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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO ÁREA DE CONFLUÊNCIA: TECNOLOGIAS NA EDUCAÇÃO AMÍLCAR CABRAL E PAULO FREIRE NA ERA DA TECNOLOGIA DIGITAL Lino Vaz Moniz Brasília – DF Maio de 2004

amílcar cabral e paulo freire na era da tecnologia digital

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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIAFACULDADE DE EDUCAÇÃOPROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃOÁREA DE CONFLUÊNCIA: TECNOLOGIAS NA EDUCAÇÃO

AMÍLCAR CABRAL E PAULO FREIRE NA ERA DA TECNOLOGIA DIGITAL

Lino Vaz Moniz

Brasília – DFMaio de 2004

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AMÍLCAR CABRAL E PAULO FREIRE NA ERA DA TECNOLOGIA DIGITAL

Dissertação de mestrado apresentada à Faculdade de Educação da Universidade de Brasília como parte das exigências para obtenção do título de mestre em educação, na área de confluência: Tecnologias na Educação, sob a orientação da Professora Doutora Raquel de Almeida Moraes.

Brasília – DFMaio de 2004

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BANCA EXAMINADORA

________________________________________________

Dra. Raquel de Almeida Moraes (FE/UnB)(orientadora)

___________________________________________________Dr. Marco Aurélio de Carvalho (IE-CIC-UnB)

(examinador externo)

_________________________________________________Dr. Renato Hilário dos Reis (FE/UnB)

(membro da banca)

_________________________________________________Dr. Cláudio Julio Tognolli (ECA/USP e UniFIAM/FAAM)

(suplente)

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Agradecimentos

Bom, monsinhos N krê agradesi nhos tudo ki dxudan fazi kel trabadxu li ki é simbulu de nha luta, mison ki nha herói Amílcar Cabral dexa pa nôs tudo.

N kre agradeci mama Ita ku papa Mário. Bem, sés nome kompleto é Elmina Vaz Batalha e Mário Pereira Moniz. És parin, és amam. Também N tem ki lembra de tudo nhas mano. Principalmente kês mas grande ki trabadxa e dxuda mama ku papa krian. N krê lembra de nha armun Paulino, nha gêmio ki nu teve ki separa kanto N bem pa Brasil studa.

També N kre dá um abraso forte pa família Cassaro ki akolhem li na Brasil komo um fidxu. Ta bai um beijo grande pa tudo família Cassaro através de mamãe Lurdez.

Quanto a pusores N da um destaque especial pa nha orientadora Raquel de Almeida Moraes ki tempo tudo, nu trabadxa dxunto de forma dialógico e demokrático. N debi agradeci pursora Laura Maria Coutinho ku pursor Renato Hilário ki kontan stória de nha herói. História ki pursor Estevão ka termina de kontan. Sés dxuda foi fundamental na nha projeto de pesquisa.

N tem ki dá distaqui també a cumunidade africano ki ta studa na UnB ki de serto forma dxudan reflete. Principalmente nhas konterraneos.

N tem ki dá destaque a tudo alguém ki ta fazi parte de nha kirculo de relaciomento principalemente Cacilda Correia ki nu tive envolvimento afetivo durante txeu tempo. Tembém Beja Flor, mas konxedo pa Juliana Aires, um grande amiga ki incluive divide si mama e si papa ku mi. També N tem ki papia de Rita de Cássia ki dxudan txeu na inspirason. Ultimamente é dxudan txeu não só na companheirismo mas també na produson de idéias.

Um abraso forte pa tudo mocinhos de UnB Virtual undi N fazi stágio. Um destaque especial pa pursora Ângela Correia Dias ki foi diretora de UnB Virtual e também Emiliano ki kordena equipa ki N trabadxaba.

Bem, també um abraso especial pa tudo mocinhos ki N ka fla li mas ki dxudan txeu

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SUMÁRIORESUMO............................................................................................................................... 7INTRODUÇÃO: UM PROJETO DE VIDA.................................................................. 17CAPÍTULO I - AMÍLCAR CABRAL.............................................................................. 21

1.1 - INTRODUÇÃO.................................................................................................................211.2 HISTÓRIA DE VIDA......................................................................................................... 221.3 CENÁRIO INTERNACIONAL................................................................................................ 311.4 - ARMA DA TEORIA......................................................................................................... 371.5 – CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................................................45

CAP II - PAULO FREIRE................................................................................................. 47 2.1 – INTRODUÇÃO............................................................................................................... 472.2 - HISTÓRIA DE VIDA ....................................................................................................... 482.3 - CENÁRIO INTERNACIONAL...............................................................................................552.4 - PEDAGOGIA DA LIBERTAÇÃO........................................................................................... 602.5 – CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................................................70

CAP III - A NOVA GERAÇÃO AMÍLCAR CABRAL E A TECNOLOGIA DIGITAL...............................................................................................................................................72

3.1 - INTRODUÇÃO.................................................................................................................723.2 - HISTÓRIA DA TECNOLOGIA COMO INSTRUMENTO DE DOMINAÇÃO......................................... 733.3 - O CENÁRIO INTERNACIONAL ........................................................................................... 783.4 - PEDAGOGIA DA LIBERTAÇÃO E A TECNOLOGIA DIGITAL...................................................... 84

3.4.1 - Comunicação Dialógica....................................................................................853.4.2 - Potencialidade interativa da tecnologia digital................................................ 883.4.3 - Mediação pedagógica via tecnologia digital ................................................... 95

3.5 - CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................................. 97

CAP IV - DIALOGISMO FREIRIANO NA UNB VIRTUAL....................................... 994.1 – INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 994.2 - EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA NA UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA................................................. 1014.3 - PLATAFORMA DA UNB VIRTUAL................................................................................... 103

4.3.1- Página...............................................................................................................1054.3.2 – Agenda............................................................................................................ 1074.3.3 – Avisos.............................................................................................................. 1084.3.4 - Avaliação ........................................................................................................1084.3.5 - Participantes do curso.....................................................................................1104.3.6 - Perfil................................................................................................................ 1114.3.7 - Sala de Bate Papo .......................................................................................... 1124.3.8 - Correio Eletrônico...........................................................................................1144.3.9 - Lista de Discussão ..........................................................................................1154.3.10 - Fórum .......................................................................................................... 1164.3.11 – Colaborativo................................................................................................. 1174.3.12 – Trabalho........................................................................................................1194.3.13 – Link............................................................................................................... 120

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4.3.14 - Módulo Administrativo. ...............................................................................1214.4 - QUADRO DE PESQUISA................................................................................................. 1224.5 - CRITÉRIOS METODOLÓGICOS DE ANÁLISE DE DADOS ........................................................ 1284.6 - ANÁLISE DOS DADOS ...................................................................................................132

4.6.1 - Componentes Administrativos e Comunicativos da Plataforma.................... 1334.6.2 - Vantagens do Ambiente Virtual ......................................................................1414.6.3 - Sugestões para melhorar a Plataforma...........................................................144

4.7 – CONSIDERAÇÕES FINAIS ..............................................................................................148

CONCLUSÃO .................................................................................................................. 150BIBLIOGRAFIA...............................................................................................................153ANEXO.............................................................................................................................. 156

QUESTIONÁRIO DE AVALIAÇÃO DA PLATAFORMA DA UNB VIRTUAL ..........................................157QUESTIONÁRIO DE AVALIAÇÃO DA DISCIPLINA.........................................................................161

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Resumo

Amílcar Cabral lutou contra o colonialismo em Cabo Verde e Guiné Bissau, na

África. Esboçou um conjunto de estratégias que visam conquistar uma verdadeira

independência e não uma independência fictícia. Todas as estratégias foram pensadas

dentro da esfera cultural. A principal arma de sua luta foi a dimensão pedagógica. Esta

serviu para restituir a identidade do assimilado, aquele que sofre repressão cultural do

invasor. Amílcar Cabral morreu e a dominação colonial ganhou uma nova cara, o

neocolonialismo. Uma dominação indireta cuja opressão é invisível ao olho nu. A

tecnologia digital se tornou uma engrenagem poderosa nessa nova fase colonial. Sendo

assim, é necessário repensar a estratégias de luta de Amílcar Cabral. Neste ângulo,

propõe-se usar a mesma tecnologia a serviço da libertação como um instrumento de

mediação pedagógica. A dimensão pedagógica é pensada dentro da proposta de Paulo

Freire. Através do estudo de caso da Plataforma da UnB Virtual, é examinada a

possibilidade do ambiente virtual de ensino e aprendizagem ser um espaço de mediação de

uma prática educativa com base no dialogismo de Paulo Freire. A razão desse estudo

consiste em auxiliar a geração de Amílcar Cabral a repensar as estratégias de luta no novo

cenário, a era da informação.

Palavras-chave: Amílcar Cabral, arma da teoria, colonialismo, neocolonialismo, luta pela

independência em Cabo Verde e Guiné Bissau, pedagogia da libertação, Paulo Freire,

dialogismo, tecnologia digital, Plataforma da UnB Virtual, ensino on-line, ambiente virtual

de ensino e aprendizagem.

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Abstract

Amílcar Cabral fought against colonialism in Cabo Verde and Guiné Bissau, in

Africa. He displayed a series of strategies that aimed at conquering a real independence and

not a fictitious one. All these strategies were designed within the cultural area. The main

arm used in his struggle was the pedagogic dimension. That was useful due to the way in

which it recovered the identity of the assimilated, the one who suffers cultural repression

from the invaders. Amílcar Cabral died and the colonial domination acquired a new image,

the neocolonialism. An indirect domination whose oppression is invisible to the public eye.

The digital technology turned into a powerful wheel spinning within the new colonial era.

Being so, it is necessary to reconsider Amílcar Cabral’s struggle strategies. Under this

angle, we suggest the use of the same technology at the service of liberation as a means to

pedagogic mediation. The pedagogic dimension is thought of as within Paulo Freire’s

views. Through the UnB Virtual Platform case study, we examine the possibility in which

the teaching and learning virtual atmosphere could be a mediation space for an educational

practice based on Paulo Freire’s dialogism. The purpose of this study consists on

supporting Amílcar Cabral’s generation to reconsider the struggle strategies in the recent

scene, the information era.

Key words: Amilcar Cabral, Theory arm, colonialism, neocolonialism, independence

struggle in Cabo Verde and Guinea Bissau, liberation pedagogy, dialogism, Paulo Freire,

digital technology, UnB Virtual Platform, on-line education, virtual atmosphere for

teaching and learning.

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UMA HISTÓRIA DE VIDA

Pessoas, num primeiro momento compartilho com vocês a história da minha vida.

Deste modo, vocês terão maiores elementos de análise para compreender porque escolhi

Amílcar Cabral e Paulo Freire no novo contexto tecnológico para a minha pesquisa de

mestrado na Faculdade de Educação da Universidade de Brasília.

Para começar essa história compartilho com vocês um artigo da minha autoria, na

qual descrevo como foi o meu primeiro contacto com Amílcar Cabral.

AMÍLCAR CABRAL É O MEU HERÓIEm 1983, no meu primeiro ano escolar em São Jorge dos Órgãos, o professor Estevão me falou de

um homem chamado Amílcar Cabral. Me falou que ele é o herói do povo e é o melhor filho da pátria. O professor falava com uma voz tremula de paixão e carregada de alegria. Apesar de falar para a turma, eu encarava a mensagem como que se fosse um diálogo confidencial ou uma revelação. As palavras enfiavam na minha alma a ponto de eu me sentir arrepiado endeusando Amílcar Cabral. Ele falava muita coisa. Falou do nascimento e morte de Cabral, da fundação do PAIGC, da luta armada, dos colonizadores como inimigos do povo e da luta e sonho de Cabral.

Estas mensagens ficaram tão cravadas na minha mente e perpetuadas na minha alma que ainda hoje, 19 anos depois, lembro com precisão alguns poemas que ele ensinava para a turma tais como:

Amílcar CabralÉ herói do povo

Nasceu na GuinéEstudou em Cabo Verde

Com mais camaradasFundou PAIGC

Seu nome é CabralTodo mundo conhece

Pense nele com mais amorPorque ele bem merece

Bandera strela negraBandera strela negra

Ta subi riba la na céu Ta gorgoleta na bento

Xintil na bu petuÉ forsa de mocindade

Ki ta labanta...

Em 1984, passei para a segunda classe do Ensino Básico Elementar. Não tive a sorte de continuar com o professor Estevão uma vez que a minha família mudou para capital, a cidade da Praia. De segunda a quarta classe, não lembro de nenhum professor ter falado sobre Cabral. Em 1988, iniciei o primeiro ano do Ensino Básico Complementar no Ciclo Preparatório da Calabaceira. Até terminar o segundo ano não recordo de alguém ter mencionado sobre o herói, o Amílcar Cabral. Em 1989 iniciei o primeiro ano do Curso Geral no Liceu Domingos Ramos. Estudei neste estabelecimento até sétimo ano (segundo ano do Ensino Complementar). Também não lembro de ninguém ter mencionado sobre Cabral, mas lembro que

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aprendi muito sobre a cantiga de amigo e de amor da literatura portuguesa e quase nada sobre morna, coladeira e funaná, os que constituem o meu cotidiano. Em 1994 estudei Ano Zero na Escola Grande e pela primeira vez aprendi um pouco sobre a história da África com a professora Dina Dupret. Mas sobre Amílcar Cabral nada. Em 1996 iniciei o curso de Ciência Política na Universidade de Brasília. Também Cabral não foi referido. Em junho deste ano iniciei o mestrado em Educação na mesma universidade. Aí alguém me falou de um cientista e pedagogo chamado Amílcar Cabral.

Foi na aula de Mídia e Educação com a professora Laura Maria Coutinho. Foi numa segunda feira, dia calmo coberto pelo sol, no laboratório de tecnologia da Faculdade de Educação. Ao iniciar a aula, a professora falou que o tema da discussão era linguagem e manifestação cultural e logo frisou que teria como suporte teórico o cientista Amílcar Cabral. Assim que ouvi esse nome, fiquei arrepiado, lembrei do professor Estevão. A emoção tomou conta de mim. Eu não tinha dúvida que a professora Laura estava falando do meu herói, o que o professor Estevão me tinha revelado. A confiança foi tanta que quando a professora perguntou quem conhecia Cabral, visivelmente emocionado, eu quebrei o silêncio da turma e disse: ele é o meu conterrâneo, é o meu herói. Logo a professora pediu que eu fosse para frente da turma dar uma aula sobre Cabral. Aproveitei o momento para tirar o que estava cravado na minha memória e perpetuada na minha alma, tudo que aprendi com o professor Estevão na minha infância, no primeiro ano escolar há 19 anos. Na frente da turma, recitei o poema que aprendi com Estevão, falei do nascimento e da morte de Cabral, da fundação de PAIGC e da luta armada. Também falei sobre o pensamento marxista de Cabral para o continente africano, o que aprendi com um conterrâneo e veterano do curso Ciência Política, Jorge Matias Amado Dias (Djoy).

A turma ficou emocionada não só pela minha mensagem sobre Cabral mas também pelo amor e compromisso que estavam visíveis na minha fala sobre aquele homem, Amílcar Cabral, o herói do povo cabo-verdiano e guineense. No final da aula, ficou claro para a turma que Cabral não é apenas um herói mas também, como colocou a professora Laura, é mestre do educador Paulo Freire, é um pensador marxista e pedagogo revolucionário.

Hoje, como estudante de mestrado na Universidade de Brasília, retomo a reflexão histórica que começou na minha infância, no primeiro ano escolar com o professor Estevão e que o sistema de ensino escondeu. Retomo como um missionário e discípulo de Cabral para dar continuidade à causa que ele tanto dedicou, deu a vida e derramou seu sangue. Esta causa é a independência e o progresso do nosso povo. Este teve origem num processo de genocídio a serviço dos colonizadores portugueses que durante 513 anos escravizaram, exploraram e maltrataram os nossos pais que foram retirados dos seus domicílios em diversas localidades do continente africano e humilhados perante a humanidade como raça inferior.

O progresso e a independência começaram em 1975 e precisam ser continuadas. Pois, jovens cabo-verdianos, vamos nos unir a essa causa pelo amor e sentimento de filhos da pátria mãe. É uma tarefa difícil já que no cenário internacional reina o colonialismo travestido no modelo neoliberal e no fantasma de globalização. É um modelo que não permite lembrar, cultivar e vivenciar o passado dos povos oprimidos em benefício dos produtores da globalização e dos donos do modelo neoliberal. Isso é tão verdade que o nosso sistema de ensino não contou a minha história e nem do meu herói, porém foi suficiente o que professor Estevão me ensinou para perceber esta realidade e dar continuidade à missão de Cabral.

Quando aceitamos que o colonialismo faz parte de coisa do passado, nem sequer enxergamos a sua reciclagem que ajoelha os países africanos frente aos interesses dos países ocidentais. Os que no passado recente escravizaram o continente africano até o limite das últimas conseqüências. Já que o presente é fruto do passado, o mesmo se aplicando ao futuro em relação ao presente, como poderemos projetar um futuro melhor se não temos consciência e memória do passado?

Jovens cabo-verdianos, nesta luta eu já estou. Convido você a entrar. Vamos fazer isso pelos nossos pais que se ajoelharam frente do colonizador não pela covardia, mas pelo respeito à vida com uma arma de fogo apontada na cabeça. Esta luta não deve se pautar pela vingança organizada, mas sim por uma lição à humanidade de que é possível recuperar o atraso histórico roubado, construindo o nosso progresso a custa do nosso suor e sangue e não do suor e sangue dos outros como fizeram aqueles que nos colonizaram e que ainda continuam sob formas disfarçadas e invisíveis. Jovens, vamos lembrar do passado dramático dos nossos pais e acumular adrenalina para construir um verdadeiro progresso da nossa nação! Este requer ter a nossa própria língua, o nosso progresso tecnológico, uma expressão econômica e política no cenário internacional, nossa própria universidade para prestigiar cientista como Amílcar Cabral.

Levante jovem, apóie-se no amor que tens pela pátria mãe e seja um soldado firme a serviço da nação. Assim, deixaremos um legado para a próxima geração, a de 2040. Se assim procedermos, esta

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geração terá professores como Estevão e aprenderá nas escolas quem foi o Amílcar Cabral. Deste modo, a próxima geração será revolucionária e não passiva e apática como a de hoje.

Lino Vaz MonizGraduado em Ciência Política

Mestrando em Educação na Universidade de Brasí[email protected]

Jornal Horizonte,15 de Outubro de 2002

Por traz de toda essa história, há uma nação, um arquipélago de homens e mulheres

chamado Cabo Verde. Os filhos desse arquipélago lutam pela justiça. Amílcar Cabral já fez

a parte dele. A causa que o moveu inspira sonhos e luta de novas gerações. Para entender o

porquê dessa luta sem fim requer conhecer um pouco a origem da nação cabo-verdiana.

Cabo Verde é uma nação situada na costa ocidental da África no oceano atlântico.

É um arquipélago composto por 10 ilhas. Até 1460 essas ilhas não eram povoadas. O

advento da colonização portuguesa fez surgir a nação cabo-verdiana ao longo dos cinco

séculos da crueldade da exploração colonial e regime de escravidão. Nessa infinita história

de crueldade sobrou uma nação: um conjunto de homens e mulheres que foram arrancados

dos seus domicílios em diversas localidades do continente africano levados para o mundo

afora para prestarem serviço como escravo numa condição pior que animal de carga. Estes

homens e mulheres passavam para as ilhas de Cabo Verde onde eram domesticados num

modelo pedagógico que eleva a eficiência da máquina administrativa escravagista.

Após o processo pedagógico da domesticação, esses homens e mulheres seguiam

destino rumo ao Brasil e América do Norte. Parte deles ficava na ilhas. O comércio

triangular abastecia todas as frentes de trabalho com escravos que eram comercializados

como objetos.

Os homens e mulheres que ficavam nas ilhas começaram ao longo do tempo a

construir uma nova identidade: uma língua em comum, uma forma de pensar, amar e sentir

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saudade. Uma nova identidade cultural uma vez que estes inicialmente foram separados

brutalmente das suas comunidades étnicas e culturais para o efeito da eficiência operacional

da administração colonial. A nova identidade cultural que surge nas ilhas de Cabo Verde é

a prova viva da resistência dos homens e mulheres escravizados à procura de justiça . Essa

identidade cultural cantada na morna, batuque e fananá fundam a nação cabo-verdiana.

Uma existência com raízes da nobreza humana: a fome da justiça e sede da liberdade. Uma

existência que reflete a denúncia histórica da crueldade do mundo ocidental para com o

continente africano. Uma nação que simboliza o sofrimento e resistência dos filhos da

mamãe África, a grande mãe negra.

Pessoas, eu sou filho dessa nação. Sou filho dos homens e mulheres domesticados

na pedagogia da escravidão e que resistiram à dominação. Sou fruto dessa resistência que

teve auge com a tomada da independência política protagonizada pelos homens e mulheres

corajosos que deram a vida pela pátria mãe. Entre esses homens é necessário ressaltar a

figura de Amílcar Cabral, o grande herói das nações Guineense e cabo-verdiana. O meu

grande herói.

Para continuar a luta do meu herói, primeiro eu tenho que conhecê-lo

profundamente. O sistema escolar não me deu essa oportunidade. Lembro apenas do

professor Estevão que me falou dele com alma de um africano, como alguém

comprometido com o que ensinava. Os demais professores podem até ter falado do meu

herói. Certamente falaram sem alma a ponto de parecer uma lenda e não ficar registrado na

minha memória e cravado no meu coração.

O espaço universitário está me trazendo de volta ao cenário de reflexão sobre o meu

herói que iniciou há 20 anos atrás com o professor Estevão. O primeiro cenário foi com a

professara Laura Maria Coutinho, o qual já descrevi anteriormente. Essa reflexão foi

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enriquecida quando fiz uma disciplina Estágio Docente no primeiro semestre do ano 2003

com o professor Renato Hilário.

O professor Renato, assim como a professora Laura, conhece as obras de Amílcar

Cabral e a sua história de vida. Ao ter na turma um conterrâneo de Amílcar Cabral, abriu

espaço para diálogo e debate sobre o pensamento e luta de Cabral. Nesse espaço eu tive a

oportunidade de compartilhar com os colegas a minha história de vida; o amor á nação

cabo-verdiana; a paixão pela causa que moveu Amílcar Cabral.

Até então o meu projeto de pesquisa de mestrado sob a orientação da professora

Raquel de Almeida Moraes se restringia apenas ao estudo de Paulo Freire no novo contexto

tecnológico. O professor Renato, ao ter conhecimento disso, me problematizou:

“se o Amílcar Cabral está no seu sangue e na sua alma, como não pode estar no seu projeto de pesquisa que deve ser o seu projeto de vida?”

As colocações do professor Renato foram como chuva que cai num terreno seco

cuja plantação esteja morrendo. Deu ânimo e mais vida ao meu projeto de dissertação. Pela

primeira vez, depois de 20 anos de vida acadêmica, derramei lágrimas ao fazer um trabalho

acadêmico. Sempre choro quando escrevo algo relacionado a Amílcar Cabral e a minha

pátria amada. Por exemplo, chorei muito enquanto redigia o texto apresentado no início,

assim também chorei ao iniciar esse prefácio.

Passei a conhecer melhor o pensamento de Amílcar Cabral quando o professor

Renato me pediu que eu desse uma palestra numa turma de Estágio II para alunos de

graduação sobre Amílcar Cabral e Paulo Freire. Isso exigiu de mim uma longa preparação.

Pela primeira vez tive que ler os escritos de Cabral. Li A Arma da Teoria, Prática

Revolucionária e tantos outros que Professora Laura me passou.

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O meu projeto de pesquisa ganhou uma nova dimensão. Passou a ser um estudo de

Amílcar Cabral, Paulo Freire e novas tecnologias. Não é estranho falar de Paulo Freire

quando se fala de Amílcar Cabral. Paulo Freire é um admirador de Amílcar Cabral e o

considera um dos seus mestres. Ele conheceu as obras e a luta de Cabral. Militou na causa

que Cabral deu a vida tanto que ele ajudou a organizar projetos pedagógicos na Guiné

Bissau, Cabo Verde e outros países africanos. Foi dar continuidade a sua luta. Militou na

mesma causa que Cabral.

Em 1985 Paulo Freire esteve na Faculdade de Educação da Universidade de Brasília

ministrando uma palestra sobre Amílcar Cabral como pedagogo da revolução. Isso foi

possível graças ao esforços dos mestrandos e mestrandas da época que não só efetuaram

convite ao Paulo Freire como também patrocinaram o evento. Entres entes devemos

destacar a figura de Laura Maria Coutinho, Renato Hilário, Maria Luiza Angelim, Erasto

Fortes Mendonça, entre outros.

Paulo Freire e Amílcar Cabral sempre estiveram na mesma freqüência, a luta contra

a opressão e a injustiça. Proponho estudá-los no novo contexto tecnológico com o objetivo

de articular as suas estratégias de luta no novo cenário dominado pela tecnologia digital.

Deste modo tenho que exaltar o papel da professora Raquel de Almeida Moraes que tem

uma larga experiência na pesquisa sobre as novas tecnologias dentro de uma perceptiva de

democracia, justiça e liberdade. Ela na condição de minha orientadora vem me auxiliando

numa compreensão de que a tecnologia é uma arena de luta. O espaço digital pode ser

perfeitamente um campo de batalha. Ganhei essas aprendizagens com ela ao longo do curso

nas disciplinas que já ministrou e que participei como aluno e tutor.

A professora Raquel foi aluna de Paulo Freire. Ela rende muita admiração ao

mestre. Nas suas pesquisas, o mestre ocupa um espaço consagrado. Fazer a leitura do

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pensamento de Paulo Freire com o novo contexto tecnológico, e tê-la como orientadora é

uma combinação perfeita. Adicionar Amílcar Cabral nessa linha é perfeitamente cabível já

que Paulo Freire recebeu influência de Amílcar Cabral. Não quebra o ritmo da pesquisa,

apenas o enriquece.

Deste modo estruturei o meu projeto de pesquisa, que passou a se tornar

profundamente uma história de vida. Um reencontro com o professor Estevão. Reabilitação

de sentimento cravado na alma pela pátria mãe que precisa de filhos que lutem contra a

injustiça e opressão.

Pessoas, eu sou filho de uma nação esquartejada pelo colonialismo e massacrada

pelo modelo neocolonial. Uma nação pobre que anda nas esquinas do cenário internacional

como mendigo pedindo ajuda para o povo das ilhas. Uma nação que foi roubada a

oportunidade de crescer, de progredir e de fazer a sua própria história. Sou filho de uma

família de origem humilde do interior da Ilha de Santiago, pessoas da camada popular que

sofrem na pele a humilhação da colonização e neocolonização. A minha alma carrega toda

essa complexidade histórica de uma realidade que precisa ser mudada. Realidade que

homens como Amílcar Cabral, Patrice Lumumba, Kwame N’Krumah, Samora Machel,

Agostinho Neto, Nelson Mandela e tantos outros já tentaram mudar. É uma guerra que não

acaba. É uma missão que vai de geração para geração. Agora é a vez da minha geração. É a

vez de alguém assumir a missão.

Basta ouvir os gritos da mamãe África que chora de desespero de crianças que

passam fome; de hospital sem remédios; de escolas sem professores para que esta geração

se mova e fazer declaração à mamãe áfrica:

Mamãe não chore, não desespere!

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Enquanto eu estiver vivo, hei de te defender!

Não descasarei nem um instante; estarei sempre vigilante

para enfrentar até a morte os que fazem você chorar! Mamãe não fique triste

porque a bravura do amor de seu filho provocara uma revolução

para que você seja saciada da fome da justiça e sede da liberdade!

Declaração de compromisso de luta para assumir a responsabilidade social de uma

geração para conquistar o progresso de nação.

Progresso que deve ser conquistado de todas as formas. A pesquisa sobre Amílcar

Cabral e Paulo Freire no novo contexto tecnológico consiste em fazer do espaço acadêmico

uma arena de luta. Um centro de logística e de serviços de inteligência voltado para os

compromissos históricos do continente africano travado na minha alma.

Pessoas, a minha história de vida se confunde com o meu projeto de vida. Ambas

refletem a minha complexidade histórica e cultural. Continuarei compartilhando com vocês

a minha história de vida na próxima etapa em que estarei falando do meu projeto de vida.

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INTRODUÇÃO: UM PROJETO DE VIDA

O meu projeto de vida é incorporar a causa que o meu herói deu à sua vida: zelar

pelo progresso de uma nação a qual historicamente foi roubada a oportunidade de construir

a sua própria história. Neste sentido, a presente pesquisa de dissertação de mestrado se

constitui numa das diretrizes desta luta. É fazer do espaço acadêmico um centro logístico

comprometido com os homens e mulheres que padecem a fome da justiça e sede da

liberdade.

Para dar continuidade a luta iniciada por Amílcar Cabral e tantos outros

compatriotas é necessário repensar as estratégias e articulá-las ao o novo contexto. Um

novo cenário internacional em que o imperialismo se manifesta na forma do

neocolonialismo.

Os países africanos, ao tomarem a independência, caíram numa nova armadilha,

numa dominação invisível. Como sofreram séculos de exploração, a independência gerou

uma falência econômica total e absoluta. O esforço para conquistar a independência apenas

atingiu a dimensão política. Ouso afirmar que a fraqueza econômica abriu espaço para a

reciclagem do colonialismo na sua forma pós-colonial. Penso que a dependência

econômica enfraquece os governos, tornando-os apenas executivos dos interesses alheios a

vontade do povo. Uma dominação cujo opressor não tem cara e nem domicílio, mas o seu

poder é visível através dos organismos financeiros internacionais.

Amílcar Cabral já previa essa situação. Entendia que essa fase é muito perigosa,

doravante a luta devia deve ser mais intensa. O perigo consiste em se acreditar que a

expulsão dos colonialistas e a formação de um governo nacional encerram a etapa colonial.

Essa crença conduz à desmobilização social, a qual é reforçada pela própria natureza

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invisível da reciclagem do colonialismo que não se enxerga ao olho nu. É neste cenário que

a luta precisa ser reforçada, as estratégias precisam ser remontadas para desencadear uma

nova revolução para a desneocolonização.

Consciente de que este cenário perigoso ia chegar, Amílcar Cabral alertou aos

companheiros de luta que eles não ganhariam a guerra. Mas quem realmente a iria ganhar

seria a geração dos seus filhos. E estes, no futuro, travarão uma batalha mais difícil e não

usarão a arma de fogo, mas sim, a ciência e a matemática.

Na minha leitura, Amílcar Cabral estava consciente que a revolução armada era

apenas um começo de uma longa guerra. A independência política conquistada via

revolução armada iria simplesmente conduzir a relação de dominação para uma outra etapa

que exigiria uma nova estratégia revolucionária. Uma revolução que seria conduzida pelas

gerações dos seus filhos.

Eu faço parte dessa geração que o grande filho da pátria mãe atribuiu a missão de

dar continuidade à revolução. Quando Cabral disse que minha geração não vai usar a arma

de fogo mas sim a ciência, entendo que ele estava falando em usar a pedagogia e o

conhecimento científico e tecnológico para que homens e mulheres da nação enxerguem a

reciclagem do colonialismo e organizem uma nova revolução usando a tecnologia como

instrumento de luta.

É com essa leitura que delimitei o meu objeto de pesquisa de dissertação. O foco da

minha pesquisa consiste em fazer uma leitura da pedagogia de Paulo Freire no novo

contexto tecnológico. A concepção pedagógica freiriana é voltada para uma concepção

política em que o indivíduo se descobre como autor da sua própria história. Essa concepção

se constitui numa estratégia de luta no contexto neocolonial, possibilitando enxergar a

exploração invisível e como conseqüência, levar a uma mobilização social.

Page 19: amílcar cabral e paulo freire na era da tecnologia digital

A revolução da tecnologia digital causou impacto na vida social como um todo, a

qual vem servindo para reforçar a dominação, tornando-a mais eficiente. As estratégias de

luta contra a opressão também devem ser recontextualizadas aproveitando ao máximo as

potencialidades tecnológicas. Deste modo proponho repensar a pedagogia freiriana dentro

do novo cenário em que impera a tecnologia digital no final do século XX e nesse início do

século XXI.

Paulo Freire também militou na causa que Amílcar Cabral deu a vida. Deste modo

ele foi para Cabo Verde e Guiné Bissau (após as suas independências) e outros países

africanos para ajudar a organizar a alfabetização. Isso foi num contexto político em que a

luta consistia em quebrar os laços da dominação colonial via currículo pedagógico.

Amílcar Cabral e Paulo Freire já nos deixaram, entretanto a causa que eles

dedicaram a vida toda ainda está presente. Eu, como filho da geração Amílcar Cabral,

estou incumbido da missão de repensar as estratégias de luta do meu herói e levar um novo

Paulo Freire para militar na causa que eles deixaram. É com esta preocupação que esta

pesquisa se propõe a articular a concepção pedagógica freiriana com a tecnologia digital

como forma de dar continuidade à revolução que Amílcar Cabral começou e não terminou.

Para apresentar essa pesquisa, num primeiro momento sintetizarei as teorias

revolucionárias de Amílcar Cabral; a luta que ele travou durante a sua vida; o contexto da

sua luta; a sua morte como um legado para a geração futura de um projeto incompleto que

precisa ser repensado e levado para frente.

Em seguida, sintetizarei as teorias pedagógicas de Paulo Freire; a sua missão pelo

mundo comprometido com homens e mulheres a procura da justiça e liberdade culminando

com a sua viagem para a África como um encontro com Amílcar Cabral.

Page 20: amílcar cabral e paulo freire na era da tecnologia digital

Num terceiro momento, apresentarei o novo contexto social e político que sofreu o

impacto da tecnologia digital. Um contexto de dominação invisível em que a tecnologia

vem sendo usada para reforçar a opressão. Mas ciente da natureza contraditória dessa

tecnologia, procurarei ressaltar a sua importância na luta para superar as relações de

opressão social numa perspectiva democrática. Uma luta que usa a tecnologia como arma

tendo como base o dialogismo de Paulo Freire e arma da teoria de Amílcar Cabral.

A seguir, apresentarei uma pesquisa empírica na qual procuro fazer uma articulação

entre as potencialidades da tecnologia digital e a pedagogia freiriana. Essa pesquisa faz

uma avaliação da plataforma de ensino on line da UnB Virtual / CEAD, utilizada pela

Universidade de Brasília para a mediação da prática de ensino-aprendizagem de alguns de

seus cursos a distância. Essa avaliação tem por foco analisar a possibilidade desta

plataforma em viabilizar uma prática de ensino na concepção pedagógica de Paulo Freire

enquanto espaço de mediação dialógica.

