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Boletim Técnico da Escola Politécnica da USP Departamento de Engenharia de Construção Civil
ISSN 0103-9830
BT/PCC/362
Antonio Carlos Julianelli Ferrão Alexandre Kawano
São Paulo – 2004
Curvas naturais
Escola Politécnica da Universidade de São Paulo Departamento de Engenharia de Construção Civil Boletim Técnico – Série BT/PCC Diretor: Prof. Dr. Vahan Agopyan Vice-Diretor: Prof. Dr. Ivan Gilberto Sandoval Falleiros Chefe do Departamento: Prof. Dr. Alex Kenya Abiko Suplente do Chefe do Departamento: Prof. Dr. Orestes Marraccini Gonçalves Conselho Editorial Prof. Dr. Alex Abiko Prof. Dr. Francisco Ferreira Cardoso Prof. Dr. João da Rocha Lima Jr. Prof. Dr. Orestes Marraccini Gonçalves Prof. Dr. Paulo Helene Prof. Dr. Cheng Liang Yee Coordenador Técnico Prof. Dr. Alex Abiko O Boletim Técnico é uma publicação da Escola Politécnica da USP/ Departamento de Engenharia de Construção Civil, fruto de pesquisas realizadas por docentes e pesquisadores desta Universidade. O presente trabalho é parte da dissertação de mestrado apresentada por Antonio Carlos Julianelli Ferrão, sob orientação do Prof. Dr. Alexandre Kawano: “Curvas Naturais”, defendida em 02/06/2003. A íntegra da dissertação encontra-se à disposição com o autor e na biblioteca de Engenharia Civil da Escola Politécnica/USP.
FICHA CATALOGRÁFICA
Ferrão, Antonio Carlos Julianelli
Curvas naturais / Antonio Carlos Julianelli Ferrão, Alexandre Kawano. -- São Paulo : EPUSP, 2004.
20 p. – (Boletim Técnico da Escola Politécnica da USP, Departa- mento de Engenharia de Construção Civil ; BT/PCC/362)
1.Curvas (Geometria) 2. Algoritmos genéticos I. Kawano, Ale- xandre II. Universidade de São Paulo. Escola Politécnica. Depar-tamento de Engenharia de Construção Civil III. Título IV. Série ISSN 0103-9830 CDU 514.752.2 510.51
Curvas Naturais
Natural Curves Antonio Carlos Julianelli Ferrão
Departamento de Construção Civil – Escola Politécnica –USP Av. Prof. Almeida Prado, Trav. 2 nº 271
CEP 05508-900 São Paulo SP
Prof. Dr. Alexandre Kawano Departamento de Engenharia Mecatrônica – Escola Politécnica - USP
Av. Prof. Luciano Gualberto, Trav. 3 nº380 CEP 05508-900 São Paulo SP
Resumo
Motivar e incentivar o ensino e aprendizado das disciplinas que possuem a
Geometria como elemento integrante de suas composições curriculares é o objetivo
deste trabalho, nomeado Curvas Naturais. As geometrias de algumas formas naturais
são interpretadas com o auxílio de modelos matemáticos. Inicialmente, a Mecânica
Clássica é utilizada para explicar a ocorrência de fenômenos que apresentam curvas
particulares; tais como: catenária, braquistócrona e parábola. A seguir, algumas
estruturas, principalmente de origem orgânica, são apresentadas. Nesta segunda
situação, os Algoritmos Genéticos (AG) são empregados para que a forma resultante
seja avaliada.
Palavras chaves: curvas naturais, catenária, braquistócrona, parábola e Algoritmos
Genéticos
Abstract
To motivate and to stimulate the teaching and learning of subjects that have
geometry as a forming element of their curricular composition is the main objective of
this text. The geometry of some natural forms is interpreted with the aid of
mathematical models. First, Classical Mechanics is used to explain the occurrence of
phenomena that result in particular curves such as catenary, brachistochrone and
parabola. Next, some structures—mainly of organic origin—are presented. In this
second situation, Genetic Algorithms (GA) are used to appraise the resulting form.
