AMORIM, Paulo H. O Quarto Poder_ Uma Outra Histo - Paulo Henrique Amorim

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Este livro trata do poder político e ideológico exercido pela mídia no Brasil.

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    "Quando o mundo estiver unido na busca do conhecimento, e no mais lutandopor dinheiro e poder, ento nossa sociedade poder enfim evoluir a um novo

    nvel."

  • A Gergia, minha mulher

  • A Maria, minha filha

    A Francisco e Maria Isabel, meus netos

    Quatro primaveras de Vivaldi

    * * *

    A Marlia, minha irm, leitora implacvel e um doce como um bom disco deNoel

    A Mino Carta, exemplo de rigor e brilho: um Toscanini

  • Introduo

    Na manh bem cedo do dia 24 de agosto de 1954, eu descia a rua Santo Amaro,no Rio, com uma leiteira, para comprar leite na padaria que ficava na esquinacom a rua do Catete.

    Bem em frente ao edifcio em que, segundo placa na portaria, Mrio de Andradetinha vivido.

    Na padaria, ouvi o Reprter Esso divulgar a Carta Testamento de GetlioVargas.

    Sa com a leiteira vazia s pressas e postei-me na primeira fila, com a corda doisolamento na barriga, diante do Palcio do Catete, trs quarteires adiante.

    E vi Lutero Vargas e Osvaldo Aranha chegarem.

    Eu tinha 11 anos.

    Este livro no de memrias de um reprter.

    Poucos reprteres, no Brasil, sobrevivem s prprias memrias.

    A minha memria muito boa e resolvi us-la para oferecer informaesinditas. Informaes que no tinham sido divulgadas porque, por exemplo, nocabiam no formato de uma reportagem para televiso e obtive boa parte delasporque trabalho em tev.

    Outras informaes tinham perdido o vio para a cobertura do dia a dia. H ascensuradas pela empresa em que trabalhava ou que foram vtimas do processode autocensura. Muitas podem ser divulgadas agora, porque se rompeu o vnculoda informao em off, que protege a origem da fonte.

    Outras so muito relevantes e no podem morrer num fundo de gaveta.

    Assim que cheguei a Nova York, em 1968, para ser correspondente da Veja, meapaixonei pelo melhor programa de debates da tev americana, o Firing Line, doultraconservador William Buckley Jr.

    Ele entrevistava quem tinha importncia jornalstica. Em qualquer campo.Perguntas precisas, informadas, agudas.

  • Conservador ou liberal, o espectador saa do programa informado e maisinteligente.

    O reprter brasileiro nunca tinha visto nada igual: jornalismo de qualidadesuperior, na televiso.

    Buckley inventou um personagem, jamais copiado: o examiner, que elecontratava para ficar na plateia e, a certa altura, se levantar e fazer as perguntasque ele, Buckley , no tinha feito ou no quis fazer.

    E o entrevistado tinha que se submeter a uma segunda prova oral, talvez maisdifcil que a primeira.

    Eu tinha acabado de assistir a uma reprise do Firing Line com Carlos Lacerda,que foi explicar ao ctico Buckley o carter democrtico do Golpe de 1964.

    L ia Lacerda, num ingls americano quase-perfeito, at que do meio da plateia,sem se levantar da cadeira, um jovem no era o examiner interrompeupara dizer que estava embarcado num navio de guerra da Marinha americana edesceu em direo costa brasileira para apoiar o Golpe.

    E, quando chegou a notcia de que os golpistas tinham vencido, na altura doEquador voltou para a base.

    Lacerda negou: no h provas de interferncia americana no Golpe, disse. Oque, depois, ficou fartamente documentado (e aqui se recomenda odocumentrio de 2013 O dia que durou 21 anos, de Camilo Tavares).

    Na Park Avenue, em Nova York, no restaurante francs de um hotel suochiqurrimo, The Drake, jantei pouco depois com meu colega de trabalho, oento reprter Carlos Lacerda, na companhia do filho dele, Srgio, e do reprtere amigo comum Carlos Leonam.

  • Em Nova York, os reprteres de Veja, Paulo Henrique Amorim ( direita) eCarlos Leonam, acompanharam a apurao das eleies americanas, ao lado deum colega muito esforado.

    A revista Realidade, tambm da Editora Abril, como a Veja, contratou Lacerdapara cobrir a eleio presidencial Richard Nixon vs Hubert Humphrey , em 1968.

    Eu e Lacerda viajamos juntos para acompanhar as duas caravanas pelos EstadosUnidos afora. Lacerda sempre acompanhado de Alfredo Machado, dono daEditora Record, e velho amigo dele.

    Eu e Lacerda nos reencontramos no Drake para o final da cobertura, j queNixon tinha ali perto, na mesma Park Avenue, no hotel Waldorf Astoria, o seu QGe deveria ser eleito.

    Lacerda estava eufrico. Tinha levado um toque blanche para o chef, que eleconhecia h tempos. E no parava de falar num francs sofrvel e emportugus. Disse que adorava eleio: eleio que nem purgante. Lava tudo pordentro!

    Falou de Jango, que tinha conhecido nas negociaes para a Frente Ampla.Contou que a perna esquerda de Jango era esticada por causa de uma gonorreiamal tratada.

    Eu acreditava ser por causa de um tiro.

    No, ele reagiu. Foi uma gonorreia. Eu sei, fiquei amigo do homem!.

    E a, emocionado, disse que passou a admirar Jango. Que jamais tinha imaginadoque Jango fosse capaz de receb-lo em casa, em Montevidu, depois de tudo oque tinha feito para desmoralizar e derrubar Jango.

  • Para ele, Lacerda, era mais fcil encontrar Jango.

    Para Jango, exigia um carter excepcional.

    Lacerda contou que, ao entrar no apartamento de Jango na Calle Ley enda Patria,Jango chamou os filhos Joo Vicente e Denise para cumprimentar ogovernador (Lacerda j tinha cumprimentado D. Maria Thereza).

    A, Jango disse aos filhos para irem l dentro buscar os cadernos da escola. Fez osmeninos mostrarem os cadernos a Lacerda. E disse: Veja, governador, meusfilhos esto aprendendo a ler em espanhol

    Eu, Lacerda e Leonam entramos juntos no Waldorf Astoria, para cobrir a festa.Por pouco tempo. Porque Lacerda foi logo chamado para assistir vitria nasute do presidente eleito.

    Nixon, Lacerda, Jango e Srgio Lacerda esto mortos.

    Eu e Leonam, em 2014, estamos aparentemente vivos.

    Uly sses Guimares morreu em 1992.

    Pouco antes, numa visita a Nova York, correspondente da Globo, encontreiUly sses e a mulher, D. Mora, num jantar na casa do Cnsul do Brasil, CarlosAugusto dos Santos Neves.

    L pelas tantas, numa noite fria, de muita neve, eu e Uly sses nos sentamos numsof parte, na companhia de uma garrafa de poire.

    Uma vez, o Raul Ry ff, assessor de imprensa do Jango, que viveu muitos anosexilado em Paris, me disse: poltico brasileiro quando cruza o Equador se solta eabre o bico. Pensa que beira do Sena fica impune.

    Perguntei por que ele, Ulysses, presidente da Cmara, no tinha assumido apresidncia no dia em que Tancredo Neves no pde assumir.

    A omisso de Ulysses permitiu o Golpe Constitucional do ministro da Guerra,general Lenidas Pires Gonalves, que deu posse ao vice, Jos Sarney , que notinha sido empossado! Ainda no era vice!

    Uly sses foi rpido: achava que o Tancredo ia se recuperar.

  • Se assumisse, ficava inelegvel para suceder Tancredo.

    A Nova Repblica, portanto, veio luz num curto-circuito da Constituio.

    Em pleno regime militar, num almoo em Braslia, eu tinha perguntado aodeputado federal Tancredo por que o Ulysses era o presidente do MDB e no ele,Tancredo.

    Porque o Uly sses ns podemos perder.

    Tancredo morreu em 1985.

    Eu era editor-chefe e apresentador do Jornal da Band quando recebi em xeroxuma cpia autenticada de um contrato entre a Petrobras e a Odebrecht.

    Joel Renn, indicado por Antnio Carlos Magalhes, era o presidente daPetrobras. Emlio, filho do pioneiro Norberto, era o presidente da Odebrecht.

    O contrato era de uma singeleza infantil, ou quase.

    Estipulava que a Petrobras financiasse a Odebrecht, para que a Odebrechtcomprasse a Petrobras.

    Assim: vov viu a uva.

    O mvel da relao era a Petrobras ceder Odebrecht a rea de petroqumica.Como se sabe, a Braskem, em sociedade com a Petrobras, hoje um dos ramosmais prsperos da Odebrecht.

    Eu e o redator-chefe Ricardo Melo passamos a dar cobertura sistemtica ao quechamamos, com ajuda de um selo/ilustrao, de Petrobrecht.

    Foi um Deus nos acuda.

    Emlio conseguiu a frceps marcar uma reunio na sede da Bandeirantes, emSo Paulo. Ele, Johnny Saad, filho do dono, Jos Roberto Maluf, representante dodono, seu Joo Saad, eu e Ricardo.

    Advogado experiente, Maluf foi mortfero. Leu os itens do contrato queconstruam a patranha. Eram de uma clareza solar.

  • A cobertura da Petrobrecht continuou.

    Renn tirou o patrocnio da Petrobras ao jornal.

    O governo FHC praticava, como se v, o que no governo Lula se chamou demdia tcnica

    Da para frente, meu emprego e o do Ricardo tiveram vida breve.

    Quem me passou o documento foi pela primeira vez revelo Raphael deAlmeida Magalhes, fluminense, meio-campista notvel, vice-governador deLacerda e ministro de Sarney .

    Sempre correto, afvel e excelente informante, Rapha morreu.

    Os outros esto vivos, em 2015.

    Prxima da cova est a Rede Bandeirantes, sob o comando do Johnny , oherdeiro.

    Maluf tambm foi tocar a vida, sempre arguto e correto.

    Este livro d opinio.

    Mas, procura evitar, porque prefere informao a opinio.

    Opinio, mesmo, dou em meu blog Conversa Afiada.

    Este livro trata do PiG, Partido da Imprensa Golpista, expresso que difundi noConversa Afiada.

    O PiG composto de O Globo, Folha, Estado e seus subprodutos.

    A Abril no propriamente do PiG, porque a aristocracia do PiG jamaisaceitou os judeus italianos da Abril em seus sales.

    A Abril e a Veja se incorporavam ao PiG por interesse. E pelos mesmosinteresses eram aceitos, desde que ficassem na cozinha.

    O deputado Fernando Ferro, em 2007, subiu tribuna da Cmara para denunciaro Partido da Imprensa. Ele se referia ao partido do diretor de jornalismo daGlobo, Ali Kamel conhecido no Conversa Afiada como Gilberto Freire com

  • i.1

    Kamel tinha acusado o governo Lula de fomentar o catecismo marxista nasescolas por meio de livros como Nova Histria Crtica. Mas, Ferro mostrou queo livro tinha sido adotado pelo Ministrio da Educao no governo FernandoHenrique e retirado das escolas no governo Lula.

    Pouco depois, o navegante do Conversa Afiada Jos Antnio Cardoso sugeriuPIG Partido da Imprensa Golpista.

    Perfeito!

    Melhor ainda, porque tinha uma pitada de deboche, desabonadora, ao seguir aveia anglicizante.

    Com o tempo, PIG se transformou em PiG, com o i minsculo, parahomenagear Caio Tlio Costa, presidente do iG e professor de tica noJornalismo, na Faculdade Csper Lbero, em So Paulo.

    Ele promoveu uma limpeza ideolgica no iG e, no fosse um mandado desegurana obtido em 24 horas, o meu trabalho profissional no iG, por dois anos,teria sumido no ter.

    O acrnimo passou, portanto, a ter um minsculo i de iGnbil.

    Se a Justia no tivesse impedido a limpeza ideolgica, este livroprovavelmente no poderia ser escrito como est, pois boa parte dele foi extradodo trabalho no iG.

    Alm do PiG e seu papel ignbil na histria da imprensa brasileira, o livro tratatambm da indstria da televiso, o instrumento mais poderoso do Golpe.