Por último, através das considerações finais, apresentarei um balanço do foco da

pesquisa e descreverei como este projeto de dissertação será útil na projeção logística de

uma luta que a minha geração deve assumir como projeto de vida.

Essa é a síntese da presente pesquisa do mestrado. É também um projeto de vida.

Como alertou o professor Renato Hilário, o projeto acadêmico deve ser um projeto de vida.

Sendo assim, o espaço acadêmico está voltado para a nobreza da causa que inunda os meus

sonhos, o compromisso com a justiça para com os homens e as mulheres da minha pátria

mãe.

Page 21: amílcar cabral e paulo freire na era da tecnologia digital

Capítulo I - AMÍLCAR CABRAL

Amílcar CabralÉ herói do povo

Nasceu na GuinéEstudou em Cabo Verde

Com mais camaradasFundou PAIGC

Seu nome é CabralTodo mundo conhece

Pense nele com mais amorPorque ele bem merece.

1.1 - Introdução

Aprendi esse poema com o professor Estevão em 19831. Foi o primeiro contato que

eu tive com Amílcar Cabral. Um encontro marcado pela admiração da infância que guardou

na alma a memória de um homem que deu a vida para libertar a pátria mãe. A admiração da

infância foi tão profunda que resistiu até a fase dos estudos universitários, momento em que

se ganha maior capacidade de análise, o que possibilita maior compreensão da realidade. É

com esse olhar que procuro o verdadeiro sentido do poema que aprendi com o professor

Estevão. Para esta caminhada, é indispensável fazer uma leitura da história de vida de

Amílcar Cabral de forma contextualizada, sem perder de vista a época histórica em que ele

viveu.

Neste capítulo proponho a reflexão sobre Amílcar Cabral começando pela sua

história de vida. Em seguida vou apresentar o contexto político internacional marcado pela

guerra fria. Esse cenário político ajuda compreender as estratégias de luta de Cabral. Em

seguida vou enfocar a arma da teoria. Teorias revolucionárias por ele elaboradas para lhe

servir como arma de luta. Por fim farei uma leitura do poema que marcou meu primeiro

1 Em 1983 eu tinha apenas sete anos. Idade em que toda a criança começava a freqüentar a escola.

Page 22: amílcar cabral e paulo freire na era da tecnologia digital

encontro com Amílcar Cabral através do professor Estevão, dando ênfase no papel do

pedagogo.

1.2 História de Vida

Juvenal Lopes Cabral nasceu de uma família abastada. Aos nove anos de idade, sua

tia o levou para Portugal colocando-o na escola. Ao terminar a escola primária, a tia decidiu

colocar o sobrinho no seminário para seguir a vida eclesiástica. Juvenal não chegou a entrar

no seminário e voltou para Cabo Vede em 1907 aos seus 18 anos de idade. Regressou

porque as prolongadas secas2 que atingiram o arquipélago arruinou a sua família, que não

podia mais financiar os seus estudos em Portugal.

Em 1911 mudou-se para Guiné Bissau3. Aí trabalhou como professor em diversas

regiões. Bafatá foi o último local em que ele trabalhou. Foi aí que conheceu Iva Pinhel

Évora. Uma jovem de origem cabo-verdiana com quem se casou. Dessa união nasceu o

primeiro filho no dia 12 de setembro de 1924, o qual foi dado nome de Amílcar Lopes

Cabral.

Juvenal Cabral regressou para Cabo Verde em 1933. A família ficou em Guiné

Bissau. Três anos depois, Amílcar Cabral foi ao encontro do pai e começou a estudar na

escola primária, na rua Serpa Pinto, cidade da Praia.4 Em 1938 ele concluiu o ensino 2 Cabo Verde é um arquipélago composto por 10 ilhas situado na costa ocidental da África. Sofreu muito com a seca. A falta de chuva causava muito sofrimento na população. Ficou marcado na história do arquipélago a catástrofe de fome dos anos 20 e 47. Foram os períodos mais castigados pela seca. Estima-se que mais 30 mil habitantes morreram de fome na inicio da década de 40.3 Guiné Bissau foi a colônia portuguesa mais perto do arquipélago de Cabo Verde. Os portugueses ocuparam o arquipélago de Cabo Verde em 1460. Segundo os relatos históricos eram ilhas desabitadas. Foi povoada pelos portugueses e pessoas de varias nações africanas levadas a força na condição de escravo. Tendo em conta que Guiné Bissau foi a colônia mais próxima de Cabo Verde, grande parte da população de origem africana levada para Cabo Verde foi tirada da Guiné Bissau. Isso fez com que os dois países colonizados apresentem aproximações culturais. Deste modo havia muito fluxo de população de um lugar para outro. Esse contexto explica porque que Juvenal Cabral foi trabalhar na Guiné Bissau.4 Paria é capital de Cabo Verde. É uma cidade situada na ilha de São Tiago.

Page 23: amílcar cabral e paulo freire na era da tecnologia digital

primário. Foi estudar o ensino secundário no liceu Gil Eanes em Mindelo.5 Em 1944

Cabral terminou o ensino secundário. Tirou nos exames finais 17 valores dos 18. Pontuação

nunca antes alcançada naquele estabelecimento de ensino.

Amílcar Cabral era um jovem atento ao mundo ao seu redor. Nos seus poemas

expressava a agitação do mundo abalado pela segunda guerra mundial. Também os seus

versos espremiam o cotidiano do povo das ilhas clamando pela liberdade. Revelava ter

muita admiração pela família. Nos seus versos comparava a sua mãe com a estrela da sua

infância. Ainda jovem mostrava preocupação em começar a trabalhar para ajudar sua mãe e

suas duas irmãzinhas: Armanda e Arminda.

Era um jovem de talento. Debatia muito com o seu pai a realidade política do

arquipélago e a opressão colonial. Para ilustrar isso, segui um trecho de diálogo entre

Amílcar Cabral e o seu pai Juvenal Cabral:

[...] – Dá licença, pai. Não te incomodo? – Um jovem de uns dezoito anos entrou na

habitação. De estrutura média, esbelto, infundia simpatia logo à primeira vista. Quando falava, ao seu rosto aflorava um sorriso leve e agradável. Por trás dos cílios cerrado viam-se os seus olhos negros. - De forma alguma, Amílcar. Acabo de escrever uma carta e queria pedir-te que a levasse à cidade da Praia.- Mas os correios devem estar fechados nesta altura. Amanhã de manhã virá o carteiro e poderá leva-la. Escreveste à mãe pra Bafatá?- Não, escrevi ao Senhor Ministro, pedindo-lhe uma audiência. Pois tu sabes o senhor Francisco Vieira Machado está agora na Praia. Por isso decidi informá-lo sobre o meu plano de salvação do povo cabo-verdiano, sobre o qual já te falei.- Achas que o ministro te vai receber? Ainda no ano passado o governador nem te respondeu.- O governador não é tão competente; ele simplesmente não queria impor-se a responsabilidade de considerar um projecto importante relacionado com o futuro do nosso arquipélago. O ministro é que tem a plenitude de poderes e o nosso futuro depende só dele e do governo em Lisboa. - Oh, pai, não estou a entender porque é que em Lisboa devem decidir por nós o que há-de ser feito para salvar o nosso povo da fome e da seca.- Já to expliquei tantas vezes, Amílcar – replicou Juvenal com ar de cansaço. – É que nós temos pouca gente instruída e não temos especialistas, bons peritos, e por isso toda a nossa esperança é a metrópole. Somos afinal uma colônia deles e eles devem preocupar-se conosco. Mas eles, também, necessitam de médicos, professores, agrônomos e quase não os têm. Então, é um círculo vicioso e ninguém é capaz de rompê-lo.- Então para que escreveste um memorando ao ministro, se ele não pode fazer nada?

5 Mindelo é a capital da Ilha de São Vicente. Uma das ilhas do arquipélago de Cabo Verde.

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- É porque sempre tenho a esperança de que, cedo ou tarde, as coisas melhorarão, e então as pessoas recordarão do meu projeto de salvação do arquipélago que tu, hoje, levarás à Praia e deixarás na residência do ministro. Talvez ele me receba. - Está bem, pai. Vou em seguida. Do Tarrafal até à cidade sempre há carros que me darão boleia.( HRHATBEB: 1984, pp 5 - 6). [...] Mas, pai – replicou Amílcar-, as autoridades portuguesas não se importam com os nossos problemas. Tu sabe-lo perfeitamente pela tua própria experiência. Lembras-te, de há três anos, quando eu vim cá de Mindelo para passar as férias de Natal, teres escrito uma carta, pedindo audiência ao ministro das colônias? Nem sequer respondeu à tua solicitação, embora não sejas um africano qualquer, mas um homem de muito respeito entre os habitantes da ilha. Quando nos tornarmos livres, seremos nós próprios os senhores da nossa vida e não vamos pedir favores ao ministro que vêm cá de caminho. Tenho certeza de que chegarão os tempos em que teremos o direito de falar de igual para igual com qualquer funcionário que esteja aqui de passagem. É o direito do povo que vive na sua terra.- Oh, filho, não compartilho as tuas opiniões radicais. Com estas idéias vais acabar mal. Eu sou partidário dum processo moderado. Agora obtivestes a possibilidade de estudar em Lisboa e espero que chegas a ser um engenheiro agrónomo. Para nós os tempos mudam para o melhor. O teu exemplo é bem elucidativo. - Mas, pai, uma evolução que vai tão lentamente, não trará nada para o nosso povo. Em quinhentos anos, quase quinhentos anos de colonização, se eu terminar felizmente os estudos, serei apenas um dos doze africanos de Cabo Verde e da Guiné Portuguesa que receberam instrução superior. Será possível aceitar essa “evolução”?- Pelo que vejo, é impossível persuadir-te. Por acaso ainda é cedo [...](HRHATBEB: 1984, pp 15).

Amílcar Cabral foi um jovem de espírito revolucionário. Dotado de uma

consciência política lúcida a ponto de resistir a qualquer persuasão como reconheceu seu o

próprio pai. Um sentimento de revolta que se transformou em sonho. A conquista da

liberdade constituiu o horizonte principal do sonho que se tornou um projeto de vida.

Projeto que ganhou mais força quando foi contemplado com uma bolsa de estudo num dos

centros de ensino superior na metrópole.

Amílcar Cabral foi um dos primeiros jovens, naturais das colônias, a serem

contemplados com bolsa de estudo. As autoridades portuguesas, durante cinco séculos de

colonização não admitiam que os naturais das colônias freqüentassem ensino superior em

Portugal. Após a primeira e segunda guerra mundial o contexto político internacional

mudou. Havia uma grande campanha sobre a autodeterminação dos povos asiáticos e

africanos que eram colonizados. Em função disso, as autoridades portuguesas tiveram que

relaxar as regras devido a pressão do novo cenário político. Foi assim que a administração

Page 25: amílcar cabral e paulo freire na era da tecnologia digital

colonial passou a conceder bolsas para naturais das colônias que tiveram maior

desempenho escolar para freqüentarem ensino superior em Portugal.

Ao ser contemplado com a bolsa, Cabral escolheu o Instituto Superior de

Agronomia. Fez essa escolha na certeza de que como engenheiro agrônomo ajudaria o povo

das ilhas que passaria fome por causa da seca.

Iniciou seu estudo universitário em 1945 e logo destacou-se como melhor aluno do

seu curso. Também se destacou entre os colegas africanos naturais das outras colônias.

Entre estes, podemos assinalar: Marcelino dos Santos e Luís Henrique naturais de

Moçambique; Agostinho Neto6 de Angola; Vasco Cabral de Cabo Verde. Juntos formaram

um verdadeiro núcleo de estudo. Criaram espaços de reflexão e troca de poesias. Refletiam

sobre a realidade colonial dos seus países. Estudavam e debatiam sobre a história e cultura

africana, o que era proibido ser ensinado. Foi aí que nasceu o primeiro núcleo de

intelectuais nacionalistas dos países africanos colonizados por Portugal. Um verdadeiro

serviço de inteligência voltado para o horizonte da conquista da liberdade do povo

oprimido.

Em 1952 Amílcar Cabral concluiu o curso de Agronomia. No mesmo ano, casou-se

com Maria Helena7 e foi para Guiné Bissau trabalhar como engenheiro agrônomo. Foi

nomeado chefe de estação em Pessubé. Ao assumir seu primeiro cargo, começou a preparar

uma longa caminhada com rumo ao horizonte do seu sonho. Enquanto chefe da Estação

6 Agostinho neto estudava medicina. Ao regressar para Angola foi um grande líder assim como Amílcar Cabral ao voltar para Guiné e Cabo Verde. Mantiveram articulados durante todo o processo de luta pela independência. Como homenagem a esse angolano, o maior complexo hospitalar em Cabo Verde hoje chama Hospital Agostinho Neto.7 Maria Helena é uma jovem portuguesa. Foi colega de universidade de Amílcar Cabral. Estudavam na mesma universidade. Tiveram uma filha. Divorciaram no auge da luta armada liderada por Cabral dado ao desentendimento de natureza política. Após o divorcio, Cabral casou-se uma cabo-verdiana. O PAIGC, partido liderado por Cabral é que efetuou o matrimonio, efetuado o registro civil dando a validade jurídica.

Page 26: amílcar cabral e paulo freire na era da tecnologia digital

atuou como um revolucionário comprometido com homens e mulheres que padecem da

fome da justiça e sede da liberdade. O trecho a seguir demonstra isso.

[...] Quando Amílcar e Maria Helena apareceram na entrada da casinha do senhor Ilário

Lopes – assim se chamava o chefe do posto – ele, sabendo da chegada do engenheiro agrônomo, ficou muito admirado e até perplexo de ver à sua frente um “nativo”. De inicio ainda tentou esboçar um sorriso e depois começou a proferir frases quase ininteligíveis:

- Tenha a bondade. Muito prazer... Sou chefe do posto, Ilário Lopes. Fui informado da sua chegada... Terei todo o prazer em ser-lhe útil... Não querem descansar um pouco da viagem, comer alguma coisa?

Maria Helena queria dizer alguma coisa, mas Amílcar antecipou-se-lhe.[...] - Agradecemos muito, senhor Lopes, mas nós só queríamos ver as terras que o senhor

governador propõe para os nossos ensaios e regressaremos em seguida. Marquei para as seis horas da tarde em Pessubé uma reunião do pessoal da estação e não gostaria de chegar tarde. [...] - Senhor engenheiro – dirigiu-se Lopes a Amílcar - uma vez que o senhor volta para Bissau ainda hoje, antes de terminar o dia de trabalho, talvez pudesse fazer-me um favor. Aconteceu qualquer coisa no nosso receptor. Recebemos ontem o último despacho em que nos informavam sobre a sua chegada, mas agora não funciona. Não sei se descarregaram as pilhas ou se queimaram algumas válvulas. Se o seu motorista o levasse à oficina do porto de Bissau, amanhã eu recebe-lo-ia de volta por um barco que viesse de passagem.

- Claro que sim, ora essa. Peça que o tragam para o barco e eu pedirei ao João que o leve para consertar em Bissau.

- Muito obrigado, senhor engenheiro. Tenha a bondade, sente-se aqui à sombra. Vou já dar ordens para que carreguem o receptor para o vosso barco. Ela já vem – apontou Lopes com a mão para uma casinha que tinha debaixo da escada um caixote negro. – Fátima, Fátima! – gritou Lopes, inclinando a cabeça de lado e ficando à escuta.

- Fátima! – chamou Lopes de novo, com irritação. Por detrás de uma árvore apareceu a cabecinha crespa de um rapazinho com uns nove

anos.- A tia Fátima foi lavar roupa, senhor chefe – disse ele com uma vozinha fina.

- Vai a correr atrás dela e diz que a mandei vir aqui já.O menino desapareceu. Lopes tirou do bolso um grande lenço axadrezado e assoou

ruidosamente o nariz.- É uma desgraça lidar com estes... começou ele. Olhou para Amílcar, calou-se e procurou

uma palavra adequada - ...habitantes locais. São todos preguiçosos como o diabo. Não têm qualquer respeito pelas autoridades. Decerto o senhor engenheiro também tem muita dificuldade com eles...

Amílcar encolheu os ombros:- Porquê? É Verdade que comecei a trabalhar há pouco tempo, mas por ora não tenho

encontrado dificuldades. Não sei como vai ser depois. Nesse momento chegou o rapaz a correr. - A tia Fátima já vem. Eu disse-lhe.Amílcar chamou o pequeno com o dedo.- Como te chamas?- Mané - respondeu o menino. - Quer dizer, Manuel. E o que tu fazes, Manuel?- Eu? Nada. Mas meu irmão sabe escrever – disse o garoto com orgulho.- Isso é formidável. E tu não sabes?Mané ia responder, mas nesse momento ouviu-se um grito de Lopes. Caminhando com

passo lento e pesado, aproximou-se de uma choça junto da qual estava parada uma mulher idosa sustentando à cabeça uma bacia esmaltada cheia de roupa molhada e torcida. Cabral notou que a mão direita de Lopes, escondia atrás das costas, segurava o cabo grosso de um chicote de couro. Lopes aproximou-se da mulher, ergueu o braço e desferiu uma chicotada. A bacia caiu e a roupa

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enterrou-se na poeira vermelha do caminho. A mulher soltou um gemido baixinho e pôs-se de cócoras.

- Eu não te disse, bruxa velha, que não saísse de casa? Por que não levaste o rádio para o ancoradouro? – berrou o chefe de posto ao mesmo tempo que, após cada frase, ia dando novas pancadas sobre o corpo encolhido na terra.

Amílcar levantou-se do banco, de um salto. - Pare, ordeno-lhe!Lopes voltou-se:- Que é isso. Com que direito é que o senhor me dá ordens? -Com o direito de seu superior, que me é conferido pelo governador e por Lisboa.Lopes baixou o braço que estava erguido para mais uma chicotada. Os seus olhos

refletiam ódio de mistura com perplexidade. - Quer dizer então que não posso castigar estes preguiçosos?- Proíbo-o de aplicar castigos corporais. E se da próxima vez que aqui vier, algum dos

habitantes se queixar de que o senhor os trata mal, será imediatamente demitido do seu cargo e castigado. – Amílcar virou-se para Maria Helena que, pálida, assistia a esta cena com os olhos arregalados. – Vamos, querida, são horas.

No regresso, o barco não se desviou mais da rota, e Amílcar passou todo o tempo sentado numa cadeira, à popa, sem dizer uma palavra. Só quando entrou em casa é que desabafou.

- Pois é, Helena. Vê como são aqui os costumes! Tinhas toda razão, lá em Lisboa, ao dizeres que eu devia voltar para junto do meu povo o mais rapidamente possível.

- Sabes, Amílcar, o que mais me admirou foi que a mulher nem tentasse defender-se. Porquê? Será que ela tem o medo assim tão metido no fundo da alma? Nem tentou arrancar o chicote das mãos daquele canalha ou sequer fugir dele.

- Fugir para onde? Tudo está cercado de água, pois é uma ilha. Além disso, é ali que tem a sua casa a sua família. E, em última instância, o infame daquele Lopes tem a liberdade de fazer deles o que bem entender.

- E não viste os olhinhos do garoto, do Mané, Manuel, quando te levantaste e ordenaste ao Lopes que parasse de humilhar a mulher?

- Como podia eu notar, se estava de costa para ele?- Pois eu notei. Parecia que o que mais o assustou e admirou foi ver alguém que pudesse

dar ordens a um português. E nem era bem isso, ele não ficou admirado, ele olhava para ti cheio de júbilo.

- Mas compreendeste, querida, ele nunca viu um habitante local, um nativo – e para ele eu sou um nativo – dar ordens a um português. Foi isso que o admirou. É nas crianças como esta, talvez um pouco mais velha, mais adultas, que se deve depositar esperança. É preciso educa-las, ensina-las a pensar na necessidade da luta pela dignidade própria.

Amílcar Cabral é um nativo da Guiné Bissau e Cabo Verde. Mané viu nele um

irmão de sangue que realmente pode dizer um basta à injustiça. Mesmo criança, a

admiração o fez abrir bem grande os olhos e ficar coberto de emoção. O sentimento dessa

criança é a prova bem viva do valor da justiça. É isso que moveu Cabral desde a sua

juventude. Momentos que o seu pai, através de debates, o considerava radical e lhe fazia

apelo por uma postura mais moderada. A força da justiça cravada na sua alma o fez sonhar

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com horizonte. Sonho que crianças como Mané sejam esperanças de um futuro em que

homens e mulheres não padeçam fome da justiça e nem cede da liberdade.

Esse sentimento conduziu o seu trabalho enquanto agrônomo. Tanto que em 1953

foi encarregado de fazer recenseamento agrícola em todo o território da Guiné Bissau.

Aproveitou essa missão para conhecer todos os cantos da sua terra. Não se restringiu

apenas em catalogar o tipo de solo e cultivo nele efetuado. Fez um levantamento de

natureza sociológica e antropológica de cada comunidade. Um verdadeiro trabalho de

campo que lhe permitiu conhecer a manifestação cultural de cada grupo étnico e o

mecanismo de dominação usado pelo colonizador.

Em 1954 terminou o recenseamento agrícola. O mais importante desse trabalho é

que Cabral esteve em todas as tabancas8 do seu país. Momento em que conheceu centenas

de pessoas e fez muitas amizades. Conheceu de perto os problemas que preocupavam cada

tribo e o que os diferenciavam. Passou a conhecer Guiné Bissau melhor de que qualquer

dos seus administradores. Além disso, já tinha contactos e correligionários em qualquer

região.

Amílcar Cabral, durante o recenseamento, não foi apenas um agrônomo, foi

pesquisar no campo da sociologia e da antropologia. Reuniu todos os elementos e passou a

estuda-los profundamente. Começou a descobrir na prática a riqueza cultural do seu povo.

Foi a partir daí que começou a elaborar teorias que lhe permitissem compreender a

realidade do seu povo participando do drama do cotidiano. Criou um outro olhar da ciência

ao perceber que seu povo tem história.

Na condição de um revolucionário, Amílcar Cabral criou uma nova ciência a

serviço do seu sonho. Com a visão de um cientista e astúcia de um político, fundou um

8 Tabanca é o nome dado a cada aldeia na Guiné Bissau.

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partido (PAIGC - Partido Africano de Independência de Guiné e Cabo Verde) em 19 de

setembro de 1956. Além de Cabral participaram da fundação, Luís Cabral9, Fernando

Fortes, Júlio de Almeida, Aristides Pereira10 e Elize Turpan.

PAIGC foi concebido dentro da concepção leninista do partido de vanguarda. Lênin

desenvolveu a teoria do partido de vanguarda numa perspectiva revolucionária no quadro

da estratégia marxista. A preocupação principal de Lênin é definir um modelo de um

partido composto por revolucionários profissionais, de intelectuais e de semi-intelectuais,

operários ou não. Este modelo serviu de inspiração para os dirigentes dos movimentos

nacionais nas colônias que são na sua maioria intelectuais. (CANÊDO: 1991, pp 37).

Amílcar Cabral, enquanto intelectual, pensou PAIGC como uma instituição

cultural, um fato e fator cultural. O partido é a expressão da manifestação cultural do povo

cuja espontaneidade se constitui uma resistência a dominação estrangeira. Isso reflete o fato

cultural. Por outro lado, a instituição partidária é um fator cultural uma vez que interfere

nos valores culturais, através de um trabalho pedagógico, para aumentar a resistência contra

o colonizador.

PAIGC, sob a liderança de Cabral tinha uma missão bem definida: conduzir Guiné

Bissau e Cabo Verde à independência. Foi um instrumento de luta que atuou em várias

frentes. No campo pedagógico fazendo campanha junto a população e interferindo nos

valores culturais; no campo diplomático denunciando ao mundo a opressão que o povo da

Guiné e Cabo verde estavam sofrendo nas mãos dos colonialista portugueses; no campo da

ciência através dos estudos e teorias que resgatam a personalidade histórica do homem

9 Luis Cabral é irmão de Amílcar Cabral apenas pelo lado do pai. Ele foi o primeiro presidente da Guiné Bissau após independência.10 Aristides Pereira foi o mais próximo colaborador de Amílcar Cabral. Ele assumiu a liderança do partido após a morte de Cabral. Foi presidente de Cabo Verde após a independência. Ficou no poder durante 15 anos sob regime de partido único. Perdeu a posse em 1990 com a mudança política para sistema democrático. Perdeu eleição por António Mascarenhas Monteiro.

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africano, contrariando a ciência ao serviço do opressor; no campo militar enfrentando o

exército do colonizador. PAIGC atuou com garra em todas as frentes até que Guiné Bissau

e Cabo Verde conquistaram independência em 24 de setembro de 1973 e 5 de julho de 1975

respectivamente.

Amílcar Cabral não pode comemorar o resultado do seu sonho uma vez que foi

assassinado no dia 20 de janeiro de 1973, oito meses antes da independência da Guiné

Bissau. O sonho que carregou da juventude que se expressa nos diálogos com o seu pai.

Um horizonte a ser alcançado que foi consolidado numa longa preparação nos espaços

universitários através de profundas reflexões e debates com seus conterrâneos africanos

colegas de universidade. Daí ganhou força e começou a atuar no terreno na sua terra natal e

conquistou o coração de Mané que ficou de pé com olhos bem abertos observando com

orgulho a valentia de um justiceiro que é irmão de sangue. Através da sua brilhante

inteligência, tornou esse sonho real na concepção de um partido como expressão da

resistência cultural.

Todas essas etapas mostram que Cabral deu sua própria vida para alcançar o

horizonte do seu sonho. Ele certamente não morreu preocupado porque sabia que a

caminhada para o horizonte do seu sonho é uma luta continua e sem fim. Foi por isso que

depositou toda a esperança no Mané e pensou o partido numa dimensão cultural e

pedagógica para que o seu sonho atravesse geração a geração.

Cabral não morreu porque a geração de Mané ficou com sua imagem cravada nos

olhos bem abertos e cheios de orgulho. Uma admiração profunda tanto que meu professor

Estevão, que representa a geração de Mané, na sua prática pedagógica, me proporcionou

um encontro com Cabral através de poemas e histórias de heroísmo. Um encontro marcado

pelo orgulho. Uma força subjetiva semelhante à que encantou Mané, tomou conta de mim.

Page 31: amílcar cabral e paulo freire na era da tecnologia digital

Algo que até ainda permanece na minha alma que me faz caminhar para o horizonte do seu

sonho, do meu sonho, do nosso sonho.

1.3 Cenário Internacional

As estratégias de luta adotadas por Amílcar Cabral para alcançar o horizonte do seu

sonho só podem ser compreendidas através de uma leitura contextualizada da história. Essa

leitura deve ter como foco a ambição dos impérios em dominar o mundo.

Os registros da história demonstram que sempre os grandes impérios é que

dominaram o mundo. Assim foi na Idade Antiga com o Império Romano e na Idade Média

com a Igreja Católica. Na Idade Moderna as grandes potências como Inglaterra, França,

Espanha e Portugal ganharam dimensão de império através da colonização dos outros

povos.

No séc. XV Portugal lançou-se ao mar a procura de novas terras. Navegou pelo

litoral do continente africano e submeteu ao seu domínio as Ilhas de Cabo Verde, Guiné

Bissau, São Tomé e Príncipe, Angola e Moçambique. Expandiu para o continente

americano e asiático. Tornou Brasil e parte da Índia (Goa) suas colônias. Por ser pioneiro

na expansão marítima, ganhou destaque como o grande império da Europa. A hegemonia

era tanta que a Espanha, ao iniciar sua expansão, teve que enfrentá-lo. A disputa foi

resolvida no Tratado de Tordesilhas mediado pelo Papa, o maior autoridade imperial da

época. No tratado, os dois países ibéricos estabeleceram um acordo sobre as terras

descobertas ou a serem descobertas. (PEDRO: 1985, pp 25).

No séc. XVI, Holanda, Inglaterra e a França lançaram-se na expansão marítima. Já

no séc. XVII a Inglaterra ascendeu e superou a hegemonia portuguesa e espanhola.

Page 32: amílcar cabral e paulo freire na era da tecnologia digital

(PEDRO: 1985, pp 27). A corrida imperial avançou de forma significativa no séc. XIX.

Neste período as potências européias dominaram o continente asiático e africano

submetendo-os ao domínio colonial. A superioridade militar européia foi determinante para

essas conquistas. Em 1877 a rainha Vitória, soberana inglesa, foi consagrada imperatriz da

Índia. Em 1842 a China foi derrotada na Guerra do Ópio contra os ingleses. O seu território

foi dividido em áreas de influência da Inglaterra, Alemanha, França, Estados Unidos, Japão

e Itália. (PEDRO: 1985, pp 291).

O domínio das colônias no continente africano, até esta época, se limitava no

litoral. Este continente vinha servindo como fornecedor de escravos através do comércio

triangular que abastecia as frentes de trabalho no Brasil e Estados Unidos. Até 1870, apenas

10,8% do seu território estavam sob o domínio das potências imperialistas européias. Já em

1900 90,4% já tinha sido ocupado. (MELLO: 1993, pp 207). A entrada no interior do

continente levou a uma grande disputa entre os imperialistas. Para disciplinar o processo,

Bismarck convocou 12 países com interesse na África para uma conferência em 1884.

Nesta conferência, o continente africano foi fatiado e divido entre as potências. Portugal

que fora um grande Império mostrou-se totalmente enfraquecido. Tanto que no acordo

firmado na conferência conseguiu apenas manter as colônias no litoral (as Ilhas de Cabo

Verde e Guiné Bissau, São Tomé e Príncipe, Angola e Moçambique). Isso se deve a

proteção da Inglaterra que tinha interesse nessas colônias.

No início do séc. XX o mundo estava totalmente dominado. As potências européias

se tornaram donas do mundo. A Inglaterra se destacava como o maior império. Mais de 50

países distribuídos em todos os continentes estavam sob seu domínio. Em seguida vinha a

França com um domínio colonial vinte vezes superior a sua dimensão territorial. A

liderança era seguida pela Holanda e Alemanha.

Page 33: amílcar cabral e paulo freire na era da tecnologia digital

Quanto maior for a área de influência de uma potência, mais forte esta se torna em

relação aos demais. Foi esta a ambição que moveu as potências da Idade Modernas. Tanto

que o mundo inteiro não foi suficiente para elas. Como conseqüência, submeteram-se em

duas grandes guerras conhecidas como a primeira e a segunda guerra mundial. Não foi uma

guerra dos povos dominados contra os imperialistas, mas sim entre os próprios

imperialistas. O desejo de apoderar das colônias alheias foi a principal causa do conflito.

A Idade Contemporânea foi marcada por essas guerras que enfraqueceram os

impérios da Idade Moderna. Daí surgiram duas novas potências: Estados Unidos da

América (EUA) e União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS).

Uma potência para atingir a dimensão de um império precisa alargar sua influência

sobre os outros povos. Neste sentido, EUA e URSS encontravam dificuldades já que os

espaços onde poderiam exercer influência ainda eram colônias dos impérios da Idade

Moderna que se encontrava em fase de falência. Neste caso, no meu entender, as novas

potências precisavam montar uma operação para neutralizar os impérios falidos e transferir

as suas colônias para base dos seus domínios.

EUA e URSS, não conseguiram disciplinar suas ambições como fez Bismarck em

1884 com as potências européias através da Conferência de Berlim. Lançaram-se numa

disputa violenta. O objetivo era o mesmo. A razão só podia ser numérica, ou seja, quem ia

conquistar mais áreas de influência aproveitando a falência das potências européias. Para

isso criaram um mecanismo ideológico, financeiro e militar de sedução. Os Estados

Unidos da América levantaram a bandeira do capitalismo. Criaram um bloco a sua volta

com um pacote de proteção financeiro e militar para seduzir os países para sua zona de

influência. A União das Repúblicas Socialistas Soviéticas não perderam a oportunidade.

Adotaram as mesmas estratégias sobre o lema socialista.

Page 34: amílcar cabral e paulo freire na era da tecnologia digital

Em agosto de 1945, no final de segunda guerra mundial, o Japão apesar de já estar

dominado pela forças norte-americanas, teve duas bombas atômicas lançadas contra o seu

território. Isso serviu de aviso para URSS e o resto do mundo sobre a sua força militar.

Intimidando o inimigo, os EUA ganhariam mais força para alargar a sua influência. Em

1949, quatro anos após, a URSS responderam a intimidação anunciando o domínio da

tecnologia de armas nucleares. Com armas de destruição em massa, as duas potências se

tornaram vulneráveis uma em relação à outra. Isso criou um equilíbrio de força. Esse

equilíbrio criou o cenário perfeito para essas potências alargarem suas influências. Eric

Hobsbawm (1995) analisa esse equilíbrio como o jogo do rato e do gato, porque o mundo

inteiro ficou em pânico sob a ameaça dos seus poderios militares. Neste clima, a segurança

só poderia ser garantida filiando-se a um dos blocos. Diante disso, o mundo ficou

bipolarizado, dividido em duas áreas de influência: capitalismo e socialismo.

Nessa disputa, a Organização das Nações Unidas serviu como salão de teatro. Uma

instituição de caráter neutro a serviço das duas novas potências. A aparente neutralidade

dava mais seriedade e confiança aos países alvos da sedução já que esta instituição defendia

a carta universal dos Direitos Humanos. Tal carta exigia que todos os povos colonizados

fossem libertados. Como grande parte dos países no mundo ainda estava sob domínio

colonial dos impérios europeus falidos, a presença da ONU foi recebida com muito

entusiasmo e simpatia. Assim, a ONU enquanto instituição a serviço dos interesses dos

novos impérios ganhou prestígio.

Deste modo o cenário se tornou propício para a descolonização. Os movimentos

nacionalistas nos países sob domínio colonial ganharam a visibilidade. Como o mundo

estava bipolarizado, estes podiam recorrer ao apoio do bloco capitalista ou socialista. Nesse

cenário fechado, o controle das duas potências era total e absoluto. Tanto que a luta da

Page 35: amílcar cabral e paulo freire na era da tecnologia digital

libertação nos países colonizados ou era dirigido por um partido liberal com apoio do bloco

capitalista ou socialista apoiado pelo bloco oposto. A disputa foi tão violenta que nos países

em que houve mais de um partido político apoiado por blocos diferentes, de modo geral, a

guerra continuou mesmo após a conquista da independência.

Mas os países que sofreram a colonização estavam esgotados economicamente e

quando se tornaram independentes, estavam próximos a uma situação de falência. Nessa

circunstância, quando a independência era conquistada com o financiamento de uma

potência que tinha ambição imperial, no mínimo se caia na armadilha da recolonização, o

neocolonialismo. Uma forma indireta da colonização em que as potências exercem

influência sobre a liderança dos governos nacionais de cada país.

