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ANÁLISE DE VARIÁVEIS BIOPSICOSSOCIAIS RELACIONADAS AO DESMAME PRECOCE 1 Karina Camillo Carrascoza 2 Universidade Estadual de Campinas Áderson Luiz Costa Júnior Universidade de Brasília Gláucia Maria Bovi Ambrozano Antônio Bento Alves de Moraes Universidade Estadual de Campinas Resumo: O objetivo deste estudo foi identificar alguns fatores que influenciam a ocorrência do desmame precoce, incluindo uma avaliação da influência do estresse vivenciado pela mãe na interrupção da amamentação natural. O estudo envolveu 40 mães cujos filhos eram atendidos pelo Centro de Pesquisa e Atendimento Odontológico para Pacientes Especiais - Cepae - FOP/UNICAMP. Como critério de inclusão no estudo, a mãe deveria ter realizado o desmame antes do sexto mês de vida da criança. A inclusão da mãe e coleta de dados ocorreu, no máximo, um mês após a interrupção da amamentação natural. As participan- tes foram entrevistadas individualmente, utilizando-se roteiro específico, e em seguida, foi aplicado o Inven- tário de Sintomas de Estresse (ISS). Os resultados mostraram uma relação positiva entre o retorno da mãe à sua rotina de trabalho, a manifestação de sintomas de estresse e a redução da produção de leite com o desmame precoce. Palavras-chave: amamentação natural; desmame precoce; estresse. BIOPSYCHOSOCIAL VARIABLES ANALYSIS RELATED TO EARLY WEANING Abstract: The objective of this study was to identify factors that influence early weaning occurrence, including an assessment of the stress experimented by mother’s influence on breastfeeding interruption. The study comprised 40 mothers whose children were treated by Research and Dental Treatment Center for Special Patients – FOP – UNICAMP. As an inclusion criterion in the study, weaning should have taken place before the child was six months old. Mother inclusion and data collection occurred, at most, one month after breastfeeding interruption. The participants were interviewed individually, using a particular script, and then, the Inventory of Stress Symptom (ISS) was applied. Results showed a positive relation among mother’s coming back to work, demonstration of stress symptoms and decreased milk production with the early weaning. Key-words: breastfeeding; early weaning; stress. Introdução Apesar de todo o conhecimento acumulado e das campanhas de divulgação sobre os efeitos po- sitivos do aleitamento materno para o crescimento físico e para o desenvolvimento da criança, alguns estudos brasileiros (Caldeira & Goulart, 2000; Costa, Figueiredo & Silva, 1993; Vieira, Glisser, Araújo & Sales, 1998) apontam altos índices de desmame pre- coce, anteriores ao sexto mês de vida do bebê, tanto em amostras brasileiras quanto em populações pesquisadas de outros países. Com objetivo de esclarecer este fenômeno, a investigação das variáveis que levam à maior pro- 1 Artigo recebido para publicação em 10/12/2004; aceito em 07/03/ 2005 2 Endereço para correspondência: Karina Camillo Carrascoza, Rua: Goiânia, nº 63, apto. 401 – Bairro Nossa Senhora de Fátima – CEP:13478-660, Americana/SP, E-mail: [email protected] Paidéia, 2005, 15(30), 93-104

ANÁLISE DE VARIÁVEIS BIOPSICOSSOCIAIS RELACIONADAS AO … · 1. Quando a mãe enfrenta dificuldades para ini-ciar a amamentação ainda na maternidade (Taddei, Westphal, Venâncio,

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ANÁLISE DE VARIÁVEIS BIOPSICOSSOCIAIS RELACIONADAS AO DESMAMEPRECOCE 1

Karina Camillo Carrascoza 2

Universidade Estadual de CampinasÁderson Luiz Costa Júnior

Universidade de BrasíliaGláucia Maria Bovi AmbrozanoAntônio Bento Alves de Moraes

Universidade Estadual de Campinas

Resumo: O objetivo deste estudo foi identificar alguns fatores que influenciam a ocorrência dodesmame precoce, incluindo uma avaliação da influência do estresse vivenciado pela mãe na interrupção daamamentação natural. O estudo envolveu 40 mães cujos filhos eram atendidos pelo Centro de Pesquisa eAtendimento Odontológico para Pacientes Especiais - Cepae - FOP/UNICAMP. Como critério de inclusãono estudo, a mãe deveria ter realizado o desmame antes do sexto mês de vida da criança. A inclusão da mãee coleta de dados ocorreu, no máximo, um mês após a interrupção da amamentação natural. As participan-tes foram entrevistadas individualmente, utilizando-se roteiro específico, e em seguida, foi aplicado o Inven-tário de Sintomas de Estresse (ISS). Os resultados mostraram uma relação positiva entre o retorno da mãeà sua rotina de trabalho, a manifestação de sintomas de estresse e a redução da produção de leite com odesmame precoce.

Palavras-chave: amamentação natural; desmame precoce; estresse.

