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Análise do discurso jornalístico: um estudo de caso Antonio Francisco de Freitas Universidade Federal de Alagoasl. Maceió Maio de 1999 Índice 1 Contextuaização histórica 3 2 Fundamentação teórica 7 2.1 Dizer e não dizer ........ 9 2.2 Notícias e aparências ...... 10 2.3 Desejo e poder no discurso ... 13 3 A reportagem 15 3.1 O dito .............. 15 3.2 Fatos que remetem ao não dito . 17 4 O não dito 18 5 Conclusão 23 6 Referências bibliográficas 25 Prólogo É instigante trazer à discussão um trabalho que ultrapassa os limites da retórica tradi- cional, e objetiva analisar as figuras de lin- guagem presentes em diferentes tipos de dis- curso. Esta obra de Antonio Francisco de Freitas, efetua uma análise de um impor- tante momento histórico deste país. É fruto de um tempo de maturação, de uma vida di- versificada no jornalismo, e de riqueza vi- venciada no Curso de Pós-Graduação. Estamos em uma sociedade em que os meios de comunicação nos bombardeiam com ima- gens, símbolos e sons, como elementos inte- ragentes de um grande sistema. A percepção das mensagens veiculadas pode patentear- se, tanto em nível consciente, quanto em ní- vel inconsciente. Freitas, em uma lingua- gem descontraída, analisa essas mensagens, de forma clara e precisa, em capítulos bem concatenados, desvelando os elementos sig- nificativos explícitos e implícitos; e as inten- ções das fontes e dos codificadores. A obra - Análise do discurso jornalístico - caso Tribuna de Alagoas: os pressupostos e subentendidos na reportagem Dossiê Ex- plosivo - está repleta de teias de relações e interesses, que motivam os textos jornalísti- cos, e os princípios éticos (aéticos), nortea- dores do dia-a-dia das redações. Este trabalho merece destaque pela cora- gem de enfrentar, nestas paragens, temática tão delicada, pelo fato de não analisar o discurso do ponto de vista da estética nem como recorte do mundo, mas sobretudo por abordar os mecanismos utilizados para ma- nipular as mentes. Sua investigação eviden- cia realidades que transcendem a materiali- dade dos conteúdos das mensagens simbóli- cas. Esse fato lhe assegura ter realizado uma tarefa formidável, como contribuição para o progresso de todos aqueles que resolverem estudar as mensagens subliminares. Pode- mos afirmar que o pré-requisito de uma de-

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Análise do discurso jornalístico: um estudo de caso

Antonio Francisco de FreitasUniversidade Federal de Alagoasl. Maceió

Maio de 1999

Índice

1 Contextuaização histórica 32 Fundamentação teórica 72.1 Dizer e não dizer. . . . . . . . 92.2 Notícias e aparências. . . . . . 102.3 Desejo e poder no discurso. . . 133 A reportagem 153.1 O dito . . . . . . . . . . . . . . 153.2 Fatos que remetem ao não dito. 174 O não dito 185 Conclusão 236 Referências bibliográficas 25

Prólogo

É instigante trazer à discussão um trabalhoque ultrapassa os limites da retórica tradi-cional, e objetiva analisar as figuras de lin-guagem presentes em diferentes tipos de dis-curso. Esta obra de Antonio Francisco deFreitas, efetua uma análise de um impor-tante momento histórico deste país. É frutode um tempo de maturação, de uma vida di-versificada no jornalismo, e de riqueza vi-venciada no Curso de Pós-Graduação.Estamos em uma sociedade em que os meiosde comunicação nos bombardeiam com ima-gens, símbolos e sons, como elementos inte-ragentes de um grande sistema. A percepção

das mensagens veiculadas pode patentear-se, tanto em nível consciente, quanto em ní-vel inconsciente. Freitas, em uma lingua-gem descontraída, analisa essas mensagens,de forma clara e precisa, em capítulos bemconcatenados, desvelando os elementos sig-nificativos explícitos e implícitos; e as inten-ções das fontes e dos codificadores.A obra - Análise do discurso jornalístico -caso Tribuna de Alagoas: os pressupostose subentendidos na reportagem Dossiê Ex-plosivo - está repleta de teias de relações einteresses, que motivam os textos jornalísti-cos, e os princípios éticos (aéticos), nortea-dores do dia-a-dia das redações.Este trabalho merece destaque pela cora-gem de enfrentar, nestas paragens, temáticatão delicada, pelo fato de não analisar odiscurso do ponto de vista da estética nemcomo recorte do mundo, mas sobretudo porabordar os mecanismos utilizados para ma-nipular as mentes. Sua investigação eviden-cia realidades que transcendem a materiali-dade dos conteúdos das mensagens simbóli-cas. Esse fato lhe assegura ter realizado umatarefa formidável, como contribuição para oprogresso de todos aqueles que resolveremestudar as mensagens subliminares. Pode-mos afirmar que o pré-requisito de uma de-

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mocracia passa por um público bem infor-mado.Antonio Francisco de Freitas consegue ofe-recer ao leitor uma obra densa, cheia de no-vidades e muito útil para a compreensão darealidade jornalística nacional, justamente,por analisar o discurso de jornalistas e depolíticos. Este "Dossiê Explosivo"é dirigidonão apenas aos comunicadores, mas a todosaqueles que detêm ou almejam deter poder.Resta atentar, pois, para o fato de que o dis-curso é uma verdadeira arma de poder.Maceió, Maio de 1999,Carlos Eduardo de Moraes Dias, Doutor emCiências da Comunicação - ECA/USP, Pro-fessor do DECOS/UFAL

Apresentação

Toda pesquisa de análise discursivaremete à história e às condições de produçãodos enunciados e das enunciações dos sujei-tos sociais, razão pela qual, este trabalho deanálise do discurso da mídia tem um carátersócio-histórico, uma vez que, traz em si, asmarcas lingüísticas do dito e do não dito; ouseja, dos elementos implícitos e explícitos,que, lingüística e extra-lingüisticamente,constituíram o turbulento período históricoda política brasileira contemporânea duranteo governo Collor.Nele, se objetivam as relações de podere de desejo de poder, segundo Foucault,- relações essas que se instauraram e setransformaram em grave corrupção no entãogoverno Collor, no período 90-92, e queforam agravadas ainda mais pelas denúnciasde Pedro Collor de Mello contra o empre-sário Paulo César Farias - provocando oimpedimento do presidente Fernando Collor.

Ao realizar este ensaio de análise do dis-curso da mídia impressa, optou-se pelamatéria veiculada pela revistaVeja, em suaedição de número 1.222, de 11.02.92.Espera-se que, ao se preservar a narra-tiva no passado, este trabalho estará fielà época em que foi produzido (fevereirode 1992), na forma de monografia, comoexigência parcial para a conclusão do cursode Especialização em Língua Portuguesa,no Departamento de Letras Clássicas eVernáculas da UFAL, tendo como orientadoro prof. Dr. Ingo Voese.Deseja-se manter a fidelidade ao tempo his-tórico dos acontecimentos para demonstrar-se como o signo e a linguagem,refletem erefratam, no dizer bakhtiniano, as condiçõesde produção social, trazendo em sua mate-rialização, nos enunciados, as marcas dasformações sociais, ideológicas e discursivasde uma época e as relações de desejo,poder, classe e ideologia que são instauradasatravés da linguagem, perceptíveis ao serealizar a leitura do dito e do não dito.

Introdução

Este ensaio tem por objetivo fazer aanálise do discurso jornalístico contido nareportagem "Dossiê explosivo", sobre ocasoTribuna de Alagoas-, e paralelamente,levantar as reais intenções dos enunciantes,para se compreender o dito e não dito nareferida matéria jornalística.Para se compre-ender o significado do que foi dito e o que foipressuposto ou implicitado, bem como quaisforam as reais intenções dos enunciantes,faz-se necessário conhecer o que não foidito, ou seja, se ler nas entrelinhas o não ditono discurso jornalístico.Neste trabalho seráfeita a análise do caso ocorrido em Alagoas

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- a disputa do mercado de comunicaçãoimpressa envolvendo os empresários PedroCollor de Mello (PC Mello), irmão do pre-sidente da República e Paulo César Farias(PC Farias), ex-tesoureiro das campanhasdo presidente Fernando Collor de Mello.Pedro Collor de Mello, superintendente daOrganização Arnon de Mello- que edita ojornal Gazeta de Alagoas, afirma que nãopermitirá que o empresário Paulo César Fa-rias implante o jornalTribuna de Alagoas-eventual concorrente daGazeta de Alagoas.Fundamento a presente análise lingüísticanos estudos de Ducrot (1977), Foucault(1971), bem como da Lógica Dialética emMarx e áreas afins - o que permitirá ao leitorcompreender os significados literais e ossignificados implícitos contidos no discursojornalístico analisado.Na parte inicial deste ensaio, apresento oResumo Histórico dos fatos analisados. Emseguida, traço a Fundamentação Teórica queconduzirá a análise discursiva em pauta.Posteriormente, abordo o Dito e o Não Dito:os elementos lingüísticos, extralingüísticos(filosóficos, ideológicos, institucionais esubjetivos) que apontam para o Não Dito.Ao trazer à tona o não dito, busco ospressupostos implícitos do discurso, que sãoclassificados por Ducrot (op. Cit.) como sig-nificados implícitos. Tais fatos discursivosficam camuflados ou subentendidos numarealização discursiva.

