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ALUNO SURDO: IMPLICAÇÕES PEDAGÓGICAS NO CONTEXTO … · metodológicos que privilegiem a experiência visual na educação do aluno surdo. Assim, esse aluno, em processo de inclusão

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ALUNO SURDO: IMPLICAÇÕES PEDAGÓGICAS NO CONTEXTO ESCOLAR INCLUSIVO

Cecília Teresinha Grigio Francisco1

Tânia dos Santos Alvarez da Silva2

RESUMO É flagrante o desconhecimento sobre especificidades da educação de surdos na escola comum. Esse desconhecimento resulta na ausência de procedimentos metodológicos que privilegiem a experiência visual na educação do aluno surdo. Assim, esse aluno, em processo de inclusão escolar, é submetido aos mesmos recursos e procedimentos pedagógicos empregados no trabalho com os alunos ouvintes. Tais equívocos, resultantes de uma condução equivocada do ensino, geram sérios prejuízos para a aprendizagem e desenvolvimento do aluno surdo que vive a experiência da inclusão. Dessa forma, buscando fornecer elementos para a reflexão acerca das questões apontadas, este artigo revela o percurso e os resultados de uma investigação desenvolvida por meio de uma abordagem teórica e empírica. A pesquisa de campo foi desenvolvida em três estabelecimentos de Ensino da Rede Pública Estadual do Ensino Fundamental e Médio na cidade de Paranavaí - PR no decorrer do ano de dois mil e onze. Esse estudo teve o propósito de investigar as práticas pedagógicas adotadas por professores que contam em suas turmas com alunos surdos em processo de inclusão. Foram realizadas entrevistas estruturadas, que revelaram as representações dos professores acerca da surdez. Os dados colhidos apontam para a urgência de ações formativas que favoreçam a consolidação de práticas pedagógicas cada vez mais adequadas às necessidades de alunos surdos.

PALAVRAS CHAVE: Surdez; Libras; Inclusão.

1 INTRODUÇÃO

Este artigo é resultante de estudos teóricos e metodológicos realizados no

Programa de Desenvolvimento Educacional-PDE, ano de 2010 da Secretaria de

1 Professora da rede Pública Estadual / Núcleo Regional de Paranavaí-PR, com formação em Pedagogia e

especialização em Educação Especial. Professora do Programa de Desenvolvimento Educacional – PDE. 2 Professora do Departamento de Teoria e Prática da Educação / UEM - Orientadora do PDE.

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Estado da Educação-SEED-PR. Em sintonia com a filosofia do PDE, ao longo

desse estudo concebeu-se que o elemento essencial para a superação dos

problemas identificados na escola é o saber pedagógico.

A relevância dessa pesquisa está em aprofundar conhecimentos pertinentes

à educação de alunos surdos, oferecendo aos profissionais da escola inclusiva

subsídios que possam fundamentar a sua ação pedagógica na sala de aula. Dessa

forma, pretende-se favorecer o atendimento às necessidades educacionais do aluno

surdo incluso no sistema de ensino comum.

A pesquisa empírica envolveu três estabelecimentos de Ensino da Rede

Pública Estadual que adotam a proposta de inclusão de alunos surdos, na cidade de

Paranavaí – Paraná. São eles: Centro Estadual de Educação Básica para Jovens e

Adultos de Paranavaí (CEEBJA), Colégio Estadual Professor Bento Munhoz da

Rocha Neto e Colégio Estadual de Paranavaí. Todos ofertam o Ensino Fundamental

e o Ensino Médio.

O corpus do trabalho foi constituído por quinze professores atuantes e/ou

que já atuaram nestes estabelecimentos de ensino e que, no presente momento,

têm ou tiveram alunos surdos inclusos em suas salas de aulas. Realizaram-se

entrevistas gravadas que permitiram conhecer representações a respeito do ensino

de surdos: valor da língua de sinais e língua portuguesa, ensino-aprendizagem dos

conteúdos acadêmicos, uso de estratégias diferenciadas e adaptadas, conhecimento

de mundo do aluno surdo, leitura e escrita, inclusão escolar, presença e atuação do

intérprete e equipe pedagógica. O interesse por esse estudo encontra justificativa

na trajetória de longos anos da pesquisadora como intérprete de Libras no Sistema

Estadual de Ensino. Nessa atuação tem-se presenciado a fragilidade dos

professores que atuam diretamente com alunos surdos em relação aos

conhecimentos específicos sobre a surdez. A ausência de formação específica

nessa área de conhecimento impõe a esses educadores inúmeras dificuldades,

assim eles tendem a utilizar na sua prática os mesmos recursos e procedimentos

pedagógicos empregados no trabalho com os alunos ouvintes.

A dinâmica educacional da sala de aula comum no Brasil está organizada

para atender ao aluno ouvinte/falante, usuário da língua portuguesa. É

inquestionável que a maioria dos professores emprega como procedimento de

ensino a exposição oral. Assim, as situações de interação entre professor e aluno

são, via de regra, mediadas pela língua portuguesa. Tais interações, em geral, não

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são compreendidas pelo aluno surdo usuário de Libras. Para esse aluno a língua

portuguesa é aprendida como segunda língua. Em razão disso, ensinar esse aluno

torna-se um objetivo tão desafiador, quanto difícil de alcançar.

Em face à complexidade que envolve a educação do aluno surdo, a intenção

nesse estudo é pontuar algumas reflexões referentes às diferenças linguísticas e

culturais dessa população, de tal forma que se torne possível reconhecer a

singularidade que o diferencia do ouvinte, desmistificando pré-conceitos, mitos,

estigmas e posturas.

A qualidade da aprendizagem do aluno está intimamente relacionada com a

qualidade da mediação do professor que se materializa por meio dos processos

didáticos adotados. Portanto, assumir a educação de um aluno surdo requer que o

professor busque conhecimentos teóricos e metodológicos que possam minimizar os

problemas encontrados no cotidiano escolar.

Diante do exposto, questiona-se: Quais são os encaminhamentos

necessários ao atendimento pedagógico do aluno surdo usuário de Libras que vive a

experiência de inclusão na escola comum?

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA / REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

2.1 Educação de Surdos: aspectos históricos institucionais

A Constituição Federal de 1988 e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação

Nacional (Lei nº 9.394/96) estabelecem que a educação é direito de todos. Quando

se trata da Educação Especial, esse direito é garantido por legislação específica que

prevê o atendimento educacional especializado aos educandos com necessidades

educativas especiais, garantindo a matrícula “preferencialmente na rede regular de

ensino” como forma de incluir todos em um único sistema de ensino.

Respaldado na legislação vigente, o surdo nos grandes centros urbanos

pode optar pela escola especial ou pela escola comum, porém, a realidade da

maioria dos municípios pequenos não é essa. Nessas cidades brasileiras, a única

forma de se ter acesso à escolarização é por meio das escolas comuns inclusivas,

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as quais são compostas por uma maioria ouvinte, falante e usuária da língua

portuguesa.

A inclusão de alunos surdos no ensino comum impõe aos educadores uma

revisão profunda dos princípios e das práticas que envolvem as ações pedagógicas

no contexto escolar.

As pesquisas desenvolvidas no Brasil demonstram que ao longo do século

XX a instituição escolar não atendeu de forma adequada às necessidades de

aprendizagem e desenvolvimento do sujeito surdo. Essa realidade de fracasso é o

resultado de um complexo conjunto de representações sociais, culturais, linguísticas

e políticas, articuladas em determinado tempo histórico e tidas como verdadeiras.

Vários aspectos influenciaram negativamente a escolarização dos surdos.

Entre esses aspectos destaca-se a concepção de surdez como deficiência, que

deve ser combatida e “curada”. Por essa perspectiva o surdo é denominado

deficiente auditivo. Ao focar a deficiência auditiva, impondo a narrativa do ouvinte, a

escola tende a buscar métodos de oralização, com vistas a desenvolver a fala e

promover técnicas de leitura orofacial. Esse olhar sobre o surdo leva educadores a

buscarem assemelhá-lo aos ouvintes, em um ideal de sociedade homogênea.

Nessa concepção, a diferença linguística, decorrente da surdez, é negada.

O professor e pesquisador Carlos Skliar afirma que

foram mais de cem anos de práticas enceguecidas pelas tentativas de correção, normalização e pela violência institucional; instituições especiais que foram reguladas tanto pela caridade e pela beneficência, quanto pela cultura social vigente que queria uma capacidade para controlar, separar e negar a existência da comunidade surda, da língua de sinais, das identidades surdas e das experiências visuais, que determinam o conjunto de diferenças dos surdos em relação a qualquer outro grupo de sujeitos (SKLIAR, 1998, p. 07).

Sabe-se que essas concepções controversas (ligadas à defesa radical de

oralização dos surdos), reforçam que o surdo necessita superar a sua deficiência,

impedindo-o assim de construir sua identidade cultural.

Segundo Ronice Muller de Quadros, “[...] o ensino desenvolvido em muitas

cidades brasileiras por meio do oralismo sempre foi uma experiência desastrosa

para o desenvolvimento da linguagem e para a aquisição dos conhecimentos pelos

sujeitos surdos” (QUADROS, 1997, p. 22 e 23).

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A autora observa que nas escolas brasileiras, no período de hegemonia do

oralismo, foi comum a frequência de alunos surdos, por longos anos, nas séries

iniciais do ensino fundamental sem uma produção de escrita compatível com a

série. Além disso, os alunos da escola oralista consolidaram defasagens nas

diferentes áreas do conhecimento se comparados ao aluno ouvinte de mesma

série.As indicações dos altos índices do fracasso escolar registrados na vigência do

método oral nas escolas de surdos conduziram educadores e pesquisadores à

revisão das teses concernentes à educação de surdos. Nesse sentido, na tentativa

de maximizar as possibilidades de aprendizado e de inserção social do surdo, por

meio da ampliação de recursos comunicativos, surge o movimento da Comunicação

Total.