BIOPSYCHOSOCIAL VARIABLES ANALYSIS RELATED TO EARLY WEANING

Abstract: The objective of this study was to identify factors that influence early weaning occurrence,including an assessment of the stress experimented by mother’s influence on breastfeeding interruption. Thestudy comprised 40 mothers whose children were treated by Research and Dental Treatment Center forSpecial Patients – FOP – UNICAMP. As an inclusion criterion in the study, weaning should have takenplace before the child was six months old. Mother inclusion and data collection occurred, at most, one monthafter breastfeeding interruption. The participants were interviewed individually, using a particular script, andthen, the Inventory of Stress Symptom (ISS) was applied. Results showed a positive relation among mother’scoming back to work, demonstration of stress symptoms and decreased milk production with the earlyweaning.

Key-words: breastfeeding; early weaning; stress.

Introdução

Apesar de todo o conhecimento acumuladoe das campanhas de divulgação sobre os efeitos po-sitivos do aleitamento materno para o crescimento

físico e para o desenvolvimento da criança, algunsestudos brasileiros (Caldeira & Goulart, 2000; Costa,Figueiredo & Silva, 1993; Vieira, Glisser, Araújo &Sales, 1998) apontam altos índices de desmame pre-coce, anteriores ao sexto mês de vida do bebê, tantoem amostras brasileiras quanto em populaçõespesquisadas de outros países.

Com objetivo de esclarecer este fenômeno,a investigação das variáveis que levam à maior pro-

1 Artigo recebido para publicação em 10/12/2004; aceito em 07/03/20052 Endereço para correspondência: Karina Camillo Carrascoza,Rua: Goiânia, nº 63, apto. 401 – Bairro Nossa Senhora de Fátima –CEP:13478-660, Americana/SP, E-mail: [email protected]

Paidéia, 2005, 15(30), 93-104

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babilidade de ocorrência de desmame precoce constituium dos temas que tem despertado grande interessede pesquisadores em ciências da saúde. Costa,Figueiredo e Silva, (1993), por exemplo, avaliaram aprática do aleitamento materno entrevistando 100mães de lactentes até três anos de idade, em consul-tórios particulares e ambulatórios de pediatria na ci-dade de Belém (Pará). Os principais motivos referi-dos para o desmame parcial foram a diminuição dovolume de leite (40,0%) e a necessidade de retornoàs atividades profissionais (21,2%), enquanto que osmotivos do desmame completo referiram-se à recu-sa do lactente em mamar (36,7%) e à diminuição dovolume de leite (28,2%).

Moura (1997) investigou a época do desma-me parcial e total, bem como as causas alegadaspara o desmame precoce, entrevistando 259 mãesde crianças de 12 a 24 meses de idade, em um ser-viço público de pediatria também na cidade deBelém (Pará). Embora apenas 3,9% das criançastenham recebido leite de vaca (fórmula láctea) noperíodo neonatal, mais de 62% das mães oferece-ram chá e/ou água a seus bebês ainda no primeiromês de vida. As justificativas mais freqüentes paratal administração incluíram a ocorrência de episódi-os de cólicas, gases e suspeitas de sede da criança.Somente 18,5% dos lactentes foram completamen-te desmamados antes dos seis primeiros meses devida, sendo que 62,6% mantiveram a amamentação,concomitante a outros alimentos, por 12 ou maismeses. As mães explicaram o desmame total, aindano primeiro semestre de vida de seus filhos, referin-do-se, com maior freqüência, à recusa da criançaem mamar no peito (62,5%) e à falta de leite (peitoseco), com 12,5%.

McLeod, Pullon e Cookson (2002) investiga-ram a prática do aleitamento materno em 490 mulhe-res norte-americanas que, durante o período de ges-tação, manifestavam o desejo de amamentar seus fi-lhos. As 192 mulheres (pouco mais de 39%) que in-terromperam a amamentação natural antes de seismeses de vida do bebê, apresentaram os seguintesargumentos: “bebê faminto” (25%), “bebê agitado”(18%), “pouco leite” (18%), e “necessidade de retor-no ao trabalho” (5%). Mais de 77% das mães gosta-riam de ter amamentado seus filhos por mais tempo.Por outro lado, 21% consideram adequada a duração

do aleitamento materno e apenas 2% preferiam teramamentado seus filhos por um período de tempomenor ao efetivamente utilizado.

Além da identificação de argumentos mater-nos para o desmame precoce, alguns estudos têm in-vestigado o enfrentamento de situações estressantese seus efeitos sobre a amamentação. Variáveis bioló-gicas e psicossociais da gestante/mãe e algumas va-riáveis ambientais têm sido apontadas como interve-nientes sobre esta relação. Os estudos se referem,principalmente, a três situações potencialmenteestressantes:

1. Quando a mãe enfrenta dificuldades para ini-ciar a amamentação ainda na maternidade (Taddei,Westphal, Venâncio, Bogus & Souza, 2000), destacan-do-se a ausência de alojamento conjunto mãe-bebê.Quando esta situação está associada à falta de prepa-ro dos profissionais de saúde para orientar as mãessobre os procedimentos a serem adotados, especifica-mente relacionados à estimulação da produção de lei-te, a probabilidade de ocorrência de desmame precoceaumenta significativamente (Oliveira & Leal, 1997).