1 Contextuaização histórica

Esta análise de caso tem por objetivolevantar os pressupostos e os subentendidosque caracterizam o não dito no discurso; etem como objeto de estudo o texto da revistaVeja, de 11. 02. 92, edição número 1.222,

ano 25, número 8, páginas 24 e 25, que traza matéria com o título "Dossiê explosivo",relatando a existência de três fitas cassetecomprometedoras contra o empresário PauloCésar Farias. Tal denúncia contra PC Fariasé feita por Pedro Collor de Mello - tentandoassim fazer com que PC Farias desistada idéia de implantar o jornalTribuna deAlagoas.Na matéria, PC Mello, em seus enunci-ados, ameaça PC Farias, com o objetivode intimidá-lo em relação ao seu projetode instalação em Alagoas não só do jornalTribuna como também de quaisquer outrosmeios de comunicação (emissoras de rádioe tevê). Com isso, PC Mello visa manter omonopólio da família Collor sem nenhumconcorrente no estado.O desejo da manutenção do poder e de suaampliação na comunidade alagoana porparte da família Collor é o fio condutor queeste trabalho procura mostrar - tendo emvista que comunicação é poder, a famíliado presidente Collor deixa claro que nãopretende dividir com ninguém o poder ea hegemonia no mercado de comunicaçãoalagoano.Através do canal 7,TV Gazeta(afiliada daRede Globo, daGráfica e Editora Gazeta deAlagoas, do jornalGazeta de Alagoas, e dasRádios Gazeta AM, Gazeta FM(Maceió) eGazeta FM(Arapiraca, a segunda maior ci-dade de Alagoas) e jornalGazeta Arapiraca;os Collor de Mello detêm o domínio domercado da comunicação social no estado,e por extensão, significativa parte do podersócio-político-econômico e ideológico.Graças a esse complexo de comunicaçãoque foi possível se articular o lançamento deum membro da família - Fernando Collor,o playboy de Copacabana dos anos 70, a

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prefeito biônico de Maceió em 1978 peloPDS, num acordo feito com a elite domi-nante alagoana. Em troca da indicação deFernando Collor a prefeito, o grupo políticoque detinha o poder na época teria garantidoo acesso por vários anos ao complexo decomunicação dos Collor.Antes de terminar o mandato de prefeitobiônico da capital, ele lançou-se candidato adeputado federal pelo PDS em 1980, sendoo deputado federal mais votado de Alagoas,graças ao poder de comunicação da família.Também através de acordo para continuarpermitindo o acesso da elite política regionalaos veículos de comunicação social dafamília Collor, foi proposta a candidaturado então deputado federal Fernando Collorpara governador do Estado. No decorrer dasnegociações, Fernando Collor percebe queuma parte da elite política alagoana que osustentava, basicamente filiada ao PDS ePFL, não concordava com a sua indicaçãopelo grupo, para governador.Então, Fernando Collor rompe com seupartido, o PFL, e com parte do grupo polí-tico que o sustentava, ingressa no PMDBalagoano "como um simples soldado”, mas,visando com isso, garantir a legenda parasair candidato a governador - numa articula-ção política elaborada pelo então deputadofederal pelo PMDB, Renan Calheiros, quegarantiu o ingresso de Collor no partido.Novamente, em razão do poder de comuni-cação detido pelos Collor, foram possíveisoutras negociações políticas, e, em poucosmeses no PMDB, Fernando Collor, vindoda ex-ARENA, e passando pelo PDS, saicomo o candidato oficial do PMDB paradisputar o governo do estado de Alagoas.Assim que consolida o apoio do PMDBpara sua candidatura, aTV Gazetapassa a

programar ostensivamente entrevistas comFernando Collor (pois ele é um dos donos daempresa), visando passar sempre a imagemde um político jovem, sem vícios, decidido,moderno e dinâmico.Ao mesmo tempo, Collor também passa afazer pequenos comentários na programaçãojornalística da emissora da família, no ho-rário de maior audiência, sempre as 19h45,num processo de construção de imagem e demarketingpolítico permanente.Sua ida súbita para o PMDB rompeu osseus laços com parte da oligarquia políticaalagoana concentrada no PDS, PFL e PTB;mas, trabalhando rapidamente sua imageme usando um discurso político falsamenteidentificado com os interesses da comuni-dade, e, veiculado diariamente através darede de comunicação de sua família, feznovos acordos e atraiu outros apoios.Ao romper antigos acordos com a oligarquialocal, buscou passar para a opinião públicaregional uma imagem de oposicionista aospolíticos tradicionais da terra. De olhonos votos do Alto Sertão Alagoano, quepoderiam eleger o candidato do outro grupo,segundo as pesquisas indicavam, ele, queera divorciado, se casa relativamente rápido.A escolhida foi uma jovem da família Malta,que há décadas se constitui na oligarquiapolítica e econômica daquela região. Es-trategicamente, garante com isso os votosque necessitava na região de Canapi, MataGrande e Inhapi, área conhecida como”curral eleitoral fechado” da família Malta.Ganha a eleição, numa campanha milionáriae cria laços com os Malta.Foi ainda a influência e o domínio na área decomunicação da família Collor que garantiuas conexões políticas do então governadorFernando Collor com os principais empre-

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sários e veículos de comunicação do país apartir de 1986.Houve o estreitamento de suas ligaçõescom o dono daGlobo, empresário RobertoMarinho, e com o então todo poderosoMinistro das Comunicações do governoSarney, Antonio Carlos Magalhães, atualgovernador da Bahia. Tais pessoas apadri-nharam a sua candidatura e promoveram-naabertamente contra o candidato consideradocomunista e despreparado para levar o Brasilpara o primeiro mundo, Luís Inácio Lula daSilva, que segundo as pesquisas indicavam,iria para o segundo turno eleitoral. Baseadosnos laços de amizade que sempre existiramentre o ex-governador e o ex-senador deAlagoas Arnon de Mello, pai de FernandoCollor - que era amigo íntimo de RobertoMarinho, tendo inclusive trabalhado nojornal O Globodécadas atrás e de AntonioCarlos Magalhães, a redeGloboe o Ministrodas Comunicações assumem explicitamentea candidatura de Collor para presidente.Assim, o até então desconhecido governadoralagoano, passa a ser conhecido nacional-mente, com inserções garantidas na maiorrede de tevê do país, em seu horário nobre.A sua imagem de caçador de marajás éconstruída no imaginário coletivo. Numtrabalho demarketingpolítico previamentetraçado, são garantidas suas entradas gra-tuitamente em rede nacional em programascomo o Fantástico, o Jornal Nacional, oprograma doChacrinhae oGlobo Repórter.Paralelamente a isso, a sua imagem tambémé "fabricada"em outros importantes veículosda mídia nacional, através de matériaspagas.Até as novelas realizadas pelaCentralGlobo de Produçõesveiculavam a idéia danecessidade de o país eleger um "Salvador

da Pátria", nome inclusive de uma dastelenovelas da época, que tinha um perso-nagem com as características do candidatoque o país precisava naquele momento eque a mídia estava ”vendendo”: ele erajovem, capaz, empreendedor, comprometidocom mudanças neoliberais profundas, belo,garboso, bem falante e relativamente culto.Outra novela "Que rei sou eu?, tambémtrabalhou o imaginário coletivo, remetendoo público telespectador a pensar duas vezesantes de votar em um candidato "simplório ede origem humilde"para governar o fictícioreino de Avilã.Através de matérias pagas em vários jornaise revistas de circulação nacional, dentre elasa Veja, a de maior tiragem do país, Collorfoi capa por várias vezes, fortalecendo suaimagem de "Caçador de Marajás", numtrabalho muito bem pago e elaborado demarketing político.Com o apoio político e institucional damaior rede de comunicação do país - aGlobo, e do Ministro das Comunicaçõesda época, Antonio Carlos Magalhães, ogovernador alagoano assumiu a liderança nadisputa eleitoral, pregando a ”modernidadeadministrativa", a "seriedade", a "caça aoscorruptos"e o "fim da bandalheira do go-verno Sarney”, temas que as telenovelas daGlobo já veiculavam nos enredos ficcionaise também nas pautas de telejornalismo.Todos os temas dos seus discursos eram pre-viamente pesquisados peloIbope, InstitutoGallup e usando ainda os trabalhos "gra-tuitos"da agência de publicidadeSetembro,sediada em Belo Horizonte e doInstituto VoxPopuli - também ligado à agênciaSetembro,ambas empresas pertencentes ao filho deseu cunhado Marcos Coimbra (embaixadore atual secretário particular da Presidência

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da República). Com discursos baseadosem temas previamente encomendados e”plantados”, com o apoio do complexoGlobo e com muito dinheiro de origemobscura, Fernando Collor chegou ao Paláciodo Planalto.Atrás da ascensão de Fernando Collor está oenigmático empresário Paulo César Farias,o PC Farias, que mesmo não tendo nenhumcargo público é o "cidadão comum"quedetém o maior poder na esfera públicanacional.Paulo César Farias, ou PC Farias, comoé conhecido nacionalmente, foi o ”ho-mem forte"ou "homem cofre"de Collorem suas campanhas para deputado federal,governador de Alagoas e para presidenteda República, ao assumir as funções detesoureiro de Collor. A principal empresade PC Farias, aTratoral, ligada à revendade tratores e equipamentos agrícolas estavafalida e envolvida na emissão de notasfiscais frias; na venda fictícia de tratorespara usinas alagoanas através do créditorural e envolvida em elevadas dívidas com oBanco do Brasil.Após assumir a função de tesoureiro da cam-panha de Collor a governador de Alagoas,sua empresa saiu da falência e começoua diversificar seus investimentos. Seusnegócios, que já caminhavam bem após tersido tesoureiro de Collor na campanha agovernador de Alagoas, ampliaram-se muitomais depois que foi tesoureiro de Collorpara a presidência.O seu nome, que constava inclusive na listanegativa do Banco Central, que o impediade ter contas ou operar com a rede bancárianacional foi excluído da "lista negra"doBacen.Paulo César Farias foi o responsável direto