    Quando falo em televiso no Brasil, falo, claro, sobretudo da Globo.

    O livro no trata das batalhas judiciais que travo.

    Isso ser tema de prximo livro, com a colaborao de meus (excelentes)advogados Maria Elizabeth Queijo e Csar Marcos Klouri.

    Quem se interessar por isso pode ir ao , na aba Nome calaro.

  • Muitas outras informaes aqui omitidas jazem no fundo da minha gaveta.Porque so inteis, ou, talvez, o que escondam, como diria a Amlia Rodrigues,nem s paredes confesso.

    Os jornalistas Alisson Matos, Mrcio Pinheiro e Murilo Silva ajudaram nestelivro. O autor deve muito dedicao e ao profissionalismo deles.

    O professor Gilberto Bercovici fez minuciosa leitura, com crticasimplacavelmente inteligentes.

  • 1.1 Sobre os documentos e o estilo martelo

    Os documentos publicados nesse livro so anotaes que fiz de entrevistas oufatos que testemunhei como reprter. Nunca confiei em gravadores. Prefiroanotar. Como tenho uma boa memria, muitas vezes reproduzi a entrevista ou ofato logo aps ocorrido.

    Estas anotaes foram recuperadas depois de um trabalho de classificao eseleo que durou um ano e trs meses, entre 2013 e 2014.

    Depois de mudana de estado civil, de hemisfrio e de mltiplas moradias, pude,enfim, dar ordem a uma baguna.

    Uma percia de datao, com a comparao da caligrafia e a tinta empregadascertificaria a autenticidade das anotaes.

    O que tem valor at judicial. As anotaes so provas. No toa que, emingls, se usa a expresso on the record, ou off the record, para se referir aoque est ou no registrado.

    Aqui, so anotaes, vestgios, traos, registros de cinquenta anos nos bastidoresdo poder.

    Esse livro foi escrito em duas temporadas.

    A primeira entre 2004 e 2005, a partir de um curso que dei sobre por que ateleviso brasileira se tornou comercial e, no, pblica ou estatal.

    Ao longo da narrativa, enfiei minha experincia pessoal na televiso.

    Este manuscrito, escrito num estilo jornalstico convencional, foi rejeitado porseis editoras.

    Mas, no por causa da forma

    Resolvi adiar a publicao.

    Retomei agora, oito, nove anos depois.

    E, desta vez, apliquei ao livro original os documentos selecionados e oscomentrios que geravam.

    Nesta segunda fornada, o texto saiu parecido com a linguagem que uso no blogConversa Afiada. , como se ver, um texto mais enxuto, direto, manchetado.

  • Com o emprego do martelo se Nietzsche no se sentir ofendido.

    porque nesse intervalo de oito anos escrevi, sobretudo, para o blog. Muitonatural, acredito, essa mudana. E benfazeja. Distingue dois momentos nummesmo livro. E dois textos originrios de experincias diferentes do autor.

    Ao encerrar essas mal traadas linhas, eu cumpria a maravilhosa experincia deler as obras quase completas de Liev Tolsti.

    Ao chegar ao fabuloso Ressurreio, encontrei as esplndidas traduo eapresentao de Rubens Figueiredo:

    Tolsti refora em Ressurreio a tendncia linguagem brusca, direta, semadornos As passagens expositivas dispem os argumentos como que amarteladas: a energia toma lugar das preocupaes com o requinte, apreocupao de ir direto ao ponto tira da cena os cuidados retricos.2

    Figueiredo faz, a, uma comparao com Guerra e Paz e at com AnnaKarinina.

    Mal comparando, amigo leitor. Mas, s para ressaltar uma tendncia a martelar medida que o tempo passa

    Mas, tambm, como se Grande Serto pudesse ser reescrito por GracilianoRamos.

    De novo, mal comparando.

    Ou, como diria Vittorio Gassman, em Il Sorpasso, modestamente

    1Para designar Ali Kamel, o mais poderoso de todos os diretores dejornalismo da Globo (o ansioso blogueiro trabalhou com os outros trs).Metido a antroplogo e socilogo, autor de best-sellers de estante: ninguml, ningum compra. Um deles combate as cotas raciais e diz que no Brasilno h preconceito contra negros. Conta-se que, um dia, em Apipucos,D. Madalena advertiu o mestre: Gilberto, essa carta est em cima da tuamesa h tempos e voc no abre. No pra mim, querida Madalena, disse omestre de Apipucos: para um Gilberto Freire com i.

    2Tolsti, Liev. Ressurreio. So Paulo, Cosac Naify, 2010, p. 12.

  • Parte IO quarto poder

  • Por que fui para a televiso

    Eu dirigi o Jornal do Brasil, quando, modestamente, ainda era o melhor jornal doBrasil. L pela meia-noite, na hora de descer a primeira pgina para a oficina,Hedy l Valle Jr., redator-chefe, se aproximava, contemplava as filas de redatorescadavricos e, abafado pelo bigode de Zapata, emitia o comentrio:

    Vamos embora. Isso aqui no vai a lugar nenhum. Rodar 100 mil exemplaresque ningum vai ler. Vamos embora para a televiso. Vamos trocar aprofundidade pelo alcance.

    Hedy l foi primeiro para a Globo.

    Demitido do Jornal do Brasil, fui para a TV Manchete, que acabava de nascer,para a TV Globo, Bandeirantes, TV Cultura-SP e TV Record.

    S no fui para o Silvio Santos.

    Uma tarde, no meio de nove meses de desemprego depois de sair daBandeirantes, recebi um telefonema de Hebe Camargo, com quem sempremantive relaes afetuosas.

    Paulo Henrique, estou aqui na sala do Silvio. Estou dizendo a ele que vocdeveria vir para c. Voc toparia?

    Claro, Hebe, muito obrigado. Estou desempregado.

    Viu, Silvio, ele topa! Fala com ele, Silvio.

    Vem Silvio ao telefone.

    Ol, Paulo Henrique. Eu gosto muito do seu trabalho. Muito, mesmo. Mas, eugosto do seu trabalho na televiso dos outros.

    No fim de 2013, um estudo da americana Business Insider conclua que a TVest morrendo.

    A audincia caa inclusive na tev por assinatura.

    E nem a internet no computador ou no tablet era o que mais se beneficiava, masos aparelhos mveis.

    A TV aberta, comercial, uma inveno de duvidosa utilidade.

  • Especialmente no Brasil, onde a Globo conseguiu ampliar seus defeitos com opoder de um monoplio incompatvel com o regime democrtico.

    A Globo vai morrer gorda. Lder, mas sem a receita que pague os custosincorporados nos anos de opulncia.

    Ela e a tev aberta no comemoraro cem anos.

    Vo durar menos que o chapu-panam, que Santos Dumont passou a usar em1906.

    Eu provavelmente levarei a TV Globo ao tmulo de chapu-panam.

    Muito do que se trata a seguir sobre a TV e a minha passagem por ela.

  • Por que a tev brasileira seguiu o modelo comercial?

    A televiso surgiu no Brasil como desenvolvimento da tecnologia do rdio, eincorporou naturalmente seu modelo de negcios: o modelo comercial. FoiGetlio Vargas quem optou formalmente pela existncia das emissorascomerciais, logo no primeiro ano de sua chegada ao poder, aps a Revoluo de1930. O Decreto 20.047, de 27 de maio de 1931, autorizou a publicidade nastransmisses, limitada a 10% do tempo de cada programa. Alm disso, a duraode um comercial no poderia ser superior a 30 segundos.1

    Em tese, Vargas poderia ter optado pelo modelo europeu de rdio, com controlepblico ou estatal, sem publicidade. Emissora pblica uma empresa decomunicao como a BBC inglesa, em que a linha editorial e a programao soindependentes do Estado. Quem financia a empresa quem compra umaparelho comprou, tem que pagar uma taxa. J a emissora estatal aquelatotalmente controlada pelo Estado. No entanto, no caso do Brasil, o governo notinha dinheiro para montar e operar um sistema pblico ou estatal deradiodifuso.

    Alm da falta de dinheiro, importante entender o ambiente poltico eeconmico a que o Brasil estava submetido no incio da era do rdio, nos anos1920. Comeava a supremacia de uma nova potncia, os Estados Unidos,smbolo do novo modelo de relaes comerciais que surgia. Ao mesmo tempo,havia o declnio da Inglaterra, que optara pelo padro pblico de radiodifuso.Aps a Primeira Guerra Mundial (19141918), o Brasil passou cada vez mais aser zona de influncia dos Estados Unidos, o grande vencedor do conflito. Isso serefletiu nas emissoras de rdio do pas, que no perderam tempo em seprofissionalizar tanto na forma de fazer rdio como na forma de ganhardinheiro com ele.

    O rdio, porm, nasceu estatal. A primeira regulamentao surgiu no governoVenceslau Brs (19141918), com o Decreto 3.296, de julho de 1917, que tornouo rdio monoplio estatal e centralizou o poder de concesso no Poder Executivo.A opo estatal transpareceu na escolha do primeiro discurso radiofnico a sertransmitido no Brasil, em 7 de setembro de 1922. Na ocasio, o presidenteEpitcio Pessoa (19191922) foi ouvido simultaneamente em Niteri, Petrpolise So Paulo. A transmisso foi a grande novidade e um dos momentos maisesperados da Exposio Internacional do Rio de Janeiro, em comemorao aoCentenrio da Independncia.

    O modelo comercial que vingou foi diferente tambm do padro proposto poraquele que se convencionou chamar de pai do rdio, Edgar Roquette-Pinto. A

  • primeira transmisso radiofnica feita no Brasil, no Centenrio daIndependncia, foi para ingls ver, como explica Roquette-Pinto emdepoimento gravado:

    A verdade que, durante as solenidades comemorativas de 1922, muito poucagente se interessou pelas demonstraes ento realizadas pelas companhiasWestinghouse (estao do Corcovado) e Western Electric (estao da PraiaVermelha). Creio que a causa principal desse desinteresse foram os alto-falantesinstalados nas torres do Servio de Meteorologia (Pavilho dos Estados). Eramdiscursos e msicas reproduzidos no meio de um barulho infernal, tudo roufenho,distorcido, arranhando os ouvidos. Era uma curiosidade sem maioresconsequncias. No comeo de 1923, desmontava-se a estao do Corcovado e ada Praia Vermelha ia seguir o mesmo destino se o governo no a comprasse. OBrasil ficaria sem rdio. Eu vivia angustiado porque j tinha a convicoprofunda do valor informativo e cultural do sistema, desde que ouvira astransmisses que foram dirigidas na poca pelos engenheiros J. C. Stroebel, J.Jonotskoff e Mrio Liberalli. Uma andorinha s no faz vero; por isso resolviinteressar no problema a Academia de Cincias, presidida pelo nosso queridomestre Henrique Morize. E foi assim que nasceu a Rdio Sociedade do Rio deJaneiro, a 20 de abril de 1923.2

    Com a ajuda do presidente da Academia Brasileira de Cincias, HenriqueMorize, Roquette-Pinto, aos 38 anos, inaugurou em 20 de abril de 1923 a primeiraemissora brasileira com programao regular: a PRA-A, Rdio Sociedade do Riode Janeiro, depois Rdio MEC. A principal caracterstica de uma rdiosociedade o fato de ser sustentada por associados mediante umacontribuio voluntria. Eram os scios quem cediam os discos, em geral demsica clssica, que a rdio tocava. O objetivo era construir uma emissora aservio da educao e da cultura, nos moldes europeus.

    Roquette-Pinto tambm foi o responsvel pela introduo no Brasil doradiojornalismo, que j nasceu opinativo. Era o Jornal da Manh, produzido eapresentado por ele mesmo, via telefone, a partir de sua casa, com comentriospessoais sobre as notcias do dia que julgava mais interessantes, lidas ao vivo.3

    importante ressaltar que Roquette-Pinto era uma figura fascinante, assimdescrita pelo escritor e jornalista Ruy Castro em um de seus ensaios:

    Em 1911 [Roquette-Pinto] conheceu o homem que, este sim, o marcaria parasempre: o tenente-coronel Cndido Mariano da Silva Rondon. []

    Roquette seguiu com destino a Mato Grosso, para juntar-se a Rondon. Tinha 27

  • anos. Os quatro meses seguintes seriam uma saga de extraordinria importnciapara o conhecimento do Brasil porque, pela primeira vez, Rondon viajavacom um homem sua altura. Roquette-Pinto, sozinho, valia por uma equipe decientistas.

