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Este trabalho conta, analisa e reflete sobre o primeiro ano de atuação do projeto de extensão Vir-a-Vila: Grupo de Adolescentes e Jovens Comunicadorxs da Vila de Ponta Negra, atuando com educomunicação na cidade de Natal/RN.
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL
ALESSANDRO MUNIZ FONTENELLE
Aplicação da Educomunicação: o projeto Vir-a-Vila na escola, universidade, movimentos sociais e poder público
Natal 2013
ALESSANDRO MUNIZ FONTENELLE
Aplicação da Educomunicação: o projeto Vir-a-Vila na escola, universidade,
movimentos sociais e poder público
Trabalho de Conclusão de Curso
apresentado como requisito para
obtenção do diploma de graduação em
Comunicação Social, habilitação em
Jornalismo, sob a orientação do prof. Dr.
Itamar de Morais Nobre, do Curso de
Comunicação Social, do Departamento
de Comunicação Social, da
Universidade Federal do Rio Grande do
Norte.
Natal 2013
Catalogação da Publicação na Fonte.
Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes (CCHLA).
Fontenelle, Alessandro Muniz.
Uma experiência com educomunicação na universidade e na escola
pública : Projeto de Extensão Vir-a-Vila / Alessandro Muniz Fontenelle. –
2013.
90 f.: il.
Monografia (Graduação em Comunicação Social) – Universidade
Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Ciências Humanas, Letras e
Artes. Curso de Comunicação Social, 2013.
Orientador: Prof. Dr. Itamar de Morais Nobre.
1. Comunicação na educação. 2. Democratização da Comunicação. 3.
Comunicação – Direito. 4. Projeto de Extensão – Universidade Federal do
Rio Grande do Norte. 5. Escola Pública. I. Nobre, Itamar de Morais. II.
Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título.
RN/BSE-CCHLA CDU 316.77:37
AGRADECIMENTOS
Se hoje trabalho com comunicação e educação, em especial com
educomunicação, se tenho nessa prática de comunicação e educação popular
um de meus caminhos de trabalho e realização pessoal e coletiva, devo isto à
Ong Viração Educomunicação, que por acaso conheci em 2007 e que a partir
de 2008 comecei a contribuir e articular em Natal. Sendo assim, este trabalho
só existe graças a todos que fazem esta organização e realizam está prática
tão libertadora e transformadora que é o ensinar a comunicar e sermos sujeitos
de nossos direitos e de nossa realidade.
Agradeço também a todos que caminharam comigo nesta jornada que
desde 2008 percorro pela comunicação alternativa e a educação popular,
principalmente a partir de 2011, momento de nascimento do Vir-a-Vila.
Agradeço a Daísa Alves, que compartilhou o sonho da educomunicação por
muitas jornadas, a Yasmim Kyssyanne e a Yasha Fernandes, companheiras de
projeto, e principalmente a Isadora Morena, que além de compartilhar o sonho,
atuar no projeto, construindo criticamente cada passo, se tornou cúmplice de
sentimentos e vivências e contribuiu enormemente com este trabalho, tanto
auxiliando na escrita, na memória, na reflexão crítica, como também na revisão
e no apoio espiritual necessário.
Agradeço a todos os professores que apoiaram, orientaram e
contribuíram com o trabalho, o professor João Tadeu Weck, parceiro desde os
primeiros passos, o professor Itamar Nobre, com quem trabalhei e se tornou
meu orientador por praticamente toda minha graduação, a professora Socorro
Veloso, que confiou em nossas ideias e nosso trabalho, garantindo a realização
do primeiro ano do projeto como coordenadora, o professor Sebastião
Faustino, que também desde o início contribuiu, orientou e apoiou o projeto e
se tornou coordenador dele em 2013 e aos demais professores que de alguma
forma apoiaram nossa iniciativa.
Por fim, é preciso agradecer a minha mãe, meu avô e demais familiares
pelo apoio e pela estrutura que permitiu muito do que fiz e faço e agradecer à
vida que nos impulsiona a caminhar.
“O caminho se faz ao caminhar”
(autor desconhecido)
RESUMO
Este trabalho busca identificar as práticas adotadas pelo projeto de extensão Vir-a-Vila: Grupo de Comunicadores/as Adolescentes e Jovens da Vila de Ponta Negra, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), analisando-as, relacionando suas dificuldades e avanços e expondo os resultados alcançados em todas as esferas de ação. O projeto atuou de forma experimental e coletiva o conceito e a prática da Educomunicação e da educação dialógica de Paulo Freire. Em 2012 realizaram-se encontros semanais com a turma 1ºB da primeira série do ensino médio, na Escola Estadual Professor José Fernandes Machado (EEPJFM), no Bairro de Ponta Negra, realizaram-se também ações de promoção do conceito da educomunicação e formação de estudantes e professores para a prática da mesma tanto na universidade quanto junto à Secretaria Municipal de Educação de Natal, como também realizaram-se ações conjuntas com movimentos sociais. Ao final do primeiro ano de atuação, observou-se avanços no reconhecimento das identidades, da cultura pessoal e popular e na percepção do direito de se comunicar nos estudantes da escola pública, como também um crescente reconhecimento da educomunicação na universidade, no poder público e nos movimentos sociais. Palavras chave: Educomunicação, Escola Pública, Extensão, Democratização da Comunicação, Direito à Comunicação.