para levantar recursos junto ao empresariadonacional para a campanha de Collor, ecoincidentemente, nesse mesmo período,sua riqueza, segundo a imprensa, passa acrescer cada vez mais, enquanto o país seafunda na recessão e os empresários têmseus patrimônios reduzidos.Sabendo do valor estratégico de possuirmeios de comunicação para consolidar opoder, PC Farias, hoje um dos empresáriosmais ricos do país, passa a se interessarem estruturar uma moderna rede de co-municações em Alagoas, contando com obeneplácito do amigo-presidente, Collor.Em sendo consumado seu projeto, ele será oprincipal concorrente daOrganização Arnonde Melloem Alagoas.Já instalou a estrutura física do jornalTri-buna de Alagoas, cuja empresa jornalísticaconta com o que há de mais moderno natecnologia de ponta para a produção dejornal - e segundo especialistas, se o jornalvier a ser efetivamente implantado, seráum dos mais modernos do país. De acordocom dados extra-oficiais, já foram investidoscerca de 7 milhões de dólares no projetoTribuna, algo em torno de 15 bilhões decruzeiros.Ele pretende ainda instalar aTV Tribunae jáprotocolou através de seu irmão, deputadofederal Augusto César Farias, do PRN, juntoà Secretaria Nacional de Comunicação, opedido de 11 canais de rádio para a famíliae "amigos"em Alagoas. Ao mesmo tempoem que pretende lançar o jornalTribunade Alagoas, visa paralelamente articular acandidatura de seu irmão Augusto CésarFarias a prefeito de Maceió, tendo o jornalTribuna como suporte de comunicação.Futuramente, visará influir na eleição paragovernador, tendo seu próprio complexo de

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comunicação e trabalhar pela eleição daspessoas ligadas ao seu grupo político oufamiliar.Tais desejos de PC Farias desencadearamo ataque verbal de PC Mello, contrário àentrada de PC Farias no setor da comunica-ção em Alagoas. A guerra pelo domínio dacomunicação e com isso o fortalecimento dopoder político no estado é a base dessa dis-puta. Esta análise pretende apontar as razõesdos enunciados contidos na reportagem darevistaVeja, que se constitui nocorpusdestetrabalho. Para tanto, parte-se do pressupostode que o não dito do discurso jornalístico empauta aponta mais claramente as razões doque foi dito.

2 Fundamentação teórica

A fundamentação teórica que delimitaráos conceitos deste trabalho terá como basea pressuposição e o subentendimento queaparecem no interior da língua. Tambémserá de extrema importância os elementosda filosofia analítica inglesa, conhecidatambém como a "escola de Oxford", cujosdados são extraídos do trabalho de Ducrot(1977), que utiliza os princípios do implícitoe dos pressupostos para levantar o não ditono discurso.Através do que foi dito é sempre possível sechegar ao não dito, cujas pressuposições eimplicitações estão contidas de forma veladaou camuflada em qualquer discurso.A língua, na concepção de Ducrot (1977-1987), perde o caráter de um simples código,ultrapassando a visão saussuriana, pois elanão é constituída de significados restritose homogêneos; ela não é um instrumentode comunicação fechado. A língua é muitomais do que isso "... ela será considerada

como um jogo, ou melhor, como o esta-belecimento das regras de um jogo que seconfunde com a existência cotidiana", frisaDucrot (1977, p.12).Ele observa que se a língua for aceita comoum simples código, está se admitindo deantemão que todos "...os conteúdos expres-sos graças a ela são exprimidos de maneiraexplicita (...) assim, o que é dito no códigoé totalmente dito, ou não é dito de formaalguma", Ducrot (op. Cit., p.13). O quenão é verdade, pois existe o implícito, quesupera a língua como código. Ele afirmaainda que a língua não é um código, pois"...muitas vezes temos necessidade de, aomesmo tempo, dizer certas coisas, e depoder fazer como se não tivéssemos ditos:de dizê-las, mas de tal forma que possamosrecusar a responsabilidade de tê-las dito".Isso acontece, lembra Ducrot (op. Cit.,p.13), devido ao fato de que em todasociedade, mesmo naquelas tidas comomais liberais ou livres (aparentemente), háum conjunto não negligenciável de tabuslingüísticos. Tabus esses não especifica-mente quanto ao sentido lexicográfico esim devido à existência de temas inteirosproibidos e protegidos por "uma espéciede lei do silêncio (há formas de atividades,sentimentos, acontecimentos, de que não sefala)", aponta Ducrot (op. Cit., p. 13) aoabordar o assunto.Não bastasse isso, ele explica que há paracada locutor, em cada situação particular,diferentes tipos de informação que elenão tem o direito de dar, - não porque hajaalguma proibição no ato de fala e sim porquea atitude seria tida como repreensível. Emrazão disso, justifica Ducrot (op. Cit., p. 15)"...recorre-se para as formas implícitas deexpressão, pois permitem deixar entender

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sem acarretar responsabilidades de ter dito".Toda enunciação explícita ou afirmaçãoexplicitada é aberta e passível de discussões,fazendo com que tudo o que é dito seja pas-sível de contradição, daí o jogo lingüísticoentre os falantes se fazer com o implícito -que não permite uma contestação imediatapor parte dos interlocutores.Para Ducrot (op. Cit., p. 15), existem duascategorias básicas nos procedimentos deimplicitação:a) O "implícito do enunciado", onde olocutor, através do jogo silogístico procuraconstruir um discurso baseado em premissasnem sempre verdadeiras; vez que o locutorpoderá fazer uso de jogos que digam maisrespeito às convenções oratórias do queà lógica. Tais premissas fazem parte daorganização interna do enunciado, o quepara ele consiste em deixar não-expressauma afirmação que é necessária para acompreensão ou a coerência do enunciado,criando assim uma lacuna no encadeamentodas proposições explícitas. Só o destinatárioneste caso, é chamado a preencher a lacuna.b) A outra categoria nominada por Ducrot(op. Cit., p. 16) é o "implícito fundadona enunciação"ou o "subentendido do dis-curso", uma vez que o ato (...) de se tomara palavra não é, com efeito, ao menos nasformas de civilização que conhecemos, nemum ato livre nem um ato gratuito. O atonão é livre pelo fato de que certas condiçõesdevem ser satisfeitas para que se possa tero direito de falar e falar desta ou daquelamaneira". O ato de falar também não égratuito, esclarece Ducrot (op. Cit., p. 16),pois toda fala apresenta-se como ”motivada,como respondendo a certas necessidades ouvisando a certos fins".Por que o sujeito faloucomo falou, quais as suas reais intenções,

quais os pontos objetivos, os subjetivos eintersubjetivos contidos em seu discurso?São indagações que vêm à mente para secompreender a enunciação do sujeito. Quemdisse o quê? Com que intenções? Por quedisse de tal maneira tal coisa? O que nãodisse? São perguntas básicas que necessitamde respostas para quem se dispõe a analisarum discurso.Devido a isso Ducrot (op. Cit., p. 17) citaque "...o implícito não deve ser procuradono nível do enunciado, como um prolon-gamento do nível explícito, mas num nívelmais profundo, como uma condição deexistência do ato de enunciação".Ressalta ainda que todo ato de fala é mo-tivado e que não se fala simplesmente porfalar; sempre existe um interesse em jogo,interesse esse que pode ser do locutor, dodestinatário ou de um terceiro qualquer;razão pela qual deve-se indagar semprequais os motivos que levaram o locutor afalar.Salienta também que em todos os casosou atos de fala existem uma significaçãoimplícita (Si) superposta a uma significaçãoliteral (Sl), assim, o locutor beneficia-se daeficácia da fala e da "inocência do silêncio".Dessa forma, o locutor restringe sua res-ponsabilidade apenas à significação literal(Sl) do enunciado, ficando a significaçãoimplícita (Si), sob a responsabilidade doouvinte.Tal raciocínio também pode ser aplicado noconteúdo dos objetivos dos enunciados, poisneste caso, o lingüista Ducrot (op. Cit., p.20) ressalta que o "implícito é o que os fatosimplicam: ele me disse x: ora, x implica y ;logo, ele me disse y".O implícito também pode aparecer, nocaso dos subentendidos, no próprio ato da

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enunciação, conforme Ducrot (op. Cit.)explica, "neste caso, o implícito que tornoua fala possível: ele me disse x, ora, não sediz x a não ser y; logo ele quis dizer y".Ele observa ainda que o implícito nunca éencontrado e sim reconstituído. Para tanto,é fundamental utilizar-se dos conceitos de"implicitação como manifestação involun-tária", e das "manobras estilísticas", quepermitem ao locutor gerar certas opiniões nodestinatário, sem no entanto correr o risco deformulá-las, "permitem portanto, fazer semter dito", observa Ducrot (op. Cit.). Motivopelo qual, para se compreender um discurso,se faz necessário conhecer os elementosda ”retórica"que dão caráter conotativo aodiscurso.