2. Quando há confrontação entre a tarefa deamamentar e a execução de outras atividades domés-ticas (Ichisato & Shimo, 2002), podendo ocorrer dis-túrbios imunológicos e psicofisiológicos, que reduzema produção de leite e a autoconfiança materna, inter-ferindo sobre o estabelecimento e manutenção das re-lações de vínculo com o bebê (Martins Filho, 1987).

Para Carrascoza (2004), o receio de não estaratendendo às necessidades nutricionais do bebê, porexemplo, aumenta quando aparecem os chamados“Inimigos do Aleitamento Materno”, tais como assugestões de complementação alimentar com mama-deira de água, chás e sucos de fruta. A introduçãoprecoce de outros alimentos, além de desnecessária,pode interromper a sucção do bebê ao seio (o bico deborracha altera o reflexo da sucção). No entanto, aautora ressalta que muitas mães aderem à facilidadeda mamadeira, rejeitando o uso de copo ou xícaras,cujo manuseio é mais trabalhoso, exige maior dedica-ção e cuidado para ser administrado à criança.

3. No momento de retorno ao trabalho (enquan-to atividade ocupacional), geralmente entre o segundoe o quarto mês de vida do bebê (Oliveira & Leal, 1997;Rea, Venâncio, Batista, Santos & Greiner, 1997), a mãeé obrigada a alterar a rotina de cuidados com o bebê e

Karina Camillo Carrascoza

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disponibilizar agentes, individuais ou institucionais, paracuidar da criança durante sua ausência.

Alguns estudos, no entanto, apontam que o tra-balho não é, necessariamente, incompatível com oaleitamento materno. Para Dowling, Meier, Difiori,Blatz e Martin (2002), exigências de treino, dedica-ção e o manejo de algumas variáveis contextuais, taiscomo coletar o leite materno e deixá-lo à disposição deum agente cuidador da criança para administração emcopinhos, podem garantir condições mais saudáveis dedesenvolvimento à criança, mesmo que a mãe tenhaque se ausentar durante várias horas do dia.

Outros estudos apontam que as condições detrabalho da mãe são determinantes para a percepçãode maior ou menor estresse desta atividade em rela-ção à amamentação. Issler, Enk, Azeredo e Moraes(1994), entrevistaram 137 mães de crianças até 36meses de idade, que estavam em creches na cidadede Porto Alegre (Rio Grande do Sul), analisando otempo de amamentação e sua relação com crechesjunto ao local de trabalho (creches internas) e cre-ches distantes do local de trabalho (creches exter-nas). A prevalência de amamentação aos 3, 6 e 12meses foi de 60%, 26% e 7%, respectivamente, sen-do identificada uma correlação estatística e significa-tiva entre presença das crianças em creches internase duração da amamentação superior a 3 meses. Osautores sugerem que a proximidade das creches in-ternas com o local de trabalho proporcionava maiortranqüilidade e segurança às mães. Observou-se quea pouca quantidade de leite materno (41,7%) e a re-jeição ao peito (25,0%) foram as principais razõesalegadas para o desmame completo das crianças.Pouco mais de 10% das mães pararam de amamen-tar devido à necessidade de retorno ao trabalho.

Para Osis, Duarte, Pádua, Hardy, Sandoval eBento (2004), a existência da creche no local de tra-balho constitui um elemento relevante para a manu-tenção do aleitamento após a licença de maternidade,especialmente o materno exclusivo. A decisão sobrequanto tempo amamentar de forma exclusiva esteverelacionada às informações recebidas acerca do as-sunto antes e durante a gestação, e no pós-parto.

Segundo Dewey (2001), um certo nível deestresse é perfeitamente aceitável quando se consi-deram os eventos que envolvem o nascimento de umacriança e seus cuidados, embora, na maioria dos ca-

sos, o início da lactação não seja significativamenteafetado. Entretanto, Dewey destaca que mães e be-bês que vivenciam altos níveis de estresse, comomodificações freqüentes na rotina de cuidados, têmgrandes chances de sofrer alguns efeitos adversos,orgânicos e psicossociais.

Considerando que o estresse constitui um es-tado fisiológico (dor, cansaço, exaustão) ou emocio-nal (ansiedade, frustração, ambivalência) que inter-fere sobre a capacidade de adaptação a situações dodia-a-dia (Dewey, 2001), dois mecanismos, descritospor Lana (2001), podem explicar a relação entreestresse e lactação:

1. Em condições de estresse, o organismo damãe aumenta a liberação de adrenalina, que provocavasoconstrição generalizada. Quando a vasocons-trição é muito intensa, a prolactina e ocitocina(hormômios envolvidos na produção do leite) não che-gam às células lactóforas e mioepiteliais da mama,respectivamente, comprometendo a produção de lei-te. Assim, o desmame precoce pode ser um efeitoadverso do enfrentamento de situações estressantes.