ABSTRACT
This paper seeks to identify the practices adopted by the extension project Vir-a-Vila: Adolescents and Youth Communicators Group of Ponta Negra village, Rio Grande do Norte Federal University (UFRN), analyzing them, relating their difficulties and advances and the achieved results in all spheres of action. The project acted experimental and collective concept and practice of Educomunication and Paulo Freire dialogical education. In 2012 were held weekly meetings with the 1 º B class of the high school first year in the State School Professor José Fernandes Machado (EEPJFM), in the neighborhood of Ponta Negra, there were also actions to promote the concept of educommunication and training students and teachers to practice it at the university and with the Municipal Education Secretary, and also held up actions with social movements. At the end of the first year of implementation, there have been advances in the recognition of identities, personal and popular culture and perception of the right to communicate in public school students, as well as a growing recognition of educomunication in the university, the government and social movements.
Key words: Educommunication, Public School, Extension, Comunication
Democratization, Right to Comunication.
Lista de abreviaturas e siglas
AVN Articulação Vira Nordeste – Rede de Comunicação e Educação Popular e Alternativa do Nordeste
CABW Centro Acadêmico Berilo Wanderley do Curso de Comunicação Social da UFRN
CCHLA Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes da UFRN
CE Centro de Educação da UFRN
CFPCom Curso de Formação Política em Comunicação da Enecos
Decom Departamento de Comunicação da UFRN
Democom Democratização da Comunicação
DPEC Departamento de Práticas Educacionais e Currículo
Educom Educomnicação
EEPJFM Escola Estadual José Fernandes Machado
Enecom Encontro Nacional de Estudantes de Comunicação Social
Enecos Executiva Nacional de Estudantes de Comunicação Social
Enformae Encontro Nordestino de (in)Formação em Mídias Alternativas e Educomunicação
FNDC Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação
Intervozes Coletivo Brasil de Comunicação Social
NV Núcleo de Vivência – metodologia da Enecos
NB Núcleo de Base – metodologia da Enecos
Renajoc Rede Nacional de Adolescentes e Jovens Comunicadores e Comunicadoras
Secom Semana de Comunicação da UFRN
SIGAA Sistema Integrado de Gestão de Atividades Acadêmicas
SME Secretaria Municipal de Educação (Natal)
TICs Tecnologias da Informação e Comunicação
UFRN Universidade Federal do Rio Grande do Norte
SUMÁRIO
1 Introdução 10
2 Por que a Educomunicação? 14
2.1 Função Social da Educação – Perspectiva Tradicional 14
2.2 Educação como Prática da Liberdade 20
2.3 A Mídia Tradicional 21
2.4 Relação entre Mídia, Comunicação e Educação 26
2.4.1 Comunicação como Direito Humano e Cidadania 30
2.4.2 Educomunicação 33
3 O percurso do Vir-a-Vila 36
3.1 Preparação e Formação 38
3.2 Metodologia e Planejamento 47
3.3 Em sala de aula 53
3.4 Articulação, Movimento Social e promoção da Educomunicação 69
4. O que aprendemos e para onde vamos 77
5. Referências 86
6. Bibliografia complementar 89
10
1. INTRODUÇÃO
Descrever uma experiência de educomunicação na realidade potiguar e
analisar os aprendizados e resultados decorrentes é o objetivo deste trabalho.
A Educomunicação, campo de pesquisa, reflexão e intervenção social, é um
conceito e prática que tem no direito a comunicação um de seus princípios
fundamentais, ou seja, ela vista implementar processos que engajem os
sujeitos em seus percursos educativos e ampliem seus potenciais
comunicativos e expressivos em uma perspectiva cidadã e transformadora.
Diante do que se chama Sociedade do Conhecimento, em que estamos
inteiramente envolvidos por meios de comunicação e tecnologias da
informação e comunicação (TICs) que interferem em nossas identidades,
nossas interações, nossa relação com o conhecimento e visões de mundo,
uma reflexão sobre esse universo da interface entre a Comunicação e a
Educação torna-se imperativo.
A Educomunicação é um conceito e uma prática ampla, que se ancora
em décadas de experiências e conhecimentos produzidos tanto no Brasil, na
América Latina e restante do mundo (MORAN, 1993; VIVARTA, 2004), como
também na pedagogia de Paulo Freire, pois a construção do conhecimento e
das relações sociais com base no diálogo e a ênfase na formação de um
indivíduo autônomo e em constante processo emancipatório são fundamentais.
É aplicado por organizações não governamentais, comunitárias,
universidades, educadores e comunicadores populares. Contudo, no Rio
Grande do Norte percebe-se que existe uma incidência menor destas práticas
em relação a outros Estados, inclusive na Universidade, em que apenas alguns
docentes vêm discutindo a interface Comunicação e Educação, sem que isto
se torne presente no cotidiano dos cursos de Comunicação e Pedagogia e
demais áreas de conhecimento.
Assim, a experiência do Projeto de Extensão Vir-a-Vila: Grupo de
Adolescentes e Jovens Comunicadores/as da Vila de Ponta Negra, do
Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal do Rio Grande
do Norte, torna-se relevante para o cenário local, conectada com a realidade
nacional, pois podemos entendê-la como parte de um processo de
desenvolvimento da educomunicação no estado.
11
Este projeto atua na Vila de Ponta Negra, uma comunidade pertencente
ao bairro de Ponta Negra, uma das regiões turísticas da cidade, pois nele
localizam-se a praia de Ponta Negra e o Morro do Careca, cartões postais da
cidade. Contudo, bem antes de fazer parte desta área turística, a Vila “era um
povoado de agricultores e pescadores, vivendo independente do centro da
cidade”, como explica o blog Vozes da Vila (2010).