2.1 Dizer e não dizerPara uma melhor compreensão deste traba-lho - do que foi dito e das intenções dosenunciantes em suas enunciações (que levamao não dito), vale ressaltar o que diz Main-guenau (1989):a) "... é preciso levar em consideração ou-tras dimensões; a AD relaciona-se com tex-tos produzidos:-no quadro de instituições que restringemfortemente a enunciação;-nos quais se cristalizam conflitos históricos,sociais, etc.;-que delimitam um espaço próprio no exte-rior de um interdiscurso limitado".Outra observação é para que se atente aoselementos do discurso, pois a língua não éapenas um instrumento de comunicação, elaé também um poderoso instrumento de do-minação, a serviço de interesses, ideologias,vontades e desejos.Em razão disso, Possenti (1990) lembra que

"O fato de afirmar algo pode, em certas cir-cunstâncias, ser mais relevante (ou tão rele-vante quanto, ou, pelo menos relevante) doque aquilo que se afirma". Tal idéia, segundoPossenti (op. Cit., p. 46), se desdobra emduas outras, fundamentais: os chamados atosde fala (perguntar, prometer, ameaçar, orde-nar e outros), incluindo aí também os ele-mentos formais da língua que são interpre-tados no momento da enunciação (os pro-nomes pessoais, demonstrativos, advérbios eoutros).b) "...a análise do discurso consiste num con-junto de procedimentos cujo objetivo é res-ponder às perguntas: quem fala? a quemfala? o que significa o que se fala".Fatos importantes mencionados tanto porPossenti (op. Cit. p. 46) quanto por Du-crot (op. Cit.) no tocante à enunciação é queela é regrada, ou seja, não é qualquer pessoa,em qualquer sociedade que se pode dizer oque quer que seja.”Na análise do discurso, épreciso levar-se em conta a consideração si-multânea do contexto de ocorrência com aocorrência lingüística"explica Possenti (op.Cit. p. 44). Alerta que certos enunciados po-dem ser gramaticalmente ambíguos, porém,o discurso poderá oferecer condições para asua interpretação unívoca.Afirma que a língua pode não fornecer todasas interpretações do enunciado, pois o con-texto completa, ou os fatores contextuais po-dem também modificar o que se diz, e o con-texto também justifica - porque se disse issoe não aquilo (os fatores externos da língua).Outros fatos discursivos que também reme-tem ao não dito, conforme enumera Possenti(op. Cit. p. 51-2), citando Pêcheux (1983):a) todo sujeito é assujeitado, ou seja, o dis-curso por isso ultrapassa não só a dimensãodo indivíduo como também de sua consciên-

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cia;b) em relação aos falantes, remete à questãoda subjetividade e vigora também a idéia deque o sujeito é uma função - e cita Foucault,explicando que não existe uma unidade in-terna nos discursos - ou seja, ele é disperso;c) outro detalhe é que o discurso "trabalhasob o signo da heterogeneidade", ou seja,"os enunciados de cada discurso têm um per-curso que faz com que carreguem a memóriade outros discursos";d) é ressaltado o efeito polifônico do dis-curso, ele lembra que todos os integranteslingüísticos dos discursos "são atravessadospor muitos outros discursos", oriundos deoutras áreas do saber.Assim, é preciso terem conta a interdisciplinaridade que sempreestá presente no discurso; tendo em vista quepodem ser enunciados elementos comuns àfilosofia, economia, psicologia, religião, di-reito, psicanálise e outras áreas afins.

2.2 Notícias e aparênciasEm razão desses aspectos apontados, tantode caráter interno ou lingüísticos, quantoos elementos externos ao discurso ou extra-lingüísticos, existe a hipótese de que tudoo que é dito traz em si vários discursos ouenunciados não ditos.Tendo em vista que o material analisado éum discurso jornalístico, é importante frisarque os manuais de jornalismo bem como adeontologia da comunicação social pregamque o jornalista ao relatar qualquer fato, sejaatravés de entrevista ou reportagem deveser imparcial, objetivo e expressar sempre averdade dos fatos.O mito da imparcialidade e da objetividadeda imprensa e do jornalista não se sustenta,afirma Rossi (1986, p. 10), pois entre o

fato e a versão que dele publica qualquerveículo de comunicação, há a mediação devários jornalistas - e até da cúpula diretiva daempresa; todos, envolvidos na preparação doproduto notícia, de forma direta ou indireta.No caso em pauta, o primeiro mediadorentre o fato e a versão foi o repórter EduardoOinegue: isso é sabido pois a matéria traza sua assinatura (nome) ou crédito; porémmuitos outros mediadores tiveram acessoao texto primário - ficando difícil saberquais foram, pois os seus nomes não sãoexplicitados no crédito da matéria. Porém,será possível se conhecer o fluxo que qual-quer notícia percorre desde a sua captação,elaboração, diagramação até a edição, dentrode um veículo de comunicação impresso.Antes de mais nada, é importante ressaltarque não existe neutralidade ou objetividadeno "fazer jornalístico", pois "qualquer jor-nalista carrega consigo toda uma formaçãocultural, todo um background pessoal,eventualmente opiniões muito firmes a res-peito do próprio fato testemunhado (...). Érealmente inviável exigir dos jornalistas quedeixem em casa todos esses condicionamen-tos...", ressalta Rossi (op. Cit.), confirmandoa não neutralidade do jornalista.Na busca diária da objetividade jornalística,fato impossível como já foi mencionado, econfirmado por Rossi (op. Cit. p. 12), existea orientação de se ouvir os dois lados ou asduas partes envolvidas no fato. Ao publicaras declarações de um e de outro lado - emtese, o veículo estaria sendo objetivo em sualinha editorial. Na prática, lembra Rossi(op. Cit.), pode ocorrer, e ocorre muito, queum dos lados (ou ambos) minta. O veículoirá publicar em suas páginas uma mentira,"fazendo o leitor raciocinar a partir de dadosfalsos".

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Outra limitação que o jornalista sofre é apauta, geralmente discutida sem a participa-ção do repórter, onde somente os pauteirose editores dos veículos definem o que orepórter vai levantar. Assim, já há umdirecionamento prévio da matéria. Dessaforma, quem coleta as informações e as re-dige ou relata, não participa das discussõessobre o que o veículo vai publicar, comovai publicar, sob que enfoque, tamanho,títulos, estilo de diagramação e outros dadostécnicos.Rossi (op. Cit.) alerta também para aprodução da pauta, que geralmente recebeda empresa o tratamento, a angulação eaté o espaço que o assunto vai merecer:contribuindo para condicionar o repórter aobedecer aos itens solicitados pelos pautei-ros.Por ser um produto da indústria cultural,existem dentro da estrutura da redação eedição de uma notícia verdadeiros labi-rintos, que atuam como filtros da notícia.Iniciando-se pela pauta e passando peloestilo adotado pelos veículos, que atravésde manuais de normas e estilo impõem umasegunda limitação na hora de se escrever umtexto, chegando o filtro até à figura do editor.O repórter tem que escrever de acordo com oManual de Redação e adequar o estilo ao quedeterminam as normas redacionais. Comosão muitas as matérias que chegam aosveículos; das sucursais, dos correspondentesregionais, nacionais ou internacionais, dasagências noticiosas, dos colaboradores, dosarticulistas, dos enviados especiais e dareportagem local, há a necessidade de sefazer os ajustes de texto, estilo e de espaçosdisponíveis, aos padrões dos veículos,função essa atribuída ao copidesque; queirá reescrever os textos para adequá-los às

exigências editoriais contidas nos manuaisou para se obedecer às orientações internasda empresa jornalística.Assim, para Rossi (op. Cit., p. 27) o mate-rial produzido pelo repórter passa por uma”primeira distorção entre o que aconteceu,na visão do repórter, e o que será publicado”.Outros filtros podem ser citados; o editor,que se ocupa da editoria e comanda os seusrepórteres, a chefia de reportagem, quedecide se o enfoque dado pelo repórter é ocorreto ou precisa ser refeito, e, nesse caso,o copidesque é chamado para refazer ouadequar a matéria, podendo com isso omitirinformações tidas como importantes pelorepórter que levantou o material primáriojunto às fontes.O tamanho do texto, se conterá 20, 30 ou70 linhas, bem como o tamanho do título,a forma de diagramação, os destaques quesão dados na hora de se esboçar olayout dapágina do jornal ou da revista; são filtrosvisíveis de informação. O título que atrai efisga o leitor. "É evidente que uma notíciapublicada com um título forte chamará maisa atenção do que outra com título pequeno.E, também nesse caso, o filtro pode serpolítico, jornalístico ou puramente gráfico- ou às vezes, todos ao mesmo tempo”,acrescenta Rossi (op. Cit., p. 43-4).Existe na abertura docorpusda reportagemobjeto deste trabalho um título forte "Dossiêexplosivo” e conotações que remetem às trêsformas de filtros citadas por Rossi. Alémdesses condicionantes, existe ainda a cúpulado veículo, que influi em todo o processo deprodução da notícia, desde a elaboração dapauta até a edição final.Demonstra-se assim que a notícia percorreum tortuoso caminho, desde a sua inclu-são na pauta até ela entrar no processo

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redacional ela passa por uma filtragemsignificativa, e a subjetividade da linguagemfaz-se presente no processo de produçãodo produto notícia dentro das redações,até atingir a sua forma final, quando estarápronta e "embalada” para o consumo.O critério da subjetividade jornalística,ressalta Rossi (op. Cit. p. 42), é na maiorparte dos casos ”...o critério central a influirnas decisões”. Porém, quando o assuntoé muito importante, entra em cena um se-gundo critério muito mais poderoso do queo da subjetividade jornalística: o julgamentopolítico, em função das posições que cadaveículo adota.O critério político, adverte Rossi (op. Cit., p.46) permeia todas a orientações enumeradasanteriormente, pois ele influi de forma pode-rosa na extensão da reportagem ”...tamanhodo título, na colocação da página, na cha-mada (ou ausência dela) na primeira página- e, algumas vezes, até na não publicaçãode uma notícia que contrarie os interessesfundamentais ou a visão sócio-política daempresa”, são fatores de manipulação danotícia.Com isso, percebe-se que a imparcialidade,a objetividade e a veracidade da informaçãoperseguida pelo jornalista e apregoadaspelos veículos de comunicação social éefetivamente um mito.O conceito de objetividade posto em vogaconsiste basicamente em descrever os fatostal como aparecem: é, na realidade, umabandono consciente das interpretações,ou do diálogo da realidade, para extrairdesta apenas o que se evidencia. A com-petência profissional passa a medir-se peloprimor da observação exata e minuciosa dosacontecimentos do dia-a-dia. No entanto,ao privilegiar aparências e reordená-las