A operação transferência de colônia foi um sucesso. Todos os países colonizados

conquistaram a independência controlada pelo seu financiador. Podemos tomar como

exemplo a maioria dos países africanos que alcançaram independência na década de 60,

período auge da Guerra Fria, quando essa operação de transferência de colônia ocorreu.

Finalmente, as duas novas potências ganharam dimensão de império e os que estavam em

fase de falência foram praticamente neutralizadas.

Amílcar Cabral chegou a Lisboa em 1945 para estudar no Instituto Superior de

Agronomia. Época em que a operação transferência de colônia estava em fase de

montagem. Tanto que o mundo começou a ser agitado com princípios humanistas expressos

na carta universal dos direitos humanos defendida pela ONU. Em função dessas pressões,

Portugal teve que relaxar suas regras racistas e conceder bolsa de estudo para os filhos das

colônias. Isso porque fazia parte da operação preparar uma elite intelectual nativa de cada

colônia para conduzir o processo de independência. Foi nesse esquema que Amílcar Cabral

chegou a Lisboa com uma bolsa de estudo concedido pelas autoridades coloniais.

Page 36: amílcar cabral e paulo freire na era da tecnologia digital

Amílcar Cabral já carregava dentro de si um sonho bem sólido: conquistar a

independência do seu povo. Isso está expresso no diálogo que travava com o seu pai. Tinha

sólida convicção que seria incapaz de sofrer qualquer persuasão como reconhecia seu

próprio pai. Fez do espaço universitário, o momento de uma longa preparação, não se

deixando alienar pela burocracia acadêmica universitária que estabelece fronteiras entre as

áreas de conhecimento. Para superar isso, estudou tudo o que nunca lhe fora ensinado.

Estudou a história, sociologia, ciência política e várias outras áreas que lhe permitiram

construir um conhecimento sólido e substancial. Junto com colegas como Marcelino dos

Santos, Agostinho Neto, entre outros, criaram um núcleo de estudos através do qual

construíram profundas e valiosas reflexões sobre o futuro dos seus países que ainda se

encontravam sob domínio colonial.

Essa sólida preparação acadêmica fez Amílcar Cabal perceber o cenário político que

estava ao seu redor. Entendeu com profundeza a operação de transferência da colônia

montada pelas duas novas potências. Como líder do povo da Guiné Bissau e Cabo Verde,

povos explorados e sem expressão, não podia fazer muita coisa se não fingir aceitar as

regras do jogo. Tanto que simpatizou mais com o bloco socialista. Aproveitou-se do

cenário para conquistar uma independência sem cair na armadilha montada. A principal

estratégia para escapar dessa armadilha consistia na esperança de educar crianças como

Mané que iriam lutar pela dignidade própria. Foi com essa visão que elaborou um conjunto

de teorias voltado para a resistência cultural, a as utilizou como arma de luta.

Page 37: amílcar cabral e paulo freire na era da tecnologia digital

1.4 - Arma da Teoria

“[...] se é verdade que uma revolução pode falhar, mesmo que seja nutrida por teorias perfeitamente concebidas, ainda ninguém praticou vitoriosamente uma Revolução sem teoria revolucionária.” (CABRAL: 1978, pp 202).

Para alcançar o horizonte do seu sonho, Amílcar Cabral teve que conceber teorias

revolucionárias para se esquivar das armadilhas do imperialismo. No entender dele, o

imperialismo se manifesta de duas formas: colonialismo e neocolonialismo. O primeiro é

uma dominação direta. O povo dominado é governado diretamente por um governo

estrangeiro. Já o segundo, é uma dominação indireta. Esta se efetiva através de um governo

nacional que é controlado pelos imperialistas.

“ A essência do neocolonialismo é de que o Estado que a ele está sujeito é, teoricamente, independente e tem todos os adornos exteriores da soberania internacional. Na realidade, seu sistema econômico e portanto seu sistema político é dirigido do exterior ”. (N’KRUMAH: 1967, pp i).

A definição de Kwame N’Krumah sobre o neocolonialismo é uma análise da

realidade enfrentada pelos países africanos após a conquista da independência. Isso

demonstra, de certa forma, que a independência conquistada é falsa, ou seja, os países

africanos caíram na armadilha da operação transferência de colônia montada pelo cenário

da guerra fria.

Kwame N’Krumah é o primeiro líder nacionalista a conduzir o movimento de

independência no continente africano na época da guerra fria. Lutou contra o colonialismo

britânico na Costa de Ouro. Em 1957 seu país tomou independência e mudou seu nome

para Gana. Seguindo a este, até 1964, cerca 24 países africanos conquistaram suas

independências.

Page 38: amílcar cabral e paulo freire na era da tecnologia digital

Os países africanos sob domínio colonial português foram os últimos a

conquistarem independência. Amílcar Cabral, ao lutar contra o colonialismo português em

Cabo Verde e Guiné Bissau pôde presenciar a realidade neocolonial descrito por Kwame

N’Krumah uma vez que enquanto traçava as estratégias de luta, praticamente todos os

países africanos já tinham conquistado a independência.

Ao presenciar essa realidade, tornava-se um desafio conquistar uma verdadeira

independência para não cair na armadilha do neocolonialismo. Deste modo começou a

examinar as manifestações do imperialismo com o intuito de elaborar uma teoria que lhe

servisse como meio de conduta para guiar uma revolução.

Dado a esta preocupação, Amílcar Cabral percebeu que a substância do poder de um

povo se resume na sua manifestação cultural. Considerando que a base do poder de

qualquer povo é a sua cultura, esta constitui a maior resistência a um governo estrangeiro

invasor. Isso significa que o invasor nunca conseguirá estabilizar seu domínio enquanto o

povo dominado estiver culturalmente vivo. Deste modo, o invasor tem duas alternativas de

ação no entender de Cabral. A primeira consiste em liquidar a população, reduzindo-a a

um número insignificante, paralisando a sua vida cultural. Já a segunda concentra na

repressão da manifestação cultural, criando assim espaço para penetração. Quanto à

primeira alternativa, há uma garantia do domínio total e absoluto, já que o foco da

resistência será neutralizado. Entretanto, isso contraria o objeto da dominação que é o povo

em questão. Já na segunda alternativa, a estabilidade do poder nunca é garantida uma vez

que o foco da resistência permanecerá vivo.

Face a esse dilema, a saída encontrada pelo invasor (o colonizador), no entender de

Cabral, é manter uma constante repressão cultural para tentar sobreviver, suportando

conflito constante. Tal repressão consiste em alienar certa parcela da população dominada,

Page 39: amílcar cabral e paulo freire na era da tecnologia digital

assimilando-a com os valores culturais do invasor, tendo por base uma filosofia racista.

(CABRAL: 1978, pp 223)

Tal filosofia consiste em levar a civilização para os povos cuja cultura se julga

atrasada e inferior. Civilizar os povos na cultura do invasor é um ato missionário de

caridade. Foi com esse pensamento que as potências européias se expandiram pelo mundo

na Idade Moderna, colonizando os povos africanos e asiáticos. (CANÊDO: 1991, pp 9).

Com base nesses princípios, as elites dos povos dominados foram seduzidos e

cooptados a assimilar os valores culturais do invasor, abrindo mão da sua cultura original.

Essa repressão cultural forma uma camada de assimilados que dão sustentação ao aparelho

da máquina administrativa colonial, permitindo assim a entrada e permanência do invasor.

O poder do invasor, ao sustentar em cima do assimilado, não entra em choque diretamente

com a camada popular que continua conservando seus valores culturais.

O assimilado, por mais que cultive os valores culturais do invasor, nunca se sente

satisfeito já que ele é sempre visto como inferior e tratado como assimilado. Como este se

encontra em contacto direto com o invasor, sofre na pele a descriminação racial de forma

mais expressiva que as camadas populares. Isso gera um sentimento de vazio cultural e

falta de identidade uma vez que abriram mão dos seus valores culturais de origem e não se

satisfazem enquanto assimilados. Esse sentimento lhe move no sentido de procurar uma

identidade, o que pode ser resgatada com o retorno às origens. Esse retorno fragiliza a

estrutura do poder colonial. Isso evidencia que por mais forte que seja o invasor, ele nunca

é suficientemente poderoso para manter domínio permanente sobre um povo.

A prova disso é a resistência cultural que o colonialismo português sofreu nos cinco

países do continente africano, apesar de cinco séculos de dominação colonial. Esse fato

Page 40: amílcar cabral e paulo freire na era da tecnologia digital

fundamenta a leitura de Amílcar Cabral de que o poder de um povo é a sua manifestação

cultural.

[... ] pegar em armas para dominar um povo é, acima de tudo, pegar em armas para destruir ou, pelo menos, para neutralizar e paralisar a sua vida cultural. É que enquanto existir uma parte desse povo que possa ter uma vida cultural, o domínio estrangeiro não poderá estar seguro da sua perpetuação.” (CABRAL: 1978, pp 222).

Pelas próprias palavras de Cabral podemos concluir que o verdadeiro poder não está

na força das armas de um exército fortemente armado, mas sim na força cultural de um

povo. Daí é que surge o dilema do colonialismo: liquidar ou assimilar?

Ao perceber esse dilema, Amílcar Cabral passou a estudar os mecanismos da

dominação do colonialismo. Usou como base de suporte a teoria marxista como ponto de

partida. Teve muita influência do pensamento de Marx, Lénine e Trotsky. (CHICOTE:

1983, pp. 153). Ele usou muito o conceito de luta de classe, forças produtivas e modo de

produção. Fez uma nova leitura desses conceitos, articulando-os com a realidade africana

tendo como base a cultura.

Primeiro vamos ver o que Amílcar Cabral entende por cultura.

“[..] em cada momento da vida de uma sociedade (aberta ou fechada), a cultura é

resultante mais ou menos conscientizada das atividades econômicas e políticas, a expressão mais ou menos dinâmica do tipo de relações que prevalecem no seio dessa sociedade, por um lado, entre os homens, (considerado individual ou coletivamente) e a natureza, por outro, entre os indivíduos, os grupos de indivíduos, as camadas sociais ou as classes. (CABRAL: 1978, pp 223).

Ao interagir com a teoria marxista, Amílcar Cabral entende que as bases materiais

da cultura são as forças produtivas e o modo de produção. A primeira reflete a relação entre

o homem e a natureza. A segunda, a relação entre os homens ou as categorias de homens no

seio da sociedade. (CABRAL: 1978, pp 240).

Page 41: amílcar cabral e paulo freire na era da tecnologia digital

Quanto à questão da luta de classe, Cabral entende que se a definirmos como o

motor da história, estaremos colocando fora da história todo o período da vida do

agrupamento humano que não tinha divisão de classe. Também os países africanos e

asiáticos ficariam sem história a partir do momento em que estes sofreram a dominação

colonial. Nesse âmbito, ele defende que o motor da história é o nível das forças produtivas.

(CABRAL: 1978, pp 203).

Deste modo, uma das primeiras leituras que fez nesta ótica, é que o esquema da

repressão cultural sobre a camada do assimilado paralisa as forças produtivas, o que

conseqüentemente neutraliza a luta de classes. Uma vez que as forças produtivas são o

motor da história, o progresso e a história do povo dominado ficam estagnados. Ao

contrário acontece no país do invasor em que as forças produtivas ficam livres para agirem,

gerando assim a história e o progresso.

Neste olhar, Cabral percebeu que a conquista da independência consiste em libertar

as forças produtivas, deixando-as livres para atuarem, gerando assim a dinâmica e o

progresso histórico. Essa compreensão requer uma visão global do mundo e um

entendimento afinado do processo da dominação. As camadas populares, por viverem

confinadas nas suas aldeias, não conseguem enxergar essa dimensão. Conseqüentemente,

estes podem lutar contra o invasor, o imperialismo, sem necessariamente estar lutando para

a independência nacional. A camada dos assimilados, sobre a qual recai a repressão cultural

dado ao seu grau intelectual e sua compreensão global do mundo, consegue diferenciar a

verdadeira independência da fictícia. Deste modo, esta deve assumir a vanguarda do povo

e liderar o processo de luta.

Para tal efeito esta camada, no entender de Cabral, tem que se suicidar enquanto

classe para retornar às fontes, cultivando os valores culturais de origem para se identificar

Page 42: amílcar cabral e paulo freire na era da tecnologia digital

com o povo. Nesse processo de identificação, esta classe surge como intelectual orgânico,

na visão de Gramsci.

Antonio Gramsci entende que todo homem é intelectual. Dado ao sacrifício da luta

no dia a dia, as camadas populares não desenvolvem o mesmo nível de intelectualidade do

que um intelectual especialista. Neste âmbito, ele defende a existência do intelectual

especialista que surge dentro das camadas populares. Este intelectual, que Gramsci

classifica como orgânico, é responsável para desenvolver reflexões voltadas aos interesses

da sua origem.

A preocupação de Amílcar Cabral para que a pequena burguesia assimilada retorne

às fontes, reafricanizando seus espíritos, é para que esta se torne um intelectual orgânico e

que conquiste a verdadeira independência. Caso contrário, se continuar assimilando os

valores do colonizador, a luta para a independência terá apenas o efeito de expulsar o

colonizador. A pequena burguesia assimilada, a única que tem condições de manusear a

máquina administrativa do Estado após a independência, por não cultivar os mesmos

valores culturais que o povo, acaba mantendo a paralisação das forças produtivas, uma vez

que esta fica controlada pela burguesia imperialista estrangeira. Aí que vem o perigo do

neocolonialismo. Neste caso a operação de transferência de colônia montada pelas

potências da guerra fria ganha mais força tornando os países independentes suas áreas de

influência.

Foi neste cenário que o PAIGC surgiu como um serviço de inteligência projetado

por intelectuais orgânicos cuja missão foi conquistar a independência. Surgiu como fato e

fator cultural. Como fato cultural representa a manifestação cultural do povo que em si é

uma resistência ao colonialismo. Como fator cultural atua sobra a mesma cultura com vista

a torná-la mais forte enquanto estratégia de resistência. Amílcar Cabral como líder, um

Page 43: amílcar cabral e paulo freire na era da tecnologia digital

conhecedor profundo da cultura do povo de Cabo Verde e Guiné Bissau, montou uma

estratégia de ação do partido atuando em várias frentes: militar, político, diplomático etc. A

essência do trabalho do partido centrava na questão pedagógica atuando sobre a dimensão

cultural.

Através deste trabalho, o partido faz campanha de mobilização junto à população

tentando mudar os hábitos culturais que se revelam elementos negativos enquanto

estratégias de luta contra o invasor. Nesse âmbito, a ação se debruça sobre certas crença,

tabus e ritos religiosos com objetivo de revestir a cultura de um caráter mais científico.

Além disso, trabalhou os elementos da diversidade cultural para a formação de uma cultura

nacional.

A outra atuação recaiu sobre a pequena burguesia assimilada. Aproveitando do

dilema da identidade cultural que esta enfrenta, apelando-o a retornar às fontes,

reafricanizando seu espírito, como o único caminho de resolver o conflito de identidade.

Para ilustrar a atuação pedagógica do partido, vamos recuperar um trecho da

palestra de Paulo Freire sobre Amílcar Cabral em 1985 na Universidade de Brasília. Neste

trecho Paulo Freire fala da conversa que teve com um combatente da independência na

Guiné Bissau que lutou junto com Amílcar Cabral.

“[...] Ele conversando comigo eu lhe perguntei: O que foi que mais te impressionou, na tua passagem por Amílcar? e ele disse: Camarada Paulo Freire, o que mais me impressionou no camarada Cabral, era a capacidade que ele tinha de conhecer o que ainda não estava aqui. O que será isso? Perguntei; Ele disse: [...]Uma vez nós estávamos na frente de batalha, numa certa zona de luta, depois de uma semana de castigo forte de aviação da tuga, o camarada Cabral chegou para uma visita de inspeção e de estudos. Amílcar Cabral, conversava, avaliava o processo de luta, e em certo momento disse: Eu preciso retirar duzentos de vocês da frente de luta, para mandar para Conacri, para o Instituto de Capacitação, para capacitar os duzentos e depois trazê-los para o interior do país para as zonas libertadas, no sentido de trabalhar como professores. E aí o jovem então olha para mim e diz[...] Como é que eu que estava com fuzil na mão, vendo o meu companheiro cair morto junto de mim, os tugas matando a gente, como é que eu podia naquela hora pensar que pudesse haver a possibilidade de duzentos de nós, saírem de luta pra ir estudar. Então a minha reação foi a seguinte: Mas camarada Amílcar, esse negócio de educação, fica para

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depois. [...] fica para quando a gente botar os tugas para fora, aí a gente pensa na educação, aí a gente se forma, se capacita. Eu pensava que o camarada Cabral, ia trazer duzentos pra cá, mais duzentos guerrilheiros, e não tirar duzentos de cá. E Cabral vai e disse a ele: E porque você acha que não está certo isso? O moço diz: Por que a gente não pode perder a guerra. Cabral então diz: Mas é exatamente para não perder a guerra que eu preciso de duzentos de vocês.” (FREIRE: 1985).

Esse trecho da palestra de Paulo Freire demonstra a importância do intelectual

orgânico e demonstra a inteligência de Amílcar Cabral enquanto líder do PAIGC

conduzindo a luta em todas as frentes com objetivo de não apenas expulsar o colonizador

via luta armada mas também libertar as forças produtivas via processo pedagógico. Daí

podemos entender o compromisso de Cabral para com as crianças como Mané, o qual ele

deposita toda a esperança de conscientizar, o que significa a independência para lutar pela

dignidade própria.

Toda essa estratégia de luta montada por Amílcar Cabral reflete o seu compromisso

com o sonho de conquistar o horizonte da liberdade do seu povo. Sonho que ganhou força

nos diálogos com o pai na juventude. A força do compromisso o fez não cair na armadilha

montada pelos donos do mundo no processo da conquista da independência.

O interesse das novas potências da guerra fria em financiar a luta pela

independência é uma estratégia de ampliar a área de influência estabelecendo relação

neocolonial, como descreve Kwame N’krumah. Amílcar Cabral se destacou como um

grande intelectual formulando sua própria teoria para conquistar uma verdadeira

independência, e não a fictícia para cair no jogo neocolonial do imperialismo. O destaque

do seu pensamento e ação no cenário internacional certamente incomodou as potências com

ambição imperial. Neste sentido podemos entender porque Amílcar Cabral foi

barbaramente assassinado em 20 de janeiro de 1973.

Page 45: amílcar cabral e paulo freire na era da tecnologia digital

O meu grande herói morreu com sensação do dever cumprido. Isso porque a

independência que ele sonhou conquistar não poderia ser comemorada numa data

específica uma vez que é uma luta contínua. O sentimento de dever comprido consiste em

compartilhar com jovens como Mané a luta pela independência.

1.5 – Considerações finais

Cabo Verde e Guiné Bissau tomaram independência após a morte de Amílcar

Cabral. Foi na mesma época que os demais países africanos que eram colônias de Portugal.

Com exceção de Namíbia, foram os últimos países a conquistar a independência.

Hoje o continente africano é composto por 53 países. Todos praticamente tomaram

independência na década de 60, momento auge da operação transferência de colônia, a

Guerra Fria. Apenas as colônias portuguesas conquistaram a independência na metade da

década de 70. Todos os países africanos hoje convivem com uma realidade neocolonial.

Isso demonstra o sucesso da operação montada pelas potências hegemônicas após a

segunda guerra mundial. Por outro lado, as potências colônias da Idade Moderna

conseguiram conservar seus laços de tradição colonial. Isso é visível através das

instituições que agrupam as ex-colônias como o caso da Comunidade Britânica, Aliança

Francesa e CPLP. Estas intuições garantem presença do ex-colonizador, reforçando o

quadro da exploração neocolonial juntamente com as potências emergentes da segunda

guerra mundial.

Amílcar Cabral sonhou com uma realidade diferente do que acontece hoje com os

países africanos. Criou uma teoria da revolução a qual deixou como legado. Ganhou

adeptos no mundo inteiro. Paulo Freire foi um deles. Tanto que ele foi para Cabo Verde e

Guiné Bissau e outros países africanos após a independência ajudando a organizar

Page 46: amílcar cabral e paulo freire na era da tecnologia digital

programa de alfabetização. Para continuar a luta de Cabral é necessário seguir em frente

para alcançar o horizonte da verdadeira independência nacional que sonhou alcançar.

Para trilhar nesse caminho temos que apostar na mesma arma que ele apostou: a

educação de crianças como Mané para lutar pela sua própria dignidade. Só através desse

meio podemos avaliar as teorias de luta por ele elaborado e repensá-las no novo contexto

que o mundo vem atravessando. Um contexto em que o poder se manifesta através da

dimensão tecnológica. Para isso é necessário que cada vez mais tenhamos na sala de aula

professores como Estevão que valorizem o herói nacional através de poemas e reflexões

para que a luta possa ser continuada.

Page 47: amílcar cabral e paulo freire na era da tecnologia digital

Cap II - PAULO FREIRE

2.1 – Introdução

Os registros da história apontam que o mundo sempre foi dominado pelos impérios.

Para combater essa dominação é necessário que se construa uma outra hegemonia que

advenha da camada dos oprimidos no sentido da emancipação dessa opressão.

Foi com esta visão que Gramsci teorizou a existência de intelectuais orgânicos.

Esses são os responsáveis em organizar o serviço de inteligência comprometido com o

interesse da camada oprimida para quebrar o cenário de opressão.

Amílcar Cabral e Paulo Freire são personalidades históricas que se destacaram na

época contemporânea por terem lutado contra a hegemonia dos grandes impérios. Estes

ganharam status de intelectuais orgânicos a serviço de uma inteligência que visa quebrar o

cenário de opressão, tornando a camada dos oprimidos protagonistas de suas próprias

histórias.

Amílcar Cabral criou uma teoria da revolução e a utilizou como ponto de apoio

para conquistar a independência do povo de Guiné Bissau e Cabo Verde do colonialismo

português. Paulo Freire projetou uma nova filosofia no campo pedagógico que visa o

sujeito da aprendizagem conquistar sua própria liberdade. Compartilhou seu pensamento

como o mundo inteiro, procurando quebrar a lógica da dominação, libertando o oprimido.

Ambos atuaram no cenário político internacional em que as duas potências

procuravam alargar suas influências através da operação transferência de colônia,

reforçando assim, a hegemonia mundial numa competição desenfreada.

Page 48: amílcar cabral e paulo freire na era da tecnologia digital

O objetivo deste capítulo consiste em apresentar o pensamento de Paulo Freire.

Primeiro apresentarei a sua história de vida. Em seguida o cenário político internacional

em que ele atuou. Por último, a pedagogia da libertação, a que constitui seu pensamento

filosófico.

2.2 - História de Vida

Paulo Freire nasceu três anos antes de Amílcar Cabral. O livro de bebê escrito por

sua mãe, Edeltrudes Neves Freire, registra que ele veio ao mundo numa segunda feira do

dia 19 de setembro de 1921. Esse dia foi marcado pela aflição da doença do seu pai

Joaquim Temístocles Freire. A sua infância e adolescência foram marcadas pelo cotidiano

do Jaboatão. Uma cidadezinha situada a 18 quilômetros de Recife. Aos dez anos de idade, a

sua família teve que deixar Recife para morar em Jaboatão. Essa mudança se deve a crise

de 29 que atingiu o Brasil. Três anos depois, Paulo Freire sofreu muito com a morte do seu

pai. A perda do pai deixou uma lembrança de um grande homem com o qual descobriu a

beleza do diálogo democrático. Passou a enfrentar dificuldades econômicas já que sua mãe

tinha que cuidar sozinha dos quatro filhos. (FREIRE: 1996, pp 27-33).

O cotidiano de Jaboatão foi fundamental na formação da personalidade de Paulo

Freire. Foi aí que ele descobriu a beleza do diálogo na roda dos amigos; jogando futebol;

cantando e assobiando. Foi nesse espaço que ele despertou interesse pela sexualidade

contemplando a beleza do corpo feminino nu banhando-se no rio do Jaboatão. Também foi

nesse espaço que sofreu junto com a sua mãe, uma linda jovem viúva, a opressão da

sociedade machista. Apesar de ter nascido numa sociedade fora do domínio colonial,

conviveu com a opressão. De forma diferente, a mesma realidade marcou a infância de

Amílcar Cabral, a opressão de uma sociedade colonial.

Page 49: amílcar cabral e paulo freire na era da tecnologia digital

Paulo Freire foi um aluno muito dedicado aos estudos. Aprendeu a ler e escrever

em casa com os pais antes de ir para escola. Tem uma lembrança marcante da sua primeira

professora. Foi um encontro marcado pelo profundo afeto com a jovem professora Eunice

Vasconcelos. Uma relação tão doce que ele a chamava carinhosamente de professorinha.

Com bolsa de estudo freqüentou o Colégio Oswaldo Cruz. De tão dedicado que era aos

estudos ele se tornou professor de Língua Portuguesa no mesmo Colégio. Dedicação aos

estudos é um dos pontos em comum que marca a adolescência de Paulo Freire a de Amílcar

Cabral. Aos 22 anos Paulo Freire ingressou na Faculdade de Direito de Recife, iniciando

seus estudos universitários dois anos antes de Amílcar Cabral. Diferente de Cabral que

cursou Agronomia, Freire fez opção pelo mundo jurídico porque em Pernambuco Direito

era o único curso superior que existia no ramo das ciências humanas. Antes de terminar a

faculdade, casou-se em 1944 com Elza Maria Costa Oliveira, uma professora primária.

Desta união resultou cinco filhos. (FREIRE: 1996, pp 27-33).

Inicialmente seguiu a carreira profissional de advocacia. Abandonou a carreira no

seu primeiro caso e ingressou no mundo da Pedagogia.

"Todo jovem tem sua turma, seus colegas mais próximos. Dois ou três de nós nos reunimos, alugamos um escritório e começamos a tentar trabalhar. Estudávamos, líamos, e claro que passamos todo um 5º ano sem ter nenhum cliente. Depois nos formamos, nos diplomamos e, um dia, apareceu um cliente para mim. A pessoa que me procurou era um credor. Era o secretário do dono de uma loja que tinha vendido um equipamento para o consultório de jovem dentista. O cara comprou e não pagou e cabia a mim então chamá-lo para discutir as possibilidades de pagamento e acioná-lo. Eu fiz uma cartinha e uma tarde um rapaz, que era da minha idade, chegou ao escritório, tímido, nervoso, e disse: "Realmente eu devo e não posso pagar. Sou recém-casado e tenho os meus móveis. O senhor pode acionar os móveis etc. O senhor não pode tomar nem os instrumentos de trabalho nem minha filhinha de um ano e pouco". Era exatamente a idade da minha filha mais velha. Eu olhei para o moço e disse: "Olha você e sua mulher vão ter no máximo um mês de paz, porque daqui uns quinze dias eu vou devolver essa causa ao dono da loja que está lhe acionando. Ele vai passar mais quinze dias para achar um outro jovem como eu, porque isso não é causa para um advogado de renome. O sujeito lhe escreve e são mais oito dias. É uma pausa que você vai ter para a família". Voltei para casa e Elza, minha primeira mulher, perguntou: "Como foi hoje no escritório?". Essa é uma pergunta que, de modo geral, se burocratiza

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nas relações marido e mulher. A Elza não perguntava burocraticamente. Ela estava mesmo interessada em saber o que ocorria no escritório. Contei a ela a história, e que tinha encerrado a minha carreira de Advocacia. Ela riu, me beijou e disse: "Eu sabia que um dia isso ocorreria. O que você tem que fazer é Educação." (CORTELLA: 1992).

Esse relato de Paulo Freire numa entrevista concedida à revista Teoria & Debate

em 1992 nos faz perceber que mais uma vez que ele se deparou com um cenário de

opressão montado em que imperam as regras do sistema capitalista. Deste modo resolveu

lutar do lado dos humildes indefesos, os que constituíam uma ampla parcela da população

brasileira que eram excluídos da riqueza e conviviam com a miséria na região nordestina.

Foi a partir daí que, assim como Amílcar Cabral, assumiu o sonho de lutar contra o cenário

de opressão, escolhendo a educação como campo de batalha. A sua esposa Elza, teve um

papel fundamental nessa nova caminhada.

Na sua nova carreira profissional, Paulo Freire foi trabalhar no setor de Educação e

Cultura do SESI - Serviço Social da Indústria, um órgão da Confederação Nacional da

Indústria. Nesse espaço, teve contato com a educação de adultos e trabalhadores. Daí

percebeu profundamente a necessidade da alfabetização. Foi nesse espaço que começou

aprender a dialogar como pedagogo entrando no mundo do sujeito de aprendizagem.

"Eu me lembro, por exemplo, de um período em que precisei trabalhar com pescadores. O Sesi também tinha um centro social na área pesqueira de Pernambuco e eu observei que nos meus primeiros encontros com os pescadores, nem os entendia bem. Então eu aproveitei um tempo livre, consegui uma casinha na praia e fui para lá com a minha família. Nessa época eu tinha apenas três filhas, a Madalena, a Cristina e a Fátima, que era a menorzinha. Ficamos lá um mês e eu com uma cadernetinha, repetindo, sem saber, o Guimarães Rosa, tomando nota das frases, das palavras que os pescadores usavam. Eu ouvia largas histórias dos pescadores e perguntava: o que quer dizer isso? Faz mal que registre? E explicava por que precisava registrar. Os pescadores não se sentiam ofendidos por minha curiosidade; eles se sentiam valorizados. Muitas vezes eu explicava que aquilo que eles diziam com tal palavra eu dizia de outra forma. Foi aí que se colocaram diante de mim, concretamente, certos problemas de linguagem; o problema da sintaxe, o da semântica, a estrutura do pensamento diferente e a significação das palavras dentro do contexto do discurso. Eu aprendi muito durante um mês de convivência com os pescadores. Houve uma coisa extraordinária. Antes eu "falava para" os pescadores, depois esse falar virou "falar com" os pescadores, porque eu usava todas as metáforas que tinha aprendido na praia com eles. A comunicação se

Page 51: amílcar cabral e paulo freire na era da tecnologia digital

fazia facilmente e eu podia colocar para eles, como desafio, questões muito sérias." (CORTELLA: 1992).

A caminhada de Paulo Freire como pedagogo nos traz a lembrança Amílcar Cabral

como revolucionário. Preocupado em projetar uma teoria da revolução que não seja

importada mas sim que advenha das circunstâncias concretas da realidade cultural, Cabral

aproveitou o trabalho do recenseamento agrícola para conhecer cada agrupamento étnico e

cultural do seu país Guiné Bissau. A caminhada de Paulo Freire como pedagogo se

assemelha a de Cabral quando sai à procura do educando, do pescador para conhecê-lo e até

falar a sua própria língua.

Foi desse jeito que surgiu o método Paulo Freire. Uma nova filosofia de ensino que

valoriza a realidade do educando com base no diálogo voltado para o processo de

conscientização através da leitura do mundo. Essa filosofia de ensino expressa a

personalidade de Paulo Freire que se constituiu na vivência do cotidiano em Jaboatão. Uma

fase marcada pelo despertar da sexualidade e beleza do diálogo na roda de amigos.

O seu método se tornou muito conhecido em Pernambuco principalmente nos

Movimentos de Cultura Popular e também na Universidade de Recife na qual lecionou. As

primeiras experiências começaram na cidade de Angicos em 1963. Foram alfabetizados 300

trabalhadores em 45 dias. Ganhou tanto destaque que foi convidado pelo Presidente João

Goulart e pelo Ministro da Educação Paulo de Tarso C. Santos para levar a experiência a

nível nacional. Já previam em 1964 a instalação de 20 mil círculos de cultura para

alfabetizar 2 milhões de analfabetos. (GADOTTI: 1996, pp 72). O projeto foi interrompido

em 1964 pelo golpe militar, fechando todos os canais democráticos de participação popular.

Para entender esse fato, vou me reportar ao contexto da época.

Page 52: amílcar cabral e paulo freire na era da tecnologia digital

No início da década de 60, no Nordeste brasileiro, metade dos 30 milhões de

habitantes eram analfabetos. O método de Paulo Freire constituía uma ameaça para a

mudança do status quo uma vez que possibilitava ao educando construir uma aprendizagem

libertadora através da conscientização. Como conseqüência, foi preso sob acusação de

subversão e ignorância. Passou 75 dias na prisão. Teve que deixar o seu próprio país e

procurar asilo. (GADOTTI: 1996, pp 72).

Em 1963, Amílcar Cabral no comando de PAIGC, deu início à luta armada

enfrentando o exército do colonialista português nos matos da Guiné Bissau. Iniciou a luta

armada após anos de campanha de mobilização popular. Enquanto Amílcar Cabral tentava

expulsar o invasor que oprimia o seu povo, Paulo Freire era expulso da sua própria pátria

por ter escolhido o caminho de ajudar aqueles que sofrem com a opressão.

Exilou-se na Bolívia. Pouco tempo após a sua chegada, a Bolívia sofreu um golpe

de Estado e teve que deixar aquele país. Partiu para o Chile onde viveu de 1964 a 1969. O

governo democrata-cristão sob comando de Eduardo Frei ia implementar importantes

reformas. Neste âmbito precisava de novos profissionais para conduzir o processo de

mudança no setor agrário e Paulo Freire foi convidado para trabalhar como assessor do

Instituto de Dasarollo Agropecuário e do Ministério da Educação. Além disso, foi

consultor do UNESCO junto ao Instituto de Capacitación e Investigación en Reforma

Agrária do Chile. Paulo Freire encontrou um espaço que lhe permitia continuar o projeto

iniciado no Brasil. (FREIRE: 1996, pp 42). Foi dessa experiência que consolidou e

sistematizou seu pensamento político-pedagógico e escreveu uma das suas mais famosas

obra, A Pedagogia do Oprimido.

Em 1970 Paulo Freire aceitou o convite do Conselho Mundial das Igrejas em

Genebra pra trabalhar como principal consultor no Departamento de Educação. Também

Page 53: amílcar cabral e paulo freire na era da tecnologia digital

aceitou convite para lecionar nos Estados Unidos. Antes de partir para Genebra morou em

Cambridge e Massachusetts dando aulas sobre suas próprias reflexões na Universidade de

Harvard. (FREIRE: 1996, pp 42).

Depois de passar quase um ano no Estados Unidos, foi para Genebra, na Suíça, onde

completou 16 anos de exílio. Foi daí que se expandiu pelo mundo seu pensamento e prática

pedagógica chegando até ao continente africano. Ali Freire estava lutando contra o

colonialismo. Ajudou a organizar um projeto de alfabetização nos países africanos que

conquistaram a independência e enfrentavam uma nova luta contra o imperialismo no

campo pedagógico. Sua participação foi importante na Tanzânia, Guiné Bissau, Cabo

Verde, São Tomé e Príncipe, Angola e Moçambique. Ele esteve em todos os países

africanos que lutaram contra o colonialismo português. Foi através do contacto direto Com

Cabo Verde e Guiné Bissau que ele conheceu melhor o meu grande herói, Amílcar Cabral.