A partir da década de 1940, interesses imobiliários e o avanço da área
urbana em direção a praia começaram a alterar o equilíbrio da comunidade. Os
moradores perderam suas áreas de roçado e muitos tiveram que buscar
empregos na construção civil e no comércio informal. Com estas e outras
violências sofridas, começaram a surgir muitos problemas sociais, como a
violência urbana e as drogas.
Mas a Vila é também “um celeiro de cultura e tradições, representadas
por grupos de danças tradicionais, pelo trabalho manual (renda de bilro,
principalmente) e pesca artesanal” (Vozes da Vila, 2010). Cultura esta que
muitas vezes é esquecida pelo natalense e ignorada pelo turista.
A escola de nível médio que atende a comunidade não se localiza na
comunidade, mas na área mais rica do bairro de Ponta Negra. Outrora
considerada escola de referência, a Escola Estadual Professor José Fernandes
Machado (EEPJFM) hoje sofre com diversos problemas, entre eles a forte
evasão escolar e a desmotivação dos estudantes.
A educomunicação neste contexto tem um papel transformador da
realidade na valorização das identidades, na afirmação dos indivíduos como
sujeitos de seus destinos, seus direitos, suas representações do mundo que
vivem e que querem viver, e ainda no fortalecimento da comunidade como
espaço de diálogo e articulação social, cultural e política.
É nosso objetivo identificar quais os caminhos percorridos, as
dificuldades e soluções encontradas para a aplicação da educomunicação
nesta experiência, que realizou atividades semanais com a turma do 1º B do
ensino médio da EEPJFM, além de ações de planejamento, pesquisa,
promoção e formação em educomunicação na Universidade Federal, e
articulações com movimentos sociais e o poder público.
Com isso, pretendemos principalmente dialogar e apoiar outras
experiências semelhantes, que possam ver no Vir-a-Vila como um exemplo.
Esperamos também subsidiar o segundo ano de aplicação do projeto com
12
essas reflexões, para que este possa ser mais produtivo e eficaz na realização
de seus objetivos de extensão universitária e de intervenção social.
Para fundamentar a pesquisa aqui realizada, a primeira parte do
trabalho, intitulado “Por que a Educomunicação?” procura entender e explicar a
motivação, justificativa e necessidade social da aplicação deste conceito e
prática, situado na interface Comunicação/Educação, a partir do contexto da
educação e da comunicação hegemônicas e sua crítica.
Tivemos assim uma base importante em Freire (2005, 2006a, 2006b e
LIMA, 1981), em Soares (2011), em referenciais sobre Mídia Educação
(BELLONI, 2005), em reflexões sobre Cidadania (MALDONADO, 2011),
Cibercultura (LÉVY, 1999), Midiatização (FAUSTO NETO, 2008), dentre outros
temas, autores e percursos de conhecimento e pesquisa.
O projeto de extensão teve um caráter de pesquisa-ação, que, segundo
Thiollent (2011, p. 20), consiste em:
Um tipo de pesquisa social com base empírica que é concebida e realizada em estreita associação com uma ação ou com a resolução de um problema coletivo e no qual os pesquisadores e os participantes representativos da situação ou do problema estão envolvidos de modo cooperativo ou participativo.
A ação e a pesquisa estiveram permanentemente associadas no projeto
por meio da efetivação das teorias no cotidiano, experimentação de práticas,
enfoques, metodologias, didáticas, seleção e produção de materiais, cuja
eficácia em provocar discussões e problematizações nos temas do projeto foi
testada nos encontros semanais de sala de aula na EEPJFM.
Thiollent (2011, p. 28) esclarece que “a pesquisa-ação não é constituída
apenas pela ação ou pela participação. Com ela é necessário produzir
conhecimentos, adquirir experiência, contribuir para a discussão ou fazer
avançar o debate acerca das questões abordadas”. Desta maneira se deu o
Projeto de Extensão Vir-a-Vila, preocupado em unir teoria e prática, em um
caminho coletivo de construção e socialização dos conhecimentos e
experiências adquiridas, afim de contribuir com novos conhecimentos no
campo da Educomunicação.
Esta pesquisa, o trabalho realizado na escola, as reflexões e
aprendizados ao longo dos encontros, as adaptações e soluções encontradas
serão relatados na segunda parte do trabalho, chamado “O percurso do Vir-a-
13
Vila”. Na segunda parte narraremos também a atuação na UFRN, onde a
educomunicação ainda é pouco conhecida e discutida e as articulações para
além da Universidade, com movimentos sociais e poder público.
Por fim, na última parte, “O que aprendemos e para onde vamos”,
Fazemos a reflexão final, síntese das discussões e aprendizados ao longo do
ano e as conclusões a que chegamos para o aprimoramento da experiência e
fortalecimento do projeto em seu segundo ano de atividades.
14
2. POR QUE A EDUCOMUNICAÇÃO?
A Educomunicação, enquanto interface entre a comunicação e a
educação, é tanto um campo teórico como também uma prática, preocupada
com o “eixo das relações comunicacionais entre pessoas e grupos humanos”
(SOARES, 2011, p. 18). A comunicação e a educação são conceitos e práticas
intrinsecamente relacionados, como aponta Freire quando afirma que “a
educação é comunicação, é diálogo, na medida em que não é transferência de
saber, mas encontro de sujeitos interlocutores que buscam a significação dos
significados” (1973, apud LIMA, 1981, p. 64).
Mas se criou ao longo do tempo certo antagonismo entre o mundo
escolar e o mundo da comunicação. A Escola sente-se “como último baluarte
do livro, portanto, também da reflexão, do argumento e da independência do
pensamento frente aos meios de comunicação” (BARBERO, 2002, apud
VIVARTA, 2004, p. 58-59). Em contrapartida, o mundo da comunicação, veloz,
efêmero, de linguagem não-linear, midiatizado, que prima pela sensação e pela
emoção, para a escola objetiva produzir, senão, “massificação, conformismo e
consumismo” (VIVARTA, 2004, p. 59).