Keywords: natural curves, catenary, brachistochrone, parabola, Genetic Algorithms
2
1 – Introdução Inúmeras formas geométricas se encontram de modo implícito e explícito em
diversos elementos observáveis na natureza. Particularmente, certos tipos de curvas
merecem atenção. Isto se deve ao fato de suas propriedades geométricas não serem
somente fruto de um casuísmo, mas estarem associadas de alguma maneira com uma
condição que satisfaça um princípio funcional. As primeiras denominadas “curvas
físicas” são aquelas que para adquirirem seus contornos não necessitam de uma
inferência humana durante o seu processo de configuração. Estas curvas em geral estão
associadas a fenômenos físicos e denotam a tendência de um equilíbrio pela
manutenção da energia do sistema. No segundo grupo perfilam as “curvas orgânicas”;
estas são encontradas na constituição dos seres vivos ou em construções provindos de
uma ação involuntária (irracional).
Estas excepcionais formas “naturalmente geradas”, causam ainda uma maior
surpresa quando constatado que funções matemáticas - muito posteriormente elaboradas
pelo homem - se adaptam para sua descrição. Certas funções se repetem com mais
freqüência do que outras, objetivando uma maior simplicidade e aproveitamento. Se o
homem for considerado exclusivamente como ser racional, outros seres vivos devem ser
geneticamente programados para solucionar equações (geneticamente matemáticos).
Obtendo o homem resultados análogos a natureza, (talvez por pertencer a ela e também
estar programado) é lícito interpelar se algum modelo matemático é realmente criado ou
é apenas uma cópia inconsciente do real.
O texto, porém, não tem a pretensão de justificar de forma inflexível a existência
destas curvas, mas sim possibilitar ao leitor novas maneiras de interpretar alguns
fenômenos, observando a convergência dos resultados.
2 - Curvas Físicas 2.1 – Princípio da Mínima Ação
Uma boa maneira de comprovar o formato de uma curva física é utilizar o
Princípio da Mínima Ação, enunciado pela primeira vez pelo matemático francês Pierre
Louis Mourea Maupertius (1.698-1.759) em sua obra Essai de Cosmologie (1.744)[1].
Por esse princípio “quando na natureza ocorrer uma mudança qualquer, a quantidade de
3
ação necessária para produzir esta mudança é a menor possível”[2]. A idéia da mínima
ação expressa que a natureza sempre otimiza suas ações, evitando ao máximo o
desperdício de energia. Portanto, no estudo de fenômenos que têm como resultado uma
determinada curva, estas com certeza serão as formas que melhor atendem uma
finalidade. Se de fato estas finalidades são sempre atingidas com seus extremos de
eficiência, a natureza de algum modo trabalha com premissas (leis) constantes e
universais.
2.2 - Cálculo das Variações
O Cálculo das Variações, introduzido por Leonhard Euler (1.707-1.783) e
Joseph-Louis Lagrange (1.736-1.813), é um interessante instrumento da mecânica
clássica que unifica de modo formal a teoria estabelecida por Maupertius. Por este
método é possível determinar funções que majoram ou minoram um dado sistema,
proporcionando sua otimização.
Seja um espaço vetorial V, e D ⊂⊂⊂⊂ V, aberto com 0 ∈∈∈∈ D tal que a cada x ∈∈∈∈ D associa-se
um número real J(x). A relação J: D→→→→R recebe o nome de funcional. Sendo J: D→→→→R
um funcional, y ∈∈∈∈ D, u ∈∈∈∈ D e y+ηηηηu ∈∈∈∈ D para ∀∀∀∀ ηηηη ∈∈∈∈ ]-εεεε,εεεε [ para algum εεεε > 0 chama-se,
Variação de Gateâux de J em y segundo u, se o limite existir, a:
Obs.:
a) se existir o limite, diz-se que u é vetor admissível em y para J;
b) define-se como λλλλ: I ⊂⊂⊂⊂ R →→→→ R dada por λλλλ(ηηηη) = J(y+ηηηηu); c) se y0 for um ponto de máximo [mínimo] do funcional J: D→→→→R então:
para todo vetor u admissível.
0
0 00 0
( ) ( ) ( ) (0)( ) lim lim 0ηη
ηδ λ η λδ η η→→
+ − −= = =J y u J yJ yu
0( ) ( )( ) ( , ) limJ J y u J yy J y u
u ηδ ηδδ η→
+ −= =
4
2.3 Equação de Euler Lagrange
Teorema: Seja f:[a,b] x ΥΥΥΥ →→→→ R, ΥΥΥΥ aberto de R2 contínua tal que,
f=f(y(x),y’(x),x) e admita as Variações de Gateaux de f ,δδδδf/δδδδy e δδδδf/δδδδy´, também
contínuas.
