Ana Cristina Vidal de Castro Ortiz (Titi Vidal) · PDF fileNo jogo dos búzios E nas profecias... Ah... Cai o Rei de espadas Cai o Rei de ouros Cai o Rei de paus Cai, não fica nada!!

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    Cartas de tar e imagens na mdia:uma Comparao

    Ana Cristina Vidal de Castro Ortiz(Titi Vidal)

    As cartas do tar

    O tar um baralho composto de 78 cartas, sendo 22 chama-das maiores, ou principais, e as outras 56 menores, ou secundrias. As cartas do tar contm imagens simblicas, tambm conhecidas como arqutipos.

    Sua origem um tanto incerta. Como diz Liz Greene (2003, p. 7), as origens das cartas do Tar, ou seja, quem as teria imaginado, onde, quando e com que objetivo, ainda so muito vagas e obscuras. H que afirme que o tar nasceu como um jogo, assim como o ba-ralho que ainda usamos nos dias de hoje com essa finalidade. Outros entendem que o tar possui uma origem inicitica, tendo sido feito desde o incio para transmitir um conhecimento oculto atravs dos seus smbolos, acessveis apenas aos iniciados e imunes perseguio poltico-religiosa. Ou seja, apenas quem conhecesse os smbolos e signos ali presentes teria acesso quelas informaes.

    Nesse sentido, existe at uma verso que diz que o tar teria surgido como um livro de gravuras que escaparia viso dos inquisi-dores e continuaria vivo, transmitindo s pessoas as verdades pro-fundas da vida e o significado do ser. Ou, de alguma maneira, as car-tas do tar seriam uma velada comunicao de ideias em desarmonia com a igreja estabelecida (NICHOLS, 2006, p. 20).

    J para quem acredita ter nascido o tar dos jogos, a explicao para sua linguagem simblica e arquetpica estaria na sabedoria dos artistas da poca, que colocaram nas cartas destinadas aos jogos seu conhecimento.

    O fato que no h muitos registros sobre sua origem, nem livros que falem sobre o assunto, que so poucos e muito recentes,

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    contendo especulaes sobre a histria das cartas. Por isso, como define Sallie Nichols (2006, p. 18), o tar um baralho de cartas misterioso de origem desconhecida.

    Na coleo de muitos reis e nobres de sculos anteriores existiam cartas de tar feitas por artistas renomados da poca, algumas inclusive folhadas a ouro. o caso de Visconti Sforza, do sculo XV, cujas cartas ainda hoje encontram-se em museus na Europa e Estados Unidos.

    Figura 1: Tar Visconti Sforza, de Milo, sculo XV.

    O uso divinatrio do tar, aplicado leitura do momento e do futuro das presentes, teria tido origem no sculo XVIII. Pelo menos desta poca que datam os primeiros registros.

    Hoje o tar utilizado de diversas maneiras. H muitos es-tudiosos sobre o assunto e muitos textos tm sido produzidos. As cartas, nos dias atuais, so muito utilizadas com fins divinatrios. Ou seja, os chamados tarlogos ou cartomantes usam as cartas para aces-sar o inconsciente e o futuro de seus clientes. Mas, ao contrrio do que equivocadamente as pessoas em geral divulgam, isso feito por conta da linguagem simblica e arquetpica dos arcanos, e no por

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    dons msticos ou especiais. O tar tambm utilizado como ferra-menta por muitos psiclogos e terapeutas e tem sido estudado por especialistas em linguagem simblica, interessados em suas narrativas.

    A linguagem simblica do tar inclui a presena dos arqutipos e smbolos ricos que derivam de um nvel de experincia humana co-mum a toda a humanidade (NICHOLS, 2006, p. 23). Citando Jung, a estudiosa do tar Sallie Nichols (2006, p. 23) fala sobre os smbolos existentes nas cartas, lembrando que representam alguma coisa que no pode ser apresentada de nenhuma outra maneira e cujo signifi-cado transcende todos os especficos e inclui muitos opostos aparen-tes. Ou seja, as figuras nos Trunfos do Tar contam uma histria simblica (NICHOLS, 2006, p. 23).

    Para compreender o tar e sua simbologia, podemos conectar seu significado

    atravs da analogia com mitos, contos de fadas, dramas, quadros, acontecimentos histricos, ou qualquer outro material com motivos similares, que evocam universalmente grupos de sentimentos, intui-es, pensamentos ou sensaes. (NICHOLS, 2006, p. 23)

    Assim podemos fazer o caminho contrrio, buscando nas di-versas narrativas presentes na vida humana e na mdia as conexes com a simbologia dos arcanos do tar.

    Imagens complexas e tar

    Josep M. Catal Domnech diz que as imagens contempo-rneas dificilmente so percebidas de maneira isolada (2005, p. 46, traduo nossa). Ele apresenta a ideia de constelaes visuais, nas quais as imagens so abertas e tendem plenitude. Ou seja, podem ser preenchidas por vrias coisas e dependem tambm do que Catal Domnech chama de mirada complexa, isto , da viso e comple-xidade de quem observa.

    Nesse sentido, Catal Domnech diz que todas as imagens so temporais, seja porque incorporam a durao atravs do movi-mento, seja porque expressam distintas camadas de memria (2005, p. 49, traduo nossa).