2.Bebês que vivenciaram situações de estressedurante o trabalho de parto podem apresentar-se fra-cos ou muito sonolentos, dificultando a evocação dosreflexos de preensão e sucção eficiente da mama. Afalta de sucção não gera estímulos neuroendócrinosresponsáveis pela liberação dos hormônios envolvi-dos na produção do leite e comprometem a lactação.

Pode-se afirmar que o estudo do aleitamentomaterno envolve aspectos relacionados a diversasespecialidades da saúde, tais como questõesnutricionais do bebê, condições psicossociais da rela-ção mãe-criança, indicadores de desenvolvimento in-fantil, saúde geral e saúde bucal da criança, assimcomo um amplo espectro de fatores culturais e fami-liares predisponentes do aleitamento prolongado e dodesmame precoce. Os estudos que buscam identifi-car as variáveis que influenciam a duração do aleita-mento materno, determinando as causas do desma-me precoce, contribuem para o aprimoramento deprofissionais de saúde treinados na identificação defatores de risco do desmame precoce e incentiva-dores da adesão da mãe a programas de aleitamentoprolongado.

A partir da consideração destas variáveis, oobjetivo deste trabalho foi identificar alguns fatoresque determinam a ocorrência do desmame precoce,

Análise de variáveis biopsicossociais

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avaliando a influência do estresse percebido pela mãepara a interrupção da amamentação natural.

MetodologiaParticiparam deste estudo 40 mães que acom-

panham seus filhos ao Centro de Pesquisa e Atendi-mento Odontológico para Pacientes Especiais(Cepae) da Faculdade de Odontologia de Piracicaba(FOP) da Universidade Estadual de Campinas(UNICAMP).

Apesar de o Cepae realizar, também, o atendi-mento de pacientes portadores de deficiências físicase/ou mentais, a amostra deste Estudo foi constituídaapenas por pacientes sadios, considerados especiaispelo fato de se encontrarem em uma fase do desen-volvimento que requer um ambiente de cuidados e umsistema diferenciado de atendimento à saúde.

À medida que o aleitamento materno era in-terrompido, a qualquer momento de vida da criança,do primeiro ao sexto mês, as mães eram incluídasna pesquisa. Assim, para que a mãe fosse incluídaneste Estudo, ela deveria ter realizado o desmameantes do sexto mês de vida da criança e, o intervaloentre o desmame, a realização da entrevista e apli-cação do Inventário de Sintomas de Stress (Lipp &Guevara, 1994) foi inferior a 30 dias, tempo máximoprevisto para que a aplicação deste instrumento sejasensível ao resgate dos sintomas de estresse perce-bidos em eventos passados.

A amostra foi selecionada a partir de 158 mãesatendidas pelo Cepae no período de março de 2002 aoutubro de 2003. Das 158 mães, 51 atendiam a estascondições e 40 (78% da amostra elegível para o es-tudo) foram selecionadas aleatoriamente. A Tabela 1apresenta dados sócio-demográficos e principais ca-racterísticas das Participantes deste Estudo, incluin-do, entre outros, idade, escolaridade, renda, estadocivil e experiência prévia em amamentação.

As mães foram entrevistadas e avaliadas indi-vidualmente, em sessão única. As entrevistas foramgravadas em fitas de áudio (K-7), para registro de maiornúmero de dados e posterior transcrição “ipsis literis”.Utilizou-se um roteiro específico, elaborado com obje-tivo de permitir a obtenção de dados referentes à ida-de e motivo do desmame precoce, período de retornoao trabalho e enfrentamento de dificuldades durante aamamentação, referidas como variáveis relevantes

pela literatura. As entrevistas tiveram duração médiade 30 minutos cada.

Em seguida, foi aplicado o Inventário de Sinto-mas de Estresse (ISS), desenvolvido por Lipp eGuevara (1994), e respondido por escrito e individu-almente, de modo a garantir privacidade e evitar cons-trangimentos durante a escolha das respostas pelosparticipantes. A aplicação tinha o objetivo de investi-gar se as mães lembravam dos sintomas que apre-sentaram quando da interrupção da amamentação ese estes sintomas incluíam sinais clínicos e/oucomportamentais de estresse, bem como o tipo desintoma existente (somático ou psicológico) e a fasedo estresse em que se encontrava, conforme critéri-os descritos pelos autores. O tempo de aplicação doISS variou de 25 a 30 minutos para cada participante.