Paulo Freire documentou a sua experiência que teve na Guiné Bissau na sua obra Cartas à

Guiné Bissau. Ele se posicionou como um militante da causa da libertação e não como um

técnico consultor. Esse ponto marca o encontro histórico de Amílcar Cabral e Paulo Freire,

dois intelectuais orgânicos, a serviço da construção de uma outra hegemonia combatendo as

potências imperiais da Idade Contemporânea.

O encontro com a causa de luta de Amílcar Cabral foi expressivo a ponto de Paulo

Freire, ao retornar para o Brasil com a anistia política e fim do regime militar, aceitou o

convite da professora Laura Maria Coutinho junto com outros colegas, quando eram alunos

de mestrado, para dar uma palestra sobre Amílcar Cabral na Universidade de Brasília em

1985. O tema da palestra foi Amílcar Cabral o Pedagogo da Revolução. Paulo Freire falou

do seu contacto com o povo de Amílcar Cabral e reconhece ter aprendido muito com ele,

considerando-o como um dos seus mestres. Nesta palestra, além da professora Laura

Page 54: amílcar cabral e paulo freire na era da tecnologia digital

Coutinho esteve presente o professor Renato Hilário, Maria Luiza Angelim, Erasto Fortes

Mendonça, entre outros.

Eu fui aluno da professora Laura e do professor Renato. Eles compartilharam

comigo o que Paulo Freire havia compartilhado com eles sobre a vida e obra do meu grande

herói. A partir daí, Amílcar Cabral, junto com Paulo Freire, tornou-se o objeto de pesquisa

da minha dissertação. Essa experiência foi gratificante para a minha orientadora, professora

Raquel de Almeida Moraes, que não conhecia Amílcar Cabral apesar de conhecer o

pensamento freireano desde 1979 na Escola Normal e ter estudado pessoalmente com

Paulo Freire no curso de Pedagogia da Unicamp em 1984.

Paulo Freire retornou ao Brasil em 1979. Trouxe uma grande experiência que

ganhou em vários países do mundo. Suas obras já eram conhecidas mundialmente e

editadas em vários idiomas, já sendo reconhecido internacionalmente. Voltou para sua

pátria e continuou lutando pela mesma causa que lhe levou a ser expulso. Passou a lecionar

e andar por todos os cantos do seu país ministrando palestras e escrevendo novas obras.

Foi professor da Universidade de Campinas - UNICAMP de 1980 a 1990. Para

isso, os alunos e professores tiveram que fazer manifestação pressionando a Reitoria da

Universidade, incluindo minha orientadora, para que a Reitoria assinasse seu contrato uma

vez que a Reitoria estava com receio da repressão do regime militar. Enquanto estudante

daquela universidade, Raquel de Almeida Moraes teve um encontro com Paulo Freire na

condição de aluna e hoje, como minha orientadora, compartilha comigo a aprendizagem

que ela teve com o grande mestre Paulo Freire.

Em 1989, Freire deu uma importante contribuição como secretário de Educação à

Prefeitura de São Paulo sob comando da prefeita Luiza Erundina. Foi uma gestão

democrática. Dois anos após deixou o comando da Secretaria de Prefeitura e continuou sua

Page 55: amílcar cabral e paulo freire na era da tecnologia digital

luta escrevendo novas obras, proferindo palestras, orientando dissertações e teses. Entre as

suas novas obras se destaca A Pedagogia da Esperança: Um Encontro com a Pedagogia do

Oprimido. Ele retoma a reflexão da obra Pedagogia do Oprimido, um dos livros que ganhou

mais destaque, acrescentando as experiências e vivências que acumulou após ter andado

por vários países do mundo.

A longa caminhada de Paulo Freire foi encerrada no dia 2 de maio de 1996. Esse dia

foi marcado pela aflição uma vez que o mundo inteiro lamentou a morte de um dos maiores

pedagogos do séc XX. Ele faleceu aos 75 anos, de uma morte natural após ter abraçado a

causa dos oprimidos. Já Amílcar Cabral não teve essa sorte. A sua morte foi planejada e

executada quando ele tinha apenas 49 anos. Os opressores colonialistas queriam banir todos

aqueles que defendiam (e defendem) os oprimidos. Foi por isso que Cabral morreu tão

cedo.

Contudo, a morte desses dois grandes homens não paralisa a marcha por eles

iniciada. Cabral e Freire deixaram um legado histórico para ser seguido por aqueles que

amam a liberdade. A professora Laura Maria Coutinho, Renato Hilário e Raquel de

Almeida Moraes cumprem essa missão uma vez que compartilharam comigo os momentos

que viveram juntos a esses heróis me fazendo, assim, abrir novos caminhos para reflexão

desses intelectuais e revolucionários através dessa pesquisa de dissertação.

2.3 - Cenário Internacional

Amílcar Cabral, ao se posicionar ao lado dos que sofrem a opressão teve que pagar

com a própria vida o custo de sonhar com o horizonte da liberdade do seu povo. Paulo

Freire, ao seguir o mesmo caminho, também pagou um alto preço. Teve que abandonar sua

própria nação, ficando distante do povo que amou.

Page 56: amílcar cabral e paulo freire na era da tecnologia digital

Os mesmos opressores, que certamente assassinaram Amílcar Cabral, estiveram por

trás da perseguição de Paulo Freire. Para compreender melhor esse fato, é necessário

analisar o processo da colonização e recolonização da América Latina.

A América Latina foi colonizada pelos impérios da Idade Moderna. No Tratado de

Tordesilhas, Portugal ao demarcar seu espaço de exploração exigiu que a linha

demarcatória no decreto papal fosse alterada de 100 para 370 léguas para o ocidente tendo

como ponto de referência as ilhas do arquipélago de Cabo Verde. (LOPES: 1986, pp 20).

Com isso teve a garantia de manter sob seu domínio o território brasileiro. Os demais

espaços ficaram sob domínio da exploração espanhola. Deste modo, os territórios que vão

do México à Argentina, de modo geral, foram colonizados pela Espanha. Todos esses

espaços conquistados pela Espanha e Portugal compõem uma região geográfica do

continente americano que hoje é denominado de América Latina.

Os países da América Latina conquistaram a independência na segunda década do

séc. XIX. O clima foi criado a partir da revolução francesa e as guerras napoleônicas.

Quando o exército de Napoleão penetrou na península Ibérica, a família real portuguesa

fugiu para a Brasil. A vinda do rei para a colônia foi o primeiro passo que levou à

independência do Brasil em 1822. As colônias espanholas na América também se

aproveitaram da vulnerabilidade da Espanha, que estava sofrendo a invasão do exército

napoleônico, para desencadearem revoltas com o objetivo de conquistar a independência.

(PEDRO: 1985, pp 194). Ao se livrar da invasão francesa com a derrota de Napoleão em

1815, a Espanha voltou sua atenção para as revoltas nas colônias. Daí surgiu a segunda

fase da luta pela independência, que foi de 1817 a 1824. As lutas das colônias ganharam

apoio de Inglaterra que tinha interesse em alargar a sua influência sobre as áreas de

exploração espanhola. O processo da independência ganhou mais impulso em 1823 quando

Page 57: amílcar cabral e paulo freire na era da tecnologia digital

os Estados Unidos da América proclamaram a Doutrina Monroe. (LOPES: 1986, pp 78).

Foi um ato de solidariedade para com os demais países da região uma vez que se opunha a

qualquer intervenção militar imperialista no continente. Essa política já demonstra o

interesse dos EUA em estender sua área de influência na região.

Em 1824 o exército espanhol sofreu derrota e todos as suas colônias da América

praticamente proclamaram a independência. A partir desta fase surgiu uma nova

preocupação. A necessidade da união para evitar a influência imperialista. Em função disso,

Simão Bolívar convocou os representantes dos países recém-independentes para

participarem de uma conferência no Panamá. O objetivo era criar uma confederação pan-

americana. Kwame N'krumah teve a mesma preocupação 130 anos após com a

independência dos países africanos. O projeto pan-africanismo também consistia em unir

os países africanos recém-independentes. Ambos os projetos fracassaram. A ação dos

imperialistas foi fatal. A política por eles adotada: dividir para dominar, serviu para

neutralizar qualquer tentativa sólida de união das ex-colônias.

A grande semelhança no processo da descolonização da América Latina e da África

é que foi um processo rápido e quase simultâneo, ou seja, de 1817 a 1824 praticamente

todos os países da América Latina conquistaram as suas independências. O mesmo

aconteceu com os países do continente africano no período que vai de 1955 a 1964. A razão

disso pode ser percebida pelo clima que motivou a conquista da independência. Em ambos

os casos foram o desentendimento entre as potências imperiais a ponto de entrarem em

conflito.

O conflito das potências contemporâneas que levou a independência dos países

africanos e asiáticos como estratégia de recolonização, também colocou no mapa os países

da América Latina que já tinham conquistado a independência praticamente 50 anos antes

Page 58: amílcar cabral e paulo freire na era da tecnologia digital

do continente africano sofrer uma colonização em massa. Isso tornou visível quando os

EUA reforçaram a Doutrina Monroe, declarando "América para os americanos". A razão

disso consistiu em consolidar sua influência na América Latina, fechando espaço de

manobra do adversário na região. A revolução cubana em 1959, sob a influência socialista,

tornou a disputa mais acirrada uma vez que a URSS começou a ganhar força na região.

Para fechar o cerco da influência socialista, os EUA começaram a apoiar regimes

autoritários. Neste contexto surgiu uma onda de golpes de Estados na região levando

militares ao poder. A exemplo disso temos o golpe de 1964 no Brasil que depois foi

seguindo pela Bolívia, Chile alastrando-se pela região inteira.

Os sucessivos golpes de Estado na América Latina substituíram sistemas

democráticos por regimes autoritários. Os EUA deram apoio aos novos regimes reforçando

a opressão sobre o povo garantindo assim a sua influência na região. Foi nesse contexto que

Paulo Freire ficou sem espaço de atuação e se viu obrigado a se exilar na Bolívia, em

seguida no Chile e por último, foi para a Genebra, na Suíça. O contexto político da

América Latina não tinha espaço para conviver com um educador que fazia do processo

educativo a prática da liberdade.

O Brasil é um país que conservou a herança da colonização. A sua independência

em 1822 foi negociada. Não resultou de uma revolta popular das camadas oprimidas. Tanto

que a independência não trouxe nenhuma mudança de organização política e manteve o

regime de escravidão. Mais tarde a escravidão foi abolida. Não foi acompanhada de

nenhuma política de integração social. Conseqüentemente, serviu para conservar o

privilégio de uma minoria. A revolução de 1930 marcou uma nova época. Foi o momento

em que o Brasil começou a ingressar no processo de industrialização deixando de ser

apenas um país agrário. Contudo, esta nova fase não alterou o quadro social de exclusão.

Page 59: amílcar cabral e paulo freire na era da tecnologia digital

Todas as transições que o Brasil sofreu, seja no campo político que mudou de monarquia

para república, seja no campo econômico, conservou a distribuição desigual da riqueza.

Uma das provas disso é que até hoje o Brasil é o segundo lugar no ranking mundial dos

países no que diz respeito à má distribuição de renda.

A situação dos países da América Latina não é muito diferente. A independência foi

conquistada pelos crioulos. Estes são filhos dos colonizadores que nasceram nas colônias e

que ganharam uma nova identidade. A ambição econômica desta camada motivou a

conquista da independência para assumir o poder. O rompimento da ligação com a

metrópole não trouxe significativas mudanças para o povo que continua sendo dominado e

explorado. A condição social deste se resume na exclusão, sustentando a riqueza de uma

minoria.

Neste quadro de exclusão social das camadas populares, a proposta pedagógica de

Paulo Freire se constitui numa alternativa para que as massas populares conquistem sua

personalidade política ressurgindo como protagonista da sua história. Deste modo, sua

campanha de alfabetização ganhou a antipatia da elite dominante, o que conseqüentemente,

fez com que ele deixasse sua própria pátria.

A coligação das elites dos países da América Latina com uma potência que têm

ambição imperial criou um cenário de recolonização da América Latina como previa a

armadilha montada no esquema da guerra fria. Paulo Freire se opôs a essa política no

contexto da América Latina e Amílcar Cabral no continente africano. A luta deles trouxe

uma certeza para a humanidade: a de que ainda há esperança (a mesma que Amílcar Cabral

depositou no Mané).

Amílcar Cabral morreu primeiro, e apesar de ser três anos mais novo que Paulo

Freire, sua morte não significou o término da caminhada rumo ao horizonte da liberdade

Page 60: amílcar cabral e paulo freire na era da tecnologia digital

que ele tanto sonhou. Paulo Freire fez uma peregrinação ao mundo já que foi proibido de

abraçar o seu povo. Nessa caminha, foi para o continente africano. Esteve em Guiné Bissau

e Cabo Verde, pátrias amadas por Amílcar Cabral. Teve a oportunidade de dar sua

colaboração na luta que Cabral iniciou, compartilhando sua experiência com a geração de

Mané.

2.4 - Pedagogia da Libertação

Paulo Freire e Amílcar Cabral sonharam com horizontes da liberdade e justiça.

Enquanto Amílcar Cabral lutava para libertar seu povo da dominação estrangeira, Paulo

Freire lutava para libertar o seu povo da exclusão social. Assim como Amílcar Cabral,

Paulo Freire elaborou uma teoria que lhe servisse de guia. Ele desejava combater o cenário

de opressão sustentada por uma minoria oligárquica às custas da miséria e ignorância do

povo.

O sonho em desmontar o esquema da dominação levou Paulo Freire a procurar

entender como funciona cada engrenagem da sustentação do poder. Ao exercer sua

profissão de advocacia, descobriu no mundo das leis uma estrutura bem montada que dá

sustentação ao sistema capitalista de dominação. Não resistiu, abandonou a profissão no seu

primeiro caso. Caiu no mundo da Pedagogia. Como professor começou a perceber a célula

vital do poder. Um esquema de controle silencioso que atua na mente do ser humano

através da prática educativa.

Paulo Freire abraçou de vez esse mundo. Concentrou-se num esforço mental para

entender cada engrenagem desse esquema com o intuito de desmontá-la e construir uma

contra-hegemonia que contemplasse a vocação ontológica do ser humano, que é a justiça e

a liberdade.

Page 61: amílcar cabral e paulo freire na era da tecnologia digital

Nesse esforço mental, categorizou a sociedade em dois blocos. De um lado, uma

minoria dominante que está por trás da montagem do esquema de dominação. Por outro

lado, uma ampla maioria excluída sob o domínio da minoria. O primeiro ele classificou de

opressor e o segundo de oprimido. Essa categorização veio da influência do pensamento

marxista que Martin Carnoy resume no trecho a seguir.

"Podemos resumir os fundamentos de Marx (e Engels) sobre a teoria do Estado de seguinte forma:

Em primeiro lugar, como já vimos, Marx considerava as condições materiais de uma sociedade como a base de sua estrutura social e da consciência humana. A forma de Estado, entretanto emerge das relações de produção, e não do desenvolvimento geral da mente humana, e nem tampouco do conjunto das vontades dos homens. O Estado capitalista é a expressão política da estrutura de classe inerente à produção. Desde que a burguesia, na produção capitalista, tem um controle particular da mão-de-obra no processo de produção, ela também estende sua relação de poder ao Estado e a outras instituições sociais.

Em segundo lugar, Marx (diferentemente de Hegel) argumentava que o Estado, emergindo das relações de produção, não representa o bem comum, mas é a expressão política da classe dominante. O Estado capitalista é a resposta à necessidade de mediar o conflito de classe e manter a "ordem", uma ordem que reproduz o domínio econômico a burguesia [...]

Em terceiro lugar, Marx e Engels enfatizaram o Estado como um aparelho repressivo da burguesia: um aparelho para legitimar o poder, para reprimir, para forçar a reprodução da estrutura de classe e das relações de classe. Mesmo o sistema jurídico é um instrumento de repressão e controle, desde que estabelece as regras de comportamento e as impõe, de acordo com os valores e normas da burguesia”. (CARNOY: 1987, pp 20-22)

Ao categorizar a sociedade em dois pólos, o Estado acaba sendo um aparelho de

dominação do opressor que se materializa num sistema jurídico como um instrumento de

repressão e de controle sobre o oprimido. Ao procurar a questão central do poder, Paulo

Freire percebeu que o aparato jurídico é uma conseqüência, isto é, o foco central está no

aparato pedagógico que cria as condições para a legitimação do sistema jurídico enquanto

instrumento de controle e de repressão.

Isso marca um ponto em comum entre Amílcar Cabral e Paulo Freire. Ambos,

primeiro diagnosticaram o cenário de dominação e em seguida foram atrás da verdadeira

causa. Descobriram as mesmas causas. Amílcar Cabral apontou a repressão cultural como o

Page 62: amílcar cabral e paulo freire na era da tecnologia digital

ponto central. Paulo Freire foi mais específico, apontou o aparato pedagógico usado como

instrumento de repressão.

Paulo Freire avançou no diagnóstico da causa. Ao tentar desmontar toda a

engrenagem para perceber como funciona, de novo categorizou os atores envolvidos no

processo. Identificou dois atores: educador e educando. Analisou-os sob ponto de vista de

dois critérios: a dimensão da comunicação e a relação entre eles.

No que tange à comunicação, o educador tem um papel de emissor e o educando de

receptor na sociedade capitalista. Uma comunicação vertical em que o ato de ensinar se

torna como uma operação bancária em que o educador deposita o conhecimento no

educando através dos discursos e narrações. Através disso, o significado do mundo é dado.

O educando não tem espaço para pronunciar a sua própria palavra e muito menos fazer a

leitura do mundo. Para garantir a eficiência do processo, a submissão do educando à

autoridade do educador é fundamental. Assim, não há espaço para diálogo e muito menos

para compromisso e confiança. Paulo Freire classificou essa prática educativa de educação

bancária. O seu resultado final, é uma aprendizagem cujo significado do mundo reflete o

interesse do opressor que é depositado na mente do oprimido. Este aloja assim a

consciência do opressor, conseqüentemente legitima todo o esquema de dominação

materializado no aparato jurídico.

Ao diagnosticar a causa, Paulo Freire e Amílcar Cabral focaram o mesmo ponto: a

alienação do oprimido ao alojar na sua mente a ideologia do opressor. Paulo Freire vai mais

em nível de detalhe ao explicar como isso acontece no campo educacional. Isso nos auxilia

melhor na compreensão da estrutura do poder colonial em produzir assimilados através do

aparato educativo que pode ser classificado em pedagogia da escravidão. As escolas nos

países colonizados não tratavam da realidade local, mas sim da metrópole. Todo o conteúdo

Page 63: amílcar cabral e paulo freire na era da tecnologia digital

era voltado para a valorização da cultura da metrópole fomentando assim, um complexo de

inferioridade das culturas locais. Esta prática pedagógica se sustenta nos princípios

ideológicos da colonização como um processo de caridade, uma missão de civilização de

povos inferiores. A repressão cultural referida por Amílcar Cabral é o resultado de uma

educação bancária cujo objetivo é escravizar os homens.

Terminando o diagnóstico da causa, Paulo Freire percebeu de forma substancial

como se manifesta o poder sobre oprimidos: os homens e mulheres que padecem fome da

justiça e sede da liberdade. Comprometido com a causa dessas pessoas humanas, começou

a esboçar uma estratégia que quebrasse a lógica da dominação, montando assim um poder

contra-hegemônico. Para isso, repensou a prática de ensino propondo como alternativa a

pedagogia da libertação. Uma prática educativa cujo objetivo é libertar os homens ao invés

de dominá-los.

Nesta nova prática educativa, a comunicação entre o educador e educando

centraliza-se no diálogo e não no comunicado. O educando ganha um papel ativo e passa a

ter direito à palavra para pronunciar o seu mundo. O educador deixa de ser o transmissor de

conhecimento e passa a ser o problematizador, orientando o educando a construir uma

aprendizagem sobre a sua vivência, refletindo o seu cotidiano. O dialogo abaixo entre

Paulo Freire e os camponeses ilustra isso.

"Depois de alguns momentos de bom debate como um grupo de camponeses o silêncio caiu sobre nós e nos envolveu a todos. O discurso de um deles foi o mesmo. A tradução exata do discurso do camponês chileno que ouvira naquele fim da tarde.

- Muito bem - disse eu a eles. - Eu sei. Vocês não sabem. Mas por que eu sei e vocês não sabem?

Aceitando o seu discurso, preparei o terreno para minha intervenção. A vivacidade brilhava em todos. De repente a curiosidade se acendeu. A resposta não tardou.

- O senhor sabe porque é doutor. Nós, não.- Exato, eu sou doutor. Vocês não. Mas, por que eu sou doutor e vocês não?- Porque foi à escola?- Porque seu pai pôde mandar o senhor à escola. O nosso, não.- E por que os pais de vocês não puderam mandar vocês à escola?- Porque era camponês?

Page 64: amílcar cabral e paulo freire na era da tecnologia digital

- É não ter educação, posses, trabalhar de sol a sol sem direitos, sem esperança de um dia melhor.

- E porque ao camponês falta tudo isso?- Porque Deus quer.- E quem é Deus?- É o Pai de nós todos.- E quem é pai aqui nesta reunião?Quase todos de mão para cima, disseram que o eram. Olhando o grupo todo em silêncio, fixei num deles e lhe perguntei: Quantos filhos você

tem?- Três.- Você seria capaz de sacrificar dois deles, submetendo os a sofrimento para que o

terceiro estudasse, com vida boa no Recife? Você seria capaz de amar assim?- Não.- Se você - disse eu - , homem de carne e osso, não é capaz de fazer uma injustiça

dessa, como é possível entender que Deus o faça? Será mesmo que Deus é o fazedor dessa coisa?Um silêncio diferente, completamente diferente do anterior, um silêncio no qual algo

começava a ser partejado. Em seguida:- Não. Não é Deus o fazedor de tudo. É o patrão! (FREIRE: 2001, pp 49-50)

Paulo Freire problematizou os camponeses através do exercício do diálogo. Eles

passaram a fazer uma nova leitura do mundo através das suas próprias palavras, enxergando

assim todo o esquema de dominação imposto a eles e legitimado com discurso religioso. A

partir desta leitura, eles ganham a personalidade política na medida em que descobrem que

podem lutar para alterar aquela realidade que não é dádiva de Deus mas sim, da vontade

dos homens. A educação bancária não despertaria esse olhar na medida em que o

significado do mundo é dado e não construído pelo sujeito da aprendizagem. Esse diálogo

deve ser mantido dentro de um clima de afeto. O sentimento de confiança, amizade, amor e

compromisso entre educador e educando. Essas relações afetivas é que abrem espaço para

um diálogo aberto e franco.

Mudando a natureza do diálogo e relação entre educador e educando, a

aprendizagem ganha uma nova face. Passa a ser a leitura do mundo feito pelo educando

através da sua própria palavra. Deste modo ele deixa de hospedar na sua mente a

consciência opressora e passa a construir sua própria consciência do mundo. Substitui a

Page 65: amílcar cabral e paulo freire na era da tecnologia digital

consciência ingênua pela consciência libertadora. Essa transformação que a prática do

ensino libertador causa pode ser percebida na declaração de um operário favelado:

"Recentemente, ouvi de jovem operário num debate sobre a vida na favela que já se fora o tempo em que ele tinha vergonha de ser favelado. 'Agora', dizia, 'me orgulho de nós todos, companheiros e companheiras, do que temos feito através de nossa luta, de nossa organização. Não é o favelado que deve ter vergonha da condição de favelado mas quem, vivendo bem e fácil, nada faz para mudar a realidade que causa a favela. Aprendi isso com a luta.' [...] No fundo, o discurso do jovem operário era a nova leitura que fazia da sua experiência social de favelado. Se ontem se culpava, agora se tornava capaz de perceber que não era apenas responsabilidade sua de se achar naquela condição. Mas, sobretudo, se tornava capaz de perceber que a situação de favelado não é irreversível. (FREIRE, 2002: pp 91)"

Ao procurar alternativa que quebre a engrenagem da dominação sobre os oprimidos,

Paulo Freire criou uma nova teoria pedagógica. O mesmo resultado teve o Amílcar Cabral

ao defender o suicídio da pequena burguesia como solução da libertação das forças

produtivas, o que conseqüentemente leva a conquista de independência nacional. O suicídio

da pequena burguesia é o retorno às fontes, ou seja, o assimilado recuperará sua identidade

cultural deixando de hospedar a cultura do colonizador. Esse retorno se efetiva através de

um processo pedagógico. Neste aspecto, Paulo Freire aprofunda o pensamento de Amílcar

Cabral na dimensão pedagógica ao propor a pedagogia da libertação. Neste âmbito, a

prática de ensino se centraliza na realidade cultural do educando e não na cultura opressora

do colonizador.

Através desta nova filosofia educativa, Paulo Freire desenvolveu um método de

alfabetização que em 45 dias tornava uma pessoa alfabetizada. Esse método atribui ênfase

na leitura do mundo. O alfabetizado construiria a compreensão básica de leitura escrita

fazendo leitura do mundo, ganhando assim uma consciência política da realidade que o

cerca. Isso fez Paulo Freire ganhar destaque nos círculos de cultura popular em

Pernambuco e foi convidado a levar experiência a nível nacional. A conseqüência direta

Page 66: amílcar cabral e paulo freire na era da tecnologia digital

disso é que milhões de brasileiros que viviam excluídos ganhariam a visibilidade. Primeiro

construiriam um novo olhar do mundo como o operário favelado. Além disso, ao saber ler e

escrever, passariam a ter direito ao voto que na época era vedado aos analfabetos.

O povo excluído ganharia a personalidade política e quebraria a lógica da

dominação. As elites brasileiras perceberam o perigo e agiram rápido. Com o golpe militar

Paulo Freire foi preso e teve que deixar sua própria pátria. As potências com ambição

imperial certamente perceberam que Paulo Freire constituiria um perigo. Poderia atrapalhar

a operação recolonização da América Latina uma vez que o sucesso da operação está na

alienação do povo.

Semelhante a Paulo Freire, Amílcar Cabral também sofreu perseguição. Teve que

pagar com a própria vida. Ao criar uma teoria de luta que conduzisse a uma verdadeira

independência, colocaria em risco a operação transferência de colônia montada pelas

potências uma vez que difundia suas idéias para o mundo inteiro. Isso evidencia que quem

tentar lutar ao lado dos que sofrem opressão paga um alto preço.

A concepção pedagógica de Paulo Freire é marca da sua personalidade construída

no cotidiano do Jaboatão. A descoberta da sexualidade lhe trouxe a compreensão dos

desejos humanos. O diálogo com o seu pai e na roda de amigos lhe fez ganhar uma

dimensão democrática do ato de comunicar. O sofrimento que teve ao lado da sua mãe

viúva em função do comportamento de uma sociedade machista lhe deu a sensibilidade

pela injustiça. Todas essas qualidades pessoais foram fundamentais para a construção de

um olhar humanista. Deste modo, essa vivência foi essencial para a concepção da

pedagogia da libertação que assenta numa prática educativa revestida de valores que

elevam a grandeza humana.

Page 67: amílcar cabral e paulo freire na era da tecnologia digital

Análoga a Paulo Freire, a personalidade de Amílcar Cabral contribuiu no exercício

da sua luta. Uma personalidade forte que seu próprio pai reconhecia ser difícil de sofrer

persuasão. Carregou um sonho político que solidificou nos diálogos com seu pai e revestido

de coragem como sua marca pessoal. Isso foi fundamental para desenvolver uma teoria de

luta e liderar um exército de homens num cenário sangrento da dominação colonial.

O falar manso e o gesto carinhoso de Paulo Freire lhe fez aprender muito ao andar

pelo mundo. Teve contato com várias culturas diferentes. Dialogou com educadores do

mundo inteiro. Tudo isso lhe trouxe uma nova compreensão do mundo. Essa nova

experiência ficou registrada nas suas obras mais recentes. Uma das referências é A

Pedagogia da Esperança: Um reencontro com a Pedagogia do oprimido. Nesta obra não

se percebe uma classificação mecanicista de opressor e oprimido e muito menos a questão

da conscientização como um processo direto da libertação. As personagens, opressor e

oprimido, ganharam uma identidade mais difusa. O opressor não necessariamente é uma

minoria dominante. Esta autoria se configura na relação social. Podemos tomar como

exemplo disso quando Paulo Freire trata questão do gênero em que percebeu a relação de

opressão na própria linguagem sexista por ele empregada.

"[...] me lembro como se fosse agora que eu estivesse lendo as duas ou três primeiras cartas que recebi, de como, condicionado pela ideologia autoritária, machista reagi... ao ler as primeiras críticas que me chegavam. Ainda me disse ou me repeti o ensinado na minha meninice: 'ora, quando falo homem, a mulher necessariamente está incluída'. Em certo momento da minha tentativa puramente ideológicas, de justificar a mim mesmo a linguagem machista que usava, percebi a mentira ou a ocultação da verdade que havia na afirmação: 'quando falo homem, a mulher já está incluída'. E por que os homens não se acham incluídos quando dizemos: 'as mulheres estão decididas em mudar o mundo'? Nenhum homem se acharia incluído no discurso de nenhum orador ou no texto de nenhum autor que escrevesse: 'as mulheres estão decididas em mudar o mundo'. Da mesma forma como se espantam (os homens) quando a um auditório totalmente feminino, com dois ou três homens apenas, digo: 'todos vocês deveriam' etc. Para os homens presentes ou eu não conheço a sintaxe da língua portuguesa ou estou procurando 'brincar' com eles. O impossível é que se pensam incluídos no meu discurso. Como explicar, a não ser ideologicamente, a regra segundo a qual, se há duzentas mulheres numa sala e só um homem, devo dizer: 'eles todos são trabalhadores dedicados?' Isto não é, na verdade, um problema gramatical mas ideológico. " (FREIRE, 2002: pp 67)

Page 68: amílcar cabral e paulo freire na era da tecnologia digital

Sobre a conscientização, ele deixou de usar o termo já que ganhou uma conotação

idealista, mas sem rejeitar seu “real significado”. Segue abaixo as palavras de Paulo Freire

a respeito disso.

"Num certo momento do uso, análise e interpretação dessa palavra achamos que ela tinha uma conotação muito idealista, como se a libertação se restringisse à consciência, em outras palavras, como se a consciência pudesse, por si só, mudar a história, sem luta. Mas não foi isso que propus nos meus livros. Encontrei essa espécie de idealização entre cristãos, por causa da sua velha compreensão idealista do mundo. Contudo não quero dizer que todos os cristãos são idealistas. A teologia da libertação, por exemplo, não é idealista. Para mim, desde o início, a conscientização era concebida como um processo que se transformava em ação. É verdade, ao reler meus primeiros textos descobri algumas obscuridade e ingenuidade que procurei esclarecer nos textos posteriores. E também, comecei a evitar o termo conscientização sem rejeitar o seu real significado. (GADOTTI: 1992, pp 441)"

No lugar da conscientização, o termo que ganhou destaque é a esperança. Essa nova

visão faz apelo à continuidade da luta. O ato de se conscientizar é um passo fundamental

para a luta. Entretanto a luta não termina aí, sendo necessário ter esperança para superar

situações limites do cenário da opressão em que se encontra. Neste caso a esperança é a

energia constante para manter aceso o horizonte a ser conquistado que é vocação ontológica

do homem: a liberdade e a justiça. O diálogo de Paulo Freire com chefes de famílias sobre a

relação família-escola e relação pais e filhos baseada no castigo reflete a necessidade de ter

a esperança.

"[...] - Doutor nunca fui à sua casa, mas vou dizer ao senhor como ela é. Quantos filhos tem? É tudo menino?

- Cinco - disse eu - mais afundado ainda na cadeira. Três meninas e dois meninos. - Pois bem, doutor, sua casa deve ser uma casa solta no terreno, que a gente chama casa

de "oitão livre". Deve de ter um quarto só para o senhor e sua mulher. Outro quarto grande, é pras três meninas. Tem outro tipo de doutor que tem um quarto para cada filho e filha. Mas o senhor não é desse tipo não. Tem outro quarto para os dois meninos. Banheiro com água quente. Cozinha com a "linha Arno" [...].

O senhor deve ter ainda um quarto onde bota os livros - sua livraria de estudo. Tá se vendo, por sua fala, que o senhor é homem de muitas leituras e de boa memória.

Não havia nada a acrescentar nem a retirar. Aquela era a minha casa. Um mundo diferente, espaçoso, confortável.

- Agora veja, doutor, a diferença. O senhor chega em casa cansado. A cabeça até que pode doer no trabalho que o senhor faz. Pensar, escrever, ler, falar esses tipos de fala que o senhor fez agora. Isso tudo cansa também. Mas - continuou - uma coisa é chegarem casa, mesmo cansado, e encontrar as crianças tomadas banho, vestidinhas, limpas, bem comidas, sem fome, e a outra é encontrar os meninos sujos, com fome, gritando, fazendo barulho. E a gente tendo que acordar às

Page 69: amílcar cabral e paulo freire na era da tecnologia digital

quatro da manhã do outro dia para começar tudo de novo, na dor, na tristeza, na falta de esperança. Se a gente bate nos filhos e até sai dos limites não é porque a gente não ame eles não. É porque a dureza da vida não deixa muito para escolher” (FREIRE, 2001,pp. 26-27).

Esse trecho do diálogo faz perceber que o simples fato do sujeito que sofre opressão

ter consciência da sua situação e conhecer os mecanismos de libertação não é suficiente. A

situação limite em que se encontra só pode ser superada pela esperança.

A esperança é o que caracteriza a trajetória de luta de Amílcar Cabral. O seu pai,

Juvenal Cabral, teve consciência plena do cenário da opressão. Entretanto vivia numa

situação limite sem margem de manobra efetiva. Apenas lhe sobrava escrever cartas na

esperança de que um dia fosse lidas por alguém que pudesse fazer alguma coisa. Essa

esperança fez seu jovem filho, Amílcar Cabral, participar do seu sofrimento a ponto de lhe

questionar:

- Então para que escreveste um memorando ao ministro, se ele não pode fazer nada?- É porque sempre tenho a esperança de que, cedo ou tarde, as coisas melhorarão, e

então as pessoas recordarão o meu projeto de salvação do arquipélago que tu, hoje, levarás à Praia e deixarás na residência do ministro. Talvez ele me receba. ( HRHATBEB, 1984: pp 5 - 6).

A esperança de Juvenal Cabral introjetou uma revolta no filho que por sua vez, na

fase adulta, deu continuidade à luta do pai. Percebeu que ele não teria força suficiente para

realizar o sonho do pai. Assim como seu pai, adotou a esperança e compartilhou com a

juventude, a nova geração, o seu sonho. Podemos perceber isso quando delegou essa

missão ao Mané que ainda era criança.