    Naquela expedio ele foi etngrafo, socilogo, gegrafo, arquelogo, botnico,zologo, linguista, mdico, farmacutico, legista, fotgrafo, cineasta e folclorista.Anotou toda a aparncia da regio da floresta rvore e folha acomposio dos solos, o contorno das montanhas, o fluxo dos rios, a intensidadedas quedas e a riqussima variedade da fauna. Nas visitas s tribos j pacificadas,mediu os crnios dos ndios, comparou seus pesos e alturas, analisou suasendemias e descreveu suas formas de produo, comrcio e transporte.Registrou seus conhecimentos cientficos, relaes familiares, organizaopoltica, hbitos religiosos, formas lingusticas, habilidade manual, cantos edanas. E ainda realizou a primeira dissecao de um indgena na verdade,uma indgena de que se tem notcia.

    [] Roquette foi um Indiana Jones da vida real, s que mais heroico porqueverdadeiro.4

    O formato rdio sociedade deu frutos tambm em outras partes do pas. Em1924, surgiram a Cear Rdio Clube, a Rdio Sociedade Gacha e a RdioSociedade da Bahia. No ano seguinte, a Rdio Sociedade Maranhense iniciou suastransmisses.

    O objetivo desse tipo de emissora era sintetizado por Roquette-Pinto ao encerrarseus programas: Trabalhar pela cultura dos que vivem em nossa terra e peloprogresso do Brasil. Segundo ele, o rdio a escola dos que no tm escola. o jornal de quem no sabe ler.

    No entanto, sem a receita da publicidade e sem se render aos apelos da msicapopular (o samba, por exemplo, era ignorado), a programao das rdiossociedade se resumia praticamente msica clssica e pera, o que acaboupor inibir a popularizao do rdio e limitar sua disseminao e capacidade degerar lucro.5

    Na Europa, o modelo pblico e estatal se estabeleceu porque se tornou necessriocontrolar o acesso informao depois da Primeira Guerra Mundial. Em ummomento de reconstruo, era fundamental manter a coeso social, e o rdiose mostrou um instrumento valioso para isso.6

    Nos Estados Unidos, a radiodifuso desde sempre se subordinou Primeira

  • Emenda Constituio:

    O Congresso no legislar no sentido de estabelecer uma religio, ou proibindo olivre exerccio dos cultos; ou cerceando a liberdade de palavra, ou de imprensa,ou o direito do povo de se reunir pacificamente, e de dirigir ao governo petiespara a reparao de seus agravos.7

    Ou seja, no poderia haver um controle pblico ou estatal que configurassecerceamento liberdade de expresso. Alm disso, desde o incio, na passagemda comunicao atravs dos Correios radiodifuso, o modelo de negciossempre foi comercial. A indstria do rdio americana nasceu no auge dahegemonia conservadora do Partido Republicano, no incio do sculo XX.Quando a regulao do rdio foi transferida da Marinha para o Departamento doComrcio, a opo por uma rdio pblica ou estatal inglesa foi definitivamentesepultada nos Estados Unidos. Sobre isso, escreve o professor e ensasta PaulStarr:

    Os americanos, em outras palavras, no parecem ter sido mais culturalmentepredispostos a caminhar em direo ao modelo comercial de rdio do que oseuropeus, mas a resposta poltica nos Estados Unidos, ao contrrio da Europa, eradeixar a indstria privada impor seu prprio curso.8

    No Brasil, o rdio comeou a se expandir no fim de 1926 e em 1927. As estaesj tinham em boa parte profissionalizado seus departamentos comerciais e logosurgiram os primeiros astros, apesar dos cachs ainda modestos.9 O embrio damais influente emissora brasileira surgiu em 1930, com a PRA-X SociedadeRdio Philips do Brasil, ou apenas Rdio Philips criada para divulgar osaparelhos de rdio vendidos pela empresa holandesa no Brasil.

    Em 1936, o jornal A Noite comprou a Rdio Philips por uma bagatela. Logo aestao foi rebatizada como PRE-8 Rdio Nacional do Rio de Janeiro. Nascia,ento, a primeira grande emissora brasileira. Com problemas financeiros, aRdio Nacional acabou estatizada por Getlio Vargas em maro de 1940. Porm,mesmo com a estatizao, o modelo comercial foi mantido. Assim, ela competiano mercado publicitrio com as outras emissoras e ainda tinha uma grandevantagem sobre elas: recebia subsdios do governo.

    Por saber aproveitar-se de sua condio privilegiada, a Rdio Nacional pdecontratar os melhores radialistas e se tornar a emissora mais ouvida no Brasil e amais importante da Amrica Latina. Em 1942, era uma das cinco rdios maispotentes do mundo, com antenas dirigidas para os Estados Unidos, para a sia e

  • para a Europa.10

    Sobre o poder, inclusive poltico, da Rdio Nacional, declarou AssisChateaubriand:

    Demos aqui cerca de 6 mil contos por cidade para as eleies municipais queinteressavam a Vargas, a pedido dele. Pois bem, eu pensei que o Leo viesse aficar manso, encantado com aqueles cabritos que ns entregamos na sua fome.Depois, ele botava a Rdio Nacional aqui para devorar a Paulo [Machado deCarvalho, dono da Rdio Record] e a ns [Dirios Associados].11

    A rdio mais importante do Brasil tinha, claro, o noticirio mais influente dapoca: o Reprter Esso. Sua estreia no Brasil, em 28 de agosto de 1941, remete Poltica de Boa Vizinhana dos Estados Unidos na Amrica Latina e criao doEscritrio Interamericano (Office for Coordination of Commercial and CulturalRelations Between the American Republics), durante a Segunda Guerra Mundial(19391945).

    O presidente americano Franklin Roosevelt criou o Escritrio Interamericano dirigido por Nelson Rockefeller, neto de John D. Rockefeller, fundador daStandard Oil, as atuais Exxon e Esso , que tinha como nica funo levar aAmrica Latina a apoiar os Aliados na Guerra e consolidar a hegemoniaamericana na regio.12

    Por exemplo, a ida de Carmen Miranda aos Estados Unidos, onde fez oito filmes,foi obra do Escritrio. Pelas mos dos comandados de Rockefeller, chegaram aoBrasil produtos como a Coca-Cola (a primeira filial foi aberta em So Paulo em1943), as revistas em quadrinhos estreladas por Z Carioca (personagembrasileiro criado pela Disney ), e as agncias de publicidade (McCann-Erickson,Standard e J. Walter Thompson, por exemplo).

    As empresas de publicidade foram fundamentais para o desenvolvimento dordio no Brasil: pagavam pelo espao publicitrio e produziam elas prpriasmuitos programas, que levavam o nome das agncias ou dos produtos que ospatrocinavam. O melhor exemplo o prprio Reprter Esso, escrito e produzidopela agncia de notcias americana United Press International (UPI) epatrocinado por um importante cliente da agncia de publicidade McCann-Erickson.13

    Sobre Carmen, ainda: A United Fruit usou Carmen e aquele chapu cheio debananas e frutas tropicais para vender as propriamente ditas. Uma nica rdio

  • americana tocou msicas da Carmen 657 vezes num nico dia!14

    Apesar disso, diz Chapman, a United Fruit no pagou um tosto a Carmen, aSeorita Chiquita Banana.

    De volta ao rdio brasileiro.

    O Reprter Esso j existia nos Estados Unidos desde outubro de 1935 e, por meiodo Escritrio Interamericano, chegou a vrios outros pases da Amrica Latinaalm do Brasil: Colmbia, Chile, Argentina, Uruguai, Peru, Venezuela e PortoRico, por exemplo. Esso Standard Oil Company en Chile apresenta a ustedes elReprter Esso. El primero con las ltimas notcias preparado por el canal 13 yUnited Press, dizia o narrador da verso chilena do radiojornal.

    Durante a Segunda Guerra Mundial, o noticirio se caracterizava pelo durocombate aos pases do Eixo. No Brasil, tinha como diretriz no dar cobertura campanha O Petrleo Nosso, j que a criao da Petrobras no interessavaao governo americano nem Esso. Em 1957, o Congresso Nacional criou umaCPI, concluda em 1959, que comprovou o envolvimento da Esso e da McCann-Erickson na distribuio de verbas contra a nacionalizao do petrleo. Quando,em 31 de dezembro de 1968, o noticirio radiofnico chegou ao fim, duas razesforam apontadas: na rea profissional, o noticirio perdera a credibilidade e, nombito poltico, sua misso estava cumprida.15

    O Reprter Esso foi um marco no jornalismo brasileiro. Afinal de contas, foi oprograma que acabou definitivamente com a chatice dos rebuscados jornaisfalados. Com a UPI e os textos americanos, surgiram notcias compactas, geis,em que o mais importante vem logo no incio da informao o chamadolead das escolas de jornalismo. Dessa forma, contribuiu para sepultar asintrodues longas e retricas o chamado nariz de cera.

    Pelo Reprter Esso do rdio passaram locutores (ou speakers, como se dizia napoca) como Saint-Clair Lopes, Jorge Curi, Romeu Fernandes, Aurlio deAndrade, Kalil Filho, Gontijo Teodoro os dois ltimos, apresentadores tambmda verso televisiva do programa, respectivamente em So Paulo e no Rio deJaneiro, veiculada pela TV Tupi entre 1o de abril de 1952 e 31 de dezembro de1970.

    O melhor deles, e o que mais tempo foi ncora do jornal no rdio, HeronDomingues, era uma das mais belas vozes do jornalismo brasileiro, jamaisabalada pelo consumo excessivo de cigarro e bebida. Heron colocou uma camana redao poucas semanas aps chegar Rdio Nacional. Afinal, ele no podia

  • deixar de ser o primeiro a dar as ltimas sobre a Segunda Guerra. Em 1944,passou o Natal e o Rveillon na emissora. Apesar disso, no conseguiu ser oprimeiro a anunciar o fim da guerra o furo foi da Rdio Tupi. Heron no seencontrava na redao no exato momento de anunciar as boas-novas, e seuscolegas de Nacional demoraram a achar a fita gravada em que ele anunciava ofim do conflito. De qualquer maneira, os ouvintes s acreditaram de fato nanotcia quando sua voz entrou no ar.16

    Heron comandou o Reprter Esso at 1962, quando migrou para a TV.Carismtico, adaptou-se rapidamente ao novo veculo. Memorizava o texto edava a notcia com os olhos fixos na cmera, em uma poca em que ainda nohavia teleprompter. Na TV Rio, apresentou o Telejornal Pirelli e o Jornal Nacional(nome utilizado pela TV Globo posteriormente), ao lado de Lo Batista.

    Em 1972, foi contratado pela TV Globo. L, apresentou o Jornal Internacional,depois substitudo pelo Jornal da Globo. Sob a censura do regime militar, otelejornal tratava apenas de notcias internacionais. Heron morreu em casa, deinfarto, depois de anunciar a renncia do presidente Nixon, em 10 de agosto de1974.

    1Martins, Marcus A. O histrico legal das comunicaes no Brasil. In:Ramos, Murilo Csar & Santos, Suzy dos. Polticas de comunicao buscas tericas e prticas. So Paulo, Paulus, 2007, pp. 30910.

    2Roquette-Pinto, Edgard. Depoimento. In: Tavares, Reinaldo. Histrias queo rdio no contou. So Paulo, Harbra, 1998, 2a ed.

    3Haussen, Doris Fagundes & Cunha, Magda (org.). Rdio brasileiro episdios e personagens. Porto Alegre, EDIPUCRS, 2003, p. 16.

    4Castro, Ruy. Roquette-Pinto: O homem multido. Rio de Janeiro, 2004.Disponvel em: .

    5Murce, Renato. Bastidores do rdio. Rio de Janeiro, Imago, 1976, p. 19.