num texto, incluindo algumas e suprimindooutras, colocando estas primeiro, aquelasdepois, o jornalista deixa inevitavelmenteinterferir fatores subjetivos. A interferênciada subjetividade, nas escolhas e na ordena-ção, será tanto maior quanto mais objetivoou preso às aparências, o texto pretenda ser,menciona Laje (1982, p. 25).A busca da intenção do discurso pronunci-ado pelos enunciantes visa trazer à tona ospressupostos que o sujeito deixa implícitoou subentendido em sua ação discursiva. Acompreensão do dito e do não dito levantamas pistas sobre o jogo, os interesses, asintenções, ideologias ou valores contidosnum dado discurso, pois, para Laje (op.Cit., p. 99) ”Ao admitirmos a verdade comoatributo, iniciando daí a discussão, partimosda materialidade da coisa ou do enunciadopara sua eventual condição de verdade”,adverte.Em razão disso e de outros fatores é quea realização da análise do discurso exigedo lingüista especial atenção, tendo emvista ainda que a linguagem é o veículo daideologia, conforme explica Lajes (op. Cit.,p.104) ”No código lingüístico, compostode formas, conformidades e conformações,estão reunidas não só as possibilidadessintáticas e morfológicas como tambémsignificações referidas às ideologias e con-cepções do mundo: o que a cultura supõede si mesma em termos políticos, jurídicos,filosóficos, religiosos e morais”.Faz-se necessário ter em mente que a no-tícia tem suas aparências de verdade, masdeixou de sê-la, como foi visto, para serum simulacro da verdade pressuposta comotal; em razão dos critérios subjetivos que aacompanham desde o seu nascimento, nasua coleta e elaboração pelo repórter, os

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jogos de interesses políticos, econômicose sociais que a envolvem, até a sua produ-ção final, como mais um produto para oconsumo do mercado. A notícia passa porum amplo processamento em cadeia, típicoda produção em série na indústria cultural,descaracterizando o fato ou o acontecimentoinicial. A versão do fato estará sempre nolugar do fato, pois o fato é único e irrepetívele a representação do fato é feita através damediação sígnica.Até o fato noticioso chegar ao público, acon-teceram diversas mediações, não somentede responsabilidade direta do jornalista quecoletou e redigiu o texto primário e quemanteve o contato direto junto às fontes.Tais mediações, como foram vistas, sãode responsabilidade do próprio modo deprodução da cultura, uma vez que medeiaa produção de sentidos, conceitos, idéiasou valores que são construídos por meio damediação dos signos lingüísticos.Nesse processo fica difícil caracterizara notícia inicial com a resultante desseafunilamento e após tantas mediações.Inúmeros filtros alteram a matéria ou partesdo seu conteúdo, inclusive as fontes; outrofiltro importante, uma vez que são partesdiretamente interessadas em prestígio,vingança ou outros motivos, observa Rossi(op. Cit.). Por isso, o leitor terá sempre umainformação parcial dos acontecimentos.Devido a tais fatores, Lage (op. Cit., p. 107)ressalta que as notícias são meros relatos deaparências codificadas:a) pelo código semiológico ou lingüístico;b) pelas técnicas de nomeação, ordenação;c) por um estilo.Somente após serem obe-decidas estas três etapas ou ordens básicasde restrições ao elenco de possibilidadesdo enunciado jornalístico, a ”verdade” se

apresenta como conformidade do texto como acontecimento aparente. Essa conformi-dade, supostamente qualifica o jornalistacomo correto, enfatiza Laje (op. Cit.). O quevem a confirmar a falsa noção de objetivi-dade, derrubando o mito da imparcialidadejornalística.

2.3 Desejo e poder no discursoAs pressões num veículo de comunicaçãosão muitas e muito grandes, pois o jogo dopoder, do interesse político, econômico e ocontrole ideológico são sentidos de formaclara pelos profissionais de comunicação,que lutam para divulgar os fatos, porém,seus textos, quando publicados, são pasteuri-zados ao extremo, e, no final, não raramente,o público terá uma tênue informação sobre ofato. Muitas vezes, o que é dito tem poucosignificado. O sentido do discurso, emmuitos casos, está no não dito, ou seja, nasentrelinhas, nos pressupostos e subentendi-dos. No que não foi divulgado ou no queestá implícito nas matérias jornalísticas."Dados os fatos, porém, pode-se inverter osentido do texto jornalístico. Uma palavra,uma nota podem evidenciar com clarezatudo o que se quer esconder”, acentua Laje(op. Cit., p. 111). Por isso, faz-se necessáriobuscar-se os significados ou sentidos implí-citos.Laje (op. Cit.) observa ainda que nos veí-culos de comunicação, geralmente”...estáa verdade da censura e do liberalismo,da dominação e da independência. Hácorrupção, medo e esperança nos jornais,mas eles não são feitos com tais substân-cias, fazem-se com relatos imperfeitos deacontecimentos...”.

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Percebe-se que”A imparcialidade, a ob-jetividade e a veracidade nos veículos decomunicação efetivamente são mitos (...)só os ingênuos acreditam que não têminteresses capazes de levá-los a deturpar osfatos”, frisa Laje (op. Cit.), ao contestar aimparcialidade discursiva.Ele afirma ainda que existem dois gênerosde verdade que devem ser considerados nasnotícias. Uma verdade está no acordo íntimoentre o que está sendo narrado e o que defato ocorreu. Outra verdade está colocadano paradigma da escolha das palavras,da ordem e seleção dos acontecimentos- dos vazios existentes entre uma e outrainformação e das sugestões que se deixamao consumidor das notícias sobre comopreenchê-los - é a verdade como adequaçãohistórica, e aí aparecem os pressupostos e ossubentendidos mencionados por Ducrot (op.Cit.) ao longo deste trabalho.Nem tudo o que se fala ou se escreve é ouestá no verdadeiro. A língua, além de serum instrumento de comunicação também éinstrumento de dominação. O enunciante,em muitos casos não diz a verdade emrazão de tabus, proibições, rituais, sele-ção do sujeito (processo de exclusão), daenunciação (divisão e rejeição), da oposiçãoentre o falso e o verdadeiro - que são dadosexteriores ao discurso.Devido a tais fatos, a análise do discursofornece instrumentais para o lingüista tentardesvendar no jogo lingüístico qual a realintenção do que foi dito, e o que não foidito pelo sujeito, como observa Fraga Rocco(1989, p. 72).O tratamento da linguagem em função, emação, a AD irá contemplar os contextossituacionais e as condições de produção doverbal - em razão do que seus domínios

terão que necessariamente trabalhar coma argumentatividade da linguagem, comas funções sociais da linguagem, com osníveis de pressuposições (implicações esubentendidos), com a enunciação, seusproblemas de polifonia e recortes, com apragmática e a semântica, com o diálogo ecom os atos de linguagem.Foucault (op. Cit., p. 5) por sua vez afirmaque dos três grandes sistemas de exclusãoque marcam o discurso: a palavra proibida,a divisão da loucura e a vontade de verdade,é justamente este último, a vontade deverdade, o mais importante. Tais sistemas deexclusão se exercem do exterior, acrescenta,e referem-se à parte do discurso que põe emjogo o desejo e o poder.É Foucault (op. Cit., p. 2) quem afirma que:Numa sociedade como a nossa, conhecem-seseguramente, os processos de exclusão. Omais evidente, o mais familiar, também, éa proibição. Sabe-se bem que não se temo direito de dizer tudo, que não se podefazer de tudo em qualquer circunstância, quenão importa quem, não pode falar de nãoimporta o quê.Nem tudo pode ser falado, nem tudo éfalado, muitas coisas não podem ser ditase muitas vezes se faz o contrário do quese diz. Dessa forma, a verdade ou a realintenção do sujeito não é explicitada, poisvai contra os interesses, os desejos e aideologia dominante, razão pela qual semprese deve ter em mente, frente a qualquerdiscurso, a presença da subjetividade e dosprocessos de exclusão.

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3 A reportagem

Os dados do discurso jornalístico ondeprocura-se buscar o não dito é a reporta-gem intitulada "Dossiê explosivo", elaboradapelo jornalista Eduardo Oinegue, veiculadana edição 1.222 da revistaVeja, número 8,ano 25, inserida às páginas 24 e 25, datadade 11.02.92. Nela, o empresário Pedro Col-lor de Mello, superintendente daOrganiza-ção Arnon de Mello, ataca o empresário e ex-tesoureiro das campanhas de Fernando Col-lor, Paulo César Farias, o PC Farias.O fato básico que gerou os desentendimen-tos está na implantação, em Maceió, do jor-nal Tribuna de Alagoas, pela família de PCFarias, que visa dessa forma ampliar o seupoder de influência na política alagoana, efuturamente pretende implantar também es-tações de rádio e tevê - competindo direta-mente com as empresas de comunicação dafamília Collor.

3.1 O ditoO dito no enunciado da reportagem é o se-guinte:

AlagoasDossiê explosivo

Para o irmão mais novo do presidente, PCFarias é uma ”lepra ambulante” cujos negó-cios podem provocar o impeachment de Col-lor.