"[...] É nas crianças como esta, talvez um pouco mais velha, mais adultas, que se deve depositar esperança. É preciso educá-las, ensiná-las a pensar na necessidade da luta pela dignidade própria."

Através desta esperança, o legado chegou até mim. A reflexão levantada neste

trabalho contempla a minha subjetividade que reconhece Amílcar Cabral como um herói

nacional cuja luta precisa ser continuada.

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Paulo Freire e Amílcar Cabral são homens valentes. Sonharam com o mundo da

liberdade e justiça. Elaboraram teorias científicas em prol desta causa. Tiveram que

enfrentar exércitos comandados por aqueles que beneficiam da injustiça e do sofrimento

alheio. Não intimidaram porque sabiam que as suas armas são mais poderosas. Estas se

resumem no poder cultural dos homens e a esperança de transformar o mundo, passando o

legado de geração para geração para que a luta seja constante. Estes dois homens morreram

entretanto continuam vivos no seio da humanidade.

2.5 – Considerações finais

Hoje a humanidade inteira reconhece a luta de Paulo Freire. Ele morreu mais

deixou uma legião de seguidores espalhados no mundo inteiro. Estes darão continuidade à

luta e deixarão o legado para a próxima geração. Paulo Freire é um grande herói. Assim

como Amílcar Cabral, soube enfrentar os poderosos desarticulando-os no ponto vital,

apontando o caminho para desconstruir o poder das elites e dos impérios. Desmontar a

mesma engrenagem sob o qual se sustenta o poder. Essa engrenagem é a cultura. A chave

para a sua desconstrução é a pedagogia.

As estratégias de Amílcar Cabral de atuar na dimensão pedagógica como arma da

libertação nacional é melhor compreendida a partir da concepção pedagógica de Paulo

Freire. A dimensão cultural foi a arma que os dois grandes heróis da humanidade usaram

para enfrentar os impérios, tentando neutralizar o operação recolonização montada pelas

potências da Idade Contemporânea.

O projeto de recolonização ainda está na agenda do grande império, os EUA. Esta,

com a falência da Rússia, vem solidificando seu espaço de atuação fazendo oposição as

Page 71: amílcar cabral e paulo freire na era da tecnologia digital

potências da Idade Moderna que estão ressurgindo através da União Européia. O cenário de

luta está esta sendo montado.

Frente a essa nova ameaça, o mundo precisa de novos homens como Amílcar Cabral

e Paulo Freire. A minha geração precisa seguir o legado por eles deixado, ficando ciente da

dimensão tecnológica que está sendo usada como uma das engrenagens do esquema da

dominação. Deste modo precisamos repensar a arma da teoria de Amílcar Cabral e a

pedagogia da libertação de Paulo Freire neste novo cenário.

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Cap III - A NOVA GERAÇÃO AMÍLCAR CABRAL E A TECNOLOGIA DIGITAL

3.1 - Introdução

Os registros da história relatam que os países que atingem posição de império

estendem seus poderes sobre a humanidade. Os que conquistam essa dimensão são aqueles

que detém o domínio da tecnologia sob a qual montam todo o aparato de dominação.

As potências com ambição imperial na Idade Contemporânea travaram uma guerra

silenciosa sob ameaça de armas atômicas com objetivo de colocar o resto do mundo em

pânico, criando assim um cenário favorável para alargar suas influências. Esse conflito se

centralizou no progresso tecnológico. Cada potência exibia ao mundo o seu avanço

tecnológico. O mundo inteiro ficou fascinado com a ida do homem à lua e com temor do

poder de explosão da bomba atômica. Tecnologias exclusivas de EUA e URSS que se

tornaram os donos do mundo.

A internet, uma poderosa rede de comunicação, surgiu nesse espaço de disputa

imperial. O poder de comunicação desta tecnologia revolucionou o mundo. A humanidade

conheceu uma nova era, a era digital. Com o fim da guerra fria, esta tecnologia começou a

ganhar uma dimensão expressiva. Trouxe grande impacto no processo de organização

social. Passou a ser um dos instrumentos vitais para a manipulação dos valores culturais,

movendo com maior dinâmica a engrenagem vital da dominação.

As potências imperiais encontraram um novo mecanismo para reforçar a

engrenagem da dominação tornando o exercício do poder altamente sintonizado com o

progresso tecnológico. Deste modo se percebe que o poder imperial vem se atualizando,

reduzindo cada vez mais os horizontes de sonho de Amílcar Cabral.

Page 73: amílcar cabral e paulo freire na era da tecnologia digital

Neste novo cenário, a juventude de hoje que segue o legado do grande herói precisa

dar continuidade à luta. A geração filha do Mané representa a juventude de hoje em que

Amílcar Cabral depositou a esperança para continuar a sua luta. Uma luta contextualizada

com o novo cenário em que a dominação ganhou um suporte na tecnologia digital. A arma

da teoria de Amílcar Cabral complementada com a pedagogia de libertação de Paulo Freire

precisa ser repensada neste novo cenário de forma articulada com a tecnologia digital,

fazendo com que esta seja um instrumento para conquistar o horizonte de liberdade e

justiça sonhado por Amílcar Cabral.

O objetivo deste capítulo consiste em refletir sobre a missão da nova geração

Amílcar Cabral para dar continuidade à luta no cenário atual em que a tecnologia digital é

um dos instrumentos vitais da dominação. Para isso, num primeiro momento será

apresentado um histórico da tecnologia como instrumento de dominação. Em seguida será

apresentado o contexto internacional de hoje tendo como destaque a dimensão tecnológica.

Por último será feita uma reflexão sobre a possibilidade desta tecnologia ser um

instrumento de mediação a serviço do horizonte sonhado por Amílcar Cabral.

3.2 - História da Tecnologia como Instrumento de Dominação

O desenvolvimento tecnológico é o vetor central para o progresso de qualquer

nação. Todas as potências que sonharam conquistar a dimensão imperial tiveram como

suporte o desenvolvimento tecnológico.

As potências da Idade Moderna, ao atingirem determinado nível de progresso

tecnológico, revolucionaram o setor industrial e sentiram a necessidade de expandir para

conquistar os novos mercados.

Page 74: amílcar cabral e paulo freire na era da tecnologia digital

"Uma vez que, na nova era industrial, nenhuma nação poderia esperar, a longo prazo, ser auto-suficiente, era necessário - de acordo com os argumentos neomercantilistas - para cada país industrial, desenvolver um império colonial dependente de si mesmo, formando uma grande unidade auto-abastecida, protegida, se necessário, por tarifas alfandegárias, da concorrência externa, e na qual o país metropolitano fornecia os produtos manufaturados em troca de produtos alimentares e matérias-primas. (BARRACLOUGH: 1976, pp 59)"

Com base nessa motivação, as potências européias iniciaram o processo de

colonização. Para se expandirem tiveram como suporte a tecnologia naval e bélica. Foi

através da superioridade técnica no setor militar (arma de fogo) que a Espanha penetrou na

América dominando os Incas e Astecas; o continente africano foi fatiado como um bolo; a

China, um grande império, se curvou frente à Inglaterra na guerra do ópio. Os países

dominados eram transformados em colônias que deviam fornecer matéria-prima e mão de

obra barata para a metrópole e recebiam em troca produtos industrializados em larga escala,

conseqüência direta do progresso tecnológico.

Com isso podemos perceber o poderio tecnológico define a dimensão de um

império. Deste modo, a Inglaterra se destacou como maior império colonial por ser pioneira

em revolucionar a sua indústria com a introdução de novas tecnologias no setor. Todas as

potências também queriam ampliar seu poder conquistando novas colônias. Não havendo

mais espaço para conquistar, entraram em conflito entre si com objetivo de conquistar

colônias alheias. Foi daí que o mundo conheceu a primeira e a segunda guerra mundial.

Guerras sangrentas em que todo o progresso tecnológico foi colocado a serviço do

imperialismo. Um show da tecnologia militar jamais vista pela humanidade.

Os EUA se aproveitaram dessa guerra para emergir no campo da tecnologia e da

indústria, financiando a destruição dos impérios da Idade Moderna e fornecendo-lhes

tecnologia militar para se destruírem. Ao financiarem a falência da Europa, criaram espaço

Page 75: amílcar cabral e paulo freire na era da tecnologia digital

para a sua atuação como império, tendo que enfrentar um inimigo que aspirava o mesmo

sonho, a URSS.

Daí começou um novo ciclo de disputa. Não mais entre as potências européias, mas

entre as duas novas potências que marcaram a era contemporânea. A missão era ampliar

suas áreas de influência sobre os impérios falidos e transferir as suas colônias para suas

bases de domínio.

Essa disputa foi visível no final da segunda guerra mundial porque o Japão, mesmo

estando dominado pelas forças Norte Americanas, foi lançado duas bombas atômicas. A

demonstração de força gerou pânico no mundo inteiro. A Rússia respondeu aos EUA sete

anos depois ao criar sua primeira bomba atômica. Apenas essas duas potências dominavam

a tecnologia de armas atômicas. Ameaçavam um ao outro gerando um clima de pânico e de

submissão ao resto de mundo que não possuía tal tecnologia. Para impor aos países a busca

de proteção numa dessas potências, os EUA criaram a OTAN, um bloco militar sob sua

liderança. Sentia-se seguro o país que se filiasse nesse bloco. A outra alternativa era o

Pacto de Versóvia, o bloco militar liderado pela URSS. Os demais países, ao caírem nessa

armadilha, se tornavam um espaço de influência.

Em 1961, Yuri Gagarin, um astronauta Russo, fez uma viagem espacial. O mundo

inteiro ficou fascinado pelo show do avanço tecnológico russo. Foi uma grande

demonstração de poder. Se um país poderia enviar satélite para espaço, certamente poderia

enviar uma bomba para qualquer canto do planeta. Para não ficarem atrás, em 20 de julho

de 1969, os EUA pisaram o solo lunar através do astronauta Neil Armstrong . A tecnologia

espacial desempenhou um papel fundamental ao serviço de inteligência e espionagem.

"A estratégia de ampliação preside a adaptação do sistema de inteligência para satélite, segundo os imperativos da guerra comercial. A rede Echolon, por exemplo, posta em operação sob maior sigilo em 1948 pelo Estados Unidos e seus quatros sócios (Canadá, Grã-Bretanha, Austrália e Nova

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Zelândia), a fim de recolher o máximo de informações sobre a União Soviética e seus aliados, foi reconvertida em um sistema de inteligência econômica. Esse sistema selvagem de escuta tem como instância máxima o National Security Agency (NSA), ligado ao Pentágno, que intercepta, na maior impunidade, utilizando para suas transmissões os satélites civis InsteIsat, os chamados telefônicos, fax e correio eletrônicos das empresas estrangeiras. (MATTELART: 2001, pp 147)"

Além da tecnologia espacial, também foi desenvolvida a Internet, uma poderosa

rede de comunicação. Esta teve origem na revolução informática em que a tecnologia

eletrônica foi exaustivamente explorada para garantir eficiência da guerra.

"A criação e o desenvolvimento da internet nas três últimas décadas do século XX foram conseqüência de uma fusão singular de estratégia militar, grande cooperação científica, iniciativa tecnológica e inovação contracultural. A internet teve origem no trabalho de uma das mais inovadoras instituições de pesquisas do mundo: a Agência de Projetos de Pesquisa Avançada (ARPA) do departamento de defesa dos EUA. Quando o lançamento do primeiro Sputnik, em fins da década de 1950, assustou os centros de alta tecnologia estadunidenses, a ARPA empreendeu inúmeras iniciativas ousadas, algumas das quais mudaram a história da tecnologia e anunciaram a chegada da Era da Informação em grande escala. Uma dessas estratégias, que desenvolvia o conceito criado por Paul Baran na Rand Corporation em 1960-4, foi criar um sistema de comunicação invulnerável a ataques nucleares. Com base na tecnologia de comunicação da troca de pacotes, o sistema tornava a rede independente de centros de comando e controle, para que a mensagem procurasse suas próprias rotas ao longo da rede, sendo remontada para voltar a ter sentido coerente em qualquer ponto da rede. (CASTELLS: 2002, pp 82) "

Todo esse show tecnológico cumpria o mesmo ritual que moveu as potências da

Idade Moderna: aumentar o espaço de influência dominando outros povos. EUA e URSS

tinham claro interesse de fazer isso recolonizando o mundo que estava sob domínio

colonial das potências falidas da Idade Moderna. Por isso ambas transferiam a tecnologia

militar para os povos dominados conquistarem as suas independências. Uma independência

conquistada com base em tecnologia alheia, é uma armadilha, ou seja, é cair num novo

ciclo da dependência.

Esse ciclo de dependência se explica pela natureza da transferência tecnológica que

se baseia no produto final e não na engenharia da produção. Esta continua sendo segredo da

potência que exporta. Essa transferência coloca as colônias na posição de consumidoras dos

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produtos resultantes do progresso tecnológico como fora durante todo o processo colonial

em que simplesmente consumiam produtos industrializados em troca de matéria prima.

Amílcar Cabral percebeu a estratégia montada na operação transferência de colônia.

Para não cair na armadilha elaborou um plano de ação para conquistar a independência de

Cabo Verde e Guiné Bissau com suporte em teorias cientificas. Percebeu que com o

simples fato de receber tecnologia militar e desencadear uma revolução armada para

expulsar os colonialistas, não necessariamente estaria conquistando a independência. Isso

porque ficaria refém de quem financiou a conquista. Ele recebeu a tecnologia militar russa

e desencadeou a luta com missão de libertar as forças produtivas. A razão disso é que

durante todo o período colonial as potências colonizadoras conquistaram progresso

tecnológico e desenvolvimento porque as suas forças produtivas estavam livres para agirem

e conflitaram, o que gera a dinâmica do progresso. O contrário aconteceu nas colônias.

Estas tiveram suas forças produtivas bloqueadas, estagnando assim toda e qualquer

possibilidade de desenvolver tecnologias e conquistar o progresso. Ao invés de

desenvolverem a tecnologia serviam de provedor da riqueza da metrópole. Tinham acesso

aos produtos industrializados mas não à logística tecnológica da sua produção. Nessas

condições, conquistar a verdadeira independência significa libertar as forças produtivas.

Estas, estando livres, entrarão em contradição e geram o progresso e conquista seus

próprios desenvolvimentos tecnológicos, quebrando o ciclo de dependência.

Amílcar Cabral lutou pela independência não exclusivamente com a tecnologia

bélica oferecida pela URSS. Usou principalmente uma tecnologia invisível que atua na

mente do homem: a pedagogia. Com base nisso, definiu a luta armada como fato e fator

cultural, centralizando a ênfase na problematização da pequena burguesia, apelando-a a se

suicidar como estratégia de recuperar a sua cultura original para fechar cerco ao invasor.

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Paulo Freire também teve uma reação similar ao de Amílcar Cabral na América

Latina lutando contra o avanço de sistemas militares como conseqüência direta da operação

recolonização montada pelas potências da guerra fria. Definiu uma nova prática pedagógica

em que o campo de batalha se desloca do setor militar para o escolar através de uma prática

educativa libertadora.

Hoje vivemos num novo contexto internacional. As potencias com ambição imperial

sofreram um processo de renovação. Alguns faliram e deram espaço para outros que se

restauraram. Em paralelo, o avanço tecnológico reforçou as estratégias de dominação.

Neste caso, a missão de lutar para conquistar o horizonte de sonho de Amílcar Cabral cabe

aos jovens de hoje que ainda cultivam a esperança depositada em Mané. Estes devem

repensar o legado do herói com o novo cenário para que a luta seja uma tocha de fogo que

vai de geração para geração, fechando todo o cerco às potências com ambição imperial.

3.3 - O cenário internacional

Os jovens filhos da geração do Mané vivem em sistema de neocolonização. Uma

situação política em que os governos nacionais são controlados pelos interesses das grandes

potências. Esta situação é resultado da operação recolonização montada no cenário da

guerra fria. Os países africanos na época viviam em regime de colonização. Ao receberam

apoio militar e financeiro, conquistaram uma independência controlada.

"O continente africano é considerado um continente economicamente atrasado. O seu PIB representa 1% do total mundial. Essa é a realidade econômica de um continente que sofreu séculos de colonização. Durante a colonização, os países deste continente não tiveram a oportunidade de explorar e desenvolver suas próprias economias. Essa oportunidade esteve nas mãos dos colonizadores que exploravam toda a riqueza para abastecer a metrópole. Segundo Edmond J. Keller, os Estados africanos, enquanto eram colônias dos países capitalistas, tinham pouca ou nenhuma base industrial. Com a independência, eles herdaram da colonização um enorme atraso econômico." (MONIZ: 2001, p 6)

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O atraso econômico herdado da colonização deixou os países africanos numa

situação vulnerável, uma situação perfeita para restaurar os laços colônias. Estados Unidos

e URSS aproveitaram dessa situação para alargaram suas áreas de influência para

conquistar a dimensão de império. As potências européias falidas também não perderam a

oportunidade para manter os laços coloniais. Criaram instituições que agrupam as ex-

colônias como estratégia de manter vivas os seus sonhos imperiais em que EUA e URSS

vêm tomando espaço.

"A ruptura dos laços coloniais no continente africano, que desembocou no processo de descolonização, não se traduz numa separação radical entre as colônias e as metrópoles, ou seja, não cessou o domínio econômico e cultural das ex-potências coloniais sobre as ex-colônias. Após a descolonização, as ex-colônias, lideradas por ex-metrópoles, formaram comunidades de múltiplos objetivos como forma de preservar a herança cultural e influência econômica. Atualmente temos a Comunidade Britânica formada por ex-colônias britânicas, a Aliança francesa formada por ex-colônias francesas e a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa formada por ex-colônias portuguesas.

O estudo de caso sobre a Comunidade Britânica e CPLP evidenciou que Inglaterra e Portugal ainda mantêm influências expressivas sobre as suas ex-colônias no continente africano. A relação deixou de ser dominação total de metrópole sobre as colônias e passou a ser de influência econômica e cultural de países ricos sobre pobres. Tiber Mende sustenta que a desigualdade entre países industrializados e países pobres é uma vasta empresa de recolonização, ou seja, o renascer do colonialismo sob formas discretas. Essa influência econômica que Inglaterra e Portugal exercem sobre países africanos anglófonos e lusófonos, na visão de Tiber Mende e Kwame N'krumah , é definido de neocolonialismo." (MONIZ: 2001, pp 38-39)

Isso evidencia que enquanto que EUA e URSS montavam a operação

recolonização, as potências falidas da Idade Moderna montaram um serviço de inteligência

para recuperar seus espaços de influência. A Comunidade Britânica, Aliança Francesa e

CPLP representam essa estratégia. Deste modo se percebe que os países africanos ficaram

cercados por todos os lados. Não havia muita alternativa, daí se entende como Amílcar

Cabral foi um gênio ao perceber prematuramente este cenário e tentou fazer uma revolução

na dimensão cultural como estratégia para reverter o quadro.

Esse quadro é cada vez mais difícil de ser revertido hoje. Isso porque não há mais o

cenário de guerra fria e nem a dominação em forma do colonialismo clássico, a dominação

Page 80: amílcar cabral e paulo freire na era da tecnologia digital

direta. Em 1989, a queda do muro de Berlim pôs fim ao império da URSS. Os EUA

ganharam a disputa. Ficou reconhecido como o único soberano no mundo. Entretanto, vem

sofrendo a disputa com as potências da Idade Moderna que estão ressurgindo na dimensão

de um novo império mundial. Estes, ao perderem espaço após a primeira e segunda guerra

mundial, montaram um serviço de inteligência para reconquistar o poder imperial em longo

prazo. Em função disso, formaram blocos como espaço de coligação. Desse modo, surgiu a

Comunidade Econômica Européia que hoje se tornou União Européia. Um bloco forte

formado principalmente pelas potências da Idade Moderna cujo poder é tão expressivo a

ponto de começar a concorrer com os EUA, procurando alargar sua influência pelo mundo.

Nesse novo cenário de disputa, os instrumentos de recolonização européias

(Comunidade Britânica, Aliança Francesa e CPLP) ganharam mais força. Estes atuam na

dominação cultural uma vez que centralizam seus esforços na cooperação de natureza

cultural voltada para a conservação da língua e dos costumes do colonizador, uma herança

histórica da repressão cultural efetuada durante o período de colonização.

Neste sentido, a Internet é uma tecnologia de comunicação digital que vem servindo

como um grande instrumento a serviço dessa nova estratégia de valorização da cultura

ocidental herdada nas ex-colônias. Por ser uma rede sem um centro de controle e formado

por vários nós, facilitou a comunicação, ligando o mundo inteiro numa rede, marcou uma

nova fase da revolução nos meios de comunicação. Essa rede vem servindo como principal

canal de propaganda do mundo globalizado e sem fronteira. Uma retórica que desafia as

culturas nacionais e as condenam ao desaparecimento cuja alternativa é fundir-se numa

outra, a cultura global. A cultura dita global é a cultura das potências que hoje procuram se

expandir pelo mundo. Procuram alargar suas influências aplicando uma nova estratégia de

repressão cultural.

Page 81: amílcar cabral e paulo freire na era da tecnologia digital

"Em minha opinião, a sociedade informática escreverá uma nova página da história da humanidade, pois dará um grande passo no sentido de materialização do velho ideal dos grandes humanistas, a saber, o do homem universal, e universal em dois sentidos: no da sua formação global, que lhe permitirá fugir do estreito caminho da especialização unilateral, que é hoje a norma, no de se libertar do enclausuramento numa cultura nacional, para converter-se em cidadão do mundo no melhor sentido do termo.( SCHAFF: 1995, pp 71) "

Nas palavras de Adam Schaff percebemos que a tecnologia digital é um canal de

mediação para produção do cidadão do mundo, ou seja, assimilar a cultura ocidental. O

sucesso dessa estratégia está no controle de produção e acesso a esta tecnologia. Mas é

uma tecnologia que ainda se concentra nas mãos dos países ocidentais que procuram

alargar suas influências sobre o mundo. O quadro abaixo ilustra a distribuição do acesso à

Internet no mundo.

Quantidade de pessoas com acesso a internet %Oriente Médio 5,12 milhões 0,88%África 6,31 milhões 1,09%América Latina 32,99 milhões 5,68%Ásia/Pacífico 167,86 milhões 28,90%Canadá & EUA 182,67 milhões 31,45%Europa 185,83 milhões 32,00%Mundo( Total) 580,78 milhões 100,00%

Fonte: NUA http://www.nua.com/

O que podemos notar na tabela é que os países que historicamente tiveram suas

forças produtivas livres para atuarem e que desenvolveram a engenharia da tecnologia

lideram em relação ao número de internautas, ou seja, são produtores da cultura dita

universal. Os países que foram vítimas do colonialismo, as do Oriente Médio, América

Latina e da África entram numa escala de classificação de excluídos digitais, aqueles que

estão ausentes da cultura global.

"No ano 2000, a Unesco organizou várias reuniões regionais sobre os desafios étnicos, legais e societários postos pelo ciberespaço na África, na Ásia e no Pacífico, na América Latina e no Caribe e na Europa/América do Norte (nessa época, os Estados Unidos ainda não tinham voltado a participar, diferentemente do Reino Unido, do organismo internacional que tinham

Page 82: amílcar cabral e paulo freire na era da tecnologia digital

deixado em 1985). Em 2001, ano oficialmente proclamado pelos Nações como ano do 'Diálogo entre as Civilizações', por sugestão do presidente Khatami, do Irã, a Conferência Geral da Unesco situou a luta contra a fratura digital no quadro de uma 'INFOética' e propôs aos Estados-membros um conjunto de recomendações 'sobre o uso multilinguismo e o acesso universal ao ciberespaço', sem os quais, dizia-se claramente, 'o processo da globalização econômica seria culturalmente empobrecedor, desigual e injusto'. Essa estratégia foi até mesmo batizada: Iniciativa B@bel. A Unesco também lembrou que a educação de base e a alfabetização são 'pré-requisitos para o acesso universal ao ciberespaço'. O diagnóstico da desigualdade no acesso às novas tecnologias levou a organizar, em conjunto com a International Union of Telecommunications (IUT), uma Cúpula Mundial sobre a Sociedade de Informação, em 2003, em Genebra, para ali discutir a necessidade de 'regulação global'. A idéia é considerar os campos do conhecimento e da informação como um 'bem público global', visto que se trata de uma parte constitutiva da esfera pública. Opõe-se à doutrina ultraliberal do 'free flow of information', encerrada em uma visão mercantil do mundo, uma definição cidadã da liberdade de informação e da liberdade de acesso à informação. " (MATTELART: 2001, pp162-163)

O ciberespaço reflete um novo esquema de colonização do mundo análogo à

estratégia ideológica adotada pelas potências da Idade Moderna que justificavam a

colonização como uma missão de caridade em que leva civilização aos povos cuja cultura é

atrasada e inferior. Hoje a retórica da cultura global cumpre o mesmo papel ideológico para

legitimar a repressão cultural sem necessidade do uso da força militar, criando assim uma

camada de assimilados que aderem à cultura global.

A ausência da força militar nesse esquema de dominação no quadro de

neocolonialismo foi substituída pelas instituições como Comunidade Britânica, Aliança

Francesa e CPLP que usam a falsa retórica de serem vocacionadas para cuidar do bem-estar

do povo das ex-colônias. Junto a estes também se encontram os organismos financeiros

internacionais e agências diplomáticas da ONU que se apresentam como instituições

neutras para promover o bem-estar mundial. Todas essas instituições estão a serviço do

poder das grandes potências assim como a ONU foi utilizada pelas potências da época da

guerra fria. A Internet, sendo um poderoso canal de comunicação vem servindo para

reforçar toda essa retórica tornando-a "verdadeira" a todos os cidadãos que caem na

armadilha de globalização no sentido cidadão do mundo.

Page 83: amílcar cabral e paulo freire na era da tecnologia digital

Toda essa estratégia montada cria um quadro de dominação invisível. Uma situação

de opressão que se torna impossível enxergar ao olho nu. Deste modo, torna-se muito

difícil a mobilização para desencadear a luta. Isso significa que a etapa da luta no cenário

neocolonial é mais árdua. Amílcar Cabral estava ciente disso tanto que em plena luta

armada compartilhou o seguinte com os companheiros de luta:

"Meus amigos, meus camaradas, esta guerra vai ser ganha por alguns da minha geração, que escaparão, vai ser ganha por alguns da geração de vocês que escaparão, mas sim vai ser ganha pela geração que está chegando aí [..] .E o que acontece, é que, daqui a cinco ano por aí, seis, quando essa geração que está aí jovenzinha, vai chegar ao momento de luta definitiva, vai precisar de usar instrumentos de guerra, que não são o que vocês estão usando, mas sim instrumentos de guerra que vão exigir um conhecimento matemático que vocês não tiveram e nem têm, são conhecimentos científicos, de que a geração outra vai precisar." (FREIRE: 1985)

As palavras de Cabral deixam bem claro que independência não é apenas ganhar a

luta armada e instalar um governo nacional. Após essa etapa, viria o cenário de dominação

invisível cuja arma de luta deve deslocar para o campo da ciência e da matemática. Esta

mensagem é para os jovens de hoje, filhos da geração Mané em que o grande herói

depositou a confiança. O recado deixado pelo mestre é usar a ciência para fazer com que a

dominação invisível seja enxergada. E a matemática para reforçar a estratégia de luta.

Os jovens precisam refletir sobre o legado que receberam do filho ilustre da pátria

mãe. No campo da ciência, a arma da teoria do mestre precisa ser repensada. Precisa ser

complementado com a pedagogia de libertação de Paulo Freire para que a dominação

invisível seja enxergada, possibilitando assim a mobilização necessária para a luta. O uso

da matemática reflete a dimensão da tecnologia digital, uma engenharia que tem como base

a linguagem matemática. Esta precisa ser usada como espaço de mediação articulada com a

Page 84: amílcar cabral e paulo freire na era da tecnologia digital

pedagogia da libertação para reforçar e atualizar a arma da teoria, tornando a tecnologia um

espaço de luta para libertação.

Esta é a missão da geração de Amílcar Cabral. Uma tarefa difícil, mas que precisa

ser cumprida. Trata-se de salvar as nações que ainda hoje servem de espaço de exploração

para fomentar a riqueza dos impérios. Enquanto isso estiver acontecendo, a luta não deve

parar. Amílcar Cabral permanecerá vivo na coragem e bravura da legião de jovens que

seguirão o seu ideal.

3.4 - Pedagogia da Libertação e a Tecnologia Digital

A missão de luta da geração Amílcar Cabral se dá no contexto de neocolonização

num cenário cuja prática da opressão é invisível. A pedagogia de Libertação de Paulo

Freire se constitui uma estratégia para enxergar o novo cenário. Deste modo, a geração de

Amílcar Cabral precisa refletir sobre esta concepção pedagógica, articulando-a com os

novos desafios da luta pela emancipação.

Tal reflexão pode ser feita sob diversos ângulos. O que aqui se propõe a estudar

restringe-se ao campo da tecnologia digital, pois trata-se de uma revolução no campo da

tecnologia de comunicação. Uma inovação que veio reciclando as engrenagens de

dominação. O objetivo desse estudo consiste em repensar o uso desta tecnologia numa

lógica contra-hegemônica. Mais especificamente, refletir o seu uso como instrumento de

mediação numa prática educativa concebida dentro da visão da pedagogia de libertação de

Paulo Freire. Essa reflexão servirá de apoio para a geração Amílcar Cabral elaborar as

estratégias de luta para desencadear o movimento revolucionário de desneocolonização.

Venício Lima, ao debater sobre a atualidade do conceito de comunicação em Paulo

Freire, faz uma ligação entre tecnologia digital e concepção pedagógica freiriana.

Page 85: amílcar cabral e paulo freire na era da tecnologia digital

"No momento em que as potencialidades das tecnologias interativas acenam para a quebra da unidirecionalidade e da centralização das comunicações, o conceito de comunicação dialógica, relacional e transformadora de Freire oferece uma referência normativa revitalizada, criativa e desafiadora para todos aqueles que acreditam na prevalência de um modelo social comunicativo humano e libertador." (LIMA: 2001, pp 69)

Dessa apreciação feita por Venício Lima, podemos extrair dois conceitos que

servem como indicadores ou categorias de análise sobre a possibilidade do uso da

tecnologia digital como espaço de mediação pedagógica numa concepção freiriana. O

primeiro conceito é a comunicação dialógica e o segundo é a potencialidade interativa da

tecnologia.

Para avançar nessa reflexão, num primeiro momento será definida a comunicação

dialógica de Paulo Freire. Em seguida, definiremos a potencialidade interativa da

tecnologia digital. Tendo esses dois conceitos, por último será feita uma análise sobre a

possibilidade de articular a tecnologia digital enquanto espaço de mediação com a

pedagogia de libertação de Paulo Freire.

3.4.1 - Comunicação Dialógica

Paulo Freire trabalha o conceito de comunicação tendo como categorias de análises

a dimensão política e cultural. Isso está expresso no seu ensaio intitulado Extensão ou

Comunicação?, onde ele aborda o problema de comunicação entre os técnicos e

camponeses nos seus últimos anos de experiência no Chile.

Nesse estudo ele faz uma diferenciação entre extensão e comunicação tendo como

critério a dimensão cultural e política. Ele entende a extensão como um ato de invasão

cultural.

"Tal é o dilema do agrônomo extensionista, em face do qual precisa manter-se lúcido e crítico. Se transforma os seus conhecimentos especializados, suas técnicas, em algo estático, materializados e os estende mecanicamente aos camponeses, invadindo indiscutivelmente sua

Page 86: amílcar cabral e paulo freire na era da tecnologia digital

cultura, sua visão do mundo, concordará com o conceito de extensão e estará negando o homem como um ser da decisão. Se, ao contrário, afirma-o através do trabalho dialógico, não invade, não manipula, não conquista; nega então a compreensão do termo extensão." (FREIRE: 1983, pp 44)

Ao se debruçar sobre o estudo da relação entre os agrônomos e camponeses, Paulo

Freire classifica de extensão a postura dos agrônomos de transferirem seus conhecimentos

para os camponeses, ignorando as suas realidades e tornando-os agentes passivos. Isso

constitui não só a invasão cultural sobre os camponeses como também a negação deles

como atores políticos de transformação social.

Essa relação é de extensão e não de comunicação. A relação de comunicação se dá a

partir do momento em que os agrônomos adotarem uma postura de diálogo com os

camponeses. Um diálogo horizontal e amoroso. Isso significa que quando os agrônomos e

camponeses estiverem em pé de igualdade movidos pelo sentimento de amor, confiança e

compromisso haverá espaço para a comunicação, ou seja, para o diálogo.

Paulo Freire desenvolve o conceito do conhecimento a partir desta problemática:

extensão ou comunicação.

"A educação é comunicação, é diálogo, na medida em que não é a transferência de saber, mas um encontro de sujeitos interlocutores que buscam a significação dos significados." (FREIRE: 1983, pp 69)

"Não há diálogo, porém, se não há um profundo amor ao mundo e aos homens. Não é possível a pronúncia do mundo, que é um ato de criação e recriação, se não há amor que a inunda. [...]

Se não amo o mundo, se não amo a vida, se não amo os homens, não me é possível o diálogo[...]

Como posso dialogar, se me alieno a ignorância, isto é, se a vejo sempre no outro, nunca em mim?

Como posso dialogar, se me sinto como um homem deferente, virtuoso por herança, diante dos outros, meros 'isto', em quem não reconheço outros eu?

Como posso dialogar, se sinto participante de um gueto de homens puros, donos da verdade e do saber, para quem todos os que estão fora são 'essa gente', ou são 'nativos inferiores'?Como posso dialogar, se parto de que a pronúncia do mundo é tarefa de homens seletos e que a presença das massas na história é sinal da sua deterioração que devo evitar?[...]

Ao fundar no amor, na humildade, na fé nos homens, o diálogo se faz uma relação horizontal, em que a confiança de um pólo no outro é conseqüência óbvia. Seria uma contradição se amoroso, humilde e cheio de fé, o diálogo não provocasse este clima de confiança entre seus sujeitos." (FREIRE: 1970, pp 79-81)

Page 87: amílcar cabral e paulo freire na era da tecnologia digital

A comunicação é o diálogo que leva os interlocutores a construírem e reconstruírem

o mundo. É todo o ato de transformação do mundo por parte dos interlocutores a partir do

seu pronunciamento do mundo com as suas próprias palavras. Não há diálogo se há

manipulação cultural e domesticação dos homens.

Um outro atributo importante do diálogo que Paulo Freire levanta é sua natureza

social. Não é relação exclusivamente do eu e tu, mas sim do nós.

