations). As obrigações de vizinhança prendem-se com as
características e especificidades próprias do bairro em que se insere o development em
questão, nomeadamente a nível da respetiva tipologia, ou a traços arquitetónicos
específicos. A Administração pode ainda atuar como impulsionadora da execução,
mediante a adoção de instrumentos especiais, tais como as enterprise zone schemes ou as
simplified zone schemes, que conformam vantagens incentivadoras para a promoção
privada.
As licenças obtidas pelos particulares têm um prazo geral de validade de 3 anos, que pode
ser superior ou inferior, sendo distinto consoante se tratem de outros instrumentos, tais
como as enterprise zone schemes.
Na Alemanha, o sistema de planeamento urbanístico integra dois tipos de planos: o
Fachennutzungsplan (FP), plano estratégico e não vinculativo dos particulares, que
abrange a totalidade do município e enquadra a programação urbanística e o
Bebauungsplan (BdP), vinculativo e diretamente oponível aos particulares, que se ancora
no anterior e estabelece as especificações relativas à execução urbanística para partes
delimitadas do território municipal.
62
O sistema alemão distingue claramente a execução das infraestruturas urbanísticas, da
exclusiva responsabilidade pública, da promoção das restantes operações urbanísticas, de
natureza eminentemente privada. Toda a infraestruturação e dotação de equipamentos
públicos deve ser enquadrada em BdP eficaz ou em plano específico de projetos e
infraestruturas, o Vorhaben und Erchließungsplan (VE-plan), pelo que a promoção
privada se quedará limitada a área abrangidas por BdP ou em áreas que, não o estando,
sejam providas das infraestruturas públicas necessárias e que suportem a sobrecarga
prevista e desde que o projeto se enquadre nos usos e tipologias dominantes da área.
Como referido, o principal agente da execução dos planos é a Administração Pública, na
medida em que ela é responsável pela execução das infraestruturas públicas, limitando-
se os privados à produção da edificação privada sob o controlo da Administração. Pode
esta no entanto celebrar com os proprietários um contrato de desenvolvimento para a
elaboração e execução do BdP e com promotores contrato para construção de
infraestruturas e equipamentos no âmbito de um VE-plan.
Numa área que passe a estar abrangida por um BdP, o particular dispõe de 7 anos para
promover as operações urbanísticas permitidas, sendo que findo tal período, o imóvel
ficará adstrito ao seu uso atual e o município poderá livremente alterar as regras
urbanísticas sem que haja direito a indemnização, desde que o uso previsto seja
compatível com o existente. No âmbito de operações de reabilitação urbana, o município
pode ainda substituir o proprietário na execução das medidas de edificação previstas.
2.6.2.2. Financiamento da urbanização
Nos sistemas analisados, vigora o princípio pelo qual a urbanização não deve acarretar
encargos para o município e de que os custos devem ser repercutidos nos beneficiários da
mesma, sendo comum o recurso à negociação e a contratualização dos deveres e encargos
com os particulares em acordos que enquadram o licenciamento para a execução
urbanística. No entanto, o ressarcimento direto dos custos por execução de iniciativa
pública configura-se mais difícil, tanto no imediato como no longo prazo, ressalvando-se
as soluções encontradas nos sistemas espanhol e holandês para ultrapassar esta questão.
Em França deve ter-se presente a distinção entre a infraestrutura básica necessária à
viabilização da edificação nos lotes constituídos, integrada no conceito de voirie et
63
réseaux divers (VRD), que o agente loteador deve assegurar e suportar integralmente, e
a dotação mais complexa e exigente de infraestruturas, equipamentos coletivos e
habitação social, sob o conceito integrador de aménagement, a que uma ZAC pretende
dar resposta.
No âmbito das ZAC, a execução direta pela Administração determina que esta suportará
o financiamento, sendo ressarcida por via indireta mediante taxas e mecanismos de
política fiscal. Os custos são limitados ao montante necessário para a satisfação das
finalidades da operação urbanística, sem prejuízo de poder haver lugar a participação do
concedente nos custos. O financiamento dos equipamentos públicos pode ainda ser
assegurado de modo indireto, através do instituto de taxas urbanísticas ou mediante a
participação direta com a contrapartida de apropriação da mais-valias derivada da
valorização da área por via regulamentar no que reporta à capacidade edificatória.
Salienta-se, como mecanismos perequativo e anti especulativo, a definição do Plafond
Legal de Densité definido pelo Plan Local d’Urbanisme, que determina o volume
máximo de edificação permitido, a partir do qual o proprietário tem o dever de prestar
uma contribuição compensatória ao município pelo excesso de edificação pelo valor do
terreno que tivesse de adquirir para que esse limite não fosse excedido.
Salienta-se ainda a existência de diversos fundos, nomeadamente os Fonds
d’Aménagement Urbain, que apoiam a prossecução de políticas sociais de habitação e
urbanização a nível local e procedem a uma perequação entre coletividades territoriais.
Em Itália, o município impõe encargos consideráveis aos particulares para ser ressarcido
dos custos não amortizáveis tidos com infraestruturas e equipamentos. No âmbito de um
piano de lottizassione os gastos derivados da urbanização primária (infraestruturação
básica) e parte dos gastos com a urbanização secundária (equipamentos) estão a cargo
dos particulares, sendo os primeiros realizados à entrada, aquando da licença e os
segundos pagos tendo em consideração a localização da parcela e as características do
seu aproveitamento.
Não obstante, em qualquer situação de nova construção, aumento da área edificada,
alteração de uso ou aumento do número de unidades imobiliárias pode ser devida taxa,
64
calculada com base em dois valores: custo médio da construção definido por região e
encargos tidos com a urbanização, sempre que não tenha sido antecedida por convenzione
edilizia.
Na Holanda, a empresa municipal, de capitais mistos ou privada responsável pela
execução urbanística financia a operação (quando a mesma não seja executada pelo
município diretamente) e cobre os custos de urbanização através do posterior rendimento
obtido pela venda ou concessão de parcelas edificáveis. Os municípios podem cobrir
parcialmente os seus custos de entrada através de um fundo para a habitação constituído
pelo Estado, bem como da facilitação do acesso ao crédito mediante a concessão de
garantias estaduais. Se o desenvolvimento de uma determinada área vier a dar prejuízo, o
lucro obtido de outras áreas na mesma urbanização ou em diversa deverá compensar e
equilibrar o seu financiamento.
Relativamente à promoção por iniciativa privada, as contribuições do proprietário devem
abranger os custos públicos, mas ter em consideração o diferencial entre o valor inicial
de aquisição do solo e o seu futuro valor com base na capacidade de edificação e usos
após conclusão do desenvolvimento urbano. Deste modo, o proprietário de um solo
destinado a habitação social pagará menos do que caso ele se destinasse a habitação em
mercado livre. Os custos públicos reportam não apenas à construção das infraestruturas e
equipamentos na área de intervenção, mas incluem nomeadamente os associados ao
planeamento da área, descontaminação do solo e compensações por perda de valores
ecológicos.
Em Espanha, para além dos custos de urbanização e cedência obrigatória e gratuita de
terrenos por parte dos promotores, é devido imposto sobre construções, instalações e
obras, que variam entre 4% e 5% do seu custo, para emissão da licenças e outras taxas
municipais. Salienta-se ainda a particularidade de obrigatoriedade de cedência à
Administração de uma percentagem, que pode variar entre 5% e 15%, e excecionalmente
atingir 20%, do aproveitamento urbanístico correspondente à edificabilidade média da
unidade de execução para integração no património público do solo, que poderá
eventualmente ser substituída pela cedência de solo destinado à habitação sob o regime
de proteção pública. Este património público do solo permite, através de uma afetação
65
específica das receitas resultantes da sua exploração, fazer face aos encargos não
recuperáveis de modo direto nas urbanizações de iniciativa municipal.
Em Inglaterra, os custos da urbanização são acometidos e cobrados em sede de
licenciamento e em resultado do processo de negociação e contratualização com o
privado. No entanto, este sistema tem-se revelado insuficiente para assegurar a integral
recuperação dos custos. Sobre os novos projetos de edificação é cobrada uma taxa, a
Community Infrastructure Levy, que visa financiar a construção ou reforço das
infraestruturas cujo financiamento não esteja coberto por outros meios, sob o limite de
que se mantenha assegurada a viabilidade económica do empreendimento. A Localism
Bill¸ projeto-lei atualmente em discussão imporá que parte dessas receitas seja consignada
ao efetivo melhoramento das infraestruturas do “bairro” onde foram coletadas.
Na Alemanha, a Administração Pública procede à construção das infraestruturas e
equipamentos públicos, repercutindo posteriormente esses custos nos particulares
mediante a cobrança de contribuições pelo desenvolvimento, que englobam os custos da
construção, bem como as necessárias aquisições de terreno para esse efeito. Existe neste
âmbito a possibilidade de garantir, por perequação compensatória, a atribuição de direitos
reais aos particulares afetados por zonamentos de uso público e a transferência de direitos
de edificabilidade entre proprietários.
2.6.2.3. Infraestruturas e espaços e equipamentos de utilização coletiva
Regra geral, os espaços destinados a infraestruturas e espaços e equipamentos de
utilização coletiva chegam à posse da Administração Pública mediante cedências
definidas em sede dos acordos e licenças que enquadram a execução urbanística privada
ou mediante expropriação, coerciva ou acordada ou ainda mediante o exercício do direito
de preferência.
Em França, tais espaços no âmbito da execução urbanística vêm à posse da
Administração na sequência da execução de uma ZAC e da licença de uma operação de
loteamento ou de construção. As cedências no âmbito da execução privada da urbanização
e edificação não podem ultrapassar 10% da superfície do terreno e não podem ser exigidas
quando se tratar de licença para edifício agrícola não habitacional.
66
Em Itália, existe a possibilidade de substituição das cedências no âmbito da execução
urbanística, por contributi ou cedência de outros terrenos em alternativa parcial ou total
às cedências, sob o limite da proporcionalidade com os encargos comprovadamente a
suportar pelo município no equipamento e infraestruturação da área.
Na Holanda, destaca-se no âmbito dos projetos red-for-green e da regulamentação da
requalificação da propriedade agrária para fins de delimitação e execução de corredores
ecológicos, a possibilidade de haver lugar a cedências e permutas negociadas entre os
particulares e as entidades públicas.
Em Inglaterra, o particular pode socorrer-se do mecanismo de inverse compulsory
purchase, através do qual a autoridade pública fica obrigada a adquirir o solo antes ainda
da aprovação do seu scheme, desde que o uso previsto o afete a serviços públicos e haja
interesse atendível do proprietário, especificamente qualificando-se ele como
proprietário-ocupante.
Na Alemanha, a obtenção dos solos necessários para a instalação de infraestruturas,
equipamentos e espaços de utilização coletiva enquadra-se na aquisição de solos para fins
de interesse público urbanísticos e deve ser precedida da afetação do seu uso a certo fim
de interesse público no âmbito do BdeP ou do VE-plan. A Administração poderá recorrer
à compra, venda voluntária, a direito de preferência ou expropriação, sendo que a
cedência gratuita de terrenos é praticamente limitada a operações de reparcelamento. Os
encargos com esta aquisição são posteriormente repercutidos nas contribuições pelo
desenvolvimento urbanístico a pagar pelos particulares.
2.6.3. Intervenção da administração pública no mercado de solos
2.6.3.1. Aquisição de direitos sobre a propriedade do solo
Nos seis ordenamentos jurídicos sobre os quais a análise incidiu verifica-se que, com
maior ou menor intensidade, a Administração Pública intervém no mercado de solos
como um qualquer agente privado, comprando e vendendo, e como agente regulador
dotado de poderes de autoridade que justificam o recurso a mecanismos impositivos.
67
Na França as formas de aquisição pública de solos incluem, para além da compra nos
termos gerais de direito, o exercício do direito de preferência, a expropriação, as
cedências no âmbito de operações urbanísticas e a permuta de terrenos (formalmente
tratada como compensação por cedência gratuita de solo). A aquisição por recurso ao
exercício do direito de preferência (droit de préemption) e à expropriação é comum no
sistema francês.
Na Itália o recurso à expropriação constitui a regra geral, incluindo a expropriação
amigável. Para além disso, a administração garante solo público: (a) através da imposição
de cedências para o domínio público no âmbito de operações urbanísticas; (b) por
permuta; mediante compensação através da atribuição de direitos edificatórios ao
particular; (c) através do exercício de direito de preferência (frequente na venda de bens
catalogados como bens culturais); (d) e por fim, e mais raro, através da aquisição nos
termos gerais.
No processo expropriativo existe uma fase de declaração de utilidade pública e de fixação
de um valor provisório de indemnização que, se for aceite pelo particular, faculta a
imediata celebração de um acordo de cessão.
A Holanda assenta num paradigma diametralmente oposto aos casos supra analisados,
porquanto a obtenção de solo mediante compra através de negociação direta, constitui a
regra geral. O recurso à expropriação é tradicionalmente raro (embora a tendência esteja
a mudar) e tem de ser autorizado pela Coroa. Caso seja esta a via a seguida, o valor da
indemnização, que integra o dano patrimonial de capital (valor do imóvel) e o dano com
a cessação de rendimentos, é acordado com o particular e, na ausência de acordo,
determinado mediante peritagem.
O sistema holandês prevê, ainda, a figura do direito de preferência que é sobretudo
exercido nos casos de expansão urbanística e no planeamento para promoção da
reabilitação urbana. Já o regime de cedência não se encontra diretamente regulado na
legislação urbanística nem é um mecanismo comum. Não obstante, tem sido usado no
âmbito dos projetos red-for-green, no âmbito dos quais existem cedências de terrenos
privados para fins ambientais. Nesses casos, o município compensa o particular
68
atribuindo-lhe terrenos edificáveis (permuta) ou qualifica como tal determinados terrenos
(compensação).