Eduardo Oinegue

Três anos mais novo e 4 centímetros maisbaixo que Fernando Collor, o irmão caçulaPedro Collor de Mello, 39 anos, também

tem em comum com o presidente o tempe-ramento explosivo. Pedro prefere ser cha-mado pelo sobrenome do pai, Mello, e nãoCollor, da mãe, como o presidente fazia atétrocar a assinatura por sugestão de um nu-merólogo. Ao contrário de Fernando Col-lor, Pedro Mello detesta gravatas e não gostade uísque importado. Sua bebida preferidaé vodca nacional. Fernando usa umLincolmimportado para se deslocar por Brasília e Pe-dro anda num Santana, modelo antigo, nasruas de Maceió. Outra diferença entre osirmãos se refere ao empresário Paulo CésarFarias, o PC Farias, tesoureiro da campanhapresidencial. Fernando é amigo de PC. Pe-dro e PC se detestam.O irmão caçula só chama o empresário PCFarias de ”Lepra Ambulante”. Ao referir-se a Pedro, PC também não é amistoso.”Aquele moleque tem uma inteligência dessetamaninho e toma doses de vodca desse ta-manhão”, diz, afastando o polegar e o indi-cador ao máximo. O que faz o conflito da Le-pra Ambulante e do Moleque da Vodca atra-vessar as fronteiras da República e ingressarem Brasília é um dossiê que Pedro Collortem em suas mãos. Ele passou os últimosdois anos reunindo uma gorda documentaçãocontra seu rival.A parte mais explosiva do pacote são três fi-tas cassete de gravador, nas quais Pedro Col-lor relata operações financeiras irregularespromovidas por Lepra Ambulante. Há trêscópias do dossiê PC, uma das quais guardadanum cofre. As outras duas foram entregues apessoas de confiança de Pedro.Ao detalhar as estrepolias de PC, o dossiêatinge também amigos de Lepra Ambulante."Se esse material se tornasse público, o im-peachment poderia ocorrer em 72 horas",disse o irmão mais novo de Collor ao entre-

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gar o dossiê a um de seus amigos depositá-rios. Pedro se referia à possibilidade de cas-sação de seu irmão, medida que legalmentesó pode ocorrer em caso de crime contra aConstituição. O caçula não considera que opresidente esteja diretamente envolvido emnenhuma falcatrua de PC, mas teme que o ir-mão possa ser incriminado por seu tesoureirode campanha."Liga aí” - Lepra e Moleque têm um cau-daloso passivo de desavenças. A penúltimase refere ao lançamento, em Maceió, do jor-nal Tribuna de Alagoas, com o qual PC Fa-rias pretendia tomar posse de uma fatia dolatifúndio da família Collor de Mello na áreade comunicações. Encarregado de adminis-trar os negócios da família, o irmão Pedromovimentou-se pelos bastidores de Brasíliae Maceió e colheu alguns frutos; o lança-mento do jornal, prometido para o início dejaneiro, foi adiado para o final do mês, e aca-bou não acontecendo. O próximo prazo éabril. A última querela envolve a campa-nha municipal. Na semana passada, o de-putado Augusto Farias, irmão de PC, lan-çou sua candidatura para a prefeitura de Ma-ceió, Numa conversa com o candidato, Pe-dro Collor disse o que pensa a respeito dasduas desavenças:”Não aceito que vocês te-nham qualquer rádio ou televisão em Ma-ceió e também não admitirei a candidaturaFarias à prefeitura".No início do ano, irado com as deambulaçõesde Lepra pelos corredores do mundo das ver-bas públicas, Pedro Collor almoçou com opresidente e cobrou uma manifestação con-tra a candidatura do irmão de PC em Maceiópara, dessa maneira, desvincular seu nomedos negócios do tesoureiro."Em política acoisa não funciona bem assim", disse Fer-nando Collor,”mas já estou mandando meus

sinais”. O encontro marcou uma reconcilia-ção. Os dois irmãos passaram meses sem sefalar. Agora, trocam telefonemas pelo me-nos uma vez por semana. O caçula tambémpassou uma temporada tensa com o primo-gênito, o empresário Leopoldo Collor. Pe-dro Collor tentou realizar negócios em SãoPaulo, área do primeiro-irmão, e chocou-secom Leopoldo. Agora, estão pacificados.À frente das empresas, Pedro Collor querexpandir seus investimentos. A dificuldadepara a expansão é o Lepra. Abrindo um jor-nal em Alagoas, PC ameaça enfraquecer afortaleza do grupo Arnon de Mello em seuestado natal, onde reina desde 1943. Surpre-endido pelo concorrente, Pedro Collor resol-veu ir à luta com uma idéia exótica - man-ter o jornal do adversário sob o controle deuma eminência parda até dezembro de 1994,quando termina o mandato presidencial deCollor.No mês passado, o caçula teve duas conver-sas com PC em Brasília. O primeiro encon-tro não deu em nada. No segundo, a conversafoi mais produtiva. Mas o Moleque irritou-sequando a Lepra Ambulante resolveu dar umademonstração de seu prestígio pessoal juntoao presidente.”Eu já falei com o Fernando sobre esse as-sunto”, disse PC. Pedro enfrentou o interlo-cutor levantando o fone do gancho. "Liga aí,PC, fala com ele”, desafiou o irmão caçula."Eu já combinei com o Fernando que se vocêusasse o nome dele na conversa eu iria man-dar você telefonar para o Planalto na minhafrente”. PC não fez a ligação. A cena tevecomo testemunha o secretário particular deCollor, Cláudio Vieira, responsável por umtipo de gasto que interessa de perto a em-presários de comunicação - verbas publici-tárias do governo federal. Apesar do desafio,

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a reunião encerrou-se com o esboço de umacordo. Casochegue às bancas, a Tribuna deAlagoas terá, em sua direção, um amigo dafamília Collor.Sucessor de Fernando Collor na gerência dosnegócios da família, Pedro gasta doze horasdo seu dia para administrar a OrganizaçãoArnon de Mello, um império regional queenvolve uma estação de TV (retransmissorada Rede Globo), um jornal e três rádios. Seumaior mérito empresarial até agora foi retirara Gazeta de Alagoas do vermelho.Hoje, o grupo fatura 12 milhões de dólarespor ano, dos quais 3,6 milhões são geradospelo jornal. A Gazeta nem de longe é umfenômeno editorial. Dona da maior circula-ção do Estado, tem como principal rival umjornaleco, o Jornal de Alagoas, cuja tiragemnão ultrapassa os 2000 exemplares nos diasde semana. A Gazeta vende 12.000.Em sua linha editorial, o jornal dos Collornão é uma publicação chapa-branca. Fezreportagens sobre o escândalo da LBA du-rante a gestão da primeira-dama Rosane, so-bre a corrupção no Ministério da Saúde deAlceni Guerra e na semana passada, divul-gou denúncias a respeito da venda de umausina do ministro da Ação Social RicardoFiúza."Não quero ser acusado de acobertarirregularidades para proteger o presidente”,justifica-se o empresário. O sobrenome dosproprietários talvez tenha sido um fator de-cisivo para o sucesso da Gazeta nos últimosdois anos. Metade do faturamento do jornalé levantado junto a empresas e agências depublicidade no eixo Rio-São Paulo - aindaque encontrar nas bancas um exemplar de AGazeta de Alagoas nessas cidades seja maisdifícil do que comprar a edição mais recentedo japonês Asahi Shimbum.

3.2 Fatos que remetem ao nãodito

Para se compreender os sentidos dos enunci-ados, é preciso se fazer a leitura contrastiva,pois o discurso quer dizer isso e não aquilo,tendo em vista as implicitações discursivas.Também, faz-se necessário saber quem é osujeito, a que classe pertence, os valores quedefende e de que lado político-ideológicoele está. São dados que remetem ao nãodito.Quem fala? A quem fala? O que significao que se fala? Por que se fala? Como fala?Quem ouve? Através de quais instituições odiscurso é feito ou justificado?As pistas que induzem ao não dito são dadaspela coesão léxica, pelo jogo semântico,a presença e a forma de utilização dosoperadores argumentativos -mas, embora,poréme outros, que indicam quais as noçõessão aceitas e quais são as rejeitadas. O usoda paráfrase, das metáforas, dos dêiticos edas marcas da subjetividade, bem como asformas de utilização dos verbos num dadodiscurso, assim como os tempos verbaisempregados, contribuem para uma compre-ensão melhor das intenções implícitas nodiscurso.No caso em questão, quem fala, o sujeito dodiscurso é o repórter Eduardo Oinegue, quecita Pedro Collor de Mello e publica versõesdo ocorrido entre PC Mello e PC Farias.Quais são as funções que o sujeito assumeao falar? A de jornalista? Ou de porta-vozde um dos entrevistados? Fala como umcrítico social neutro? Ele dá pistas no seutexto sobre as intenções e desejos implícitosde ambas as partes citadas na reportagem.Quais são as condições de quem fala? Osinteresses, a existência ou não de compro-

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missos do repórter para com uma das fontes?São fatos que remetem ao não dito.A quem fala: o jornalista fala a um públicoleitor específico, constituído pela elite nacio-nal, pois o veículo por ele utilizado, a revistaVeja,é a de maior circulação nacional, comuma tiragem de 980 mil exemplares porsemana, e cuja circulação semanal é deaproximadamente 860 mil exemplares.O que significa o que se fala: a princípio osignificado do que se fala tem um caráterjornalístico de denúncia, pois traz informa-ções sobre a provável existência de negóciosfinanceiros irregulares praticados por PC Fa-rias, usando o nome do presidente FernandoCollor, e que poderão comprometer o pre-sidente da República; porém, analisando-secom mais atenção existe implicitamente umforte recado de Pedro Collor a PC Fariaspara que este desista da implantação dojornalTribuna de Alagoas.Os enunciados atribuídos a Pedro Collorde Mello são ameaçadores contra PC Fa-rias, que sustenta ter fitas cassete cujosconteúdos, se tornados públicos, poderiamprovocar a cassação do presidente. Taisdeclaração, feitas pelo irmão mais novo dopresidente, têm um valor implícito significa-tivo, pois não é uma pessoa qualquer quemafirma ter documentos que poderão gerar aqueda do presidente da República, é o seupróprio irmão.Devido a isso, faz-se necessário buscaros pressupostos e os subentendidos quepermeiam a formação discursiva em análise,em razão dos desejos, dos interesses e dadisputa pelo poder em Alagoas, na área decomunicação, implícitos na reportagem.