    6Dantas, Marcos. A lgica do capital-informao. Rio de Janeiro, Contraponto,1996, p. 48.

    7Carta de Direitos dos Estados Unidos da Amrica, artigo I. Acessvel em:

  • .8

    Starr, Paul. The Creation of the Media Political Origins of ModernCommunication. Nova York, Basic Books, 2004, p. 338.

    9Murce, Renato. Op. cit., p. 23.

    10Pinheiro, Cludia (org.). A Rdio Nacional alguns dos momentos quecontriburam para o sucesso da Rdio Nacional. Rio de Janeiro, NovaFronteira, 2005, p. 51.

    11Mesquista, Humberto. Tupi: a greve da fome. So Paulo, Cortez, 1982, p. 19.

    12Klckner, Luciano. O Reprter Esso e a globalizao: a produo de sentidono primeiro noticirio radiofnico mundial. Texto apresentado no XXIVCongresso Brasileiro da Comunicao, Campo Grande, set. 2001.

    13Jambeiro, Othon. Razes histricas da regulamentao da TV no Brasil. In:Textos de cultura e comunicao, n. 35, jul. 1996, pp. 889.

    14Peter Chapman. Bananas How the United Fruit Company Shaped theWorld. San Francisco, Canongate , 2007, p. 119.

    15Klckner, Luciano. Op. cit.

    16Pinheiro, Cludia. Op. cit., p. 70.

  • Vargas foi a primeira vtima do PiG

    Um dos momentos dramticos da histria do Reprter Esso foi a leitura da carta-testamento de Getlio Vargas em edio extraordinria, feita por HeronDomingues em 24 de agosto de 1954:

    Lutei contra a espoliao do Brasil. Lutei contra a espoliao do povo. Tenholutado de peito aberto. O dio, as infmias, a calnia no abateram meu nimo.Eu vos dei a minha vida. Agora vos ofereo a minha morte. Nada receio.Serenamente dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida paraentrar na Histria.

    Quando voltou ao poder pelo voto, nas eleies de 1950, Vargas imediatamentepublicou o Decreto 29.783, que previa a reviso das concesses de rdio a cadatrs anos, alm de tornar de interesse pblico o servio de radiodifuso,regulado pelo Estado, com finalidades educacionais. O governo, porm, nochegou a baixar a regulamentao do Decreto e ele no entrou em vigor. Mesmoassim, o PiG no gostou nem um pouco das intenes de Vargas para a indstriadas comunicaes.

    J se permitia no Brasil o que os americanos chamam de cross ownership, ouseja, a propriedade cruzada de emissoras de rdio e TV e de jornais e revistasnum s mercado. Nos Estados Unidos, por exemplo, durante quase todo o sculoXX isso foi proibido, com poucas excees. Exatamente para evitar aconcentrao de poder em pequenos grupos de empresas de comunicao.

    No mercado do Rio de Janeiro, por exemplo, as Organizaes Globo detm ocontrole de dois jornais, uma empresa de revistas, uma editora de livros,emissora de rdio, rede de televiso aberta, televiso por assinatura e portais nainternet. o recorde mundial da propriedade cruzada, de que trataremos maisadiante. Concentrao como essa s existiu, com tamanha impunidade, na pocada Unio Sovitica.

    Como no Brasil no houve e nem h proibio propriedade cruzada, quandoalguns donos de jornais e de rdio se uniram para combater Vargas, armou-seum fogo cerrado que reunia quase toda a imprensa da poca. Essa situaopersistiu durante todo o seu mandato, de 1951 a 1954. Para resistir, Vargascontava com poucas balas na agulha: a Rdio Nacional e, mais tarde, o jornalltima Hora, de Samuel Wainer.

    As rdios Tupi e Tamoio, de propriedade dos Dirios Associados de AssisChateaubriand, com uma audincia menor que a da Rdio Nacional, atacavamimplacavelmente Vargas. As rdios Globo, de Roberto Marinho, e Jornal do

  • Brasil, da condessa Pereira Carneiro e de Nascimento Brito, tambm batiamforte.

    No entanto, o detrator mais encarniado de Vargas era Roberto Marinho, tanto naRdio Globo como no jornal O Globo. J em 1949, com o programa TribunaPoltica, a estao de Roberto Marinho era o veculo preferencial dos lderes daUDN, especialmente o jornalista, grande orador e golpista reincidente, CarlosLacerda:

    Mas o nacionalismo do senhor Getlio Vargas no impediu que do ano de 1937 aoano de 1941, para ser mais exato, at a data da conferncia de chanceleresamericanos no Itamaraty, no impediu que de 37 a 41 o senhor Getlio Vargasfosse um plido satlite de Hitler. A 11 de junho de 1940, no dia em que Pariscaiu na mo dos nazistas, a bordo do encouraado Minas Gerais, agora vendidoao estrangeiro como ferro-velho, o senhor Getlio Vargas pronunciou umdiscurso no qual saudava a entrega de Paris a Hitler como a aurora de uma novaera, para a qual devemos estar preparados, disse ele pessoalmente, removendo oentulho das ideias nossas, fecha aspas. Ora, esse nacionalismo o mesmonacionalismo dos comunistas, e como foi o nacionalismo dos fascistas.1

    Lacerda foi aquele que, na campanha presidencial de 1950, disse: O senhorGetlio Vargas, senador, no deve ser candidato presidncia. Candidato, nodeve ser eleito. Eleito, no deve tomar posse. Empossado, devemos recorrer revoluo para impedi-lo de governar.2

    A tal revoluo Lacerda ajudou a fazer em 1964.

    1Calabre, Lia. Rdio e poltica: o caso do parlamento em ao. In: Neves,Lcia Maria Bastos P.; Morel, Marco & Ferreira, Tania Maria Bessone da C.(org.). Histria e imprensa representaes culturais e prticas de poder.Rio de Janeiro, DP&A, 2006, p. 410.

    2Texto de Carlos Lacerda publicado na Tribuna da Imprensa, em 1o de junhode 1950, durante a campanha presidencial de Getlio Vargas, eleito com48,7% dos votos. No havia segundo turno na poca.

  • Lacerda mudou a capital para Braslia

    Vamos a um breve intervalo, para tratar de Juscelino Kubitschek. Voltamos aVargas, a primeira vtima do PiG, j, j!

    A certa altura, quando era coeditor de economia da revista Veja (do Mino Carta!) o outro editor era Emlio Matsumoto , consegui marcar uma entrevista comJK. Finalmente!

    Correspondente da Veja em Nova York, em 1968, mantive, por telefone,inmeras e longas conversas com JK, que se hospedava no Hotel Hilton, daAvenida das Amricas.

    JK estava virtualmente exilado em Nova York.

    Na verdade, o exlio formal de JK acabou em 25 de outubro de 1967.

    Logo ao voltar ao Brasil, o ministro da Justia Gama e Silva, do governo Costa eSilva, ameaou-o com priso, caso se envolvesse em poltica.

    Eu queria uma entrevista. Sonhava em public-la na revista semanal do New YorkTimes: Um rei (preso) em Nova York!.

    JK, sempre gentil, me driblou com facilidade e jamais me recebeupessoalmente.

    Dessa vez, em 1972, fui ao prdio do Banco Denasa, do genro de JK, BaldomeroBarbar, na Avenida presidente Vargas, no Rio.

    JK era um nome no ndex do governo Mdici.

    Mas, quem sabe? Uma entrevista sobre os 20 anos do BNDE (ainda no havia os) criado por Vargas e valioso instrumento do Plano de Metas de JK poderiavaler a pena.

    No valeu. A entrevista nunca foi publicada.

  • Parte importante anotei logo aps a entrevista, longe das vistas do entrevistado.

  • Forster Dulles no estava entendendo nada do que eu queria.

  • Quebramos as muralhas que cervacam esse pas.

  • Recursos estavam na cabea e no no cofre.

  • Os Estados Unidos cresceram porque no tinham economistas.

  • Estou construindo uma catedral.

  • Como o povo vai pagar esse automvel?

    JK explica singelamente por que mudou a capital para Braslia.

    Era o temor de que a Vila vai descer a Vila Militar, no bairro suburbano deDeodoro, que concentrava as foras golpistas.

    Correspondia ao Campo de Mayo que perseguiu Pern e perseguia os presidentesbrasileiros.

    JK se diz vulnervel ao que hoje se chama de PiG.

    Ele contou que, no fim do expediente, quando se dirigia aos aposentos pessoais doPalcio do Catete, ligava na Rdio Globo e todas as noites o [Carlos] Lacerdapregava o golpe contra o meu governo.

  • JK foi outra vtima do PiG, portanto.

    Mudar a capital para Braslia, porm, no impediria que a voz golpista deLacerda chegasse at l. Desde 1953, a Rdio Globo passou a operar em 50 kw ecobria todo o territrio nacional.

    Na entrevista propriamente, no canto direito, ao alto, eu anotei uma inconfidnciainteressante.

    O Banco Interamericano de Desenvolvimento, BID, nasceu de uma conversa deJK com o chanceler americano John Foster Dulles, no Palcio do Alvorada.

    Dulles no estava entendendo nada do que eu queria; s pensava em combater ocomunismo.

    JK estava certo.

    O BID nasceu de uma costela da Operao Panamericana, a OPA, idealizadapor JK e o poeta Augusto Frederico Schmidt.1

    Em resposta a uma visita malsucedida do vice-presidente Richard Nixon Amrica Latina, em 1958, JK escreveu uma carta secreta ao presidenteEisenhower. Em junho de 1958, Foster Dulles visita o Brasil e traz com ele aresposta de Eisenhower.

    O BID nasceu em 1959.

    Segundo JK, foi um jantar de trs horas. As anotaes mostram um Juscelinofranco, vaidoso.

    Quando tomei [o poder] o Brasil era um arraial um PNB [sic] de 6 bilhes dedlares.

    No havia recursos.

    A mentalidade no exterior era hostil ao Brasil.

    Para enfrentar isso, teve que ser uma espcie de corretor do pas eprocurar industriais, transportar poupanas para c.

    O PNB hoje de 50 bilhes de dlares.

    Os grandes industriais nasceram no meu governo.

  • Siderurgia, energia eltrica tudo isso contribuiu.

    O BNDE era o nico instrumento.

    Foi a maior opo feita neste sculo: ou o pas continua agrcola, ou vai para aindstria; quebramos as muralhas que cercavam este pas.

    Para financiar a infraestrutura, o governo JK, limitado por recursos doOramento, continuam as anotaes, criou os primeiros instrumentos decorreo monetria: o IULC para rodovias e Petrobras (na verdade, Impostonico sobre Combustveis e Lubrificantes Lquidos, foi criado por Vargas com aedio de Lei Constitucional no 4, de 20 de setembro de 1940).

    Fundo de Marinha Mercante que permitiu a indstria naval mecanismos athoje so os mesmos.

    Assumi com 800 km com estradas asfaltadas 500 mil toneladas de ao oselevadores do Rio e So Paulo eram racionados.

    Rompeu 30 estrangulamentos.

    50 anos cumpridos em 5 anos.

    Braslia nasceu [de um pedido] do povo, no primeiro comcio da campanhapresidencial nenhum pas pode desenvolver-se em paz e no respeitar aConstituio (e Braslia estava prevista na Constituio de 1891, a primeira daRepblica).

    Primeiro problema foi a energia eltrica.

    No rio So Francisco, de Pirapora a Juazeiro navio atolava.

    Ficou na cabea. Quando deputado acompanhava a Comisso do Vale do SoFrancisco [e viu] que era um problema vital construir a barragem de TrsMarias.

    No segundo mandato de deputado federal 194650 , JK fez parte dessaComisso, uma autarquia criada pelo Congresso, que teve o objetivo dedesenvolver uma das reas mais pobres de Minas.

    Um dos primeiros atos do presidente JK, em agosto de 1960, foi autorizar aComisso do Vale do So Francisco a tomar um emprstimo no BNDE paraconstruir Trs Marias.

  • Neste ponto da entrevista, Juscelino contou que o governador de Minas, BiasFortes, era contra a construo de Trs Marias.

    Juscelino, voc pensa que Minas a caixa dgua do Brasil?