O mundo escolar observa o mundo da comunicação com desconfiança,
identificando que ele, em especial a TV, é “manipuladora de consciências e
veiculadora de um conteúdo de baixo nível cultural, informativo e estético”
(NAPOLITANO, 1999, p. 15). Napolitano explica que “muitos educadores,
pedagogos e professores pensavam [e podem ainda pensar] a influência da TV
como um fator responsável pelo fracasso da escola” (Ibid., p. 17), vendo “na TV
um inimigo” (Ibid.).
Mas antes de analisarmos mais profundamente a relação entre essas
duas áreas e universos, a educação e a comunicação, precisamos refletir sobre
elas separadamente.
2.1. FUNÇÃO SOCIAL DA EDUCAÇÃO – PERSPECTIVA TRADICIONAL
Estudando a história e a função social da escola, percebemos que no
modelo social e econômico vigente, baseado na acumulação e reprodução de
capital, na desigualdade e na dominação de uma classe social sobre as outras,
15
o capitalismo, a instituição escolar tem como objetivo a “formação de uma nova
geração que perpetue o sistema social tal como ele é” (SINGER, 2010, p. 27).
Durkheim, um dos pais da sociologia e que pensou sobre a função social
da educação e da escola, justificou esse objetivo com a seguinte questão: “A
que pode servir imaginar uma educação que seria a morte da sociedade que a
colocasse em prática?” (Durkheim, 1934, apud SINGER, 2010, p. 27). O
indivíduo aprende a comportar-se segundo os modelos colocados pela
sociedade pelo que a Psicologia Social chama de “socialização”, que pode ser
definido como:
Processo pelo qual o indivíduo adquire os padrões de comportamento que são habituais e aceitáveis nos seus grupos sociais. Este processo de aprender a ser um membro de uma família, de uma comunidade, de um grupo maior, começa na infância e perdura por toda a vida, fazendo com que as pessoas atuem, sintam e pensem de forma muito semelhante aos demais com quem convivem
(BRAGHLIROLLI, 1995).
Para alcançar este fim, a escola fez-se um lugar de disciplina,
autoridade, normatização e controle. Esta concepção percebe “a criança como
uma ‘tábua rasa’, na qual os educadores podem inscrever seu desejo”
(SINGER, 2010, p. 28).
O sociólogo francês foi importante representante do positivismo, corrente
de pensamento que teve e ainda tem grande repercussão em diversos âmbitos
das sociedades ocidentais. Foi iniciada na França por Augusto Comte (1798-
1895) que afirmava que “o pensamento positivista poderia garantir a
organização racional da sociedade” (ISKANDAR; LEAL, 2002, p. 2).
Um exemplo da influência positivista é a bandeira brasileira que ostenta
a máxima Ordem e Progresso, inspirada no lema comteano “A ordem por base,
o amor por princípio, o progresso por fim”. (Ibid., p. 4). Iskandar e Leal (2002, p.
4) explicam que “Comte defendia a ideia de ordem industrial e o progresso nela
embutido”.
A hipótese fundamental do positivismo é “que a sociedade humana é
regulada por leis naturais, ou por leis que tem todas as características das leis
naturais, invariáveis, independentes da vontade e da ação humana” (LÖWY,
1991, p. 35-36). E consequentemente, as ciências sociais, incluindo-se aí a
educação, “da mesma maneira que as ciências da natureza são objetivas,
neutras, livres de juízos de valor, de ideologias políticas, sociais e outras, (...)
16
devem funcionar exatamente segundo esse modelo de objetividade científica”
(Ibid., p. 36).
Meksenas (2005, p. 70) explica que, de acordo com essa lógica, em que
a sociedade funcionaria segundo leis e regras já determinadas (ou “naturais”),
isso “faria com que os problemas sociais não tivessem sua origem na
Economia (forma pela qual as pessoas trabalham), mas sim numa crise moral,
isto é, num estado social em que várias regras de conduta não estão
funcionando”.
A sociedade seria, então, “harmônica”, ou pelo menos, da única maneira
que ela poderia ser, algo “natural”. Consequentemente, quando ocorrem
problemas, a violência e o crime, por exemplo, tratam-se de desvios de
indivíduos que não aceitaram seguir essas “leis naturais”. É um problema
moral. A poesia de Bertolt Brecht (2000, p. 140) evidencia bem esta posição
que culpa o indivíduo, mas ignora a responsabilidade da sociedade, do
contexto:
A corrente impetuosa é chamada de violenta
Mas o leito de rio que a contém Ninguém chama de violento.
A tempestade que faz dobrar as bétulas
É dita como violenta E a tempestade que faz dobrar
Os dorsos dos operários na rua?
A culpa pelos problemas sociais, sendo morais, são também individuais.
Não é a sociedade que tem problemas, mas os indivíduos que não respeitam
suas regras. Durkheim afirma que “é preciso que a sociedade passe por um
amplo processo de moralização, cuja base é justamente a educação”
(SINGER, 2010, p. 28) e completa que:
Na escola, efetivamente, existe todo um sistema de regras que predeterminam a conduta da criança. (...) Há assim uma variedade de obrigações às quais a criança está forçada a se submeter. Seu conjunto constitui o que se chama disciplina escolar. Pela prática da disciplina escolar é possível inculcar na criança o espírito de disciplina (DURKHEIM, 1925, p. 169, apud SINGER, 2010, p. 28).
