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Amor de doula

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Livrorreportagem produzido para a disciplina de Redação III, do sexto período do curso de Comunicação Social - Jornalismo, da Universidade Federal do Paraná. Professora orientadora: Myrian Del Vecchio Alunos: Cristhian Aguilar, Júlia Ledur e Thais Barbosa Capa: Ana Miraglia Fotos: Duaila Bona, Katya Kur Bleninger, Talia Gevaerd, Vanessa Souza, Thais Barbosa, Júlia Ledur

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Livrorreportagem produzido para a disciplina de Redação III, do sexto perío-do do curso de Comunicação Social - Jornalismo, da Universidade Federal do Paraná.

Professora orientadora: Myrian Del Vecchio Alunos: Cristhian Aguilar, Júlia Ledur e Thais BarbosaCapa: Ana MiragliaFotos: Duaila Bona, Katya Kur Bleninger, Talia Gevaerd, Vanessa Souza, Thais Barbosa, Júlia Ledur

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Às doulas e às mulheres do mundo

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SUMÁRIO

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INTRODUÇÃO ...........................................................................................................6

O NASCIMENTO DAS DOULAS...............................................................8

AS DOULAS MUNDO AFORA................................................................10

A CULTURA DA CIRURGIA..................................................................12

AMOR DE DOULA................................................................................................14

MITOS E VERDADES.........................................................................................30

ATÉ LOGO.......................................................................................................................32

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INTRODUÇÃO

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Este livro reportagem expõe o mundo das doulas, mulheres que exercem um papel importante no acompanhamento da gestação, proporcionando informação, acolhimento, suporte físico e emocional às gestantes antes, durante e após o parto. A profissão ainda é pouco conhecida no Brasil, talvez por se tratar um país onde a cultura da cesárea é fortemente cultivada - hoje, mais da metade dos bebês brasilei-ros nascem através do procedimento cirúrgico, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). Em contrapartida, as doulas são essencialmente associadas ao parto hu-manizado, conceito que defende o respeito à fisiologia do parto e à mulher. Neste livro reportagem, abordamos as atribuições, dificuldades, obstáculos e satisfações da profissão, além do preconceito que paira sobre a atividade, justamente por ser pouco conhecida e fundamental no Brasil. Constam aqui respostas para o que é a profissão, como surgiu e evoluiu nas últimas décadas, o contexto em que as profis-sionais atuam no Brasil e também em outros países. E ainda, claro, o processo de desmistificação da atividade, que ainda é classificada por muitos como uma inut-ilidade. Apesar desse pensamento, a profissão foi reconhecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pelos ministérios da Saúde de vários países, entre eles o Brasil (portaria de 28 de maio de 2003). Os aspectos literários estarão presentes em toda a narrativa, mas principalmente no capítulo desenvolvido, o “Amor de doula”, que trata da relação entre as doulas e as mães ou futuras mães.

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O NASCIMENTO DAS DOULAS

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Retrato do surgimento da profissão e da etimologia da palavra doula, que antigamente designava criada doméstica ou escrava e que, mesmo hoje, ain-da tem conotação negativa para alguns povos. Com a contextualização dos momentos históricos,o capítulo mostra desde o ponto em que a concepção moderna de doula foi adotada pela primeira vez - para referir-se às mulheres que ajudavam as novas mães - até o marco em que a Organização Mundial da Saúde (OMS) e o ministérios da Saúde de vários países, entre eles o Brasil (portaria de 28 de maio de 2003), reconheceram a profissão de doula.

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AS DOULAS MUNDO AFORA

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Exposição das realidades discrepantes vividas pelas doulas em diferentes países do mundo todo. através da construção de um paralelo com o contex-to histórico e social presente em cada uma dessas localidades, incluindo o Brasil, que será abordado com maior profundidade no próximo capítulo.

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A CULTURA DA CIRURGIA

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Contexto aprofundado da realidade e da cultura brasileira em relação ao parto. Isso traz à tona, consequentemente, uma discussão sobre como atu-am as doulas no país e como são vistas pela população, especialmente pelas mulheres (mães que possuem pretensão de ter filhos) e também pelos méd-icos obstetras, visto que a difusão da profissão acarreta em uma substancial redução de custos para os sistemas de saúde, graças à diminuição do número de intervenções médicas e do tempo de internação de mães e bebês.