    Escaldado com a frustrante experincia de Nova York, preferi no anotar essetrecho da conversa, para no assustar o entrevistado.

    Seguem as anotaes:

    Na campanha [pensava] com que recursos [vou governar?] [O recurso]Est na cabea e no no cofre: eletricidade Imposto nico de Energia;ferrovias Plano baseado em esquema autossustentado IUCL ad valorem(Sobre o IUCL, veja a seguir) Dinheiro saiu da cabea.

    Braslia semeador da Bblia ver que sementes que plantou A Eletrobras copia da Cemig (que JK criou como governador de Minas, em 1952) sementemesmo.

    No tem nem o lugar de servente para nomear? Dr. Lucas [Lopes, que foi seupresidente da Eletrobras e depois ministro da Fazenda].

    JK faz homenagem a Vargas e a Horcio Lafer (ministro da Fazenda de Vargas),porque ajudaram a formar os quadros tcnicos de governo, atravs do BNDE eComisso Mista Brasil/EUA.

    BNDE nico a que se podia recorrer os grupos de trabalho nomes do setorprivado e pblico no havia preconceito contra empresrio comeou aselecionar equipes de economistas.

    Os grupos de trabalho do governo JK no tinham finalidade executiva, mas deplanejamento, segundo Maria Victoria Benevides.2

    Os grupos devem muito tambm assessoria econmica do segundo governoVargas, dirigida por Rmulo de Almeida.

    Os grupos mais importantes do governo JK foram o Geia, que ajudou a montar aindstria automobilstica; o Geicon, da indstria naval; e o Geimape para aindstria de bens de capital.

    Nos EUA dizem que o crescimento foi rpido porque no havia economistas.

    BNDE avalizou todos os investimentos com garantias de crditos externos.

  • Estamos construindo a capital do Brasil.

    Mandou americanos embora e [chamou a] candangada estou construindo[uma] catedral.

    Furnas 1100 kw 5a usina do mundo da poca inundao de cidadesprograma de desenvolvimento da regio toda a ser realizado pela companhiade Furnas [sob a direo de] Geraldo Freire recompusemos os arraiaisCemig 200 mil kw.

    O udenista mineiro Geraldo Freire no foi de Furnas, mas da Cemig.

    O Brasil deu o salto indstria automobilstica gerou 1100 indstrias deautopeas primeira encomenda 500 j ipes para o Ministrio da Agriculturative que botar a polcia [todos] os fazendeiros queriam.

    San Tiago [Dantas] fez o projeto de Braslia para no voltar mais aoCongresso Jos Bonifcio [da UDN de Minas] vamos aprovar para depoiscobrar do JK.

    [Criar a] Sudene foi batalha parlamentar queriam nomear um poltico[superintendente] JK queria um tcnico [e conseguiu nomear] CelsoFurtado [e levar] incentivos fiscais (para a Sudene).

    Pelejei para levar para Minas a indstria automobilstica Simca [SimcaChambord, hoje parte da Peugeot Citren] fez terraplanagem um distritoindustrial em Belo Horizonte Bias [Fortes] quis brigar no podia [instalar emMinas] porque [outras] indstrias iam quebrar [no havia] distribuio derenda.

    Pas que tem indstria automobilstica e energia ningum segura mais.

    Rio/Belo Horizonte era um atoleiro. Ia perder comcio em Santos Dumont[cidade de Minas] [e teve que ser] carregado pelos motoristas ltima vezinauguramos [estrada] no primeiro aniversrio do meu governo.

    Era a chamada BR-3, hoje, um trecho da BR-40, que vai do Rio a Braslia e passapor Belo Horizonte.

    Mercado de capitais porque EUA entraram ano 1900 j em condies de serpotncia desde 1800 j havia mercado de capitais.

    Primeira companhia de financiamento [nasceu em] 1958 como povo vai

  • pagar esse automvel [?] Finasa [do Banco Mercantil de So Paulo] de[Gasto] Vidigal [em] 1960 j havia 60 financeiras

    IULC 27 novembro 56 ltimo dia do Congresso luta parlamentar.

    O aumento do IULC sofreu forte oposio no Senado e s foi aprovado noltimo dia de votao do Oramento de 1957.

    A oposio nordestina era contra porque o Nordeste no tinha hidroeletricidadee dependia muito de combustveis.

    Agora, em 2014, recorri a duas fontes de informaes para afinar as queobtivera com Juscelino.

    Aqui vo:

    Esse IULC o Imposto nico sobre Combustveis, que financiava as rodovias(DNER) e a Petrobras.

    Havia tambm os Impostos nicos sobre Comunicaes (Embratel/Telebras),Energia Eltrica (Eletrobras) e Minerao (Vale do Rio Doce).

    O Fundo da Marinha Mercante uma outra contribuio, proveniente da taxaodas cargas nos portos. E existe at hoje, 2014, obviamente com seus recursosdesviados para outros fins.

    Juscelino deveria estar falando, tambm, da abertura das estradas que fez e dareestruturao das ferrovias, pois foi ele quem reorganizou o setorferrovirio, com a criao da estatal Rede Ferroviria Federal em 1957, depoisdevidamente privatizada no governo FHC.

    Todos esses impostos federais formavam fundos administrados por essas estataise foram os financiadores da infraestrutura brasileira at 1988.

    Eles foram mantidos pelos militares.

    Quem destruiu a engenharia financeira desenvolvimentista foi a AssembleiaConstituinte de 19871988, ao incorporar estes impostos (o seu fato gerador), masno a competncia das polticas ao ICMS.

    Ou seja, os constituintes passaram as receitas para os estados, mas as obrigaes

  • continuaram com a Unio (por isso vem ICMS na conta de telefone, de luz etc.).

    Moral da histria: acabaram os recursos para investimento emtelecomunicaes, energia, transportes etc.

    Curiosamente, ento, comearam a falar em privatizao das estatais ineficientesque no investiam mais na infraestrutura do pas (o que tinham feito at 1988).

    Eu fui descobrir quem foi que fez isso na Constituinte, o responsvel pela aindano solucionada crise de financiamento do Estado brasileiro.

    A, consultei um deputado constituinte e descobri: Jos Serra, Cesar Maia eFrancisco Dornelles.

    Os trs foram da Comisso do Sistema Tributrio, Oramento e Finanas.Dornelles era o presidente, Serra, o relator e Maia, suplente.

    De volta luta de Vargas contra o PiG.

    1CPDOCFGV verbete Schmidt, Frederico Augusto.

    2Revista USP. So Paulo, no 53, maro/maio de 2002, pp. 3241.

  • Wainer fez a circunciso duas vezes

    Em fevereiro de 1954, seis meses antes do suicdio de Vargas, a Rdio Globolanou o programa Parlamento em Ao, de comentrios polticos feitos porCarlos Lacerda. O apresentador era Raul Brunini, que admitiu ter montado oprograma unicamente para permitir a participao quase diria de Lacerda naemissora.1 Assim, criou um dos carros-chefe da emissora e uma das principaispontas de lana da campanha contra Vargas.

    Alm do espao cativo no rdio, Lacerda levantou dinheiro na praa e fundouum jornal, a Tribuna da Imprensa, que se tornou o mais agressivo adversrio deVargas e da ltima Hora. Porm, o jornal de Samuel Wainer no precisou demais que seis meses para comear a vender mais que a Tribuna da Imprensa, OGlobo e os jornais de Chateaubriand.2 Portanto, Wainer no era s um problemapoltico para o PiG: tornara-se tambm um problema de sobrevivnciaempresarial. Lacerda, ento, acusou Wainer de receber dinheiro do governoVargas.

    fato que Getlio estimulou Wainer a se demitir dos Associados deChateaubriand para fundar seu prprio jornal. O empresrio conseguiu umpolpudo emprstimo de 26 milhes de cruzeiros no Banco do Brasil. Tudo dentroda lei. Ingenuamente, porm, Wainer apoiou a criao de uma CPI na Cmara a primeira da Repblica , para apurar as transaes entre o Banco do Brasile a ltima Hora.

    Wainer achou que a CPI no daria em nada, j que seus concorrentes tambmdeviam ao Banco do Brasil. Na poca da CPI da ltima Hora, instalada em 27 demaro de 1953, os Dirios Associados de Chateaubriand deviam 162 milhes decruzeiros ao Banco do Brasil. A Tribuna da Imprensa, de Lacerda, 2 milhes decruzeiros. O Globo, de Roberto Marinho, foi alm: conseguiu um segundoemprstimo sem pagar o primeiro3

    No relatrio final, publicado em 18 de novembro de 1953, a CPI concluiu que oBanco do Brasil favoreceu a ltima Hora. No incio do ano seguinte, nadefensiva, Getlio ordenou que o banco executasse as dvidas do jornal. SamuelWainer pagou integralmente a dvida no ltimo segundo do ltimo dia do prazoque tinha acertado com o governo: 8 de novembro de 1953. Teve o gosto de ver,no dia seguinte, a desmoralizao da Tribuna da Imprensa, cuja manchetedecretava o fim do concorrente.

    Enquanto isso, a ltima Hora circulava com a manchete Quase todos os jornaisdevem ao Banco do Brasil, mas somente a ltima Hora pagou integralmente seus

  • dbitos em 8 dias. O prprio Wainer descreve com redobrado prazer a pea quepregou no inimigo mortal:

    A situao tinha uma grande carga de dramaticidade, mas no deixava de serridcula: dois ou trs funcionrios foram convocados para contar, uma a uma, ascdulas que eu levara. Era um monte de dinheiro. Recebi comprovantes daquitao e voltei redao. Resolvi que no faramos barulho em torno do queocorrera. Eu sabia que Carlos Lacerda, informado por Lourival Fontes de que altima Hora no liquidaria sua dvida e seria, portanto, imediatamente fechada,instrura a Tribuna da Imprensa para anunciar estrondosamente o enterro dogrande inimigo. Para desmoraliz-lo, antecipei o horrio de chegada s bancasdo meu jornal. Pouco depois chegaram os exemplares da Tribuna, trombeteandoem manchete que a ltima Hora no existia mais. Para Carlos Lacerda, foi umcompleto desastre.

    Informado de que eu comparecera ao Banco do Brasil quando o prazo para opagamento estava virtualmente esgotado, Lacerda decidiu eleger OsvaldoAranha como bode expiatrio. No dia seguinte, publicou um artigo violentssimocontra o ministro da Fazenda, acusando-o de ter me favorecido e cobrindo-o deadjetivos terrveis. A resposta a esse artigo, testemunhada por mim, viria poucashoras depois. Eu estava no bar do Copacabana Palace, e notei que Lacerdadividia com o ministro da Agricultura, Joo Cleofas, uma mesa no restauranteBife de Ouro. De repente, entrou no restaurante Euclides Aranha, o Quica,filho de Osvaldo, um rapaz de rara beleza e extremamente forte. Quica avanousobre a mesa de Lacerda e deu-lhe uma bofetada. Gritava que nunca maisadmitiria ler insultos ao pai. Lacerda tentou puxar o revlver, algum segurou suamo, amigos de Quica levaram-no para outro canto, instalou-se uma imensaconfuso. Em poucos minutos, chegaram amigos de Lacerda e do jovemAranha, que no parava de despejar palavres sobre o desafeto.

    Eu observava o espetculo distncia, um pouco divertido, confesso, com aenrascada em que Lacerda se metera.4

    Um dos pontos centrais da CPI da ltima Hora era a discusso sobre anacionalidade de Wainer.

    A Constituio exigia que s brasileiros natos dirigissem jornais.

    Samuel jurava que era brasileiro, Lacerda garantia que ele tinha nascido naBessarbia.

    O advogado de Samuel na CPI foi Evandro Lins e Silva, que, depois, honrou o

  • Supremo Tribunal Federal e foi aposentado pelos militares que deram o Golpeem 1964.

    Evandro me contou que, na fase mais aguda da CPI, Samuel localizou o rabinoque, na Tijuca, no Rio, tinha-lhe feito a circunciso.

    Evandro entrevistou o rabino, convenceu-se de sua comovente histria e deixou-oapresentar-se CPI.

    Anos depois, Evandro reencontra o velho rabino.

    Volta a falar do episdio e o rabino confessa que tinha mentido.