A filosofia da Comunicação Total consiste em permitir o uso simultâneo de

múltiplos meios de comunicação (entre eles a língua de sinais), com vistas a criar no

contexto escolar oportunidades de convívio social sem barreiras comunicativas, bem

como o acesso ao conteúdo escolar. Contudo, a despeito das boas intenções dos

seus defensores, estudos linguísticos revelaram que as práticas simultâneas de uso

de diferentes línguas descaracteriza a estrutura das línguas envolvidas, com

predominância da língua na qual o sujeito tem maior domínio e familiaridade.

Quadros (1993), fundamentada em Ferreira Brito, critica o uso do português

sinalizado, adotado nas práticas de Comunicação Total. A autora salienta que as

expressões faciais e movimentos da boca na Libras são impossíveis de serem

usados concomitantemente com a fala.

A inconsistência teórica do movimento de Comunicação Total e a

necessidade de superação do modelo oralista de educação de surdos conduziu

pesquisadores e educadores à adoção do bilinguismo. Na filosofia Bilíngue a surdez

é concebida como diferença. Essa proposta se fortalece, no mundo, na década de

1980 e, no Brasil, na década seguinte.

Segundo Quadros (1997, p. 27), trata-se de uma proposta de ensino usada

por escolas que se propõem a tornar acessível à criança duas línguas no contexto

escolar. Assim, os autores partidários da abordagem Bilíngue, no Brasil, defendem

que o surdo se aproprie o mais cedo possível da língua de sinais como primeira

língua, e da língua portuguesa na modalidade escrita, e se possível, também na

modalidade oral, como segunda língua.

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Com relação à apropriação da escrita, Silva (2008) observa que alguns

autores adeptos da abordagem bilíngue defendem que o surdo aprenda

primeiramente a escrita própria de sua língua de sinais. Assim, esses autores,

fundamentados na neuropsicologia cognitiva, propõem uma educação do surdo que

contemple a apropriação de um sistema para a representação gráfica das línguas

espaço-visuais, a escrita dos sinais, conhecida mundialmente como sistema

signwriting. Esse sistema permite que a escrita se materialize através de símbolos

visuais que representam as configurações das mãos, os movimentos, as

expressões e os deslocamentos corporais próprios das línguas de sinais.

O advento da escrita dos sinais põe os educadores de surdos diante de uma

língua de base visogestual, bem como de uma forma gráfica de representação

dessa língua. Esse conhecimento corresponde a um grande desafio para a escola

que se pretende inclusiva uma vez que a escrita dos sinais aproxima o surdo da

escrita, na medida em que considera a experiência visual diferenciada de sujeitos

surdos.

Perlin e Quadros (1997) advertem que ao promover a mediação de

conhecimentos científicos por meio da língua oral às condições oferecidas aos

alunos surdos se tornam desiguais, quando comparadas àquelas oferecidas aos

ouvintes. Segundo as autoras, a escola não respeita as especificidades do sujeito

surdo e trata-o como se fosse ouvinte. A língua portuguesa lhe é imposta como

língua de instrução e tal imposição traz sérias implicações e prejuízos ao aluno

surdo, permitindo assim que se instale uma exclusão silenciosa e velada.

2.2 Surdez: Língua de Sinais e Língua Portuguesa

A Língua Brasileira de Sinais (Libras)1 é uma língua natural que flui da

necessidade das pessoas que utilizam a modalidade espacial-visual de se

comunicarem.

Segundo Quadros e Karnopp (2004, p.47), “as línguas de sinais são

denominadas línguas de modalidade gestual-visual, pois a informação linguística é

recebida pelos olhos e produzida pelas mãos.”

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Essas línguas são desenvolvidas pelas comunidades surdas urbanas,

constituindo-se em línguas completas com possibilidades de expressão em

qualquer nível de abstração. Tais línguas guardam crenças, valores sociais e

culturais, marcas que influenciam substancialmente na constituição e formação do

sujeito surdo.

Até pouco tempo a língua de sinais, por ser extremamente diferente da

língua oral - considerada padrão - era proibida aos surdos na escola pelos

professores e, em casa, pelas famílias. Assim, o surdo era submetido e forçado à

aprendizagem da língua portuguesa oral como primeira língua. Como ele, na

imensa maioria das vezes, não atingia o padrão de fala esperado, era considerado

como “deficiente”. Partindo dessa concepção atribuía-se à surdez a culpa pelo

insucesso e não aos encaminhamentos teóricos e metodológicos utilizados para

formação e instrução do aluno surdo.

Apesar de todo o movimento contrário, a língua de sinais sobreviveu em

todo o mundo. Sacks afirma que “havia proibição quase doentia da língua de sinais,

porém os sinais floresciam na escola, irreprimíveis apesar dos castigos e

proibições” (1990, p.26).

Nem todo surdo utiliza a língua de sinais como forma de comunicação, isso

porque, nem todos têm contato com usuários fluentes em Libras. A privação dessa

leva-os a utilizar gestos e mímicas com a finalidade de serem compreendidos. No

entanto, a mímica espontânea não corresponde à língua de sinais. Em passado

recente prevalecia a ideia de que a língua de sinais, ou a “mímica”, como era

denominada, só poderia conceituar objetos concretos, hoje, as línguas de sinais

são cientificamente reconhecidas como línguas genuínas, de modalidade espaço-

visual, com estruturas independentes da língua oral.

Nesse contexto, Quadros afirma que

[...] as línguas de sinais são sistemas linguísticos que passaram de geração em geração de pessoas surdas. São línguas que não são derivadas das línguas orais, mas fluíram de uma necessidade natural de comunicação entre pessoas que não utilizam o canal auditivo-oral, mas o canal espaço-visual como modalidade linguística (QUADROS, 1997, p. 47).

Lacerda (2006, p.177) afirma que a língua de sinais é fundamental, pois

sem ela, as interações humanas profundas seriam impossíveis para o surdo. A

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língua de sinais permite falar de sentimentos, de emoções, de dúvidas e de

variados pontos de vista.

O ingresso do aluno surdo num ambiente acadêmico inclusivo impede-o de

interagir com seus pares para fortalecimento de sua língua, identidade e

comportamentos que moldam seu modo particular de ser, ou seja, próprio da

cultura surda.

Estudos da área da linguística apontam que as interações dialógicas são

essenciais para o desenvolvimento e a aprendizagem. Sendo assim, a língua de

sinais – língua que não apresenta barreiras sensoriais ao surdo – se apresenta

como um caminho para o surdo ter acesso à língua portuguesa e aos

conhecimentos escolares e sociais.

Todos os professores que trabalham com surdo incluído na escola comum,

que fizeram parte da pesquisa, conhecem a língua de sinais, porém não a usam e

não a compreendem, salvo alguns sinais isoladamente. Ao questionarmos o valor

que essa língua ocupa na vida do surdo, os professores relataram:

[...] é tudo, é a maneira dele se comunicar (profª T.) [...] [...] é a forma que eles se comunicam, eu comunico com a voz e eles com as mãos. (profª N.) [...] é tudo, para eles é o mesmo valor que a língua portuguesa tem para nós. (profª S.)

Os professores em seus depoimentos empregam evasivas e se limitam a

destacar a importância fundamental que a língua de sinais ocupa na vida do surdo.

Tais afirmações em certo sentido se atrelam ao mito de que ao ter acesso à Libras,

o surdo brasileiro alcança a solução para eventuais problemas relacionados à

surdez. Em outros termos, o acesso à Libras, segundo suas concepções, seria

suficiente para o aprendizado do conteúdo escolar. Ao assumirem tal posição os

professores parecem não perceber que o processo de ensino e aprendizagem

dirigido ao surdo requer procedimentos específicos, se comparados ao ouvinte.

Na escola comum, que atende a uma maioria ouvinte, o trabalho com os

conhecimentos científicos é, em geral, precedido pelo domínio da língua materna

por parte dos alunos. Esse pré-requisito para a aprendizagem nem sempre está

presente no aluno surdo. Contudo, os professores não se atentam para os entraves

resultantes de uma experiência escolar por meio da qual os conteúdos escolares

são apresentados com exclusividade na língua portuguesa.

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É necessário ressaltar que a língua de sinais no espaço escolar, por si só,

não assegura o desenvolvimento dos conteúdos sistematizados, se assim fosse, o

ouvinte falante de uma língua materna não teria problemas relacionados à

aprendizagem, já que domina desde os anos iniciais de vida, sua língua oral.

Os professores do ensino comum foram indagados sobre o valor da língua

portuguesa na vida do surdo e obtivemos os seguintes relatos:

[...] é importante porque ele vive no mundo dos ouvintes... (profª T.) [...] para fazer parte do grupo ouvinte ele precisa do português... (profª C.) [...] eles precisam da língua portuguesa para poder caminhar melhor na sociedade. (profª F.)

As respostas destacadas nos levam a entender que é fundamental que os

professores compreendam que para o aluno surdo o português é uma língua

estrangeira e de difícil compreensão. É importante frisar que a língua de sinais, a

primeira língua internalizada pelo surdo, constitui-se como base para o aprendizado

da língua portuguesa e que, ao iniciar sua vida escolar, como já foi mencionado,

muitos não dispõem de nenhuma das duas.

Desconhecendo as implicações pedagógicas que envolvem o uso de duas

línguas no processo de ensino do aluno surdo, os professores, pressupondo uma

experiência linguística baseada na modalidade da língua oral, seguem os mesmos

encaminhamentos e recursos utilizados com o ouvinte falante de português.