O ISS baseia-se na hipótese de que os efeitosdo estresse podem se manifestar tanto na áreasomática quanto cognitiva e que aparecem em se-qüência e hierarquia de gravidade na medida em queo processo do estresse se desenvolve. O instrumentoé composto por três partes. Na primeira parte, arespondente assinala, de um total de 15 itens, os sin-tomas físicos ou psicológicos que tenha experimenta-do nas últimas 24 horas. Na parte 2, ela assinala, deum total de 15 itens, os sintomas experimentados naúltima semana. Finalmente, na parte 3, ela assinala,de um total de 23 itens, os sintomas experimentadosno último mês. Cada parte corresponde a uma faseespecífica de estresse (alerta, resistência e exaustão).Na análise das respostas, soma-se um ponto paracada sintoma assinalado em cada uma das três par-tes. Para cada fase, está definido um limite mínimode pontos para o diagnóstico da presença de estresse:seis pontos (alerta), três pontos (resistência) e oitopontos (exaustão). Se a respondente obtiver valoressuperiores aos limites, é possível especificar a fasede estresse na qual se encontra, bem como se a ma-nifestação de estresse é mais acentuada na áreacognitiva ou somática.

As respostas das mães às entrevistas foramcategorizadas e os dados inseridos em planilhas doSoftware Microsoft Excel (versão 7.0), sendo sub-metidos à estatística descritiva em termos de freqüên-cia e porcentagem. Posteriormente, os Testes Qui-quadrado e Exato, de Fisher, foram utilizados paraavaliar se havia relação estatística entre as seguintes

Karina Camillo Carrascoza

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variáveis: (a) idade de desmame da criança X motivoreferido para o desmame; (b) idade de desmame dacriança X apresentação de sintomas de estresse pelamãe; e (c) motivo referido para o desmame X apre-sentação de sintomas de estresse pela mãe. Estes trêscruzamentos mostraram relação estatística com p<0,05.

O projeto de pesquisa foi submetido à aprecia-ção do Comitê de Ética em Pesquisa da FOP/UNICAMP, tendo sido aprovado pelo protocolo nº014/2002. Todas as participantes assinaram o Termode Consentimento Livre e Esclarecido, conforme es-pecifica a Resolução No. 196/96 do Conselho Nacio-nal de Saúde (CNS).

* Foi considerado que a mãe tinha experiência em amamentação se ela amamentou pelo menos um filho até o sexto mês de vida.

Tabela 1: Características das mães.

Análise de variáveis biopsicossociais

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10,0 7,5

42,5

22,5

0

10

20

30

40

50

0 l---- 1 1 l---- 2 2 l-I

Freq

üênc

ia (%)

Resultados

Considerando o período do desmame preco-ce, observou-se que 42,5% dos casos ocorreramentre o segundo e o terceiro mês após o parto e

22,5% entre o terceiro e quarto mês, conforme de-monstrado na Figura 1. Ainda é possível destacarque 17,5% das crianças não completaram o segun-do mês de vida em aleitamento, sendo expostas aum desmame extremamente precoce.

Karina Camillo Carrascoza

Segundo a Figura 2, o principal motivo referido pelasmães para a ocorrência do desmame precoce foi a “faltade leite” (45%). A “dificuldade durante a amamentaçãoFigura 2: Distribuição de freqüência do motivo alegado pela mãe para a ocorrência do desmame precoce.

45,5

30,5

0

10

20

30

40

50

A B

Motivo

Freq

üênc

ia (%

)

Legenda: A) Falta de leite B) Dificuldade durante a amamentação C) Trabalho maternoD) Doença da mãe ou criança E) Conselho médico.

Pode-se observar, na Figura 3, que durante osprimeiros seis meses de vida da criança, a “falta deleite”, principal motivo para a interrupção daamamentação natural não se limitou a uma determi-nada idade da criança, embora não tenha sido referi-do como motivo para o desmame entre o primeiro esegundo mês de vida da criança. As mães que des-mamaram seus filhos no primeiro mês de vida utiliza-

ram como motivos a “falta de leite” e a “dificuldadedurante a amamentação”. O argumento de “trabalhomaterno” como motivo para o desmame apareceu,pela primeira vez, a partir do segundo mês de vida dobebê e teve percentual crescente até o sexto mês.Os principais motivos alegados para a realização dodesmame, entre o quarto e o sexto mês de vida dacriança, foram o “trabalho materno” e a “falta de lei-

natural” foi alegada por 30% das mães como causa dodesmame, destacando-se o ingurgitamento mamário e asfissuras mamilares como os problemas mais comuns.

Figura 1: Distribuição de freqüência de desmame anterior ao sexto mês de vida da criança (desmame precoce).

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75

33

58

7766

100

0

20

40

60

80

100

0 |---- 1 1 |---- 2 2 |---- 3 3 |---- 4 4 |---- 5 5 |---- 6

Idade do desmame

Freq

üênc

ia(%

)te”. O argumento de “doença da mãe ou da criança”como motivo de desmame apareceu apenas duranteo segundo e terceiro mês de vida da criança. A rela-

ção entre a idade de desmame da criança e o motivoreferido para o desmame foi estatisticamente signifi-cativa com p<0,05.