    No tinha feito a circunciso do Samuel, porque ele chegou da Bessarbiadevidamente circunciso.

    Mas, por que o senhor mentiu?, perguntou Evandro.

    As finanas da sinagoga, dr. Evandro, estavam muito mal

    1Calabre, Lia. Op. cit., p. 408.

    2Silva, Helio, 1954 um tiro no corao. Rio de Janeiro, CivilizaoBrasileira, 2001, p. 187.

    3Sodr, Nelson Werneck. A histria da imprensa no Brasil. Rio de Janeiro,EdiPUCRS, 1966.

    4Wainer, Samuel. Minha razo de viver. Rio de Janeiro, Record, 1987, p. 195.

  • Bab eletrnica derruba Paulo Lacerda

    Aqui se tratar de como o PiG, Lacerda e seus pretensos descendentesconseguem por muito tempo fixar a verdade histrica e dela extrairefeitos polticos. A correo, na maioria dos casos, no capaz de consertar oestrago poltico feito.

    Um exemplo: a revista Veja, o detrito slido de mar baixa, como digo noConversa Afiada, produziu um desses episdios mais sinistros.

    Na edio de 27 de agosto de 2008 revelou em reportagem de capa que aAbin gravou o ministro. Dilogo comprova que espies do governo grampearamo presidente do Supremo Tribunal Federal [Gilmar Mendes].

    O detrito slido associa a espionagem Operao Satiagraha, desfechada emjulho:

    Desde o dia 9 de julho, quando, pela primeira vez, concedeu um habeas corpuspara soltar o banqueiro Daniel Dantas, o ministro foi informado de que a PolciaFederal, com a ajuda da Agncia Brasileira de Inteligncia (Abin), poderia tergravado dilogos dele ao telefone.

    A revista chegou a Braslia no sbado.

    Os jornais do dia seguinte, domingo, anunciaram que, indignado, Mendes iachamar o presidente da Repblica s falas.

    Na segunda-feira de manh, no Palcio do Planalto, o presidente da Repblica,Luiz Incio Lula da Silva, recebeu os ministros do Supremo, Mendes, CezarPeluso e Ayres Britto.

    Em momentos diferentes tambm l estiveram o ministro da Defesa, NelsonJobim que tinha sido chefe de Mendes quando ministro da Justia de FernandoHenrique Cardoso , o da Justia, Tarso Genro, e um outro colaborador de Lula,que me contou a histria que se segue.

    Lula se prontificou a instaurar imediatamente uma investigao.

    Jobim produziu uma lista, com ilustraes, de equipamentos que a Abin teriaimportado dos Estados Unidos para fazer grampos.

    A Abin no pode, por lei, grampear.

    Jobim exigia a cabea de Paulo Lacerda, diretor da Abin e, quando diretor-geral

  • da Polcia Federal, responsvel pela Operao Satiagraha, que, por duas vezes,prendeu Daniel Dantas que por duas vezes, num intervalo de 48 horas, GilmarMendes mandou soltar.

    Mas Jobim era, ali, digamos, um penetra: Lula seria capaz de dom-lo considerou essa fonte.

    O centro da denncia era o grampo de uma conversa de Mendes com o entosenador Demstenes Torres (DEM-GO), embora a Veja dissesse que no tinha oudio do grampo mas a sua transcrio.

    O argumento de Jobim foi poderoso.

    Os ministros do Supremo vertiam dio.

    Mendes tinha na expresso o desejo de fazer o sangue jorrar.

    Peluso no aceitava, apenas, uma investigao.

    Mais agressivo que Mendes e Britto, Peluso, em tom de voz mais alto que todos,exigia cabeas: eles no poderiam sair dali sem que cabeas rolassem.

    O assessor de Lula entendeu que havia, alm de um impasse institucional Judicirio vs Executivo , uma questo de credibilidade: de homens, comoPaulo Lacerda, de instituies do Estado, como a Polcia Federal, que Lacerdadirigira, e da prpria agncia de inteligncia do Executivo, a Abin.

    O assessor ponderou que os riscos institucionais de uma deciso ali, naquela hora,eram muito grandes.

    E se a Veja estivesse errada?, ele perguntou?

    rgos de imprensa erram.

    A prpria Veja ponderou antes, tinha denunciado grampos no Supremo ese comprovou que era uma lorota.

    Em socorro a Lula, o colaborador insistiu na ideia de uma sumria investigao independente, acompanhada pelo Supremo , que desse tempo ao presidenteda Repblica para decidir com dados alm dos divulgados pela Veja.

    As informaes da Veja no eram conclusivas onde j se viu um grampo semudio?

  • Ayres Britto se sensibilizou com o argumento e concordou em dar um prazo.

    Nessa altura, Mendes se calou.

    Porque Peluso foi quem assumiu o comando do ataque: no saa dali sem querolasse uma cabea.

    O ministro Tarso Genro encontrou a sada.

    Nomear Paulo Lacerda adido policial na embaixada em Portugal.

    Foi a forma de cortar-lhe a cabea, como queria Peluso.

    O episdio ficou conhecido como o grampo sem udio.

    A Polcia Federal e o Ministrio Pblico Federal investigaram e no acharam oudio nem o grampo.

    E, segundo Rubens Valente, autor de Operao Banqueiro, em entrevista aSrgio Lrio, na Carta Capital de 15 de janeiro de 2014, na p. 29:

    A Polcia Federal e a Procuradoria Geral da Repblica sabem muito bem noexistir prova alguma dos grampos, mas at hoje, mais de cinco anos depois,jamais vieram a pblico fazer o desmentido formal.

    No blog Conversa Afiada, demonstrei que os equipamentos mortferos a que sereferiu o ministro Jobim eram singelas bugigangas, que se compravam pelainternet, incapazes de grampear: uma bab eletrnica.

    O episdio do grampo sem udio, porm, atingiu o objetivo poltico: Mendesdenunciou uma repblica de grampos, um Estado policial, que teve afinalidade de desmoralizar a Satiagraha e libertar Daniel Dantas.

    Ele chegou a propor uma espcie de Constituinte Exclusiva e Sumria que, naprtica, eliminava a capacidade de o Ministrio Pblico e a Polcia Federalinvestigarem banqueiros (no momento, os trabalhos dessa Constituinte,promulgada no PiG, enriquecem o lixo da histria).

    Paulo Lacerda foi para a aposentadoria sem reescrever o episdio.

    Peluso salvou a honra do Supremo.

    Lula assinou uma pgina cinzenta em sua biografia.

  • Ay res Britto demonstrou uma imparcialidade que no se verificou no julgamentodo mensalo (o do PT).

    E Mendes que, na reunio, emudeceu na hora certa manteve Dantas emliberdade.

    O que, no fim da histria, foi uma tentativa intil de proteger a PrivatariaTucana, de Amaury Ribeiro Jr., e o Prncipe da Privataria, de Palmrio Dria.

    No livro de Valente se constata que esse episdio do grampo sem udio da Vejafoi central para desmoralizar a Satiagraha e, portanto, beneficiar Dantas, queest no mago da Privataria Tucana.

    Ou seja, foi central para livrar Fernando Henrique e seus companheiros dapoltica de privatizao como Mendes, ento na Advocacia Geral da Unio.

  • Lacerda e a Globo atiram no peito de Vargas

    No incio da madrugada de 5 de agosto, Lacerda chegava de carro a seuapartamento na rua Tonelero, nmero 180, em Copacabana. Voltava de umcomcio no tradicional colgio So Jos, na Tijuca. Era acompanhado pelo filhoSrgio, de 15 anos, e pelo major-aviador Rubens Tolentino Vaz, 32 anos, um deseus seguranas na campanha para deputado federal.

    O radialista se dirigia ao prdio quando um homem se aproximou e abriu fogo.Ferido no p, Lacerda correu para a garagem com o filho, para proteg-lo.Enquanto isso, o major Vaz, paisana, se engalfinhava com o atirador para tentartomar-lhe a arma. Durante a luta, levou dois tiros e morreu. Lacerda ainda saiude arma em punho do edifcio, mas o assassino conseguiu fugir num txi. Umsegundo capanga, do outro lado da rua, deu cobertura ao atirador e tambmconseguiu escapar.

    Nesse exato momento, Armando Nogueira, ento redator do Dirio Carioca,tambm chegava em casa, ali perto, a menos de dez metros de distncia.Nogueira conversava com dois colegas de jornal Deodato Maia e OtvioBonfim, que o deixaram de carro na porta do edifcio e testemunhou todo oocorrido. Correu para um bar, ligou para a redao e passou o furo. Publicou amatria na capa do jornal, redigida na primeira pessoa.

    A investigao sobre o atentado se deu, de forma ilegal, na Base Area doGaleo quando se instalou o que se chamou de Repblica do Galeo ,conduzida por militares golpistas. Entre eles, Dlio Jardim de Mattos, que depoisseria ministro da Aeronutica do governo Figueiredo.

    O assassinato do major Vaz nunca foi reconstitudo. O revlver de Lacerda, porexemplo, nunca passou por percia. Lacerda no entregou a arma Polcia Civilporque temia que a polcia de Vargas pudesse acus-lo de ter ele, Lacerda,atirado no major. Alm disso, desapareceram do hospital Miguel Couto todos osboletins mdicos e exames referentes ao ferimento de Lacerda. A investigaodo caso Tonelero jamais se deu na esfera criminal. Foi poltica.

    A sequncia de prises foi rpida. O primeiro a ser detido, em 13 de agosto, foi opistoleiro Alcino Joo do Nascimento, que atirou em Vaz. Alcino fora contratadopor Climrio Euribes de Almeida, integrante da guarda pessoal de Getlio. FoiClimrio quem deu cobertura a Alcino na cena do crime. Climrio, preso no dia18, aponta o mandante do crime: Gregrio Fortunato, o Anjo Negro, chefe daguarda pessoal do presidente, que trabalhava para Vargas desde os anos 1930.Gregrio foi levado para o Galeo e torturado no pau de arara. Os trs envolvidos

  • foram julgados e condenados em 1956. Gregrio e Climrio morreram napriso. Alcino cumpriu pena at 1976.

    Gregrio entrou jovem no crculo de influncia dos Vargas no Rio Grande do Sul.Tornou-se homem de confiana e chefe da Segurana do presidente. Foi quemorganizou o atentado para proteger Vargas de um possvel golpe lacerdista.

    Lacerda, atravs da Rdio Globo e da Tribuna da Imprensa, fazia uma coberturacatrtica do atentado frustrado contra ele. O clima criado era tal que, em SoPaulo, ao ouvi-lo vociferar raivosamente, o jurista Oscar Pedroso dHortaexclamou alarmado: Se isso continuar, Lacerda acabar levando o pas a umaguerra civil.1

    O PiG, jornais e rdios frente, trabalhavam intensamente para derrubarVargas. At a televiso, que acabara de nascer com a Tupi de AssisChateaubriand, reproduzia a fria dos jornais e das rdios. O PiG tinha sangue naboca. A Rdio Globo batia em Vargas e a audincia aumentava.

    Com o assassinato do major Vaz, a crise se instalou de vez no gabinete de Vargas,que desconhecia o plano de Gregrio. O PiG, o vice-presidente Caf Filho e asForas Armadas exigiam a renncia de Getlio. Nas primeiras horas do dia 24 deagosto, pouco depois da meia-noite, o presidente convocou os ministros para umareunio no Palcio do Catete.