4 O não dito

O que não foi dito na reportagem ”Dossiêexplosivo” ou o que efetivamente se podesubentender ou pressupor, de acordo comDucrot (op. Cit.) nos elementos discursivoscontidos na matéria analisada:

1o. Enunciado

Significação literal: "Lepra Ambulante"

Significação implícita:”Lepra Ambulante”, PC Mello amplia

o campo semântico e seus significadosou sentidos, podendo ter tido a intençãode nominar o concorrente de mal caráter,corrupto contagioso, elemento pernicioso,visando desqualificá-lo como pessoa e comoempresário.

2o. Enunciado

Significação literal:"Aquele moleque temuma inteligência desse tamaninho e tomadoses de vodca desse tamanhão”.

Significação implícita:PC Farias deixa implícito aos leitores da

revista Veja que PC Melo tem uma inteli-gência limitada, ao fazer uso do adjetivona forma diminutiva (tamaninho). Alémde limitado intelectualmente, o chama demoleque, remetendo o significado para ocampo semântico conotativo de ”infante”,ou de pessoa que toma atitudes infantisou inconseqüentes. Constrói também osentido de alcoólatra, atribuindo ao irmãodo presidente da República o fato dele tomardoses muito grande de vodca. Seu discursodeixa subentender que Pedro Collor é um

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”moleque beberrão”. Vejamos como PCFarias constrói silogisticamente a imagemde PC Mello e conclui que ele é alcoólatra:PC Melo toma bebida alcoólica (vodca).Toma doses elevadas. Ora, quem toma doseselevadas de bebida alcoólica é, portanto,alcoólatra.

3o. Enunciado

Significação literal:"Se esse material setornasse público, o impeachment poderiaocorrer em 72 horas".

Significação implícita:A afirmação pode ser interpretada como

sendo uma ameaça concreta contra seupróprio irmão (presidente Collor), forçandoassim que o presidente reduza o ”campo deação” de PC Farias. Elaborando-se outraleitura, pode ser entendido também comoum blefe, pois o enunciado está no condici-onal ”...se tornasse... poderia...”. Funcionatambém como um aviso a PC Farias, paraque ele desista de ser concorrente da famíliaCollor na área de comunicação no estadode Alagoas, pois, em sendo verdadeira aexistência de tais documentos comprome-tedores, PC Mello pode divulgar algumaspartes das fitas ou demais documentos quetenha em seu poder. Tal possibilidade estáimplícita no enunciado, dada a construçãofrástica no condicional.Ao tempo que afirma ter documentoscomprometedores contra PC Farias, PedroCollor aumenta as suas chances de impedira circulação da Tribuna de Alagoas, casoPC Farias tenha realmente envolvimento emnegócios nebulosos.

4o. Enunciado

Significação literal: ”Não aceito quevocês tenham qualquer rádio ou televisãoem Maceió e também não admitirei a candi-datura Farias à prefeitura".

Significação implícita:O sujeito enunciante usa o verbo no modo

indicativo afirmando com determinação ecerteza”...Não aceito... não admitirei...”.Com isso, demonstra implicitamente terpoder ou poderes de fazer cumprir suasameaças. Deixa implícito que”Eu sou opoder, sou o irmão do presidente e dou ascartas em Alagoas. Aqui quem manda soueu, e não aceito dividir o poder com osFarias” . Também deixa subentendido quea família Farias não terá as concessões quepretende para instalar emissoras de rádio etelevisão no estado.

5o. Enunciado

Significação literal: "Em política a coisanão funciona bem assim...mas já estoumandando meus sinais”, disse FernandoCollor.

Significação implícita:O presidente da República reconhece ao

irmão que não tem poderes totais sobre PCFarias, talvez em razão de favores ou acertospolítico-financeiros existentes na relaçãodele, presidente, com o seu ex-tesoureiro decampanha. Ele não quer entrar em choquecom o homem que abasteceu de dinheiroas suas campanhas para governador deAlagoas e presidente da República, tendoem vista que, por trás disso tudo existemfatos e assuntos que não podem ser ditos ou

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tornados públicos.Mas, mesmo assim, ele, presidente, vaitentar dar um jeito. A conjunção ”mas”designa no contexto restrição, oposição - opresidente se compromete a fazer algumasrestrições para PC Farias não lançar umirmão à prefeitura de Maceió.Outras pressuposições podem ser levantadasno enunciado, como por exemplo a de que"Em política as coisas são diferentes, têmcoisas que não podem ser ditas”. Pode-sepropor também outras interpretações nadireção dos seguintes sentidos "Devo muitoao PC, por isso não tenho como opor-me aele”, ou ainda, "Tentarei dissuadi-lo da idéiada Tribuna de Alagoase da candidaturado irmão, porém, Pedro, tenha calma, poisnão posso me expor e nem me desentendercom o PC", são alguns dos pressupostosdiscursivos deste enunciado.

6o. Enunciado

Significação literal: "Liga aí, PC, falacom ele... Eu já combinei com o Fernandoque se você usasse o nome dele na conversaeu iria mandar você telefonar para o Pla-nalto na minha frente".

Significação implícita:O enunciado ordena, pois está na forma

imperativa e determina que PC tome uma ati-tude imediatamente. É uma ordem visandoprovar que PC não tem mais tanto prestígiojunto ao governo central - e isso foi previ-amente combinado entre Fernando e PedroCollor para desmascarar PC Farias.

PC Mello ordenou que PC Farias demons-trasse naquele momento seu livre acesso aopresidente e que comprovasse realmente quehouvera tratado com o presidente o assunto

que estava sendo discutido naquele momentoentre ambos. Segundo o texto, PC não ligou,deixando mais uma vez subentender que eleestava mesmo usando indevidamente o nomedo presidente em seus negócios.

A partir do momento em que PC Fa-rias não ligou, ficou implícito que ”eleefetivamente usa o nome do presidenteem suas transações particulares e que nãopossui mais o prestígio que diz ter junto aoPlanalto”, pois não ligou ao presidente noinstante em que foi desafiado e ordenadopelo empresário PC Mello.

7o. Enunciado

Significação literal: ”Não quero seracusado de acobertar irregularidades paraproteger o presidente”.

Significação implícita:Neste enunciado PC Mello se contradiz,

pois diz uma coisa e faz outra, tendo emvista que ele já estava claramente aco-bertando irregularidades para proteger opresidente. É o que o texto mostra. Veja-seo enunciado 3, onde ele afirma ter em mãosmaterial (as 3 fitas cassete denunciando asirregularidades de PC Farias que envolvemo nome do presidente), que se tornadaspúblicas provocariam a queda de Collor.Eis aí um material jornalístico de grandeimportância, que ele deveria veicular emsua empresa de comunicação, já que afirmanão acobertar nenhuma irregularidade paraproteger o irmão-presidente.A prova de que está acobertando irregu-laridades é a própria reportagem "Dossiêexplosivo”, onde os fatos denunciados sãoatribuídos a ele - Pedro Collor de Mello.Caso ele não quisesse ser acusado de es-

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conder irregularidades do governo Collor,porque não divulgou os conteúdos das 3 fitasque disse ter?A análise dos enunciados atribuídos no textoa PC Mello e PC Farias demonstra que odesentendimento entre ambos foi geradopelo desejo de manter e ampliar o poder emAlagoas, tendo como instrumento principalpara se atingir tais objetivos o domíniodos meios de comunicação no estado. Éisso o que Pedro Collor não aceita, poiso poder político e os principais meios decomunicação no estado estão nas mãos dafamília Collor, e tal hegemonia, segundoPC Mello, é intocável. Isso Pedro Collornão deixou claro no dito, mas está no nãodito, nos subentendidos ou nas entrelinhasdo texto em análise.Na luta pela manutenção da hegemonia nosetor de comunicação PC Mello afirma in-clusive ter poderes para impedir a concessãode emissoras de rádio e televisão para afamília de PC Farias, esse dado está no nãodito do discurso por ele enunciado.Para atingir os seus objetivos de manutençãodo poder, PC Mello, de acordo com o textojornalístico, ameaça, chantageia e enviarecados tanto para PC Farias quanto ao seuirmão-presidente. Ao insinuar que possuifitas gravadas que provam o envolvimentode PC Farias em atos financeiros ilegais eque talvez, tais atos possam atingir FernandoCollor, provocando até a sua cassação. Paranão divulgar tais documentos, Pedro Collorde Mello quer em troca a ”cabeça” de PCFarias.Algumas considerações adicionais sãopertinentes sobre as intenções discursivasproduzidas tanto por Pedro Collor de Melloquanto por Paulo César Farias, conformea matéria publicada pelo repórter Eduardo

Oinegue - o sujeito no discurso jornalísticoanalisado que mediou as enunciações.Considerações essas tanto de caráter obje-tivo quanto subjetivo, que necessitam serobservadas tendo-se em vista não existir omito da imparcialidade e da objetividade nofazer jornalístico.