Sejam também:
Se y0 = y0(x) é ponto de máximo ou mínimo de J então:
Ou pela regra da cadeia .
2.4 Multiplicadores de Lagrange
Em muitos problemas de máximo e de mínimo, há restrições para o cálculo da
função. Isto pode ser expresso na forma da busca de um extremo em F(x,y), de tal
maneira que x e y estejam correlacionados por uma função G(x,y) = k (constante).
Resolver F(x,y), impondo-se a restrição G(x,y)=k é equivalente a solucionar sem
restrições H(x,y)=F(x,y)+ααααG(x,y), sendo αααα uma constante, desde que pelo menos uma
das derivadas parciais de G(x,y) não seja nula no ponto crítico (x0,y0). Este método é
conhecido como Método dos Multiplicadores de Lagrange [2,3].
2.5 – Catenária
O arco catenário foi um problema proposto por Jacob Bernoulli (1.654 – 1.705)
em 1.691, em tom de desafio, ao seu irmão Johann (1.667-1.748) que o resolveu
juntamente resolveu com Huygens e Leibeniz. A questão era descrever a função
geradora da curva provinda de um fio inextensível de comprimento L e densidade γ
preso em suas extremidades vencendo um vão v.
0f d fy dx y
∂ ∂− = ′∂ ∂
2 2 2
2 0 ∂ ∂ ∂ ∂′ ′′− + + = ′ ′ ′∂ ∂ ∂ ∂ ∂ ∂
f f f fy yy y y y x y
: dado por ( ) ( ( ), ( ), )′→ = ∫b
a
J E R J y f y x y x x dx
{ }1[ , ] : ( ) ( )α β= ∈ = =E y C a b y a y b
5
O problema proposto por Jacob Bernoulli, poderia ser descrito da seguinte
maneira: buscar a forma equilibrada do fio suspenso com a menor energia potencial ou
similarmente aquela cujo centro de gravidade seja o mais baixo possível. Aplicando o
teorema da seção 4.3.
Dados os funcionais:
I = ∫ (F(x,y(x),y´(x)) dx = ∫ γy2
1 dydx
+
dx (1)
J = ∫(G(x,y(x),y´(x)) dx = ∫ 2
1 dydx
+
dx = L (2)
A função y(x) que torna I mínimo e conserva J constante, também minimiza o
funcional:
k = I +ααααJ (αααα é o multiplicador de Lagrange).
Chamando de H(x,y(x),y´(x))=F(x,y(x),y´(x))+ααααG(x,y(x),y´(x)), procura-se
então y(x) que torna K mínimo.
H(x,y(x),y´(x)) = γy 2
1 dydx
+
+ α2
1 dydx
+
(3)
Como y(x) depende somente de x, sendo x independente, y(x) deve satisfazer:
0δδ
∂ ∂′ ′= − = − = ′ ′∂ ∂ ∂
k H dH d Hy H yy y dx y dx y
(regra da cadeia) (4)
Obs.: Sendo δδδδy análoga ao conjunto dos diferenciais dx, dy e dy´, a expressão
δδδδk/δδδδy (ou simplesmente δδδδk) também é análoga as derivadas parciais ∂∂∂∂H/∂∂∂∂x, ∂∂∂∂H/∂∂∂∂y e
(L)
(v)
x
y
(0,0)
h
Fig. 1 – Arco catenário. Fio preso nas extremidades a altura h, por sobre um vão v
(Energia Potencial)
(Comprimento de Arco)
6
∂∂∂∂H/∂∂∂∂y´. A condição de não anulamento deverá corresponder que nem todas as derivadas
parciais se anulem [3].
Substituindo 3 em 4:e desenvolvendo a equação, obtem-se a a equação geral da
catenária:
( ) ( )( ) = cosh
x By A
Aγ
γ α +
+
(5)
Impondo as condições particulares de contorno: (0,h) e (v,h), em que h é
respectivamente a altura nas posições das abcissas de valor 0 e v (v é o vão do arco) e
supondo ainda que o comprimento do arco L seja duas vezes o vão (2v) tem-se:
( )109 x+(-v/2)25v 109y = cosh cosh + h 109 25v 50
− −
(6)
Exemplo 1:
Utilizando L = 100 m (v=50 m) e h = 80 m, o arco catenário fica definido :
X Y 0.0 80.0 5.0 62.5 10.0 51.4 15.0 44.8 20.0 41.3 25.0 40.2 30.0 41.3 35.0 44.8 40.0 51.4 45.0 62.5 50.0 80.0
Tab. 1 – Arco Catenário.