    O encontro comeou por volta das trs horas da manh, no primeiro andar. Osministros militares defendiam o afastamento provisrio de Vargas, at que seesclarecesse o atentado da rua Tonelero. Tancredo Neves, ministro da Justia aos44 anos, exortava Vargas a resistir. E o aconselha a mandar prender os golpistas.Enquanto Tancredo falava, olhava firme para o ministro da Guerra, Zenbio daCosta, e exigia que os ministros militares apoiassem o presidente da Repblica,em momentos de tenso e herosmo. Como mais tarde narraria Acio Neves,neto de Tancredo:

    Ele [Tancredo] interrompido por um militar [] dizendo que eles no tinhammais foras para inibir ou acabar com a rebelio do Galeo. E o que aconteceria que eles seriam massacrados. E Tancredo, na mesa ministerial, dirige-se a essegeneral e diz: Pois bem, general, existem muitas poucas ocasies na vida emque se pode morrer por uma boa causa.2

    Aps calorosas discusses e nenhum consenso entre os subordinados, Vargasencerrou o encontro por volta das cinco horas: J que o ministrio no chegou auma concluso, eu vou decidir. Determino que os ministros militares mantenham

  • a ordem pblica. Se a ordem for mantida, entrarei com um pedido de licena.Em caso contrrio, os revoltosos encontraro aqui o meu cadver.3

    Naquele mesmo dia, a Secretaria de Imprensa da presidncia divulgou notasobre a deciso de Vargas, redigida por Tancredo. O vice-presidente Caf Filho,aliado de Lacerda, aguardava o afastamento de Vargas para assumir apresidncia e j comeava a montar seu prprio ministrio.

    Pouco depois do anncio do afastamento, Lacerda entrou no ar, na Rdio Globo,em edio extraordinria, direto do apartamento do vice-presidente Caf Filho a quem Lacerda j tratava de presidente Caf Filho no Posto Seis, emCopacabana.

    Meus amigos, cedo as minhas primeiras palavras para realar o extraordinriopapel que a Rdio Globo, a servio da imprensa falada, da verdade e da justia,desempenhou nesta revoluo branca que hoje tem a sua noite de glria. Vimvisitar no o presidente Caf Filho, vim abraar o homem pblico [] [G]raas covardia e ao atraso com que o senhor Getlio Vargas se rendeu aos fatos porele prprio criados [] preciso destruir os destroos ainda ameaadores daoligarquia Vargas, esses destroos, meus amigos, so como restos que ficamdepois da bomba atmica. Eles ainda tm irradiao e podem contaminar eesterilizar a nao. indispensvel que a renncia de Getlio Vargas sejarenncia mesmo e que ele no v para Itu sonhar com novas revivescncias dopoderio da sua gente. Porque o seu lugar, se no for no Galeo, no estrangeiro,pois o Galeo o lugar para os restos de sua podrido. O Brasil que hoje seredime, o Brasil que hoje ressurge, o Brasil de sempre, tal qual ns o sonhamose tal qual sonharam e o construram os nossos antepassados.4

    Passava das seis horas quando dois oficiais da Aeronutica chegaram ao Catetecom uma intimao a Benjamim Vargas, o Beijo Vargas, irmo caula dopresidente, para que este depusesse na Repblica do Galeo. Vargas pede a Beijoque no v. O prximo convocado poderia ser o prprio presidente.

    Por volta das sete horas, Beijo diz a Getlio que as Foras Armadas e seu ex-aliado, Zenbio da Costa, entenderam seu afastamento da presidncia comodefinitivo, e no temporrio. Quase uma hora depois, a filha de Getlio, Alzira,v o pai sair do quarto rumo ao gabinete de trabalho e pouco depois retornar aoquarto com a mo no bolso do palet do pijama listrado. Dava a impresso decarregar algo pesado.

    Entre 8:20 h e 8:25 h daquela tera-feira, dia 24, Getlio Vargas, 72 anos, estevesozinho em seu quarto, com a porta entreaberta, no terceiro andar do Palcio do

  • Catete. Deitado na cama, Vargas disparou contra o corao uma nica bala dorevlver Colt, calibre 32, com cano alongado e cabo de madreprola.

    Ainda na manh do dia 24, manifestantes puseram fogo em carros de O Globo eda Tribuna da Imprensa. Milhares de exemplares desses jornais foramqueimados. As sedes da Rdio Globo e do Dirio de Notcias tambm foramatacadas. Na Cinelndia, uma leitura da carta-testamento transmitida por alto-falantes foi ouvida por centenas de pessoas. Depois disso a multido reunida foiat a rua do Lavradio, onde funcionava a Tribuna da Imprensa, aos gritos demorra, Lacerda. Houve uma tentativa de invaso, contida pela polcia.5

    Nas ruas, as pessoas rasgavam e queimavam cartazes e galhardetes decampanha eleitoral dos candidatos da UDN. Cpias da carta-testamento logoforam distribudas pelas ruas do centro do Rio. tarde, a situao comeou afugir do controle. Sob o pretexto de se tratar de questo de segurana, o Exrcitointerditou a avenida Rio Branco e a rua do Lavradio, o que garantia a proteo daRdio Globo e da Tribuna da Imprensa. Isso no impediu, porm, que comitseleitorais da oposio e a sede de jornais como A Notcia e O Mundo fossemapedrejados. Sem saber como agir, a polcia apelou para a fora, e usou bombasde gs lacrimogneo e armas de fogo para dispersar a multido. Houve diversosferidos, inclusive trs com ferimentos de bala.6

    No Rio Grande do Sul onde Vargas havia sido governador , a reao populartambm foi violenta. O consulado e a sede de empresas estrangeiras, como aCoca-Cola e a Mesbla, foram atacados em Porto Alegre. O prdio e o estdio daRdio Farroupilha propriedade dos Dirios Associados, na rua Duque deCaxias e da Rdio Difusora foram incendiados. Os prdios dos jornais Diriode Notcias e O Estado do Rio Grande do Sul tambm foram atacados. As bobinasdos jornais foram jogadas na calada e os exemplares, queimados.

    Ainda em Porto Alegre, a multido invadiu a sede da UDN, que por umacoincidncia era vizinha do comit eleitoral de Leonel Brizola. Aos gritos deGetlio, Getlio, Getlio, as instalaes dos direitistas foram totalmentedestrudas. A bandeira nacional ali hasteada foi tomada pelo povo, e mesas,cadeiras e materiais de propaganda voaram pela janela do primeiro andar.7

    Em So Paulo, mais de 15 mil pessoas tentaram atacar a sede dos DiriosAssociados, mas foram impedidas pela polcia. Operrios entraram em greve.Durante passeata na hora do almoo, por volta das 13 horas, na avenida So Joo,a multido depredou lojas e restaurantes.

  • Em Belo Horizonte, o Instituto Brasil-Estados Unidos foi atacado. Cartazes daoposio tambm foram arrancados e destrudos. Em Recife, o Dirio dePernambuco (dos Dirios Associados) por pouco no foi invadido. Em Salvador,houve comcios pela manh. O palanque usado pela oposio na semana anteriorfoi incendiado. noite, a populao se juntou numa passeata silenciosa, comvelas nas mos. Em Fortaleza, lojas e reparties pblicas fecharam e as aulasforam suspensas.

    O povo tentou invadir tambm a sede da Rdio Globo, no Rio de Janeiro, mas squebraram os vitrais da entrada. O locutor Luiz Mendes estava no prdio daemissora naquele momento:

    Visada, mais do que qualquer outro rgo de comunicao, ficou a Rdio Globo.O povo formava grupos, bandos, multides pelas ruas e ia quebrando tudo quantopudesse parecer ter contribudo para o gesto de Vargas. Dentro da Rdio Globo,vendo a fria popular, o pnico logo se instalou. Foi ento que eu tivetranquilidade para tomar as primeiras providncias defensivas, ordenando asubida dos elevadores para o ltimo andar e mandando fechar as trancas deferro, as portas de grade da entrada do edifcio. Quando o povo enfurecidochegou frente do edifcio sul-rio-grandense, sentindo a impossibilidade deentrar (a polcia j estava colocada junto porta de entrada), passou a atirarpedras contra o imenso vitral que enfeitava a fachada do prdio. Esse vitral, porcoincidncia, era o escudo do Rio Grande do Sul, o mesmo que veio no quepe dosrevolucionrios de 1930, quando Vargas tomou o poder pela primeira vez. Poisaquela gente revoltada destruiu exatamente o smbolo que projetou Getlio, semsaber o que estava fazendo. Getlio havia cumprido a promessa, s morto saiu doCatete []. As providncias que tomei, na estratgia para evitar a invaso daRdio Globo, surtiram efeito e as pedras que caram dentro da emissora so hojemostradas como trofus que consagram o valor indiscutvel da democracia.8

    A Rdio Globo ficou algumas horas fora do ar, e o jornal O Globo no circulou.O nico jornal impresso publicado no dia do suicdio foi a ltima Hora.

    O suicdio de Vargas e a Carta Testamento despertaram o dio da massa fiel aVargas, descreveu Samuel Wainer.9

    Enquanto uns buscavam avidamente a edio da ltima Hora, outros foram ruaIrineu Marinho botar fogo no prdio dO Globo e nas caminhonetes.

  • Povo disputa edio da ltima Hora do dia da morte de Getlio Vargas. Imagemdigitalizada do livro de Samuel Wainer, Minha razo de viver. Rio de Janeiro,Record, 1987.

    O prdio da Tribuna de Imprensa, na rua do Lavradio, ali perto, tambm foiqueimado.

    Lacerda e Roberto Marinho l no se encontravam.

    No dia seguinte, a multido acompanhou o cortejo que levou o corpo de Getlioao aeroporto Santos Dumont, a caminho de So Borja. Aps a partida do avio,as pessoas comearam a vaiar e dizer palavras de ordem contra a Aeronutica a primeira das Foras Armadas a pedir a renncia de Vargas , em frente rea militar do aeroporto. Os militares reagiram, houve empurra-empurra evrias pessoas foram feridas e pisoteadas.

    Com seu ltimo ato, Vargas ps os golpistas para correr. Lacerda fugiu para aEuropa, no primeiro navio que achou no cais do porto. O golpe militar foi adiadopor dez anos. No rdio, a Carta Testamento devolveu o poder a Vargas depois de morto.

    Porm, logo aps assumir, Caf Filho, cujo mandato se estendeu at o anoseguinte, revogou o Decreto 29.783, atravs do qual Vargas pretendia reverperiodicamente as concesses de rdio. Afinal, Caf era do PiG. A pedido deChateaubriand, havia nomeado Eugnio Gudin ministro da Fazenda.10

    Um parntese: mais tarde, se ver que Roberto Marinho autorizou Sarney anomear Malson da Nbrega ministro da Fazenda. Uma questo de hbito. O PiGgosta do Ministrio da Fazenda

    Lacerda, depois, foi governador do Rio de Janeiro. Ao deixar o governo, era donode um banco.

    Ernani Amaral Peixoto, genro de Getlio e governador do Rio, encontrou oenvelope com a Carta Testamento na mesa de cabeceira de Vargas, em p,atrs do abajur. A carta datilografada foi escrita pelo jornalista Jos SoaresMaciel Filho, redator de discursos da preferncia do presidente. Vargas fezpoucas alteraes.

    Victor Costa, manda-chuva da Rdio Nacional, que estava no Catete, ligou para aemissora e passou a notcia do suicdio diretamente a Heron Domingues,apresentador do Reprter Esso.

  • Heron demorou a dar a notcia. Dois jornalistas disputam o furo da morte deVargas: Lo Batista, da Rdio Globo, e Paulo Caringi, da Continental. Lo Batistatinha acabado de encerrar o programa Globo no Ar.

    J em 1954, O povo no bobo, abaixo a rede Globo!. Imagem digitalizada dolivro de Samuel Wainer, Minha razo de viver. Rio de Janeiro, Record, 1987.

    De repente, o nosso reprter do Palcio do Catete comeou a gritar: Tira ohomem do ar, tira o Lacerda do ar, o homem se suicidou. A eu corri tambm efalei: Quem se suicidou?. O Getlio, rapaz. Deu um tiro no peito. Eu falei:Meu Deus! Ento vamos dar uma edio extra. Ento, cortamos o Lacerda.Ele nem tava sabendo de nada, tava xingando, o homem j tava morto. A entrouo prefixo. Eu dizia, eu me lembro at agora, foi assim lacnico: E ateno,ateno, senhores ouvintes. Ateno para essa edio extraordinria. Acaba dese suicidar no Palcio do Catete o presidente Getlio Vargas. Ento, a primeiranotcia realmente eu dei pela Rdio Globo, s que a Rdio Globo naquela pocano era essa poderosa cadeia de rdio e televiso que hoje.11

    J Caringi defende que o furo da Continental. Quem passou a notcia para elefoi o ministro Zenbio. Algum soprou para o ministro que Getlio se suicidara.Eu estava escondido na cabine, em contato com a rdio e passei a informao.Foi um furo completo.