Na Espanha, ao invés do que sucede na Holanda, a compra direta a privados assume
carácter residual. É a cessão obrigatória e gratuita no âmbito de operações urbanísticas
que constitui a regra geral, embora a expropriação seja também um mecanismo frequente.
No âmbito de um processo expropriativo é possível celebrar um acordo com o privado
onde se fixem aspetos essenciais do processo, nomeadamente, que o pagamento seja
efetuado através da atribuição de direitos de aproveitamento urbanístico, em vez de
pagamento em numerário.
O direito espanhol faculta, ainda, o recurso ao direito de preferência.
Na Alemanha a aquisição da propriedade por motivos de interesse público urbanístico
processa-se através da compra e venda voluntária, por recurso à expropriação, através do
exercício do direito de preferência e, mais residualmente, mediante cessão gratuita de
terrenos.
O recurso à expropriação, embora de uso corrente, surge como último reduto negocial,
uma vez esgotadas as tentativas de aquisição direta. O valor base a considerar é o valor
de mercado do bem, no qual não é contabilizável, entre outros fatores, qualquer aumento
de valor do terreno que resulte de uma antecipação da alteração do uso permitido, quando
tal alteração não seja vislumbrável num futuro próximo. A indemnização por
expropriação pode ser paga em numerário, em espécie (mediante a permuta de terrenos)
ou através da atribuição de outros direitos reais ao particular afetado, ou ainda de forma
combinada.
As cedências ocorrem no âmbito de operações de reparcelamento, destinando-se a
infraestruturas públicas, parqueamento e espaços verdes.
Na Inglaterra as formas de aquisição de solos públicos comportam algumas
especificidades em relação às que são tradicionalmente utilizadas nos demais países, uma
vez que adicionalmente se prevê o ingresso de terrenos no património público decorrente
de mecanismos de salvaguarda acionados pelos particulares.
69
Embora a compra livre a privados constitua um referencial, o sistema incorpora a
possibilidade da Administração lançar mão da figura da compra forçada (compulsory
purchase), que é comparável grosso modo á expropriação. Neste caso, as autoridades
locais têm de desencadear um procedimento específico onde devem demonstrar a
necessidade de recurso à compra forçada, em função dos objetivos prosseguidos
(melhoria do bem-estar económico, social e ambiental, por motivo de planeamento).
No outro Pólo, encontramos a figura da notificação para compra (inverse compulsory
purchase), que corresponde ao direito do privado requerer que a Administração adquira
o seu terreno quando exista uma decisão urbanística adversa, bem como a blight notice,
que também é um mecanismo de que o particular se pode socorrer perante a proposta de
sujeição do solo a usos específicos que impeçam o privado de vender a propriedade em
mercado livre.
A permuta também é juridicamente admissível, designadamente para permitir a criação
do perímetro verde que deve circunscrever os aglomerados urbanos.
2.6.3.2. Mecanismos para combater / impedir a especulação e a retenção do solo
Na generalidade dos ordenamentos analisados o combate à especulação imobiliária
constitui uma preocupação dos Estados, no contexto da regulação fundiária, com
expressão legislativa. Os mecanismos previstos para desincentivar a retenção do solo por
parte de privados, na expectativa do aproveitamento gerado através do processo de
planeamento ou decorrente de decisões assumidas no âmbito da gestão urbanística,
variam em função das especificidades de cada ordenamento e do grau de intervenção da
Administração no mercado de solos.
Na França é essencialmente através da política fiscal que se desincentiva a especulação
imobiliária, combatendo a manutenção de terrenos não edificados e de imóveis não
utilizados com o propósito de gerar mais-valias. As penalizações fiscais são
complementadas com limitações administrativas "anti-especulação" que preveem um
plafond legal de densidade, imposto nos planos de urbanização, a partir do qual o
proprietário deve prestar uma compensação ao município pelo excesso de edificação,
70
compensação essa que corresponde ao valor do terreno que o construtor teria de adquirir
para que não fosse excedido tal plafond.
Para além disso, existe uma forte intervenção pública no mercado fundiário no âmbito da
política de habitação a custos controlados, bem como a possibilidade de promoção
imobiliária realizada por atores públicos.
Na Espanha, a lei prevê vários mecanismos que garantem a função social da propriedade
e combatem a especulação imobiliária. A Administração pode, designadamente, socorrer-
se da expropriação e da venda ou substituição forçada, quando o proprietário não cumpra
a obrigação de edificar ou de renovar o imóvel. Mas é, sobretudo, através da constituição
do património público do solo que se procura conter os impulsos especulativos. Os
municípios encontram-se obrigados a efetuar um planeamento e uma gestão financeira
adequadas à constituição e ampliação dos patrimónios públicos do solo, os quais se
encontram adstritos à construção de habitação de sob regime de “proteção pública” (que
engloba a habitação social ou a custos controlados) e a outros usos de interesse social.
Para a constituição destes patrimónios são exigidas cedências gratuitas, no âmbito de
operações urbanísticas de iniciativa privada.
Na Alemanha, a temporalidade associada ao uso previsto no plano municipal oponível
aos particulares (BbP) funciona como importante elemento dissuasor da retenção
improdutiva do solo, uma vez que se o particular não proceder no prazo de 7 anos ao
desenvolvimento urbanístico ali previsto, pode ser sancionado com uma perda substancial
do direito à indemnização em caso de modificação do planeamento que altere o uso
previsto para outro uso privado. Por outro lado, a faculdade de emitir injunções, que tanto
podem visar a demolição como a edificação forçada, habilita a Administração com um
instrumento de cariz executório que combate a tendência especulativa.
Na Inglaterra os mecanismos de combate à especulação são de cariz administrativo e
traduzem-se, designadamente, na aplicação de injunções e de consequentes
contraordenações (em caso de incumprimento das injunções) para obstar à degradação
dos edifícios e seu abandono.
Na Holanda, como ficou expresso, a expansão urbana e a construção de habitações têm
sido assumidas, tradicionalmente, como tarefas municipais, sendo as urbanizações de
71
iniciativa privada uma realidade recente. O agente tradicional de execução dos planos era
o município, que adquiria os terrenos aos privados, executava as infraestruturas
necessárias e depois concedia ou vendia o terreno edificável a promotores, sob a condição
destes posteriormente venderem os imóveis a preços controlados para fins de habitação
social. Desta forma todo o processo de transformação fundiária era controlado pelos
poderes públicos, não existindo grande margem para movimentos especulativos.
Contudo, este paradigma tem vindo a mudar com o aumento do preço dos terrenos,
constatando-se o crescente recurso por parte dos municípios a parcerias público-privadas
para execução das urbanizações.
2.6.3.3. Suporte de política da habitação
As opções estratégicas que cada Estado assume no contexto da política fundiária têm
reflexos em domínios específicos variados, atenta a sua transversalidade e influencia no
meio urbano. Neste pressuposto, o modelo e âmbito de intervenção pública na promoção
da habitação assume relevância.
Na França a promoção da miscigenação social é bandeira nacional, com expressão
legislativa, pelo que a política de habitação merece particular relevo no planeamento e
execução dos instrumentos territoriais. Os municípios com uma certa dimensão devem
adotar um Plano Local de Urbanismo e garantirem que pelo menos 20% dos fogos
existentes no seu território sejam habitações a custos controlados. Existem reservas
fundiárias que são utilizadas com especial incidência no domínio do alojamento social
bem como vários fundos destinados a auxiliar a prossecução da política social de
habitação e de urbanização a nível local. Para além da promoção direta pelos municípios
o sistema francês permite e fomenta a intervenção de entidades produtoras de habitação
a custos moderados.
Na Itália devem ser elaborados planos estratégicos (regional, provincial, municipal ou
intermunicipal) para execução da política social de habitação. Todos os municípios
devem garantir uma quota de alojamento social para o seu território e os maiores devem
aprovar planos específicos com áreas destinadas a habitações sociais, espelhando de 40 a
70% das necessidades habitacionais estimadas para os 10 anos seguintes. A promoção da
habitação social é municipal, admitindo-se contudo a constituição de entidades públicas
72
ou privadas, organizadas em cooperativa ou não, participadas pelo Estado, pelas regiões
ou pelos municípios, cuja missão específica é a construção e gestão da habitação social.
Por exemplo, na Toscana os municípios recorrem, ainda, à construção convencionada,
impondo aos promotores imobiliários, em sede de acordo celebrado em momento prévio
á operação de loteamento, que determinado número de imóveis ou fogos, construídos ou
reabilitados, sejam vendidos a preço mais baixo. Em termos de financiamento a lei prevê
um fundo para construção de habitação pública, a distribuir por regiões, as quais podem
também instituir fundos para apoiar a execução de políticas habitacionais públicas, em
sentido lato, nas quais se inclui o apoio à aquisição de casa própria ou ao alojamento.
Na Holanda a política social de habitação assenta na contratualização entre o estado e as
associações de habitação. Os municípios avaliam as carências habitacionais, planeiam a
construção de fogos e, por vezes, procedem á urbanização do solo. As associações de
habitação atuam como agentes ativos, procedendo à construção de habitação social em
solo adquirido ou concessionado pelos municípios, estando também encarregues da
gestão do parque habitacional. Este modelo, que passa pelo financiamento e gestão
autónoma do parque social por associações privadas, tem-se demonstrado
financeiramente sustentável e com resultados satisfatórios, porquanto todo o cidadão
holandês tem acesso ao arrendamento destes fogos, embora tenha prioridade o segmento
mais baixo.
Em Espanha a politica social de habitação socorre-se da fixação de quotas em operações
de urbanização privadas, exigindo-se uma reserva de terrenos correspondente a, pelo
menos, 30% de edificabilidade residencial, que será destinada a alojamentos sociais.
Excecionalmente esta quota pode ser inferior, por deliberação dos municípios, desde que
se mantenha a reserva de 30% em todo o território municipal. Para além desta quota,
existe o regime de cedências obrigatórias de terrenos que vão integrar os patrimónios
públicos do solo e que são maioritariamente destinados à construção de habitação social.
Na Alemanha podem ser aprovadas por resolução do conselho municipal medidas de
política, adicionais às constantes dos instrumentos de planeamento, aplicáveis a áreas
desfavorecidas, que padecem de problemas sociais e que careçam de uma particular
intervenção urbanística. Por outro lado, embora não se configure, por si só, uma medida
de cariz social, a faculdade concedida à Administração de obrigar o particular proprietário
a construir habitação, tendo em conta a afetação, em sede de plano, de determinados
73
terrenos à construção de determinada tipologia de habitação, fundamentada na escassez
de alojamento ou por imperiosas razões urbanísticas, assume-se como instrumento
essencial para efetivar o intuito “social” previsto aquando da zonificação do local em
questão.
Na Inglaterra a habitação social mereceu a atenção do legislador e do Governo enquanto
definidor da policy aplicável ao sector, que não só definiram os objetivos estratégicos a
adotar em Inglaterra como também os parâmetros normativos aplicáveis aos planos e às
planning permissions, recomendando às autoridades locais que garantam uma
determinada percentagem de habitação a custos controlados, de forma a promover a
miscigenação social. Uma das condições impostas com frequência pelas autoridades
locais nos instrumentos de planeamento simplificado (planning conditions) é a do
requerente providenciar uma dada quantidade de habitações a custos controlados, a
suportar pelo promotor. Em matéria de habitação social existe ainda um mecanismo de
arrendamento com direito de opção de compra por parte do particular beneficiário.
2.6.4. Tributação
2.6.4.1. Valoração e tributação do património imobiliário
Regra geral, nos países analisados a valoração do património imobiliário para efeitos
fiscais pretende corresponder ao valor de mercado do bem, sem que haja necessária
correspondência, exceto na Holanda, com os critérios de valoração definidos para efeitos
de expropriação. Em França e na Holanda, para alguns efeitos, ela é estabelecida a partir
do valor locativo do imóvel.
Em Inglaterra, não obstante as valorizações para efeitos fiscais e expropriatórios
partirem ambas do valor de mercado, não existe uma verdadeira uniformidade de
critérios, não se garantindo, nomeadamente através do recurso ao cadastro, uma
uniformização formal das valorizações urbanística e fiscal. Na Alemanha, o Supremo
Tribunal Federal já defendeu que o regulamento federal que desenvolver as regras
relativas à avaliação dos bens imóveis para determinação do valor de mercado não se
deve limitar aos efeitos urbanísticos e expropriatórios, mas deve servir também como guia
para toda a avaliação imobiliária, incluindo assim os efeitos fiscais.
74
Na Holanda, fruto da existência de um cadastro com informação muito detalhada e
informatizado, que permite um cruzamento eficaz de dados, esse valor é determinando
anualmente pelos municípios com base nas flutuações de mercado analisadas pela
Waarderingskamer, o conselho nacional de avaliação imobiliária, a partir de informação
obtida sobre o valor de venda de habitações ou de arrendamentos de imóveis para fins
não residenciais.
A propriedade imobiliária em Itália, em França e nos municípios holandeses que assim
o escolham é tributada através de imposto municipal, havendo, regra geral, uma
diferenciação positiva ou mesmo isenção para situações de proprietário-residente. O
mesmo imposto é devido em Inglaterra, mas estritamente em relação aos imóveis com
funções residenciais. Na Alemanha, esse imposto, de âmbito municipal, é distinto
consoante se trate de propriedade com uso agrícola ou com uso comercial ou residencial.
Em França, a propriedade imobiliária é ainda contabilizada para efeitos de imposto de
solidariedade sobre a fortuna, tributável em relação aos sujeitos passivos com um
património superior a um determinado valor (em 2009, 790.000 €) com uma taxa
progressiva de 0,55% até 1,8%.
Em França e em Espanha, as propriedades imobiliárias detidas por estrangeiros ou não
residentes, em determinadas condições, podem ainda ser acrescidas de uma tributação a
3% sobre o valor de mercado ou sobre o valor cadastral.