"[...] O diálogo é este encontro dos homens, mediatizados pelo mundo, para pronunciá-lo, não se esgotando, portanto na relação eu-tu." (FREIRE: 1970, pp 78)

Não há, realmente pensamento isolado, na medida que não há homem isolado[..] Todo o ato de pensar exige um sujeito que pensa, um objeto pensado, que mediatiza o primeiro sujeito do segundo, e a comunicação entre ambos, que se dá através de signos lingüísticos[..]

Deste modo, além do sujeito pensante, do objeto pensado, haveria, como exigência (tão necessária como a do primeiro sujeito e a do objeto), a presença de outro sujeito pensante, representado na expressão de companhia. Seria um verbo 'co-subjetivo-objetivo', cuja ação incide no objeto seria, por isto mesmo, co-participada.

O sujeito pensante não pode pensar sozinho; não pode pensar sem a co-participação de outros sujeitos no ato de pensar sobre o objeto. Não há um 'penso', mas sim um 'pensamos'. É o 'pensamos' que estabelece o 'penso' e não o contrário.

Esta co-participação dos sujeitos no ato de pensar se dá na comunicação. O objeto, por isso mesmo, não é a incidência terminativa do pensamento de um sujeito, mas o mediatizador da comunicação." (FREIRE: 1983, pp 66)

A dimensão social do diálogo concebe o interlocutor dentro do seu universo sócio-

cultural. O diálogo acaba sendo uma relação do sujeito com a sua realidade uma vez que ao

pronunciar sua própria palavra faz uma nova leitura do seu mundo e o transforma. Isso

ocorre no encontro entre os homens. Por exemplo, o encontro entre os agrônomos e os

camponeses faz com que ambos reconstruam e recriem o significado do mundo a partir uma

relação dialógica.

Através da natureza cultural e política da comunicação, Paulo Freire classifica dois

tipos de educação: bancária e libertadora.

A concepção bancária da educação se constitui num instrumento da opressão na

medida em que não há diálogo. Há extensão do conhecimento do educador para o

Page 88: amílcar cabral e paulo freire na era da tecnologia digital

educando. Uma transferência de saber com objetivo de alojar na mente do educando a

consciência de uma realidade que não faz parte do seu cotidiano. Deste modo, se efetua

uma invasão cultural, prescrevendo a leitura do mundo segundo os interesses alheios. Nesta

prática educativa, a relação entre educador e educando é vertical e não se fundamenta na fé

e amor entre os homens. Sendo assim, o sujeito de aprendizagem não faz leitura do seu

mundo para o transformar, pois se torna um sujeito passivo.

Como alternativa, Paulo Freire propõe uma nova prática educativa comprometida

com a libertação dos homens. Esta deve fundamentar na comunicação e não na extensão. A

educação libertadora seria uma educação dialógica na medida em que a relação entre o

educador e educando ocorre dentro dos horizontes da igualdade pautada pela fé e amor.

Assim, se cria um clima favorável ao diálogo, o que leva o educando a construir uma

aprendizagem do seu mundo, pronunciando sua própria palavra. Esta aprendizagem

possibilita o educando se tornar um sujeito político para transformar a sua realidade.

Em suma, comunicação para Paulo Freire pressupõe o ato político de transformar a

realidade e não a manipulação ou invasão cultural. Esse conceito de comunicação é uma

leitura mais aprofundada da arma da teoria de Amílcar Cabral. Uma estratégia pedagógica

sobre a dimensão cultural cujo objetivo é transformar a realidade do quadro colonial.

3.4.2 - Potencialidade interativa da tecnologia digital

A tecnologia digital aqui se refere a rede mundial de computadores, a Internet. A

rede que Manuel Castells descreve tem sua origem dentro do setor militar. É nosso

propósito efetuar uma análise sobre a sua potencialidade, enquanto canal de comunicação,

no que diz respeito à interatividade.

Page 89: amílcar cabral e paulo freire na era da tecnologia digital

Para efetuar essa análise, é necessário primeiro fazer uma apresentação conceitual

da Internet na sua dimensão técnica. Em seguida, debruçar sobre a sua dimensão

comunicativa, tendo como indicador de análise a interatividade. Porém, antes de falar da

Internet é necessário falar do computador. Considero que assim é a melhor forma de

entender o universo da engenharia.

É senso comum definir-se uma máquina pela sua função. Por exemplo: microonda

serve para aquecer alimentos; do mesmo modo, o carro serve para transporte. Já o

computador é uma máquina que não tem uma finalidade específica. A sua finalidade é

definida por um conjunto de instruções lógicas escritas em linguagem matemática, o código

binário. Essas instruções lógicas são denominadas de software, ou seja, programas, fazendo

com que o computador tenha uma função bem definida: interpretar instruções escritas em

código binário. Essa é a sua função técnica, assim como o microondas que tecnicamente

tem a função de elevar a temperatura aquecendo os alimentos como eletrodoméstico na

cozinha. Por essa perspectiva, pode-se entender porque que o computador tem diversas

funcionalidades. É usado para a contabilidade bancária. Também serve como máquina de

escrever. Serve como piloto automático e até para simular o efeito da explosão de uma

bomba atômica. Todas essas funcionalidades são definidas pelos programas nele colocados

e não tem nada de inteligente. É igual ao volante de um carro, segue as instruções do

motorista; no caso segue as instruções do programador que desenvolveu o software.

Entretanto, existem pesquisas que refutam essas colocações. A comunidade da

inteligência artificial não entende que o computador seja como uma máquina qualquer.

Com suas pesquisas sustentam que é possível o computador desempenhar funções

inteligentes, o que o aproximaria da capacidade humana. Inúmeros filmes de ficção

científica já abordam essa possibilidade, como o caso 2001 uma Odisséia no Espaço,

Page 90: amílcar cabral e paulo freire na era da tecnologia digital

Matrix, e outros. Não é nosso propósito, nesta pesquisa, aprofundar essa questão, mas

queremos deixar registrado a existência dessa polêmica ontológica acerca do computador.

Um computador pode executar instruções de vários programas. O mesmo

computador que se usa para escrever uma carta, também pode ser usado para fazer

operações contábeis. As duas atividades podem ser feitas simultaneamente. Para entender

isso, é necessário explicar o conceito do sistema operacional. Geralmente todo computador

usa um sistema operacional. Os mais conhecidos popularmente são o Windows, da

empresa Microsoft e o Linux, de uma comunidade que desenvolve sistemas livres (Free

Software). Além destes, existem vários outros.

Sistema operacional é um programa que serve como plataforma de gerenciamento

dos outros programas. Por exemplo: Word é um programa que serve para processamento de

texto; já o Excel serve para gerenciar planilhas e efetuar cálculos estatísticos e contábeis.

Ambos são executados dentro do programa maior, a plataforma que constitui o sistema

operacional. No sistema operacional podem ser adicionados quantos programas forem

necessários, em função da capacidade do computador. Assim, o computador acaba tendo

múltiplas funções, diferenciando-se de uma máquina como microondas ou carro.

Bem, agora que já ficou claro o que é computador, vamos falar da Internet. Como a

função do computador é definida pelo programa, este serve também como canal de

comunicação. Isso foi possível através de programas que permitem troca de dados entre

computadores. Daí surgiu a rede de computadores. Um conjunto de computadores ligados

uns aos outros. A internet é a maior rede de computadores do mundo. A sua abreviatura é

www que significa wide world web.

Como vimos, a Internet teve sua origem nos Estados Unidos. Considerada uma

espécie de filha da Guerra Fria, nasceu para atender as necessidades militares de defesa do

Page 91: amílcar cabral e paulo freire na era da tecnologia digital

país no caso de ataque nuclear pela União Soviética, por razões estratégicas, a rede não tem

um centro, um diretor, nem pertence a nenhuma empresa.

Mattelart (2002:63) relata que em 1958, o Pentágono criou a Darpa (Defense

Advanced Research Projects Agency), uma agência de coordenação de contratos de

pesquisa federais. Dez anos mais tarde, esta agência inaugurou a rede Arpanet, ancestral da

Internet, para facilitar os contatos entre as várias equipes contratantes. A rede começou a

funcionar em 1969, conectando a ela quatro universidades americanas. A seguir, surgiriam

os diferentes protocolos e, em 1981, a Bitnet, anterior à Internet, originada da expressão

“Because It´s Time to NETwork / “porque já é hora de a rede funcionar”, com grupos de

discussão, correio eletrônico e transferência de arquivos entre universidades americanas.

Já dá para entender porque essa rede surgiu no ambiente militar. Tendo em conta

que a sua arquitetura é distribuída e descentralizada, mesmo que uma bomba acerte um

computador ou grupo de computadores da rede, não é suficiente para destruir as

informações que estão descentralizadas pela rede inteira.

Agora vamos entender como funciona a comunicação pela Internet. Imaginem que

uma pessoa envia uma mensagem pelo correio eletrônico para uma outra pessoa que pode

estar em qualquer canto do planeta. Primeiro passo, o remetente escreve o texto da

mensagem num programa de correio eletrônico. Ao terminar, dá instrução ao programa

para enviar a mensagem. O programa do correio eletrônico traduz o texto para linguagem

binária. Por exemplo, a letra A corresponde ao número 65. No código binário 65 equivale á

1000001. Desse modo, o texto inteiro é traduzido. Todo código binário é transportado até o

destino. O programa de correio eletrônico do computador destino faz a tradução inversa.

Traduz o código binário em texto original, ou seja, o código 1000001 é traduzido para A

assim como os demais textos. O destinatário terá acesso ao texto original enviado. Este, por

Page 92: amílcar cabral e paulo freire na era da tecnologia digital

sua vez pode se transformar em remetente, enviando uma resposta. O processo de

codificação e decodificação do texto em linguagem binária se dá de novo. O remetente

anterior se torna destinatário e assim sucessivamente.

Neste sentido, a internet enquanto canal de comunicação se constitui num exemplo

perfeito do modelo formal de Shannon. Ele propõe um modelo de comunicação que

consiste em reproduzir em um ponto de maneira exata a mensagem dada em outro ponto.

Esse modelo pressupõe uma linha de entrada e uma linha de saída. O emissor codificador

emite a mensagem que é recuperada sem falhas e distorções pelo receptor decodificador

(MATTELART: 2000, pp 57-61).

Seguindo o modelo de Shannon, a comunicação é linear e exata entre o emissor e

receptor enquanto suporte do canal, ou seja, o programa do correio eletrônico remetente

que codifica a mensagem em código binário e o programa de correio eletrônico destino,

que decodifica o código binário em mensagem original.

Ao tomar essa explicação, fica claro que o computador apenas possibilita uma

comunicação linear. Tendo em conta isso, onde entra então a dimensão interativa da

comunicação pela tecnologia digital?

Para refletir sobre essa questão, requer definir o conceito da interatividade. Vamos

trabalhar essa definição dentro da proposta de Marco Silva (2001) e Alex Fernando

Teixeira Primo (1998).

Marco Silva desenvolve reflexão sobre a comunicação através do conceito de

interatividade. Ele aponta três características de uma comunicação interativa: participação e

intervenção, bidirecionalidade-hibridadação e permutabilidade-potencialidade. A primeira é

a participação e intervenção na mensagem. Num processo de comunicação, nenhum dos

pólos deve restringir suas ações em apenas dizer sim ou não, ou então escolher entre um

Page 93: amílcar cabral e paulo freire na era da tecnologia digital

conjunto de opções dados. Isso não caracteriza nenhuma participação e muito menos uma

intervenção, o que se efetiva ao desempenhar um papel ativo para modificar o conteúdo e o

processo de comunicação. A intervenção não deve restringir apenas a um dos pólos. Tem

que ser bidirecional. Isso garante que a mensagem construída no processo seja o resultado

de co-autoria de todos os pólos. A permutabilidade-potencialidade se refere a liberdade de

manipulação de cada pólo no sentido mudar e recriar, fazendo combinação de várias

possibilidades numa dinâmica aleatória e não seqüencial.

A comunicação interativa, no entender de Marco Silva, não é sinônimo da

tecnologia digital. É uma postura do comunicador. Entretanto, ele reconhece que a Internet

trouxe maior possibilidade da comunicação interativa, principalmente no que diz respeito a

permutabilidade-potencialidade.

O conceito de Marco Silva sobre interatividade não diz respeito ao canal de

comunicação do modelo de Shannon, mas sim aos sujeitos humanos que usam o canal. A

interação enquanto intervenção, bidirecionalidade e permutabilidade são atributos dos

sujeitos humanos, ou melhor, dos usuários do programa de correio eletrônico que trocam a

mensagem.

Podemos levantar dois tipos de relação nesse processo de comunicação. Numa

primeira ótica temos uma relação entre o sujeito humano e a máquina, ou seja, o usuário do

correio eletrônico e o computador. Numa segunda óptica, temos sujeito humano e sujeito

humano, tendo a máquina como intermediário. No caso, os usuários que trocam mensagem

via correio eletrônico. Para diferenciar a natureza da interação nas duas ópticas de relação,

vamos usar o conceito de interatividade de Alex Fernando.

Alex Fernando, ao desenvolver estudo sobre comunicação mediado pelo

computador, define dois tipos de interação: reativa e mútua. A interação reativa se

Page 94: amílcar cabral e paulo freire na era da tecnologia digital

caracteriza pela linearidade e ocorre em ambientes fechados. Todas as possibilidades são

previamente definidas. Nenhuma situação pode ocorrer se não for prevista. Não há

possibilidade para efetuar a criatividade ou simular novas situações. Esse tipo de interação

é da natureza ação/reação ou estimulo/resposta do modelo behaviorista.

Tal interação ocorre principalmente na relação sujeito humano ↔ máquina ou

também na relação máquina ↔ máquina. Na primeira relação, o usuário do computador

interage com um ambiente fechado. Ele emite comando e o computador emite resposta. Se

for emitido algum comando não previsto na lógica do programa, escrita em código binário,

não haverá reação, ou seja, a resposta. A liberdade comunicativa do usuário é condicionada

pelas possibilidades previstas no programa. A mesma interação se dá entre dois

computadores ou dois programas de computadores. Por exemplo, o computador remetente

envia mensagem de texto codificado para o computador destinatário. O programa do

computador destinatário só reage aos comandos previamente definidos. O mesmo se aplica

ao computador remetente. Qualquer comando não previsto pode resultar em erro.

A interação mútua, entretanto, se dá num ambiente aberto em que novas situações

podem ser criadas mesmo não sendo previstas. Nada é pré-determinado. Tudo é criando em

função da dinâmica do ambiente. Esse tipo de interatividade contempla os três vetores da

comunicação interativa definida por Marco Silva: intervenção, bidirecionalidade,

permutabilidade. Esse tipo de interação ocorre principalmente na ótica da relação sujeito

humano ↔ sujeito humano mediado pelo computador. A liberdade de criar, de modificar,

de intervir e de gerar situações de imprevisibilidade são atributos dos sujeitos humanos

enquanto comunicadores. Daí entendemos porque que Marco Silva concebe interatividade

como postura do comunicador. Ele enfatiza que o computador potencializa a comunicação

interativa entre os sujeitos humanos na medida em que os usuários do correio eletrônico

Page 95: amílcar cabral e paulo freire na era da tecnologia digital

podem trocar mensagens de forma livre de modo que cada usuário assume o duplo papel e

de emissor e receptor, podendo intervir no processo de comunicação.

Não há possibilidade da interação mútua ocorrer na óptica da relação sujeito

humano ↔ máquina ou máquina ↔ máquina. Isso porque a máquina só funciona dentro da

engrenagem ação/reação, situações previamente definidas. Entretanto, há possibilidade do

contrário, ou seja, a interação reativa pode ocorrer numa relação sujeito humano ↔ sujeito

humano mediado ou não por máquina. Isso já depende da postura dos comunicadores,

como coloca Marco Silva.

A Internet é uma tecnologia digital que pontencializa uma comunicação interativa

mútua entre as pessoas humanas enquanto sujeitos comunicativos. Essa interatividade não

ocorre na tecnologia enquanto canal, uma vez que partimos do pressuposto que considera

que o computador é uma máquina que apenas processa instruções matemáticas.

3.4.3 - Mediação pedagógica via tecnologia digital

A interação mútua é uma relação de diálogo na medida em que cada sujeito que

compõe o pólo de comunicação tem a possibilidade de intervir, criar e modificar. O

dialógismo de Paulo Freire ocorre numa interação mútua deste que a postura dos

comunicadores seja de compromisso, fé e amor. Uma relação de igualdade para que cada

pólo, enquanto sujeito possa pronunciar e recriar o seu mundo pelas suas próprias palavras.

Esse tipo de diálogo pode ser possível numa comunicação mediada pela tecnologia

digital uma vez que esta potencializa uma relação interativa mútua entre os sujeitos

comunicadores. Como o diálogo resulta do encontro entre os homens para pronunciarem

suas próprias palavras e transformarem o mundo, esse encontro pode ser mediatizado pela

tecnologia digital que possibilita uma comunicação interativa mútua entre os interlocutores.

Page 96: amílcar cabral e paulo freire na era da tecnologia digital

Como já vimos, a interação mútua depende da postura dos sujeitos comunicantes.

Do mesmo modo, o diálogo em Paulo Freire depende do estado de espírito dos

interlocutores. Se o interesse é dominar, não há diálogo, mas sim extensão. Se o interesse é

compartilhar e aprender, há diálogo pautado pelo amor e compromisso.

O uso da tecnologia digital, enquanto canal de comunicação interativa, não

necessariamente possibilita o dialogismo freiriano. A relação de compromisso e amor entre

os interlocutores mediados ou não pela tecnologia digital possibilita o ato político de

transformar o mundo. Então a tecnologia digital possibilita a mediação do dialogismo

freiriano desde que os interlocutores tenham uma relação de confiança e amor.

Isso nos faz ter como conclusão e pressuposto que o foco central não está na

tecnologia, mas sim na postura e espírito dos interlocutores. A tecnologia, ao possibilitar

tanto uma interação reativa quanto mútua, acaba servindo como canal de extensão ou

comunicação para mediar uma prática educativa bancária ou libertadora, dependendo do

interesse em questão, o se que define pela postura dos interlocutores.

Como canal de extensão, a tecnologia mediatiza uma interação reativa cuja relação

entre os interlocutores é vertical e autoritária. Isso significa o que educador bancário pode

reproduzir seu método nesse espaço de mediação. Neste caso a potencialidade da

tecnologia de estabelecer uma comunicação descentralizada e bidirecional não é

aproveitada. O educador será o pólo emissor e os educandos pólos receptores. Deste modo,

a tecnologia serve como uma engrenagem de invasão e manipulação cultural. É neste

sentido que a internet vem sendo usada principalmente pelas potências imperiais para

invadir as outras culturas e produzir o "cidadão globalizado".

Como canal de comunicação, a tecnologia mediatiza uma interação mútua cuja

relação entre os interlocutores é de igualdade fé e compromisso. Deste modo, o educador

Page 97: amílcar cabral e paulo freire na era da tecnologia digital

dialógico encontra espaço via tecnologia para veicular uma prática educativa libertadora.

Neste sentido, a potencialidade tecnológica para uma comunicação bidirecional e

descentralizada é aproveitada ao máximo. Cada interlocutor desempenha um duplo papel de

emissor e receptor. A descentralização possibilita a natureza social do diálogo na medida

em que não esgota na relação do eu e tu, mas sim do nós. Nesta perspectiva, a tecnologia

não será usada como uma engrenagem de invasão cultural e sim, como um instrumento

voltado para a libertação em que os homens se tornam sujeitos da sua própria história,

assumindo a ato político de transformar a sua realidade.

Tendo em conta que a tecnologia digital pode servir tanto para oprimir como para

libertar, cabe aqui desenvolver uma reflexão sobre a maximização do seu uso dentro da

lógica de libertação. Essa reflexão será ampliada no próximo capítulo que debruça sobre

um estudo de caso.

3.5 - Considerações finais

Quando Venício Lima debate a atualidade da comunicação de Paulo Freire em

função da potencialidade interativa da tecnologia, estava abrindo a reflexão sobre a

contextualização de Paulo Freire na nova era. Um Paulo Freire atualizado que sobrevive a

qualquer avanço da modernidade.

Esse exercício de reflexão cabe à geração Amílcar Cabral que tem a missão de

repensar a pedagogia Freiriana de forma articulada e contextualizada com a nova era, a era

digital. Uma nova fase da história em que o colonialismo se reciclou, tornando a dominação

indireta e invisível. A tecnologia digital vem sendo usada como um canal de extensão

voltado para manipulação cultural com objetivo de produzir assimilados que agora é

chamado de "cidadão universal ou globalizado". Tudo isso vem acontecendo num cenário

Page 98: amílcar cabral e paulo freire na era da tecnologia digital

em que as ex-potências se modernizaram, criando comunidades que agrupam ex-colônias

cuja vocação é cultivar a cultura da ex-metrópole. Estes ainda somam ao poder de

exploração da potência que emergiu na era contemporânea, os EUA.

Amílcar Cabral já havia alertado a geração de hoje, a geração filha do Mané que a

luta passa pelo uso da ciência e da matemática. Seguindo a recomendação do mestre, as

estratégias de luta precisam ser renovadas. Deve incorporar a tecnologia dentro de uma

estratégia pedagógica voltado para o movimento revolucionário rumo a desneocolonização.

A mobilização deve ser estimulada através da prática pedagógica que faz enxergar a

dominação que é invisível.

Essa reflexão sobre o uso da tecnologia como instrumento de luta será abordada no

próximo capítulo. Através de um estudo de caso, examinaremos a possibilidade do uso da

tecnologia como instrumento de luta dentro da concepção pedagógica de Paulo Freire,

servindo como estudo de referência para a geração Amílcar Cabral repensar suas estratégias

de luta.

Page 99: amílcar cabral e paulo freire na era da tecnologia digital

Cap IV - DIALOGISMO FREIRIANO NA UNB VIRTUAL

4.1 – Introdução

Como vimos, a inovação tecnológica sempre esteve a serviço do interesse dos

grandes impérios. Através da tecnologia da arma de fogo, as potências européias

colonizaram a África, a Ásia a América. O domínio da tecnologia nuclear que levou a

produção de bomba atômica fez a ex-URSS e os EUA dominarem o mundo no período da

guerra fria. Hoje o poder imperial que exerce influência sobre o mundo advém das

potências que têm domínio da tecnologia digital.

As potências sempre procuram estabilizar seus poderes através do processo de

repressão cultural. As estratégias de dominação são sempre recicladas. Acompanham o

progresso das conquistas no campo da tecnologia. Deste modo, a tecnologia digital vem

servindo como uma engrenagem de dominação no campo cultural e o seu uso no campo

pedagógico é muito expressivo.

Essa tecnologia potencializa uma comunicação interativa. Partimos do pressuposto

que podemos utilizá-la como canal de mediação pedagógica dentro de uma lógica contra-

hegemônica, a serviço do horizonte sonhado por Amílcar Cabral e Paulo Freire. Mas ao

contrário disso, o seu uso vem contribuindo para engrossar a camada dos excluídos,

fortalecendo as potências e classes dominantes.

Neste sentido, Raquel Moraes (2002) revela a dupla face da tecnologia digital, ao

teorizar que esta pode ser usada tanto ao serviço da opressão quanto da libertação.

Page 100: amílcar cabral e paulo freire na era da tecnologia digital

"Como a maioria das tecnologias, estas podem ser usadas como instrumentos de domínio ou de emancipação, podem fortalecer os trabalhadores ou podem ser usadas pelo capital como poderosos instrumentos de dominação" (MORAES: 2002, 91).

Tendo em conta isso, se Amílcar Cabral e Paulo Freire estivessem vivos hoje,

certamente renovariam suas estratégias, incorporando a tecnologia digital como arma de

luta a serviço da libertação de homens e mulheres que sofrem da opressão. Como esses dois

grandes heróis já morreram, esta missão cabe a geração de jovens que seguem os seus

legados. Principalmente a geração Amílcar Cabral que tem a tarefa de conquistar a

verdadeira independência via libertação das forças produtivas. E esta, ao lutar no campo

pedagógico, deve complementar a arma da teoria de Amílcar Cabral com a pedagogia de

libertação de Paulo Freire. Isso marca o encontro da geração Amílcar Cabral e Paulo Freire

em torno da preocupação de repensar a pedagogia da libertação articulada com a tecnologia

digital enquanto espaço de mediação no campo educativo.

O Dialogismo Freiriano na UnB Virtual é um estudo de caso que contempla essa

preocupação e visa apresentar o uso da tecnologia digital desenvolvido pela Universidade

de Brasília na prática educativa nos cursos de graduação e pós-graduação. A finalidade

consiste em examinar a possibilidade da tecnologia digital servir como espaço de mediação

numa prática pedagógica concebida dentro da perspectiva dialógica de Paulo Freire.

O resultado servirá de ponto de apoio para a reflexão da geração Amílcar Cabral e

Paulo Freire que tem a nobre missão de recontextualizar a pedagogia da libertação com o

novo momento histórico, a era digital.

Este capítulo está estruturado em cinco partes. A primeira, aborda o panorama da

educação a distância na Universidade de Brasília. A segunda, apresenta a plataforma de

ensino on-line da UnB Virtual. É feita uma análise conceitual da plataforma com base nos

Page 101: amílcar cabral e paulo freire na era da tecnologia digital

conceitos da interação e do dialogismo freiriano. A terceira parte, define os critérios de

análise para o estudo de caso. A quarta parte, apresenta os mecanismos de coleta de dados.

A quinta centraliza o foco nos dados coletados e os analisa à luz dos critérios de análises

estipulados.

4.2 - Educação a Distância na Universidade de Brasília

A Universidade de Brasília (UnB) é o espaço escolhido para desenvolver a pesquisa

sobre a articulação da pedagogia freiriana com a tecnologia digital enquanto espaço de

mediação. A efetivação desse estudo deve ser contextualizada dentro da política de

educação a distância da Universidade.

A Universidade de Brasília foi inaugurada em 21 de abril de 1962. A cerimônia

ocorreu no auditório Dois Candangos, na Faculdade da Educação. O projeto da

universidade começou pela faculdade que hoje me acolhe como estudante de mestrado em

Educação, na área de Tecnologias na Educação. Foi concebido por Darcy Ribeiro e Anísio

Teixeira, que projetava uma universidade que tinha como pano de fundo um projeto de

nação através de construção de saber de homens livres. Esse projeto foi frustrado com o

golpe militar de 1964.

" Queríamos trabalhar para a Nação, ser capazes de pensar e elaborar o saber brasileiro e contribuir para a formulação do nosso projeto de Nação. Mas para isso seria preciso haver liberdade de assumirmos riscos, cometermos erros na busca de nosso caminho. A UnB tinha que ser uma universidade de homens livres, e, a partir do momento em que não houve mais liberdade no Brasil, aquele sonho foi abaixo, e a UnB foi transformada em seu oposto, uma velha universidade, que reproduz os privilégios e as classes dirigentes de um país colonizado e dependente, existindo para outros povos que não o seu próprio. (RIBEIRO: 1978)".

A UnB conquistou suas primeiras experiências na área de educação a distância na

época que sofria de repressão militar. Na década de 70, inspirou-se no sucesso da Open

University - iniciativa britânica da educação a distância, a UnB pretendia ser a

Page 102: amílcar cabral e paulo freire na era da tecnologia digital

Universidade Aberta do Brasil, seguindo o modelo britânico. Em função disso, adquiriu

todos os direitos de tradução e publicação dos materiais da Open University. Começou a

lançar o curso de Ciência Política.

A UnB se destacou como a primeira universidade brasileira na modalidade de

Educação a Distância. O projeto não teve sucesso dado ao contexto da repressão política.

Os discursos de uma educação inovadora não acompanhavam a prática. Essa realidade

mudou a partir de 1985 em que a universidade foi democratizada. O projeto de Educação a

Distância foi retomando numa nova concepção voltada para a universalização do saber e o

pluralismo das idéias. Nesta nova concepção, a UnB criou no final dos anos oitenta, um

órgão específico com o objetivo de desenvolver a modalidade de educação a distância. Daí

surgiu o CEAD (Centro de Educação a Distância) com o objetivo de desenvolver a

modalidade de educação a distância cuja administração é, atualmente, vinculada à Reitoria.

O CEAD se destaca com grande sucesso ao desempenhar sua atividade. Tem

oferecido os seguintes cursos: Introdução Crítica ao Direito; Introdução Crítica ao Direito

do Trabalho; Política de Ciência e Tecnologia para a Década de 90; Freud, Pensamento e

Ação; Jean-Jacques Rousseau; O Pensamento Inquieto; A Redação como Libertação;

Educação, Município e Cidadania; Prevenção ao Uso Indevido de Drogas.

Tem utilizado como suporte tecnológico material impresso, CD-ROM e Internet.

O esforço de CEAD é visível pelos dados estatísticos. Até 1996, aproximadamente

mais de 10.000 pessoas foram beneficiadas pela sua modalidade de ensino.

Em 1998, a UnB modernizou a sua modalidade de Educação a Distância,

incorporando no seu seio a tecnologia digital. Em função disso, foi criada a Universidade

Virtual (UnB Virtual) com o propósito de ampliar o projeto, dando suporte, via tecnologia

Page 103: amílcar cabral e paulo freire na era da tecnologia digital

digital, tanto aos cursos de graduação e pós-graduação como também aos de extensão que

o CEAD vem promovendo.

A UnB Virtual vem desempenhando seu trabalho em dois focos. No primeiro

desenvolveu uma plataforma de Educação a Distância voltada para a tecnologia da Web.

Um espaço virtual de mediação que pode ser usado tanto na modalidade de educação a

distância como presencial. O segundo foco se centraliza no suporte pedagógico sobre o uso

dessa ferramenta dentro de uma concepção inovadora do ensino.

A partir de 2002, a UnB Virtual foi integrada à instituição do CEAD. Em seguida,

detalhamos a análise da tecnologia desenvolvida.

4.3 - Plataforma da UnB Virtual

A Plataforma da UnB Virtual é um conjunto de componentes que visam criar um

espaço virtual de comunicação entre os sujeitos da prática educativa. Cada componente se

caracteriza como um programa (software) cuja finalidade é definida em função de um

determinado objetivo. Deste modo, entendemos por Plataforma um ambiente integrado de

vários componentes com objetivo intermediar o processo de ensino e aprendizagem no

plano virtual. Como todos os componentes são desenvolvidos seguindo o padrão técnico da

Internet, a Plataforma potencializa uma comunicação bidirecional e descentralizada

criando, assim, um ambiente virtual para o encontro dos sujeitos na prática educativa.

O objetivo aqui consiste em analisar cada componente da Plataforma à luz dos

conceitos teóricos da interatividade e dialogismo freiriano. Esta análise tem por finalidade

fazer uma avaliação teórica sobre a possibilidade da Plataforma servir como espaço de

mediação pedagógica para uma prática educativa concebida dentro da concepção de Paulo

Freire.

Page 104: amílcar cabral e paulo freire na era da tecnologia digital

Para efeito de análise, os componentes da Plataforma serão classificados em dois

tipos: administrativos e comunicativos. Os componentes administrativos são aqueles que

potencializam apenas uma interação reativa, ou seja, os dois pólos de comunicação não têm

plena liberdade de intervir, criar e modificar. Essa possibilidade se concentra em apenas

um dos pólos comunicativos. Já os componentes comunicativos são aqueles que

potencializam uma interação mútua. Isso significa que todos os pólos envolvidos no

processo comunicativos podem interferir, criar e modificar. Cada pólo pode exercer a dupla

função de emissor e receptor.

O usuário, para ter acesso à Plataforma da UnB Virtual, precisa entrar no espaço

virtual do CEAD: www.unb.cead.br. Nesse espaço há um local de identificação através de

senha. Isso funciona como passaporte de acesso ao ambiente. Apenas os usuários

credenciados têm acesso a esse ambiente de aprendizagem.

Page 105: amílcar cabral e paulo freire na era da tecnologia digital

Ao se identificar pela senha correta, entra-se no ambiente. A interface é totalmente

personalizada. Essa personalização se deve a uma base de dados que contém os registros de

cada usuário sobre as disciplinas e turmas nos quais está matriculado. Ao visualizar o

ambiente, todos os componentes ficam visíveis através dos ícones expostos numa barra de

navegação. Essa barra é personalizada. Os usuários cadastrados com perfil aluno não têm

acesso ao componente Modo Administrativo. Isso é exclusivo para usuários com perfil

tutor ou professor.

Para ilustrar as interfaces da Plataforma, tomaremos como referência, a disciplina

Organização da Educação Brasileira - OEB, ministrada pela professora Raquel de Almeida

Moraes, que usa a Plataforma da UnB Virtual como espaço de mediação pedagógica desde

1999, tendo inclusive ajudado a desenvolvê-la.

4.3.1- Página

Vamos começar a apresentação pela Página (Home Page). Este é primeiro

componente a ser apresentado logo na entrada, no caso de não existir nenhum aviso

cadastrado. Se houver alguma mensagem, o primeiro componente a ser exibido é o Aviso.

Page 106: amílcar cabral e paulo freire na era da tecnologia digital

Página é um espaço que serve para disponibilizar algum conteúdo. Na Plataforma da

UnB Virtual, geralmente é usado para colocar o conteúdo da disciplina, cronograma das

atividades e textos.

Na interface da Página OEB, há informações sobre avaliação, plano de curso,

seminários e atividades. Os alunos apenas acessam as informações. Quem coloca o

conteúdo na página, geralmente é o professor ou o tutor. Há casos em que a equipe técnica

do CEAD dá suporte. Neste caso, os pólos no processo comunicativo que criam, modificam

e manipulam o conteúdo são apenas os usuários com perfil tutor ou professor. Os demais

pólos, os que constituem usuários com perfil aluno, desempenham apenas o papel receptor.

Não modificam e nem manipulam o conteúdo.

Há tecnologia que possibilita produção de Página de forma dinâmica para que todos

os pólos possam manipular o conteúdo. Isso não é o caso da UnB Virtual. Deste modo, o

Page 107: amílcar cabral e paulo freire na era da tecnologia digital

componente Página é usado pelo professor/tutor como uma ferramenta da administração do

curso. Por isso a classificamos como um componente administrativo já que a forma como

vem sendo produzida, possibilita apenas uma interação reativa e não mútua.

4.3.2 – Agenda

Agenda é um componente que possibilita apresentar um cronograma de atividades.

Serve como que se fosse um calendário. A sua interface lista a seqüência de atividades ou

eventos pela ordem da data.

Os usuários com perfil aluno têm acesso apenas a leitura do calendário. Já a

interface apresentada para usuários professor/tutor possibilita, além de fazer leitura,

cadastrar/apagar/alterar os dados. Esse componente foi projetado exclusivamente para a

atividade administrativa do professor/tutor.