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AMOR DE DOULA

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Talia e Bianca

Há dois anos, Talia Gevaerd es-tava deitada na poltrona da sua casa quando teve uma visão: a gestante que ela acompanhava estava dando à luz em casa. A doula despertou da visão e checou seu telefone. Uma mensagem a comunicava que o bebê dessa mesma gestante estava quase nascendo e, como foi tudo muito inesper-ado e rápido, a mãe não teve tempo para ir até o hospital.

Neste momento, a doula pulou e, com as roupas improvisadas, correu para a casa da mulher. No caminho, a família escreveu que a criança já tinha nasci-do. “Foi muito frustante. Para mim, o parto é o ponto crucial no trabalho de doula. (...) Mas depois de saber que o pro-cedimento foi normal e que o bebê e a mãe estavam bem, eu

fiquei feliz”, conta Talia.

A doula, então, relaxou um pouco e foi com calma até a casa da mãe para conhecer o novo serzinho que veio ao mundo. Uma fração de se-gundo depois de atravessar a porta da residência, ela sentiu uma força que quase parou seu coração. O calor da habitação, o número de pessoas nela, as roupas que elas usavam e até o cheiro do ambiente daquela cena foi o mesmo que ela havia experimentado minutos antes. Mesmo sem ver o momento, ela pôde levar a imagem do nascimento e guardou na lem-brança o vínculo intenso que teve com aquela mulher.

Essa mesma ligação ela teve com Bianca Cavichioli. A gravidez de Bianca começou traumática pela falta de tato da primeira obstetra que a acom-

panhou. Mesmo contando o desejo pelo parto normal, a médica incentivava a cesárea. “Não era algo direto, mas ela sempre fazia insinuações do tipo: ‘a cabeça do bebê está ficando muito grande. Tem certeza de que você quer fazer parto normal?’”.

Sim, ela tinha. Bianca sempre teve a ideia de que, quando ficasse grávida, o parto seria normal. Uma vontade que veio da mãe, que teve dois filhos de forma natural. Para assegurar o parto que ela desejava, Bianca teve que trocar de médico e contar com a ajuda da doula Talia, que a acompanhou em todas as etapas do processo e, até hoje, dá suporte emocional à Bianca. “A doula deve acom-panhar a mulher depois do parto, porque todo mundo se esquece da mãe. A família pen-sa mais no bebê e não lembra

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da pessoa que o trouxe a este mundo”, explica a profissional.

E Bianca merece mesmo uma atenção especial. A nutricion-ista de cabelos curtos e olhos claros demonstra o tempo todo, com carinhos e olhares, a conexão forte que tem com Gustavo, o filho de três meses. Quem vê o menino risonho, nem imagina que ele demorou mais de 5 horas para nascer. E, durante todo esse tempo, Talia estava ali. Bianca conta que a doula não a deixava à mercê da dor e a ajudava a contornar a situação. “Quando eu passava por uma contração forte ela me dizia ‘vamo pro chuveiro então, vamo fazer uma massagem?’. (...) Eu me sentia acolhida, en-tão ficava tudo bem”, lembra a nutricionista.

A história de Talia começou na Universidade Federal de Santa

Catarina, onde ela estudou psicologia nos anos 90. Em 1994, uma professora substituta de “Psicologia do Desenvolvi-mento” a ensinou sobre parto. “Nesse dia, eu fiquei fascinada com o processo e decidi me dedicar a essa área porque comecei a acreditar que a gravidez muda psicologica-mente a mulher”, conta Talia.

A psicóloga então embarcou para estudos sobre o tema em Londres, no Reino Unido, e foi lá que conheceu o trabalho das doulas, algo já bastante co-mum no país europeu. Quando a psicóloga voltou ao Brasil, encontrou uma rede de doulas que estava crescendo no país, e começou a aplicar o conheci-mento que havia adquirido no exterior.