O rendimento resultante da exploração económica do património imobiliário é tido em
consideração para efeitos de tributação do rendimento.
Na Holanda, Itália e em certos municípios de França pertencentes a aglomerações
urbanas com mais de vinte mil habitantes, salienta-se como medida de desincentivo à
inutilização de imóveis por razões especulativas, a presunção do rendimento da sua
exploração para efeitos tributários, com base na capacidade locativa do imóvel, no
rendimento equivalente ao valor de uma hipotética renda que seria paga caso a
propriedade fosse arrendada, havendo em França o agravamento tributário anual até ao
terceiro ano. Para além destes mecanismos, em França existe ainda a previsão de
agravamento de tributação para propriedades infraestruturadas por construir. Em
75
Inglaterra, o combate ao abandono e à degradação dos edifícios é realizada através de
mecanismos administrativos e não tributários, nomeadamente contraordenacionais.
2.6.4.2. Tributação da transmissão de imóveis
À transmissão de propriedade imobiliária são devidos tributos em todos os países
analisados e, com a exceção da Itália, diferenciam-se consoante ela seja onerosa ou
mediante doação ou sucessão.
Na tributação da doação ou sucessão de bem imóvel, aplicam-se as regras específicas do
regime geral de tributação das doações e sucessões ou a variação da taxa aplicável e
regimes de isenções associados à natureza da relação entre transmitente e beneficiário.
Relativamente à transmissão onerosa de bens imóveis, o valor da tributação é determinado
por proporção, variável ou não, do valor da propriedade. A máxima proporção, na ordem
dos 6% e 7%, é aplicada em Espanha e na Holanda, enquanto nos demais países o
intervalo, situa-se no espectro variável de 1% a 5%.
Em Inglaterra, a tributação sobre a transmissão onerosa de imóveis pode incidir
enquanto Capital Gains Tax, aplicável para os lucros obtidos na venda de quaisquer bens
imóveis ou móveis e enquanto tributação específica sobre a transmissão dos imóveis com
funções residenciais. É de assinalar a isenção a habitações transacionadas abaixo de um
determinado valor e, durante dois anos, abaixo de um valor ainda superior caso se trate
de primeiro comprador de habitação.
Também em Itália, a aquisição da primeira habitação é descriminada positivamente,
sendo tributada por valores fixos muito baixos.
Nos diversos países, a aquisição de património imobiliário por curtos períodos de tempo
é penalizada em sede de tributação como medida de desincentivo à especulação e de
captação das mais-valias puras geradas.
Em Espanha é de assinalar a existência de um imposto municipal sobre as mais-valias
imobiliárias - Impuesto sobre el Incremento del Valor de los Terrenos - somente aplicável
76
às transmissões da propriedade ou à constituição ou transmissão de direito real de gozo,
quando tenham sido geradas mais-valias sobre o terreno em causa, com aplicação de
regressividade associada ao número de anos em que a propriedade esteve detida pelo
alienante.
Em França, Itália e Inglaterra, o lucro realizado com a venda do património imobiliário
é tributado enquanto rendimento, com aplicação de regressividade ou isenção associada
ao número de anos em que a propriedade esteve detida pelo alienante num mínimo de
cinco anos, exceto em Inglaterra onde se aplica um mínimo de 2 anos.
Na Holanda, quando esteja em causa uma venda de terreno agrícola, que posteriormente
venha a ser urbanizado dentro dos 6 anos seguintes à data da venda, o Estado recupera
45% das mais-valias realizadas.
Na Alemanha, o lucro proveniente de venda é sujeito a imposto sobre o rendimento caso
o lapso temporal entre a compra e a sua venda seja inferior a 10 anos. Caso tenha ocorrido
a venda de mais de 3 propriedades num espaço inferior a 5 anos e caso o vendedor seja
proprietário de cada uma por menos de 5 anos, a venda é considerada de natureza
comercial, sendo antes devido imposto sobre o comércio.
Em França existe ainda a possibilidade recente dos municípios ou entidades de
cooperação intermunicipal cobrarem taxas específicas sobre a cessão a título oneroso de
terrenos não infraestruturados que hajam sido classificados pelo plano como zona
urbanizável, de modo a captar as mais-valias puras realizadas, a denominada taxe
communale forfaitaire sur les cessions à titre oneéreux de terrains nus devenus
construible.
2.6.4.3. Mecanismos fiscais especiais de tributação das mais-valias
Nos diversos países existe a previsão de instituição de mecanismos tributários especiais
de captação das mais-valias por melhoramentos urbanísticos.
A Alemanha é o único país que utiliza de modo sistemático este tipo de mecanismos,
através da cobrança de contribuições especiais pelo desenvolvimento aos proprietários de
77
uma determinada área na sequência da realização por iniciativa pública das obras gerais
de infraestruturação. Este recurso sistemático deriva do facto do modelo alemão de
atuação urbanística se fundar numa distinção clara entre as esferas de atuação pública
(infraestruturação e equipamentos) e privada (edificação para fins privados), sem prejuízo
da possibilidade de opção por formas contratuais semelhantes às utilizadas nos demais
países analisados.
Em Itália, os municípios podem aplicar um imposto local - imposto di scopo - para a
recuperação de parte dos custos tidos com obras públicas na proporção das mais-valias
daí resultantes para os proprietários da área em questão, ou das áreas confinantes.
Na Holanda, os municípios também podem recorrer a um imposto semelhante –
baatbelasting – mas, devido à especial complexidade da sua aprovação, trata-se de um
mecanismo pouco utilizado, sendo os custos antes tendencialmente recuperados através
dos lucros obtidos pela alienação das parcelas infraestruturadas ou dos acordos de
desenvolvimento fundiário celebrados com os particulares no âmbito de parcerias
público-privadas para o desenvolvimento urbanístico.
Em Inglaterra, houve uma recente tentativa de introduzir um tributo desta natureza no
âmbito do planning permission sob a forma de suplemento às contrapartidas negociadas,
mas após severa contestação pública, a iniciativa foi abandonada, tendo sido substituído
pelo Community Infrastructure Levy, que visa cobrar a ampliação ou reforço de
infraestruturas sempre que esse custo não possa ser cobrado de outro modo.
2.7. Lei de bases
Com a publicação da nova Lei de Bases Gerais da Política Pública de Solos, de
Ordenamento do Território e de Urbanismo (Lei n.º 31/2014, de 30 de Maio - “Lei de
Bases”), que revoga a Lei de Bases de 1976, justificada pela necessidade de atualização
das normas legais então em vigor sobre o território, devido ao anterior, ter um sistema de
gestão territorial complexo e pouco flexível, pela vontade de criar políticas estáveis que
propiciem o investimento e pelos objetivos de reforçar a integração de políticas no
território e a ideia de valorização e/ou reabilitação/regeneração.
78
A elaboração de uma nova Lei de Solos deve ter como referência uma visão ordenada do
território, os princípios de demarcação dos usos do solo observando as suas diferenças e
especificidades, o regime para cada um dos usos do solo e os critérios de localização e de
relação das utilizações. Conceptualmente, é importante esclarecer e consensualizar os
significados de ocupação, uso, utilização e função aplicados aos espaços territoriais.
Esta reflexão critica sobre a proposta de Lei n.º 183/XII, que foi promulgada como o
Decreto- Lei n.º 31/2014, necessita da exposição de motivos, que avancem na sua
reformulação. Como se trata de uma figura de cariz bastante complexo, este subcapítulo,
vai ser orientado por o “COMENTÁRIOS À PROPOSTA DA LEI N.º 183/XII - Política
Pública de Solos, de Ordenamento do Território e de Urbanismo” do Professor Doutor
Sidónio Pardal.
Sidónio Pardal começa por explicar que este modelo está ultrapassado, sendo altura de se
criar um novo conceito de planeamento dinâmico, apoiado em “desdobramentos”,
designação que se sugere como sinónimo de “planos abertos” desenvolvidos em
permanência e respondendo em tempo real às necessidades e desafios sócio-territoriais.
A “política de ordenamento do território e de urbanismo” acolhe “uma visão integrada
da gestão do território” aberta a um trabalho interdisciplinar, atendendo à dimensão
sistémica da relação da sociedade com a sua base territorial.
A proposta de lei visa “definir instrumentos que permitam disciplinar” (...) ”a correta
distribuição do solo rústico e urbano” (…) “evitando o aumento excessivo e irracional
dos perímetros urbanos”. O controlo da expansão urbana prende-se com o conceito de
“áreas urbanizáveis” e da especificação e constituição do direito de urbanizar e do direito
de construir.
A questão da classificação e reclassificação do solo requer um aprofundamento lógico e
taxonómico sob pena de se tornar confuso e incontrolável o tratamento desta questão na
lei e na prática do planeamento.
O objetivo de disciplinar os processos de criação de solo urbano associado à aquisição de
faculdades urbanísticas pede, à partida, um esclarecimento sobre quem tem a
79
responsabilidade e a competência para decidir e conduzir a expansão urbana,
nomeadamente quando a uma alteração do uso do solo de rústico para urbano.
O regime que vigora desde 1965 dá origem a situações caricatas como a que a seguir se
descreve:
I. O promotor da urbanização, proprietário do solo rústico, apresenta uma pretensão
com estudo de loteamento à Câmara Municipal;
II. A Câmara Municipal viabiliza a pretensão do promotor;
III. O promotor desenvolve a apresenta o processo de loteamento e os projetos de
infraestruturas;
IV. A Câmara Municipal aprova os projetos e firma um contrato de urbanização com
o respetivo alvará e emite as licenças para as obras de infraestruturação contra o
pagamento de taxas e a apresentação de garantias;
V. O promotor procede de imediato ao registo provisório dos lotes na conservatória e
nas finanças e pode efetuar a venda dos mesmos (os compradores de lotes, de edifícios
ou de frações em urbanizações inacabadas não se apercebem de que a propriedade
urbana que estão a adquirir tem um registo provisório;
VI. Os proprietários dos lotes podem apresentar projetos de edifícios à Câmara
Municipal, a qual pode licenciar as obras sem a urbanização estar completada (há casos
em que se chegou a passar licenças de utilização para os edifícios em urbanizações
cujas infraestruturas não estão ainda rececionadas);
VII. O promotor pode abandonar a urbanização inconcluída, fugindo às suas
responsabilidades e deixando a Câmara Municipal em confronto com os proprietários
dos lotes e dos edifícios com famílias e empresas residentes, tendo por suporte as
garantias bancárias geralmente insuficientes;
VIII. Formalmente, o alvará e a licença de urbanização caducam, ficando sem se
perceber bem quais as consequências desta situação sobre terceiros: proprietários dos
lotes, dos edifícios, de frações ou inquilinos.
80
É correto o propósito de reforçar o papel do Plano Diretor Municipal (PDM) mas é errado
pretender integrar no PDM conteúdos que só são possíveis de equacionar, conceber e
regular em sede de Plano de Pormenor, daí não ser aceitável que os PDM transcendam o
seu papel de regulamento administrativo, apenas vinculativo da administração pública,
para passarem a ser “vinculativos dos particulares”, alimentando a famigerada figura dos
“direitos adquiridos”.
O PDM deve manter-se como regulamento administrativo não vinculativo dos
particulares sob pena de criar direitos de urbanização e de construção nas áreas
classificadas como urbanizáveis e com os parâmetros estabelecidos no regulamento.
É correto que o PDM seja o único plano de classificação e afetação do uso do solo, sendo
nele plasmados os conteúdos determinísticos dos diversos planos de nível nacional e
regional, mas isso não pode levar a assumir que “o cidadão apenas estará obrigado a
consultar um único plano para conhecer com segurança o que lhe é permitido fazer em
termos de operações urbanísticas”. A ser assim está-se a legitimar direitos de urbanizar a
partir do PDM, o que é um gravíssimo erro. O direito de urbanizar não deve ficar na esfera
jurídica dos particulares, titulares do direito de propriedade de solos urbanizáveis. Esta
interpretação de pretensos “direitos adquiridos” a partir de planos territoriais está na
origem do desordenamento do território e de grandes conflitualidades, nomeadamente no
sector financeiro.
O PDM não é, portanto, o nível de planeamento apropriado para definir operações
urbanísticas, tal compete ao Plano de Pormenor (faz falta a figura do plano geral de
urbanização, PGU) e, por maioria de razão, este princípio ganha acrescido sentido quando
se pretende “erradicar o denominado solo urbanizável”.
A proposta de lei entra em contradição quando quer vincular os particulares aos conteúdos
vagos do PDM, conferindo-lhes aí direitos para depois vir dizer que pretende desenvolver
mecanismos de execução “sempre que as condições de realização da operação urbanística
se encontrem suficientemente definidas, tendo por contrapartida o reforço dos
mecanismos de responsabilização e de controlo sucessivo”.
81
É necessário e urgente estabelecer “mecanismos de regularização de operações
urbanísticas, permitindo desbloquear situações de impasse cuja manutenção se revelava
negativa para o interesse público urbanístico e ambiental e desproporcionadamente
gravosa para os particulares”.
Assim, com o objetivo fundamental do reconhecimento do direito das populações
residentes ao território, a uma habitação condigna e a espaços de trabalho confortáveis,
seguros e funcionais, devidamente adaptados às atividades económicas neles instaladas,
os comentários de Sidónio Pardal sobre a atual Lei de Bases, analisam e argumentam
sobre a normatividade de artigos que ficaram aquém do que era suposto e/ou que
permitem ou não, mudança na politica geral de solos.
2.8. Uso sustentável dos rendimentos da tributação sobre a propriedade
O resultado do imposto sobre a propriedade também deve ter um aspeto da
sustentabilidade e isso significa que o imposto sobre a propriedade deve produzir receitas
suficientes para fornecer fundos para todos os serviços necessários a um nível adequado,
para que a autoridade fiscal (assumindo que vai para os municípios) é responsável - a
adequação do nível de serviços a ser determinado pelos cidadãos que também são
contribuintes. Isto significa, naturalmente, que um aspeto da sustentabilidade do imposto
sobre a propriedade diz respeito ao número, natureza e qualidade dos serviços que se
esperam financiar e as necessidades da comunidade.