O surdo inserido numa sociedade, onde a maioria é usuário da língua

portuguesa, geralmente é discriminado pela sua condição, portanto, é determinante

tornar-se bilíngue, no sentido de usufruir de seu direito de cidadania e ser

respeitado em relação à sua diferença.

Nessa perspectiva, Quadros enfatiza:

O ensino da língua portuguesa, como segunda língua para surdos, baseia-se no fato de que esses são cidadãos brasileiros, têm o direito de utilizar e aprender esta língua oficial que é tão importante para o exercício de sua cidadania ( QUADROS, 2006, p.17).

A surdez não se configura como um impedimento à aprendizagem, desde

que respeitadas as particularidades do aluno surdo, sobretudo quando esse é

usuário de uma língua viso-espacial.

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A condição bilíngue do surdo pode ser alcançada pelo aprendizado da modalidade

escrita da língua portuguesa. Dominar a língua portuguesa é imprescindível para

que o surdo tenha acesso aos conteúdos escolares nas diferentes disciplinas que

compõem a grade curricular escolar e que se materializam por meio da escrita

dessa língua.

2.3 Surdez: linguagem e pensamento

Eulália Fernandes (2003) afirma que a linguagem é determinante para o

desenvolvimento da cognição e da consciência do sujeito, porque o equipa com

recursos que possibilitam estruturar, organizar e interpretar a realidade. Para isso,

o sujeito depende de seus sentidos e é através deles que entra em contato com os

estímulos que o cercam e, a partir das informações e experiências captadas, passa

a construir e elaborar conceitos, pensamentos e saberes. A ausência de um dos

sentidos, especificamente, o da audição - a surdez - priva o sujeito de uma

infinidade de informações, o que implica num conjunto de dificuldades em

interpretar o meio, visto que o surdo está imerso em contexto social que privilegia o

uso da língua falada. Fernandes aponta para as consequências da surdez num

ambiente extremamente pobre de interações sociais. Diz a autora:

[...] quem está privado de audição, desde o nascimento ou a partir da tenra idade, não poderá ser a mesma de um ouvinte normal, visto serem muitos processos que dependem do sentido auditivo em termos de aprendizagem e constatações do universo, das pessoas e das coisas que o cercam (FERNANDES, 2003, p. 43).

Os professores que fizeram parte dessa pesquisa foram indagados sobre se

o aluno surdo apresenta conhecimento de mundo em nível semelhante aos colegas

ouvintes da mesma idade. De modo geral, eles constatam uma diferença, outros

relatam dúvidas, e alguns afirmam não saber responder. Não estabelecem relação

entre surdez e dificuldades no desenvolvimento da linguagem. Assim, evidenciam

desconhecer que o atraso no desenvolvimento da linguagem exibido pelos surdos

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gera prejuízos, com impacto direto na possibilidade de aquisição de conhecimentos.

Vejamos os relatos perplexos dos professores, por desconhecerem a

importância da apropriação de uma língua materna para a formação e

desenvolvimento do aluno surdo:

[...] o ritmo [da aprendizagem do aluno surdo] é completamente diferente, coisa simples que eu achava que jamais teria que explicar, eles não sabiam. (profª T.) [...] eu vejo que tem muita diferença, coisas básicas eles não sabem, às vezes eu assustava com as perguntas que eles faziam, eu nunca imaginava que eles não soubessem determinados conceitos... (profª C.)

Esses relatos revelam que os professores da escola comum desconhecem

os efeitos da privação de uma língua na vida intelectual e social do aluno surdo. A

apropriação da língua, seja oral ou visual, apresenta-se como um dos principais

fatores responsáveis pelo processo de desenvolvimento humano. Quanto mais

intenso o domínio da língua, melhores serão as oportunidades de desenvolvimento

de estruturas cognitivas do sujeito. Desse modo, a privação linguística interfere

significativamente na formação de conceitos, na estruturação e organização do

pensamento desde os primeiros anos de vida.

Frequentemente, na escola inclusiva, o surdo tem oportunidades reduzidas

de questionar e obter respostas naturalmente como o falante da língua portuguesa

oral. Desse modo, se comparado com o ouvinte, o surdo experimenta interações

comunicativas restritas, mesmo com a presença do intérprete.

Vilhalva, professora surda, retrata os efeitos da inteligência aprisionada. Em

decorrência da surdez, confinada ao mundo imediato, não havia meio pelo qual

pudesse adquirir, compartilhar e trocar as informações visualizadas:

[...] o meu mundo era feito visualmente como se a caixinha que tinha dentro da minha cabeça estava ficando cheia, pois tudo que olhava era como se tirasse uma fotografia e ia guardando, assim ficava por muito tempo guardada as imagens paradas. ... [...] os meus olhos conseguiam registrar muitas coisas mesmo sem elaboração ou mesmo não sabia como utilizar tantas coisas que eu via... [...]. demorei muito para entender que eu, as pessoas, as coisas tinham nome. [...] eu tinha necessidade que me explicasse os mais simples detalhes da vida, como ela é e o porquê dela ser (Vilhalva, 2004, p 9-10-14.).

Impedidos biologicamente de ouvir, antes da aquisição de uma língua, os

surdos ficam limitados tentando compor uma explicação visual para os fenômenos

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que observam. Esse período que antecede a apropriação da língua se configura

como momento de isolamento intelectual e acarreta, na vida do surdo, perdas

irreparáveis rumo à construção do conhecimento.

Selecionamos, na sequência, mais algumas representações dos professores

acerca do conhecimento de mundo exibido pelo surdo e as comparações tecidas por

eles sobre as semelhanças e diferenças identificadas entre os colegas ouvintes e

surdos da mesma idade.

Acredito que seja só na comunicação é diferente, porque ele tem acesso e capta as informações do mundo equivalente a dos ouvintes. (profª J.) [...] dá para perceber uma diferença para mais ou para menos... eu acredito que pelo fato de estarem na frente da TV, internet... acho que caminham juntos. (profª I.)

É possível inferir que as interações comunicativas limitadas entre

professores ouvintes e alunos surdos na sala de aula não permitem ao professor

perceber o distanciamento entre as experiências vividas pelo surdo e por seus

alunos ouvintes. Desse modo, o professor tende a ministrar suas aulas sem buscar

possibilidades alternativas para aproximar o surdo do conhecimento.

Os professores entrevistados foram questionados sobre o desempenho dos

alunos surdos na escola. Os depoimentos coletados dividem-se em dois grupos: o

primeiro está centrado na perspectiva de que os surdos são lentos para resolver as

atividades propostas na sala de aula e, o segundo, ancora-se nos resultados das

avaliações feitas pelo surdo. Seguem relatos obtidos na entrevista com os

professores do primeiro grupo:

[...] são muito lentos, eles precisam de mais tempo e mais paciência.

(profª I.)

[...] as metodologias e recursos que eu usei percebi que não foram

suficientes... eles precisam de mais tempo. (profª F.)

[...] da forma que está, não atinge os objetivos propostos... o ritmo

dele é diferente ... eu não sei se é melhor eles estarem junto ou

separados, tenho dúvidas... (profª E.)

Pelos depoimentos, os professores entrevistados declaram que o aluno

surdo não responde ao mesmo ritmo do aluno ouvinte. No entanto, a organização

didática na escola comum se materializa a partir da estrutura da língua portuguesa.

Por essa organização do ensino, o surdo tem contato com duas línguas

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simultaneamente. Essa condição impede-o de caminhar no mesmo ritmo que o

aluno ouvinte, que tem acesso direto à informação do professor. Na sequência

apresentamos relatos obtidos na entrevista com os professores referentes ao

segundo grupo:

[...] eu percebia nas avaliações, às vezes eles escreviam coisas que não tinha nada relacionado com os conteúdos trabalhados. (profª F.) Nas avaliações observo que falta muito, eu não consigo ter uma visão geral da apropriação dos conteúdos... (profª E.) [...] até o momento não houve nenhum retorno, nem tentativas de se construir o trabalho, as produções que eu consegui foi com a ajuda do intérprete... (profº L.)

As atitudes dos professores, reveladas nas falas apresentadas, indicam que

a ausência de interação espontânea por meio da língua oral com os alunos surdos

durante o percurso das aulas impossibilita uma leitura mais aprofundada do

rendimento acadêmico. Assim, ancorados em uma concepção tradicional de

avaliação, os professores recorrem ao instrumento que conhecem para conferir a

aprendizagem do aluno surdo em relação aos conteúdos ministrados: a prova

escrita.

Fernandes (2006, p. 7) aponta que, pelo fato de o professor não estabelecer

uma comunicação efetiva com o surdo incluso, fica impossibilitado de realizar uma

análise do rendimento escolar desse aluno. Assim, o professor se “acomoda com o

produto apresentado: a cópia” e segue em frente.

O depoimento que segue parece camuflar o fracasso, anunciando um

sucesso que a experiência e a bibliografia da área não confirmam, uma vez que não

refere queixas acerca de apropriação conceitual ou dificuldades linguísticas do aluno

surdo:

[...] na minha disciplina eles aprendem mais ou menos 70% a 80% dos conteúdos trabalhados em sala, o caderno é uma perfeição, eles fazem bonito, maravilhoso. (profª I.)

Nesse relato percebe-se que o professor não observa as dificuldades

inerentes ao processo ensino-aprendizagem do aluno surdo impostas pelo sistema

de ensino comum. Entretanto, a inclusão escolar do surdo não implica em aceitar

qualquer trabalho, ou omitir e simplificar os conteúdos em função da dificuldade de

comunicação. As propostas de ensino precisam ser equivalentes em qualidade às

do ouvinte, só que com percursos diferenciados que priorizam a experiência visual.