Depois de vinte anos na profissão, Talia acredita que as

doulas devem seguir princípios básicos. O primeiro é recon-hecer que a protagonista é a mulher. Ela acredita que a doula tem o papel de informar a futura mãe que ela deve estar no centro da cena. “A doula tem que dar o maior número possível de informações para que a mulher fique tranquila e não tenha medo do parto humanizado”, defende.

E foi assim que Bianca se sentiu. Talia a deixou segura da decisão pelo parto normal. Uma das frases que mais a marcou durante o preparo para o nascimento do Gustavo foi justamente uma mensagem de confiança. “Uma mulher no tra-balho de parto não é uma coit-adinha sofrendo. É uma mulher poderosa entrando em contato com todos os seus medos e receios, se encorajando”. A nutricionista diz que o tra-

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balho da doula a fez acreditar que toda mulher pode dar a luz e sabe ser mãe, pois “o corpo feminino já está prepa-rado para o processo”. E essa persuasão só foi possível graças ao diálogo intenso que as duas cultivaram - e ainda cultivam. “A Talia é incrível porque ela te ouve mesmo quando você só quer ‘chorar as pitangas’ um pouco. E ela não tem pressa para ir embora. O tempo que ela está contigo é só seu”, conta Bianca.

Ela diz precisou de conversas com a doula mesmo depois do parto, pois teve problemas na amamentação do Gustavo. Quando consultou um pediatra, a frustração aumentou. “Ele me disse a eu não tinha leite suficiente para o bebê e que deveria recorrer a suplemen-tos e até antidepressivos para alimentar normalmente o meu

filho”, lembra.

Bianca quis chorar com a notí-cia, mas Talia não permitiu. Ela manteve a mãe calma e disse que o corpo dela tinha sim o potencial para produzir leite. Alguns dias depois, a criança estava tomando leite normal-mente, no peito - e a cena é emocionante.

Por isso, Talia e Bianca têm um vínculo muito forte, que ultra-passa de longe o âmbito profis-sional. As duas compartilharam o milagre de trazer o Gustavo ao mundo. E o mesmo milagre será experimentado, mais uma vez, por Talia, daqui a menos de três meses. “E eu já chamei as minhas amigas doulas para acompanharem o meu parto”, brinca.

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Patrícia e Duaila

“Pela primeira vez, senti sau-dades do meu parto”, disse Duaila Bona, ao ver a doula Patricia Bortolotto depois de 8 meses do nascimento do meni-no Henrique. E não foi um par-to fácil: saiu bem diferente do planejado. Duaila idealizava seu primeiro parto sendo human-izado, sem nenhum tipo de in-tervenção médica. Mas depois de quatro horas de contrações sem evolução no processo de concepção, o médico ofereceu analgesia para conseguir pro-gredir no procedimento.

De início, a mãe relutou. Afinal, tinha escrito um roteiro em que nenhuma complicação esta-va prevista e a natureza seria responsável por todo o parto. Mas Patrícia, com a seneridade de doula, disse a frase que mais ficou marcada na relação entre

as duas: “Vamos pensar no bebê?”.

Esse é o ensinamento mais valioso que uma doula pode oferecer: aprender a lidar com a quebra de roteiro. Essa lição as doulas tiram da própria experiência, já que a rotina das profissionais é lotada de imprevistos. Ao invés de ser guiada pelo relógio da vida urbana comum, com oito horas de expediente de trabalho intercalados por um horário para almoço, uma doula segue o tempo da natureza e tra-balha na hora em que um bebê quiser nascer. Para ser doula, é preciso estar disposta. “É uma vida que não tem horário, não tem rotina. É preciso uma dis-ponibilidade interna, de mudar os planos a qualquer momen-to. Você pode estar em uma festa de família, uma gestante te ligar, e você tem que sair

correndo. Você pode ter uma apresentação de fim de ano do seu filho, mas ter que estar em um parto”, diz Patrícia. Ela lembra que houve um ano em que ela passou todos os aniversários da família - o dela mesma, do marido e dos três filhos - fora de casa, acompan-hando partos.