Além disso, também é importante para as suas credenciais de sustentabilidade que o
rendimento deve ser gasto na obtenção de resultados sustentáveis para a comunidade. É
comum o imposto sobre a propriedade financiar os serviços municipais e é neste contexto
que se discute a prestação financiada pelo imposto sobre a propriedade.
Dado que a fonte de financiamento é o valor (ou algum substituto) de imóveis e (no
espírito de "gansos" e "assobios" mencionado no ponto 2.1.), deve-se prever que uma
conquista significativa do rendimento fiscal deve ser a manutenção e, potencialmente, a
melhoria do valor ou atração do solo e do imóvel. Ao adicionar valor aos terrenos e
edifícios (os objetos tributáveis), através de prestação de serviços, a base sobre a qual o
82
imposto é cobrado é reforçada, a flutuabilidade de resultados de rendimento, e assim
como a conveniência de atributos do local. Desta forma, o imposto sobre a propriedade
assume uma forma cíclica, um círculo virtuoso, de benefícios para ambos os ativos e
estilos de vida individuais e comunitários.
Assim, a tributação imobiliária deve financiar os serviços que ajudam a alcançar e manter
o valor e, levando, a sustentabilidade dos terrenos e edifícios e também de suas
comunidades. Serviços que melhoram as características da comunidade local e, portanto,
o valor individual e coletivo do ambiente construído devem ser priorizadas.
Estes podem incluir a reciclagem e compostagem eficaz e eficiente (se nas portas das
casas ou em convenientes pontos centrais), e que minimizam coleta e eliminação de
resíduos, bem como a pressão sobre aterros, serviços sociais para apoiar os mais
vulneráveis (como os idosos), como também a educação da comunidade, aperfeiçoamento
pessoal e serviços de aconselhamento aos cidadãos a esse respeito, por exemplo, como as
pessoas podem se envolver em melhorar os aspetos da comunidade. Os recursos
financeiros também podem ser estendido para o financiamento de melhorias nos imóveis,
por exemplo, para melhorar a eficiência energética.
83
Capitulo 3 – ANÁLISE DE PROCEDIMENTOS URBANIZÁVEIS
3.1. Enquadramento
Atualmente existe uma grande discussão pública sobre a necessidade de taxar as mais-
valias, reduzindo assim, a especulação imobiliária e contrariar a atual crise imobiliária.
Para isso acontecer, é preciso fazer uma análise crítica do que aconteceu nos últimos 50
anos no planeamento do território, e perceber que a atual situação teve início a partir de
1965, quando deixou de haver parametrização e retenção de mais-valias simples, o que
permitiu grandes operações especulativas.
Justifica-se uma reflexão jurídica com perspetiva histórica, consciencializando memórias,
saberes e experiências que abarquem o Plano da Baixa Pombalina como primeiro
exercício de reparcelamento perequativo, a Lei de João Crisóstomo de 1864 que, na
altura, instituiu a venda forçada e a sua procedimentalização, o “Projeto de Lei de
Fomento Rural” de Oliveira Martins (1887), a Lei do Regime Florestal de 1900 e 1901,
a legislação urbanística de Duarte Pacheco 1934 e a sua revisão de 1944, a liberalização
dos loteamentos de 1965 e toda a legislação produzida depois da Lei de Solos de 1976
(Pardal, 2014).
O carácter ideologicamente ruralista do Estado Novo e a consequente baixa dinâmica
urbana conduziram a um grande défice de solo urbano e de habitação. É este défice que
justifica a legislação que, desde 1965, permitiu a liberalização do processo de obtenção
de solo urbano. A legislação de 1965 – Decreto-Lei n.º 46673 – vem retirar competências
urbanísticas aos municípios e incentivando à promoção privada, através das operações de
loteamento. Importa reter que os municípios, então, exerciam um papel de interligação
com o Poder Central.
A importância dos Planos de Urbanização para a definição de parâmetros urbanísticos
passa a ser residual, a própria realização de Planos de Urbanização cai em desuso e as
urbanizações passam a ser negociadas entre privados e serviços do aparelho central. As
mais-valias da passagem do solo rústico a urbano passam a enriquecer os promotores
imobiliários.
84
As mais-valias decorrentes deste processo eram, como afirmava Duarte Pacheco, um
“bem trazido pelo vento” e como tal não deviam servir ao enriquecimento dos
proprietários do solo transformado em urbano.
Com a revisão da Lei dos Solos de 1976, houve uma necessidade de perceber a realidade
e reavaliar os conceitos. Foi através da falta de regulamentação na Lei dos Solos, que se
permitiu, a liberalização dos loteamentos e a forma como se estabelecem condicionantes
e restrições de utilidade pública gerando perversidades que inquinam o funcionamento do
mercado imobiliário, tornando-o viscoso, obscuro, arriscado e especulativo. O que levou,
segundo Pardal, “a carga fiscal e o custo dos encargos urbanísticos, envolvendo taxas e
licenças de urbanização e construção, que geraram um extraordinário agravamento dos
custos finais do imobiliário”.
A legislação posterior e até à atualidade, mesmo afirmando uma ou outra preocupação
residual com a regulamentação do mercado e a retenção parcial das mais-valias, tem
vindo sempre no sentido de agilizar a aprovação de loteamentos e dificultar a aprovação
de planos.
Como resultado das políticas anteriormente seguidas, são definidos perímetros urbanos
muito acima das necessidades decorrentes do crescimento demográfico e do previsível
serviço à atividade económica. Ao mesmo tempo que os centros históricos e os núcleos
antigos são abandonados devido a geração de menores mais-valias do que as produzidas
na transformação de solo no periférico – em especial das áreas metropolitanas e nas
principais cidades da rede urbana nacional – há um crescimento desmesurado através de
um modelo extensivo e fragmentado, que dificulta o estabelecimento das redes de
mobilidade e de serviços à população.
É neste quadro histórico e porque o solo é um bem finito e imprescindível para o futuro
que, criaram-se alguns Decretos-Lei para combater a especulação de determinadas
localizações – como exemplo o Decreto-Lei n.º 43/98, que tributa a valorização de uma
área beneficiada com os investimentos públicos em determinados concelhos ou o
Decreto-Lei n.º 152/82, aplica uma especial tributação a quem recuse urbanizar e
construir ou não coloquem as localizações à disposição das câmaras municipais –
procurando um equilíbrio que acautele, o uso físico e temporalmente do solo.
85
Nesse sentido, deve-se legislar, procurando institucionalizar um novo paradigma que
conduza a um modelo territorial onde o crescimento urbano se faça na medida do
necessário para responder às expectativas de um crescimento sustentável. Um modelo
territorial onde a fragmentação urbana e o abandono de importantes parcelas da urbe dê
lugar à densificação regulada e à reabilitação, atendendo naturalmente à dimensão
humana e às características naturais e históricas das zonas.
3.2. Procedimentos legislativos de tributação
É fundamental a criação de regulamentação específica e geral, que vise a regulação do
mercado de solo, tendo em vista a “prevenção da especulação fundiária e a regulação do
respetivo valor”.
Estes assuntos fulcrais, não têm aqui, infelizmente, qualquer tratamento consequente.
Objetivamente, a proposta de Lei dos Solos mantém o mercado como ele sempre esteve,
não apresentando qualquer contributo substantivo. A especulação fundiária é um
fenómeno complexo onde muitos ganharam e muitos perderam e, em parte, está na origem
da crise financeira de 2008. A proposta de lei não mostra nenhuma perceção do que,
efetivamente, aconteceu, nem propõe medidas de regulação do mercado dos solos (Pardal,
2014).
Neste quadro, o Decreto-Lei n.º 152/82 e o Decreto-Lei n.º 43/98, que foram concebidos
com a especificidade de reduzir a especulação imobiliária, mas tiveram uma aplicação
negligenciável por parte dos responsáveis nesse domínio. No que diz respeito a um ponto
de vista mais geral, a Lei dos Solos permitiu que as mais-valias fundiárias e imobiliárias
decorrentes do processo de planificação e urbanização não fossem recuperadas pelas
coletividades ou municípios, que por sua vez, poderia e pode ser um sistema anti
especulativo fundamental. Criando assim, a necessidade de os analisar.
3.2.1. Decreto-lei n.º 152/82
A legislação promulgada e alterada por o Decreto-Lei n.º 210/83 tinha como objetivo, o
desenvolvimento das áreas urbanas prioritárias e de construção prioritária
86
fundamentalmente com o objetivo de facultar uma abundante produção de solos
urbanizados e a sua utilização para novas habitações. Evitando assim, a utilização quase
sistemática para fins habitacionais de áreas urbanisticamente desaconselháveis e o não
aproveitamento das localizações previstos para esse fim nos estudos e planos de
urbanização.
É importante referir como exemplo o Decreto-Lei n.º 152/82, de 3 de Maio, que cria as
ADUP (Áreas de Desenvolvimento Urbanístico Prioritário) e ACP (Áreas de Construção
Prioritária) o qual refere, no artigo 12.º, que o valor dos terrenos rústicos colocados à
disposição dos Municípios para urbanizar deve corresponder a 7% do valor final da área
edificável (Pardal, 2014).
Os proprietários que se recusem a urbanizar e construir ou não coloquem as localizações
à disposição das câmaras municipais, com o respetivo decreto-lei, é-lhes aplicada uma
tributação especial destinada a fazê-los suportar os custos da sua conduta. Estabelecendo
medidas que visam uma contenção de práticas especulativas, privilegiando os
construtores que se proponham fornecer habitação a preços mais baixos. Caso contrário,
ao não disponibilizarem a disposição das câmaras municipais, existe uma perda do valor
real, pois a inflação muito dificilmente superará os 7%.
Por tanto, sem ofender o direito de propriedade privada, é possível contrariar a subida de
preços na aquisição de localizações, que contribui para uma distorcida formação de
núcleos urbanos, e constitui forte entrave à construção de novas habitações segundo um
ritmo desejável.
Em simultâneo, o processo de delimitação das áreas, garante uma correta planificação no
âmbito do ordenamento do território e assegura a preservação das localizações com
potencialidade e uso agrícola, a conservação de maciços arbóreos, a salvaguarda de
valores culturais e a defesa das áreas que sirvam de drenagem natural às águas pluviais.
3.2.2. Decreto-lei n.º 43/98
Na decorrência de importantes investimentos públicos, os imóveis ou localizações nas
áreas envolventes, geram diretamente, uma substancial valorização.
87
No caso dos investimentos públicos, efetuados ou a efetuar para a realização da CRIL,
CREL, CRIP, CREP e respetivos acessos e da travessia ferroviária do Tejo, troços
ferroviários complementares, bem como as extensões do metropolitano de Lisboa e a
concretização de sistemas ferroviários ligeiros, valorizam, substancialmente, os prédios
rústicos e as localizações para construção envolventes.
Tal valorização justifica a criação de uma contribuição especial, nos termos já adotados,
em caso de obras públicas de elevados custos, nas zonas beneficiadas com o respetivo
empreendimento.
Com o propósito de evitar sobreposição de tributação sobre as áreas abrangidas pela
contribuição ora criada, consagra-se a exclusão de incidência de qualquer encargo de
mais-valia ou de outra contribuição especial.
Devido a este reconhecimento sobre o efeito das obras públicas e os interesses
especulativos envolvidos, o Decreto-Lei n.º 43/98 criou uma contribuição especial de
30% sobre a valorização de localizações pelas circulares rodoviárias nas regiões de
Lisboa e Porto (CRIL, CREL, CRIP e CREP), que já vigorava nas zonas de influência da
ponte Vasco da Gama e da Expo 98 (DL n.º 51/95 e DL n.º 54/95).
Originalmente aprovado com o intuito de reduzir a especulação decorrente da construção
da nova ponte sobre o rio Tejo (Decreto-Lei n.º51/95), sendo retificado (com o Decreto-
Lei n.º 54/95), de forma abranger as áreas da freguesia de Marvila, do município de
Lisboa, e das freguesias da Portela de Sacavém e de Sacavém, do município de Loures.
Nesse sentido, o Decreto-Lei n.º 54/95 foi substituído por o Decreto-Lei n.º 43/98, de
forma a poder neutralizar os efeitos da referida alteração, em 19 autarquias que
detivessem investimentos públicos de relevo nacional.
Apesar de apenas focalizar em obras públicas pontuais e não ter generalizado – hospitais,
centros culturais, institutos de ensino publico, etc. – entre 2003 e 2007, as três renderam
ao Estado mais de 26,4 milhões de euros, dos quais 11,7 milhões foram entregues a 19
autarquias e à Parque Expo 98. O imposto incide sobre a diferença entre o valor das
localizações na data do requerimento de licença de construção ou de obra e o seu valor
88
em 1 de Janeiro de 1992 (zonas da Ponte Vasco da Gama e da Expo) e de 1994 (circulares
de Lisboa e Porto)16.
3.3. Valorização do solo e do imóvel
No contexto atual as mais-valias são misturadas com os lucros, o que não é saudável.
Acresce que sem uma parametrização das mais-valias não é possível ab initio um controlo
da segmentação do mercado fundiário e da formação do preço do imobiliário em geral.
Com as mais-valias descontroladas e ocultas fomenta-se uma especulação generalizada,
onde o proprietário é tentado a uma apropriação passiva do solo, sonegando-o à sua
função social, o que explica a desmesurada quantidade de prédios rústicos e urbanos
abandonados no território nacional (Pardal, 2006).
Segundo isto, para conseguir desde o começo controlar o mercado fundiário é preciso
controlar as mais-valias, para que o investimento no imóvel não seja prejudicado.