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Vejamos as declarações dos professores sobre o assunto:

[...] trabalho de forma diferenciada com metodologia visual e dando uma atenção diferenciada para que isso ocorra. (profª A.) [...] toda vez que eu planejo a minha aula eu penso no aluno surdo. Trabalho com o mesmo conteúdo e material didático, mas diferencio nos encaminhamentos, algumas atividades que eu entendo que são possíveis e importantes para o aluno surdo eu trabalho igual... (profª S).

Verifica-se nessas representações que alguns professores mostram-se

receptivos e se esforçam para atender o aluno surdo incluso, embora não explicitem

quais seriam essas adaptações referidas. Schneider (2006) em sua pesquisa a esse

respeito conclui que os professores que atendiam alunos surdos tinham a vontade

de propor um ensino inclusivo, no entanto, não tinham condições de realizá-lo na

prática.

Lacerda (2000 p. 56) ressalta que na busca de solucionar os problemas

decorrentes da inclusão, estudiosos defendem que “deve haver um reconhecimento

de que os alunos surdos necessitam de apoio específico, de forma permanente ou

temporária para alcançar os objetivos finais da educação” e que as medidas

adaptativas e os recursos especiais precisam ser cuidadosamente selecionados

para que a inclusão resulte em aproveitamento escolar.

Vejamos a denúncia na fala de um professor:

[...] como esses alunos chegaram ao ensino médio, sem condições, foram empurrados por uma questão de coitados, ou por méritos próprios. Até onde estamos contribuindo realmente para o processo escolar de autonomia? Ou será que com isso, vão ser mais prejudicados do que ajudados? O que vamos fazer, vamos empurrar, retê-lo, qual é o limite dele? Essa é uma questão complicada, e uma questão ética... (profº L.).

Por esse depoimento observamos a aflição do professor diante da escola

inclusiva atual. Faz-se necessário refletir sobre o tipo de prática que vem sendo

estabelecida e os resultados decorrentes dela. Isso implica em construir novos

encaminhamentos metodológicos que contemplem a ética e o respeito às

diferenças.

Os professores foram questionados quanto ao uso dos recursos didáticos,

estratégias diferenciadas e adaptadas ao aluno surdo nas suas aulas. Eis alguns

relatos:

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[...] eu percebi que tem encaminhamentos didáticos que não funcionam com os surdos... (profº J.)[...] as metodologias e recursos que eu usei percebi que não foram suficientes... (profª F.).

Outras declarações revelam atitudes contraditórias, ao mesmo tempo em

que os professores afirmam que necessitam de processos diferenciados, não

modificam a prática por conceberem que o uso de recursos adaptativos se

constituiria em atitude discriminatória.

[...] será que eu posso fazer uma avaliação diferenciada, penso... como os demais alunos vão se sentir, excluídos... (profª E.) [...] apresentava o conteúdo de maneira geral para todos e utilizava os recursos que tinha disponível, nada adaptado e nada específico. (profª I.). [...] trato todos igualmente, não existe diferença nos encaminhamentos em sala , eu não quero discriminação. (profª M.) [...] eu não mudo a metodologia só por causa do aluno surdo, como fica a inclusão, não posso tratá-los diferentes... (profª N.)

Mediante esses relatos, fica evidente a omissão da escola frente às

incertezas dos professores em relação aos procedimentos metodológicos

necessários à inclusão de alunos surdos. Essa postura equivocada tem efeito direto

na aprendizagem do aluno surdo. Nesse sentido, ao tratar o aluno surdo como se

ele fosse ouvinte, acaba-se por negar-lhe o direito de aprendizagem na sala de aula

comum.

Os depoimentos revelaram também um descompasso entre professor,

equipe pedagógica e proposta inclusiva, como se pode verificar na seguinte

afirmação: “Não modifiquei a minha prática, porque fui orientada pela equipe

pedagógica que era para eu trabalhar o mesmo conteúdo e forma para todos... (profª

T.).” Esse depoimento reforça a ideia de que o desconhecimento sobre o tema em

questão alcança os diferentes segmentos da escola. Dessa forma, as necessidades

escolares desse aluno são negligenciadas e suas dificuldades acentuadas. A

respeito do fracasso escolar do aluno surdo, Skliar (1998, p.18) afirma que o

fracasso escolar não é fracasso do surdo, é “... fracasso da instituição–escola, das

políticas educacionais [...]”.

Sabe-se que o conhecimento escolar transforma o aluno, e essa

transformação só é possível quando este dispõe de uma língua e propostas

pedagógicas adequadas para atender às suas especificidades e necessidades. Por

esse raciocínio, o ensino não terá qualidade se não oferecermos condições

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propícias para que o trabalho docente se efetive. Assim, a educação do aluno surdo

no mesmo ambiente que o ouvinte requer que a prática escolar seja analisada e

refletida por todos, no sentido de reverter ou minimizar os problemas aqui discutidos.

2.4 Surdez e inclusão escolar: o papel do intérprete

A efetivação da proposta bilíngue no ensino comum exige a presença do

profissional intérprete de língua de sinais como ferramenta humana capaz de

promover a mediação entre o surdo e as pessoas que desconhecem a língua de

sinais. Sem a presença desse profissional, o surdo apresentará dificuldades para

apropriar-se dos conteúdos acadêmicos e ter acesso às informações veiculadas na

língua falada.

Documentos editados pela Federação Nacional para a Educação e

Integração do Surdo (FENEIS, 1994) sinalizam que o intérprete deve manter-se

neutro na interpretação da língua oral e escrita (português) para a língua de sinais e

da língua de sinais para a língua oral e escrita (português). Além disso, os

documentos orientam que o intérprete tenha conhecimento sobre a cultura surda,

sobre as implicações da surdez no desenvolvimento do sujeito surdo, sobre seu

compromisso com o sigilo e com a fidelidade da mensagem interpretada.

Os professores entrevistados foram questionados a respeito de quem é o

responsável pela aprendizagem do aluno surdo na sala de aula. Os dados obtidos

revelam que a maioria atribui ao intérprete, em parceria com o professor, parte da

responsabilidade pela aprendizagem do aluno surdo:

O intérprete e professor são responsáveis pela aprendizagem do aluno (profª N.) A responsabilidade é de todos os envolvidos professor, intérprete e aluno... (profª R.) [...] no caso do aluno surdo a aprendizagem se dá com o professor, com o intérprete e o aluno. (profª A.)

Sobre esse tema, Lacerda confirma que

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[...] existe um conflito no espaço na sala de aula, o intérprete ora é vistocomo aquele que interpreta simplesmente, ora como aquele que também é responsável por aspectos educacionais, ocorre em geral em situações que o professor se sente incapaz de fazê-lo.” (2002, p. 10)

A escola inclusiva, de forma equivocada, tem por vezes sustentado a ideia

de que ao viabilizar o acesso à língua de sinais, por meio da presença do intérprete

na sala de aula, está oferendo os recursos suficientes para garantir que o surdo

aprenda os conteúdos escolares formais, em condições de igualdade com o aluno

ouvinte.

Lacerda (2000) esclarece que a presença do intérprete não assegura o

sucesso escolar do aluno surdo. Isso porque é preciso que a escola esteja atenta às

questões de ordem curricular e metodológica, levando em conta a surdez e os

processos especiais dela decorrentes, que singularizam as condições de acesso ao

conhecimento dessa minoria linguística. A autora adverte ainda que o papel do

intérprete na sala de aula não deve ser confundido com o papel do professor. Por

vezes, o professor opta por transferir ao intérprete a responsabilidade sobre o aluno

surdo.

[...] o professor consulta o intérprete a respeito do desenvolvimento do aluno surdo, como sendo a pessoa mais indicada a dar um parecer a respeito [...] os alunos dirigem questões diretamente ao intérprete, comentam e travam discussões em relação aos tópicos abordados com o intérprete e não com o professor (LACERDA, 2000, p.60).

O espaço da sala de aula pertence ao professor que tem função central na

mediação do processo de aprendizagem, sendo de sua responsabilidade a decisão

sobre os encaminhamentos pedagógicos. Ao intérprete cabe assumir as funções

comunicativas, intermediando as duas línguas com competência. Os papéis são

absolutamente diferentes e precisam ser distinguidos e respeitados.

Um dos depoimentos chama a atenção para a responsabilidade que tem o

intérprete de favorecer a aprendizagem do aluno, por meio de uma interpretação

eficiente, menciona: “no meu ponto de vista o intérprete também é responsável pela

aprendizagem do aluno, quanto à veracidade da tradução, por exemplo... “(profº L.).

A preocupação externalizada pelo professor L. procede. A interpretação do

português para Libras é bastante complexa e nem sempre o intérprete possui o

preparo necessário. Uma interpretação eficiente exige amplo conhecimento das duas

línguas interpretadas, o que implica na exigência de saberes fundamentados, como

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as diferenças culturais, a visão de mundo, as expressões idiomáticas, os dialetos e

as variantes que compõem a língua.

As pesquisas nessa área têm mostrado graves problemas relacionados às

estruturas linguísticas utilizadas, omissão ou acréscimo de informações dadas na

língua fonte, distorções semânticas e pragmáticas e escolhas lexicais inapropriadas,

entre outras (BRASIL - MEC, 2002).

Segundo Lacerda (2002), esse profissional, pela falta de formação

específica, aliada a um trabalho isolado na instituição escolar, restringe sua

formação à aquisição de habilidades básicas, mas insuficientes, para o desempenho

de sua função, não atendendo às necessidades e dessa forma, gerando mais

transtorno para o aprendizado do aluno surdo.

[...] no modelo inclusivo a maioria dos intérpretes trabalham sozinhos, não possibilitando trocas, geralmente esse não é avaliado por ninguém, e [...] erroneamente os problemas relacionados à aprendizagem acabam sendo atribuídos ao surdo (LACERDA, 2002, p.4).

