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48Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2015
INTRODUÇÃO
John Edward Christopher Hill nasceu em 1912, integrou o grupo
de historiadores que formavam o Partido Comunista Inglês. Por meio
do partido, Hill adquiriu um grande respeito dos seus companheiros
de profissão, que viam na figura do historiador inglês, um experiente
líder.
Entre as diversas obras que se destacaram de Hill, “O Mundo de
Ponta-Cabeça: estudo sobre os radicais de 1640” publicada em 1972
se diferenciou pela sua ênfase na cultura popular.
A Inglaterra passava por muitas mudanças no séc. XVII, mas
vestígios da “Idade Média” ainda perseguiam a população. O reino e a
Igreja eram intolerantes às práticas que desobedecessem aos dogmas
anglicanos, porém cultos de práticas religiosas protestantes ganhavam
força com alguns grupos radicais que tentavam impor soluções para os
problemas de seu tempo.
O Parlamento, divididos em Comuns e Lordes, descontentes com a
atuação da monarquia e os pedidos realizados pelos mesmos foi extinto
por um curto período de tempo e a Inglaterra se encaminhou para o
século das revoluções.
As seitas começaram a dar uma nova perspectiva do mundo, visando
o humanismo e explorar o lado sem pecado, ações que entraram em
“TREMAM DIANTE DE DEUS”: UMA ANÁLISE DA OBRA: “O MUNDO DE PONTA-CABEÇA” DE CHRISTOPHER HILL
Autor: Cleverson Ribeiro Soares
Orientadora: ProfªDrª. Liz Andréa Dalfré
conflito com as idéias clericais, que incomodados, adotaram medidas
para amenizar ou até mesmo extinguir as práticas.
A burguesia também estava descontente com a situação, pois o
espiritual acabava interferindo nas negociações e nas suas estimativas
de lucro, mesmo lucro que era visto como heresia, porém, ao mesmo
tempo, o dinheiro cobrado de indulgências serviu para construção de
novas basílicas por parte do clero.
Dentro da pesquisa a intenção não será trabalhar com as heresias, tema
que me desperta muito a atenção e que eram o objetivo inicial. Mas devido
a escassez de fontes, optei por outro caminho e o contexto inglês de 1640
inserido na obra de Christopher Hill, me permitiu trabalhar simultaneamente
com as heresias sem elas serem meu objeto de estudo, este que foi focado
na visão do historiador inglês em relação as seitas do século XVII.
Christopher Hill na sua obra identificou alguns grupos,
denominados por ele como seitas radicais, como os quacres, ranters,
pentamonarquistas, anabatistas, muggletonianos, diggers e levellers.
Interpretados por radicais pelo autor pelo fato de que suas ações
chegaram muito perto de virar a ordem social, ou próximos de virar “o
mundo de ponta cabeça”
A intenção do trabalho foi a de analisar a obra “O mundo de Ponta-
Cabeça” para perceber qual o olhar de Christopher Hill sobre as seitas,
por ele denominado de radicais.
49Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2015
Para interpretar o período, o historiador inglês analisou uma série
de fontes primárias, sendo elas: panfletos assinados ou anônimos,
folhas separadas, livros escritos na época, extratos do parlamento,
cartas e jornais.
Hill encontrou suas fontes de formas distintas. Algumas são
comercializadas por preços populares, como as cartas que foram
publicadas. Outras, como os panfletos, foram consultadas em suas
versões originais que se encontram no Museu Britânico
O grande mérito de Hill em escrever “O Mundo de Ponta-Cabeça”
foi saber mesclar com perfeição as fontes, resultando em um texto
simples porém muito bem escrito, sabendo variar entre a simplicidade
destinada ao leitor comum á complexidade exigida pela acadêmia.
Para analisar a obra foi necessário contextualizar a trajetória de
Hill, pois sua abordagem histórica está relacionada aos fatos que
ocorreram na sua vida. Para complementar a analise foi importante
identificar as seitas e suas características além de suas respectivas
ações, que apresentavam uma idéia contrária a imposta pelo clero e
pela monarquia.
A análise de Hill se dirigiu a Inglaterra da Idade Moderna, momento
no qual já havia colônias, as navegações estavam a todo vapor e a
rivalidade e competitividade entre as nações que se diziam potências era
grande. Neste contexto, a Inglaterra passou por constantes revoluções e
conflitos internos religiosos. Em meio a esse cenário conturbado estavam
os denominados por Hill como radicais, indivíduos que apresentavam
resistência à política e religião oficiais da Inglaterra.
Entre os principais historiadores que estudam o século XVII
destacam-se, além de Hill, Lawrence Stone que abordou a revolução
inglesa na perspectiva política, citando, mas não dando a ênfase aos
grupos que Hill denominou como radicais.
Como referencial teórico utilizei o texto do capítulo “Costumes
e Cultura” do livro Costumes em Comum do autor E. P. Thompson.
Neste texto, o autor discutiu como as classes populares se relacionaram
com as dificuldades trazidas pela modernidade em detrimento dos
seus costumes. “Apresentavam muitas afinidades com o direito
consuetudinário, esse derivava dos costumes, dos usos habituais do
país: usos que podiam ser reduzidos a regras e precedentes, que em
certas circunstâncias eram codificadas e podiam ter a força da lei.”
(THOMPSON, 1998, p. 15).
Em grande parte, os ingleses resistiam com os costumes, e o novo,
o moderno não era bem visto. Thompson também foi importante por
problematizar a palavra cultura, defendendo a diversidade desta, e que
pode “levar a confundir ou ocultar distinções que precisam ser feitas”
(THOMPSON, 1998, p. 22).
Como fonte para esse trabalho, utilizei o livro do Christopher Hill “O
mundo de Ponta Cabeça: Idéias radicais na revolução 1640”, traduzido
para o Português em 1987 por Renato Janine Ribeiro e publicado pela
editora Schwarcz Ltda.
Os capítulos estão divididos em duas partes. Primeiramente, abordo
a trajetória do historiador até a publicação da obra, seguida por uma
análise dos capítulos e como Hill conseguiu organizar as fontes para
defender suas idéias.
No segundo capítulo, procuro abordar o contexto da Inglaterra
que é essencial para melhor compreender o período de 1640 a 1660
e analisar como Hill definiu os grupos denominados radicais. Para
finalizar, analiso quais as ações desses grupos complementando com
as idéias de Edward Thompson para demonstrar que suas ações eram
uma forma de resistência.
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1 O MUNDO DE PONTA CABEÇA
1.1 CHRISTOPHER HILL: FORMAÇÃO E TRAJETÓRIA
Christopher Hill formou mais historiadores do que muita faculdade já antiga de Oxford. (Edward Palmer Thompson)
John Edward Christopher Hill nasceu em 1912 em Yorkshire, na
Inglaterra e teve em sua vida tempos de tensões e conflitos. Iniciou
sua formação na St Peter School, York e no Balliol College, Oxford. Em
1936, Hill se tornou professor de História na University College.
A escola Inglesa1 da década de 30 foi grande formadora de
marxistas. Hill se afeiçoou a ideologia marxista, que para ele no
momento parecia ser a solução para os conflitos existentes na época. A
ideologia comunista e suas promessas de acabar com a desigualdade
social propondo uma revolução por parte do proletariado dividiu o
mundo em opiniões.
Dois anos após começar a lecionar em Universidades, Hill serviu na
2ª Guerra Mundial, onde colaborou com o exército britânico na área de
inteligência e só voltou a lecionar em 1945 com 33 anos de idade.
De um ponto de vista amplo, Christopher Hill foi, junto com Maurice Dobb [1900-1976], a figura mais importante na formação da escola de pensamento marxista dentro da historiografia britânica. Os debates que levaram à constituição do influente Grupo de Historiadores do Partido Comunista (composto por mim, Hill, Rodney Hilton, E.P.Thompson, V.G.Kiernan e outros) começou com seu pequeno ensaio “The English Revolution” [“A Revolução Inglesa de 1640]”, publicado em 1940. Hill era um pouco mais velho que o restante do nosso grupo, e, por isso, se
1 Escola inglesa - Se refere às Universidades Inglesas que formaram um grande número de historiadores que se afeiçoaram a doutrina socialista.
tornou nosso líder. Também fundou e presidiu nosso periódico, “Past & Present’. (HOBSBAWM. In: COLOMBO, 2003 p irreg)
A Escola inglesa que revolucionou a historiografia mundial, pois
adentraram temas privilegiando a cultura popular e não somente as elites,
contava com autores renomados como Edward Thompson, que escreveu
títulos como: “Costumes em comum”, “A Formação da classe operária
inglesa”, e procurou exaltar a cultura sempre em âmbitos sociais, além de
dar ênfase a cultura popular inglesa.
Eric Hobsbawm também foi da escola inglesa, estudou História Moderna
Inglesa e Marxismo e conta com obras como “A Era das Revoluções”, “A
Era do Capital”, “A Era dos Impérios”, “A Era dos Extremos”, entre outras,
o que o coloca entre os grandes nomes da historiografia mundial.
As discussões do periódico de Christopher Hill sobre “a revolução
de 1640” resultaram na criação do grupo de historiadores do Partido
Comunista em 1946. Hill, afeiçoado a estudar o socialismo viveu na
União Soviética em 1935, onde ficou por pouco tempo, com a intenção
de estudar a vida cotidiana. Assim Hill conheceu a historiografia soviética,
e como retratavam os fatos, com concepções sustentadas por Marx e
Engels.
Com novos conhecimentos e sob influência marxista, Hill concluiu que
o puritanismo inglês não se tratava de um confronto religioso, mas sim,
de uma luta de classes.
Discordâncias com o Partido Comunista, como a invasão da União
Soviética a Hungria fizeram Hill que era muito crítico, deixar o partido em
1956. Junto com sua saída, outros historiadores o acompanharam, como
diz Eric Hobsbawm:
[...]O grupo tornou-se quase que imediatamente o núcleo da oposição [...] Nos rebelamos e levantamos os dois desafios mais sonhados do
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Partido. No primeiro, um dos mais proeminentes membros do grupo, Christopher Hill, atuou como porta-voz[...] A intervenção soviética no levante húngaro levou muitos de nós abrimos em disciplina do partido uma segunda e talvez mais gritante diferença tecnicamente punível de expulsão: uma carta coletiva de protesto assinado pela maioria dos historiadores mais conhecidos (incluindo Maurice Dobb Fiel, que geralmente não se pronunciava), rejeitadas pelo Daily Worker e publicado com alarde pela imprensa fora do partido. (HOBSBAWM. In: COLOMBO, 2003 p irreg)
Mesmo com a saída do partido, Hill jamais se tornou anti-comunista,
ou seja, jamais criticou o comunismo em suas obras ou mudou suas
abordagens devido a sua ideologia não ter se concretizado em suas
expectativas políticas, seus estudos se mantiveram focados sempre na
cultura não hegemônica, a qual aborda elementos populares e não
somente os grandes nomes. Os outros historiadores que deixaram o
partido juntamente com Hill seguiram a mesma linha.
Nos anos seguintes Hill publicou “Puritanismo e religião” (1958),
“Origens da Revolução Inglesa” (1965) e “O Mundo de Ponta-Cabeça”
(1972).
Havia um preço a se pagar por se afiliar ao partido e defender o
Marxismo, pois as grandes Universidades inglesas não possuíam membros
do Partido Comunista, e existia uma recusa aos mesmos. Porém, ao invés de
se desculpar e discursar sobre arrependimento a respeito do comunismo,
Hill manteve sua postura até o fim. “Homens como Hill, como Hobsbawm,
como Hilton nunca foram capazes de obter cadeiras das grandes
universidades, que tiveram acesso a muitos “bem pensantes” mediocres”.
(FONTANA, 1988, p. irreg.).2Apesar das dificuldades de acesso as grandes
Universidades esses historiadores receberam reconhecimento acadêmico
devido à qualidade e alcance de suas pesquisas.2 Josep Fontana – Historiador formado na Universidade de Barcelona, especialista em história espanhola.
Christopher Hill faleceu em fevereiro de 2003, o mesmo já
convivia com o Alzheimer há alguns anos, deixando para as futuras
gerações uma série extensa de livros sobre a história inglesa, dentre
eles: Os Eleitos de Deus, O Mundo de Ponta-Cabeça, Origens
Intelectuais da Revolução Inglesa, A Bíblia Inglesa e as Revoluções
do Século XVII, A Revolução Inglesa de 1640, entre outros.
As causas de sua morte são desconhecidas e os reconhecimentos após
seu falecimento vieram dos seus colegas de profissão, principalmente
os antigos membros do Partido Comunista, como Hobsbawm, que
reconhecem que sem Hill, a historiografia inglesa sobre o século XVII
não seria a mesma.
1.2 UM LIVRO DE PONTA CABEÇA
O livro “O Mundo de ponta cabeça” foi publicado em 1972. Nesta obra Hill analisou idéias e ações interpretadas por ele como radicais que ocorreram no período de 1640 á 1660.