Na perspetiva de atuar contra a especulação e incentivar ao processo de regeneração das
cidades ou reabilitação de determinados imoveis, é preciso separar as mais-valias devido
ao investimento num imóvel e as mais-valias geradas por monopolização de uma
localização.
Mais-valias fundiária – São geradas por caraterísticas topológicas. O
investimento efetuadas por estas são diretamente improdutivas e são formadas
por acumulação de localizações, presumindo que haja uma elevação dos preços.
Mais-valias do imóvel – São geradas por a sua capacidade em produzir algo.
O investimento efetuado e são diretamente produtivo. Só geram lucro a partir
da aplicação de capital em meios de produção, visando o aumento da
capacidade produtiva.
Advém que, por exemplo, o investimento na criação de um filme faz com que o investidor
especule que vai ter um certo rendimento de retorno. Logo, ao investir capital num
16 Fonte: http://www.jn.pt/paginainicial/interior.aspx?content_id=1053110&page=-1
89
produto (cultural), vai recompensar o investidor com o lucro. Daqui resulta um
investimento diretamente produtivo. No caso do investimento fundiário é diretamente
improdutivo. Pois, quando se faz um investimento fundiário (devido as suas caraterísticas
topológicas), faz-se especulando que a mesma vai valorizar – gerar mais-valias – se
houver a instalação de um investimento de interesse público na imediações ou o
crescimento da cidade nesse sentido, etc.. Como não é possível fazer investimentos
diretos para valorizar a nossa localização, acresce a isto, o bloqueio da função social
devido a não execução da construção do imóvel num determinado período tempo.
Assim, a defesa da economia produtiva, passa por medidas específicas que garantam que
o investimento fundiário tem uma orientação na defesa da economia real e é feito como
um passo intermedio, para se investir no imóvel e gerar mais-valias.
Como foi referido anteriormente no Estado da Arte, existe em Portugal, uma clara
distinção entre a oferta potencial de solos urbanos – que corresponde à oferta do Plano de
Pormenor – e a oferta real. Esta diferença permite alavancar as tensões especulativas. Ao
contrário do que acontece na Alemanha, que o carácter imperativo da urbanização torna
esta diferença entre oferta potencial e oferta real inexistente. Esta situação é possível na
Alemanha, pois a expropriação para viabilizar a concretização do Plano de Pormenor,
implica uma indemnização pelo valor do uso existente. Em Portugal, é praticamente
impossível a expropriação por utilidade publica – estabelecido no Código da
Expropriações – já que na forma de cálculo das indemnizações17 estabelece claramente
que existem dois tipos de solos (Tabela 3), aptos para construção e para outros fins, e que
o valor do solo apto para construção se calcula por “referência à construção que nele seria
possível efetuar se não tivesse sido sujeito a expropriação”.
Uma intervenção por parte do poder local é essencial para desenvolver ações contra a
especulação e racionalizar os recursos existentes. Pensar assim, permite priorizar as
localizações onde intervir. Onde os seus intervenientes locais tem de ser os responsáveis
por exercer um papel de supervisão da sobrevalorização das localizações – especulação
– e permitir a correta função social dos investimentos imobiliários.
17 Título III («Do conteúdo da indemnização»), art. 23º e seguintes, Lei n.º 167/99 de 18 de Setembro de 1999.
90
3.4. Áreas prioritárias
Ao promulgar o Decreto-Lei n.º 152/82, de 3 de Maio, que cria as ADUP (Áreas de
Desenvolvimento Urbanístico Prioritário) e ACP (Áreas de Construção Prioritária),
afirma a importância da utilização quase sistemática para fins habitacionais de áreas
urbanisticamente desaconselháveis e o não aproveitamento das localizações previstos
para esse fim nos estudos e planos de urbanização.
Seria conveniente que a câmara municipal — com base em estudos urbanísticos (ainda
que não formalizados em Plano de Pormenor eficaz) — pudesse receber para o domínio
privado do município áreas com possibilidade construtiva em excesso ou que, na situação
inversa, pudesse coordenar e assegurar o direito a adequada compensação (Pardal, 2006).
É através do artigo 18º da Lei 48/98 (LBPOTU), que é pela primeira vez introduzido o
princípio da equidade na política de ordenamento do território e de urbanismo. Este
princípio visa assegurar a justa repartição dos benefícios e encargos que decorrem da
aplicação dos instrumentos de gestão territorial. É neste contexto que surge a perequação
compensatória, como um instrumento que tem como objetivo assegurar a redistribuição
entre os proprietários e encargos decorrentes da execução de um plano.
O facto dos mecanismos de perequação compensatória só poderem ser aplicados com
base em planos de pormenor e em unidades de execução deixa de fora todo o processo de
gestão urbanística feito com base em operações de loteamento avulsas, sem plano de
pormenor. Assim, cada urbanista é obrigado a cumprir, dentro da sua parcela de cadastro
rústico, todos os parâmetros urbanísticos impropriamente estabelecidos no PDM (Pardal,
2006).
A gestão perequativa deveria ser explicitada ao nível de regulamentos municipais.
Observe-se, contudo, que a sua aplicação efetiva depende de uma articulação com o
Código das Expropriações e implica o desenvolvimento de uma doutrina e de técnicas
relativas às avaliações dos imóveis (Pardal, 2006).
Deste modo, para que o processo perequativo seja executado é necessário considerar
separadamente os preços do solo e do imóvel que vão configurar plano de pormenor. O
91
preço do solo é determinados pelo mercado e o preço do imóvel é determinado pela
iniciativa do proprietário. No caso do preço do solo, é um segmento de mercado que está
orientado segundo os planos territoriais, podendo ter uma ideia de regulamentação, que
pode ser mais interventiva ou mais liberal. Seja qual for a sua orientação, o mercado
cumpre um planeamento disciplinar que tem de assegurar uma oferta de espaços que
responda às necessidades da procura numa perspetiva social.
É através da ideia de fazer uma avaliação sustentável separada entre o imóvel e o solo,
que permite classificar as áreas prioritárias. Para tal, é preciso desenvolver um plano de
avaliação sustentável que permita configurar e identificar os parâmetros que fazem
valorizar do ponto de vista económico, social e ambiental de uma localização. Assim, é
possível adotar medidas que promovam o bem-estar de uma forma geral, determinando
quais as áreas prioritárias para desenvolver urbanizações, investimentos de interesse
publico, garantir acesso de parques próximos das urbanizações, etc.. Mas, ressaltando a
importância na categoria de economia, esteja incluído um parâmetro da sobrevalorização
das localizações. Parâmetro que identifica as zonas especulativas.
Este plano de avaliação de localizações sustentáveis deve permitir a transformação do
plano de pormenor num plano mais articulado, por exemplo, com Manual de Apoio a
Regeneração Urbana Sustentável (MARUS), proposto por Guilherme Castanheira. Os
indicadores, os parâmetros e categorias deste manual encontram-se na Tabela 8.
Sendo os respetivos parâmetros da sustentabilidade, representados na Tabela 8:
Ambiental (Verde)
Social (Vermelho)
Economico (Azul)
92
Tabela 8 – Indicadores, parâmetros e categorias da dimensão económica do MARUS18
18 Fonte: Castanheira, 2013
Categorias Indicadores Parâmetros
1. Uso do solo e
infraestruturas
1. Reutilização de solo urbano 1. Percentagem de solo reutilizado e
descontaminado
2. Reabilitação do edificado 2. Percentagem de estruturas existentes
reutilizadas e reabilitadas
2. Ecologia e
biodiversidade
3. Distribuição de espaços verdes
3. Percentagem de espaços verdes existentes
4. Uso de vegetação autóctone 4. Percentagem de áreas destinadas as
espécies autóctones
3. Energia
5. Eficiência energética 5. Eficiência energética da instalação
6. Energias renováveis
6. Percentagem de energia consumida proveniente de energias renováveis produzidas localmente
4. Água
7. Consumo de água potável 7. Percentagem de água tratada
8. Índice de reutilização de água
8. Gestão de efluentes 9. Percentagem de solo permeável 10. Índice de gestão de efluentes
5. Materiais e
resíduos
9. Resíduos de construção e demolição
11. Percentagem de RCD utilizados
10. Gestão de resíduos sólidos urbanos
12. Potencial de gestão de resíduos sólidos urbanos
6. Conforto exterior
11. Conforto térmico exterior
13. Percentagem de área em planta com refletância superior a 60%
7. Segurança 12. Segurança nas ruas 14. Índice de segurança nas ruas
8. Amenidades
13. Proximidade a serviços 15. Índice de acessibilidade a serviços
14. Produção Local de Alimentos
16. Índice de estruturas existentes para produção local de alimentos
9. Mobilidade
15. Transporte público
17. Índice da qualidade e frequência dos transportes públicos
16. Acessibilidade pedestre
18. Índice de acessibilidade de pedestres
17. Rede de ciclovias
19. Índice de qualidade da rede de ciclovias
10. Identidade local e cultural
18. Espaços urbanos públicos
20. Índice de disponibilidade de espaços urbanos públicos por habitante e/ou Percentagem de espaços urbanos públicos
19. Valorização do património 21. Índice de valorização do património cultural e natural
20. Integração e inclusão social
22. Índice de participação da população
23. Índice de habitações destinadas a integração e inclusão social
11. Emprego e
desenvolvimento
económico
21. Empregabilidade 24. Percentagem de emprego no local face à população prevista
25. Índice de empregabilidade
93
Capitulo 4 – NOVA METODOLOGIA DE PARAMETRIZAÇÃO DAS
MAIS-VALIAS
4.1. Enquadramento
De acordo com o que foi referido nos capítulos anteriores, pretende-se apresentar uma
metodologia que aborde a aplicação de taxas, de forma a obter uma parametrização das
mais-valias incluída numa política de planeamento urbanístico sustentável.
Para que a aplicação de taxas possa ser justa, é preciso que o planeamento urbanístico
permita aplicação de parâmetros sustentáveis, de forma a determinar quais as localizações
que detêm o maior interesse para a sociedade. Com efeito, não é por ser técnica e
juridicamente possível construir numa determinada localização que esta deva ser
colocada no mercado para esse efeito. A retenção de localizações é um comportamento
especulativo “natural” dos proprietários, que julgam que o valor das suas localizações vai
aumentar a médio ou a longo prazo, optando por esperar para poderem maximizar as suas
mais-valias. O facto de a fiscalidade fundiária não «encorajar» a disponibilização das
localizações em função da vontade coletiva - supostamente expressa nos planos
urbanísticos - estimula este tipo de comportamentos.
O ideal seria que o Município, ou em casos excecionais o Estado, assumisse as operações
de urbanização como aconteceu na Expo 98, criando também assim as condições mais
favoráveis para a iniciativa privada poder realizar os seus empreendimentos de construção
com regras transparentes, seguras e com condições financeiras altamente favoráveis,
particularmente no que diz respeito ao preço do solo urbanizado e à qualidade urbanística
(Pardal, 2014).
Em Portugal, do ponto de vista do modelo de controlo do desenvolvimento urbano, a
situação é semelhante à alemã. Tal como no caso alemão, o controlo do desenvolvimento
urbano não envolve a posse do solo. No entanto as semelhanças acabam aí.
Contrariamente ao caso português, o sistema de planeamento alemão dá respostas claras
a questões como a parametrização do preço do imobiliário, o controlo das mais-valias e
a firme repressão de práticas especulativas. O sistema revela-se eficaz a controlar o
94
desenvolvimento urbano e a evitar o aparecimento de fenómenos especulativos e de
segregação espacial das populações (Guinote, 2008).
Um modelo de desenvolvimento alternativo necessita de estimular a “moralização” dos
preços praticados nas transações entre particulares, seja por aproximar os valores
declarados para efeitos fiscais dos efetivamente praticados, seja por inibir valores
especulativos por receio de intervenção pública.
Esse modelo deve considerar a política de solos, a organização urbanística, o justo
equilíbrio entre áreas de construção e de reserva patrimonial, ambiental e ecológica, a
mobilidade e a circulação, a relação harmoniosa entre cidade e sua periferia, os incentivos
económicos e a política fiscal municipal.
Neste modelo, o direito de preferência na escolha de localizações de interesse público,
deve ser realizado através de um instrumento muito mais flexível e operacional na
aquisição de solos do que a expropriação.
Rever o sistema de planeamento urbanístico é essencial. Sem a segmentação do mercado
de solos e sem o controlo das mais-valias pela Administração Publica não há forma de
impedir a pressão urbana sobre as localizações rústicas, florestais ou agrícolas. Se
existiam dúvidas sobre esta matéria, aí está a realidade a dissipá-las O uso urbano deve
ser confinado aos perímetros urbanos, e aí, o Sistema de Planeamento deve garantir uma
resposta qualificada para todas as necessidades e não apenas para quem tem o maior poder
aquisitivo. A proteção dos usos agrícolas e florestais, da pressão urbana, é uma condição
sine qua non para garantir um adequado ordenamento do território.
Pensar o planeamento como um instrumento que seja dinâmico, onde o município é o
interveniente ativo na execução de medidas preventivas, estimulando a regeneração
urbana, restringido a demolição e reabilitando imóveis com significado urbano, quer em
termos da necessidade de habitação social, quer em termos da criação de pontos de
interesse públicos – hospitais, universidades, acessos rodoviários, etc. – não tem que ter
em conta as mais-valias expectáveis, mas assentar na sua vinculação situacional de facto.
Será essencial uma nova maneira de intervir, evitando o planeamento dogmático,
negativo e proibicionista que domina na administração do território desde os anos 70 e
95
que levou ao desordenamento urbano atual. Esta é a razão de fundo que deve levar a que
os municípios detenham poderes na delimitação de uma área crítica de recuperação e
reconversão urbanística, e não o seu valor no mercado imobiliário. Para que isso seja uma
prioridade não se pode limitar os municípios apenas ao recurso às expropriações como o
instrumento mais utilizado.