7
2.6 – Braquistócrona
O problema da braquistócrona, é um dos mais interessantes e conhecidos da
Mecânica Clássica. A questão reside em achar a trajetória de um corpo material entre
dois pontos A e B no plano vertical, a partir do repouso, de tal maneira que o tempo
deste percurso seja o mínimo possível. Este problema foi proposto em 1.696 por Johann
Bernoulli na revista científica Acta Eruditorum. Jacob Bernoulli em publicação em
mesma revista propôs uma solução em 1.697.
Fig. 3 – Braquistócrona entre o pponto A e B, no plano vertical xy
Fig. 2. - Arco Catenário L=100, v =50, h=80.
8
A resolução pode ser elaborada novamente por meio do Cálculo das Variações
sendo para tanto utilizado o funcional J para a pesquisa da função y(x), tal como foi
feito com o caso da catenária.
Considerando o princípio de conservação de energia e supondo que o corpo
parta do ponto A (0,0) e chegue ao ponto B (x,y), pode-se avaliar o tempo utilizado para
o percurso por meio das expressões 7 e 8.
2
1
2
dydxdsdt
v gy
+ = = (7)
2
1 dydxT ky
+ = ∫ dx , em que 1
2k
g= (2.31)
Considerando a função F(y(x),y´(x),x) =
2
1 dydxy
+ , (conforme condições do Teorema
4.3 e a analogia estabelecida em (4)) a função y(x) deve satisfazer (9) para que o tempo
de percurso seja mínimo.
Resultando como solução as equações paramétricas:
Supondo ponto de partida A (0,0) e o final B (4,2), têm-se a seguinte curva :
C = 0 e para θ ≅ 201º x = 4 , y = 2 e B/2 = 1.035
x = 1.035(θ - sen θ ) y = 1.035(1-cosθ)
( )2Bx sen Cθ θ = − −
( )2 12 2
By Bsen cosθ θ = = −
(O funcional T representa o tempo total de percurso.)
(1-Forma (“Diferencial”) de tempo ao longo do percurso)
0δ ∂′= − = ′∂
d FT F ydx y
(9)
(8)
(10)
(11)
9
θθθθGRAUS RADIANOS X Y 0 0.0000 0.0000 0.0000
20 0.3491 0.0073 0.0624
40 0.6981 0.0573 0.2421 60 1.0472 0.1875 0.5175
80 1.3963 0.4259 0.8553 100 1.7453 0.7871 1.2147 120 2.0944 1.2714 1.5525
140 2.4435 1.8637 1.8279 160 2.7925 2.5363 2.0076
180 3.1416 3.2515 2.0700 200 3.4907 3.9668 2.0076
201 3.5081 4.0018 2.0013
A curva resultante é intitulada de ciclóide, por ser originária da trajetória de um
ponto P fixo em uma circunferência a partir de seu rolamento (sem escorregamento). O
ângulo θ corresponde ao ângulo formado entre o ponto P, o centro da circunferência (O)
e ao ponto E perpendicular ao eixo de rolagem passando pelo centro. O raio (r) da
circunferência é definido como o valor de B/2 [3].
P
E
OB/2
θ
Fig. 5 – Desenvolvimento da ciclóide.
Tab. 2 – Braquistócrona (0,0) (4,2).
Fig. 4 – Braquistócrona (0,0) (4,2).
10
2.7 – Movimento Parabólico e a Parábola
Seja um projétil lançado de um ponto A específico, sendo que ao seu referencial
x e y de coordenadas possua velocidade inicial Vo, podendo essa ser decomposta em
Vox e Voy. Por meio do princípio de conservação de energia verifica-se que realmente
ele descreve uma trajetória parabólica. Em qualquer instante a Energia Total do Sistema
(W), pode ser dada pela soma da sua Energia Potencial (V) com a Energia Cinética (T).
Porém, para a equação estacionária será utilizada a função l(x(t),y(t)) (equação
da curva em relação ao tempo), para representação a ação (E) do sistema:
Utilizando o Teorema da seção 4.3 e analogia em (4):
Tem-se a parábola:
Em que A e B são constantes.