Se nós, brasileiros, devemos continuamente lidar com o mito do povo
bom, cordial, submisso, os ingleses têm um mito parecido, talvez ainda
mais forte em sua cultura: o da sociedade na qual as mudanças se fazem
de maneira consensual, na qual a gentileza (termo que remete à pequena
nobreza, à gentry) prevalece sobre os conflitos, e estes não desandam
em confronto. Como todos os mitos, este possui eficácia, gerando
comportamentos que o confirmam. (RIBEIRO. In: HILL, 1987, p.11).
Hill mostrou que os diversos grupos radicais do século XVII na Inglaterra,tomaram ações que apontam que o mito não é completamente verdadeiro.Neste livro, ele abordou diversas idéias desses grupos que, infelizes com a situação da monarquia e a insatisfação com o clero devido à proximidade com a Igreja Anglicana, apresentaram ações de resistência aos mesmos.
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Em outra perspectiva, a visão de que na cultura inglesa a gentileza
vem predominando também é verdadeira, pois a mais de três séculos
o país não sofre com guerras civis ou golpes de Estado, ao contrário
de outras potências européias que não passaram pelo mesmo processo.
Gentileza que se justifica devido à institucionalização do poder, a divisão
entre Comuns e Lordes muitas vezes evitava conflitos, porém, conflitos
sociais ocorriam constantemente.
Christopher Hill estudou a Revolução Inglesa de diversos aspectos:
econômico, cultural, religioso, partidário e classista, o que justifica seus
diversos livros e artigos falando sobre o mesmo período, em cada livro
aborda de uma forma diferente. Ele acreditava que no século XVII as
mudanças ocorreram bruscamente na Inglaterra, mudanças que
permitiram a esse país se tornar uma potência.
Se você observar a Inglaterra no século XVI, verá que é uma potência de segunda classe, levando um embaixador inglês em 1640 a dizer que seu país não gozava de qualquer consideração no mundo. O que era verdade. Mas já no começo do século XVIII a Inglaterra é a maior potência mundial. Logo, alguma coisa aconteceu no meio disso. (MARQUES; BERUTTI.; FARIA, 2012, p.12).
Em “O mundo de ponta cabeça” o fator predominante é a cultura
popular do século XVII, e como os pequenos atos vindos das classes
desfavorecidas também merecem um lugar na história. Trabalho que
obteve uma espécie de sequência com Edward P. Thompson, que escreveu
sobre a cultura popular do século XVIII. Em “Costumes em Comum”,
Thompson abordou alguns dos mesmos grupos de Christopher Hill,
obra que também serve como uma espécie de intermediador entre Hill e
Hobsbawn, construindo assim uma historiografia inglesa sequencial dos
séculos XVII ao XX.
Eric Hobsbawm se referiu às pesquisas de Hill nos seguintes termos:
Do ponto de vista exclusivamente britânico, Christopher Hill foi o maior historiador da Inglaterra no século 17 e do que eram constituídas as ideologias revolucionárias do protestantismo puritano. Transformou a idéia geral que se fazia do país durante o período que chamou de “O século da Revolução”, quando a Inglaterra julgou e executou o seu rei - a primeira vez que algo do gênero acontecia na Europa - transformando-o, pouco depois, em uma República.(HOBSBAWM. In: COLOMBO, 2003 p irreg)
Para escrever “O Mundo de Ponta-Cabeça”, Hill se inspirou na
década de 1960, mas especificadamente na Revolução Cultural
Chinesa que ocorreu em 1966 e fascinou muitos adeptos marxistas do
período, pois o ocorrido envolveu o proletariado e teve em sua proposta
o objetivo de acabar com a opressão sofrida pelo trabalho manual por
parte do intelectual.
Cada intelectual tinha que trabalhar 1 mês por ano com as mãos,
para assim aprender a valorizar o trabalho pesado, devido ao descaso
que ocorria de pessoas com trabalhos que exigem menos esforço em
relação aos que executavam trabalhos mais pesados. Os crimes, assim
como os erros da Revolução Cultural, só foram descobertos anos mais
tarde.
Eric Hobsbawn citou ainda os movimentos estudantis como
influência para o livro “O Mundo de Ponta-Cabeça”.
Trata-se de um amplo e completo estudo sobre os ultra-radicais e os utópicos da Revolução Inglesa. Na época, lembro-me de que Hill recebeu inspiração do radicalismo estudantil que havia no meio universitário dos anos 60. Diferente de outros marxistas de minha geração, ele manteve contato e seguiu interessado no radicalismo de 1968. (HOBSBAWM. In: COLOMBO, 2003 p irreg)
A metodologia de Hill sofreu críticas por parte do historiador Jack
H. Hexter (especialista em história inglesa), PHD na Universidade de
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Harvard, que foram publicadas no periódico “Times Literary Supplement
review”. Na ocasião, Hexter atacou Hill acusando o mesmo de ser
um ‘lumper’ da história, de ler seletivamente, complementou ainda
criticando a ideologia marxista que influenciaria os historiadores a
generalizações em excesso.
Blair Worden foi outro historiador americano especialista na
Inglaterra que criticou Christopher Hill. Para Worden a interpretação de
Hill sobre um dos membros da Common law3 seria equivocada. Para ele,
os anos de 1950 e 1960 foram emocionantes para os historiadores que
focam seus estudos no século XVII, pois a História virou uma arma na
Guerra Fria. Apesar das críticas, Worden também afirmou que Hill foi um
historiador extraordinário, que soube misturar ousadia e poder, além de
contrariar a escrita acadêmica e elaborar livros para serem entendidos
pelo leitor comum, e não a um seleto grupo.
Hill influenciou obras de outros historiadores como Conrad Russell4
e John Morril5. Morril no seu ensaio em 1989 elogia Hill pela sua
contribuição histórica: “Se podemos ter certeza de que o século 17
mudou a Inglaterra e os ingleses mais do que qualquer outro bar do
atual século, devemos esse reconhecimento a ele mais do que qualquer
outro estudioso”. (MORRIL, ap. GÓMEZ, 2003, p. irreg.).
A obra “O mundo de Ponta-Cabeça” chegou a ser adaptada para o
teatro, sendo exibida no “National Theatre de Londres”, algo extremamente
3 Common law – é o direito que se opõe ao direito romano. Na Common Law os tribunais enunciavam a tradição e os costumes e desta forma apareciam como defensores das liberdades antigas.4 Conrad Russell - Historiador graduado em Oxford, filho mais novo do matemático , filósofo, ativista político e ganhador do Prêmio Nobel, Bertrand Russell. Conrad Russell realizou seu doutorado, influenciado por C. Hill, sobre as leis de traição no século XVII.5 John Morril – Historiador britânico especialista em história moderna inglesa, escreveu obras como “Oliver Cromwell and the English Revolution” e “The British Problem:1534-1707”.
raro para obras historiográficas, pois os textos não são usuais devido a
complexidade, algo que para Hill não parecia ser um problema.
“O mundo de ponta-cabeça” na versão em português foi publicado
em 1987 pela Companhia das Letras, com tradução de Renato Janine
Ribeiro e esta dividida em 18 capítulos, possuindo um total de 481
páginas.O nome da obra “O mundo de ponta cabeça” é em justificativa
a tentativa de pessoas simples em tentar reverter todo um cenário de
opressão por parte da classe dominante e a Igreja, que segundo Hill,
chegaram perto de virar o mundo de Ponta-Cabeça.
Em sua pesquisa Hill utilizou diversas referências, nas quais se
destacam os periódicos que são do século XVII, que eram distribuídos pelas
seitas. A partir destes panfletos e com a complementação bibliográfica,
Hill finalizou a obra.
Na introdução6, Hill deixa claro o que apresentará em seu livro,
a imprensa, a loucura, os radicais e parte da revolução inglesa, na
perspectiva dos por ele definidos, como radicais.
No Capítulo 2 “O Pergaminho e o fogo”7 Christopher Hill analisou
a fonte de John Barclay, o livro “Icon Animorum” e através de pesquisas
sobre as seitas principalmente anabatistas defende seu ponto de vista
marxista, no qual as heresias vindas das classes populares apresentava
uma tensão anticlerical. “Além dessas tensões de classe, ou expressando-
as, existia uma tradição plebéia de anticlericalismo e irreligião”. (HILL,
1987, p.42).
Hill citou os levellers como oposição a tradição familista inglesa, o
que também era uma ação anticlerical, pois: “Havia a tradição familista
segundo Cristo estava presente em cada fiel”. (HILL, 1987, p.51).
6 A Introdução equivale ao capítulo 1 da obra.7 Hill também analisou a bibliografia de Conrad Russel “The Crisis of Parliaments”, Carola Oman “Elizabeth of Bohemia”, William Lilly, S. R. Gardiner, W. Drummond, D. B. Heriot, T. Adams, Thomas Hobbes, S. Marshall, entre outros.
54Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2015
No capítulo 3 “Homens sem senhor”, Hill utilizou os livros de T.
Middleton “The Mayor of Queensborough”, Robert Powell “A Treatise
of...Courts Leet” e M. Sylvester “Reliquiae Baxterianae” para defender
a idéia da ocupação das terras comunais na época. Segundo Hill: “Os
terrenos comunais são sementeiras de mendigos, como podemos ver
nas florestas e pântanos” (HILL, 1987,p.66), o capitalismo começava
a tomar forma, alguns enriqueciam enquanto outros viviam jogados
na miséria.
Hill concluiu que a reforma agrária radical tomou forma nos grupos
dos levellers e diggers, grupos que tentaram ocupar os espaços que até
então eram inabitáveis.
No capítulo 4 “Agitadores e oficiais” Hill utilizou o periódico de
William Segdwick “A Second View of the army Remonstrace”, para
analisar os grupos denominados agitadores, devido a péssima imagem
que passavam por serem desocupados, chamados por Hill de homens
sem senhores.
Hill descreveu que muitos dos homens do exército do Novo Tipo
eram pessoas que ocupavam áreas desabitadas, e com uma análise
sobre W. Lilly “The Starry Messenger” chegou à conclusão de que a ação
vinha principalmente dos homens que nada tinham: “Os habitantes
dos pântanos de Holland, assim como aqueles hábeis e conhecidos
mateiros de Dean, estavam sempre dispostos a se levantar contra as
forças de Sua Majestade”. (HILL, 1987,p. 72).
Através de um discurso no periódico de Clement Walker “History
of the Independency”, inimigo dos radicais do Exército, Hill conseguiu
analisar o sucesso dos mesmos, que se deu devido aos objetivos políticos
que cada grupo, denominados por Hill como radicais possuíam e esses
grupos não iriam se submeter a um governo civil. “O que impressiona
o historiador é ver quantos objetivos políticos todos esses grupos tinham
em comum – a abolição dos dízimos e da Igreja oficial, a reforma do
direito e do sistema educacional, a hostilidade às hierarquias de classe”.
(HILL, 1987, p. 85).
No capítulo 5 “O Norte e o Oeste”, Hill utilizou o discurso de Lord
Brooke “A discourse opening the Nature of that Episcopacie which is
exercised in England”, para analisar a divisão inglesa no século XVII,
“durante a guerra civil, expressa também um confronto entre o norte
e o oeste, relativamente atrasados, e o sul e o leste, economicamente
avançados”. (HILL, 1987, p.87).
Analisando o discurso no periódico de C. Walker “History of the
Independency”, Hill descreveu que para suprir falhas foram instaladas
Comissões para Propagação do Evangelho no Norte e em Gales.
Hill através de uma análise de Lawrence Stone “The Educational
Revolution”, sugeriu que haviam muito mais escolas particulares dirigidas
por sacerdotes no sul e leste do que no norte e oeste e foram nessas
terras mais afastadas, principalmente áreas florestais, que surgiam o
maior número de participantes das seitas religiosas
Hill também se utilizou de fontes anônimas como quem escreveu “A
Brief Narrative of the Irreligion of the Northern Quakers”, para concluir
que os quacres continham em seus chefes artesãos nortistas e pequenos
proprietários rurais.
No capítulo 6 “Uma nação de profetas”, Hill utilizou como fonte
os panfletos de Arise Evans “The Bloudy Vision of John Farley”, para
analisar as crenças em astrologia e milenaristas, que segundo a fonte,
até mesmo os ladrões costumavam consultar adivinhas e astrólogos
para saber se iriam ser enforcados, em um período em que, “a maior
parte das aldeias tinha seu curandeiro, sua feiticeira especializada em
magia branca: era mais barato recorrer a esses do que a um médico ou
advogado”. (HILL, 1987,p. 100).
55Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2015
Hill também analisou fontes em forma de almanaque como
o periódico de William Lilly “A Collection of Ancient and Modem
Prophecies”, um almanaque astrológico, que segundo Hill, “eles
seriam o fator que, isoladamente, maior dano fizera à causa do rei”
(HILL, 1987,p. 102), pois vendiam mais que a Bíblia e apresentavam
limitações do poder monárquico exaltando a magia, no caso, na figura
de Merlim.