4.2. Âmbito da proposta
Entender o contexto e os fundamentos expressos nos capítulos anteriores torna claro e
percetível o âmbito desta metodologia. Isto é, perceber porque é que durante quase 40
anos foi possível desenvolver uma política de sobreprodução habitacional. Significa que,
durante este período, os municípios não estavam dotados de instrumentos eficazes ou de
regulamentação capaz de contrariar a procura de localizações rústicos integrados no
perímetro urbano e classificados como urbanizáveis. Isto significa que a intenção de
comprar localizações não era sempre com a vontade de urbanizar, mas sim de encontrar
localizações baratas para adquirir o direito a urbanizar e de gerar uma mais-valia ao
proprietário. Este processo “roleta de casino” permitiu a acumulação de riqueza aos
proprietários – que no seu grosso eram entidades que detinham um elevado poder
financeiro, como bancos, seguradoras, imobiliárias – conduzindo fundamentalmente à
acumulação das mais-valias em detrimento do desenvolvimento sustentável da cidade.
Caso o município pretendesse intervir em nome do interesse público, necessitava de
expropriá-las, restituindo o valor da localização, não pelo uso existente antes da
aprovação do Plano, mas com as mais-valias que este gerou. Em consequência, o
proprietário, sem fazer nada, mais tarde ou mais cedo, podia colher as mais-valias geradas
pela Administração. Agravando a situação, o governo aprovou uma quarta alteração ao
Código das Expropriações com o Decreto-lei n.º 56/2008,de 4 de Setembro, que assegura
que as mais-valias são integralmente capturadas pelos privados.
Por outro lado, um dos catalisadores na criação de mais-valias de uma localização são os
investimentos públicos. Grandes investimentos – hospitais, universidades, vias
rodoviárias, instalações de eletricidade, gás, água, etc. – permitiam valorizar as áreas
envolventes. Se estes investimentos vêm de fundos maioritariamente públicos, e se os
96
proprietários das localizações vão usufruir desses investimentos, torna-se necessário
contribuir para esse desenvolvimento. Torna-se justo que as mais-valias sejam taxadas
consoante uma determinada avaliação que os investimentos públicos geraram naquela
área, garantindo uma parametrização geral. Daqui decorre a redução do valor da
localização, facilitando aos interessados em adquirir o imóvel uma maior liberdade
financeira em investir no mesmo com processos de reabilitação que o valorizem de uma
forma real.
Em Portugal, esta questão é completamente omissa no sistema de planeamento
urbanístico. A singularidade deste sistema é feita destas omissões e traduz-se na adoção
de um modelo perequativo19 em que se assume que as mais-valias são integralmente
apropriadas pelos particulares e se opta por tributar as mais-valias urbanísticas em sede
de IRC (imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas) e de IRS (imposto sobre o
rendimento das pessoas singulares), associando-as a ganhos de capital. Estamos perante
uma confusão entre lucros de uma atividade normal de promoção imobiliária e ganhos
resultantes exclusivamente de decisões da Administração, a qual é reveladora de que, por
via dos Planos Municipais de Ordenamento do Território e de declarações de interesse
público, a Administração Pública gera mais-valias simples que o mercado reconhece, mas
permite que sejam os privados a capturá-las na sua totalidade, revelando-se incapaz de as
recuperar em favor da comunidade (Guinote, 2008).
Na perspetiva de atuar contra a especulação, é preciso definir medidas específicas que
garantam que o uso do solo tem uma orientação na defesa de uma cidade sustentável, e
que o investimento feito na compra da localização é um passo intermedio no investimento
para se conseguir mais-valias no imóvel. Isto inclui a adoção de uma divisão entre o bem
económico e o bem natural, por diferenciação da avaliação do imóvel e pela localização.
Logo, é preciso um processo iterativo entre uma metodologia de avaliação sustentável e
o plano de pormenor, de forma a conseguir uma classificação.
Para isso acontecer, é preciso um algoritmo que classifique as áreas reforçando o plano
de pormenor, transformando-o num dinamizador e não num plano de fiscalização.
Adotando uma iteração, como por exemplo, o MARUS e o plano de pormenor, é possível
19 Decreto-Lei n.º 380/99 de 22 de Setembro, revisto pelo Decreto-Lei n.º 310/203 de 10 de Dezembro; «Princípios da perequação
compensatória dos benefícios e encargos», art. 135º e seguintes.
97
ter uma base de classificação das localizações para poder realizar a retenção das mais-
valias, de forma a criar uma relação de uniformização das mais-valias consoante a
avaliação.
Este processo não tende a servir de base a uma política tecnocrática, mas exatamente o
oposto. O MARUS tem de servir como instrumento de apoio a orientação política, na
implementação dos pontos de interesse público e no combate à especulação fundiária.
Como se pode ver na Figura 14, o processo tem como objetivo as medidas sustentáveis
da cidade com o intuito de valorizarem, de forma classificativa, determinadas áreas. Deste
modo, com a avaliação sustentável da localização é possível a criação da parametrização
das mais-valias, o que permite, a quem investir no imóvel, ter capital para fazer
investimentos significativos no domínio da reabilitação energética ou uma construção de
domínio social/ambiental.
Figura 14 – Organigrama do modelo dinâmico para os procedimentos urbanísticos
Pelo que foi referido, propõe-se a revisão do atual modelo de seleção de localizações em
Portugal, atribuindo a obrigatoriedade fiscal como fator decisor na escolha da localização
Medidas Sustentáveis
Iteração
Reformulação
Estudo Prévio
MARUS Plano de
Pormenor Apoio Técnico
Decisão
Política
98
pelos agentes promotores que tenham intenções de realizar operações urbanísticas. No
final da obra deve ser entregue um comprovativo com a classificação do nível de
sustentabilidade da localização, sob a forma de certificado de sustentabilidade, que
poderá servir de base no parâmetro ocupação do solo, no cálculo do IMI20, de acordo com
a Figura 15.
Figura 15 – Classificação e retenção das mais-valias consoante o nível de
sustentabilidade das localizações
Para o nível A+ é atribuído um valor de retenção total das mais-valias por se tratar de
uma localização de interesse local demasiado importante. Com esta retenção permite-se
evitar a expropriação e facilitar a aquisição das localizações por parte do poder local. Os
restantes valores devem ser atribuídos em intervalos constantes, sem nunca exceder o
valor das mais-valias líquidas.
No caso do cálculo do nível de sustentabilidade, existem precedentes a nível nacional que
podem servir de base para o que aqui se propõe. Desta forma, e como referido
anteriormente, é possível, com trabalhos a nível de sustentabilidade no plano de pormenor
e da classificação das localizações a partir do MARUS, efetuar intervalos quantitativos
que permitam agravar ou desagravar a retenção das mais-valias, em que os parâmetros de
avaliação devem ser elaborados e definidos nacionalmente, não promovendo uma falsa
competitividade sustentável, de modo a não criar um caminho de “quem oferece menos
condições”.
20 Fonte: “Taxas e Procedimentos Sustentáveis em Operações Urbanísticas” de Dinis Leitão (2011), que sugere a alteração do atual
IMI por um IMI sustentável.
Maior retenção Total
Menor retenção
99
4.3. Fundamentação da proposta de alteração
As cidades têm que ter uma harmonia no seu ordenamento. Não é possível haver uma
desorganização entre classificação de solos e ter uma cidade com desenvolvimento
sustentável.
A ideia de ordenamento do território permite a gestão da interação Homem/espaço
natural. Consiste no planeamento das ocupações, no potenciar do aproveitamento das
infraestruturas existentes e no assegurar da preservação de recursos limitados.
Numa urbe, geram-se funções com características próprias de forma a estruturar a sua
utilidade e otimizar cada localização. Desta forma, a malha urbana é o reflexo dessa forma
de organizar o espaço e deve estar ordenada como ilustra a Figura 8.
Figura 16 – Organização dos solos numa cidade
Assim, a malha urbana é delimitada até à zona periurbana da cidade, no sentido de libertar
superfícies para as atividades agrícolas, agroflorestais, florestais e outras. A área
periurbana está localizada para além dos subúrbios de uma cidade. Corresponde a um
espaço onde as atividades rurais e urbanas se misturam, dificultando a determinação dos
limites físicos e sociais do espaço urbano e do rural. Esta resulta da implantação dispersa
do povoamento urbano em meio rural. Aqui, o tecido urbano surge de forma descontínua,
a atividade agrícola é instável, e assiste-se à implantação de indústrias e de alguns
serviços. A generalidade das áreas periurbanas é onde a especulação é mais apetecível,
devido à facilidade em adquirir mais-valias através do licenciamento urbano.
Florestal | Rural | Periurbana | Urbana
100
As zonas periurbanas são onde a freguesia contempla, pelo menos, um dos seguintes
requisitos 21:
1) O maior valor da média entre o peso da população residente na população total
da freguesia e o peso da área na área total da freguesia corresponde a espaço
urbano, sendo que o peso da área em espaço de ocupação predominantemente
rural não ultrapassa 50% da área total da freguesia;
2) A freguesia integra a sede da Câmara Municipal e tem uma população
residente superior a 5.000 habitantes;
3) A freguesia integra total ou parcialmente um lugar com população residente
igual ou superior a 5 000 habitantes, sendo que o peso da população do lugar
no total da população residente na freguesia ou no total da população residente
no lugar, é igual ou superior a 50%.
Um estudo muito recente, desenvolvido no quadro da cooperação entre os Estados-
Membros da União Europeia em matéria de ordenamento do território e desenvolvimento
urbano, veio evidenciar que a ocupação dispersa das áreas periurbanas e intersticiais é um
fenómeno generalizado no âmbito europeu, que a defesa de padrões de desenvolvimento
urbano mais compacto por parte dos profissionais e das entidades públicas não tem
conseguido contrariar eficazmente (DGOTDU, 2009).
Nesse sentido, é preciso conseguir delimitar a malha urbana até ao perímetro periurbano
para obter uma determinada densidade. Só a partir de uma determinada densificação na
zona urbana e periurbana é que é possível ter transportes, ensino, zonas culturais, etc.,
sustentáveis. Torna-se impossível conseguir uma densidade sustentável se as zonas, na
malha urbana, mantiverem localizações sem utilização ou abandonadas, devido à procura
especulativa. Muito menos lógica teria alargar o perímetro periurbano que diminuiu a
densidade. Desse modo, esta proposta apenas vai incidir no perímetro urbano e
periurbano, com o sentido de capacitar a procura de quem pretende desenvolver a
construção, reconstrução, reabilitação e entidades públicas que pretendam regenerar a
cidade ou reconverter áreas abandonadas em zonas públicas.
21 Fonte: INE, através da deliberação n.º 2717/2009, DR 188, SÉRIE II de 2009-09-28 - 8.ª (2008) deliberação da Secção Permanente
de Coordenação Estatística relativa à tipologia de áreas urbanas
101
Apesar de as zonas agrícolas e florestais também sofrerem vários ataques especulativos,
esta metodologia não vai abordar as questões da sustentabilidade de zonas agrícolas e
florestais, devido à forte complexidade que envolve questões económicas e ambientais
nacionais e europeias, como também teria que se englobar questões jurídicas, como o
arrendamento forçado ou o banco de terras. Nesse sentido, os únicos pontos que se
referenciam na metodologia, são como tornar possível uniformizar os valores dos solos –
englobando diretamente os solos urbanos e periurbanos e indiretamente os solos florestais
e agrícolas – para que não haja uma migração dos fundos especulativos entre zonas,
conseguindo a densificação através da oferta de condições, levando a uma migração da
população em urbanizações das zonas rurais para as zonas urbanas e periurbanas, devido
ao aumento de qualidade nessas zonas.
No LBPOTU, o resultado da valorização das localizações ficará, em parte, para os
municípios. Ou seja, se uma propriedade rural passa a urbana por ter sido englobada num
plano de pormenor, haverá, quando for alienada, uma taxa adicional sobre o lucro, além
do imposto sobre o rendimento que já incide sobre as mais-valias na venda de imóveis. O
valor em causa irá para um Fundo Municipal de Sustentabilidade Ambiental e
Urbanística, destinado a financiar ações nesta área do concelho. Em estudo está também
a possibilidade de uma fração se destinar a um fundo semelhante, de âmbito nacional,
com o objetivo de compensar, por exemplo, os custos da proteção ambiental em concelhos
com grandes parcelas de áreas naturais classificadas.
O valor suscetível de ser taxado será a mais-valia “pura”, ou seja, aquela que resulta de
um simples ato administrativo, como a aprovação de um plano de pormenor. A
valorização devida a investimentos e construção de infraestruturas não entra no cálculo.
- Fundo municipal de sustentabilidade ambiental e urbanística (n.º 4 do art.º 62.º):
Os municípios devem constituir um fundo municipal de sustentabilidade ambiental e
urbanística, ao qual são afetas receitas resultantes da redistribuição de mais -valias, com
vista a promover a reabilitação urbana, a sustentabilidade dos ecossistemas e a prestação
de serviços ambientais, sem prejuízo do município poder afetar outras receitas
urbanísticas a este fundo, com vista a promover a criação, manutenção e reforço de
infraestruturas, equipamentos ou áreas de uso público.
102
Apesar de a Lei dos Solos de 1976 prever um fundo como uma mera faculdade, não sendo
este utilizado pelos municípios, pois era um fundo autónomo e não derivado
especificamente de um imposto ou de uma taxa. O novo quadro legislativo vai no sentido
de não fazer uma separação entre os justos lucros do investimento privado ou dos seus
eventuais prejuízos desligando-os das mais-valias. Nestas circunstâncias, o processo pode
resvalar para a criação de mais impostos ou taxas, a pretexto de “tributar mais-valias” e
assim agravar ainda mais o preço do solo.
Para que seja possível uma uniformização de preços é necessário parametrizar as mais-
valias a um nível percentual, de forma a colmatar a diferença de valor do solo entre as
classificações da metodologia. Desta forma, a criação de um fundo, que colete uma parte
maioritária das mais-valias geradas, permite futuramente amortizar parte do valor da
localização especulada, aliviando os encargos financeiros de quem pretende reabilitar ou
regenerar (Figura 17).