Figura 3: Distribuição de freqüência do motivo referido pela mãe para a ocorrência do desmame precoce emfunção da idade da criança (Teste Qui-Quadrado p<0,05).

0

20

40

60

80

100

0 l---- 1 1 l---- 2 2 l---- 3 3 l---- 4 4 l---- 5 5 l---- 6

Idade de desmame (meses)

Freq

üênc

ia (%)

Entre as 40 participantes do Estudo, 25 (62,5%)referiram sintomas de estresse quando efetuaram odesmame, indicado pelo ISS. Todas as 25 mães queapresentaram estresse estavam na fase de resistên-cia, sendo que cinco apresentavam sintomas predo-minantemente físicos e 20 predominantemente psi-cológicos. A relação entre a idade de desmame dacriança e a lembrança de sintomas de estresse pelasmães foi estatisticamente significativa com p<0,05. AFigura 4 mostra o percentual de sintomas de estresse

em função da idade de desmame da criança. Obser-vou-se que 75% das mães (N=4 mães) que desma-maram seus filhos durante o primeiro mês e 77%(N=17 mães) que interromperam o aleitamento entreo terceiro e o quarto mês de vida da criança, apre-sentaram estresse. O fato de que 100% das mãesque desmamaram seus filhos entre o quinto e o sextomês de vida da criança apresentarem estresse deveser interpretado com cautela, pois apenas duas mãesinterromperam a amamentação neste período.

Figura 4: Percentual de sintomas de estresse da mãe em função da idade de desmame precoce da criança(Teste Exato de Fischer p <0,05).

Dificuldade durante a amamentação Doença da mãe ou da criança

Trabalho materno Conselho médico Falta de leite

Análise de variáveis biopsicossociais

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A Figura 5 mostra a distribuição das 25 mãesque apresentaram estresse, em função dos motivosreferidos para a ocorrência do desmame. O maioríndice de estresse foi observado entre as mães quealegaram “conselho médico” (100% / N=1). A fre-qüência de ocorrência de estresse entre as mães quereferiram os outros motivos para a realização do des-

mame foi muito semelhante: “falta de leite” (66% /N=18), “trabalho materno” (60% / N=5), “dificulda-des durante a amamentação” e “doença da mãe ouda criança” (50% / N=4). A relação entre o motivoreferido para o desmame e a lembrança de sintomasde estresse pelas mães foi estatisticamente significa-tiva com p<0,05.

Figura 5: Apresentação de sintomas de estresse da mãe em função do motivo referido para a ocorrência dodesmame precoce (Teste Exato de Fischer p<0,05).

100

6660 58

50

0

20

40

60

80

100

A B C D E

Motivo do desmame

Freq

üênc

ia (%

)

Legenda: A) Conselho médico B) Falta de leite C) Trabalho maternoD) Dificuldade durante a amamentação E) Doença da mãe ou criança.

DiscussãoA grande incidência de desmame ao longo do

terceiro mês de vida da criança, observada neste Es-tudo, é semelhante aos resultados obtidos por Souza ecols. (1991), Carvalhaes, Parada, Manoel e Venâncio(1998) e Gigante, Victora e Barros (2000), que relaci-onam esta ocorrência ao estresse do término da licen-ça-maternidade e o retorno da mãe ao trabalho.

Rea e cols. (1997) destacam que o período delicença-maternidade tem sido utilizado pela maioriadas mães como uma garantia para a amamentação,embora outros fatores sejam fundamentais para amanutenção da lactação, tais como a proximidademãe-criança e/ou a retirada periódica de leite mater-no, durante o reinício da jornada de trabalho. Segun-do Fein e Roe (1998), o trabalho em tempo integral,após um período de licença-maternidade, diminui aduração da amamentação de forma significativa, en-quanto que o trabalho em tempo parcial (seis, quatro

ou menos horas por dia) não afeta, significativamen-te, a duração da amamentação.

A interrupção extremamente precoce daamamentação natural (antes do segundo mês de vida)se deve, conforme relato das mães deste estudo, àsdificuldades encontradas durante a prática do aleita-mento, o que é compatível com a observação deNakano (2003), segundo o qual a crença de que aamamentação é um processo natural, e que qualquermulher é capaz de vivenciá-lo sem problemas ou difi-culdades, não se observa na experiência clínica. ParaRamos e Almeida (2003), é essencial que nas primei-ras semanas de vida da criança, a mãe receba apoioe orientação, a fim de amenizar a insegurança e aansiedade comumente vivenciadas, favorecendo amanutenção do aleitamento materno por maior perío-do de tempo (Ramos & Almeida, 2003).