Patrícia é morena, tranquila, mãe de três filhos e mede aproximadamente um metro e cinquenta. A segurança sen-tida pela presença da doula é inversamente proporcional ao seu tamanho. Como todas as outras doulas, ela não tem ha-bilidades médicas, pois não é sua função ajudar no proced-imento médico do parto. Mas ela também pode ser cham-ada de doutora: antes de ser doula, Patrícia era advogada. Qual a diferença? Tudo. “São profissões totalmente difer-

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entes. Enquanto no direito você vive em função de prazos, hoje eu vivo sem prazo nenhum. Não que no direito a gente não fique feliz quando ganhe uma causa. Mas é muito diferente, tem muito mais vida. Vida que acontece o tempo todo. Nada no mundo se compara a esse sentimento”.

Com um sorriso eterno no rosto e a tranquilidade con-tagiante, Patrícia afirma: “eu estou feliz quando estou em um parto. É muito gratificante ver uma família nascer”. E não foram poucas as vezes em que a doula presenciou novas famílias surgirem. Em oito anos de atuação, foram mais de 750 acompanhamentos de gest-antes. Mesmo com o número alto de bebês, Patrícia ainda lembra de detalhes dos partos, como e onde eles foram, quan-to tempo eles duraram e, claro,

o nome das crianças. A riqueza de nuances impressiona. Ela ainda se recorda do primeiro parto que acompanhou: foram 36 horas de trabalho de parto sem evolução que acabou em cesárea - a mãe foi para casa frustrada.

Nenhuma das gestantes que pede os serviços de Patrícia quer fazer uma cesárea. “Não faz muito sentido uma mulher que procura uma doula querer uma cesárea”. A doula serve para, entre outras atribuições, orientar a futura mãe sobre o parto natural. Duaila, por exemplo, aprendeu sobre o procedimento durante en-contros quinzenais que teve com Patrícia na gestação. Nas reuniões, gestantes no pré-parto compartilham relatos e situações enquanto a doula as orienta sobre as etapas do trabalho de parto e as sugere

exercícios. “Você aprende um dicionário novo, um mundo novo. (...) Depois dos encon-tros, eu me senti a pessoa mais expert do mundo em parto. (...) No dia do parto, eu pensei: ‘eu sei tudo o que pode acontecer de bom e de ruim e vou saber lidar com qualquer situação’”, relata a mãe.

Duaila é quase loira, da pele branca e os olhos azul-esver-deados e um olhar de segu-rança. Biomédica, ela sempre quis o parto natural. Esse era um desejo que vinha dos rela-tos da mãe, que contava a boa experiência que teve quando a concebeu de “cócoras”. Mas a decisão assustou - e assus-ta - as colegas de Duaila, que a própria biomédica classifica como integrantes da “geração cesárea”. “Minhas amigas dizem: ‘nossa, que coragem, fazer um parto normal’. Tem

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gente que me dá ‘parabéns’, como se fosse algo extracurric-ular”.

É justamente a propagação da ideia de que o parto é “ruim” o que mais preocupa Patrícia. Segundo ela, há uma visão muito medicalizada do proces-so de dar à luz, o que dificulta o entendimento sobre o parto. Além de políticas do Ministério da Saúde e mais conhecimento para os próprios médicos, Patrí-cia defende que a solução para diminuir as taxas de cesárea no Brasil seria uma mudança cultural entre as mulheres. Duaila concorda. “As pessoas ainda veem o parto normal como algo ‘arborígene’, coisa de índio”.

Depois de ficar grávida de Henrique, a mãe de primei-ra viagem passou por cinco médicos que, logo na primeira

consulta, já queriam agendar uma cirurgia cesárea de acor-do com o cálculo provável da data de nascimento da criança. Finalmente, ela encontrou um profissional que só realizava partos humanizados e que, por isso, respeitou a decisão da mãe. E foi ele quem indicou o trabalho de Patrícia.

Além de Duaila, Patrícia tem centenas de mães na memória - especialmente as que tiveram histórias marcantes. É o caso de duas primas grávidas que, mesmo com quatro semanas de diferença entre as prováveis datas de nascimento dos filhos, tiveram as crianças no mesmo dia. Ou da mãe que teve um filho no minuto exato em que, um ano antes, havia nascido o filho de Patrícia - o tipo de coincidência que só a natureza pode proporcionar.