3 - Curvas Orgânicas
3.1- Laboratório Natural
O naturalista inglês Charles Darwin (1.808-1.889) em sua obra Origem das
Espécies, desenvolveu a Teoria do Evolucionismo. Darwin propunha que a evolução da
espécies se daria pelo princípio da competição e adaptação. Assim indivíduos com
melhores características do que outros, em uma situação particular, teriam melhores
chances para sobreviverem e transmitirem seus genes para futuras gerações. Esta idéia
2
0 0
( )( ) ( ) ( ( ), ( ), )2′ ′= − + =∫ ∫
t tml tE t mgl t dt F l t l t t dt (12)
(14)
(E(t)=E é o funcional que representa a ação do sistema)
δ ∂ ∂ = − ′∂ ∂
F d FEl dt l
2
2gtl At B= − + +
(13)
11
pode ser perfeitamente adaptada para explicar porque certos formatos prevalecem sobre
outros, isto é, porque durante o processo evolutivo alguns grupos de curvas se
adaptaram melhor a certas condições do que outras. Para externar essa idéia dentro de
um modelo, pode-se recorrer ao uso dos Algoritmos Genéticos. Num processo análogo a
idéia darwinista, este algoritmo efetua testes e adaptações afim de encontrar dentro um
conjunto de formas aquela que melhor atende um objetivo. Diferentemente do Cálculo
Variacional, que busca uma solução analítica, os Algoritmos Genéticos funcionam
como grandes simuladores naturais. O mais interessante é que seus resultados são
similares aos encontrados pelo Cálculo Variacional, comprovando assim que a
tendência da natureza em tirar partido de um melhor aproveitamento com o uso mínimo
de esforço (energia), é um princípio convergente e independe do instrumento usado para
sua verificação.
3.2 – Algoritmos Genéticos
Os Algoritmos Genéticos (GA - Genetic Algorithms) são mecanismos de
pesquisa baseados no processo de seleção natural e na combinação genética. Sua idéia
principal é fazer com que indivíduos com certas características especiais, isto é, aqueles
com mais afinidade com a função de estudo, sobrevivam e se combinem. Os GA(s)
utilizam processos de escolha e combinação randômicos, seguindo algumas regras
probabilísticas. Isto se deve ao fato de poder rastrear com menos vínculos um conjunto
maior de indivíduos evitando cair em convergências a pontos de máximos e mínimos
locais [4,5].
John Holland da Universidade de Michigan foi o grande introdutor e pesquisador
dos GA(s) nos problemas de busca e otimização de funções. Sua preocupação em
solucionar sistemas, cuja complexidade do processamento acarretaria num aumento de
custos obrigou-o a desenvolver um novo mecanismo que fosse eficaz e eficiente.
Holland baseou seu projeto segundo o raciocínio que sistemas artificiais seriam menos
práticos do que soluções que seguissem regras de refinamento como os encontrados na
natureza (sistemas biológicos). Ao perceber como as características genéticas eram
testadas, melhoradas e combinadas a cada nova geração, Holland traçou um paralelo de
como tais operações poderiam ser inseridas dentro de um modelo de pesquisa. Motivo
este no qual se verá que muitos termos provindos da genética foram aproveitados para
descrever algumas etapas do processo. A primeira monografia de Holland sobre o
12
assunto foi Adaptation in Natural And Artificial Systems (1.975), que serviu de subsídio
para que diversos outros autores explorassem e aprimorassem o tema.
O desenvolvimento do algoritmo é bem simples. A partir de uma função
objetivo, é lançada de modo aleatório uma população inicial. Os números são
convertidos em uma base binária descrevendo o que é conhecido como cromossomo
numérico. A partir de um processo de seleção que leva em consideração o melhor
desempenho de um indivíduo ao cumprimento da função objetivo, grupos de
cromossomos par a par são escolhidos para reprodução. Num mecanismo similar ao
crossing over trocas de partes de seus genes são efetuadas e eventualmente ocorrem
mutações possibilitando a variação numérica. Uma nova população com isso é gerada e
o processo é reiniciado.