Outro aspecto a ser destacado é quanto à formação do intérprete que atuará

em segmentos escolares mais elevados da educação básica. A interpretação de

conteúdos científicos, e de grande complexidade das diversas áreas do

conhecimento, exige o domínio de conhecimentos teóricos suficientes para

comunicá-los com competência. Uma interpretação insatisfatória apresenta-se como

obstáculo para o trabalho e a aprendizagem do aluno surdo. Nesse sentido, Rosa

(2005, p. 180) enfatiza que “a presença do intérprete pode mascarar a inclusão que

exclui”.

2.5 A Inclusão de alunos surdos sob o olhar dos professores entrevistados

Os professores entrevistados nessa pesquisa, ao serem indagados sobre

como analisam a inclusão do aluno surdo no sistema de ensino comum, expressam

as dificuldades vivenciadas quotidianamente na sala de aula. Diante dos relatos

percebemos que a inclusão tem gerado intensos conflitos nas instituições escolares.

Apresentamos algumas falas a esse respeito:

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[...] apesar de dez anos de inclusão nessa escola, ainda vejo que não estamos preparados... dificilmente o professor modifica sua prática diante do aluno surdo, ainda é o quadro e o giz. Sou contra (profª N.). A inclusão quer tratar todos iguais, eu não aceito, mesmo contrariada eu tenho que trabalhar com esse aluno... (profª G.) [...] por conta da inclusão, tive situações delicadas com um colega de trabalho, ele questionava minha postura em sala de aula que eu dava mais atenção ao surdo, assim o desenvolvimento da aula não rendia... (profª B.)

Os relatos apresentados mostram que mesmo não compactuando com a

proposta inclusiva, alguns professores se submetem contrariados a essa

determinação, pela força da lei. Essa resistência, em certo sentido, reflete-se na

sala de aula, onde as práticas não se modificam. O aluno tem o acesso à escola,

porém sem beneficiar-se dela. Ocorre que, no processo de escolarização, o aluno

surdo é, por um lado, privado de informações e, por outro, poupado de uma série de

exigências. A conduta adotada é a promoção do aluno de uma série para outra,

sem que esse tenha o conhecimento adequado, consolidando o fracasso escolar e

social.

Por vezes, diante das dificuldades elencadas, os alunos simulam a

aprendizagem como estratégia para a sobrevivência no contexto escolar, ou seja,

fingem para participarem e serem aceitos no grupo dos ouvintes.

Góes e Tartuci (2002) investigaram como alunos surdos incluídos na rede

escolar participam dos acontecimentos da sala de aula. Constataram que, devido à

ausência de uma língua comum, o professor não consegue estabelecer diálogo,

efetivando os procedimentos pedagógicos uniformes para toda a classe como se

todos fossem ouvintes. Salientam ainda que o surdo é induzido a comportar-se

como a maioria dos alunos ouvintes. A inserção do aluno surdo nas classes comuns

não resulta necessariamente em aprendizagem e desenvolvimento.

As autoras Silva e Favorito pontuam que o surdo incluso não se beneficia de

interações comunicativas como os ouvintes.

[...] a construção do conhecimento demanda um processo de trocas discursivas entre os participantes (professores e alunos) e, nesse esquema interacional (professor/intérprete/aluno), a participação do aluno está impedida ou sofre restrição. Os surdos precisam fixar os olhos no intérprete para não perderem informações e, na prática, é muitas vezes difícil concatenar o fluxo para atender às possíveis interferências dos alunos surdos (SILVA E FAVORITO, 2008, p.35 -36).

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Nesse processo inclusivo, a comunicação estabelecida entre professor e

aluno surdo não é suficiente em razão da ausência de uma língua comum em que

ambos possam interagir. As discussões que naturalmente ocorrem na sala de aula

com os ouvintes não alcançam o surdo, que fica excluído. As dúvidas, os desejos,

as conversas nas entrelinhas, os posicionamentos maliciosos e até sutis, não se

efetivam ou ocorrem com restrição e precariedade para o surdo.

Lacerda tece críticas ao modelo de inclusão do surdo, praticado por parte

expressiva das escolas. Nesse sentido afirma:

Os dados deste estudo indicam o quanto um modelo, ainda que considerado inclusivo por seus participantes, pode não ser nada inclusivo. O aluno surdo, apesar de presente (fisicamente), não é considerado em muitos aspectos e se cria uma falsa imagem de que a inclusão é um sucesso. As reflexões apontam que a inclusão no sistema de ensino é muito restritiva para o aluno surdo, oferecendo oportunidades reduzidas de desenvolvimento, desconsiderando aspectos fundamentais (lingüísticos, sociais, afetivos, de identidade, entre outros) que se desenvolvem apoiados nas interações que se dão por meio da linguagem. A não partilha de uma língua comum impede a participação em eventos discursivos que são fundamentais para a constituição plena dos sujeitos (LACERDA, 2006, p.181).

Face ao exposto é possível perceber que a educação do surdo e em

especial a educação inclusiva enfrenta sérios conflitos. O surdo é inserido na sala de

aula comum, onde as interações linguísticas e cognitivas são bastante limitadas. A

despeito dessa situação, cria-se a ideia de que a inclusão, como denuncia Lacerda

(2006), é um sucesso. Afirmar o sucesso da inclusão do surdo no ensino regular é,

em grande medida, o resultado de uma interpretação superficial, enganosa e

bastante ingênua. Contrariando o temor referido pela autora, alguns professores

entrevistados apostam na proposta inclusiva, como podemos confirmar nos relatos a

seguir “[...] a inclusão de surdos eu acho normal, eles estão sempre ensinado sinais

para os ouvintes”. (profª P.), “[...] um dos avanços na educação foi a inclusão, ele faz

parte desse processo como cidadão. Nada de serem separados! (profº L.).”

Para Lacerda (2000),

[...] o aluno surdo continua à deriva, apreendendo aquilo que lhe é possível, em meio às diversidades. ... Continua sendo um aluno incluído diferenciado, não por ser atendido por um projeto educativo especial, mas por sua posição de estrangeiro em sala de aula (LACERDA, 2000, p.82).

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Corroboramos o pensamento de autores da área da surdez que percebem

na inclusão obrigatória um desrespeito aos direitos do alunado surdo, mesmo com a

disponibilização do profissional intérprete. Já para Skiar, “os surdos têm o direito a

passar por um processo educativo natural que valorize sua identidade enquanto

surdo. Isto tudo só é possível em uma escola de surdos” (1998, p.190).

2.6 Equipe pedagógica e a inclusão do surdo no ensino comum

Conforme o artigo 31 do regimento vigente da rede de ensino básico do

Estado do Paraná (2010, p. 27), a equipe pedagógica “é responsável pela

coordenação, implantação e implementação no Estabelecimento de Ensino, do

Projeto Político Pedagógico em consonância com a política educacional e as

Diretrizes”. Desse modo, a equipe pedagógica assume o papel de mediadora e

articuladora de procedimentos didático-pedagógicos, subsidiando teórica e

metodologicamente as discussões e reflexões acerca da organização do trabalho

pedagógico.

Destarte, o que está registrado na proposta curricular, no projeto político

pedagógico e no regimento escolar da instituição, em relação ao atendimento ao

aluno surdo incluso, não acontece na prática, fica somente nos documentos legais.

Rosa (2005) esclarece que:

[...] a escola não se modifica, como prevê os documentos de inclusão em razão da presença do aluno surdo; ao contrário, esse aluno “ajusta” ao modelo educacional vigente. Ao se transformar o aluno surdo em “igual”, cria-se a ilusão de que a inclusão não demanda uma situação especial dentro da escola regular (ROSA, 2005, p.187).

Muitas vezes o professor é uma figura solitária nesse processo de inclusão,

recaindo sobre ele a responsabilidade sobre o ensino e a aprendizagem do aluno

surdo, como se ele tivesse o poder para, sozinho, resolver os percalços desse

processo.

Os professores entrevistados foram questionados se, ao entrarem em sala

de aula, tinham conhecimento da presença do aluno surdo e se foram orientados

pela equipe pedagógica sobre como proceder em relação ao aluno.

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Contudo, as respostas coletadas apontam para um desconhecimento em

relação às necessidades educacionais de alunos surdos, também por parte da

equipe pedagógica. Em geral, esse desconhecimento se assemelha ao que é

exibido por parte expressiva dos professores.

A esse respeito, obtivemos as seguintes declarações:

[...] não tive nenhum encaminhamento, quem passou a novidade foi a intérprete. (profª F.) [...] só foi comunicado que eu teria aluno surdo em minha sala. (profª S.) [...] cheguei na sala e encontrei o aluno surdo, não recebi nenhuma orientação. (profª C.) [...] ao encontrar o aluno surdo na sala fui questionar com a equipe pedagógica e disseram que isso fazia parte... não era para me preocupar porque tinha intérprete. (profº J.)

Os relatos destes professores demonstram que estão solitários na tomada

de decisões sobre encaminhamentos com os alunos surdos. É certo que as

dificuldades enfrentadas pela equipe pedagógica, e que se refletem nas

possibilidades de trabalho dos professores, estão atreladas a diversos fatores, como

estrutura organizacional do sistema educacional e da escola. Contudo, isso não

desobriga essa equipe de articular encaminhamentos para minimizar os obstáculos

enfrentados pelo professor na prática escolar. Na compreensão dos professores, a

equipe pedagógica não tem assumido suas responsabilidades de mediadora e

articuladora no processo inclusivo do surdo. A rigor, a escola comum enfrenta uma

gama imensa de dificuldades que obriga os profissionais a protelarem soluções de

alguns problemas, para resolver outros que se apresentam mais urgentes. Assim, os

problemas que envolvem o aluno surdo, nem sempre se apresentam na ordem de

prioridades.