Novamente Hill analisou fontes anônimas tais como “The ancients
Bounds, or Liberty of Conscience” e“The Spiritual Courts Epitomized”, os
periódicos revelaram a Hill, a questão da tolerância religiosa no período,
e que o termo herege ainda era utilizado para classificar pessoas que se
opunham as crenças romanas. Hill mostra que os panfletos, defendiam
as pessoas que realizavam as heresias. “Os termos herege e cismático,
dizia um panfleto publicado no mês seguinte, não passam de nomes
pejorativos aplicados a qualquer um que se oponha aos tiranos e
opressores”. (HILL, 1987,p. 112).
Hill também analisou notas do Parlamento como o “Extracts from
State Papers relating to Friends”, o qual utilizou para provar que
perturbar o culto era crime nos tribunais seculares, lei aprovada no
reinado de Maria, a qual causou aos quacres uma série de acusações,
pois os mesmos alegaram ter o direito de falar quando terminasse o
sermão quando Fox dirigiu a palavra no tribunal, logo foi acusado de
violar a lei de culto.
No capítulo 7 “Levellers e Levellers Autênticos”, Hill analisou
nas fontes a diferença entre um leveller e um leveller autêntico. Para
definição de leveller autêntico, Hill analisou o panfleto “The True Levellers
Standard Advanced” para concluir que: “Os diggers se proclamavam os
autênticos (ou verdadeiro levellers, denominação que já fora usada em
1647por Lawrence Clarkson” (HILL, 1987,p. 124), já que os levellers
nunca caracterizaram um movimento unido e disciplinado, o que
dificulta a interpretação sobre os mesmos.
Hill também analisou os panfletos de Winstanley como o “The
Law of Freedom”, que leva o subtítulo de “True Magistracy Restored”
(Restabelecer o governo legítimo), para comprovar que seus escritos
citavam duras críticas a monarquia e a postura clerical.
Winstanley não tinha o que fazer com a religião tradicional. O seu anticlericalismo era muito mais radical, convicto e sistemático do que o de qualquer outro escritor dos tempos revolucionários – e note-se que entre eles figuravam muitos anticlericais. ‘Qual a razão’, perguntava Winstanley, para que a maior parte das pessoas ignore as suas liberdades, e tão poucas tenham as capacidades necessárias para serem eleitas às funções da república? Isso ocorre?, respondia ele, porque o velho clero monárquico...continua a destilar os seus cegos princípios infundindo-os no povo e assim nutre a ignorância deste. (HILL, 1987,p.147)
No capítulo 8 “Pecado e Inferno”, Hill analisou nas fontes como os
grupos apontados por ele como radicais conviveram com as crenças de
pecado e inferno. “Alguns movimentos heréticos reclamaram a salvação
para todos os homens, ou, pelo menos, para todos que fizessem parte
de uma determinada comunidade”., (HILL, 1987,p. 156). Hill através
de analises descreveu que no período era muito fácil fazer o homem se
sentir como pecador, consequentemente desencorajá-los de qualquer
tentativa de remissão.
Através de uma analise sobre a fonte de T. Hooker “The Application
of Redemption”, Hill interpretou que os homens a partir do momento
que se juntavam em um coletivo perdiam o medo e sentiam-se livres.
Esse duplo sentimento de força – graças à autoconfiança individual e à unidade com um coletivo – produziu a notável liberação de energia que tão bem caracteriza o calvinismo e as seitas no período que estamos analisando. Os homens sentiam-se livres: livres do inferno, livres dos
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pastores, livres do medo às autoridades seculares, livres das forças cegas da natureza, livre, ainda, da magia. Tal liberdade bem podia ser ilusória – o resultado de um processo psicológico de auto-engano.(HILL, 1987,p. 159).
Hill analisou os panfletos de John Lilburne “The Free-mans Freedom
Vindicated” e interpretou que tamanhas descrenças no pecado e no
inferno estimularam as seitas a questionar a situação da Inglaterra,
incluindo a monarquia e a nobreza.
Numa petição de setembro de 1648, que teria sido assinada por quarenta mil homens, afirmava-se que os títulos de reis e de nobres eram ‘artifícios dos homens’, sem a menor utilidade, pois que Deus fizera todos os homens iguais. (HILL, 1987,p. 171).
Hill através de uma análise dos jornais de George Fox “Journal,
vol. 1”, chegou à conclusão que a causa do inferno incomodou os
quacres, pois a descrença no inferno aumentava ainda mais as críticas
aos dogmas da igreja.
George Fox, que também se viu tentado pelo desespero em várias ocasiões, nos anos de 1646 e 1647, pensava – em data anterior a 1649 – que todas as coisas vêm da natureza. Em 1651, outro quacre disse ao próprio Fox que nunca existiu um Cristo que morreu em Jerusalém. (HILL, 1987, p. 179).
No capítulo 9 “Seekers e Ranters”, Hill analisou os ranters por ele
definido como seita e os seekers que foram homens que rejeitaram
todas as seitas e qualquer forma organizada de culto, ato que as
pessoas tomavam devido à crença milenarista.
Já que, de qualquer forma, estava próximo o fim do mundo, então uma das soluções possíveis consistia em se resignar, em se retirar das controvérsias entre as seitas, em rejeitar todas as seitas e toda forma
de culto. Os homens que assim agiram foram chamados de seekers: Walwyn, embora recusasse esse rótulo, Roger Williams, John Saltmarsh, John Milton e talvez o próprio Oliver Cromwell. (HILL, 1987,p. 193).
Hill através da análise do “The Ranter Ranting” descreve os ranters
como grandes portadores de má fama não sendo bem vistos inclusive
pelas seitas, principalmente a causa das mulheres e sua forma de
ignorar o pecado e as leis. Hill interpreta que as criticas não eram
simplesmente ignoradas.
Quando alguns ranters quiseram vingar-se dos profetas Reeve e Muggleton, que os havia condenado à danação eterna, a promessa que fizeram a três dos mais obstinados ateus do seu próprio grupo, para que amaldiçoassem aqueles e o Senhor Jesus Cristo seu Deus, foi a de lhes pagarem um bom jantar de carne de porco. (HILL, 1987,p.201).
Hill deu continuidade no capítulo, analisando os atos de Abiezer
Coppe, interpretando as suas folhas únicas “A Character of a true
Christian”, Hill definiu Coppe como líder dos ranters e as idéias da seita
da seguinte forma:
Coppe era um estudante de Oxford, originário de Warwick. Depois de servir como pregador em uma guarnição do Exército, tornou-se líder dos ranters beberrões, fumantes e blasfemos em 1649, aos 30 anos de idade. [...] O seu pacifismo, porém, era muito diferente do que os quacres viriam a professar mais tarde. ‘Nada pela espada; temos um sagrado desprezo por toda forma de guerra; antes passar a semana inteira completamente bêbados, deitando-nos com putas na praça pública e considerar essas como sendo boas ações, do que tirar dinheiro do pobre lavrador enganado e escravizado...para com ele matar homens’. (HILL, 1987, p. 210).
Hill em sua análise dos ranters também enfatizou Lawrence
Clarkson, interpretando o panfleto “A Generall Charge or Impeachment
of High Treason, in the name of Justice Equity, against the Communality
57Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2015
of England”, mostrando que os discursos de Clarkson ajudavam a
justificar os atos cometidos pelos ranters, enfatizando que eram puros.
Clarkson levou essa doutrina muito mais longe. ‘Ninguém pode libertar-se do pecado enquanto não for capaz de cometê-lo na pureza, como não sendo pecado, pois eu julguei puro, para mim, aquilo que para um entendimento obscurecido era impuro; para o puro todas as coisas, mais ainda, todos os atos são puros. De modo que ver o que eu posso, fazer o que quero, tudo isto é uma coisa só, a mais doce e amorosa... Sem ato, não há vida; sem vida, não há perfeição’. (HILL, 1987, p. 215).
Hill também mostra a contradição no discurso de Clarkson que
após ser convertido a seita muggletoniana “criticou os demônios ranters
que continuavam a dizer que Deus era autor do pecado e que para eles
o pecado não é pecado” (HILL, 1987, p. 216)
A ênfase em Lawrence Clarkson e A. Coppe no capítulo Hill justifica
da seguinte forma: “Em 1650 os ranters eram conhecidos como
coppinistas ou claxtonianos”. (HILL, 1987,p. 213).
No capítulo 10 “Ranters e Quacres”, Hill analisou como fonte o
periódico de George Fox “Journal, I”,para descrever os quacres, Hill
alertou sobre o risco de distorções no periódico, pelo fato da fonte ter
sido escrita pelo próprio protagonista.
É inevitável que um historiador que aborde o movimento quacre se sinta fascinado pela personalidade de George Fox, cujo impressionante Journal lhe servirá como uma de suas fontes principais. Por volta de 1694 estava claro que o movimento quacre era o movimento de Fox; [...] É preciso notar que o Journal de Fox foi escrito depois da época à qual se refere, e naturalmente personalidades e acontecimentos dos anos de 1650 se viram modificados por Fox ou por seus editores, levando em conta a experiência dos anos seguintes. Isso não significa que eles tenham procedido de uma distorção deliberada – mas simplesmente que a história parece diferente quando quem a conta conhece, ou pensa conhecer como ela termina [...]. (HILL, 1987,p.228).
Hill esclarece que respostas a algumas perguntas não podem ser
encontrados no periódico de Fox, por isso, sua análise da fonte consiste
principalmente na participação política dos quacres.
Por que multidões tão enormes se juntavam para ouvir Fox? Por que, e como, resultavam tantas conversões? Por que os sacerdotes, alguns magistrados e parte do populacho se irritavam tanto com isso? Respostas a essas questões não encontramos na história contada por Fox. A sua prédica parece consistir sobretudo em exportações devotas que seriam perfeitamente aceitáveis para qualquer puritano. (HILL, 1987, p.229).
Hill destaca, além de George Fox, o quacre James Nayler que
lutava pelas causas do povo, definidas por ele como oprimido, no
parlamento.
Outro porta-voz do radicalismo político quacre [...], era James Nayler, que já foi descrito comoquem mais longe levou a tendência ranter no interior do quacrismo. Deus fez todos os homens de um só molde e sangue para viverem na face da terra”, escreveu Nayler, em 1654, para denunciar os ricos. [...] Em 1659 Nayler ainda exortaria o Longo Parlamento a libertar o povo oprimido. (HILL, 1987,p. 243).
Hill através das fontes, afirma que existiam conflitos em relação ao
pecado, entre quacres e ranters, a descrença em um Deus incomodou
os quacres, incluindo o próprio Nayler. “Traístes o Senhor, disse Nayler
a esses ranters em 1659, e afirmastes que o pecado e a justiça são uma
só coisa aos olhos de Deus, desse Deus cuja existência muitos ranters
chegam a negar abertamente.” (HILL, 1987,p. 245)
No capítulo 11 “Samuel Fisher e a Bíblia”, Hill analisou a fonte
do próprio Samuel Fisher “Christianismus Redivivus, Christendom
Both unchrist’ned and new christ’ned” que mostra um pouco da
jornada do pastor presbiteriano, que depois se converteu aos batistas
e posteriormente aos quacres, até falecer em decorrência da peste.
58Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2015
Fisher possuiu uma grande fundamentação teológica o que permitiu
que criticasse a bíblia.
Dentre as várias abordagens possíveis da Bíblia, duas tinham a simpatia dos radicais. Consistia uma destas em utilizar as suas histórias como mitos, aos quais cada fiel podia atribuir um sentido próprio, que não precisava levar em conta o sentido original do texto. [...] Outra abordagem consistia em negar a infalibilidade da Bíblia, ou submetê-la a uma cerrada crítica textual. (HILL, 1987, p. 254).
Hill através da leitura da obra de Samuel Fisher “The Rustics
Alarm to the Rabbies”, interpretou que:
A obra de Fisher constitui uma notável crítica bíblica de uso popular, embasada em efetiva erudição. O seu efeito é o de remover a Bíblia de sua posição central no esquema doutrinário protestante e dela fazer um livro como qualquer outro. [...] vemos Fisher afirmar friamente que há Bíblias em número mais que suficiente para qualquer um que saiba ler e tenha dinheiro para comprá-las. (HILL, 1987,p. 259).
Hill também analisa que a bíblia não era bem vista por alguns
dos grupos radicais, como os ranters, que viam na Bíblia a causa de
muitas mortes e divisões do povo.
Dizia-se então que, segundo os ranters, a Bíblia foi causa de toda a nossa miséria e de nossas divisões,... de todo o sangue que foi derramado no mundo. [...] Nunca haverá paz, entendiam alguns ranters, enquanto não forem queimadas todas as Bíblias. (HILL, 1987,p. 255).
No capítulo 12 “John Warr e o Direito”, Hill analisou as fontes do
próprio John Warr, seus periódicos “The Corruption and Deficiency of
the Laws of England” e “Administrations Civil and Spiritual”, ajudaram
a Hill a interpretar como os grupos reagiram com a questão das leis
no período.
Hill interpretou que homens como Winstanley perceberam que o
Estado existia com o objetivo de manter as classes inferiores sobre
controle e que o povo inglês cobrava leis no idioma local, ao invés
do latim.