1. O repórter Eduardo Oinegue não foi oúnico mediador dos fatos discursivos,pois entre a captação, a redação, a di-agramação e a edição do texto jornalís-tico, outras pessoas autuaram e manipu-laram o material produzido;

2. Há dúvidas quanto ao contato do repór-ter com as fontes primárias, Pedro Col-lor e PC Farias. Pelo texto jornalís-tico produzido e levando-se em contao tipo de articulação textual, fica evi-dente que ele não esteve em nenhummomento com as fontes - apenas atribuios enunciados aos personagens citados.Como não teve acesso direto às fontes erecebeu as informações de terceiros, di-vulgou versões, já que não teve acessodireto aos fatos;

3. Outro detalhe que deixa dúvidas sobrea ausência do repórter com as fontes, éo fato de que o repórter, autor e sujeitoda versão sobre o ”Dossiê explosivo”, éque, em encontros onde estão em jogoassuntos de natureza tão grave, os en-volvidos não permitiriam que jornalis-tas tivessem acesso ao encontro; nota-damente quando os temas tratados estãodiretamente ligados ao poder. Não dei-xariam ter um repórter testemunhando;

4. No texto, não está claro onde se deuo encontro entre Pedro Collor e o pre-

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sidente Fernando Collor, porém, ondequer que tenha sido, dificilmente algumjornalista teria acesso a tal encontro;

5. Evidencia-se que o repórter recebeu asinformações de fontes secundárias, poiscomo foi dito antes, em encontros en-volvendo Pedro Collor, Paulo César Fa-rias, Cláudio Vieira e Fernando Collor,para ser tratado de um caso explosivo,um jornalista a serviço daVeja ou deoutro veículo de comunicação não teriaacesso;

6. As fontes secundárias que passaram asinformações ao repórter são todas deconfiança? São ligadas a que grupo?Defendem os interesses de qual grupojunto ao poder? Não estariam fazendoo jogo de um dos lados para prejudicaro outro lado? Passaram as informaçõescom absoluta fidelidade? Essas e outrasindagações ficam sem respostas.

7. Como o repórter não participou dos en-contros relatados, pois todos os enun-ciados são introduzidos no texto entreaspas, não teria havido a ”plantação denotícias”, visando favorecer Pedro Col-lor e ao mesmo tempo tendo sido umrecado a PC Farias?

8. A matéria é favorável a PC Mello, desdeo título, o subtítulo e a prioridade dafoto. Na referida reportagem, está im-plícita um forte recado de Pedro Collor,através da revista de maior circulaçãonacional, a PC Farias e seus amigos deque não tinham mais o apoio e o aval do”poder” para realizar seus negócios;

9. Ao se fazer a análise semântica, detecta-se no discurso uma carga emotiva muito

forte por parte de PC Mello, atravésdos signos lingüísticos por ele utilizado.Também numa análise semiótica nota-se que a foto principal, que abre a maté-ria, prioriza Pedro Collor, onde ele apa-rece com o punho direito cerrado sobrea mesa, os cenhos franzidos, demons-trando sinal de irritação, raiva. A ima-gem de punho fechado, prestes a esmur-rar a mesa do escritório daTV Gazeta,(e o adversário PC Farias) abre o texto.Ao fundo da imagem, aparece em se-gundo plano, a logomarca da empresaGazeta de Alagoas, cuja marca repre-senta a força e o poder da família Collor.

A foto tem um valor fotojornalístico esemiótico importante, e produz um sen-tido forte, explicitando um desafio e umúltimo aviso ao seu adversário e ini-migo PC Farias. Tanto o título quanto osubtítulo, bem como as fotos de PedroCollor, Leopoldo Collor e Rosane Col-lor, que ilustram o texto, se articulamde forma metalingüística, apontando opoder da família do presidente no es-tado de Alagoas. A morfologia, a es-trutura da paginação e da diagramaçãoda reportagem deixam subentender quea ”família” do político mais importantedo país (o presidente da República), es-taria unida para isolar a ”Lepra Ambu-lante”, que poderia causar oimpeach-mentdo presidente, e com isso a perdado poder.

10. A matéria não é de responsabilidadeeditorial da revistaVeja, e sim do au-tor, jornalista Eduardo Oinegue, pois otexto traz a sua assinatura. Em razãodisso, outras perguntas podem ser fei-tas: Será que pela disputa do poder e

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pelo controle da comunicação em Ala-goas, uma das partes não estaria usandodireta ou indiretamente o jornalista paraatingir seu objetivo? Mesmo sem du-vidar da seriedade profissional do re-pórter, isso é perfeitamente possível deocorrer, e ocorre, na luta pelo poder eno meio jornalístico:

11. Dos oito enunciados atribuídos às fon-tes, seis deles partiram ou privilegiaramPedro Collor de Mello (incluindo aí umatribuído ao seu irmão-presidente), en-quanto que somente dois enunciados fo-ram atribuídos a Paulo César Farias.Estatisticamente, nota-se que 75% dosenunciados foram de PC Mello, en-quanto que 25% dos enunciados restan-tes foram creditados a PC Farias. O dis-curso jornalístico nessa análise quanti-tativa prova que o texto foi elaboradode forma a favorecer Pedro Collor deMello:

12. Os enunciados atribuídos a Pedro Col-lor de Mello são redundantes e se re-petem ao longo do texto, num esforçode tornar-se claro e de fazer-se entenderpelo público leitor; constata-se a pre-sença da paráfrase, pois o texto é ex-pandido em torno de um único tema emquestão, para dar mais clareza aos fatos.

5 Conclusão

Foi visto que toda enunciação carregaum forte caráter ideológico, tendo portrás como elementos básicos o poder e odesejo, porém, tais intenções não são ditasexplicitamente, havendo a necessidade de sebuscar o sentido oculto dos enunciados de

um dado discurso, que por ser polissêmico,polifônico e constituído de subentendidos epressuposições, muitas vezes a intenção realdo enunciante não está no que foi dito e simno não dito.Foucault (op. Cit., p. 2) lembra que nemtudo pode ser dito e que a enunciação estámarcada por uma ampla rede de significa-ções, proibições, interesses e desejos porparte do sujeito, e afirma que:Apesar de o discurso parecer ser poucacoisa, as proibições que o atingem revelammuito cedo, muito depressa sua ligação como desejo e o poder. O espantoso está emque o discurso - a psicanálise nô-lo mostrou- não é simplesmente o que manifesta (ouencobre) o desejo; é também o que é objetodo desejo; e em que o discurso - isso ahistória não cessa de nô-lo ensinar - nãoé simplesmente o que traduz as lutas ouos sistemas de dominação, mas o porquê,aquilo pelo que se luta, o poder cuja possese procura.Assim, é possível compreender que, mesmoem razão das proibições impostas aosenunciantes Pedro Collor de Mello e PauloCésar Farias, por estarem ligados ao poder(presidente Collor), seus enunciados estãocarregados de intenções e desejos, notada-mente os atos de fala atribuídos a PedroCollor. Ao se fazer a leitura do não dito emDucrot (op. Cit.), é possível se detectar osdesejos de poder implícitos nos enunciadosde Pedro Collor.A princípio pode parecer que a verdadeiraintenção do discurso jornalístico analisadoestaria no que foi dito, mas, após a análise,percebe-se que a importância central dotexto veiculado pela revistaVejaestá no nãodito.É Politzer (s. d., p. 80) quem observa que

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a contradição das idéias é apenas uma dasformas da contradição: por ser a contradiçãouma realidade objetiva, presente em todoo mundo, é que se encontra, também, no”sujeito”, que ela se encontra no homem(que faz parte do mundo). Todo processo(natural ou social) explica-se pela contra-dição. Essa contradição subsiste, enquantodura o processo: existe, ainda que não sejamanifestada.Sabe-se que, quando o sujeito afirma, o dito,é preciso buscar-se o que ele está negandoou deixando de dizer, o não dito; para sedetectar suas reais intenções discursivas eobjetivas.Como foi mostrado, o mito da imparciali-dade, da objetividade e da veracidade totalnão existe não ação humana, e por extensãono discurso jornalístico, razão pela qual ofazer jornalístico está condicionado a todosos tipos de interesses e manipulações, pois”só os ingênuos acreditam que não têminteresses capazes de levá-los (os meios decomunicação e também os jornalistas) adeturpar os fatos” adverte Laje (op. Cit. p.111). Devido a isso, em todo discurso jor-nalístico há a necessidade de se interpretartambém o não dito.Compreende-se que o não dito tem um valorigual ou até mesmo maior do que o dito, emrazão dos interesses envolvidos e que porisso mesmo não são explicitados, ficandodessa forma nos implícitos discursivos.Apreende-se ainda que a subjetividade per-meia todos os discursos e que o ocultamentodos fatos pelo enunciante, o porquê eleenuncia dessa ou daquela maneira deve serbuscado no não dito, ou seja, no campo doextralingüístico, no contexto sócio-histórico.No caso analisado, Pedro Collor deixaimplícita a sua vontade de mais poder e

o desejo de manutenção do monopólio dacomunicação em Alagoasad infinitum. Taisfatos estão nos pressupostos de implicitaçãodiscursiva, no não dito.Espero ter demonstrado neste trabalho queas intenções implícitas de poder e desejotanto de PC Mello quanto de PC Farias,tendo como tema central o domínio dosetor de comunicação em Alagoas foramos fatores que desencadearam a reportagem"Dossiê explosivo”.Ao final, conclui-se que nenhum discurso éneutro e que as conseqüências dos enuncia-dos de Pedro Collor na reportagem "Dossiêexplosivo” abalaram a estrutura do poder. Oprojeto de lançamento do jornalTribuna deAlagoasfoi efetivamente adiado por tempoindeterminado pelo empresário PC Fariase família, no dia 10 de abril de 1992 e osdesdobramentos políticos e institucionaiscontinuaram, aprofundando ainda mais acrise no governo Collor, quando seu irmão,Pedro Collor, resolveu divulgar, tambématravés da revistaVeja, na segunda ediçãodo mês de abril de 1992, a rede de empresasque PC Farias teria montado no exterior,comprovando seu enriquecimento rápido eilícito.Entendo também que esta análise não estáesgotada e que não foram levantados todosos elementos lingüísticos que o texto jor-nalístico permite, em razão das limitaçõesde tempo e espaço que nos impossibilitamo aprofundamento deste trabalho. Porém,creio ter levantado algumas pistas de im-plicitações e subentendidos existentes nodiscurso jornalístico, permitindo, com isso,futuras reflexões sobre o assunto, tanto porparte dos alunos quanto dos profissionaisde comunicação e áreas conexas, sobrea importância da linguagem e a disputa

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de poder que acontece na sociedade, tendocomo elemento mediador o signo lingüístico.

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