Disciplina, controle, repetição, regularidade, padrão, respeito à
autoridade. “O espírito de disciplina, como predisposição mental, torna-se
assim peça fundamental de todo o processo educativo”, explica Singer (2010,
p. 29), pois é imprescindível que cada indivíduo aceite e absorva a moral da
17
sociedade vigente, de modo a não transgredi-la, para, assim, evitar os
problemas sociais.
“Busca-se levar o indivíduo a aceitar voluntariamente as regras do jogo
social, instruindo-o no conhecimento que o tornará ‘um cidadão útil’” (ALVES,
2004, p. 102). Desta forma, a instituição tornou-se um lugar “formalista,
asséptico, distanciado da realidade do aluno, estéril e/ou enfadonho”
(GUIMARÃES, 2000, p. 18).
A defesa de Comte e o positivismo dessa “ordem industrial” e do
“progresso nela embutido” (ISKANDAR; LEAL, 2002, p. 2), representa grande
influência no cientificismo e do produtivismo, inclusive na educação. “O
currículo multidisciplinado – fragmentado – é fruto da influência positivista”
(Ibid, p. 3), relatam os autores. Outra repercussão foi a maior ênfase às
ciências exatas do que as humanas, como se pode observar no currículo atual,
em que existe grande discrepância entre as cargas horárias, privilegiando as
primeiras.
Esse industrialismo também se reflete na escola de outras formas. A
filósofa e professora Viviane Mosé, em sua palestra sobre “Os Desafios
Contemporâneos - Educação”, para o programa Café Filosófico CPFL1,
exemplifica a concepção escolar atual: “A escola como fábrica – fábrica de
pessoas para o mercado e (...) que produz com muita rapidez em uma linha de
montagem esse conhecimento que ela quer administrar e ministrar” (MOSÉ,
2009, 14’48”). Mosé exemplifica a seguir:
O que caracteriza a produção em massa da fábrica? A segmentação e a fragmentação, a falta de noção de todo. Então o que temos na nossa escola? Uma escola seriada. Parece produto, em série. Temos as séries, primeira, segunda, terceira. Não bastando, o conteúdo (...) é chamado de disciplina. Nossas aulas tem 50 minutos, toca um sino, acaba uma aula e entra outra. (...) Sinal sonoro também é coisa de fábrica. A nossa escola segmentou ao máximo o saber, característica da linha de montagem (2009, 15’43”).
A filósofa acrescenta outra característica, a “escola como reformatório ou
prisão” (2009, 17’14”):
O que é a escola como prisão? (...) O que é o nosso currículo? Grade, grade curricular. E atrás da grade, nós temos disciplinas. A avaliação é chamada de prova. Você é um condenado. Você tem que provar que é inocente para passar, ser absolvido.
1 Programa exibido na TV Cultura aos domingos. Mais informações no site:
http://www.cpflcultura.com.br
18
Explica que esta organização da educação diz respeito a necessidade
da sociedade, ou dos que a dominam, de “produzir passividade, disciplina,
ausência de questionamento e crítica, repetição e não criação de conteúdo”
(2009, 18’02”).
Desta forma, a escola representa uma antecipação da vida adulta, dessa
vida do trabalho, de regras e punições necessárias para esta “moralização da
vida”, para que a sociedade possa continuar a funcionar de forma “natural”,
como pensou Durkheim. Ou poderíamos dizer, para que possa funcionar
segundo os interesses dominantes.
Freire traz ainda outro elemento característico desta forma de pensar a
sociedade, em especial na América Latina e restante do Terceiro Mundo. Ele
fala do “mutismo” e da “cultura do silêncio”. O “mutismo” diz respeito “as
sociedades a que se nega o diálogo – comunicação – e em seu lugar, se lhes
oferecem comunicados. (...) O mutismo não é propriamente a inexistência de
resposta. É a resposta a que falta teor marcadamente crítico” (2006a, p. 77) e,
consequentemente, transformador. Pode-se falar e pensar, como afirmam os
defensores da “liberdade de expressão” (liberal), mas segundo uma lógica
determinada e conservadora.
A “cultura do silêncio” é explicada por Freire a partir do contexto e da
herança histórica dos povos do Terceiro Mundo:
Desde a conquista, a América Latina é uma terra subjugada. Sua colonização consistiu numa transplantação promovida pelos invasores. Sua população foi esmagada; sua economia se baseava no trabalho escravo (...); era dependente dos mercados externos (...). O tipo predominante de dominação econômica determinou uma cultura de dominação que, uma vez internalizada, condicionava o comportamento submisso (FREIRE, 1970, apud LIMA, 1981, p. 87).
Continua afirmando que:
O silêncio da sociedade-objeto face à sociedade metropolitana se reproduz nas relações desenvolvidas no interior da primeira. Suas elites, silenciosas frente à metrópole, silenciam, por sua vez, o seu próprio povo. Apenas quando o povo da sociedade dependente rompe as amarras da cultura do silêncio e conquista seu direito de falar – quer dizer, apenas quando mudanças estruturais radicais transformam a sociedade dependente – é que esta sociedade como um todo pode deixar de ser silenciosa face à sociedade metropolitana. (Ibid, p. 88).
Freire explica que este contexto colonial continuou reproduzindo-se sob
outras formas ao longo da história, refletindo-se nos dias atuais. Venício de
19
Lima explica que “a maior preocupação de Freire é com as pessoas que se
encontram mergulhadas na cultura do silêncio – com todos aqueles que não
têm voz própria, uma postura crítica, que sofrem (...) de um senso de
autodepreciação e são caracterizadas pela submissão e pelo silêncio” (1981, p.