As leis dos reis, ensinava Winstanley, sempre foram feitas contra as ações a que o povo comum mais se inclina, com a finalidade de prendê-lo nas armadilhas das sessões e tribunais de justiça; para que os advogados e o clero, que eram os sustentáculos do rei, assim ganhassem dinheiro e vivessem na abundância graças aos esforços dos outros homens. (HILL, 1987,p. 262).
Segundo Hill, entre os radicais os argumentos eram melhores, os
quais se destacam os de John Warr que durante sua vida defendeu
reformas na lei. “Quando os pobres e oprimidos clamam por direito,
eles se deparam com a lei... Muitas vezes a lei constitui o símbolo de
nossa opressão, tendo ela por intenção a de escravizar o povo”. (HILL,
1987,p. 264).
Na sua análise, Hill enfatiza a opressão sofrida pelos pobres na
Inglaterra e afirma que Warr vê a história como uma interação dialética
de duas forças: a Razão e os Usos e Costumes. “Na Inglaterra a lei é um
meio pelo qual os ricos oprimem os pobres: enquanto a Razão aceita
isso, revela-se culpada de desobediência e rebeldia”. (HILL, 1987,p.
266).
No capítulo 13 “A Ilha da Grã-Loucura”, Hill analisou as fontes para
discutir a loucura na Inglaterra, motivo de temor, tolerância, contestação
e interesse das pessoas no século XVII. O nome do capítulo veio devido
à citação de W. Erbery em “The Mad Mans Plea: Or a Sober Defence of
Captaine Chillintons Church”: “Se a loucura está no coração de cada
homem (Eclesiates IX, v. 3), então esta é a ilha da Grã-Loucura... Vinde
sejamos todos loucos, juntos.” (HILL, 1987, p. 269).
59Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2015
No contexto da Inglaterra, Hill afirma que a maioria dos loucos
eram compostos por radicais políticos, devido a pressão que sofriam,
além de que, pensar diferente poderia ser a solução.
No contexto de maior liberdade dos anos de 1640 e 50, a maioria dos loucos parece ter-se composto dos que se radicalizavam politicamente. Para isso há várias explicações plausíveis. Uma delas é bastante popular hoje em dia: a doença mental é concebida como uma forma de protesto social, ou pelo menos como reação as condições sociais intoleráveis – os que enlouquecem podem bem ser os únicos sadios. (HILL, 1987 p. 271).
Hill interpretou as fontes e concluiu que havia algum método nas
pessoas que eram loucas, como o caso de Robert e William Everard,
ambos agitadores acusados de participar dos atos radicais, seu
sobrenome em comum impediu que Hill afirmasse os atos cometidos
por cada um.
Não sabemos se é o mesmo Robert Everard que deixou o Exército com a patente de capitão, [...] e no ano seguinte estaria pregando heresias arianas e socinianas [...] Esse Robert Everard publicou vários panfletos, entre 1649 e 1652, defendendo o batismo restrito aos adultos e negando a existência do pecado original. Seja qual for o Everard de Pordage, parece que havia algum método em sua loucura”. (HILL, 1987, p. 277).
No capítulo 14 “Pregadores Mecânicos e Filosofia Mecanicista, Hill
através de uma análise das fontes, como a de George Fox “Book of
Miracle” discute os pregadores mecânicos e sua filosofia que se baseava
na alquimia, astrologia e mágica. A filosofia mecanicista era voltada
para o uso da tecnologia, recusando explicações divinas, o que os fazia
ter fama de ateus. Hill afirma que os radicais defendiam o ensino da
alquimia e magia natural e cita exemplos da superstição dos radicais:
William Lilly interpretou a vitória do Exército e dos Independentes sobre os presbiterianos como sendo também uma vitória dos amigos da
astrologia. [...] Webster também defendeu o estudo da alquimia e da magia natural nas universidades e foi atacado como propagandista do espírito familístico-leveller-mágico. (HILL, 1987,p.281).
Hill através de fontes concluiu que a vitória da filosofia mecanicista,
esta voltada para a tecnologia, trouxe problemas ao cristianismo que
convivia com respostas a atos, acusando bruxas, demônios, feiticeiros
e a partir do momento que estes sumiram, o sentimento de culpa foi o
preço que se pagou:
Feiticeiros e bruxas, espíritos malignos e o demônio tinham servido de explicação para existência do mal e o sofrimento humano: bodes expiatórios bastante úteis. Mas a quem poderíamos culpar se eles não existissem?[...] Já que Deus não podia ser descartado, o senso da culpa e do pecado, que antes se aliviava no castigo aos hereges e bruxas, foi mais e mais introjetado: o senso puritano de culpa assim foi parte do preço que se pagou pelo abismo aberto entre a ideologia e a tecnologia. (HILL, 1987,p. 285).
Hill destaca a visão dos radicais sobre as universidades, os
quais pediam maior inclusão de pessoas nas mesmas, além de uma
disponibilidade maior do que teologia, direito e medicina.
A visão radical incluía uma reforma no sistema educacional, implantando neste algo próximo do ideal de Comênio: educação universal em língua vernácula para os dois sexos até a idade de 18 anos, mais seis anos de universidade para os melhores alunos. No reino inteiro eles debatem apaixonamente a reforma nas escolas, escreveu Comênio em 1641, para que todos os jovens, sem nenhuma exceção, sejam instruídos. (HILL, 1987,p. 289).
Hill interpreta que com a Restauração, nas universidades pouco se
alterou a respeito das novas idéias, devido à proximidade das mesmas
com a Igreja Anglicana que perdeu seu posto de soberana.
60Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2015
[...] conservaram a ênfase nos clássicos, embora o latim não fosse mais a fonte principal de informação científica, ou a língua da comunicação científica internacional, ou sequer a língua efetivamente empregada pelas profissões de elite, a teologia, o direito, a medicina. Dessa forma Oxford e Cambridge se isolaram da principal corrente da vida intelectual inglesa e mundial, estagnando-se – ao passo que os não-conformistas, excluídos das universidades, desenvolveram em suas academias dissidentes uma cultura igualmente unilateral – utilitária, provinciana, sectária. O fosso que Winstanley tanto queria vencer, entre especialistas eruditos e inúteis, e homens ativos e sem instrução, manteve-se. Na sociedade proposta por Winstanley as duas culturas ter-se-iam fundido numa única. (HILL, 1987, p. 293).
No capítulo 15 “Beijos Vis e Sem Vergonha”, Hill analisou o “The
Ranters Last Sermon”, para abordar os ranters e como eles eram vistos
em relação à revolução sexual puritana.“Para os puritanos daquela
época, como para os de hoje, pecado geralmente significava sexo”.
(HILL, 1987,p. 294).
Hill através do periódico de Edmund H[all] “A Scriptural Discourse
of the Apotasie and the Antichrist”, afirma que os tribunais eclesiásticos
extorquiam dinheiro impondo multas a quem se casasse sem a
autorização da Igreja.
Hill analisou a fonte de Lawrence Clarkson, “The Lost Sheep
Found” e interpretou que as seitas ajudaram a romper com a tradição
conservadora, o relato é da fase ranter de Clarckson:
Nenhum homem podia libertar-se do pecado, até ele cometer tudo que é pecado como se não fosse... Até que te deites com todas as mulheres como se fossem elas uma só mulher, e sem julgares isso como pecado, tudo o que fizeres será pecado... Nenhum homem poderia atingir a perfeição a não ser por essa via. (HILL, 1987,p. 302).
No capítulo 16 “A Vida Contra a Morte” Hill analisou a ética
protestante e como ela influenciou os sentimentos humanos em
decorrência da mesma.
Pretendo insistir em como foi profunda a revolução nas idéias e sentimentos humanos acarretados pela nova ética protestante. [...] Os pregadores sabiam muito bem o que faziam. A sua linguagem é reveladora. Eles lutavam contra o homem natural. A mentalidade, a sensibilidade, a repressão que eles queriam impor ao homem eram completamente antinaturais. (HILL, 1987, p.310).
Hill relembra que em seu livro “Society and Puritanism”
descreveu o horror que os puritanos à perda de tempo, além de
terem hábitos de pontualidade e disciplina ás pessoas. Hill através
do periódico “The Mothers Legacie” confirma sua ideia:
Deves ter vergonha da preguiça, enquanto homem, porém, enquanto cristão, ela deve fazer-te tremer...Deus odeia os preguiçosos... Pode haver condição mais maldita no mundo? Começar sendo odiado por Deus, como um zangão vagabundo, imprestável para servir a Ele, e depois cair na mais extrema miséria e ser desdenhado por todo mundo. (HILL, 1987,p. 311).
Hill após análise das fontes de Lawrence Clarkson “The
lost sheep Found”, além de, “The Ranters Religion”, levanta a
seguinte questão: Seriam os ranters uma contracultura da ética
protestante?
No túmulo não há recordação ou tristezas, dizia Clarkson. Não é mal o que não faz mal a nossos semelhantes – ao contrário das instituições dominantes na sociedade, e do charlatanismo e hipocrisia repressivos dos que se dizem santos. [...] um regime no qual a propriedade é mais importante do que a vida, o casamento do que o amor, a fé num Deus mau do que a caridade ensinada pelo Cristo que está em nós. (HILL, 1987,p. 323).
61Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2015
No capítulo 17 “Um Mundo Restaurado”, Hill analisou as fontes
para descrever como ficou a situação das seitas inglesas após a
Restauração.
Na verdade a tirania é a mesma numa pessoa como a outra, escreveu Winstanley – num pobre que se salientou por seu valor, ou num rico que se destaca por suas terras, ou seja, nos Grandes do Exército assim como na pequena nobreza rural de que se compunha a Câmara dos Comuns. (HILL, 1987, p.328).
Hill destaca, que após 1660, muitas foram as leis aprovadas para
que os atos dos radicais não voltasse a acontecer, e principalmente para
que ninguém ofendesse o Estado ou a Igreja.
A lei contra as petições de caráter subversivo feriu na raiz uma das principais formas de atividade política popular. Desde sua promulgação seria ilegal coletar mais de vinte assinaturas para qualquer petição de mudança de matérias legalmente estabelecidas na organização da Igreja e do Estado. (HILL, 1987,p.332).
Hill interpreta que a lei de caça, aprovada em 1671, acabou com
todo o poder de combate dos radicais. Com a aprovação das leis
“os guardas de coutada tiveram o direito de invadir casas e confiscar
armas”. (HILL, 1987, p.334). Além de que, as seitas já possuíam uma
tendência ao pacifismo, que agregadas às proibições e repressão
militar nas ruas dificultaram que mantivessem suas ações.A mando dos
grandes proprietários o exército competente de Guilherme de Orange
conseguiu retirar o rei do seu posto sem dar chance a uma revolta
popular.
No capítulo 18 “Conclusão”, Hill destaca que sua intenção no livro
foi a de enfatizar “os estímulos tão inusitados que durante as décadas
revolucionárias produziram uma fantástica irrupção de energia, tanto
física quanto intelectual”. (HILL, 1987,p. 344).
A distribuição de panfletos significou para Hill, uma batalha entre
a imprensa contra a censura, com a vitória da liberdade de expressão.
Hill também enfatiza que por um curto tempo as pessoas se sentiram
livres da Igreja e das classes dominantes e por isso o tema se torna tão
maravilhoso.
Mas, para apreciar o que significou essa luta, para recuperar essa sensação de embriaguez – que não consiste em apenas ter o direito de imprimir o que penso, mas sobretudo em ter o direito de dizer o que penso -, precisamos regressar a essas décadas maravilhosas quando parecia que o mundo estava a um passo de ser virado de cabeça para baixo. (HILL, 1987,p. 346).
O Livro “O Mundo de Ponta-Cabeça” ainda possuí dois apêndices
“Hobbes e Winstanley: Razão e Política” e “Milton e Bunyan: diálogo
com os Radicais”. No primeiro Hill analisou a ideologia de Winstanley
comparando com a de Thomas Hobbes, deixando claro que, Hobbes
não foi um puritano.
Para dizer a verdade Thomas Hobbes não cabe muito bem neste livro, na medida em que nos propomos a estudar a ala esquerda do radicalismo puritano. Hobbes não foi puritano: a maior parte de sua vida serviu á poderosa família Cavendish, da alta aristocracia, realista. Fugiu da Inglaterra em 1640 e passou toda a guerra civil no estrangeiro. [...] Hobbes somente voltou á Inglaterra no final de 1651, depois que a República vencera os radicais. (HILL, 1987,p. 368).
Hill interpreta que apesar das diferenças, ambos possuíam muito
em comum, como cita:
Ambos rejeitaram a Bíblia como manual de orientação política e se permitem praticar uma crítica bíblica algo ousada. Ambos são céticos quanto ao inferno. [...] Os dois costumavam utilizar textos bíblicos para dar mais força a conclusões alcançadas mediante uma argumentação racional. (HILL, 1987, p. 369).
62Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2015
No segundo, Hill analisou os diálogos de Milton e os radicais,
interpretando o livro “Areopagitica”, chegando à conclusão que as
idéias de Milton muito havia em comum com a dos radicais.