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    Alm disso, Catal Domnech fala sobre a tendncia de todas as imagens relao, rede. Para ele, a imagem contempornea se move entre o tempo-movimento-durao e o tempo-esttico-memria. Segundo Catal Domnech, no apenas a imagem contempornea, como tambm a percepo contempornea e com ela a epistemologia contempornea. Assim, ele conclui que a imagem contempornea inevitavelmente complexa (2005, p. 50, traduo nossa).

    Mas talvez no apenas as imagens contemporneas sejam complexas. As imagens do tar tambm so abertas, possuem diver-sas camadas de memria e sua interpretao depende de um olhar complexo, capaz de compreender todo o seu simbolismo. A inter-pretao de cada carta do tar depende do olhar complexo de quem observa, bem como do contexto e da relao de cada uma delas com os outros arcanos.

    As imagens do tar possuem todas as caractersticas apontadas por Josep M. Catal Domnech para que sejam consideradas comple-xas: opacidade, exposio, reflexividade e interatividade.

    Para Catal Domnech, a imagem no mais uma janela para o mundo, um lugar de trnsito at uma determinada realidade. Ao contrrio, a imagem hoje seria uma estao final, j que h que se parar para iniciar uma explorao que nos levar a compreender pro-fundamente o real (CATAL DOMNECH, 2005, p. 71, traduo nossa). A opacidade inclui o tempo do observador sobreposto ao tempo da imagem. necessrio contemplar para compreender.

    As imagens complexas tambm possuem a qualidade expositi-va, ou seja, so capazes de revelar estruturas internas de conhecimen-to. Essas imagens contm mltiplos nveis de significado. A qualidade expositiva, segundo Catal Domnech (2005, p. 75, traduo nossa), se deriva da opacidade.

    Outra qualidade da imagem complexa a reflexividade. Isso faz com que as imagens complexas possam ser consideradas multi--imagens (CATAL DOMNECH, 2005, p. 80, traduo nossa). Ou seja, so imagens formadas por um conjunto de imagens. Alm disso, podem ser consideradas imagens sintticas que se constituem uma porta ou interface que d acesso a outros elementos que formam um conglomerado intertextual.

    Por fim, as imagens complexas tambm so interativas, sen-do que o processo de interao pressupe a interface. Esta, por sua

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    vez, permite que a informao seja organizada e transmitida, e ento compreendida pelo usurio ou observador, que tambm pode atuar sobre a mesma. Assim, a imagem complexa no esgota seu significa-do na simples visualizao. Pelo contrrio, sua estrutura visual serve de conexo com outros meios, como o som ou o texto, por exemplo (CATAL DOMNECH, 2005, p. 82, traduo nossa).

    A interface, para Catal Domnech, um modelo de imagem que se transforma em modelo mental. As imagens complexas permi-tem uma interpretao infinita e dependem tambm do observador e de seu olhar complexo.

    As cartas do tar apresentam imagens complexas, tendo em vista que contm suas qualidades essenciais, especialmente por suas camadas de informao, que permitem grande reflexo e interpreta-o infinita, dependendo do olhar de cada observador.

    O tar na mdia

    As imagens do tar, incluindo seus arqutipos, significados e simbologia, esto amplamente presentes na mdia, seja em msicas ou filmes, ou em acontecimentos importantes noticiados em todo o mundo.

    O tar na msica

    Um exemplo do tar na msica Cartomante, msica de Ivan Lins e Vitor Martins, que ficou famosa na voz de Elis Regina:

    Nos dias de hoje bom que se protejaOferea a face a quem quer que sejaNos dias de hoje esteja tranquiloHaja o que houver pense nos seus filhosNo ande nos bares, esquea os amigosNo pare nas praas, no corra perigoNo fale do medo que temos da vidaNo ponha o dedo na nossa ferida... Ah...

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    Nos dias de hojeNo lhes d motivoPorque na verdadeEu te quero vivoTenha pacincia Deus est contigoDeus est conoscoAt o pescoo J est escritoJ est previstoPor todas videntesPelas cartomantesEst tudo nas cartasEm todas as estrelasNo jogo dos bziosE nas profecias... Ah...Cai o Rei de espadasCai o Rei de ourosCai o Rei de pausCai, no fica nada!!

    Figura 2: Reis de espadas, ouros e paus, Tarot of the Old Path.

    Outros dois exemplos so as msicas Alegria, alegria, de Caeta-no Veloso, e A balada do louco, dos Mutantes. Ambas, apesar de no citarem expressamente o tar, descrevem perfeitamente os significados presentes no arcano nmero zero, o Louco, totalmente livre e desapegado.

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    Figura 3: Algumas reprodues da carta do Louco, arcano zero do tar.

    O tar vai ao cinema

    So inmeros os filmes nos quais a presena do tar se faz pre-sente, seja de forma expressa, com a presena de suas cartas, seja por suas imagens, que aparecem como elementos da construo narrativa.

    Um bom exemplo o filme O Hobbit, no qual podemos en-contrar o sbio Gandalf, o prprio Eremita, arcano nmero nove do Tar. No filme, o velho sbio reproduo fiel tanto imagem quan-to ao significado da carta do tar, smbolo de sabedoria, cautela e experincia, entre muitos outros.

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