89), resultante da educação tradicional. Lima aponta então a crítica de Freire a
este sistema educacional positivista que estivemos caracterizando:
O mito da educação neutra, que é um instrumento a serviço da domesticação dos homens [e mulheres]; o mito da objetividade fria e científica, que transforma as estruturas desumanizadoras em verdades indiscutíveis; da inferioridade intrínseca do povo e da consequente superioridade, igualmente intrínseca, das elites, o que justifica o domínio destas sobre aquele; e o mito da superioridade das nações que “falam” face à inferioridade das nações que “silenciam”, porque são silenciadas (FREIRE, 1971, apud LIMA, 1981, p. 89).
A partir desta análise da perspectiva hegemônica de Educação, aqui
denominada “Tradicional”, entendemos algumas relações entre a instituição
escolar e a comunicação, neste caso, muitas vezes baseado na dificuldade,
falta e/ou negação da comunicação. Percebemos também uma relação com o
conhecimento mais fechada, autoritária, de transmissão, no que Freire
denomina “Educação Bancária”, em que “em lugar de comunicar-se, o
educador faz ‘comunicados’ e depósitos que os educandos, meras incidências,
recebem pacientemente, memorizam e repetem” (FREIRE, 2005, p. 66).
Rubem Alves resume a problemática relação entre esta concepção
educacional e a realidade social existente quando afirma que:
Aceitar como paradigmático o jogo da educação para a integração social significa aceitar como um valor positivo a sociedade à qual o educando deverá se ajustar. Neste caso, aceitamos que a ordem social vai muito bem. Não é ao seu nível que se localizam os problemas a serem resolvidos. Os problemas se localizam, ao contrário, ao nível da consciência que resiste ao processo de integração. Cumpre, portanto, elaborar uma “engenharia do comportamento” que, valendo-se das contribuições da psicologia e da sociologia, seja um instrumento eficaz para produzir o comportamento funcional desejado. (ALVES, 2004, p. 102-103).
A não aceitação deste paradigma dominante de educação é a principal
afinidade entre as concepções de educação e comunicação, enquanto
interface, que regem este trabalho, pautadas pela Pedagogia do Oprimido
(FREIRE, 2005), pela Educação Democrática (SINGER, 2010) e pela
Educomunicação (SOARES, 2011). Entendemos que estas posturas se
caracterizam enquanto formas de resistência e transformação deste paradigma
20
e, consequentemente, da sociedade ou do modelo de sociedade em que
vivemos.
2.2. EDUCAÇÃO COMO PRÁTICA DA LIBERDADE
O projeto, nossas práticas, aspirações e sonhos partem de uma
“educação que, desvestida da roupagem alienada e alienante, seja uma força
de mudança e de libertação” (FREIRE, 2006b, p. 44). Significa, com isso, uma
opção pela “Educação como Prática da Liberdade” (FREIRE, 2006a), pois que
revela e impulsiona uma pessoa-sujeito, ao invés de uma educação para a
domesticação, que resulta em uma pessoa-objeto (Ibid., p. 44).
Esta prática da liberdade almeja a realização de um modelo de
sociedade, de sociabilidade, de convivência e organização social da produção
realmente democráticas, definida por Singer (2010, p. 16) como:
Uma sociedade onde todos os cidadãos possam participar das decisões relativas ao seu destino político, onde qualquer forma de imposição hierárquica na distribuição do poder e dos privilégios esteja definitivamente abolida, e onde o desenvolvimento dos indivíduos seja integral (SINGER, 2010, p. 16).
A autora completa que “entende-se que essa sociedade só será possível
se os seus membros forem pessoas de iniciativa, responsáveis, críticas, em
uma palavra, autônomas” (SINGER, 2010, p. 16).
Liberdade, assim, é um conceito permeado por outros, como autonomia,
responsabilidade, autoconhecimento, respeito, criatividade, iniciativa,
pensamento crítico, engajamento no próprio processo de ensino-aprendizagem
e na relação pessoal e coletiva com o conhecimento, tanto das ideias como das
técnicas sociais de produção dos bens necessários ao bem-estar social.
Opõem-se à dominação, exploração, opressão, hierarquização da vida,
do conhecimento, das funções e valores sociais, à violência de toda espécie e
também a toda forma de desigualdade econômica e social que violente e
impeça que floresça o que realmente diferencia uma pessoa da outra, suas
idiossincrasias, personalidades, gostos, habilidades, memórias, afinidades,
criatividade, sonhos, preferências de todo tipo, seja sexual, material, lúdica, etc.
Estes cidadãos livres, “vivendo a experiência da liberdade individual,
podem conhecer e participar do mundo das liberdades coletivas” (ADORNO,
apud SINGER, 2010, p. 21). O paradigma de educação libertadora (libertária) e
21
democrática não é uma utopia, mas uma realidade praticada em todos os
continentes, existindo cerca de cinco centenas (SINGER, 2010, p. 17) de
escolas conhecidas e tem, pelo menos, 160 anos de existência, pois a primeira
escola democrática de que se tem registro data de 1850 e foi fundada por Leon
Tolstoi (Ibid., p. 16).
Duas das principais características da Educação Democrática, apontas
Singer, são a “gestão participativa, com processos decisórios que incluem
estudantes, educadores e funcionários, e organização pedagógica como centro
de estudos, em que os estudantes definem suas trajetórias de aprendizagem,
sem currículos compulsórios” (Ibid., p. 15).
Isto se reflete na realização de Assembleias Escolares periódicas onde
toda a comunidade escolar, sem hierarquização das vozes, decidem as regras
coletivas e as direções gerenciais da comunidade. Reflete-se também na não
separação dos educandos em séries, em divisões etárias ou de níveis de
conhecimento, conforme a estratificação tradicional, além de pautar a relação
de ensino-aprendizagem pelo interesse do estudante e na curiosidade.