Porém não é apenas em seus panfletos em prosa que podemos encontrar afinidades entre Milton e os radicais. É a sua poesia que é realmente subversiva – e muitas vezes contra as convicções intelectuais do próprio Milton. Ele trata o inferno e o diabo com a mesma veia mitológica de Winstanley, como simples meio para expor conflitos psicológicos internos, ou ainda como um fecundo recurso literário. (HILL, 1987,p.378).
Hill enfatiza no que as idéias de Milton e Bunyan, se assemelhavam
ou não a dos radicais, os definindo da seguinte forma:
Se Milton tinha afinidades intelectuais com os radicais, porém deles se mantinha afastado por suas pressuposições aristocráticas, Bunyan repartia as atitudes dos radicais em matéria social e política, porém não a sua teologia. Em 1654, e muitas vezes mais tarde, ele denunciou a opressão monárquica. (HILL, 1987,p.386).
Christopher Hill em sua obra utilizou diversos panfletos, jornais
e livros da época, que agregados com a sua grande capacidade de
análise como historiador, resultou na tentativa de retratar de forma
mais clara o período em que os radicais chegaram perto de virar o
mundo de ponta cabeça.
Hill se propôs a analisar os radicais partindo da cultura não
hegemônica, porém, ele em sua metodologia se contradisse pelo fato
de que ao interpretar os grupos partiu do pressuposto dos grandes
nomes como: Winstanley, Bunyan, Reeve, Muggleton, George Fox,
A. Coppe, Milton, Clarkson e Samuel Fisher. Todos estes nomes,
possuíram uma posição privilegiada na sociedade inglesa para o
período.
2 AS FORMAS DE RESISTÊNCIA NA INGLATERRA NO SÉCULO XVII SEGUNDO HILL
2.1 A INGLATERRA REVOLUCIONÁRIA
Christopher Hill em “O Mundo de Ponta-Cabeça” aborda os grupos
e seitas definidas por ele como radicais durante a Revolução Inglesa
de 1640. O foco do seu trabalho não é a revolução em si, mas expor
o contexto foi necessário para que o leitor pudesse compreender suas
reflexões.
O autor explicou que no início do século XVII a Inglaterra não se
encontrava em destaque na Europa, “era uma potência de segunda
linha”(HILL,1987, p. 12),o trono que pertencia a Elizabeth depois de
sua morte passou a ser do seu primo Jaime Stuart, rei da Escócia, que
o assumiu com os cofres vazios e fez uma política que desagradou a
muitos.
Primeiramente, Hill aponta que J. Stuart retomou as relações
com a Espanha, inclusive tendo um embaixador como seu amigo e
conselheiro, o que desagradou tanto nacionalistas como protestantes,
nacionalismo este, despertado por Elizabeth, além de excluir os
calvinistas da Igreja Anglicana.“[...] Cada vez mais próxima da Igreja
Romana, especialmente com seu filho e sucessor Carlos I; deslumbrado
com a riqueza de seu novo reino (a Escócia era paupérrima e se
tornará como que uma colônia inglesa) [...]”. (HILL,1987, p. 13). Com
o objetivo de conquistar o apoio da nobreza, Stuart adotou uma política
de gastos que se tornou impopular, além de escancarar que a situação
financeira do reino não ia bem. Ele necessitava cobrar impostos, que só
poderiam ser aprovados pelos Parlamentares, onde os Comuns vinham
se destacando e só o fariam se confiassem no rei. Em:
63Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2015
[...] Isabel os Comuns confiavam, e ela, embora os tratasse com sobranceria, sempre levou em conta a opinião pública do país que eles expressavam. Com os Stuart o confronto entre rei e Parlamentos vai-se tornar rotineiro, até resultar em guerra. Isso mudara o perfil constitucional da Inglaterra. (HILL, 1987, p.13).
Segundo Hill, o rei possuía poder para sequer ser necessário
consultar parlamentares, porém, não podia cobrar impostos sem
consultar a Assembléia, sem o consenso dos Lordes e dos Comuns. Os
Stuart reivindicavam a soberania do rei, assim Carlos I governou de
1629 a 1649 sem Parlamento.
Hill descreveu que a Europa estava devastada pelos conflitos
religiosos, como a Guerra dos Trinta Anos, a qual teve os protestantes,
com Ferdinando rei da Boêmia, como vencedores. Os ingleses
protestantes sentiam a necessidade de uma intervenção forte do rei.
Os nacionalistas ingleses, protestantes, desejosos de uma política externa agressiva, imperial, anti-espanhola, querem que seu rei intervenha na guerra. A “paz do rei” requer, portanto, a submissão às potências católicas, e desmorona quando o reino da Escócia se revolta contra a tentativa de impor à sua Igreja oficial, presbiteriana, formas de governo episcopal. (HILL, 1987, p.13).
Hill interpretou que Carlos I se viu em uma situação complicada,
pois não tinha poder nem exército pessoal suficiente para implantar
um Absolutismo e em 1640 convocou o que foi chamado de Curto
Parlamento, que logo exigiu mudanças e correções no poder, deixando
assim de existir 3 semanas após sua criação. Porém, antes do término
do ano convocou o que seria o Longo Parlamento, este dissolveu-se
somente em 1660.
Hill apontou que a situação financeira não ia bem na Inglaterra, o
rei pediu dinheiro emprestado aos Comuns, que rancorosos por anos
de punições, negam o pedido e exigem mudanças nas leis, sociedade e
Estado, mudanças que aos poucos foram sendo atendidas.
O Parlamento continua em Westminster e comanda a guerra contra o rei (em nome do Rei, porém, e da Coroa; em nome das antigas instituições que, com razão, o Parlamento acredita violadas por Carlos, mas que agora também ele viola). Como é de praxe, os exércitos parlamentares têm oficiais da própria nobreza e um deles, o conde de Manchester, comanda-os[...].(HILL,1987, p. 15).
O que resultou em uma série de derrotas, com o comando sendo
passado para Fairfax e Oliver Cromwell que remodelou o exército que
foi designado como “Exército de Novo Tipo”, que buscava valorizar o
mérito dos soldados e excluir dos comandos os Lordes e Deputados. No
Parlamento, os presbiterianos, direita puritana, vão tomando o poder
e seu exército radicalizado com chefes de igrejas protestantes, “que
não admitem a severa tutela dos presbitérios” (HILL,1987, p. 15) e vão
tomando o país para o Parlamento, o que resultou na derrota do rei
que acabou preso.
Hill descreve que o Parlamento tentou diversas negociações, inclusive
disposto a sacrificar seu exército, porém Carlos fugiu do cativeiro, foi
recapturado e:
o resultado será uma solução, por assim dizer, moderadamente radical (1649): os presbiterianos são excluídos do Parlamento, a Câmara dos Lordes é extinta, o rei decapitado por traição ao seu povo após um julgamento solene e sem precedentes, proclamada a República; mas essas bandeiras radicais são tomadas por generais independentes, Cromwell à testa, que as esvaziam de seu conteúdo social. (HILL,1987, p. 15)
Cromwell por não ser tão radical estava menos exposto a
preconceitos políticos ou religiosos, ao contrário de seus generais.
64Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2015
Segundo Hill, a revolução inglesa é considerada umas das fases
mais importantes na formação da Inglaterra, a intenção dos anos
revolucionários foi não permitir uma dependência do país ao restante
da Europa. Jaime I e Carlos I chegaram a depender da Espanha e
França, Carlos II e Jaime II foram pensionistas de Luís XIV, o último
chegou a tramar uma invasão ao país para devolver o poder a igreja
católica. “Porque na época, quando se fala em religião, se há tão pouca
tolerância, é porque passam por ela as questões fundamentais da vida”.
(HILL,1987, p. 19).
Hill interpreta que os Stuart, na questão religiosa, estão em ruptura
com as classes populares. A classe dominante aceitou o catolicismo
de Jaime II, para evitar a insubordinação que estava ligada ao
protestantismo puritano, o que era o mais radical. Porém o rei estava
tão disposto a romper com valores que caracterizavam a sociedade
inglesa protestante, que a aristocracia buscou soluções para se livrar
do rei. A Revolução Gloriosa impediu uma invasão católica vinda da
França, para isso, encomendou-se uma invasão protestante, esta, vinda
da Holanda.
Mas o fato é que com as Revoluções de 1640, que limpou o terreno, e de 1688, que eliminou na família Stuart o elemento católico e por assim dizer “traidor”, a Inglaterra cortou pela raiz as tendências ao Absolutismo e o risco de estagnação. (HILL,1987, p.19).
Hill aponta que a violência era sentida mais pela nobreza do que a
classe média que apoiou os reis. Os Stuart ignoraram a opinião pública
e voltaram seus esforços contra o Parlamento. No início do século XVII,
os Comuns reclamaram a Jaime I que em toda parte o poder dos reis
aumentava e os do súditos diminuía e se fechavam os Parlamentos,
tendência tanto nos países protestantes quanto nos católicos.
A vitória dos Comuns foi fundamental, mas uma derrota para o
rei não significaria uma implantação do absolutismo, pois na atual
situação do país, sem exército regular e uma administração paga, o
rei era dependente da gentry, uma pequena nobreza rural, que julgava
crimes menores e cobrava impostos.
[...] Esta nada recebia pelo encargo, e por isso preservava certa independência face ao rei; fechando os Parlamentos entre 1629 e 40, na verdade Carlos I alienou o seu apoio, porque esses deputados que não foram eleitos, que não se reuniram, que tiveram a voz calada, eram os mesmos juízes de paz de quem ele necessitava. (HILL,1987, p. 20).
Desesperado por melhoras financeiras para restaurar sua
autoridade, Carlos I adotou diversas mudanças econômicas. Sua
vitória representaria não um absolutismo, mas sim, uma Inglaterra em
segundo plano, assim como foi na metade do século XVII.
Hill conclui que na Guerra dos 30 Anos, a Inglaterra não esteve
neutra, porém estava inativa e com a vitória na Revolução a postura
se tornou diferente. Cromwell adotou uma política externa agressiva
guerreando com a Holanda pela soberania nos mares, mesmo sendo
protestante, iniciando pela Jamaica sua colonização. “As condições
políticas e sociais para a Revolução Industrial estão dadas, especialmente
quando se consegue chegar ao controle das classes inferiores pelos
“senhores naturais”. (HILL,1987, p. 21).
2.2 OS RADICAIS DO SÉCULO XVII
No meio desse cenário conturbado da Inglaterra do Século XVII,
Christopher Hill aponta que houveram alguns radicais, que insatisfeitos
com a situação inglesa, tentaram propor medidas para que a Inglaterra
crescesse.
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as tentativas de vários grupos, formados em meio à gente simples do povo, para imporem as suas próprias soluções aos problemas de seu tempo, em oposição aos propósitos dos seus melhores, que os haviam chamado a ingressar na ação política. (HILL,1987, p. 30).
Hill interpretou que a gentry era uma pequena nobreza, normalmente
agrária que se distinguia da nobreza e da aristocracia, a última que no
século XVII era muito mais rica e poderosa do que a gentry. Os membros
recebiam a denominação de gentleman e não recebiam títulos. Para se
tornar um era necessário ter uma vida gentil, ou seja, livre do trabalho
manual e de penas, “qualidade que se chamava gentility”. (HILL,1987,
p. 29).
Outro grupo analisado por Hill foi os levellers, ou niveladores. Eram
assim conhecidos por tentar nivelar as diferentes condições sociais. Os
diggers, ou cavadores, foram um outro grupo, que se instalou em 1648
em terrenos abandonados, que não eram aproveitados e se puseram
a trabalhar nesse espaço semeando e plantando, sem terem intenção
fizeram algo parecido com uma reforma agrária, expandindo seu
domínio e se opondo a sociedade e ao Estado.
Ao analisar os diggers e levellers, Hill deixou claro seu ponto de vista
marxista, no qual as ações tomadas pela divisão das terras representa o
conflito do proletariado contra a burguesia, está não queria abrir mão
de suas terras e seus méritos.
Hill identifica como radicais, as seitas religiosas como os batistas,
quacres e muggletonianos que tentaram propor soluções religiosas,
porém não foram os únicos.
Outros grupos formularam questões de teor cético acerca de todas as instituições e crenças de sua sociedade — seekers, ranters, mais uma vez os diggers. Para dizer a verdade, é provável que incorra em equívocos quem pretender encontrar naquela época uma diferenciação
muito pronunciada entre a política, a religião e o ceticismo em geral. (HILL,1987, p. 31).
Hill analisou que a partir de 1645, passou-se a questionar tudo na
Inglaterra, tanto velhas instituições quanto velhos valores e crenças. Os
homens trocavam de grupos constantemente, um quacre de 1650 tinha
tanto em comum com um digger, ranter ou leveller “do que com um
quacre de nossos dias”. (HILL,1987, p. 31).
Literalmente qualquer coisa parecia possível, e não foram questionados apenas os valores da velha sociedade hierárquica, porém igualmente os novos valores, a própria ética protestante. Foi apenas aos poucos que se restabeleceu o controle, durante o Protetorado de Oliver Cromwell, conduzindo à restauração do poder da “pequena nobreza, e depois, em 1660, ao do rei e dos bispos.” (HILL,1987, p.32).