Exemplo:
Sejam dois números 20 e 30, escritos na forma dos cromossomos (formato
binário):[00010100] e [00011110]. Estes dois cromossomos são conhecidos como
cromossomos pais (parents). Seleciona-se aleatoriamente um ponto de ruptura da
seqüência (ponto de crossing), por exemplo, posição 6 : [000101.00] e [000111.10].
Permutando as duas partes do cromossomos pais, cria-se uma próxima geração
(offspring) de indivíduos : [00011100] e [00010110] que decodificados representam
respectivamente os números 28 e 22.Por sua vez se for efetuado uma mutação na
seqüência [00011100], modificando-se seu último alelo obtem-se [00011101], ou seja, o
número 29.
3.3 Comparação e Emprego dos GA(s) para o Cálculo de Máximos e Mínimos
Afim de verificar a eficiência dos Algoritmos Genéticos, considere o caso da
braquistócrona saindo do ponto (0,100) e chegando em (100,0).
13
Para solucionar o problema, considere o percursso de 0 – 100 dividido em 5
trechos a cada 20. O algoritmo escolherá um valor em y para cada ponto do trecho e
efetuará o cálculo do tempo despendido por trecho e o tempo total.
Este problema de percurso é típico em Algoritmos Genéticos e é conhecido
como TSP (Travel Salesman Problem - “caixeiro viajante”). Neste caso o cromossomo
solução é formado pela seqüência de 4 outros cromossomos representando os valores de
y nas posições 20,40,60 e 80, visto que em 0 e 100 os pontos assumem valores fixos de
100 e 0. O percurso final será aquele que fornece o menor tempo, isto é, o cromossomo
mais populoso depois de algumas gerações. A cada cromossomo gerado pode-se
associar um “caminho solução”. Assim, por exemplo, a seqüência (que é uma
possibilidade de trajeto) {64, 50, 32 e 8} codificada para u = g(x) corresponde a {164,
Fig.6 – Braquistócrona (0,00) (100,0)
Fig. 7 – Caminhos possíveis avaliados pelo AG.
14
128, 90 e 21} que pode ser simbolizada pelo cromossomo (base binária): [10100100
10000000 01011010 00010101], composto de 28 alelos.
A função g(x) transforma o número real (R) do intervalo de estudo para o
intervalo natural da codificação da base binária. Assim o intervalo I = [0,100] que
representa as posições y possíveis pode ser convertida para u = g(x) levando em
consideração o comprimento do intervalo Lc = 100-0 = 100.
2 l-1 < Lc < 2l
64 = 26< 100 <27 = 128 (l =7, comprimento do cromossomo)
Assim constrói-se uma função g : [0,100] ⊂ R → [0,127] ∩ N tal que :
Obs.:
a) “round” é a função que retorna o número natural mais próximo. Exemplo: round(1.4)
=1, round(1.6)=2 e round(1.5) =2;
b) g(x) admite a inversa g-1:[0,127] ∩ N → [0,100] ⊂ R.
Executando o programa abaixo, específico para o problema proposto, chega-se
ao seguinte resultado:
00
( )( ) (2 1) ; 0x xu g x round xLc− = = − =
l
7( )( ) (2 1) 100
xu g x round = = −
Fig. 8 – Programa de AG para o cálculo do percurso de tempo mínimo entre (0,100) e (100,0).
15
As posições y1, y2, y3 e y4 se referem respectivamente aos valores nas abcissas
20, 40, 60 e 80. O tempo máximo e mínimo estão relacionados com indivíduos
existentes na geração de estudo. O “tempo médio” é o tempo relacionado com a média
das posições y da geração de trabalho, que ocasionalmente pode ser menor que o tempo
mínimo. Isto ocorre porque o percurso gerado pela média dos y, não é um caminho que
existe na população criada após o algoritmo completar uma interação.
Após 6 gerações, utilizando probabilidade de cruzamento 60% e mutação 1%
obteve-se a seqüência solução de {51.6, 30.1, 19.7 e 10.3}. Comparando os resultados
do Calculo das Variações e AG obtem-se:
Y AG CÁLCULO DAS VARIAÇÕES Yo 100 100 Y1 51.6 56.6 Y2 30.1 35.8 Y3 19.7 20.4 Y4 10.3 9.4 Y5 0 0
3.4 – Frutas, moluscos e ovos
Muitas funções objetivas podem ser cogitadas para que em condições bem
particulares se justifique a adaptação ou não em um determinado contorno. A mais
simples seja talvez a que esteja relacionada com a área e o perímetro. Para polígonos
regulares, inscritos em uma circunferência de raio 1, se for considerada a relação f(n) =
A(n)/P(n) (A(n) área, P(n) perímetro e n número de lados) a convergência para o valor
Tab. 3. – Pontos do AG x Cálculo Variações.