Estas características dialogam de perto com o conceito do Ecossistema
Comunicativo, proposto pela Educomunicação (SOARES, 2011, p. 43), que vê
as relações sociais entre pessoas e grupos, permeadas por valores, ideias,
culturas, representações, conhecimentos, tecnologias, referências, tradições,
sonhos, vontades e desejos, como seu “habitat natural”, ou seja, seu lugar de
análise e atuação. Não se trata apenas de pensar a educação e a comunicação
como ações, técnicas, didáticas, com fins específicos e objetivos, mas perceber
ambos como processos intrínsecos em todas as relações sociais, em uma
perspectiva crítica, complexa e integral.
2.3. A MÍDIA TRADICIONAL
Ampliando o âmbito de discussão da educação para o contexto maior da
sociedade moderna, altamente permeada por meios de comunicação de massa
e pelas Tecnologias da Informação e da Comunicação (TICs), examinemos,
então, o contexto da mídia na sociedade moderna, em especial no Brasil, para
após refletirmos sobre as relações entre a mídia e a educação. Guareschi e Biz
(2005, p. 38) explicam que:
22
Não há instância de nossa sociedade, hoje, que não tenha uma relação profunda com a mídia, onde a mídia não interfira de maneira específica. Isso é assim, por exemplo, com a economia, a educação, a religião, e chegando, de mais profunda, à própria política.
Completam que “a mídia é o coração da sociedade de informação, sob
cuja égide vivemos. E a informação é o novo modo de desenvolvimento
responsável pela produtividade do sistema capitalista nos dias de hoje”. A
presença da mídia no cotidiano das pessoas pode ser percebida, por exemplo,
no fato de que “as pessoas adultas dos países ocidentais gastam entre 25 e 30
horas por semana olhando televisão, e isso sem contar o tempo que elas
empregam escutando rádio ou música, lendo jornais, livros e revistas” (Ibid) e
que os “adolescentes brasileiros passam uma média de quatro horas por dia
em frente à tevê, segundo o estudo A Voz dos Adolescentes, publicado em
2002 pela Unicef” (VIVARTA, 2004, p. 10).
Esta importância que a mídia possui na sociedade moderna torna-se
preocupante quando percebemos como está organizado o controle dos meios
de comunicação de massa (MCM) na sociedade. Grandes corporações
dominam das telecomunicações à produção jornalística, que determina como é
o mundo e como entendê-lo, passando para as manifestações culturais,
novelas, cinema, música, entre tantas, produzindo assim visões de mundo,
representações, referenciais, interpretações, consensos e até sensibilidades de
acordo com os interesses hegemônicos e dominantes na sociedade.
A seleção do que deve ser mostrado e noticiado, a edição dessas
informações e imagens, a escolha de palavras, termos (a exemplo o uso de
“invasão” no lugar de “ocupação”, no tratamento da mídia hegemônica sobre as
ações do MST) e enquadramentos, a manipulação, fragmentação e distorção
dos significados, contextos e representações, juntos produzem uma realidade
construída pelos meios de comunicação. É uma visão de mundo influenciada
pelos interesses dos proprietários dos meios de comunicação, pelas relações
político-econômicas em que os veículos estão inseridos e pela ideologia e
valores que estes expressam, em geral de forma sutil e não declarada.
Giancoli, em edição especial da revista Caros Amigos intitulada “Mídia –
a grande batalha pela democracia” afirma que “a propriedade dos meios de
comunicação do Brasil sempre foi estruturada em um oligopólio, com
hegemonia muito grande da empresa líder, as Organizações Globo” (2011, p.
12). Ela aponta que a monopolização acontece por diversos mecanismos: pela
23
concentração horizontal, quando um mesmo grupo detém várias operadoras da
mesma plataforma midiática, por exemplo, várias emissoras de TV; pela
concentração vertical, quando um grupo controla várias etapas de produção de
bens midiáticos, como produtora, programadora e distribuidora e pela
propriedade cruzada, quando um mesmo grupo opera em diferentes
plataformas - TV, rádio, jornais e portais (GIANCOLI, 2011, p. 12-13).
Nesta matéria, intitulada “Conglomerados: o que é grande pode ficar
maior” (2011, p. 12), a autora traz como exemplo o maior grupo de
comunicação brasileiro, as Organizações Globo, que é dona da Rede de TV –
composta por cinco emissoras próprias e 121 afiliadas – e do Sistema Globo de
Rádio, incluindo a CBN, o Jornal O Globo, a programadora Globosat, dona ou
com participação em diversos canais, dentre eles Globo News, Multishow,
SporTV, GNT, Universal Channel e Telecines, as empresas de TV por
assinatura Net Brasil, a Net Serviços e a Sky Brasil, a produtora
cinematográfica Globofilmes, a gravadora Somlivre, os portais Globo.com e G1,
a Editora Globo, que produz livro e dezenas de revistas, dentre elas, a mais
conhecida é a Época, entre outros empreendimentos, totalizando 340 veículos
de comunicação.
A matéria “Quem São os Donos da Mídia”, publicada na revista Carta
Capital, aponta que:
O projeto de integração nacional, perseguido a partir da década de 60 pelo regime militar, adquiriu materialidade nas redes de televisão e encontrou sua melhor tradução no modelo constituído pela Rede Globo. Ao longo de quase quatro décadas, enquanto expandiram-se pelo país adentro, com a patriótica missão que lhes foi atribuída, as redes de tevê aberta também forjaram um mapa do Brasil baseado nos interesses políticos e comerciais privados dos seus proprietários (HERZ; OSÓRIO; GÖRGEN, 2002, p. 17).