Pelos relatos é possível constatar que a comunicação pela equipe sobre a

presença do aluno surdo na sala de aula, quando acontece, não é acompanhada de

sugestão de encaminhamentos pedagógicos. O que se fornece são informações que

não dão conta da complexidade do ato de ensinar e aprender. Não se pretende com

essas considerações culpabilizar a equipe pedagógica, transferindo a ela toda a

responsabilidade pelas dificuldades vividas pelos surdos e por seus professores. No

entanto, o sucesso de qualquer proposta de ensino implica na reflexão conjunta e na

busca colegiada de soluções. Tal princípio se aplica igualmente à educação de

surdos e ouvintes.

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Para redimensionar essa realidade é fundamental que todos, sem exceção

assumam a parte de responsabilidade que lhes cabe. Assim, direção, equipe

pedagógica, professores, enfim, todo o corpo de educadores da escola necessita

refletir sobre a realidade e as necessidades do aluno surdo incluso. Isso implica

buscar conhecimentos de natureza específica e os procedimentos didáticos e

metodológicos a eles associados, para que o processo percorrido na sala de aula

seja menos doloroso para professor e aluno surdo.

Ao incorporar novas posturas e abordagens é preciso que estas estejam

atreladas a um projeto que não se restrinja ao cumprimento de determinações

legais, os encaminhamentos requerem práticas pedagógicas que se efetivem com

princípios didáticos pertinentes ao modo de aprender dos alunos surdos, ou seja,

baseados em uma língua “vista” e não “ouvida”, em outras palavras em uma língua

visual/espacial e não auditiva/oral.

Os alunos participam das aulas recorrendo, sobretudo, ao sentido visual e

precisam desenvolver estratégias para olhar para o interlocutor principal (o

professor) e, simultaneamente, olhar para o tradutor intérprete de Libras e ainda

para as anotações no quadro e para os materiais empregados pelo professor em

aula. Precisam decidir também, como serão feitas as anotações referentes aos

conteúdos, uma vez que sua atenção estará voltada para a aula e não disporá de

habilidades para, ao mesmo tempo, realizá-las.

Cabe ao docente, de acordo com a competência linguística do aluno, fazer a

seleção e análise prévia dos textos, no sentido de articular as informações

relevantes e necessárias, tendo em vista a apropriação dos conteúdos

sistematizados. É imprescindível que os textos selecionados sejam ricos em

elementos visuais, que ofereçam pistas e conduzam a uma compreensão prévia do

tema abordado, uma vez que a contextualização visual permitirá a elaboração de

hipóteses sobre os sentidos do que está escrito.

As propostas de atividades e as questões formuladas nas avaliações e

exercícios deverão apresentar enunciados sucintos e objetivos, com vocabulário

esclarecedor.

É preciso adotar critérios diferenciados para avaliar, proporcionando ao aluno

surdo oportunidade de expressar-se por meio da língua de sinais, alfabeto

datilológico, gestos, mímicas, desenhos, escrita, entre outros. Quando o professor

optar pela avaliação escrita, é necessário que esta seja diferenciada daquela

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empregada para os demais alunos ouvintes, sendo necessário reduzir o número de

questões dissertativas, contudo, sem alterar a exigência pelo domínio do conteúdo.

É fundamental ainda que o professor respeite a forma de escrita do aluno surdo,

levando em consideração a não adequação dos verbos, artigos, preposições e

concordâncias, enfim, que ele avalie o aspecto semântico e seja tolerante com os

erros afetos à estrutura da língua escrita.

Compete ao docente resumir sempre e todo o conteúdo trabalhado,

elencando as ideias principais em frases curtas e evitando o uso de linguagem

figurada, gírias e sinônimos.

A organização didática implica na adoção de recursos e encaminhamentos

pedagógicos que envolvem diversos tipos de expressão artística e que privilegiem

essencialmente o canal visual. Como exemplos de tais recursos podemos citar:

dramatização, desenhos, imagens, fotos, fichários visuais, roteiros, esquemas,

diagramas, gráficos, maquetes, documentários, filmes, vídeos legendados e/ou com

tradução em Libras, mural Libras/Língua Portuguesa, dicionário Libras/língua

Portuguesa e todo o tipo de recursos que permitam a materialização do tema

apresentado e que possam colaborar na apropriação dos conceitos acadêmicos

pelo aluno surdo. Os professores de surdos já podem contar com algumas

publicações produzidas pela comunidade surda, como literatura em língua de sinais,

dicionários, documentários, lendas, piadas, entre outros, que podem ser usadas

para auxiliar no processo de ensino-aprendizagem em sala de aula.

Vários conteúdos da matriz curricular devem ser adaptados às possibilidades

de compreensão dos escolares surdos. Como exemplo de adaptações necessárias

citamos o ensino de conteúdos como acentuação tônica, discriminação de fonemas,

ditados ortográficos, pontuação, estudos ortográficos entre as letras e os fonemas: s

com som de z, x, sc,... Tais conteúdos estão diretamente relacionados a processos

auditivos e não podem ser apresentados aos alunos surdos por essa via, mas por

meio de recursos visuais que privilegiem a análise da palavra por inteiro e a

comparação visual das palavras destacadas, com outras palavras de estrutura

semelhantes ou com diferenças discretas.

Outro aspecto importante é que o professor nunca fale de costas para o

aluno surdo, não fale rápido demais ou demasiadamente devagar, mas que procure

empregar uma articulação adequada dos fonemas.

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2.7 Surdez: leitura, interpretação e escrita

A instrução escolar do surdo durante quase um século ficou subordinada à

aquisição da linguagem oral e, por conseguinte, ao domínio da língua portuguesa,

em detrimento aos conteúdos escolares. O surdo foi submetido intensamente a

treinos de fala que ocuparam quase todo o tempo escolar que seria destinado ao

ensino da educação formal. Na hegemonia da abordagem oralista, não se

considerou as especificidades de sua diferença.

Muitas pesquisas indicam que o aluno surdo, mesmo após anos de

escolaridade, em decorrência das dificuldades de ordem linguística, apresenta sérias

dificuldades nas habilidades de ler e escrever de forma autônoma.

Autores da abordagem bilíngue afirmam que a ausência da língua oral no

surdo não se constitui em impedimento para que ele se aproprie do sistema de

escrita da língua portuguesa e dos conhecimentos sistematizados. Essa aquisição

não pode ser compreendida à luz dos mesmos pressupostos e métodos adotados

para os usuários da língua oral, a surdez impõe condições próprias para a

aprendizagem desse sistema convencional de escrita.

Fernandes (2006), ao estudar a aquisição da língua escrita por surdo,

afirma que

[...] há que repensar as metodologias atualmente utilizadas na escola que ignoram as singularidades linguísticas dos surdos e seguem reproduzindo as estratégias baseadas na oralidade e na audição como referenciais para a apropriação da leitura e escrita (FERNANDES, 2006, p.8).

Quando o surdo entra na escola, as diferenças são ignoradas, a língua

escrita oficial é imposta e ele é submetido exaustivamente aos processos

pedagógicos originariamente planejados para ouvintes. Quando esse aluno não

apresenta rendimento escolar satisfatório, é rotulado de deficiente. Os modelos

baseados na representação da fala ocupam lugar de destaque nas metodologias

para o ensino da língua portuguesa.

Vejamos como os professores entrevistados nessa investigação avaliam a

leitura e interpretação do aluno surdo incluso. Nos depoimentos, alguns expressam

inquietações, outros demonstram tranquilidade, não pontuando os obstáculos

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decorrentes da surdez.

[...] nas avaliações, não respondiam o que era perguntado, então acredito que estavam com problemas de leitura e interpretação (profª F.) [...] é um dilema, eles têm muita dificuldade de interpretar o enunciado dos problemas de matemática... quanto aos cálculos fazem muito bem (profª I.). [...] observei que eles não conseguem ler um texto, tem muitas palavras que não conhecem o significado (profª C.).

De acordo com Brito (1993), no ensino inclusivo o aluno terá acesso limitado

às informações, que são transmitidas basicamente através da fala, e assim

enfrentará dificuldades reais em concluir o percurso escolar.

A esse respeito Lacerda observa que

a questão fundamental para a qual preciso chamar atenção é a forma como o conceito pretendido não foi trabalhado com o aluno surdo. Nem sempre uma atividade pensada/proposta para ouvintes é apropriada para o surdo. É preciso [...] uma atenção às suas características e uma organização de atividade que inclua o surdo e não o deixe à margem (LACERDA, 2007, p.9).

Nota-se que a maioria dos professores entrevistados relata que as

dificuldades acadêmicas do surdo incluso centralizam-se no desconhecimento do

léxico da língua portuguesa.

Para o ensino do conteúdo acadêmico a ser desenvolvido em sala de aula,

como já foi mencionado, o professor recorre às apostilas, livros didáticos, literaturas

diversas, enunciados de atividades, resolução de problemas de matemática,

produções escritas e outras situações que ocorrem no espaço escolar. Todos os

recursos mencionados envolvem textos estruturados em língua portuguesa escrita e

elaborados para usuários da língua falada. Para além do uso da escrita do

português, as várias áreas do conhecimento, cada uma de modo particular,

expressa uma linguagem com termos próprios da disciplina, configurando mais uma

dificuldade para o aluno surdo incluso.

No espaço escolar, o conhecimento linguístico que o aluno possui é pré-

requisito para a execução de tarefas de interpretação dos textos trabalhados.

Porém, para o surdo, por ser aprendiz da língua portuguesa como segunda língua, a

leitura se apresenta comprometida em razão da já referida privação linguística.