Fig. 9 - Comparação do percurso pelo AG e o Cálculo das Variações.
16
máximo (f(n) = 0.50) se dará quando n�∞. Portanto a circunferência será a figura
geométrica que melhor expressa essa função. Isto justificaria, por exemplo, porque a
árvores adotam em seus troncos formatos próximos ao circulares.Com o uso mínimo de
material obtêm-se uma maior área da seção. Se este conceito for transportado para
relação volume/área, a esfera se mostrará o elemento ideal, sendo por isso que alguns
frutos poderiam adotar estes formatos.
Muitos dizem que a as espirais são as curvas da tradução da vida devido a suas
inúmeras aparições no mundo animal. O próprio DNA enfatiza essa idéia, pois o mesmo
possui o formato de uma hélice. Com certeza as mais surpreendentes espirais são
aquelas que aparecem nas conchas de alguns moluscos [6,7,8,9]. Pela constância com
que tal forma aparece, isto sugere que de algum modo a seleção natural deva ter
escolhido este padrão por ele apresentar particularidades que garantam um melhor
desempenho.
Inúmeros autores já desenvolveram trabalhos nos campos das espirais. O
precursor formal foi Arquimedes descrevendo a espiral na forma r = aθ . Outras
espirais famosas também merecem destaque como a espiral de Galileu (r2 = a2θ ), e
espiral de lituus (r2θ = a2) e logarítmica (r = eaθ). Esta última foi descoberta por René
Descartes (1.596 –1.650), sendo aprimorada por Jacob Bernoulli e Euler. A espiral
logarítmica também é conhecida como bernoulliana e se caracteriza por ser planitotal
(abrange integralmente o plano de trabalho) e nunca atingir seu pólo, fazendo sim
sucessivas voltas ao seu redor. O matemático brasileiro, Júlio Cesar de Mello e Souza
(1.895 – 1.974), conhecido mais como a personagem Malba Tahan em seu livro
Maravilhas da Matemática [7] descreve uma particular propriedade da bernoulliana que
Fig. 10 – Formato esférico em maçãs. Fonte: ABPM
Fig. 11 – Maioria dos cítricos possui o formato esférico. Fonte: www.brasilien.de
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lhe garante sua simetria e elegância : “a bernoulliana cresce, conservando-se semelhante
a si própria, e exprime, desse modo, o crescimento harmonioso”.
Tecnicamente pode-se definir como espiral “a curva plana gerada por um ponto
P de uma reta que passa sempre por um ponto fixo O, denominado pólo e que gira
uniformemente em torno de O; o ponto P se desloca ao longo da reta OP de acordo com
alguma lei”[6].
Certos moluscos optam por estruturas em hélices e espirais pois elas permitem a
construção de um abrigo de modo mais rápido com o menor uso de material, garantindo
ao indivíduo maiores chances de sobrevivência. Caso esses animais optassem por outro
formato com certeza possuiriam conchas mais confortáveis, por exemplo, se as
construções fossem cilíndricas ou paralelepípedas resultariam em espaços internos
maiores. Porém, demandaria a estes indivíduos um maior tempo de exposição,
tornando-se mais sujeitos a investida de predadores. Para aliviar o incômodo que estes
animais estariam enfrentando devido ao tamanho de seu abrigo constata-se que sua
composição corpórea é extremamente flexível e capaz de se adaptar em todo tipo de
proteção.
Outro elemento de interesse peculiar é o ovo de galinha. Sua seção é circular,
porém o seu perfil é uma catenária. A opção por este perfil contrapondo-se ao da
PO
Fig. 12- Definição da espiral pelo ponto P.