Nesta fase, o organismo da mãe passa por umasérie de alterações, adaptando-se às necessidades do

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bebê. Segundo Lana (2001), uma das dificuldadesfreqüentemente observadas é a produção excessivade leite durante as primeiras semanas após o parto.Esta síntese de leite em abundância ocorre para ga-rantir leite suficiente para amamentar, em certas oca-siões, mais de um filho. Com o passar dos dias, aquantidade de leite produzida vai se ajustando ao vo-lume de leite ingerido pela criança, culminando naredução da produção de leite e no tamanho das ma-mas. Mas, enquanto esta adaptação não ocorre, podehaver um acúmulo de leite nas mamas, especifica-mente nas ampolas lactóforas (local onde o leite éarmazenado), levando a um processo de ingurgi-tamento. O relato mais freqüente das mães, observa-do ao longo da experiência clínica obtida junto aoCepae, é que as mamas estão “empedradas” ou “comcaroços”. Nestes casos, o leite não escoa, há sensa-ção de dor intensa e o mamilo torna-se plano, dificul-tando, ou mesmo impossibilitando, a amamentaçãonatural. Quando o processo de ingurgitamento não étratado, pode evoluir para quadros de mastite (acúmulode leite associado a processo inflamatório) e absces-sos (Wamback, 2003).

Uma das dificuldades para amamentar, referi-das com freqüência pelas mães do presente estudofoi o aparecimento de fissura nos mamilos, cuja ocor-rência está associada, na maioria dos casos, a técni-cas incorretas de pega do mamilo durante a sucção(a criança exerce preensão apenas sobre o mamilo,ao invés do mamilo e aréola), à forma inadequada deretirada da criança do peito e à falta de exposiçãodas mamas ao sol (Carrascoza, 2004). A fissura é aprincipal causa da sensação dolorosa durante o atoda amamentação natural, levando à maior probabili-dade da introdução de outras formas de alimentação.

A alta freqüência do relato de falta de leitepelas mães deste Estudo confirma os trabalhos dePark e Berlin (1981), Costa e cols. (1993), DelCiampo, Ricco, Muchillo, Betiol e Daneluzzi. (1994),assim como Caldeira e Goulart (2000), que aponta-ram a hipogalactia como o principal motivo, alegadopelas mães, para a ocorrência de desmame precoce.Nestes estudos, observou-se que as mulheres queacreditavam produzir uma quantidade insuficiente deleite materno apresentavam como justificativas o volu-me diminuído das mamas, a pouca drenagem espontâ-nea de leite e o choro da criança após a mamada.

Segundo Arantes (1995), as hipogalactias pri-márias são raras, sendo difícil obter das mães res-postas confiáveis, especialmente por meio de entre-vista e em estudos transversais, pois as participantestendem a dar respostas socialmente mais convenien-tes e que não agridam sua auto-estima. A autora con-clui que o fato de o bebê não querer mais mamar e oleite se tornar insuficiente são razões finais do pro-cesso. Observa-se que no momento de desmamecompleto, a mãe passa a mencionar que desmamouporque ela própria não queria amamentar e, também,porque o leite secou. Arantes relaciona a hipogalactiaao fim da licença-maternidade, pois quando a mãeretorna ao trabalho inicia-se um processo de diminui-ção da freqüência de mamadas e do período de suc-ção, além da introdução de outros alimentos. Esteseventos diminuem a estimulação da glândula mamária,levando à diminuição do volume de produção láctea.

Scott, Diet, Landers, Hughes e Binns (2001)apontam que as dificuldades encontradas pela mãe,no início da amamentação, constituem a principal cau-sa para a ocorrência do desmame antes do sexto mêsde vida da criança. Observa-se, no entanto, que oscasos de fissuras, ingurgitamento mamário, mastite emamilo plano ou invertido podem ser facilmente re-solvidos se diagnosticados e tratados logo após seusurgimento. Na maioria dos casos, a mãe não sabe aquem recorrer logo após a alta hospitalar (período noqual tais problemas são mais freqüentes), já que oretorno ao pediatra é marcado, geralmente, quando acriança completa o primeiro mês de vida.

A distribuição homogênea da argumentação de“falta de leite” dentre os casos de interrupção do alei-tamento materno durante os primeiros seis meses devida da criança, pode ser explicada pelo fato dahipogalactia constituir o resultado final do processode desmame e não a causa deste, como sugere otrabalho de Arantes (1995). Considerando que a “fal-ta de leite” consiste na razão final do processo dedesmame, os dados obtidos neste estudo sugerem queo principal motivo para o desmame, nos primeiros doismeses de vida, estava relacionado à dificuldade(s)enfrentada(s) durante a amamentação natural, refor-çando os dados discutidos anteriormente. De formasemelhante à análise realizada para os motivos de des-mame nos dois primeiros meses de vida da criança,pode-se sugerir que o principal motivo para o desma-

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me entre o quarto e o sexto mês de vida da criança foio “retorno ao trabalho”, já que a “falta de leite” referi-da pelas mães não pode ser considerada uma causa.