Page 108: amílcar cabral e paulo freire na era da tecnologia digital

Como os usuários com perfil aluno constituem apenas um pólo de recepção, esse

componente, assim como a Página, quanto à classificação, enquadra-se na dimensão

administrativa.

4.3.3 – Avisos

Avisos é similar à agenda. A diferença é que os anúncios são exibidos e organizados

pela data de cadastro. Assim como agenda, é muito usado pelos professores e tutores para

planejarem por escrito as atividades.

A sua interface é similar a da agenda. Apenas professor e tutor podem cadastrar,

editar e apagar avisos. Os alunos se limitam apenas a sua leitura. Deste modo, este

componente recebe a mesma classificação que agenda, ou seja, é uma ferramenta

administrativa.

4.3.4 - Avaliação

A avaliação é um componente que tem a funcionalidade de uma planilha. Serve para

lançar notas e efetuar cálculos da média em função do peso de cada avaliação. A sua

interface é totalmente diferenciada entre alunos e professor/tutor.

Page 109: amílcar cabral e paulo freire na era da tecnologia digital

O professor/tutor tem a possibilidade de criar novas avaliações e lançar as notas dos

alunos. Essa possibilidade é ampla, isto é, abrange alterar/apagar uma nota ou mesmo uma

avaliação.

Os alunos apenas podem consultar a nota e a menção dada pelo professor/tutor.

Mesmo que a metodologia de ensino adotada abra espaço para auto-avaliação, a interface

não possibilita ao aluno lançar sua própria nota.

Esse componente foi desenvolvido para o professor/tutor gerenciar a planilha de

nota. Em nenhum momento foi pensado na possibilidade do aluno intervir. Assim,

enquadra-se na classificação de um componente administrativo.

A interface da Avaliação incorpora atalho (link) para Questionário de Avaliação. No

Questionário, os alunos apenas têm a possibilidade de responder livremente nas questões de

formato texto em que eles redigem as respostas. Já os outros tipos de formatos das questões

tais como única escolha, múltipla escolha e verdadeira ou falsa, são opções de resposta às

Page 110: amílcar cabral e paulo freire na era da tecnologia digital

questões formuladas. Cabe ao usuário escolher a resposta numa lista pré-definida. Isso

caracteriza situação de interação reativa. O contrário acontece quando se trata de questão de

formato texto, apesar dos alunos não poderem elaborar novas questões.

4.3.5 - Participantes do curso

Este componente exibe uma lista de todos os participantes da turma. A lista

apresenta os seguintes dados: perfil (categoria), nome e correio eletrônico de cada

participante. Se o participante tiver sua própria Página, este é exibido em forma de atalho

no nome.

A interface desse componente não apresenta nenhum mecanismo de alteração dos

dados nem para professor/tutor e nem para os alunos.

Apenas a equipe técnica do CEAD pode cadastrar/apagar usuário. A interface que

possibilita isso é um componente usado apenas pela administração interna do CEAD.

Page 111: amílcar cabral e paulo freire na era da tecnologia digital

Tanto o professor/tutor quanto os alunos podem alterar apenas os seus respectivos

dados do correio eletrônico e endereço de Página via um outro componente, o perfil.

Essa interface, por disponibilizar o endereço do correio eletrônico de cada

participante, possibilita a troca de mensagem individual, usando a interface do Correio

Eletrônico do Sistema Operacional instalado no computador do usuário.

O poder de manipulação aqui é muito restrito, pois esse componente se enquadra na

classificação administrativa, salvo a exceção da possibilidade de troca de informações via

correio eletrônico, o que leva esse componente à abertura para uma interação mútua,

classificando-se como do tipo comunicacional.

4.3.6 - Perfil

Perfil é uma interface personalizada para cada usuário. Possibilita alterar a senha de

acesso e cadastrar/alterar endereços de correio eletrônico e da página. A senha de todo

usuário, ao ser matriculado na Plataforma, é o número de matrícula. Apenas o componente

Perfil possibilita o usuário alterá-la.

Page 112: amílcar cabral e paulo freire na era da tecnologia digital

A interface desse componente é personalizada, ou seja, é um mecanismo restrito

para que cada usuário administre, individualmente, seus dados pessoais.

As opções, contudo, são limitadas. A possibilidade de manipulação recai sobre as

opções dadas, assim, a interação é reativa. Deste modo, o Perfil entra na classificação de

um componente administrativo.

4.3.7 - Sala de Bate Papo

Sala de Bate Papo é um componente que possibilita uma conversa entre os usuários

da mesma turma. Uma conversa síncrona, ou seja, todos os usuários devem estar

conectados no mesmo espaço de tempo, entretanto não necessariamente no mesmo espaço

físico. O espaço físico, nesse caso, é o ambiente virtual da Plataforma.

Isso possibilita aos alunos, tutores e professores desencadearem uma conversa. Uma

das grandes vantagens é a possibilidade do anonimato. A sua interface possibilita ao

Page 113: amílcar cabral e paulo freire na era da tecnologia digital

usuário mudar o seu nome de identificação para personagens desconhecidas. Isso garante o

anonimato quanto à autoria das idéias.

Esse recurso possibilita encontros virtuais com horas marcadas para trabalho de

grupo, debate e tira dúvidas. A interface para o professor/tutor e alunos é a mesma.

Diferente de todos os outros componentes, este possibilita a todos os interlocutores,

enquanto pólos de comunicação, uma liberdade total para pronunciarem suas palavras e

interferirem de forma plena. Cada usuário pode assumir o duplo papel de emissor e

receptor. A interação é mútua. A ótica da relação é sujeito humano ↔ sujeito humano,

mediatizado via computador. A nosso ver, constitui-se um espaço perfeito para que cada

interlocutor pronuncie sua própria palavra fazendo sua leitura do mundo a partir do

encontro com outros interlocutores, como sustenta a visão dialógica de Paulo Freire.

Esse componente se enquadra na classificação de componente comunicativo dado a

sua potencialidade para o processo bidirecional e descentralizado entre os pólos

comunicativos.

Page 114: amílcar cabral e paulo freire na era da tecnologia digital

4.3.8 - Correio Eletrônico

Correio eletrônico é um endereço virtual. Pode ser comparado ao endereço de uma

residência. Enviar uma mensagem para um correio eletrônico é o mesmo que enviar uma

correspondência. Possibilita uma comunicação individual, ou seja, terá acesso ao conteúdo

da mensagem apenas o remitente especificado.

Esse componente, na Plataforma, possibilita ao aluno trocar mensagem apenas com

o professor/tutor, pois a sua interface é disponível apenas para os alunos.

Essa interface usa o serviço do correio eletrônico interno da Plataforma. Para usá-la,

o remetente, no caso o aluno, não precisa ter um endereço eletrônico. Os que têm endereço

eletrônico podem usar o serviço de correio dos sues próprios endereços, o que geralmente

são servidores comercias tais como hotmail, ig, zipmail etc.

Page 115: amílcar cabral e paulo freire na era da tecnologia digital

Esse recurso possibilita uma comunicação aberta no sentido de que cada interlocutor

elabora o seu discurso, expressa suas idéias e interfere na idéia dos outros no sentido de

refutar ou corroborar.

A comunicação se dá em dupla face, ou seja, o emissor também assume o papel de

receptor. Esse componente enquadra na classificação de ferramenta comunicativa.

4.3.9 - Lista de Discussão

A lista de discussão é um endereço de correio eletrônico. Equivale ao endereço de

uma aldeia. Enviar uma mensagem para uma lista é como se estivesse enviando uma

mensagem para cada morador da aldeia. O endereço da lista, ao receber uma mensagem,

distribui uma cópia da mesma para cada endereço nela cadastrada.

Esse recurso é utilizado para estimular debates e reflexões. Serve muito para troca

de arquivos. É um mecanismo viável para tirar dúvidas. Um aluno pode enviar uma dúvida

ou questão para a lista. Um outro aluno ou mesmo o professor/tutor pode solucionar sua

dúvida e todos os demais terão acesso ao fluxo do diálogo. Esse tipo de comunicação

acontece na esfera do nós, não se restringindo ao eu e tu, como é o caso do Correio

Eletrônico. Isso contempla a natureza social do diálogo freiriano.

Diferente da Sala de Bate Papo, a Lista de Discussão possibilita a cada interlocutor

veicular um discurso e elaborar idéias em nível de detalhe. Isso não é muito possível na

Sala de Bate Papo em que ocorrem conversas através de frases curtas.

Em nível de debate, cada usuário tem plena liberdade de construir seu discurso,

intervir no discurso do outro, refutando ou corroborando. Na ótica da relação sujeito

humano ↔ sujeito humano, todos os usuários têm plena liberdade de intervir e modificar,

assumindo dupla função de emissor e receptor.

Page 116: amílcar cabral e paulo freire na era da tecnologia digital

No que tange a administração da lista, a óptica da relação sujeito humano ↔

máquina, apenas o professor/tutor tem possibilidade de adicionar/remover usuário. Sua

interface fica no componente Modo Administrativo, que é visível apenas ao professor/tutor.

Assim como a Sala de Bate Papo e o Correio Eletrônico, a interação mútua faz esse

componente se encaixar na classificação de um recurso comunicativo.

4.3.10 - Fórum

O fórum é um espaço de debate semelhante à Lista de Discussão. A

diferença é que todos os discursos construídos ficam registrados na interface da Plataforma.

A Lista de Discussão não tem uma interface centralizada na Plataforma como o fórum. A

sua interface é independente da Plataforma, ou seja, é o programa do Correio Eletrônico de

cada usuário.

Page 117: amílcar cabral e paulo freire na era da tecnologia digital

A interface do Fórum é como que se fosse um mural de avisos. Um usuário coloca

uma questão. Um outro pode responder. Um terceiro pode responder a questão ou também

comentar a resposta do segundo. Deste modo, acaba formando uma cadeia de comunicação

síncrona ou assíncrona.

A organização do Fórum pelo tema, torna esse componente um recurso importante

para organizar debates e reflexões entre grupos de estudo. A interface do Módulo

Administrativo possibilita ao professor/tutor criar temas para Fórum. Isso possibilita a

organização de debate por assunto ou área de interesse. Essa possibilidade é vedada ao

aluno.

Ao entrar no Fórum, primeiro são apresentados todos os temas do Fórum mediante

uma interface. O usuário seleciona o tema em que deseja participar.

O Fórum é um componente comunicativo na medida em que possibilita uma

interação mútua entre os usuários. Cada interlocutor tem plena liberdade de interferir,

elaborando seu discurso, pronunciando seu pensamento. Neste caso, se os interlocutores

adotarem uma relação horizontal pautado pelo sentimento de fé e amor, esse espaço

viabiliza um diálogo na ótica de Paulo Freire.

A possibilidade do usuário é limitada no que tange ao poder de apagar/alterar um

texto da sua autoria. Isso é atribuído apenas ao professor/tutor.

4.3.11 – Colaborativo

Colaborativo é um componente semelhante ao Fórum. É o espaço mais apropriado

para troca de arquivos. A sua semelhança com Fórum está na interface, ou seja, todo o

conteúdo colocado se concentra numa só interface dentro da Plataforma. A Lista de

Discussão também é apropriada para troca de arquivos, entretanto a sua interface é

Page 118: amílcar cabral e paulo freire na era da tecnologia digital

descentralizada pelo programa de Correio Eletrônico, que é individualizado. A

desvantagem de interface descentralizada é que não há possibilidade do fluxo de

comunicação ficar registrado numa base de dados integrado à Plataforma.

O Fórum e o Colaborativo já possibilitam o registro do fluxo, o que viabiliza a

atividade de pesquisa. A sua relevância, na dimensão acadêmica, está no processo de

avaliação e acompanhamento. Por exemplo, para efetuar essa pesquisa, os componentes

Fórum e Colaborativo se constituíram excelentes fontes de pesquisa.

O Colaborativo é muito usado para compartilhar textos produzidos. Por exemplo, no

final do curso, os trabalhos são ali colocados para o acesso global. Semelhante ao Fórum,

possibilita cada usuário intervir no processo de comunicação de forma livre e aberta. O

Colaborativo possibilita a natureza social do diálogo na visão freiriana.

Page 119: amílcar cabral e paulo freire na era da tecnologia digital

O professor/tutor tem acesso a uma interface que possibilita apagar os textos. Isso

não é disponibilizado pelos alunos. No que tange ao processo de comunicação, este recurso

possibilita uma interação mútua, pois se constitui num componente comunicativo.

4.3.12 – Trabalho

O componente Trabalho tem todas as características de um Colaborativo. A

diferença está na natureza social do Colaborativo que possibilita acesso a todos os usuários.

Já Trabalho, é uma troca a nível eu e tu. Esse componente foi projetado para que cada

aluno dialogue com o professor/tutor, respeitando-se suas individualidades.

É usado como um espaço em que os alunos colocam trabalhos para serem corrigidos

pelo professor/tutor. Cada aluno tem acesso personalizado. A interface apenas possibilita o

aluno visualizar o texto da sua autoria. O professor/tutor já tem uma interface que lhe

permite visualizar todos os alunos e os seus respectivos arquivos. Essa interface permite ao

Page 120: amílcar cabral e paulo freire na era da tecnologia digital

professor/tutor compartilhar um arquivo para com um determinado aluno sem que os

demais tenham acesso.

Este componente possibilita uma interação mútua, porém não socializada. Pode ser

classificado como um componente comunicativo individualizado.

4.3.13 – Link

Tratas-se de um espaço para compartilhar endereços virtuais. A internet é a maior

biblioteca do mundo. Cada usuário, ao navegar na rede, pode encontrar textos, artigos ou

publicações que julga ser importante compartilhar. Pois, pode usar desse espaço para criar

um atalho, ou seja, um link.

A interface desse componente permite organizar os links, criando blocos de

classificação que podem ser por assunto, área de interesse ou por qualquer outro critério.

Ela possibilita uma interação mútua uma vez que todos os usuários podem efetuar troca de

Page 121: amílcar cabral e paulo freire na era da tecnologia digital

link de forma livre. Pois, trata-se de um componente comunicativo. Entretanto, há uma

restrição, ou seja, apenas a interface do professor/tutor possibilita remover um atalho (link).

4.3.14 - Módulo Administrativo.

Trata-se de um componente de gerenciamento da Plataforma. É uma interface

exclusiva para professor/tutor. Permite adicionar/remover usuário à Lista de Discussão;

criar novos temas para Fórum; pesquisar a participação dos usuários no Fórum e também

gerenciar o Questionário de Avaliação.

Questionário de Avaliação é um componente que gera dinamicamente um

formulário com quatro tipos de questões: única escolha, múltipla escolha, verdadeira ou

falsa e tipo texto. Os professores usam esse recurso para aplicar questionário de avaliação

sobre o curso e também provas.

Há vários outros componentes administrativos que são de acesso exclusivos da

equipe administrativa do CEAD. São componentes para cadastro de disciplina, turmas,

usuários.

Todos esses componentes foram projetados para o processo de gerenciamento da

Plataforma. Tais processos não permitem que todos os usuários tenham pleno acesso. Pois,

não se trata de componentes comunicativos, mas sim administrativos cuja interação é

reativa e não mútua.

Todos os componentes da plataforma que possibilitam uma interação mútua,

potencialmente servem de espaço de mediação para uma prática pedagógica concebida

dentro da visão dialógica de Paulo Freire. Desse modo, podemos destacar entre os

Page 122: amílcar cabral e paulo freire na era da tecnologia digital

componentes, aqueles que viabilizam a natureza social do diálogo tais como: Sala de Bate

Papo, Lista de Discussão, Fórum, Colaborativos e Links.

Apesar desses componentes potencializarem uma comunicação dialógica na ótica

freiriana, a sua viabilização prática vai depender da postura dos interlocutores. Essa postura

se define pela relação de confiança, amizade, fé e amor entre alunos, tutores e professores

na utilização da Plataforma. Essa possibilidade prática será explorada nos próximos sub-

capítulos que analisarão um estudo de caso.

Todos os componentes da Plataforma que não possibilitaram uma interação mútua

são recursos administrativos e gerenciais. Potencializam uma interação reativa entre os

usuários no ambiente da Plataforma. Nesta dimensão a relação se restringe à ótica do

sujeito humano ↔ máquina, ou melhor, não há uma troca bidirecional e descentralizada

entre os usuários. Desses componentes podemos destacar: Página, Agenda, Avisos,

Participantes do Curso, Perfil e Módulo Administrativo.

Os recursos administrativos se constituem nos espaços de mediação sobre o

processo de gestão acadêmica. Na plataforma da UnB Virtual, esses recursos se centralizam

na mão do professor/tutor e equipe administrativa do CEAD. Na concepção dialógica de

Paulo Freire, esses recursos não potencializam uma gestão administrativa descentralizada e

participativa uma vez que não possibilita uma comunicação bidirecional. Uma

comunicação em que os dois pólos têm a plena liberdade de troca.

4.4 - Quadro de Pesquisa

Em 1999, a UnB Virtual precisava contratar novos quadros para reforçar a sua

equipe técnica. Nessa época eu estava no terceiro ano do curso Ciência Política na

Page 123: amílcar cabral e paulo freire na era da tecnologia digital

Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas. Apesar de ser aluno de Ciência Política, eu

estudava profundamente a informática. Todo mundo estranhava o fato de eu estar sempre

ligado na antena da modernidade digital. Alegavam que eu estava no curso errado, ou seja,

que eu devia mudar para Ciência de Computação. Como todos os meus colegas sabiam da

minha paixão pela computação, me mantinham informado sobre qualquer novidade da área.

Deste modo, um dia fui informado por um colega que havia um cartaz anunciando a

contratação de Web Designer pela UnB Virtual. Eu me interessei e fui concorrer para a

vaga.

O meu primeiro contacto com a UnB Virtual foi através da entrevista para pleitear a

vaga de Web Designer. Fui recebido pela professora Ângela Correia Dias, então diretora da

UnB Virtual. Fui classificado em segundo lugar. Acabei ocupando a vaga em Agosto de

2000. Incorporei a equipe técnica sob a coordenação de Emiliano Farias. Minha tarefa

inicial consistia em atualizar a Página da instituição e aos poucos fui conhecendo sua

Plataforma. Junto com a equipe técnica aprimorei os meus conhecimentos e passei a atuar

não só como Web Designer mas também como programador. A partir daí passei a

desenvolver, junto com a equipe, instruções lógicas para a Plataforma.

Havia muito debate com a equipe pedagógica. Esta atendia diretamente os

professores. Cuidava dos desafios pedagógicos sobre a tecnologia. Desenvolvia um

trabalho junto com professores e alunos sobre as questões do uso da tecnologia na prática

educativa. Dava suporte à demanda dos professores que sentiam a necessidade de repensar

suas práticas no ambiente online. Isso abrangia a produção de material de didático, as

vantagens do uso de cada componente da Plataforma e também a nova concepção

metodológica do ensino que a tecnologia potencializa.

Page 124: amílcar cabral e paulo freire na era da tecnologia digital

A equipe tecnológica participava desse debate. Articulava com a equipe pedagógica

e também com os professores. Em função disso, desenvolvia novos componentes e

trabalhava no aperfeiçoamento dos já existentes.

Nos debates entre as duas equipes havia choque de interdisciplinaridade. Uma não

entendia a linguagem da outra. De um lado a linguagem era extremamente pedagógica. De

outro lado, era extremamente técnica. Eu ficava perdido nos debates. Não entendia das

questões pedagógicas. Minha contribuição era mais técnica. Sabia dar instruções lógicas

para o computador e criar componentes que professor e aluno usam na prática educativa.

Entretanto, não conseguia pensar aqueles componentes na dimensão comunicativa,

filosófica, política e pedagógica que permeia a prática educativa. A equipe pedagógica era

sensível e esses tipos de olhar. O mesmo não se pode dizer em relação à equipe técnica.

Esta, por sua vez, tem uma olhar mais afinado sobre o sistema computacional

desconhecido, contudo, pela equipe pedagógica.

Ao terminar o curso de Ciência Política, comecei a ganhar uma nova visão da

tecnologia dentro do campo político. Isso foi possível, na medida em que, durante o curso,

a minha capacidade de análise política foi aumentando. Ganhei maior sensibilidade sobre a

dimensão pedagógica. A partir daí comecei a perceber que a tecnologia pode ser uma

aliada, enquanto canal de comunicação, para uma luta política. Isso foi uma das razões que

me levou a concorrer a uma vaga no mestrado na Faculdade de Educação na área de

Tecnologias na Educação.

Em 2002, iniciei o mestrado sob a orientação da professora doutora Raquel de

Almeida Moraes. Ela tem uma larga experiência no uso da tecnologia digital da UnB

Virtual na sua prática pedagógica. Sua experiência começou em caráter experimental em

1999 no Departamento de Planejamento e Administração. A iniciativa surgiu através do

Page 125: amílcar cabral e paulo freire na era da tecnologia digital

excesso de demanda de uma disciplina obrigatória para a licenciatura: Organização da

Educação Brasileira. A alternativa encontrada para solucionar o excesso de demanda foi

ofertá-la parte presencial e parte online, ou seja, via internet. A iniciativa foi muito ousada

porque poucos professores tinham experiência nessa modalidade de ensino. Como

conseqüência, a partir do ano seguinte, apenas a professora Raquel Moraes continuou a

experiência.

Dessa experiência, a professora escreveu um artigo intitulado Aula Virtual e

Democracia, que foi apresentado no I Seminário de Novas Tecnologias no Ensino de

Graduação da UnB. No artigo, ela desconstruiu três mitos que pairam sobre a modalidade

de ensino virtual e a distância. O primeiro mito diz respeito ao ensino virtual como ensino

de massa. A experiência demonstrou o contrário, uma vez que a tendência da evasão é

maior nas turmas grandes. O segundo refuta a idéia de que o ensino a distância é mais fácil.

Os próprios alunos desmentiram isso já que muitos entenderem que ensino online exige

múltiplas habilidades para manusear a tecnologia e conseqüentemente, dá mais trabalho que

a modalidade de ensino presencial. Isso ficou claro na experiência em que mais da metade

da turma abandonou a disciplina nas duas primeiras experiências. Por último, do relato dos

alunos ficou o apelo sobre a necessidade de ter maior contacto presencial entre professor e

alunos e entre os alunos. Esse relato desconstroi o mito de que o aluno de graduação não

quer aula e nem contacto presencial. (MORAES: 2003, p. 129).

Essa pesquisa da professora Raquel Moraes me serviu como relatório sobre o

panorama do universo de pesquisa que comecei a fazer parte como aluno de mestrado. A

experiência prática se efetivou na atividade de monitoria. Eu acompanhava aulas em

algumas turmas de graduação e pós-graduação como monitor (tutor) sob sua orientação

pedagógica. Também cursei algumas disciplinas de mestrado que ela lecionava. Das

Page 126: amílcar cabral e paulo freire na era da tecnologia digital

disciplinas de graduação acompanhei: Organização da Educação Brasileira (OEB) - Tuma

K de 1/2002; Tópicos Especiais em Política Educacional - Turma A de 2/2002; Avaliação

Educacional - Turma A e B de 1/2003. Das disciplinas de mestrado, atuei como monitor

em Educação a Distância no 1/2003. Como aluno de mestrado, cursei Tópicos Especiais

em Informática na Educação - Filosofia da Tecnologia no 1/2002 e Tópicos Especiais Em

Educação a Distância no 2/2002. Em todas essas disciplinas, a Plataforma da UnB Virtual

foi utilizada como espaço de mediação.

A metodologia empregada pela Professora Raquel Moraes possibilitou uma

convivência entre a modalidade presencial e a online. Num primeiro momento, as aulas

são presenciais. Uma parte da aula é direcionada à leitura dos textos e outra parte, ao debate

em forma de plenário. Isso possibilita a convivência real entre a turma. Após isso, passa-se

para o espaço virtual através do uso da Plataforma. Nesse ambiente, o debate continua

através dos componentes comunicativos como fórum e lista de discussão. Após 3 ou 4

semanas de aula virtual, volta-se à modalidade presencial. É o momento em que cada grupo

de trabalho apresenta seminários e "mata saudades" dos colegas cuja convivência tinha

sido, até então, apenas virtual.

A Professora Raquel Moraes desenvolve pesquisa sobre a tecnologia dentro de uma

concepção político-filosófica de democratização. Entende que o progresso tecnológico deve

contribuir para superar a desigualdade e contradições entre as classes e não servir como

instrumento para reforçar a opressão vigente na sociedade. Meu projeto de pesquisa que

inicialmente procurava refletir sobre o uso da tecnologia na perspectiva do dialogismo

freiriano, agora se ampliou para incluir a dimensão de luta de Amílcar Cabral,

enquadrando-se nas diretrizes filosóficas da linha de pesquisa que a Professora Raquel

Moraes vem desenvolvendo.

Page 127: amílcar cabral e paulo freire na era da tecnologia digital

A oportunidade que eu tive de participar diretamente do cotidiano educativo

projetado nessa linha filosófica na sala de aula como aluno e monitor me ajudou a ganhar

uma sensibilidade ampliada da dimensão filosófica, política e pedagógica do uso da

tecnologia na prática de ensino. Deste modo, passei a entender a linguagem da equipe

pedagógica da UnB Virtual e percebi que os conflitos entre as duas equipes podem ser

solucionados se ambos passarem a entender o outro lado da questão. Enquanto

programador da Plataforma, o meu raciocínio já não se restringia simplesmente em escrever

instruções lógicas para o computador, mas também abrangia reflexão sobre a finalidade

última do que eu fazia dentro de universo comunicativo entre os atores na prática educativa

sobre as dimensões de natureza política e filosófica.

A dimensão técnica foi muito importante no meu trabalho como monitor e aluno.

Permitiu que eu percebesse que muitas limitações de natureza tecnológica podiam ser

aperfeiçoadas e/ou superadas para atender as situações pedagógicas. A partir daí, tentei

fazer uma ponte entre a minha experiência pedagógica com a equipe tecnológica sobre os

desafios postos pela equipe de docentes da UnB Virtual.

A partir dessas experiências passei a aplicar questionários de avaliação nas turmas

que atuei como monitor e aluno. Os questionários fazem parte do instrumento de análise

final das disciplinas, e se constitui num questionário montado na própria Plataforma através

do componente Questionário de Avaliação. Nesse questionário há 3 tipos de questões: de

única escolha, múltipla escolha e texto. Os dois primeiros formatos de questão serviram

para elaborar perguntas sobre a freqüência do uso dos componentes da Plataforma. As

questões do formato texto são perguntas abertas, ou seja, as respostas não são padronizadas,

o aluno responde o que ele achar conveniente. Isso serviu para elaborar questões sabre o

processo de diálogo, relação entre alunos, professora e tutor.

Page 128: amílcar cabral e paulo freire na era da tecnologia digital

Esse questionário serviu para fazer um levantamento do panorama geral sobre o uso

da tecnologia da UnB Virtual apenas nas turmas que atuei como aluno ou monitor. Para

alargar a pesquisa sobre o uso da Plataforma ao nível da Universidade, não me restringindo

apenas às disciplinas em que participei, apliquei um outro questionário. Este novo foi

direcionado a todos os usuários (aluno/tutor/professor). As questões formuladas são

voltadas para a avaliação da Plataforma como um todo. Além de levantar dados sobre as

disciplinas cursadas via Plataforma e modalidade utilizada (presencial ou online); também

faz levantamento sobre os componentes administrativos e comunicativos. Sobre esses

componentes, as questões incidem sobe a possibilidade da Plataforma proporcionar uma

relação de autonomia, de diálogo e de afeto.

Toda essa história descreve o contexto da minha pesquisa. Julgo importante

compartilhar isso uma vez que pode auxiliar para uma maior compreensão no processo de

análise dos dados sobre o estudo de caso. Principalmente no próximo sub-capítulo que se

debruça sobre os critérios de análise dos dados.

4.5 - Critérios metodológicos de Análise de Dados

A tecnologia digital da Plataforma da UnB Virtual, já foi analisada numa dimensão

teórica à luz dos conceitos da interação e dialogismo. Para isso, a Plataforma foi

classificada em dois tipos de componentes: comunicativo e administrativo. Desta análise

conceitual elaboramos a hipótese de que os componentes comunicativos potencializam o

dialogismo freiriano.

Todos os conceitos utilizados na análise conceitual também serão utilizados na

análise prática. O que há de inovador na análise prática são os dados coletados dos usuários

da Plataforma na sua vivência educativa. A recolha se deu através da pesquisa de campo e

Page 129: amílcar cabral e paulo freire na era da tecnologia digital

aplicação de formulário. O primeiro trata de pesquisa participante, ou seja, da minha

atuação como aluno e monitor nas disciplinas lecionadas pela professora Raquel Moraes. O

segundo diz respeito ao formulário de avaliação da disciplina e formulário de avaliação da

Plataforma da UnB Virtual como um todo.

Os dados recolhidos são predominantemente de natureza subjetiva. Os obtidos como

observador participante dizem respeito ao cenário que se cria nos debates online, dados que

não são possíveis de quantificar. Esses dados são anotações sobre a leitura do ambiente

feitas em determinados momentos e também análises dos discursos nos canais

comunicativos da Plataforma.

Os dados recolhidos através dos formulários também são dados subjetivos. Todas as

questões praticamente não têm respostas padronizadas. Os entrevistados atribuíram

respostas através de textos, redigindo a sua opinião em função da interpretação que fizeram

da questão. Esses dados também não são passíveis de serem quantificadas. Os únicos dados

que podem ser quantificados são aqueles cujo formato são: única escolha e múltipla

escolha, e cujas respostas são padronizadas.

Os dados não quantificáveis foram tratados dentro da abordagem qualitativa que se

concentra sobre a análise dos discursos e interpretação de situações subjetivas. Esse tipo de

análise foi predominante, uma vez que a natureza da pesquisa incide sobre a interatividade

enquanto postura do comunicador e dialogismo enquanto comunicação com base no

sentimento de amor, fé e compromisso. Essas questões dizem respeito à dimensão

psicológica da pessoa humana.

A abordagem qualitativa sobre o tratamento dos dados enquadra-se dentro dos

fundamentos teóricos da fenomenologia. Trata-se de uma filosofia que atribui ênfase sobre

Page 130: amílcar cabral e paulo freire na era da tecnologia digital

a existência do homem. O seu campo de investigação recai sobre o "mundo vivo", ou seja,

o mundo dos homens. O mundo das idéias, consciência e intenção dos homens.

"A idéia fundamental, básica, da fenomenologia, é a noção de intencionalidade. Essa intencionalidade é da consciência que sempre está dirigida a um objeto. Isso tende a reconhecer o princípio que não existe objeto sem sujeito." (TRIVIÑOS: 1987, pp 43)

Ao partir de princípio que a existência do objeto é a consciência do sujeito sobre o

mesmo, o sujeito cognoscente é o centro das atenções e não o objeto cognoscível. Assim,

no campo da pesquisa procura-se compreender o significado dos acontecimentos de cada

situação particular. A compreensão dos significados recai sobre o comportamento subjetivo

dos sujeitos humanos.

Dentro dessa concepção filosófica se justifica a recolha de dados através de pesquisa

de campo como observador participante, ou seja, o acompanhamento dos cursos que usam

o ambiente virtual de aprendizagem na condição de monitor e aluno. Esse tipo de atuação

possibilita atribuir significados e interpretação sobre a convivência entre

aluno/tutor/professor na prática educativa sobre as dimensões subjetivas no que tange ao

sentimento de amor, fé e compromisso.

A coleta de dados através dos questionários com questões abertas para que os

entrevistados redigirem suas visões e ponto de vista também enquadra dentro de uma

preocupação fenomenológica de captar a percepção dos atores.

"A fenomenologia exalta a interpretação do mundo que surge intencionalmente à nossa consciência. Por isso, na pesquisa, eleva o ator, com suas percepções dos fenômenos, sobre o observador positivista." (TRIVIÑOS: 1987, pp 47)

Uma pesquisa que segue as diretrizes da filosofia positivista, a ênfase recai sobre o

objeto cognoscível e não sobre sujeito cognoscente. Sendo assim, o pesquisador se

distancia de todos as dimensões subjetivas dos sujeitos humanos e se concentra no objeto.

Page 131: amílcar cabral e paulo freire na era da tecnologia digital

Deste modo, são captados apenas os dados passíveis de serem computados numa dimensão

estatística e matemática. Essa filosofia tem suas raízes no empirismo de Bacon e Hume.

Augusto Comte, o pai da corrente filosófica positivista, propõe o uso do modelo empirista

nas ciências sociais. Acredita que a dimensão subjetiva do mundo dos homens é passível de

ser submetida às leis universais de forma análoga as ciências exatas. Dado a essa

preocupação, o pesquisador positivista deve concentrar-se apenas no que é observável,

mensurável e testável.

No estudo que se propõe, a concepção positivista não é uma abordagem adequada já

que esta não possibilita mapear situações de subjetividade como relação de amor, fé e

compromisso. Essa realidade só pode percebida pela interpretação subjetiva do pesquisador

que atribui significado à fala e a vivência dos sujeitos. Daí se entende o porquê da coleta de

dados através de pesquisador participantes e aplicação de questionários com perguntas

abertas.

Nos questionários aplicados, há algumas questões que não contemplam a dimensão

subjetiva dos sujeitos e recaem sobre aspetos quantificáveis. São questões fechadas, ou

seja, as alternativas das respostas já são dadas. Cabe ao entrevistados selecionar a sua

resposta num conjunto de opções. Esses tipos de dados, são passíveis de serem tratados no

ângulo estatístico e matemático como propõe a corrente positivista. Deste modo, foram

recolhidos dados estatísticos tais como os componentes mais utilizados do ambiente virtual,

quantidade de participantes e tempo de duração do processo de ensino e aprendizagem.

Esses dados quantificáveis receberam um tratamento quantitativo. Tais dados

servirão de auxilio para análise fenomenológica da dimensão subjetiva da relação entre os

sujeitos. O foco principal da análise de dados se debruça sobre a interpretação e atribuição

dos significados da fala dos entrevistados e da convivência como observador participante.

Page 132: amílcar cabral e paulo freire na era da tecnologia digital

Nesse processo, tanto a abordagem qualitativa quanto a quantitativa foram utilizados.

Entretanto predomina a visão fenomenológica da abordagem qualitativa.

Como o foco de estudo não se enquadra na dimensão do positivismo que tem como

preocupação elaborar leis gerais, o resultado de estudo sobre o dialogismo freiriano na UnB

Virtual (ambiente virtual de aprendizagem) não deve ser tomado como lei universal. Deve

ser encarado como estudo de um caso particular que descreve um processo de ensino e

aprendizagem ocorrido na Universidade de Brasília dentro de um projeto de educação a

distância via tecnologia digital.