Esses conhecimentos linguísticos para o ouvinte emergem de forma espontânea nas

interações sociais que estabelecem diariamente nos contextos sociais. Nessas

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situações de interação tornam-se possíveis as associações, comparações e

generalizações. Diferentemente desses, o surdo está impedido em decorrência da

diferença linguística, do aprendizado informal próprio das trocas comunicativas

espontâneas que ocorrem durante as brincadeiras na escola, na família, na

comunidade, em frente à TV, enfim, na vida cotidiana. Essa diferença deve ser

considerada pela escola.

Segundo Fernandes, “[...] a atividade de leitura se dá em contextos

linguísticos mais amplos, em que as palavras são combinadas para a formação de

sentenças utilizando regras sintáticas, semânticas e pragmáticas (FERNANDES,

2003, p.147).”

A leitura não é uma ação simples de identificação e atribuição de

significados às palavras, ela exige processos cognitivos altamente complexos. A

habilidade de leitura é essencial e dá suporte para o estudo de outras áreas do

conhecimento, portanto, ler não significa decodificar as palavras separadamente,

mas implica compreender o sentido global do texto. A leitura de palavras isoladas

não permite perceber os diferentes significados de uma palavra e distorce o sentido

do texto.

Nesse sentido, o uso da soletração datilológica, seguindo o padrão linear da

leitura, na interpretação do texto para o aluno surdo, também não assegura o acesso

ao significado. Isso porque não há vocabulário equivalente em língua de sinais para

todas as palavras da língua portuguesa. Dessa forma, a leitura torna-se um desafio,

que se não for transposto obstaculizará a apropriação de novos conhecimentos.

Góes (1996) aponta que não é possível transitar entre a língua de sinais e a

língua portuguesa palavra por palavra ou frase por frase, porque a estrutura

gramatical de cada língua é completamente diferente. As marcas deixadas pela falta

de interação linguística impedem que os conhecimentos sejam apropriados

adequadamente durante sua escolarização. Ao trabalhar com o texto escrito, cabe

ao professor antecipar e mediar o que é desconhecido pelo surdo para que se

efetive a compreensão de sentido do texto e se possa internalizar os conhecimentos

que são expressos nos conteúdos sistematizados.

Alguns professores mencionam que não sabem como avaliar a

compreensão em leitura do surdo e outros, nunca exigiram esse procedimento por

não saberem como agir. Sobre esse assunto, os professores entrevistados fizeram

as seguintes declarações:

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[...] somente as atividades e quase não houve retorno, nunca solicitei leitura e para mim tudo é muito novo. (profº L.) [...] eu em nenhum momento solicitei a leitura, somente a escrita com trabalhos em sala e em grupo ou individual. (profª N.) [...] as produções escritas só consegui com a ajuda do intérprete, não tive da parte deles nem tentativas para que eu pudesse ter em mãos para analisar se perceberam o conteúdo... (profº L.)

Face às dificuldades enfrentadas, o aluno surdo tende a desenvolver

atitudes de resistência às atividades que envolvem a escrita. Essa relação

conflituosa entre o surdo e a escrita interfere na aquisição e domínio das estruturas

da língua portuguesa.

Na sala de aula, a leitura do surdo geralmente é centrada na decodificação

das palavras por meio do português sinalizado. Ao responderem aos enunciados,

que lhes são apresentados por meio da escrita, utilizam mecanismos de

comparação entre as palavras da pergunta e as palavras presentes no texto, que

sugerem compor a resposta. A partir daí fazem a cópia integral do parágrafo

correspondente, no entanto, na maioria das vezes, sem compreender o sentido geral

dos textos abordados.

As autoras Tartuci e Góes relatam que

[...] os surdos mais experientes em sua vida acadêmica desenvolvem na sala de aula estratégias de ‘sobrevivência’, [...] já haviam aprendido e continuavam aprendendo a ocupar o lugar de aluno, bastava seguir o ritual da sala [...] no qual pode simular a situação de um aprendiz (TARTUCI e GÓES, 2002, p.118).

A leitura do surdo ocorre de forma ideográfica, não ocorre pela vinculação

letra e som. Assim, a leitura ocorre pelo reconhecimento visual das palavras em sua

forma de escrita. Por essa estratégia, as palavras são processadas mentalmente

como uma ideia completa, sem segmentação em partes. A leitura se processa de

forma simultânea e analítica, a palavra é vista como uma unidade do todo para o

todo.

Para Fernandes, no caso dos surdos,

[...] todo sistema gráfico deverá seguir a rota lexical [...] desde os primeiros contatos com a escrita, devemos ter em mente que as palavras serão processadas mentalmente em sua forma ortográfica e ‘fotografadas’ mentalmente, encaminhadas à memória de trabalho e armazenadas ou não no léxico mental (FERNANDES, 2003, p.147).

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Na concepção de Fernandes, cabe ao docente a seleção e análise prévia

dos textos a serem trabalhados no sentido de articular as informações relevantes,

criando diversas situações de aprendizagem. É imprescindível o professor lançar

mão de todos os recursos e estratégias visuais que acompanham a oralidade.

As representações dos professores entrevistados estão sintonizadas com o

que é mencionado na literatura especializada. Ou seja, inconscientemente, os

professores atribuem o fracasso no desempenho em escrita para o aluno e não para

as metodologias inadequadas destinadas ao ensino da língua na modalidade escrita.

Góes (1999) ressalta que as produções escritas reproduzem modelos frasais

ensinados, resultando escritas sem criatividade e sem sentido. Diante disso,

apresentamos os relatos dos professores:

[...] eu tento analisar a escrita, mas tenho dificuldades, eu observo e não vejo texto, vejo frases... partes... (profª E.) [...] eu trabalho com tentativas de acertos e erros... não sei exatamente como ele aprende... só sei que o processo é diferente. (profª S.) [...] eu não sei, porque não sou professora da língua portuguesa, mas sei que faltam conectivos, não dando clareza ao texto... (profº J.)

O estranhamento manifestado por parte dos entrevistados com relação à

qualidade das produções escritas de seus alunos surdos decorre das características

próprias da escrita alfabética, quando produzidas por usuários de línguas de base

visogestual. Nessas produções, geralmente os enunciados são curtos, com poucas

orações, sem flexão correta dos verbos, problemas relacionados à ordenação não-

convencional e escolha lexical inadequada, produções com características de

construções que limitam a compreensão do leitor.

A concepção de ensino centrada na língua como código, como já foi dito,

resultou em práticas pedagógicas centradas em um ensino padronizado, com

estruturas frasais simples e rígidas, desprovidas de significados, pensando a

linguagem como um aglomerado de vocábulos, tendo em vista a aquisição da

escrita. Nesta proposta artificial, a expectativa era de que o surdo pudesse

generalizar essas produções para estruturas cognitivas mais complexas. Ou seja, ao

apropriar-se dos códigos da língua portuguesa concebiam que automaticamente, no

ato de leitura e escrita, o surdo expressaria o ensinado.

Nesse sentido, Souza constata que

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[...] a propalada dificuldade de aprendizagem do aluno surdo era fabricada por uma prática pedagógica decorrente do pressuposto, assumido pela escola de que a conduta pedagógica pode estar dissociada, ou ser independente do exercício efetivo da linguagem (SOUZA, 1998, p.23).

Para Fernandes,

a única via de acesso à língua portuguesa para os surdos é a escrita. Para os surdos, aprender a escrita significa aprender a língua portuguesa: escrita e língua se fundem em um único conhecimento vivenciado por meio da leitura (FERNANDES, 2006, p.16).

Fernandes (1999, p.66) esclarece que “o surdo apresenta características em

sua escrita que são próprias de usuários exclusivos de língua de sinais”, assim,

sugere “o uso de estratégias diferenciadas para o ensino da modalidade escrita da

língua portuguesa para o surdo, que devem ser pautadas nas teorias de aquisição e

aprendizado de línguas estrangeiras”.

Segundo Quadros (1997), o aprendiz da língua portuguesa exigirá ambiente

artificial e sistematização através de metodologias próprias de ensino, o que implica

efetivar processos de comparação e contraste entre as duas modalidades de

línguas: a visual e a auditiva. A escola deve embasar-se em ações didáticas

diversificadas de natureza visual, como forma de possibilitar o acesso aos

conhecimentos científicos por meio da língua de sinais.

No depoimento que destacamos na sequência, o professor busca valorizar o

traçado da letra do aluno surdo e nega a existência de dificuldades. Vale dizer que

essa visão otimista do professor não corresponde ao desempenho em escrita que a

absoluta maioria dos surdos exibe.

(...) eu sei que eles respondem as questões corretamente e eles ainda perguntam se a resposta é aquela mostrando no texto. (profº J.) Normal, a maioria tem letra legível, muito bonita, não tem letra garrancho, são letras fabulosas... muito bem feitas... são caprichosos .(profº J.)

Tartuci e Góes retratam uma situação na sala de aula na qual o professor

autoriza ao aluno a participar dos acontecimentos por meio da cópia, que é uma das

principais atividades.

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O aluno surdo, que parece ter dúvida procura a professora... mostra a ela que não consegue responder. Ela pega o livro, folheia-o e marca alguns parágrafos. Não busca explicar, apenas devolve o livro. O aluno volta... para copiar os trechos apontados. Copiar da lousa, copiar do colega, copiar do livro, copiar de seu próprio caderno – o aluno surdo aprende e acaba por fortalecer esse tipo de estratégia: copiar para manter-se “vivo” no ambiente (TARTUCI e GÒES, 2002, p. 114).

As práticas em sala de aula que acolhem alunos surdos permanecem, em

grande parte, ao longo dos anos, inalteradas e as experiências escolares nesses

ambientes são insuficientes e por vezes causam danos irreversíveis. Essa condição

produz extrema desigualdade do surdo em relação ao ouvinte, causando uma

exclusão, sem voz, em todos os segmentos de sua vida escolar.

Silva (2008) investigou o modo pelo qual a criança surda usuária da língua

de sinais se apropria da escrita e quais os trajetos cognitivos que ela percorre.