Hill afirmou que no século XVII, a Inglaterra passou por duas
revoluções. Uma, que saiu como vencedora e conquistou o poder
como o de abolir direitos sobre a terra que se mantinham desde
o feudalismo, além de, conferir poder político aos proprietários
“(soberania do Parlamento e da common law), supressão
dos tribunais que funcionavam com base na prerrogativa e
removeu tudo que impedia o triunfo da ideologia dos homens
com propriedades — ou seja, da ética protestante”. (HILL,1987,
p. 32). Por Common Law, entende-se os direitos baseados nas
velhas tradições e costumes, que se opõe ao direito romano, neste
contexto, se opunha aos reis, principalmente os Stuart.
Hill identificou que os batistas tiveram sua origem no séc.
XVII, na Inglaterra, quando um grupo de pessoas refugiadas da
perseguição religiosa, deslocou-se para a Holanda em busca
da até então escassa liberdade religiosa, aproximadamente em
1608.
66Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2015
Esses refugiados foram liderados por John Smyth, membro do clero
e Thomas Helwys, advogado. John Smyth discordava de alguns pontos
em relação à Igreja Anglicana, a qual ele exercia a função de pastor.
Após uma análise da Bíblia, ele não conseguiu fundamentação para
justificar o batismo aos recém-nascidos. A partir deste fato, passou a
crer na necessidade de se batizar com consciência, ou seja, já adulto,
influência que adquiriu dos menonitas, um grupo religioso que Smyth
conheceu na Holanda com o qual acabou se identificando. Sendo
assim, Smyth batizou os demais fundadores da igreja, o que resultou na
primeira Igreja Batista Organizada.
Com a morte de J. Smyth que havia se juntado aos menonitas,
Thomas Helwys continuou a doutrina, e seus seguidores se deslocaram
novamente a Inglaterra e se instalaram em Spitalfields, ao redor de
Londres, por volta de 1612. A perseguição foi intensa por parte da
monarquia, fator que resultou na forte emigração dos membros da
igreja para o Novo Mundo. Porém, muitos foram presos antes de sair do
país, como John Bunyan, que escreveu a obra “O Peregrino” enquanto
cumpria pena.
Hill afirmou que existiam diferenças entre os batistas e os anabatistas
(como os menonitas). Os anabatistas eram pacifistas extremos e
recusavam jurar, além de que enfatizavam a vida coletiva, enquanto os
batistas enfatizavam a liberdade individual.
Esses homens costumavam ser chamados, por seus inimigos, de anabatistas ou familistas. Tais nomes — muito conhecidos no continente — na Inglaterra eram aplicados de maneira bem pouco rigorosa: a maior parte da nossa documentação provém de acusações feitas nos tribunais eclesiásticos. A principal doutrina anabatista era que as crianças não deviam ser batizadas. [...] Muitos anabatistas recusavam-se também a prestar juramentos, pois não admitiam que uma cerimônia religiosa servisse para finalidades judiciais e seculares; outros rejeitavam
a guerra e o serviço militar. Alegava-se que bom número deles levava o igualitarismo até o ponto de negar o direito à propriedade privada. (HILL,1987, p. 43).
Hill diferenciou os anabatistas dos batistas, ao enfatizar que os
primeiros se recusavam a participar do Estado, enquanto os batistas
podiam prestar serviços públicos, sejam eles, militares ou cargos políticos.
Outras distinções da fé batista era a autoridade da Bíblia como única
regra, e a rejeição a outras escrituras sagradas, a absoluta liberdade de
consciência dos membros, o não batismo de recém nascidos, além de
que, a igreja como comunidade local e democrática e autônoma deve
ser formada por pessoas biblicamente batizadas tendo Cristo como
objeto maior, e recusando a influência de Maria. Os batistas também
davam ênfase nas atividades como evangelização e missões, adoração
pública e assistência social. Era regra, entre os batistas universalistas
(General Baptists), “que qualquer pessoa terá o direito de aprimorar os
seus dons em presença da congregação”. (HILL,1987, p. 116).
Hill destacou em sua obra a seita dos quacres, devido a sua afeição
a fonte de George Fox “Journal I”. Segundo Hill, a seita surgiu no século
XVII, quando ficaram conhecidos como Religious Society of Friends
(Sociedade dos Amigos). Sua tradução literal seria “tremedores”, porém
preferiam se autodenominar como “Santos” ou “Amigos da Luz”.
Hill interpretou que seu fundador foi George Fox, que criou o
movimento com o intuito de restaurar a Fé Cristã original, já que na
sua visão as Igrejas na Inglaterra haviam se afastado do propósito. Hill
analisou que os quacres reagiram para o que entenderam como abuso
de poder por parte da Igreja Anglicana, colocando-se sob inspiração
do Espírito Santo. Os membros que eram ridicularizados no século XVII,
devido ao nome ‘tremedores’, que veio de uma frase de Fox “Tremam
diante de Deus”, rejeitavam qualquer organização clerical, apesar
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disso seguiam a Bíblia, pois acreditavam que ela era o testemunho da
palavra de Cristo.
Se a essa atmosfera geral acrescentarmos a crença familista, retomada pelos quacres, segundo a qual apenas o espírito de Deus presente no fiel pode proporcionar a adequada compreensão das Escrituras, teremos então um senso vivido de como a mensagem bíblica parecia falar diretamente a quem a lia. (HILL,1987, p. 116).
Hill afirmou que os quacres acreditavam sentir a palavra de Deus,
pois segundo suas crenças qualquer indivíduo pode fazer o intermédio
com Deus, pois todos possuem uma Luz Interior, ou seja, o Espírito
Santo que guiará o indivíduo quando se converte e aceita essa voz. “Eles
acreditavam que Cristo era descido ao mundo para reinar no íntimo
de cada homem. Ainda que a sua doutrina não fosse tão diretamente
política, era mais republicana e democrática”. (HILL,1987, p. 109).
Hill identificou que entre ás práticas religiosas, os quacres rejeitavam
qualquer forma exterior de religião, além de não praticar o batismo
com água, pois acreditavam que quando o indivíduo aceita, o fogo do
Espírito Santo falará em sua consciência.
O historiador inglês analisou os muggletonianos como mais
uma seita religiosa radical que surgiu no Século XVII, criada por
Lodowick Muggleton, “o iluminado inglês”, e John Reeve. Eles se auto
proclamavam como as duas testemunhas (profetas) citadas no livro do
Apocalipse.
Hill afirmou ainda que os muggletonianos negavam a Santíssima Trindade
e acreditavam que “no céu seremos Todos varões, e feitos não para procriar,
Mas no êxtase viver de um divino avatar”. (HILL,1987, p. 301).
Hill identificou os pentamonarquistas como uma seita religiosa,
cujos membros acreditavam que após as Quatro Monarquias (Babilônia,
Pérsia, Grécia, Roma) sucederia um governo divino, um governo santo.
Assim como outras seitas que ganharam destaque no século XVII,
estavam contagiados por uma superstição milenarista, que mostrava
sinais do fim dos tempos.
Sobre esse grupo, o historiador afirmou que os pentamonarquistas
aguardavam a volta de Jesus Cristo para governar toda a Inglaterra e
o restante do globo, juntamente com os seus santos. Expectativa que
foi reforçada, logo após a morte de Carlos I, considerado por muitos a
encarnação do Anticristo, principalmente pelos apoiadores de Cromwell
e da causa do Parlamento. “Os pentamonarquistas, esperando que
uma intervenção direta do rei Jesus na política inglesa proporcionasse
os efeitos que métodos políticos democráticos haviam sido incapazes de
produzir.” (HILL,1987, p. 85).
Hill conclui que o grupo dos homens da Quinta Monarquia,
possuíam idéias religiosas radicais para o período, como adoção de leis
contidas no Velho Testamento para substituir a legislação inglesa. Idéia
que não foram bem aceitas, e desde o seu fracasso do Parlamento dos
Santos, o grupo teve que aguentar duras críticas contra suas propostas
políticas, que variaram de orais á materiais impresso.
Hill identificou outro grupo como radicais, os ranters que era o nome dado as pessoas que seguiam uma série de idéias, sem a necessidade de se organizarem em um grupo. Por este fato, não é incomum serem comparados a anarquistas, pois não davam atenção as regras.
O que o mundo chamou pejorativamente de puritanismo e alguns de ranterismo, embora ele se recusasse a justificar esses profanos chamados ranters, que blasfemavam, praguejavam, frequentavam putas e se regozijavam em público de sua própria impiedade. Reconhecia que muitos homens bons costumam considerar-me como um dos que seguem tal princípio e adotam as práticas dos ranters, e pensam que eu exalto o profano como sendo o mais sagrado e os santos de Deus como sendo apenas os ranters; que mantenho amizade com vários que são
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prodigiosamente profanos e escandalosos,... que cometem a blasfêmia de arremedar os sacramentos da Ceia do Senhor. (HILL,1987, p. 199).
O historiador apontou que os ranters ignoravam todas as restrições
tradicionais e morais, o que seria um grande problema se a tradição
ranter se espalhasse pela Inglaterra que tanto prezava por sua
tradição.
Mas a disciplina presbiteriana era coisa nova e diferente: levar-se-ia a sério a imposição, à multidão ímpia, de um código de conduta moral. Essa perspectiva deve não apenas ter reforçado o anticlericalismo em meio às classes inferiores, como também ter estimulado os antinomistas na sua disposição de recusar a servidão da lei moral, que os ranters iriam radicalizar a ponto de rejeitar todas as restrições morais tradicionais.(HILL,1987, p. 166).
Os ranters levavam ao extremo a idéia de que ‘Deus está dentro
de cada um de nós’, e se deve escutar a sua voz antes de agir. Para
eles não existia ordens, regras ou moral, mas sim, a pessoa devia agir
conforme sua vontade, pois essa seria a vontade de Deus.
Hill afirmou que muitos aderiram a prática ranter para explorar
o lado sem regras, pois sendo assim, roubar não seria um crime. As
suas idéias espantaram as elites, pois se todos aderissem ao lema ‘sem
regras’, ficaria impossível de controlar a massa inglesa, “os ranters e
os primeiros quacres tinham praticamente perdido toda a crença no
inferno”. (HILL,1987, p. 181).
O historiador analisou que entre as idéias exóticas para época, a
de dormir com todas as mulheres como se fosse uma só acabou se
espalhando, fato que acabou atrapalhando alguns dos outros grupos,
que se fizessem oposição eram logo acusados de quererem dividir as
mulheres, além de que, alguns grupos como os quacres já tratavam as
mulheres com igualdade, fato também raro na época.
Ambos os grupos radicais do século XVII, queriam alterar algo
político e religioso, Hill percebeu um interesse em comum entre ambos,
que foi a tentativa de restabelecer a Igreja a sua essência, além de que,
a insatisfação criada depois do conflito entre monarquia e parlamento,
parecia somente estimular esses grupos rebeldes do século XVII.
2.3 FORMAS DE RESISTÊNCIA CONTRA O CLERO E CONTRA A COROA
Uma cultura tradicional que é, ao mesmo tempo, rebelde. A cultura conservadora da plebe quase sempre resiste, em nome do costume, às racionalizações e inovações da economia [...] que os governantes, os comerciantes ou empregadores querem impor. Por isso a cultura popular é rebelde, mas o é em defesa dos costumes.(Edward Palmer Thompson).
Edward Thompson se refere aos costumes ingleses, e como a plebe
resiste a qualquer instituição em nome de sua cultura. Essa mesma
plebe apresentada por Christopher Hill como radicais, frequentava as
seitas e manifestava-se por sua liberdade religiosa
Os radicais apresentados em “O mundo de ponta cabeça” queriam
apenas manter ou proliferar suas crenças, porém, muitos deles não
eram bem vistos e diversas ações eram tomados para impedir que o
número de seguidores das seitas não aumentasse, como cita Hill:
Nayler como o ‘principal dirigente’, ‘o chefe dos quacres da Inglaterra’. ‘Ele é quem escreve todos os livros deles’, informou o coronel Cooper á Câmara dos Comuns, em dezembro de 1656. “Abatendo esse indivíduo teremos destruído toda a seita”, concordou o deputado Denis Bond [...] o fato de que fossem veiculadas basta para mostrar que Fox não era em absoluto o único líder dos quacres no ano de 1650. (HILL,1987, p. 229).
A preocupação vinda do coronel Cooper mostra que as ações
tomadas pelas seitas incomodavam a coroa, além de uma parcela da
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população que, conservadora, não aceitava os atos vindos dos radicais,
conforme fez questão de destacar Hill. O mesmo também mostra que a
liderança dos quacres, que foi fundada por George Fox, não se resumia
somente a ele, mas a vários outros membros que se diziam líderes ou
ao menos eram vistos como tal.
Hill afirmou que a crença interior dos quacres e sua maneira de
sentir Deus não atraiu boa reputação para os membros que eram
chamados de “vadios de cabeça redonda”(HILL,1987, p. 230), no
inglês “Roundhead”, termo usado contra os radicais políticos.