Há ainda aquelas clientes que viram amigas para a vida toda. Mas Patrícia ressalta que há uma diferença entre a profis-sional e a amiga doula, e que essa aproximação precisa ter uma dosagem. “Você pode ser amiga, mas você tem um papel no parto. Um papel que esperam que você cumpra. Eu me emociono junto quando o bebê nasce, fico na torcida, me frusto junto. Mas eu tenho que tá (sic) bem, porque tenho que dar apoio. Se ocorrer um problema, tenho que dizer ‘que bom, tá (sic) tudo bem, agora vamos conhecer o seu neném’. A profissional doula tem que estar bem pra apoiar, você está ali por um motivo: dar a mão e caminhar junto”. E caminhar junto não significa sentir as mesmas dores que a gestante. “A doula não vai parir pela mul-her, quem vai parir é a mãe. A doula vai dar a mão, falar ‘você

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está indo bem, vamos tentar mais um pouco’”, esclarece.

Talvez por isso a experiência da biomédica tenha sido tão boa. Ela admite que, sem Patrícia, teria “perdido o foco”. Foi a doula que a deu tranquilidade no momento mais importante da vida dela. E quanto à dor do parto, ela não parece ter má-goas. “Se eu faria parto natural de novo? Sim, 80 vezes. Jamais passaria por uma cesárea”.

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Katya e Vanessa

Quem também nunca cogitou fazer o procedimento cirúrgico foi a Vanessa Souza. Diferen-temente da Duaila, ela conta que se chocou muito com os depoimentos da mãe, que fez três cesarianas. Isso a incen-tivou, então, a querer ter um parto humanizado. Desde o começo da gravidez, ela fez muitas pesquisas e encontrou Katya Kur Bleninger quando ainda estava na oitava semana da gestação.

A mãe achou a doula em uma roda de conversas sobre parto do grupo Doula Curitiba. Ela compareceu a quase todos os encontros, mas já no primeiro, quando bateu o olho em Katya, se identificou. “Foi pratica-mente um amor à primeira vista, eu me senti muito segura com ela. Eu senti uma prox-imidade muito forte com ela

e sabia que eu queria que ela estivesse no meu parto”, conta Vanessa.

Katya é doula há cinco anos e a história dela com a profissão começou na Alemanha, onde morou por 11 anos. Ela teve dois partos normais no país europeu e se encantou com a atenção que recebeu durante a gestação. Lá, o nascimento é feito por parteiras do próprio hospital que, além disso, ofere-cem um curso de preparação para o parto. Durante o pro-cedimento, o médico fica de fora e só é chamado quando a mulher precisa de uma inter-venção. Apesar do trabalho de doula não ser exatamente este, “a ideia de ser doula nasceu lá”, conta Katya.

Psicóloga de formação, ela diz que foi tão feliz nos partos dela que queria compartilhar essa alegria com outras mulheres.

A diferença de visão sobre o nascimento no Brasil e Ale-manha também a incentivou no trabalho. “Eu pensava: ‘lá, as mulheres parem, é normal’. Ninguém pergunta para elas se elas querem cesáreas. Ou con-trário: é preocupante quando alguém quer fazer a cirurgia”, lembra a doula.

Essa inspiração contagiou a Vanessa, uma daquelas mul-heres em que basta uma troca de olhares pra descobrir sua vocação para ser mãe. Com os cabelos lisos num tom loiro es-curo e olhos serenos, a policial militar está sempre animada. Ela se inspira contando cada detalhezinho do dia do parto, que não foi fácil. “O meu parto durou 21 horas, mas foi diver-tido, sabe?”. Os olhos dela brilham ao falar do momento e fica visível: a saudade é tanta que o dia poderia ser revivido um milhão de vezes. “Foi o

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momento mais emocionante da minha vida”, conta Vanessa. Nada poderia ser motivo para frustração mesmo. Gabriel chegava ao mundo com olhos azuis, cabelos castanhos e o mesmo olhar tranquilo da mãe. O filho tem nome bíblico, mas para a mãe quem leva o papel é a doula. “A Katya foi um verdadeiro anjo na minha vida”, afirma.