A baixa referência ao “trabalho materno” comocausa para a ocorrência do desmame precoce suge-re duas hipóteses: (a) outros fatores estão relaciona-dos à alta incidência de desmame precoce por voltado terceiro mês de vida da criança; e (b) o retorno aotrabalho leva a uma redução da produção de leite e àintrodução de outros tipos de alimentos na dieta dacriança, refletindo, portanto, na alta freqüência de re-ferência à “falta de leite”.

O estudo de Mahgoub, Bandeke e Nnyepi(2002), aponta o trabalho da mãe fora do lar comouma causa importante para ocorrência do desmameprecoce. Já para Silva, Almeida, Novak, Carvalho, eSilva, (1997), a diminuição da amamentação não édeterminada diretamente pelo trabalho da mulher, maspelas condições sociais concretas em que se realiza,por exemplo, as grandes distâncias entre casa e tra-balho e a ausência de creches e de intervalos paraamamentação.

A crescente presença da mulher no mercadode trabalho, associada a mudanças estruturais na so-ciedade e na família, forçou o surgimento de disposi-tivos legais de proteção à amamentação da mulherque trabalha. A Constituição Federal de 1988, em seuartigo 7º, parágrafo XVIII, garante “licença materni-dade, sem prejuízo do emprego e do salário, com du-ração de 120 dias”. A Consolidação das Leis Traba-lhistas (CLT) também protege a mulher trabalhadorae nutriz, prevendo: descansos especiais durante a jor-nada de trabalho, creches ou convênios com crechespara empresas com mais de 30 funcionárias em perí-odo fértil e locais adequados para os cuidados comos lactentes. Apesar de leis que garantem a manu-tenção da amamentação, grande parte das mulheresdesconhece seu conteúdo ou não usufrue dos benefí-cios disponíveis.

Segundo Brown, Poag e Kasprzycki (2001),a presença de posto de coleta ou extração de leiteconstitui uma iniciativa favorável à amamentaçãoem locais de trabalho sem creche. Por ser uma ini-ciativa relativamente nova, deve ser acompanhadade intensa divulgação. Se as mães não souberemextrair ou ordenhar seu leite, por exemplo, ou nãoforem orientadas para tal (fato que raramente ocor-

re nas maternidades), a criação deste espaço podeser inútil.

Quanto às creches fora do local de trabalho,embora populares, trazem a dificuldade da distânciapara a manutenção da amamentação nos pequenosperíodos de pausas e almoço, mesmo quando a em-presa cumpre a lei. Segundo Rea e cols. (1997), estebenefício não interfere no tempo de duração daamamentação, se comparado com o encontrado emtrabalhadoras que não dispõem de creche no local detrabalho. Aponta-se como de extrema importância, acriação de uma estrutura de apoio à nutriz trabalha-dora, para que o retorno ao trabalho, após a licençamaternidade, não signifique a interrupção precoce daamamentação com conseqüências deletérias à saúdeinfantil.

Apesar do “conselho médico” como causa dedesmame precoce não ter sido representativo, torna-se uma questão preocupante, já que, segundo umadas mães deste estudo, o pediatra orientou a inter-rupção da amamentação, uma vez que esta não pos-suía leite suficiente para alimentar seu filho. A mãefoi orientada a introduzir fórmula láctea na mamadei-ra, ao invés de ser incentivada a restabelecer aamamentação por meio de técnicas de realeitamentoe estímulo à sucção.

Segundo Carrascoza (2004), apesar dos estu-dos que investigam as variáveis relacionadas àamamentação apontarem para fatores relativamentecomuns, observa-se uma certa resistência (ou mes-mo falta de conhecimento) de alguns profissionais desaúde, representados na sua maioria por pediatras eobstetras. Por um lado, nutricionistas, enfermeiros,psicólogos, fonoaudiólogos e odontólogos têm incen-tivado a amamentação natural exclusiva até o sextomês de vida da criança, ensinando condutas clínicaspara a solução de eventuais problemas de mama (ma-milo plano, fissuras, ingurgitamento, mastite). Poroutro lado, alguns pediatras têm orientado a substitui-ção ou complemento das mamadas por mamadeiracom fórmula infantil, ou ainda pior, com leite de vaca,além da introdução extremamente precoce de outrostipos de alimentos. Frente a problemas de mama, al-guns pediatras e obstetras preferem interromper alactação e introduzir outra forma de alimentação, aoinvés de adotar condutas compatíveis com aamamentação natural. A situação torna-se mais

Karina Camillo Carrascoza

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preocupante ao considerar-se que os médicos aindadetêm o maior poder potencial de influência sobre orepertório de crenças e comportamentos das mães.

Os dados obtidos por este Estudo apontam al-gumas variáveis que poderiam ser abordadas por pro-fissionais de saúde que atuam junto a gestantes, demodo a estimular o aumento dos índices de aleita-mento materno prolongado. Estudos multicêntricos ecom amostras ampliadas devem constituir um dosobjetivos das pesquisas que avaliam os efeitos devariáveis psicossociais sobre o desmame precoce.

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