Hill analisou que as idéias de George Fox levadas pelos quacres não
agradavam a coroa, pois seus sermões publicados em prol da plebe
sugeriam idéias tidas como radicais para o período. Como escreveu
Hill: “Ó grandes e ricos da terra! Chorai e gemei: vossa miséria está
chegando...O fogo já foi ateado, o Dia do Senhor já desponta, dia
esse de gemidos...Toda a arrogância dos homens deve ser deposta”.
(HILL,1987, p231).
A ousadia de Fox não passou despercebida pelo governo, que
tomava medidas contra o mesmo, como escreveu Hill:
Em 1654 Fox foi novamente preso, sob suspeita de conspirar contra o governo, porém recebeu uma acolhida cordial de Oliver Cromwell. Quem queria reprimir os quacres eram os mesmos que tentavam pôr fim ao poder do Exército do Novo Tipo. (HILL,1987, p. 232).
Hill conclui que a crença milenarista, assim como em séculos anteriores, ainda assombrava o imaginário dos ingleses, que procuravam a melhor forma de salvação, ou seja, muitos adentraram as seitas acreditando que as mesmas possuíam a essência da religiosidade, sendo assim, os indivíduos estariam próximos da salvação.
O historiador inglês indicou que os quacres também não
conseguiram o apoio do clero, que descontentes com os ataques que
sofriam devido à cobrança do dízimo e os altos custos dos templos,
cortava os benefícios dos sacerdotes que apoiassem as idéias, além de
incitar a massa contra a seita.
Os ataques indiscriminados ás custas, dízimos e ao caráter consagrado dos edifícios eclesiásticos cortou qualquer possibilidade de que algum sacerdote os apoiasse sem perder o benefício [...] a curto prazo, parece que o clero não teve maiores dificuldades em incitar a massa contra eles – chamando-os de “cabeças redondas”. (HILL,1987, p. 232).
Hill afirmou que os ranters eram constantemente comparados aos
quacres, generalizados na categoria de que ambos os grupos não
aceitavam Cristo, além de que, não seguiam nenhuma Escritura como
regra. A diferença entre eles, como escreveu Hill, citando Bunyan:
“só que na voz dos ranters [essas doutrinas] ficaram gastas, de tanto
serem reiteradas nas cervejarias, ao passo que os quacres lhes deram
novo brilho revestindo-as da aparência de uma santidade formal”.
(HILL,1987, p.234).
Hill analisou o próprio George Fox que afirmou que os ranters
tinham convicções puras, porém criticou a libertinagem dos mesmos,
que insistiam na embriaguez, na blasfêmia, além de se excederem
constantemente em público. Ele acusou muitos dos que se diziam
quacres de serem ranters, devido aos atos cometidos.
Hill interpretou que foram nos simples atos, como a embriaguez, que
os ranters colocaram em prática uma resistência contra o clero e a coroa,
pois os mesmos conhecidos como ‘agitadores’ não se confortavam com
a ordem pública, além de que, havia todo um conservadorismo para o
período e dormir com diversas mulheres por simples prazer apresentava
uma contradição às idéias religiosas predominantes, que reproduzia o
discurso de que o sexo seria para a procriação.
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Christopher Atkinson foi aceito como quacre até que, em 1655, incorreu em familiaridade e frequentação excessivas de mulheres, especialmente das que parecem mais inclinadas a um espírito ranter. Ele perdeu a vergonha e... cometeu obscenidades com uma criada. (HILL,1987, p. 236).
Hill interpretou que o individualismo apresentado pelos ranters
preocupava o governo, que via esses atos que não favoreciam o coletivo
como uma ameaça a ordem social que estava estabelecida na Inglaterra,
pois os ranters queriam estar de bem consigo mesmos, indiferente do
que pensava o clero ou a coroa, como mostra o historiador a partir
das palavras de William Penn: “Eles queriam que todo homem fosse
independente, de modo que, tendo cada um o princípio dentro de si,
somente deveria seguir e obedecer esse princípio, e a ninguém mais
[...]”. (HILL,1987, p.247).
Hill apontou que as seitas como os pentamonarquistas apresentavam
uma idéia radical tentando incluir as mulheres, proibindo os homens
de excluírem as mesmas de atividades que até então eram de caráter
masculino, incentivando elas a lutarem por sua liberdade.
O pentamonarquista John Rogers proibia os homens de desprezar as mulheres ou de lesá-las em sua liberdade de votar e discutir assuntos comuns. Às mulheres eu digo o seguinte: peço que não sejais muito atrevidas; nem tampouco muito retraídas – defendei com firmeza a vossa liberdade. (HILL,1987, p.299).
Para Hill essa idéia era radical para o período inglês, pelo fato de
que muitas pessoas tentavam retomar ou manter tradições antigas e a
mulher ganhar espaço não era favorável principalmente ao rei, em um
país no qual predominava a monarquia, além de ser uma sociedade
basicamente paternalista.
Hill identifica que as desavenças com o clero aconteciam devido
a crença dos pentamonarquistas segundo a qual Jesus Cristo voltaria
para governar a Inglaterra, resultando em organizações de pastores
que tentaram conter o avanço da seita. O grupo também passava
textos inconvenientes sobre as escrituras, destinados principalmente
aos sacerdotes formados nas universidades.
O pentamonarquismo seria um movimento especificamente urbano: ele [Capp] encontrou poucos sinais de ligação entre a Quinta Monarquia e as áreas florestais antes de década de 1670. Parece que foi basicamente em reação a esse desafio radical que o clero tradicional das regiões afastadas juntou-se [...] com o intuito de criar associações voluntárias de pastores em nível de condado, numa espécie de presbiterianismo de baixo para cima. (HILL,1987, p. 93).
Hill analisou que os pentamonarquistas participavam
efetivamente da política, tentando implantar o velho testamento
como lei, mesmo possuindo um grande número de membros como
operários têxteis e artesãos, que tentavam na insistência impor suas
idéias, mesmo que contra a vontade do clero e da coroa. De acordo
com Thompson:
Pois um costume tem início e se desenvolve até atingir sua plenitude da seguinte maneira. Quando um ato razoável, uma vez é praticado, é considerado bom, benéfico ao povo e agradável a natureza e á índole das pessoas, elas o usam e praticam repetidas vezes, e assim, pela frequente iteração e multiplicação do ato, ele se torna costume; e se praticado sem interrupção desde tempos imemoriais, adquire força de lei. (THOMPSON, 1998, p. 86).
Ambas as seitas tentavam na insistência de divulgações de
panfletos contendo suas idéias adquirir novos membros que se
identificassem. Por meio destes papéis impressos, podiam lançar
todas suas críticas à sociedade anonimamente.
Hill apontou que os anabatistas eram pacifistas extremos, o que
não impediu que atraíssem os olhares do clero e do reino, pois sua
71Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2015
maneira de batismo somente consciente contrariava os valores da Igreja
Anglicana. Sua simplicidade também entrou em conflito com idéias
de outras seitas, como os ranters e os quacres, que constantemente
recebiam críticas do grupo.
As idéias de igualdade vinda do grupo não agradava as elites pois
“os anabatistas ensinam que todos os homens são iguais e que não há
diferença entre senhores e servidores”. (HILL,1987, p.52). Não foram
raras as acusações contra os anabatistas, para prender os membros do
grupo, como cita Hill:
Tanto Walwyn quanto Overton reagiram a propaganda que acusava os anabatistas de Munster, apresentados como comunistas, de cometerem atrocidades. “Essa história mentirosa e tão injuriosa que contam... dos anabatistas de Munster”; “Quem escreveu as histórias dos anabatistas: não foram apenas os seus inimigos? (HILL,1987, p. 130).
Hill analisou que as falsas histórias dos anabatistas, como a de
que eles teriam um exército sanguinário só retratavam o medo que o
governo possuía de um golpe vindo da seita, que tinha certa influência
nos exércitos populares e por meio de sua crença, apresentava
resistência a Igreja Anglicana.
Hill conclui que as perseguições aos batistas eram as mesmas
dos anabatistas, ambos foram prejudicados por uma lei aprovada
em 1656, a Lei de Vadiagem, que visava punir todos que vagueiam
sem uma ocupação, ato que atingiu os grandes nomes das seitas, pois
normalmente eram sustentados por doações e realmente não tinham
uma ocupação.
Hill identificou que os muggletonianos e suas idéias radicais
incomodavam principalmente o clero, pois questionavam sobre a
existência de um Deus e como antigos costumes, preferiam adorar
a natureza, não tanto pela tradição mas pelo medo de um suposto
inferno, como escreveu Hill: “diziam tanto nos seus corações quanto em
línguas que o único Deus é a natureza [...] Não almejava o céu, para
não correr o risco de ir para o inferno.” (HILL,1987, p.178).
Hill destacou que o questionamento sobre as Sagradas Escrituras,
vindas de John Bunyian em 1650, apenas reforçava a idéia de os
mugletonnianos questionarem os propósitos da igreja. Eles não
hesitaram em desconfiar de uma suposta trama de manipulação do
governo se baseando nas escrituras para alienar o povo.
Se em verdade há mesmo um Deus e Cristo, ou não, e se as Sagradas Escrituras não seriam apenas uma fábula, um conto enganoso – escrito por alguns políticos, com o propósito de fazer o povo ignorante e pobre submeter-se a alguma forma de religião e de governo. Como podeis negar que os turcos tenham Escrituras igualmente boas para provarem que o seu Mafoma é o salvador? (HILL,1987, p. 178).
Hill interpretou que os muggletonianos eram formados por um
grande número de ex-membros dos ranters que arrependidos dos
pecados cometidos como sem leis, buscavam a redenção nas idéias
do profeta John Reeve. Outro membro de destaque se encontrava na
figura de Lawrence Clarkson.
Hill analisou que a relação dos muggletonianos com os ranters era
péssima. Seu desleixo com as leis divinas incomodou a seita que não
hesitava em criticá-los, como escreveu Hill:
Depois de passar um tempo como astrólogo e mágico, Clarkson foi convertido por John Reeve, outro ex-ranter, à seita que mais tarde seria conhecida como muggletoniana. Em 1659 Clarkson criticou os “demônios ranters” que continuavam a dizer que Deus era autor do pecado e que “para eles o pecado não é pecado”. (HILL,1987, p. 216).
Hill afirmou que a reputação dos muggletonianos entre os quacres
não era boa devido a presença de ex-ranters “alguns quacres associaram
72Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2015
os muggletonianos aos ranters, certamente devido à presença de
Reeve e Clarkson”. (HILL,1987, p.226).
No livro “O Mundo de Ponta-Cabeça (1972)”, Hill não apontou
perseguições vindas da coroa aos muggletonianos, ao contrário
de outras seitas, talvez os líderes L. Muggleton e John Reeve se
preocuparam mais na parte religiosa do que a política e suas idéias,
por mais radicais que fossem para o período, não atacavam tanto
a ordem social quanto as outras seitas, portanto seu desagrado era
principalmente ao clero, que não aceitava duas pessoas comuns se
designarem profetas e negar a Santíssima Trindade.
Hill afirmou que os diggers tentaram fazer uma reforma agrária,
encorajando os plebeus e incomodando a coroa com a idéia de
habitar terras comunais, abandonadas e desabitáveis, “os diggers
alegariam que nenhuma lei privava o povo comum dos seus direitos
à terra comunal, mas apenas um antigo costume gerado por força da
prerrogativa régia”. (HILL,1987, p.70).
As normas defendidas não eram as mesmas proclamadas pela Igreja ou pelas autoridades; eram definidas dentro da própria cultura plebéia, e os mesmos rituais de desonra usado contra um notório transgressor das regras de conduta sexual podiam ser aplicados contra o fura-greve, contra o proprietário rural e seus couteiros, o inspetor de tributos, o juiz de paz. (THOMPSON, 1998, p.18.)
Hill afirmou que os diggers eram temidos, pois eram os mesmos
que participaram da revolta das Midlands, em 1607, e suas idéias
de ocupação de terrenos eram assustadoras para o governo que
“temia que eles pudessem estar decididos a derrubar todas as cercas
da Inglaterra”. (HILL,1987, p.127). Eles exerceram influência em
acentuar tensões de classe, pelo fato de estimular os que nada tinham
a tomar das elites o que os era de direito e podem ter agregado
para consciência de classe dos quacres e pentamonarquistas com essa
ideologia.
Hill interpreta que a tentativa fracassou, pois depois de 1649, o “Rabo
do Longo Parlamento” não deu continuidade para encorajar a reforma
agrária, que foi alvo de tantos protestos “como o do coronel John Pyne,
deputado radical que representava Poole, o qual denunciou que são
roubados os direitos dos pobres e dos comunais”. (HILL,1987, p. 70)
Hill analisou que os panfletos não serviam apenas para criticar
as seitas religiosas, mas também esses diggers, pois o anonimato dos
panfletos ou apenas as iniciais dificultavam descobrir quem foi o autor
evitando assim futuras acusações, “a oposição a ação dos diggers veio,
conta-nos Winstanley apenas de um ou dois freeholders ambiciosos,...
que chamam de suas as terras que foram cercadas”. (HILL,1987, p.