Figura 17 – Processo da distribuição das mais-valias
Ao diferenciar as mais-valias geradas no valor de compra, é possível atuar apenas nas
mesmas, de forma a parametrizar a renda do solo através de uma percentagem nas mais-
valias. Ao criar uma percentagem das mais-valias, o proprietário vai continuar a procurar
o valor de venda máximo, o que não acontece caso a caracterização fosse por um limite
monetário. Isso é mais vantajoso, pois quanto maior for o valor de venda, maior é o
contributo para o fundo.
Valor
Reduzido
Valor de
Compra
Mais
Valias
Valor de
Base
Mais -Valias
Impostos Fundo
Preç
o d
e V
end
a
Amortização
103
De forma mais simples, este fundo permite a substituição do uso de expropriações, que
muitas vezes prejudicam o proprietário da localização e conduz a que muitas das decisões
que o município toma sejam resolvidas judicialmente. No caso das expropriações, como
o valor é tabelado, o proprietário pode ficar a perder em relação ao valor de compra.
Daqui advém que seja necessária uma defesa do direito de propriedade, por aplicação
apenas de taxas nas mais-valias, estabelecendo que o Valor de Base deve incluir:
Preço de compra da localização;
Um ajuste segundo a inflação entre o preço de compra e de venda;
Gastos na manutenção da localização;
Dedução de taxas, multas ou impostos.
Esta medida escamoteia a questão da justa remuneração, pois garante que o proprietário
não seja prejudicado. Ao criar uma separação entre o valor de base e as mais-valias é
possível criar um sistema mais justo do que as expropriações. Isto faz com que haja a
possibilidade de só taxar as mais-valias, definindo os parâmetros acima mencionados
como o Preço de Base e considerando tudo o resto de mais-valias. Para isso, é preciso que
o Valor de Compra da localização tenha uma valorização segundo a inflação, o que
impede a sua desvalorização. Só através do Valor de Compra inicial, com o ajuste da
inflação, é possível ter um Valor de Compra real qualquer que seja o ano. Para assegurar
que existe uma boa gestão do terreno, é preciso cobrir os gastos que o proprietário teve
com a limpeza ou outros, garantindo um incentivo à boa gestão do terreno, utilizando o
Valor de Base para deduções de taxas ou impostos que não foram regularizados ou
execução de multas por desleixo com o terreno.
A fluidez entre a compra e a venda das localizações por interesse municipal pode
aumentar se houver uma alteração no sentido de alargar o conceito de venda forçada,
como a referida no subcapítulo 2.5.2. por Sidónio Pardal. Acelerando o processo de
uniformização do valor dos solos, contrariando a sobrevalorização das localizações
especuladas e reduzindo as oscilações de preços.
Ao especificar as áreas prioritárias que a especulação afeta, e ao admitir uma legislação
que atua de forma similar ao Decreto-Lei n.º 152/82, exercendo uma carga tributária que,
de forma exponencial, desincentiva a especulação e regulariza os preços ao fim de um
104
período de tempo. Assim, é possível combater a especulação de uma forma mais
cirúrgica, evitando uma tendência atual de taxar de forma generalizada o Preço de Venda,
o que gera mais encargos às empresas e aos proprietários que pretendam atuar de uma
forma produtiva.
4.3.1. Sistema de taxas
Sendo parcos os recursos disponíveis e enormes os problemas a resolver, importa apelar
à imaginação para produzir novos métodos sustentáveis de gestão dos recursos
disponíveis.
Atualmente, os métodos de gestão dos municípios incidem basicamente em taxar as
propriedades ou proceder à expropriação. Na nova Lei de Base dos Solos a ideia continua
a ser a de taxar de forma geral e não especificar parâmetros sobre quando é que uma
localização está a ser especulativo. Apenas cria uma relação em que, a partir de um
determinado intervalo de tempo, depois da compra da localização, este passa a ser
especulativo. É preciso perceber mais a ideia de especulação.
No XVII Governo Constitucional de Portugal, procedeu-se à descida do IVA de 21% para
5% nos ginásios. Isto levou a que houvesse um aumento no valor da mensalidade dos
ginásios de 16%, sendo esta diferença paga pelos utilizadores. Se taxarmos as mais-valias
dos solos entre 20% e 40% como tem vindo a ser noticiado, esta medida vai levar a uma
subida no valor de venda dos terrenos – de forma direta em pequenos valores de venda e
em percentagens indiretas nas mais altas, o que vai conduzir a um entrave na compra,
conforme pode ser observado na Figura 18.
105
Figura 18 – Ação da introdução de um imposto de forma geral
Taxar de uma forma geral as mais-valias é simplesmente agravar mais o preço do solo. A
visão de associar o valor total ao lucro dá lugar a uma possível criação de políticas que
desincentivem a reabilitação ou regeneração, devido à criação de mais taxas ou impostos
sobre uma propriedade.
Com taxas elevadas sobre as operações exclusivamente em terrenos, está-se a contribuir
para o alavancar do valor desses terrenos, ou solos rústicos, com consequências diretas
no agravamento do preço dos lotes criados ou dos imóveis para o cliente final, devido ao
elevado preço a que o solo passa a ter que ser comercializado (Leitão, 2011).
Se atualmente o problema no mercado de solos é a sobrevalorização de algumas
localizações prioritários, é necessário tentar aproximar os valores de localizações
prioritárias da uniformização, o mais possível. Só a partir da uniformização de valores é
possível contrariar a tendência de construir na zona periurbana e incentivar ao
investimento na zona urbana.
Preço de
Compra
Preço de
Compra
Mais
Valias
Preço de
Compra
Mais-Valias
Impostos
Mais-Valias
+
Impostos
Preç
o d
e V
end
a
No
vo
Preço
de V
end
a
106
Para proceder à uniformização é necessário proceder à parametrização, tal como
acontecia entre 1948 e 1965.
Lei n.º 2030, de 2 de junho de 1948 - Artigo 17.º - encargo de mais-valia
1 - Os prédios rústicos não expropriados quando, por virtude de obras de urbanização
ou abertura de grandes vias de comunicação, aumentem consideravelmente de valor
pela possibilidade da sua aplicação como terrenos de construção urbana ficam sujeitos
a encargo de mais-valia, nos termos dos números seguintes. (…)
4 – O encargo da mais valia é de 50% da importância fixada e será pago à entidade
pública que fizer as obras.
Este encargo foi concebido no sentido da justa redistribuição de encargos entre as
entidades públicas e privadas, sendo depois retirado para dinamizar a construção, o que
levou à sobrevalorização dos terrenos na zona urbana. Se atualmente a intenção é
aproximar valores entre estas duas zonas, é necessário que o fundo capte mais de 50% do
valor líquido das mais-valias para cobrir os custos das áreas prioritárias. Caso seja inferior
a 50%, não é possível cobrir os gastos para a uniformização, pois não estaríamos a
proceder a uma descida significativa num período de tempo médio (Figura 19).
Figura 19 – Exemplo da redução do Valor de Compra
Valor
Reduzido
Valor
de
Compra
40%
Valor
de
Compra
60%
60%
Imposto
s
107
No LBPOTU não está definido o valor da percentagem ficando a sua estipulação sujeita
ao critério intermunicipal e municipal.
Artigo 64.º - redistribuição de benefícios e encargos
6 — (…), os planos territoriais de âmbito intermunicipal ou municipal fundamentam o
processo de formação das mais–valias fundiárias e definem os critérios para a sua
parametrização e redistribuição.
Esta medida, que permite a falsa ideia de competitividade entre municípios, leva a uma
tendência de redução da percentagem de retenção das mais-valias para atrair mais
investimento, levando à subida do Valor de Venda e não atuando na especulação das áreas
prioritárias, razões pelas quais o critério de parametrização deve ser definido a nível
nacional.
Com o intuito de uniformizar o valor das localizações em relação às restantes propõe-se
que o valor deduzido das mais-valias seja colmatado em sede de IRS ou IRC. Sem esta
ação, o proprietário pode ser levado a tentar estabelecer um acordo com o investidor para
capturar esse fundo, como tem acontecido com alguns incentivos à reabilitação,
permitindo ao proprietário uma ação para não disponibilizar a sua localização.
4.3.2. Procedimento administrativo e urbanístico
A LBPOTU introduziu várias novidades que estão agora a ser regulamentadas. Deixa de
existir a figura dos terrenos “urbanizáveis”, que muitos Planos Diretores Municipais
(PDM) previram em exagero, de modo a garantir hipotéticas expansões urbanas.
Atualmente, as propriedades são apenas rústicas ou urbanas.
Porém, os PDM terão maior flexibilidade podendo ser revistos por planos de urbanização
e de pormenor. Qualquer nova operação urbanística terá, no entanto, de provar que é
necessária e economicamente viável.
Outra alteração passa pelo fim do licenciamento prévio para construções, reconstruções
e obras de reabilitação, caso todas as normas urbanísticas estejam já definidas nos planos
municipais. A fiscalização do cumprimento de tais normas será feita durante e depois da
obra, e não antes, como acontecia até à atualidade. O promotor da obra necessita apenas
108
de apresentar o projeto junto da autarquia e, em oito dias, se não houver oposição, pode
começar a obra.
O fim do licenciamento prévio consta do novo regime jurídico de urbanização e
edificação aprovado em Conselho de Ministros no final de Maio. Outra alteração benéfica
no diploma é o facto de os alvarás de loteamento passarem a estar limitados a um prazo
de dez anos. Ou seja, não será possível ter a posse eterna de um alvará, deixando o terreno
abandonado.
Sendo óbvio que os planos regionais de ordenamento do território (PROT) não devem
definir ou de algum modo regular os perímetros urbanos, a sua expansão ou muito menos
a sua parametrização e disciplina de desdobramento de usos e utilizações, pode sustentar-
se que a planificação do espaço urbano deve ter uma regulamentação preliminar em sede
de Plano Diretor Municipal (PDM), a qual não prescinde de trabalhos de fundamentação
ao nível de estudos urbanísticos de pormenor. Deste modo, o regulamento do PDM pode
ser induzido a partir de estudos de detalhe, o que não deixa de ser problemático quando
dessa forma se estabelecem índices urbanísticos aplicados a manchas, os quais, por sua
vez, servem para legitimar urbanizações confinadas e condicionadas pelos polígonos dos
prédios aos quais se aplicam os índices da mancha, o que é qualitativamente diferente da
aplicação à mancha na sua totalidade, como área globalmente disponível para um
tratamento global de desenho e composição urbana (Pardal, 2006).
O PDM é abusivamente utilizado como uma espécie de sucedâneo do planeamento
urbanístico. Este problema só pode ser resolvido através de um reforço substancial dos
gabinetes de planeamento urbanístico das câmaras municipais, habilitando-os a
desempenhar as principais tarefas de coordenação, conceção e implementação dos planos,
e impondo o primado de um urbanismo conceptual, onde a arte de bem arquitetar, projetar
e construir marque o rumo substantivo dos planos territoriais, sem desprezar a
importância da gestão fundiária e da regulação do mercado imobiliário em geral (Pardal,
2006).
A alteração estrutural do LBPOTU, apesar de confusa, é uma alteração muito positiva.
Contudo, devia assumir um plano partilhado entre o Governo e o Município, o que
exigiria uma estreita cooperação e interação política, administrativa e técnica. Só com
uma estrutura interrelacionada é possível a otimização das áreas a intervir. Para isso, é
109
necessário ter em conta o interesse público, valorizando as zonas de maior interesse com
políticas dinâmicas, como foram referidas anteriormente.
Isto significa uma oportunidade para dinamizar a regeneração urbana e, por sua vez, a
reabilitação através da escolha de pontos-chave. Daí a necessidade de um algoritmo que
reforce o plano de pormenor, transformando-o num dinamizador e não num fiscalizador,
servindo de orientação política para a implementação dos PI, de forma a valorizarem a
zona, sob o ponto de vista sustentável.
O objetivo desta dissertação não é conceber esse algoritmo, mas sim elucidar para a
necessidade do mesmo. A instrumentação do MARUS, como ferramenta para articular a
política de habitação com a política de desenvolvimento económico e social, tendo em
vista a promoção do bem-estar social - entendido como satisfação de necessidades sociais
básicas nos domínios da educação, saúde, segurança social e habitação - tem de ser levada
em consideração para evitar acontecimentos de gentrificação.
Emerge aqui a questão do controlo do poder e a alteração dos usos de terrenos com fins
sociais, matéria que tem sido renegada, o que constituiu uma falha fatal em todo o sistema
de planeamento. Este é um dos exemplos que cria conflito entre o planeamento nacional
e municipal.
4.4. Principais limitações
Por se tratar de uma proposta muito teórica, seria necessário desenvolver uma recolha de
dados sobre as diferentes localizações a nível nacional, de forma a criar uma relação que
estabeleça a percentagem com que cada classificação da localização precisa de contribuir
para o fundo, para conseguir que as zonas interiores sejam reduzidas, de modo a justificar
que os cálculos da proposta se baseiem, de uma forma geral, em informações objetivas
quando relacionadas com os custos.
Neste sentido, seria também necessário analisar as menos-valias que uma localização
pode ter, contemplando ainda que a proposta não prejudicasse os proprietários.
110
Por outro lado, uma das limitações é cingir-se apenas a zonas urbanas e periurbanas,
deixando de fora as zonas agrícolas, agroflorestais e florestais, que também estão sujeitas
a especulação. O prejuízo poderá afetar os municípios que necessitem de um processo de
alargamento.
É ainda importante clarificar a afetação da metodologia de avaliação sustentável das
localizações, pois só esta permite consolidar e relacionar a otimização da área prioritária
com o objeto da intervenção. Devido a este fator, o desenvolvimento da metodologia
condiciona a proposta para aplicação da análise que efetua ao sistema do fundo de
uniformização do valor da localização. Podendo ter diferentes resultados, consoante a
metodologia aplicada.