Assim, verificou que

[...] a especificidade sensorial e linguística de crianças surdas usuárias de língua de sinais determina o processo de aquisição da escrita também específico e singular. O caminho trilhado pela criança surda é marcado por características sensivelmente diferentes daquelas que definem o itinerário

percorrido por crianças ouvintes usuárias de línguas orais (SILVA, 2008, p. 202).

A pesquisadora destaca uma nova perspectiva para a aquisição da língua

escrita pela criança surda, tomando como base a própria língua de sinais. Ressalta

que para a educação do surdo, a escrita de sinais, também conhecida como sistema

signwriting, deve ser oportunizada como primeira língua escrita, por permitir o

desenvolvimento de habilidades linguísticas, intelectuais e sociais.

Conforme Quadros e Shmiedt (2006), os alunos primeiramente precisam que

as bases já estejam consolidadas como “leitores” na língua de sinais, para

posteriormente erigirem-se em “leitores” na língua portuguesa.

Para Silva (2008), a defesa do ensino da escrita de sinais aos surdos não

corresponde a desistir de ensinar-lhes a escrita do português. Isso porque a não

apropriação da língua portuguesa escrita coloca o surdo em extrema desvantagem,

pois esse grupo está imerso numa sociedade grafocêntrica que exige esse sistema

nas diferentes situações de vida. Além disso, a língua é um poderoso instrumento

para a apropriação do conhecimento, organização de ideias e também um meio de

expressão e comunicação que o surdo pode utilizar para facilitar a convivência com

o ouvinte.

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2.8 Surdez e Desafios educacionais

As representações sobre a surdez sempre foram fundamentadas por mitos e

crenças com base na religião e na ideologia do grupo dominante. Em tempos

remotos os surdos eram exterminados e com o passar dos tempos conquistaram o

direito à vida, porém foram abandonados em asilos e hospitais psiquiátricos. Por

longos anos a sociedade nutriu a concepção paternalista pela qual o surdo foi visto

como incapaz de prover por si só a própria sobrevivência, bem como de pensar,

contrair matrimônio e herdar os bens da família.

Com o movimento do tempo e da cultura, estudos e pesquisas científicas

desenvolvidas na área médica criaram classificações e terminologias voltadas ao

surdo, como: “doentes”, “deficientes”, “deficiente auditivo” e outras variações, tendo

em vista a cura para o ingresso na sociedade.

O termo surdo-mudo é antigo e incorreto, porém vigente, entre leigos, até os

nossos dias. Segundo Sacks,

o velho termo “surdo-mudo” implica uma suposta inadequalidade dos que nascem surdos para falar. Obviamente, os natissurdos são perfeitos capazes de falar, possuem aparelho fonador idêntico ao demais, o que lhe falta é a capacidade de ouvir a própria fala e portanto de monitorar com o ouvido o som de sua voz (SACKS, 1990, p. 38).

A terminologia surdo-mudo remete o usuário à representação de

incapacidade e inferioridade. A expressão “deficiência auditiva” é utilizada com

frequência na área médica para classificar a surdez em seus diferentes graus: leve,

moderado, severo e profundo. Já a designação “surdo” é aceita pela comunidade

surda, usuária de Libras, como um reconhecimento à especificidade linguística

desse grupo minoritário.

Na concepção de estudiosos da área, sintonizados com um enfoque sócio-

antropológico da surdez, como Skliar (1998), a surdez é vista como diferença e não

como deficiência.

Os professores entrevistados relataram o sentimento de temor quando do

primeiro contato com o aluno surdo, como se pode verificar nos depoimentos que

seguem:

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[...] fiquei angustiada quando soube que ia trabalhar com aluno surdo, eu não sabia como fazer (profª T.). [...] não assustei tanto, porque tinha a intérprete... (profª R.). [...] senti medo... eu não tinha nenhuma preparação específica, você ouve falar a respeito da surdez, mas não sabe como é a experiência com ele... nós entramos num mundo sobre o qual não temos conhecimento (profª G.). [...] eu nunca tive experiência com o surdo, então esse mundo se torna invisível ... uma coisa é se relacionar no campo informal e outra é estar apto para trabalhar com os conteúdos acadêmicos (profº L.).

Os relatos permitem inferir que a representação sobre a surdez, por parte

dos entrevistados, reveste-se de mitos e crenças, efetivamente ancorados em

discursos socialmente construídos. Assim, os professores põem em evidência a

urgência de formação específica para educadores da escola comum que pretende

matricular alunos surdos.

Indagamos aos professores o que significava, para eles, “ser surdo”. Os

depoimentos obtidos variam de acordo com as concepções internalizadas pelo

professor na sala de aula. A condição de ser surdo foi assim definida pelos

entrevistados:

[...] não ouvir o som, as outras habilidades são normais (profª I.). [...] acho difícil de explicar, mas penso que é uma pessoa como outra, só a forma de comunicação é que diferente (profª E.). [...] acho difícil demais viver num mundo em pleno silêncio... sinais deve ser algo estranho, doloroso, eu não sei como é, eu acho péssimo (profº J.).

A concepção sobre a surdez, certamente, determina os encaminhamentos

didáticos do professor. Esses encaminhamentos podem contribuir ou limitar os

processos de apropriação de conhecimentos do surdo no espaço escolar.

Os professores manifestaram dificuldades ao definir e conceituar a surdez.

Laborit (1994), atriz e escritora surda, relata que vivia no silêncio entre zero e sete

anos devido a sua impossibilidade de interagir com as pessoas do seu meio.

Creio que nada havia em minha cabeça, nesse período. Futuro, passado, tudo estava em uma linha do espaço-tempo. Mamãe dizia ontem... e eu não entendia onde estava ontem, o que era ontem. Amanhã também. E não podia perguntar-lhe. Sentia-me impotente.... Havia a luz do dia, a escuridão da noite, mais nada (LABORIT, 1994, p.14-15).

Vilhalva relata o que significa para o surdo viver num mundo onde

predomina a língua portuguesa.

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O que mais me chamava a atenção era quando as pessoas falavam (abrindo e fechando a boca) principalmente os professores da escola... o professor desenhava uma bola e escrevia bola, eu não ouvia mas prestava atenção quando ele falava, fiz minha primeira descoberta que o desenho exposto tinha nome... era isso que saia da boca do professor (VILHALVA (2004, p. 15 - 16).

É fundamental que os professores reflitam sobre as concepções que têm

permeado as práticas escolares sobre o aluno surdo. O desconhecimento sobre a

surdez e sobre as representações dos próprios surdos contribui para o

desenvolvimento de condutas sentimentalistas que obstaculizam a ação docente

sensata.

Para finalizar, gostaríamos de afirmar nosso desejo de que a educação

eficaz do surdo torne-se uma realidade. Esse desejo impõe compromisso e

responsabilidades. É certo que ainda temos muito que aprender, contudo

acreditamos que, ao socializar nossas reflexões, oportunizando o estudo aos

diferentes parceiros que conosco vivem a educação dos surdos, esse desejo será

multiplicado. Dessa forma, o sonho coletivo nos conduzirá ao encontro dos melhores

caminhos para a educação do aluno surdo.

3 CONCLUSÃO

A educação do surdo na atualidade é um assunto polêmico que envolve

questões pedagógicas e linguísticas extremamente complexas. No plano filosófico é

possível afirmar que as propostas educacionais inclusivas têm por finalidade

promover o desenvolvimento do aluno surdo. Entretanto a concretização das

políticas de inclusão na área da surdez têm imposto uma série de obstáculos à

aprendizagem e desenvolvimento de alunos surdos, pois continuam ignorando as

diferenças e o seu modo peculiar de aprender.

Portanto, a tônica desse estudo está em discutir a necessidade de conferir

aos professores conhecimentos de natureza teórica e metodológica para pensarem

uma prática que contemple procedimentos pedagógicos capazes de privilegiar a

experiência visual do aluno surdo.

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É preciso lembrar que as ações educativas direcionadas ao surdo

perpassam processos de aprendizagem de uma segunda língua. Essa questão

exige um olhar diferenciado na compreensão das necessidades educacionais do

aluno surdo incluso no Sistema de Ensino Comum. Assim, nos limites desse estudo

buscou-se pontuar algumas reflexões referentes às diferenças linguísticas e

culturais dessa população e que necessitam, com urgência, ser enfrentadas

pedagogicamente no meio escolar, também se oferece como ponto de partida para

novas pesquisas e aprofundamento nos conhecimentos acerca da surdez.

Diante dos resultados obtidos verificou-se que a inclusão imposta pelas

políticas educacionais torna-se, em muitas ocasiões, um obstáculo para o

aprendizado acadêmico do aluno surdo que vive a experiência da escola inclusiva.

É gritante a carência de formação específica do professor, a despeito da boa

vontade de muitos. Esse cenário de tentativas e incertezas favorece a

contabilização de sérios prejuízos para o desenvolvimento desse aluno no processo

escolar.

A compreensão das diferenças impostas pela surdez possibilita ao professor

refletir sobre os recursos e procedimentos necessários ao encaminhamento de sua

prática. Assim, por meio de recursos de base visual é possível ao professor

flexibilizar o currículo e a organização didático-pedagógica minimizando os

obstáculos e os danos educacionais vivenciados pelo surdo no sistema de Ensino

Comum.

Os dados obtidos no estudo permitem inferir que a escola inclusiva não tem

garantido uma condição educacional adequada para o surdo porque a dinâmica

escolar da sala de aula foi tradicionalmente organizada para atender ao aluno

falante usuário da língua portuguesa. Dificilmente, da forma como está constituída,

essa escola poderá atender de modo equivalente ao aluno surdo, mesmo contando

com a presença do intérprete de língua de sinais.

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