4.6 - Análise dos dados

Nosso objetivo consiste em analisar de forma prática a possibilidade da Plataforma

da UnB Virtual servir como espaço de mediação dentro da concepção dialógica de Paulo

Freire. A análise recai sobre os dados recolhidos através de três fontes de pesquisa junto aos

usuários da Plataforma na Universidade de Brasília. Os critérios de análise são os conceitos

de interação e dialogismo freiriano. O tratamento dos dados serão feitos dentro da

abordagem qualitativa e quantitativa de pesquisa.

As fontes de obtenção dos dados foram: pesquisa de campo como observador

participante, avaliação das disciplinas e avaliação da Plataforma. A primeira ocorreu

através da minha participação como monitor e aluno nas disciplinas que usaram a

Plataforma como espaço de mediação pedagógica. Acompanhei 4 turmas na condição de

monitor e 2 na condição de aluno entre o primeiro semestre de 2002 e primeiro semestre de

2003. A média dos alunos por turma é 34, o que corresponde a um total de 205 alunos. A

segunda fonte de dados é o questionário de avaliação da disciplina aplicado às turmas que

Page 133: amílcar cabral e paulo freire na era da tecnologia digital

acompanhei, o qual foi aplicado a um universo de 160 alunos, dos quais apenas 70% deram

retorno.

A avaliação da Plataforma foi feita também em forma de questionário. Foi aplicado

a um universo de 500 usuários (aluno/tutor/professor) da Plataforma selecionados

aleatoriamente independentemente dos cursos, ou sejam, abrangendo toda a Universidade.

O retorno foi de apenas 6%. Os usuários que deram retorno cursaram disciplinas de várias

áreas de conhecimento. No total foram catalogadas 17 disciplinas de diferentes cursos tais

como Ciência da Computação, Ciências da Saúde, Educação, Estatística e Administração,

entre outros. Em média, as turmas foram compostas por 37 alunos.

Tendo em conta que os dados colhidos pelo questionário de avaliação da Plataforma

são mais abrangentes, estes servirão como foco central de análise. Os demais dados obtidos

através da avaliação das disciplinas e pesquisa de campo servirão de reforço no processo de

análise.

As questões aplicadas no formulário de avaliação da Plataforma podem ser

estruturadas em quatros partes. A primeira, trata sobre os componentes administrativos da

Plataforma. A segunda, recai sobre os componentes comunicativos. A terceira, faz

levantamento das vantagens do uso da Plataforma. Já a última parte é sobre sugestões para

melhorar o ambiente da Plataforma.

4.6.1 - Componentes Administrativos e Comunicativos da Plataforma

Os componentes comunicativos e administrativos já foram definidos na análise

conceitual da Plataforma. Para relembrar esses conceitos, é necessário realçar que os

componentes administrativos são aqueles cuja interface possibilitam apenas uma interação

reativa. Já os componentes comunicativos possibilitam uma interação mútua.

Page 134: amílcar cabral e paulo freire na era da tecnologia digital

A análise prática sobre o uso do ambiente virtual tem por objetivo saber se as

interfaces do ambiente possibilitam uma interação mútua entre os seus usuários e um

diálogo amoroso. Deste modo, as perguntas colocadas no questionário sobre os

componentes são direcionadas neste sentido. Tais perguntas podem ser classificadas em

dois blocos.

Bloco I:

1. Os componentes administrativos da Plataforma possibilitaram o aluno interferir no

processo administrativo do curso? Por exemplo: o aluno pode sugerir ou criar um

tema no fórum; cadastrar ou sugerir agendas e avisos; lançar a nota da sua auto-

avaliação na ferramenta avaliação?

2. Os componentes comunicativos da Plataforma possibilitaram o aluno interferir no

processo de comunicação? Por exemplo: ter a liberdade de expressar o seu

pensamento e interferir no dos colegas e do professor no sentido de corroborar,

refutar possibilitando uma rede de comunicação em que o emissor desempenha o

papel de receptor e vice-versa?

Bloco II:

Os componentes administrativos/comunicativos da Plataforma possibilitaram uma

relação horizontal de diálogo e afeto entre professor e aluno? Ou seja, uma relação

de confiança, compromisso e de sentimento amoroso e amigável?

Page 135: amílcar cabral e paulo freire na era da tecnologia digital

No primeiro bloco de questões, procura-se mapear o tipo de interação entre

aluno/tutor/professor mediado através das interfaces do ambiente virtual. As respostas

atribuídas a essas questões serão analisadas com base nos conceitos da interação reativa e

mútua de Alex Fernando Primo.

O segundo bloco de questões faz levantamento sobre a natureza do relacionamento

entre aluno e professor numa relação pedagógica mediada pela interface do ambiente

virtual. As respostas obtidas destas questões serão examinadas à luz da concepção dialógica

de Paulo Freire.

4.6.1.1 Análise do Bloco I

As respostas da primeira pergunta do Bloco I podem ser classificadas em dois grupos:

Grupo I

Este grupo inclui os usuários que consideram que os Componentes Administrativos

da Plataforma não possibilitaram o aluno interferir no processo administrativo do curso.

Isso porque apenas os professores e tutores podem lançar novos temas no Fórum;

manipular Avisos e Agenda; Lançar nota do aluno. Uma das respostas que serve como

modelo entre as respostas que classificam esse grupo é:

“Somente os tutores e professores é quem podiam mexer nessas ferramentas. Nós alunos somente seguíamos as instruções que estes colocavam...”

Grupo II

Aqui estão incluídos usuários que consideram que os componentes administrativos

da Plataforma possibilitaram o aluno interferir no processo administrativo do curso.

Page 136: amílcar cabral e paulo freire na era da tecnologia digital

Reconhecem que as interfaces desses componentes que permite intervir

(cadastrar/editar/apagar) só podem ser manipuladas pelos professores ou tutores, entretanto,

os alunos podem sugerir ao monitor ou professor a colocar um aviso ou um novo tema para

o Fórum. A resposta dada por uma tutora ilustra isso.

“Sugerir pode, mas não é capaz de criá-lo. Da mesma forma que um aviso no quadro de avisos ele pode pedir que coloquemos um aviso no ar...”

Os dois grupos de respostas em média são equivalentes, ou seja, ocorrem em mesmo

número de freqüência. Isso significa que praticamente a metade (uma maioria simples) dos

usuários que responderam o questionário se enquadra no Grupo I, e a outra metade no

Grupo II. O Gráfico I faz uma ilustração disso.

Grupo IGrupo II

Gráfico IComponentes Administrativos

No primeiro grupo de resposta ocorre apenas uma interação reativa. O aluno apenas

tem a função de leitura. Atua apenas como pólo receptor. Já no segundo grupo de resposta

há uma interação mútua. O aluno atua nos dois pólos comunicativos. Desempenha o papel

de emissor e receptor. A interface apenas o possibilita exercer o papel de receptor.

Entretanto, como há espaço para emitir opinião, o professor/tutor usa suas interfaces que

possibilitam desempenhar o papel de emissor para colocar sugestão dos alunos.

Page 137: amílcar cabral e paulo freire na era da tecnologia digital

As respostas da segunda pergunta do Bloco I também podem ser classificadas em

dois grupos:

Grupo I

Este grupo inclui os usuários que consideram que os componentes comunicativos da

Plataforma possibilitaram o aluno interferir no processo de comunicação. Entretanto,

reconhecem que tal possibilidade não foi explorada.

Grupo II

Este grupo inclui os usuários que consideram que os componentes comunicativos da

Plataforma possibilitaram não só o aluno interferir no processo de comunicação como

também foi explorada tal possibilidade.

Uma maioria expressiva das respostas pertence ao Grupo II. As respostas do Grupo

I ocorrem com menor freqüência como ilustra o gráfico II.

Grupo I

Grupo II

Gráfico IIComponentes Comunicativos

As interfaces do componente comunicativo possibilitam uma interação dupla. O

aluno pode atuar nos dois pólos comunicativos, ou seja, pode desempenhar o papel de

emissor e receptor. A interatividade como define Marco Silva, é uma postura dos

Page 138: amílcar cabral e paulo freire na era da tecnologia digital

comunicadores. Assim, nota-se que no Gráfico II a interação mútua não ocorreu no Grupo

I. Isso já não se deve a mediação feita pela interface do ambiente virtual, mas sim sobre a

metodologia adotada no curso. Como exemplo, podemos examinar a resposta de um aluno

que se enquadra no Grupo I:

“O aluno nunca interferiu em nada, apenas respondia oficina na data certa...”

Em suma, para o aluno interferir no processo comunicativo ou administrativo numa

prática pedagógica mediada pelo ambiente virtual, o fator determinante não se restringe na

possibilidade da interface viabilizar uma interação mútua ou reativa. Depende mais da

metodologia usada que privilegie uma relação de troca entre os interlocutores na prática

pedagógica. Já no que se refere à interface, esta realmente influencia quando possibilita

uma interação mútua. Ao comparar o Gráfico I e Gráfico II, nota-se que o Grupo II tem

maior espaço de troca (entre os interlocutores) nas interfaces que possibilitam uma reação

mútua, isto é, nos componentes comunicativos.

4.6.1.2 - Análise do Bloco II

No que diz respeito ao processo afetivo, (relação de confiança, sentimento amoroso

e amigável) não há como se classificar as respostas em grupos. Isso porque que o

sentimento amoroso e amigável são questões extremamente subjetivas. As respostas mais

comuns a essa questão foram:

“Sim. Não creio que seja tão amoroso e amigável, mas foi legal.”“A relação foi boa, mas não chamaria de amorosa ou de confiança”

Page 139: amílcar cabral e paulo freire na era da tecnologia digital

A maioria das respostas sustenta que houve um relacionamento afetivo, entretanto

não ao nível de se considerar amigável ou amistoso. De modo geral, o relacionamento foi

considerado como boa, ótima e legal, mas não amigável ou amoroso.

As perguntas elaboradas no questionário não especificavam nenhum parâmetro que

desse uma orientação do que seria uma relação amigável e amorosa. No Dicionário Aurélio

de língua portuguesa, o termo amigável é definido como uma relação própria entre os

amigos. Já a definição do amoroso pressupõe uma relação meiga e carinhosa. Tais

definições fazem parte da percepção convencional. Assim, pode se entender que uma

relação boa e ótima, como foi classificado, é uma relação não necessariamente amigável e

nem amorosa.

Nos dados coletados através do acompanhamento das disciplinas mediadas pelo

ambiente virtual, deu para notar que a relação entre professor/tutor/aluno aproximou-se da

dimensão afetiva, ou seja, envolveu uma certa intimidade e carinho nas turmas que tinham

poucos alunos. Isso ocorreu principalmente nas disciplinas de mestrado em que o número

de aluno na sala de aula é menor do que a da graduação. Geralmente não ultrapassa 15

alunos.

Percebe-se, também, que aconteceu esse tipo de relacionamento afetivo nos debates

no Fórum. As conversas não se restringiam ao tema do debate. Entrava às vezes em

questões pessoais. Por exemplo, um aluno usava o espaço do fórum para relatar um

problema de dimensão pessoal que lhe impossibilitava comparecer nas aulas. Já nas turmas

que tinham acima de 30 alunos e que eu acompanhei como monitor, deu para perceber que

o clima de debate no Fórum se restringiu mais ao conteúdo do tema. E por serem muitos

alunos, a possibilidade de todos se conhecerem é bem menor, assim, os debates acabam

sendo menos afetivos.

Page 140: amílcar cabral e paulo freire na era da tecnologia digital

Também, deu para perceber que nas turmas de mestrado nas quais a maioria dos

alunos foi colega no semestre anterior, o clima de diálogo era mais afetivo. Isso se deve a

uma maior convivência entre os alunos e professores ao longo do tempo. Nas turmas de

mestrado que participei ocorreu um pouco dessa situação. Aí a relação era mais do que boa

ou ótima, isto é, aproximava-se muito do amistoso e amoroso.

Em função disso, podemos entender que os dados levantados sobre a avaliação da

Plataforma não apontaram para uma relação afetiva porque os usuários que responderam os

questionários cursaram disciplinas cuja duração é de apenas um semestre. Por outro lado,

nessas disciplinas havia em média 37 alunos por turma. Um número muito elevado, o que

não facilita construir relações afetivas no período de um semestre.

Em suma, podemos concluir que um relacionamento de natureza afetiva, como

propõe Paulo Freire, pode ocorrer num espaço de mediação virtual desde que os

participantes não sejam extremamente numerosos a ponto de dificultar que todos se

conheçam. Além disso, esse encontro pedagógico deve ter um período de tempo necessário

para que a convivência seja construída a nível afetivo. Contudo, com isso não se pode cair

no determinismo de julgar que os fatores quantidade de participantes e tempo de

convivência sejam suficientes para que exista uma relação amorosa. A nosso ver, o fator

fundamental, senão determinante, é a atitude política, o interesse dos participantes em

optar por esse tipo de relacionamento, o que conseqüentemente, leva ao diálogo amoroso.

Essa leitura reforça a tese da Professora Raquel Moraes de que o ensino virtual

emancipador não é um ensino de massa. Pensando isso dentro da concepção do dialogismo

freiriano, o entrosamento amoroso dificilmente pode ser construído num espaço pedagógico

virtual massificante, em que se realiza a educação bancária.

Page 141: amílcar cabral e paulo freire na era da tecnologia digital

Em resumo, o dialogismo de Paulo Freire pode ocorrer num ambiente virtual cuja

interface viabiliza uma interação reativa ou mútua. O diálogo amoroso vai depender das

posturas dos interlocutores, não importando muito a dimensão da tecnologia que os

mediatiza. Contudo, ao se tratar da tecnologia digital que dispõe de uma interface que

possibilita uma interação mútua, o diálogo ganha uma nova dinâmica. Isso constitui a

vantagem do ambiente virtual que será examinado a seguir.

4.6.2 - Vantagens do Ambiente Virtual

Na avaliação da Plataforma, os usuários deram muita ênfase nas vantagens do uso

do ambiente virtual. Uma das ênfases recai sobre a liberdade de auto-gestão do tempo e do

espaço. Nos questionários da avaliação das disciplinas os alunos também atribuíram

bastante ênfase sobre a dimensão espacial e temporal.

Segue abaixo a transcrição das respostas que expressam essa opinião:

“As discussões virtuais permitem a participação de todos, respeitando os diversos horários.”

“As discussões podem ser feitas a qualquer momento do dia, o que possibilita maior autonomia no processo de comunicação”

Esses discursos caracterizam praticamente o consenso geral sobre a vantagem do

uso do ambiente virtual. Os componentes comunicativos foram citados como espaços que

mediaram os debates e que possibilitaram a liberdade de expressão. A freqüência do uso

desses componentes foi mapeada de forma mais rigorosa através do formulário de avaliação

das disciplinas. Neste havia uma questão de formato múltipla escolha direcionada sobre

isso. O gráfico III mostra o resultado.

Page 142: amílcar cabral e paulo freire na era da tecnologia digital

Links

Colaborativo

Fórum

Lista de Discussão

Sala de Bate Papo

Gráfico IIIComponentes comunicativos mais usados

Os componentes mais utilizados foram: Fórum, Lista de Discussão e Colaborativo.

Ao analisar os dados recolhidos no formulário da avaliação da Plataforma, nota-se que

esses componentes foram os mais utilizados para debater. Isso leva a concluir que a

freqüência do uso desses componentes seja semelhante ao dos usuários que responderam

questionário de avaliação da disciplina.

Esses componentes, como já foi mencionado na análise teórica da Plataforma, têm

uma interface que possibilita uma interação mútua. Isso potencializa uma comunicação

bilateral descentralizada. Por outro lado, possibilitam uma troca não apenas ao nível do eu e

tu, mas sim do nós.

Tais características possibilitam o encontro entre os alunos/tutores/professores para

debateram no ambiente virtual da Plataforma. O encontro nesse ambiente se efetiva numa

outra dimensão espacial e temporal, diferente a da aula presencial. Na aula presencial todos

os participantes (alunos/professores/tutores) devem compartilhar o mesmo espaço físico e

do mesmo período de tempo. Já no ambiente virtual, cada um pode escolher seu próprio

espaço e tempo para participar do debate. Há liberdade para cada um auto-gerir o seu tempo

e espaço. O participante pode entrar no Fórum de madrugada em sua casa ou também num

Page 143: amílcar cabral e paulo freire na era da tecnologia digital

final de semana curtindo férias numa praia. A opinião de uma aluna, ao avaliar a

disciplina, destaca a vantagem da auto-gestão do tempo:

A maior vantagem foi a distância, pois me possibilitou cumprir com todas minhas tarefas, num tempo elaborado por mim.

A outra vantagem citada, diz respeito à produtividade do debate em função do

tempo que dispõe para elaborar idéias.

“A liberdade de se expressar aumenta quando ocorre desta forma e o tempo para elaborar idéias a respeito do tema discutido é maior o que torna as discussões mais produtivas e relevantes.”

Na sala de aula presencial o debate sofre limitação do tempo. Enquanto uma pessoa

estiver falando, as demais devem se posicionar na condição de ouvintes para a escutar. Se

duas pessoas falarem ao mesmo tempo, haverá ruído na comunicação. Já não é o que

acontece quando o debate for no Fórum, Lista de Discussão ou Sala de Bate Papo. Todos

podem interferir a qualquer momento no discurso do outro. O tempo para produzir as idéias

é bem maior principalmente nos componentes assíncronos como Lista de Discussão, Fórum

e Colaborativo. Um aluno pode ler o discurso do outro no Fórum e levar dias para refletir

sobre o assunto. Ao elaborar a idéia, volta para o Fórum e coloca seu discurso, expressando

a idéia que levou tempo para produzir. Isso porque no Fórum e Colaborativo, o fluxo do

diálogo é registrado, o que possibilita a qualquer participante retomar o debate a partir de

um determinado ponto.

A dimensão virtual do espaço e tempo dá uma outra dinâmica do encontro entre os

interlocutores sob mediação da tecnologia digital. Maria Luiza Belloni concebe a Educação

a Distância numa dimensão espacial descontinua e temporal, não linear.

Page 144: amílcar cabral e paulo freire na era da tecnologia digital

Tendo em conta as potencialidades do ambiente virtual, a Universidade de Brasília

deu uma nova dinâmica no seu projeto de Educação a Distância ao criar a UnB Virtual.

Essa iniciativa trouxe maior flexibilidade ao professores e alunos que optaram por essa

modalidade. Segundo Belloni, tal modalidade estimula uma aprendizagem autônoma no

sentido de que o estudante possa se tornar auto-gestor do seu processo de aprendizagem,

gerenciado seu tempo e espaço.

Ao pensar as vantagens do ambiente virtual numa prática pedagógica concebida

dentro da visão dialógica de Paulo Freire, tudo indica que o processo do diálogo ganha uma

maior dinâmica dado a superação do limites do tempo e espaço. O encontro entre os

sujeito educativos mediatizados pelas interfaces do Fórum, Lista de Discussão e

Colaborativo, possibilita que cada um pronuncie e recrie seu mundo através dos debates

contínua na dimensão espacial e não linear na dimensão temporal.

4.6.3 - Sugestões para melhorar a Plataforma

Nosso objetivo aqui consiste em apresentar sugestões dos usuários para melhorar a

Plataforma da UnB Virtual. Essas sugestões foram recolhidas através do formulário da

avaliação da Plataforma. As sugestões dadas podem ser classificadas em dois grupos.

Grupo I

Inclui os usuários que sugerem nos componentes já existentes da Plataforma.

Grupo II

Agrupa os usuários que sugerem ampliar os recurso da Plataforma através da

incorporação de novos recursos.

Page 145: amílcar cabral e paulo freire na era da tecnologia digital

A sugestão da maioria dos usuários se enquadra no Grupo I, ou seja, uma maioria

expressiva partilha da opinião de que é necessário melhorar a performance dos

componentes da Plataforma já existente. Ao passo que uma minoria entende que é

necessário ampliar a performance da Plataforma, incorporando novos recursos. O Gráfico

IV ilustra isso.

Grupo I

Grupo II

Gráfico IVSugestões para melhorar a Plataformas

Isso leva concluir que, de modo geral, os componentes da Plataforma atenderam a

necessidade dos professores e alunos. A situação ideal seria melhorá-las. As sugestões para

melhorias incidem sobre vários componentes.

4.6.3.1 - Sugestões para melhorar a Plataforma

• A interface do Aviso deve possibilitar que o aluno cadastre avisos.

• A interface do Fórum deve possibilitar o aluno a cadastrar novos temas de debate.

Também deve possibilitá-los apagar ou modificar mensagens. As mensagens

Page 146: amílcar cabral e paulo freire na era da tecnologia digital

deviam ser encadeadas, ou seja, a mensagem resposta da resposta deve ter

encadeamento, ser listada uma abaixo da outra.

• O componente Sala de Bate Papo raramente funciona, quando funciona não suporta

muitas conexões. Sua interface deveria apresentar uma opção para gravar o fluxo da

conversa num arquivo para servir como histórico.

• O componente Lista de Discussão não atualiza automaticamente quando o aluno

inclui seu endereço eletrônico no componente Perfil. Esses dois componentes

deveriam ser interligados para que a atualização seja automática. Além disso, a

interface da Lista deve possibilitar ao aluno decidir que prefere ou não receber

mensagens da Lista.

• A UnB Virtual deve estimular mais o uso da Plataforma criando documentação que

sirva de ajuda para os usuários. Cada componente deve ter um de recurso ajuda para

que os usuários explorem mais o ambiente

• A interface do colaborativo deve possibilitar a organização dos arquivos por pastas

como é feito na organização dos links na interface Links.

Page 147: amílcar cabral e paulo freire na era da tecnologia digital

4.6.3.2 - Sugestões para adicionar novos recursos na Plataforma

• Usar suporte multimeio. Recursos de áudio, vídeo, filme e animação 3D.

• Criar um componente que possibilite ao usuário saber quem está conectado no

ambiente.

• Deve haver um recurso de busca no ambiente que facilita a localização dos dados.

• Dever haver na Plataforma um componente que possibilite ao professor gerenciar sua

disciplina.

Essas sugestões servirão para a equipe técnica e pedagógica do CEAD repensarem a

Plataforma e procurarem melhorá-la, atendendo a necessidade dos usuários. Neste sentido,

essa pesquisa servirá como um aponte de debate entre os usuários do ambiente virtual a

equipe do CEAD que dá suporte a Plataforma.

Page 148: amílcar cabral e paulo freire na era da tecnologia digital

4.7 – Considerações finais

A análise da Plataforma da UnB Virtual dentro da concepção do dialogismo

freiriano nos faz concluir que o ambiente virtual possibilita um ensino dialógico. Para que

haja dialogismo, a potencialidade interativa da tecnologia não é uma condição suficiente. O

dialogismo advém da postura dos sujeitos envolvidos na prática educativa em estabelecer

uma relação de confiança e de amor. A partir disso, o espaço virtual reforça a possibilidade

do diálogo através da sua potencialidade interativa que possibilita a comunicação numa

outra dimensão do tempo e espaço.

A descentralização e a bidirecionalidade do processo de comunicação no espaço

virtual se constitui numa engrenagem poderosa que pode ser utilizada tanto a serviço da

repressão quanto a serviço da libertação. As potências neocolonizadoras já se apoderaram

desta engrenagem para vender a imagem do cidadão globalizado dentro de uma lógica de

extensão das suas culturas.

A nosso ver, a geração Amílcar Cabral deve se apropriar dessa engrenagem para

montar uma estratégia de luta continuando os planos traçados por Amílcar Cabral na arma

da teoria, que concebia a luta no plano cultural fazendo com que o assimilados retornassem

às fontes. Isso nos dias de hoje significa o retorno às fontes dos cidadãos globalizados, os

que foram seduzidos pelas potências neocolonialistas. Uma das estratégias para tal é usar a

pedagogia da libertação de Paulo Freire articulado com as potencialidades da tecnologia

digital para travar uma luta na dimensão pedagógica. Desta forma, será possível

desconstruir os alicerces do modelo neocolonial cuja base é a repressão cultural.

Nesta missão, como vimos nesse estudo de caso, a articulação entre a tecnologia

digital e a pedagogia de libertação deve servir como ponto de partida para refletir uma nova

estratégia de luta. Uma luta que deve atuar no campo cultural com vistas a criar uma

Page 149: amílcar cabral e paulo freire na era da tecnologia digital

mobilização revolucionária para combater a opressão neocolonial. Essa luta deve

incorporar no seu seio as potencialidades interativas da tecnologia digital. A pedagogia da

libertação de Paulo Freire deve ser incorporada na engrenagem tecnológica para cumprir a

missão do grande herói, a libertação da forças produtivas.

O desafio já está lançado. Cabe a geração filha do Mané continuar a luta. Levantar e

dar continuidade à esperança que Juvenal Cabral depositou no seu filho Amílcar Cabral. E

este, por sua vez, passou a missão ao Mané.

Page 150: amílcar cabral e paulo freire na era da tecnologia digital

CONCLUSÃO

A nação cabo-verdiana surgiu de grito da resistência de homens escravisados no

meio do oceano atlântica. Um grito que resistiu 513 anos. Nem o exército e nem a

pedagogia da escravidão usada pelos colonialistas portugueses foi suficiente para silenciar

esse grito.

A manifestação cultural fez esse grito ganhar eco na alma dos homens e das

mulheres escravizados. O grito de sede da liberdade e fome da justiça se traduziu em

esperança que passou de geração para geração.

As cartas de Juvenal Cabral para as autoridades colonialistas registraram esse grito.

Grito que tomou conta da alma do seu filho, o gênio chamado Amílcar Cabral. Ele carregou

a esperança de meio milênio. Uma esperança que resistiu a opressão do exército e da

pedagogia da escravidão. Para reforçar essa esperança criou teorias cientificais dentro de

um serviço de inteligência cuja missão é por fim a opressão milenar sobre o seu povo. Toda

a estratégia de luta consistiu em reforçar a grito de resistência através da blindagem

cultural. Tal blindagem seria construída através de uma outra dimensão pedagógica voltada

para a libertação, reafricanização dos espíritos ou invés da escravização.

Os imperialistas fecharam cerco ao homem que sonhou com o horizonte da

liberdade. Ciente disso, Amílcar Cabral passou a sua missão para os seus filhos. Estes

devem continuar a luta, manter acesa a chama da esperança que ele recebeu do seu pai

Juvenal Cabral. Mané recebeu essa missão das mãos de Amílcar Cabral no encontro que

tiveram na estação Passaubé. Um encontro marcado pelo arrepio e admiração.

Page 151: amílcar cabral e paulo freire na era da tecnologia digital

A geração Mané chorou a morte de Amílcar Cabral, e o coroou como o grande herói

e patrono da nação. O herói deu a vida para conquistar a liberdade política. Ficou a missão

de conquistar a liberdade cultural econômica. Esta missão ficou para a geração Mané.

A geração Mané tive um grande aliado, o educador Paulo Freire. Um pedagogo

comprometido com a causa dos que sofrem opressão. Esse compromisso fez Paulo Freire ir

para a pátria de Amílcar Cabral ajudar erguer a chama da esperança atuando no campo

pedagogia, a pedagogia da libertação.

Nessa dimensão pedagógica, eu tive o encontro com o professor Estevão. Ele me

falou com amor o grito da esperança que resistiu meio milênio das garras do exército e da

opressão pedagógica que rouba nossa identidade. Foi em 1983. Eu era ainda uma criança.

Entretanto nunca esqueci das palavras do professor Estevão, apesar da escola as

esconderem de mim por 20 anos. A chama da esperança ganhou força ao fazer mestrado no

Departamento de Educação da Universidade de Brasília onde eu encontrei homens e

mulheres que conhecem a história do meu herói. História que professor Estevão começou a

me contar.

A professora Laura Maria Coutinho e Renato Hilário continuaram a me contar essa

história. Eles tiveram contacto direto com Paulo Freire, o homem que abraçou a causa do

meu herói. Nesse novo espaço, o meu projeto de pesquisa se tornou um espaço de luta para

fomentar o grito da esperança. Procuro repensar a estratégia do grande herói e dar

continuidade a luta através da engrenagem tecnológica enquanto espaço de mediação da

pedagogia da libertação de Paulo Freire. Neste caminhada, a Professora Raquel de Almeida

Moraes vem sabiamente me orientando. Ela foi aluna de Paulo Freire. Nas suas linhas de

pesquisa procura combater a opressão, dando continuidade de luta do grande mestre Paulo

Freire.

Page 152: amílcar cabral e paulo freire na era da tecnologia digital

O meu objetivo é continuar a luta do meu herói. Deste modo, a pesquisa que

desenvolvi me faz concluir que renovar as estratégias de luta propostos por Amílcar Cabral

no cenário atual, passa pela dimensão da tecnologia digital articulada com a pedagogia de

Paulo Freire. Isso para poder enfrentar a reciclagem dos impérios que estão reforçando a

repressão cultural via tecnologia digital.

Face a isso, proponho a geração Amílcar Cabral de hoje a refletir essa dimensão de

luta, atualizando o serviço de inteligência voltado para o horizonte do sonho de conquistar a

liberdade no novo contexto da colonização, o neocolonialismo.

Compartilho essa reflexão com todos os jovens africanos. Isso como forma de

retomarmos a agende de debate pensando numa nova revolução. Uma revolução para

quebrar a engrenagem opressora do mundo ocidental sobre o Continente Africano. Procurar

os mecanismo de quebrar as heranças colônias ainda sustentadas por instituições como

CPLP, Comunidade Britânica e Francofonia. Elaborar uma nova agenda de debate para

projetar estratégias para libertar as forças produtivas, desconstruíndo toda a dimensão da

repressão cultural que recai sobre os países africanos materializados na retórica da

globalização e do cidadão universal.

Jovens, levantem-se, vamos para luta! Amílcar Cabral morreu mas nos deixou com

uma missão. Lutar para desneocolonizar cada nação africana. Essa é a missão. É uma

revolução que deve ser feita de norte a sul. A tecnologia digital e pedagogia de Paulo Freire

devem ser a nova arma de luta. Cabe a nós efetuar essa luta e compartilhar esperança para

com os nossos filhos. É uma guerra sem fim. Vamos fazer isso por amor à pátria.

Page 153: amílcar cabral e paulo freire na era da tecnologia digital

BIBLIOGRAFIA

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Page 156: amílcar cabral e paulo freire na era da tecnologia digital

ANEXO

Page 157: amílcar cabral e paulo freire na era da tecnologia digital

Questionário de Avaliação da Plataforma da UnB Virtual

Este questionário tem por objetivo coletar dados sobre opinião dos alunos/tutores/professores que usaram a plataforma da UnB Virtual como espaço de mediação de cursos/disciplinas. Neste sentido, a sua colaboração é de extrema importância para o estudo que está sendo realizado e agradecemos, de antemão, sua valiosa contribuição.

1) Nome Completo -----------------------------------------------------------------------------2) Disciplina/Curso que fez usando a plataforma. Coloque o nome e semestre do ano

letivo

a)------------------------------------------------------b)-------------------------------------------------------c)------------------------------------------------------d)------------------------------------------------------e)-------------------------------------------------------

N.B se tiver mais coloque numa folha em anexo

3) Em média quanto alunos fizeram a Disciplina/ Curso

4) Qual era a modalidade do curso. Totalmente on-line Parte presidencial e parte on-line Totalmente presencial com suporte on-line Outros Descreva: --------------------------------------------------------------

5) Ferramentas administrativas da plataforma: Agenda, Avisos, Avaliação, Participantes.

5.1) Essas ferramentas possibilitaram uma autonomia do professor no processo de administração do curso?

------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

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--------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

5.2) Essas ferramentas possibilitaram o aluno interferir no processo administrativo do curso? Por exemplo: o aluno pode sugerir ou criar um tema no fórum; cadastrar ou sugerir agendas e avisos; lançar a nota da sua auto-avaliação na ferramenta avaliação?

--------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

5.3) Essas ferramentas possibilitaram uma relação horizontal de diálogo e afeto entre professor e aluno? Ou seja, uma relação de confiança, compromisso e de sentimento amoroso e amigável?

--------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

5.4) Que avaliação você faz das ferramentas administrativas no processo de aprendizagem?

---------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

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-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------6) As ferramentas comunicativas da plataforma: Home Page, Sala de Bate Papo,

Fórum, Lista de Discussão, Colaborativo, Trabalhos,Correio Eletrônico e Perfil.

6.1) Essas ferramentas possibilitaram uma autonomia no processo de comunicação?

--------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

6.2) Essas ferramentas possibilitaram o aluno interferir no processo de comunicação? Por exemplo: ter a liberdade de expressar o seu pensamento e interferir no dos colegas e do professor no sentido de corroborar, refutar possibilitando uma rede de comunicação em que o emissor desempenha o papel de receptor e vice-versa ?

--------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

6.3) Essas ferramentas possibilitaram uma relação horizontal de diálogo e afeto entre professor e aluno? Ou seja, uma relação de confiança, compromisso e de sentimento amoroso e amigável?

------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

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--------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

6.4) Que avaliação você faz das ferramentas comunicativas no processo de aprendizagem?

--------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

7 - A partir de sua experiência, que outras ferramentas você gostaria de sugerir?

--------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

Page 161: amílcar cabral e paulo freire na era da tecnologia digital

Questionário de Avaliação da DisciplinaFaixa etária

41 a 45 anos

de 46 a 50 anos

de 36 a 40 anos

de 31 a 35 anos

de 26 a 30 anos

de 18 a 25 anos

menos de 18 anos

mais de 50 anosSexo

feminino

masculino Como você classifica a metodologia utilizada no curso?

Ruim

Regular

Muito bom

Bom Justifica em poucas palavras a escolha da classificação da metodologia

Voce considera que a metodologia usada no curso permitiu dialógo entre alunos e professor na turma?

Page 162: amílcar cabral e paulo freire na era da tecnologia digital

Sim

NãoComo a metodologia do curso contribui para a sua aprendizagem?

Uma parte do curso foi presencial e uma outra parte a distância (online) através da plataforma da Universidade Virtual. Descreva quais da duas modalidades (presencial ou distância) apresentaram maior vantagem para a sua aprendizagem.

Quais dos componentes da plataforma da UnB Virtual você mais usou?Links

colaborativo

Fórum

lista de discussão

Chat Quais dos componentes da plataforma da UnB Virtual contribuiu mais para a sua aprendizagem?

lista de discussão

Chat

Links

colaborativo

FórumVocê considera que as discussões no fórum serviu como um canal de diálogo?

Não

SimO diálogo no fórum contribui para a formação de uma consciência crítica?

Page 163: amílcar cabral e paulo freire na era da tecnologia digital

Como você classifica a relação entre colegas, professor e tutor no fórum de discussão?

Como você avalia a atuação da professora e do tutor da disciplina?

De modo geral como você avalia o curso em relação a sua aprendizagem?

Faça sua auto-avaliação (participação, esforço, responsabilidade, consciência crítica, assuidade e pontualidade)