O “anjo” Katya exerceu um papel fundamental no apoio emocional e físico na vida de mais de 50 gestantes. Um dos casos mais marcantes foi o da mãe que não conseguiu chegar a tempo na materni-dade e teve que dar à luz no carro da família. “As contrações evoluíram rapidamente. (...). No elevador, a caminho do carro, a mãe já sentiu a cabec-inha do bebê para fora. Entre voltar para o apartamento e ir para o carro, o mais rápido

era o carro. Então ela ficou de ‘quatro’ no banco de trás e o bebê saiu depois de duas con-trações”. Dessa história, ela tira uma lição: “os bebês nascem porque estão preparados, mas as mães nunca estão prepara-das”.

Por isso, ela oferece às mul-heres dez horas de cursos de preparação, em que a Katya ensina posições para o parto, faz massagens e tranquiliza as mães - às vezes, os pais também. É por conta desse cuidado que, mesmo seis meses depois, Katya não some da vista da Vanessa. “Ela tem um papel muito importante na minha vida, por ela ter me aju-dado em tudo, ter participado desse momento tão incrível. A gente sempre conversa. Eu falo que ela virou parte da minha família”, conta, emocionada.Depois do parto de toda mãe que Katya acompanha, ela apli-

ca um formulário com questões sobre as percepções e senti-mentos com relação ao parto. A experiência foi boa? Como você descreveria seu parto em uma palavra? Para esta per-gunta, Vanessa fez questão de dividir comigo, orgulhosa, a pa-lavra que escolheu: “incrível”. E as outras respostas seguem a mesma linha. Quando Katya pede para as mães descrever-em a dor de parto, as mulheres usam palavras como “intensa”, “duvidosa” ou “forte”. Nun-ca são usadas palavras como “cansativa” ou “insuportável”. “A gente tem essa ideia de que parto normal é dor. Mas a dor é apenas uma parte do todo o processo do trabalho de parto”, explica a doula.

A mãe de Gabriel afirma que a dor realmente existe, mas faz suas considerações apaixona-das. “A dor do parto é uma dor suportável, porque é uma

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dor de vida. Se você sabe que tem mais uma contração, quer dizer que seu neném está mais próximo de chegar”, relembra Vanessa.

Para a mãe super esclareci-da, algumas mulheres não aceitam bem o parto normal, justamente pelo medo da dor. A essas mulheres, a policial recomenda muita pesquisa. “Acho que toda mulher dever-ia pesquisar um pouco mais, ir nessas rodas de conversa, ouvir relatos de parto”, sugere. “Porque é tão confortante ir conhecer o trabalho da doula. Se não fosse a minha curiosi-dade de pesquisar eu não teria conhecido a Katya”.

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MITOS E VERDADES

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Capítulo para desmistificar a atividade profissional das doulas, contrapondo o ponto de vista das pessoas que acreditam que a atividade não é necessária ou que têm algum tipo de preconceito em relação à profissão. Também será esta-belecida a diferença entre doula e parteira, que para muitos não é clara. Ficará explícito, por exemplo, que doulas não realizam procedimentos médicos, pois sua função durante o parto é a de dar apoio físico e emocional à mulher.

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ATÉ LOGO

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Explicação sobre como se dá a continuidade do trabalho da doula e da relação dela com a mulher mesmo após o parto. Esse prosseguimento é mar-cante para ambas e revela o cuidado, a cautela e o carinho da doula com cada cliente. Também há o destaque para o crescimento significativo da demanda do serviço no Brasil e os motivos para essa ascensão, citando a existência até de cursos profissionalizantes para as mulheres que querem ser doulas.

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Doula deriva do grego e significa “mulher que serve”. Mas doula é muito mais do que isso. É ser mãe de uma mulher que se prepara pra ser mãe. É largar uma profissão para se dedicar à função de ajudar à dar a luz. É deixar os filhos em casa para acompanhar os filhos de outras pessoas nascerem. É querer fazer parte do momento mais especial da vida de alguém: o

nascimento de um filho.