  • 1Ele voltar. In: Nosso sculo 19451960. A era dos partidos. So Paulo,Abril Cultural, 1982, p. 119.

    2Depoimento do governador de Minas Gerais, Acio Neves, neto deTancredo, ao documentrio Tancredo Neves, Mensageiro da Liberdade(2005).

    3Texto anotado na agenda de Getlio pela filha Alzira, sua assessora. In:Laurenza, Ana Maria de Abreu. Lacerda x Wainer o corvo e obessarabiano. So Paulo, Senac, 1998, p. 167.

    4Calabre, Lia. Conspiraes sonoras: a Rdio Globo e a crise do governoVargas (19531954). In: Baum, Ana. Vargas, agosto de 54. A histriacontada pelas ondas do rdio. Rio de Janeiro, Garamond, 2004, p. 41.

    5Baumworcel, Ana. 1954: um retrato do rdio na poca de Vargas. GTHistria da Mdia Sonora, do II Encontro Nacional da Rede Alfredo deCarvalho, Florianpolis, abr. 2004.

    6Ferreira, Jorge Luis. O carnaval da tristeza: os motins urbanos do 24 deagosto. In: Gomes, Angela de Castro (org.). Vargas e a crise dos anos 50.Rio de Janeiro, Relume Dumar, 1994, p. 74.

    7Ibidem, pp. 823.

    8Mendes, Luiz. 7000 horas de futebol. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 2003,pp. 489.

    9Ver Minha razo de viver memrias de um reprter. Record, 1987,pp. 2056.

    10Morais, Fernando. Chat o rei do Brasil. So Paulo, Companhia dasLetras, 1994, p. 563.

    11Entrevista concedida a Nilma Nery de Melo para o trabalho Rdio ehistria: o suicdio de Getlio Vargas, citado por Ana Baumworcel em1954: um retrato do rdio na poca de Vargas, op. cit.

  • Brizola faz o autor levitar

    Antes de concluir esta breve descrio do dio do povo contra o PiG, valelembrar que tive que levitar para no ser vtima dele. Roberto Marinho perseguiuLeonel Brizola incansavelmente. Marinho contou a Armando Nogueira que mecontou que, uma vez, recebeu Brizola para almoar em sua sala privativa no altoda Vnus Platinada, na rua Lopes Quintas.

    A viso era magnfica: o Jardim Botnico e a Lagoa Rodrigo de Freitas.

    A certa altura, Marinho disse a Nogueira: pois, no que ele foi incapaz deelogiar a vista?.

    Era uma forma de desqualificar a capacidade de Brizola de governar o Rio.

    O vice de Brizola, na primeira vez em que foi governador do Rio, era DarcyRibeiro.

    E seu candidato sucesso.

    O candidato de Marinho foi Wellington Moreira Franco, que, depois, serviu atodos os governos de Fernando Henrique a Dilma.

    Darcy era o candidato do CIEP, o revolucionrio sistema de educao integralde Brizola.

    Marinho defendia que o CIEP era reacionrio: formava crianas de elite emambientes pobres, de favela.

    Preferia ver os CIEPs fechados.

    Wellington no ousou combater os CIEPS na campanha mas desmontou-osquando governador, como preferia Marinho.

    Wellington ganhou a eleio, derrotou Darcy e Brizola (Wellington e Marinhoestiveram unidos desde o episdio da Proconsult, quando a Globo coonestou umgolpe no computador para tomar a vitria de Brizola).1

    Armando Nogueira ponderou ao dr. Roberto que fosse generoso na hora davitria.

    Marinho fez campanha contra Brizola e Darcy , venceu e naquele momentopoderia ser generoso e dar a Brizola o palanque da Globo.

  • Armando insistiu e Roberto Marinho concordou, com uma condio: que aentrevista fosse no jornal local, do Rio e, jamais, no Jornal Nacional, para todo opas.

    Brizola aceitou e imps duas condies: que a entrevista no fosse editada e feitapelo Amorim.

    Marinho topou.

    L fui para a sede do PDT, que ficava no centro do Rio, entre a Brizolndia, naCinelndia, e a Praa Tiradentes.

    O prdio estava cercado.

    As apuraes indicavam a derrota de Darcy , mas Brizola at ento no admitiraa derrota.

    E os brizolistas, do lado de fora, espera do milagre.

    Quando a caminhonete da Globo chegou e a equipe identificada, comearam osbrados: o povo no bobo, abaixo a Rede Globo.

    Eu e a equipe subimos as escadas como quem foge.

    A entrevista comeou e perguntei:

    Por que o senhor ainda no admitiu a derrota?

    Brizola, sereno, perguntou de volta: por que a missa de stimo dia no stimodia?.

    Olhei para ele, mudo.

    Porque preciso dar tempo para aceitar a perda.

    E como voltar para o carro?

    A multido l fora gritava o povo no bobo, abaixo a Rede Globo!.

    Brizola foi sacada e percebeu o tamanho do problema.

    Mandou chamar dois seguranas parrudos.

    Instruiu para que ficassem de cada lado, a me segurar pelo sovaco.

  • Brizola foi na frente da desesperada comitiva.

    Brizola abria os braos e, com os cotovelos, afastava os que se dirigiam aopescoo do incauto reprter.

    Brizola a balanar os braos como num bal e os cotovelos e o tronco emmovimentos em ondas, sincrnicos.

    Os seguranas me ergueram e fizeram com que eu levitasse.

    Segui assim, sem os ps no cho por um bom tempo.

    No ar, cheguei caminhonete da Globo, estacionada na Praa Tiradentes.

    Brizola fechou as portas do carro.

    O povo tentou virar o carro.

    A caminhonete parecia quicar no cho e o Brizola de braos abertos a conter amultido.

    L se foi a equipe, sob os gritos de o povo no bobo

    A entrevista foi ao ar na ntegra. Darcy , enfim, tinha perdido e Brizola admitiu aderrota no jornal local.

    1O episdio foi contado no livro Plim-Plim, a peleja de Brizola contra a fraudeeleitoral (So Paulo, Conrad, 2005) que escrevi com a tambm jornalistaMaria Helena Passos sobre a tentativa de fraudar as eleies paragovernador do Estado em 1982.

  • Chateaubriand inaugura a tev do PiG

    A Inglaterra foi o primeiro pas a transmitir uma programao de televiso deforma regular, ao inaugurar a BBC, em 2 de novembro de 1936. Estados Unidos,Frana, Alemanha e Unio Sovitica comearam as transmisses em 1939,embora no se pudesse dizer que a TV j tivesse, quela altura, um carter demeio de comunicao de massa.

    De todos esses pases, apenas os Estados Unidos adotaram de cara o modelocomercial de televiso. A NBC inaugurada em abril de 1939 com um discursodo presidente Franklin Roosevelt na abertura da Feira de Amostras de Nova York foi a primeira emissora comercial do mundo.

    A Segunda Guerra Mundial (19391945) interrompeu na Europa a difuso dateleviso. A BBC saiu do ar em 1o de setembro de 1939 e s voltou em junho de1946. A Alemanha voltou a transmitir somente em 1951, quando o pas j estavadividido em Alemanha Ocidental e Alemanha Oriental.

    Com o fim da guerra, a televiso comercial estourou. E no demorou a chegarao Brasil, graas viso, ousadia e safadeza do empresrio AssisChateaubriand. Viso por ter trazido a televiso para o Brasil, antes mesmo deexistir uma fbrica de televisores no pas. Chat ia fazer um produto que,teoricamente, no tinha como ser consumido. Ousadia porque a chance deperder dinheiro com uma empreitada como aquela era muito grande. Os custospara instalar uma emissora eram altos, e no havia nenhuma garantia de lucro.Nos Estados Unidos, de 107 estaes, apenas 54 obtiveram lucro em 1950. Tantoque pases ricos como Sucia, Blgica, Sua, Austrlia e Finlndia hesitaramantes de lanar suas emissoras de TV. Da safadeza se tratar adiante.

    Antes da estreia oficial, a TV Tupi de So Paulo, a emissora de Chateaubriand,fez uma transmisso experimental em 4 de julho de 1950. Por volta das 22 horas,o frei e ator mexicano Jos de Guadalupe Mojica, gal de Hollywood, cantoucom uma orquestra para uma plateia seletssima no auditrio do Masp. Entre osilustres convidados estavam Nelson Rockefeller e o presidente Eurico GasparDutra.

    Centenas de pessoas acompanharam a transmisso por um televisor instalado novo livre do museu, na avenida Paulista. A pr-estreia durou apenas meia hora, efoi um sucesso. Porm, a estreia mesmo s ocorreu em 18 de setembro daqueleano. E tinha tudo para dar errado: atrasou em uma hora, uma das trs cmerasquebrou, Chateaubriand no parava de esculhambar a equipe e WaltherObermller diretor da NBC TV, supervisor do evento tentou cancelar a

  • inaugurao.

    Por volta das 21 horas, a atriz Yara Lins apareceu na tela e anunciou ainaugurao da televiso no Brasil, em uma emissora que entrou no ar com ogigantesco nome de PRF-3 TV Tupi-Difusora, Canal 3, Emissoras Associadas.Tudo era ao vivo, em preto e branco.

    E deu certo. Houve um concerto de msica clssica. Em seguida, o comedianteMazzaropi encenou uma sitcom bem curta, Ministrio das Relaes Domsticas.A programao de estreia terminou duas horas depois, com o Hino da TV,declamado pela atriz Lolita Rodrigues, que substituiu s pressas Hebe Camargo,que estava rouca. A Tupi foi a primeira emissora de televiso da Amrica do Sule a segunda da Amrica Latina a Televisa foi ao ar poucos dias antes, em 31de agosto, no Mxico.

    Nos dias seguintes, porm, os intervalos de transmisso longussimosdecepcionaram os (poucos) telespectadores. A demora ocorria porque erapreciso mudar tudo no estdio cenrio, iluminao etc. para a atraoseguinte. Enquanto isso, ficava no ar a imagem de um ndio adulto, srio, comum arco na mo uma espcie de vinheta.

    A imagem esttica do ndio ficou associada ao atraso dos programas, erapidamente se desgastou. Foi ento que Mrio Fanucchi, criador das vinhetas daTupi, resolveu dar uma nova roupagem ao ndio, e criou um curumim sorridente,com um cocar em forma de antena. O simptico indiozinho passou a aparecercom a legenda Canal 3, e no mais com o longo prefixo da emissora, e setornou smbolo da TV Tupi.1

    Apesar do aparente pioneirismo da empreitada de Chat, os primeiros esforospara montar uma indstria de televiso no Brasil partiram do Estado, e no dainiciativa privada. Comearam com a Rdio Nacional, a primeira a fazerexperincias com televiso na Amrica do Sul, quando, em 1946, transmitiudiretamente de seus estdios o programa Rua 42, com apresentao de ManoelBarcelos e produo de Max Nunes (que morreu mais de 60 anos depois, aos 92,em junho de 2014, ainda trabalhando na TV, como redator do Programa do J,da Rede Globo).2

    A TV da Rdio Nacional no foi adiante porque o Estado no tinha dinheiro e onegcio exigia muito dinheiro. Para completar, tempos depois, no breve governode Caf Filho, a Rdio Nacional trocou de diretores muitas vezes. Alm disso, emtermos polticos, o presidente em exerccio representava grupos nem um poucointeressados numa televiso estatal, ou mesmo pblica.

  • Ao tomar conhecimento dos testes da Rdio Nacional, Chat saiu na frente ecorreu para os Estados Unidos. Em 1948, fechou contrato com a RCA, de NovaYork, para comprar os primeiros equipamentos e mandou o assistente-tcnicoJorge Edo e o engenheiro Mrio Alderighi responsveis pelas instalaes daTV Tupi fazerem um estgio na NBC, a primeira emissora comercial domundo.

    Nesse meio tempo, em 1948, era inaugurada a primeira estao experimental deteleviso no Brasil, em Juiz de Fora, Minas Gerais, dirigida por Alceu Fonseca,que sobre isso deu o seguinte depoimento revista americana Tel