131).
Hill analisou os levellers como o grupo que constantemente
tentavam mudar a ordem social, eram constantemente confundidos
com os diggers, pois suas idéias instigavam aqueles que nada tem
contra aos que eles se submetem.
Os levellers mandaram emissários, conta-nos um panfleto de lavra oficial, para instigar o criado contra o amo, o tenant contra o senhor, o comprador contra o vendedor, o que toma emprestado contra quem lhe empresta, o pobre contra o rico. (HILL,1987, p. 131).
Hill afirmou que os levellers também criticavam o familismo, que
na visão religiosa significou que Cristo estava presente em cada fiel,
prática que era uma tradição popular de anticlericalismo e de ceticismo
materialista.
O leveller William Walwyn perguntava aos inimigos da Família do Amor: “A que família pertenceis por favor?” [...] Walwyn e centenas de sua espécie
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estavam andando pelas ruas de Londres, discutindo, propagandeando essas ‘belas noções’ com a intenção de que elas fizessem o caminho para o mundo. Chegaram perto de virar este de pernas para o ar – tão perto que os membros do círculo de Great Tew apoiaram os realistas durante a guerra civil. (HILL,1987, p. 52).
Hill afirmou que os diggers se proclamavam os levellers autênticos,
denominação definida por Lawrence Clarkson, que mais tarde abandonou
os levellers para virar ranter e posteriormente muggletoniano.
Hill analisou que os levellers nunca constituíram um partido ou um
movimento disciplinado e unido, discordavam e se contradiziam nas suas
próprias idéias, porém muitos eram defensores do uso da força bruta,
sempre a favor do povo mas também se utilizavam de “panfletos levellers,
isso com a finalidade de provar que os levellers se opunham à religião e
á propriedade”. (HILL,1987, p. 128).
Por esse motivos de oposição “a cultura popular é rebelde, mas o
é em defesa dos costumes” (THOMPSON, 1998, p. 19) e se necessário
a força bruta como se fez em outros tempos, pela defesa das tradições,
pegar em armas não seria uma fronteira.
Hill interpretou no panfleto ‘The Moderate’ que os levellers
manifestaram maior coerência na defesa da tolerância religiosa e
defenderam uma ampliação no direito ao voto, fatos que despertaram a
ira do conde de Leicester. “O nobre lorde entendia que tais sentimentos
não deviam ser permitidos em nenhum Estado cristão: o que nos diz
muito sobre o que tais homens pensavam ser a função do cristianismo”.
(HILL,1987, p. 130).
Hill conclui que todas as seitas dependiam de uma dedicação de seus
membros, o que não era problema enquanto o fim do mundo parecia
evidente, porém, no cotidiano as práticas não seriam possíveis e com a
perseguição vinda após a Restauração muitas das seitas desapareceram.
E quando, com a Restauração, veio uma feroz perseguição às seitas, esta produziu outro tipo de tensão, que fez retornarem à Igreja estatal todos, exceto os fiéis mais convictos. De modo que as seitas se restringiram a uma elite auto selecionada, a dos eleitos: elas não tinham lugar para o homem comum, submetido à vida dos sentidos. Da mesma forma costumava-se dizer, na década de 1930, que o Partido Comunista Inglês era o partido com o maior número de ex-membros. Todas as seitas do século XVII, ao se consolidarem, devem ter adquirido enorme número de ex-membros. Isso explica o que já notamos acima — um desejo autenticamente popular de que voltasse a velha Igreja, com os seus doces e quermesses, embora não necessariamente os seus bispos. (HILL, 1987, p.357).
Hill também afirmou que quando as perseguições aumentaram e as
soluções vindas das seitas não pareceram ser as ideais, a melhor alternativa
foi recorrer aos velhos costumes e aceitar novamente as igrejas e suas
festas, além de toda organização da sociedade que havia se estabelecido
por séculos.
O fato de Hill citar os historiadores do Partido Comunista Inglês,
relacionando com os radicais serem constituídos de um grande número
de ex-membros em sua conclusão, apenas confirmam a influencia que o
ato possuiu na vida do historiador inglês. Em nenhum momento no livro
Hill cita os motivos da saída dos estudiosos do Partido Comunista Inglês,
pois ele já espera que seu leitor conheça um pouco de sua vida antes de
ler a sua obra.
Após a Restauração, o período da liberdade de expressão virou
passado e a Ilha da Grã-Loucura tomou novos rumos, deixando de lado
valores que tanto foram protestados pelas seitas, como a igualdade da
mulher, a distribuição agrária, liberdade religiosa, desigualdade social,
entre outras ações para tomar o rumo do comércio, como afirmou Hill:
O grande período da liberdade de movimento e de expressão era passado. Durante vinte anos muitos homens haviam percorrido todos os cantos da Grã-Bretanha — no Exército, à busca de trabalho, ou ainda a
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serviço de Deus. A troca de idéias e experiências, a fecundação recíproca, devem ter sido imensas. Depois da Restauração os oficiais do Novo Tipo voltaram a seus ofícios.Os latoeiros que se haviam tornado pregadores retornaram a suas aldeias, ou, como Bunyan, foram para a cadeia. Os levellers, diggers, ranters e pentamonarquistas desapareceram, quase sem deixar rastro. Coppe mudou de nome e tornou-se médico. Salmon, Perrot e muitos outros emigraram. Nayler e Burrough morreram, Fox impôs disciplina aos quacres: esses sucumbiram à ética protestante. A propriedade triunfou. Os bispos retornaram à Igreja estatal, as universidades e dízimos foram mantidos. As mulheres conheceram de novo o seu lugar. A ilha da Grã-Loucura tornou-se a ilha da Grã-Bretanha, com a confusão de Deus cedendo lugar à ordem do homem. A Grã-Bretanha tornou-se o maior território de livre-comércio em toda a Europa, porém a livre circulação de idéias nela era bastante restrita. A nação de profetas, que Milton queria, tornou-se uma nação de comerciantes. (HILL, 1987, p.360).
Hill apontou que seu objetivo não era o de tratar os radicais com
condescendência, mas sim, aproveitar o que há de poético em suas
intuições, e mesmo que muitos dos esforços tenham sido em vão,
muitas pessoas que nada tinham, foram ajudadas por esses radicais
tanto materialmente quanto espiritualmente.
Meu objetivo não foi o de tratar com condescendência os radicais, afagando-lhes a cabeça por estarem tão adiantados em relação ao seu tempo – esse clichê mais do que gasto dos historiadores preguiçosos. Sob alguns aspectos eles estavam adiantados em relação ao nosso tempo. Porém são as sua intuições, o que me parece torná-los dignos de nosso estudo. (HILL, 1987, p.366).
CONCLUSÃO
O impressionante é perceber como nossas idéias se modificam
com o tempo, um estudo que primeiramente tinha a intenção de
abordar heresias e a Santa Inquisição acabou se transformando por
meio de modificações em uma análise sobre a obra de Christopher
Hill “O mundo de Ponta-Cabeça”, a qual desde a primeira vez que li,
não tive dúvidas em afirmar que se trata de uma grande obra.
Hill escreveu sobre o século XVII, mas em nenhum momento
deixou de relacionar com problemas atuais. A simplicidade é o que
faz de Hill um brilhante historiador, pois estava preocupado com
o público popular, com a intenção de ensinar a história a quem
nada sabe sobre ela e não agradar um público seleto das grandes
universidades inglesas, as quais com o tempo, tiveram que reconhecer
a grande capacidade historiográfica do inglês.
A obra “O Mundo de Ponta-Cabeça” representava toda a
ideologia de Hill, que marxista se propôs a estudar a revolução de
1640 do ponto de vista não hegemônico e atingiu seu objetivo. Hill
claramente interpretou as ações dos, por ele denominados radicais
como uma luta de classes.
A interpretação de Hill sobre as seitas radicais sugere que
essas pessoas comuns formavam os grupos e nada tinham a
perder, elas dedicavam suas vidas a fazer uma oposição às elites,
que extrapolavam seus privilégios e agiam de acordo com seus
interesses..
A implantação de uma religião oficial foi o estopim, pois o
povo inglês convivia com seus costumes há séculos e valorizava o
nacionalismo e em nenhum momento aceitaria um país dependente
de outras nacionalidades.
O período abordado é importante segundo Hill, pelo fato de que
serve como intermediador da revolução inglesa e a revolução industrial,
pois fornece todos os elementos fundamentais para o fato. Na
abordagem, o historiador inglês divide os méritos da revolução inglesa,
que é rotulada como uma revolução de caráter burguês.
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Na obra de Christopher Hill é possível perceber uma contradição
em sua metodologia, pois o mesmo proposto a estudar os não
hegemônicos analisou fontes dos grandes nomes, principalmente
George Fox e Winstanley. Isso não significa que o historiador inglês
não tenha utilizado relatos escritos de pessoas comuns, pois ele utilizou,
mas em menor escala do que os periódicos assinados pelos supostos
líderes das seitas. Talvez ele tenha encontrado uma quantidade maior
de fontes desses grandes nomes, mas foi possível perceber que ele
enfatizou bastante a ação desses indivíduos.
Se a obra apresenta esta contradição, temos que levar em
consideração que para o período que Hill estuda (o século XVII), ele
foi um dos poucos historiadores que tentou abordar a revolução de
uma maneira cultural, enquanto a grande maioria dos historiadores do
período se prendeu apenas a parte política.
Entre as dificuldades de analisar Christopher Hill, o idioma é o que
mais impõe dificuldades. Ao realizar a leitura de uma obra traduzida
e analisá-la, surge a dúvida de que, será que o que você leu foi aquilo
que Hill escreveu? Sem tirar os méritos do tradutor Janine Ribeiro que
deve ter feito um bom trabalho, mas algo sempre se perde.
Identificar as fontes que Hill utilizou me deu outra visão sobre esses
documentos, que antes pareciam inalcançáveis, mas que com foco e
objetividade podem chegar até mesmo as minhas mãos.
A obra de Hill, também despertou meu interesse sobre o “Journal”
de George Fox, fonte que além de conter informações sobre os quacres,
também possuí relatos de outras seitas. Devido à ‘loucura’ dos radicais
retratadas em suas frases e poemas, a fonte se torna totalmente aberta
a novas interpretações.
A figura de Oliver Cromwell também me deixou intrigado, pois
o mesmo é uma referência para os ingleses. Hill escreveu uma obra
instigadora “O eleito de Deus” que retrata a vida do líder do Exército
do Novo Tipo desde quando não passava de um senhor dos pântanos.
Os atos de Cromwell favoreciam ou a burguesia ou a população,
não deixando claro a sua posição no ocorrido. Quando faleceu,
multidões foram homenageá-lo, mesma população que viu seu cadáver
desenterrado e enforcado dois anos mais tarde em praça pública. Qual
seria a interpretação de Hill sobre Oliver Cromwell?
A obra “A Bíblia Inglesa e as revoluções do século XVII”, também
levanta o problema de como Hill analisou esse documento, já que em
seu capítulo “Samuel Fisher e a Bíblia” o historiador inglês afirmou
que os radicais possuíam um grande conhecimento teológico, porém
moviam-se de grupos constantemente então, de qual grupo partiu a
interpretação da Bíblia que foi o estopim para as revoluções do século
XVII?
Enfim, as palavras do historiador Jack H. Hexter acusando
Christopher Hill de ler seletivamente são coerentes? Pois a partir da
análise das fontes de Hill, foi possível identificar a variedade de suas
análises, que não se prende apenas a historiadores ingleses, mas
também interpreta a bibliografia estrangeira para dar uma visão
diferente da que os ingleses possuem.
O encaminhamento da obra de Hill em “O mundo de Ponta-
Cabeça” sugere que nesta obra, Hill não foi um ‘lumper’. Porém,
somente com a análise das fontes de ambas as obras de Hill seria
possível afirmar ou não que Hill é um ‘lumper’. Será que Jack H. Hexter
fez a análise das fontes de Hill antes de fazer a afirmação? Teria o
PHD de Harvard lançado à crítica sem fundamentação apenas para
estimular a rivalidade acadêmica?
A obra de Hill se analisada pela perspectiva de Thompson sugere
que as ações dos radicais representam também costumes, e a resistência
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contra as elites seria uma defesa aos costumes e a cultura. As ações se
realizadas repetidas vezes por diferentes pessoas se torna um costume,
quando esse é realizado desde tempos imemoriais, como a mágica na
sociedade inglesa, estes costumes ganham força de lei.
A abordagem de Hill sobre as mulheres afirma que as seitas
tentaram tratar as mulheres com igualdade, idéia muito a frente de seu
tempo e que fracassou com a derrota dos radicais. Na obra “O mundo
de Ponta-Cabeça” Hill abordou diversos assuntos que eram tabus
exatamente para justificar que essas idéias chegaram muito próximas
de inverter a ordem social da Inglaterra, virando ela de Ponta-Cabeça.
FONTES
HILL, Christopher. O Mundo de Ponta-Cabeça: Idéias Radicais na
Revolução Inglesa de 1640. São Paulo: Companhia das Letras, 1987.
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