A omissão de intervir do processo de venda forçada ou de um limite de tempo durante o
qual um proprietário pode ter a licença de urbanizar, sem construir ou sem o rentabilizar
por meio de arrendamento a outros diminui a fluidez. Estes processos tem de ser revistos,
para contrariar a estagnação dos terrenos especulados, para um período razoável de
tempo.
Uma limitação importante à boa implementação de um sistema de cálculo como o que
aqui se desenvolve tem que ver com a inexistência de uma política nacional eficaz, de
estratégia para a gestão e para a utilização do solo. É fundamental que a Lei dos Solos,
atualmente em revisão, possa ser concebida como instrumento específico para ser
aplicado numa realidade social, geográfica e política, observando a estrutura da
propriedade e do povoamento, o comportamento do mercado fundiário e as políticas a
adotar para o sector agroflorestal e para o sistema urbano (Pardal, 2009).
111
4.5. Aplicação
Importa agora estudar o impacto da aplicação prática da mesma, de forma a explanar o
processo. Desta forma, vai-se desenvolver um exemplo hipotético da proposta na
localização representada na Figura 20. Este caso, realça a importância da implementação
de obras públicas que valorizam as localizações circundantes. É um caso exemplar nos
principais tipos de operações urbanísticas que são efetuadas em Portugal. É importante
perceber também, quais são as consequências e as mais‐ valias da alteração proposta.
Assim, esta localização teve uma mais-valia com a edificação de um campus universitário
nas suas proximidades. Ao implementar o campus, fez com que houvesse uma
valorização dos terrenos nas suas imediações, o que levou a ganhos por parte dos
proprietários sem qualquer tipo de investimento. Nesse sentido, este capítulo vai
demonstrar a coerência dos valores obtidos com a nova expressão de cálculo e para que
seja possível obter e discutir resultados comparáveis, será utilizado o mesmo caso, a
formulação da Lei de Bases do solo de 1976, a aplicação da LBPOTU (com uma
parametrização de 40%) e a proposta da dissertação.
Figura 20 – Caso de uma localização valorizada com uma obra pública
112
Caso se trata de um caso hipotético, estipula-se que o terreno foi adquirido em 1981 e tem
as seguintes caraterísticas:
Preço de compra da localização: 150 000€
Um ajuste segundo a inflação22: 253.19%
Gastos na manutenção da localização: 76 655€
Dedução de taxas, multas ou impostos: 43 560€
Ir-se-á obter um Valor de Base: 500 000€.
Sabendo que o terreno tem 10 hectares e cada hectare naquela zona ronda os
aproximadamente os 500 000€, logo, tem-se como Valor Global (Valor de Base + Mais-
valias) de 5 500 000€.
No caso da aplicação da Lei de Base do solo de 1976, o proprietário ao vender antes da
LBPOTU ser aplicada, consegue recolher o valor total das mais-valias, já que não possível
parametrizar as mais-valias. Por isso, o proprietário ao vender antes que o processo da
parametrização seja aplicado, consegue adquirir 5 000 000€ das mais-valias. Neste caso,
se vender antes de a LBPOTU entrar em vigor, consegue recolher todas as mais-valias.
Caso a LBPOTU fosse aplicada, o proprietário teria de pagar uma importância fixada, à
entidade pública. Sendo o seu valor de 5 500 000€ e a parametrização das mais-valias
fosse 40%, teria de pagar 2 200 000€ para o Fundo Municipal de Sustentabilidade
Ambiental e Urbanística, tendo:
Valor de Base: 500 000€
Mais-valias para o FMSAU: 2 200 000€
Mais-valias retidas por o proprietário: 3 300 000€
Ao deduzir os gastos do valor base, obtém-se um valor de 2 800 000€
22 Fonte: http://www.pordata.pt/Portugal/Taxa+de+Inflacao+(Taxa+de+Variacao+++Indice+de+Precos+ no+Consumidor)-138
113
Caso fosse aplicada a proposta da dissertação e a localização em questão tivesse uma
classificação que a condicionava, em taxar as mais-valias simples em 40% para o Fundo
Municipal de Sustentabilidade Ambiental e Urbanística, obter-se-ia:
Valor Base: 500 000€
Impostos (20%): 1 000 000€
Mais-valias liquidas: 4 000 000€
Parametrização das mais-valias (40%): 1 600 000€
Mais-valias líquidas do proprietário: 2 400 000€
Se considerar estes dados como reais, podemos extrapolar que para o proprietário, a
aplicação da proposta não faz com o proprietário saia prejudicado. Em comparação com
os resultados, a proposta da dissertação, apenas taxa mais 10% das mais-valias líquidas
do que no caso da taxação geral que a LBPOTU.
Apesar de não haver diferença no FMSAU da LBPOTU, qual é percentagem revertida
para financiar os gastos públicos, através dos impostos, e qual a quantidade que vai ser
canalizada para o investimento projetos reabilitação e regeneração, não é possível
comparar a quantidade de verba, que é direcionada para estas atividades ou se a verba
disponibilizada por a LBPOTU, consoante o valor do imóvel. Valor esse que pode
aumentar devido a taxação geral das mais-valias segundo a LBPOTU.
No caso da proposta da dissertação, é possível diminuir a discrepância de valores entre as
diferentes zonas (gerando uma homogeneidade de valores entre as diferentes zonas).
Assim, facilita que o investidor tenha folga nos encargos e garante equidade entre
projetos, pois os objetivos já estão estabelecidos segundo os critérios de classificação.
Permitindo a ideia de construir onde tem mais interesses e não onde o terreno é mais
barato.
114
115
Capitulo 5 – CONCLUSÃO
5.1. Conclusões
Construir um outro modelo de desenvolvimento do município torna-se imperioso. É
indispensável aproveitar a capacidade instalada, a partir de várias realidades singulares.
Um modelo de desenvolvimento alternativo, construído a partir de políticas participadas
e dinâmicas, em interface interinstitucional, deve constituir uma outra linha de rumo.
Tem-se assistido a um modelo de ampliação de cidade a que não se reconhece coerência
ou articulação urbanística, que surge como um somatório de operações imobiliárias
avulsas em que se evidencia um desenho que não procura “fazer cidade”, antes tirar o
maior partido da rendibilidade especulativa do terreno, favorecendo alguns cidadãos em
detrimento de todos os outros. Esse tipo de gestão e (des)controlo tem feito com que a
cidade cresça em perda de carácter urbano, contrapondo-se ao hipervalorizado centro
histórico uma “periferia” progressivamente mais desqualificada e votada ao
esquecimento. Mas acontece que a “periferia” também é cidade de pleno direito. À
administração compete não negligenciar sectores da cidade no seu sentido lato, mas
pensá-los de uma forma equitativa e articulada, como uma estrutura multipolar em que
todas as partes contribuem para a valorização da urbanidade comum.
O PDM, a que todos os municípios estão obrigados por lei, deveria conter linhas
estratégicas e traduzir no território os seus ideais e a sua fundamentação, não o fez.
Limitou-se a ser um mero instrumento de gestão que tem servido para operacionalizar
ações específicas de iniciativa do Estado e, principalmente para, sem justificação aparente
que não a da mera especulação imobiliária, reclassificar áreas de solo rural em solo
urbano, dando origem a um parque habitacional excessivo, devoluto e em franca
deterioração. Estas têm sido ações que não só não trazem vantagens para o interesse
público como o delapidam, porque obrigam a uma rede infraestrutural que se revela
desmesurada e despesista e, sobretudo, invadem injustificadamente um território que se
poderia manter não edificado. Estas são ações de destruição de património ambiental.
116
É necessário criar condições espaciais que acolham e promovam um desenvolvimento
integrado socioeconómico no processo de urbanização, o que permita a regulação do
mercado e a retenção de mais-valias. Sem acautelar a disciplina de parametrização e
distribuição das respetivas mais-valias não é possível acautelar um desenvolvimento
sustentável da sociedade.
Por isso, para combater a especulação fundiária, é preciso criar uma divisão entre a
propriedade produtiva e a propriedade improdutiva, isto significa, uma divisão entre a
atuação nas mais-valias do imóvel ou nas mais-valias da localização. Isto não significa,
não taxar um imóvel, antes significa, perceber se queremos um desenvolvimento centrado
em rendas fundiárias ou um desenvolvimento que assenta no desenvolvimento de
qualidade dos nossos imóveis.
Com esta formulação, pode-se combater a especulação e incentivar o investimento dos
imóveis ao mesmo tempo.
A ideia que ressalta no LBPOTU de taxar de forma geral as mais-valias, canalizando para
um fundo de investimento geral, sem delinear áreas prioritárias, é desperdiçar recursos.
Não é investir massivamente em reabilitação e regeneração da cidade que permite um
caminho sustentável. Isto leva a um massacrar a estrutura central da cidade com
intervenções frequentemente superficiais e inadequadas. Estas operações traduzem-se
num desvario de dinheiros públicos e na perda de uma grande oportunidade para regenerar
efetivamente os centros urbanos, pensando-o não apenas como uma atraente cenografia
mas como infraestrutura essencial à cidade.
Por conseguinte, a uniformização dos valores das localizações concede liberdade ao
investidor para dinamizar as zonas urbanas e periurbanas, sendo os municípios em
articulação com as entidades admirativas e técnicas nacionais a promoverem essa
iniciativa.
Nesse sentido, esta dissertação pretende ser um contributo no combate à especulação,
através de uma nova metodologia na parametrização das mais-valias. Com esta nova
metodologia é possível alcançar um processo que dispensasse o uso de mecanismos que
podiam ser demorosos e complexos, simplificando o processo de compensação para um
117
sistema que articula uma compensação justa e não discriminatória. Esta simplificação,
evita com que o proprietário tenha a necessidade de ações judiciais, pois a localização e
os seus investimentos não perdem valor real.
Com a utilização do processo de parametrização proposto com este trabalho, fica
garantida a justa redistribuição dos encargos fiscais e a criação de fluidez nas transações.
Assim, dota o sistema fiscal, com uma ferramenta capaz de intervir diretamente, como
estimulo a oferta e a procura de áreas prioritárias que são capazes de uma forma
sustentável, dinamizar a cidade. Áreas estas que permitem reverter a tendência esporádica
e descontrolado do alargamento das cidades, fazendo um uso racional dos recursos.
Sendo possível constatar no caso prático, que a diferença de capital taxado entre a
metodologia simples do LBPOTU e a metodologia proposta não difere muito. Essa
diferença é devida a separação entre imóvel e localização, pois o LBPOTU taxa as mais-
valias englobando localização mais imóvel, enquanto a metodologia proposta, faz essa
separação, o que permite, que o imóvel não seja desvalorizado ou afetado, canalizando a
taxação nos ganhos da localização e nunca no imóvel ou nos gastos que o proprietário
teve, garantindo que não será taxado quando teve menos-valias. Canalizando assim, uma
percentagem das mais-valias para a reduzir o preço de localizações sobrevalorizadas.
Isto garante que o desenvolvimento da cidade é cumprido devido a um planeamento
dinâmico que incentive o investidor a desenvolver projetos que sejam do interesse
público.
Só através desta iniciativa e com objetivos definidos, é possível que o investidor tenha
liberdade para realizar um investimento no imóvel sem por em causa o cariz social e
ambiental. De outro modo o crescimento casuístico, ao sabor de um interesse
frequentemente vinculado a interesses particulares, sem que a administração afirmasse a
lógica do interesse público, poderá retomar ao ciclo de sobrevalorização/sobreprodução,
por sua vez, crise imobiliária/financeira.
Concluindo que a boa gestão de incentivos e/ou investimentos devem ter uma bússola
moral no sentido da estabilidade, para não se perpetuar a espada de Dâmocles.
118
5.2. Perspetivas futuras
A presente dissertação resultou de um estudo que incide sobre a uniformização do valor
das localizações para incentivar o desenvolvimento de políticas promotoras da
reabilitação e da regeneração das cidades.
Para que seja possível esta promoção é necessário um dinamismo de novos
conhecimentos, abrangendo a criação de legislação na avaliação sustentável de
localizações. O desenvolvimento de um algoritmo que possibilita a classificação de áreas
prioritárias é fundamental para incidir sobre as áreas de menor desenvolvimento
sustentável, capacitando os municípios com ferramentas que conjugam aspetos tão
díspares como transportes, áreas verdes por zona, densidade populacional, distribuição de
habitações sociais, etc.. Ao nível legislativo, o desafio é bastante elevado, devido a novos
mecanismos para produção de zonamentos municipais ou intermunicipais, mas,
assumindo-se como uma ferramenta de apoio ao amplo domínio do urbanismo.
Considerar uma metodologia de avaliação sustentável nacional, aplicada por os
municípios, que apenas incide sobre as localizações – distinguindo entre localizações e
imóveis – permite rever o atual urbanismo que manifesta uma progressiva ordem
disfuncional e anacrónico.
A sua implementação deverá ser simulada para o crescimento e amadurecimento de ideias
com vista à eficiência de recursos, necessitará de um novo fluxo de informação, para levar
a uma melhoria da parametrização do coeficiente afeto à localização dos imóveis. Assim,
é fundamental o desenvolvimento de uma relação de valores, entre as localizações a
normalizar. Para isso, é necessário uma recolha de dados de diferentes municípios, de
forma a estabelecer uma relação, entre o proprietário que é taxado na mais-valia e o
investidor que tem uma dedução fiscal no valor da localização, dando a possibilidade, de
adquirir a localização por um valor que não retire investimento no imóvel. Esse estudo,
pode servir também, como meio de comparação entre a nova Lei de Bases do Solo e a
anterior, de forma a saber se a parametrização das mais-valias trouxe benefícios, como
por exemplo, o aumento da fluidez na transação dos solos.
119
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