Fig. 13 – Espiral do Nautilus. Fonte: Ecologia e Desenvolvimento nº99 2.002
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circunferência, está relacionado com a melhor forma fluidodinâmica, facilitando ao
certo o trabalho da ave na expulsão do ovo. A casca do ovo antes de ser expulso é
formado por uma tripla camada de pouca consistência. Esta camada é composta por
pequenos poros que são preenchidos com um líquido que dará o contorno final, sendo
este posteriormente evaporado. Portanto na confecção do ovo ele é inflado sofrendo
efeito de tração em suas multidireções. O arco confere uma maior resistência do
conjunto, permitindo a galinha remanejar a disposição dos ovos no ninho com mais
facilidade e ficar sobre os mesmos. Qualquer outro formato, por exemplo, provido de
arestas teria conseqüências desastrosas, devido a criação de zonas de atrito e pontos
frágeis suscetíveis a um maior desgaste e possibilidade de quebra.
Dividindo-se um ovo ao meio no seu sentido longitudinal e desenhando o seu
perfil obtem-se a figura abaixo:
A parte vermelha do gráfico representa aproximadamente o contorno de uma
catenária, dada pela expressão:
Por meio dos resultados gráficos, pode-se compará-los com os valores da
catenária dada pela expressão 3.5 e com a parábola (interpoladora dos pontos) obtida
pelo Método dos Mínimos Quadrados y(x) = 0.061x2-0.249x+0.04.
5
10
15
20
25
30
35
40
55
50
45
0 10 20-20 -10
x
y
Fig. 14 – Perfil longitudinal de um ovo de galinha.
( ) 12.65 cosh 112.65
xy x = −
(15)
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X mm
YGRÁFICO
mm
YCATENÁRIA
mm
�% catenária
YPARÁBOLA
mm �%
PARÁBOLA 0 0 0.0 0.00 0.0 0.00
11 5 5.1 1.96 4.6 8.00 15 10 10.0 0.00 10.0 0.00 18 15 15.1 0.66 15.3 2.00 20 20 19.4 3.00 19.4 3.00
4 – Conclusões
Embora o Cálculo Variacional e os Algoritmos Genéticos justificam até certo
ponto o porquê de alguns contornos assumidos pelas curvas naturais, muitas
ponderações devem ser questionadas. Um exemplo disto é a escolha da função objetivo
no uso dos Algoritmos Genéticos. Definir uma função objetivo não garante
necessariamente que na natureza esta função tenha sido o elemento norteador para a
busca da melhor forma. Ainda mais, os Algoritmos Genéticos pressupõe dentro de um
lançamento de uma população inicial aleatória que ocorram sucessivos refinamentos até
a obtenção do resultado mais satisfatório. Problemas, todavia, surgem dentro desta
concepção. Primeiramente se somente para o desenvolvimento dos algoritmos for
trabalhado o conceito de tentativa e erro (princípio darwinista), em formatos mais
complexos muitas gerações são necessárias até chegar a um resultado ideal. Na
natureza, porém, a evolução promove “saltos qualitativos” sugerindo que de alguma
forma “inteligente” seja estabelecido uma diretriz, evitando assim, a criação de
protótipos que fugissem do objetivo proposto. Isto abrevia de modo significativo a
evolução para um certo formato.
5 - Bibliografia
[1] Maupertius, Pierre Louis Mourea; Essai de Cosmologie; Paris: J. Vrin,
1.984.
[2] Giacaglia, Giogio E.; Mecânica Analítica; Almeida Neves Editores, LTDA
1.978.
[3] Butkov, Eugene; - Mathematics Physics; Addison-Weslwy Publishing
Company, Inc 1.968
Tab. 4 – Comparação entre os resultados do perfil do ovo de galinha dado pela catenária e pela parábola.
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[4] Goldberg, David E. Genetic Algorithms in Search, Optimization, and
Machine Learning – Addison-Wesley Publishing Company, Inc.
[5] Michalewiczs, Zbigniew; Genetic Algorithms + Data Structures = Evolution
Programs ; Spring-Verlag 1.994.
[6] Vasconcelos, Augusto Carlos de; Estruturas da Natureza; Studio Nobel 2.000
[7] Tahan, Malba - As Maravilhas da Matemática ; Bloch Editores 1.972
[8] Boll, Marcel – Le Mystrère des Nombres et Des Formes; Augé, Gillion,
Holler-Larousse, Mounreau et Cie, 1.941
[9] Doczi, György – The Power of Limits; Shambhala Publications, Inc. 314
Dartmouth Street, Boston 1.981
6-Dados do Autor
Antonio Carlos Julianelli Ferrão
r. João Moura, 1362 ; 12 MA São Paulo SP - Brasil
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Prof. Dr. Alexandre Kawano
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