O texto revela ainda que “os 667 veículos ligados às seis redes privadas
nacionais [Globo, Record, SBT, Bandeirantes, RedeTV! e Rede CNT] são a
base de um sistema de poder econômico e político que se ramifica por todo o
Brasil e se enraíza fortemente nas regiões” (Ibid.). A matéria divulga e tem
como fonte de suas informações a pesquisa Os Donos da Mídia, que desde a
década de 80 “reúne dados públicos e informações fornecidas pelos grupos de
mídia para montar um panorama completo da mídia no Brasil”, como explica a
apresentação da pesquisa, disponível na internet no endereço www.
donosdamidia.com.br.
24
A pesquisa traz dados sobre a estrutura econômica do sistema de
comunicação do país, as relações políticas, o controle de veículos de
comunicação por detentores de cargos eletivos (os “coronéis eletrônicos”),
entre outros dados que confirmam a realidade de oligopólio no controle dos
meios de comunicação no Brasil.
No Brasil, assim como em vários outros países do mundo, os meios de
comunicação estão nas mãos de poucas famílias. Podemos listar as onze
principais, que dominam os grupos de comunicação mais conhecidos e de
maior abrangência, sendo elas a família Marinho (Globo), Abravanel (SBT),
Macedo (Record), Saad (Band), Carvalho e Dallevo (Rede TV!), Frias (Grupo
Folha), Civita (Grupo Abril), Mesquita (Grupo Estado), Sirotsky (Rede Brasil Sul
– RBS) e Queiroz (Grupo Verdes Mares). E em cada estado, existem famílias
que dominam os meios de comunicação locais e detêm cargos eletivos, como
os Alves (RN), Sarney (MA), Mello (AL) e Magalhães (BA). Bayma destaca que:
O compadrio, a patronagem, o clientelismo, e o patrimonialismo ganharam (...) no Brasil, a companhia dos mais sofisticados meios de extensão do poder da fala até então inventados pelo homem: o rádio e a televisão. Constituindo-se em um dos traços determinantes do atual poder oligárquico nacional, a posse de estações de rádio e de televisão por grupos familiares e pelas elites políticas locais ou regionais é o que se convencionou chamar de coronelismo eletrônico (2001, p. 1).
O coronelismo eletrônico, fenômeno de manutenção do poder a partir da
posse de meios de comunicação, significa que estes grupos familiares
“influenciam as decisões políticas com o capital simbólico e sua facilidade de
acesso ao público e de formação de opinião” (GIANCOLI, 2011, p.13).
Paralelamente ao desenvolvimento das comunicações no Brasil, é
preciso observar a legislação brasileira concernente ao tema. “A colcha de
retalhos em que se converteu a legislação que deveria regular o setor é um
enorme emaranhado de regras feitas para não serem cumpridas”, afirma a
jornalista Lúcia Rodrigues, também na edição especial da Caros Amigos (2011,
p. 4).
A constituição federal de 1988 no capítulo que trata da Comunicação
Social dispõe de apenas cinco artigos. De forma genérica, tratam de liberdade
de expressão/proibição de restrições e censura (art. 220), os princípios que
regem os conteúdos e programações (art. 221), sobre a propriedade dos
25
veículos de comunicação (art. 222), competências governamentais (art. 223) e
instituição do Conselho Nacional de Comunicação (art. 224).
Contudo, a regulamentação destes artigos, que se dá no Código
Brasileiro de Telecomunicações (CBT - Lei nº 4.117), é de 27 de agosto de
1962. É, portanto, demasiada arcaica para a realidade brasileira atual. E, ainda
que arcaica, nem mesmo este código é devidamente respeitado. Um exemplo é
o artigo. 38, inciso d, que afirma que “os serviços de informação, divertimento,
propaganda e publicidade das empresas de radiodifusão estão subordinadas
às finalidades educativas e culturais inerentes à radiodifusão, visando aos
superiores interesses do País”, o que, como se pode constatar, não é
respeitado, dando-se mais ênfase ao conteúdo de entretenimento com fins
comerciais.
“O lobby empresarial em torno da não regulamentação do setor sempre
foi forte e todos os governos cederam a esses interesses”, deixa claro
Rodrigues (2011, p. 4). O código, promulgado, em boa parte, de acordo com as
pressões e interesses dos proprietários dos veículos de radiodifusão
brasileiros, omite-se em diversos temas que deveriam ser regulamentados,
como o parágrafo 5º do artigo 220 da Constituição que determina que “os
meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto
de monopólio ou oligopólio”, o que, como visto anteriormente, é prática corrente
no país e não possui sequer menção no CBT.
Somando a este contexto político-econômico das comunicações,
acrescenta-se o fenômeno da Midiatização, apontado por Fausto Neto, que
explica que “a midiatização resulta da evolução de processos midiáticos que se
instauraram nas sociedades industriais” (2008, p. 90). Matta (1999, apud
FAUSTO NETO, 2008, p. 91) “chama a atenção para a importância dos meios
e a centralidade do seu papel na análise cultural, mas já não em seu caráter de
transportadores de algum sentido (...) ou como espaços de interação entre
produtores e receptores, mas como marca, modelo, matriz, racionalidade
produtora e organizadora de sentido”.
Fausto Neto (2008, p.93) afirma que passamos da “sociedade dos
meios” para a “sociedade da midiatização”, na qual “a cultura midiática se
converte na referência sobre a qual a estrutura sócio-técnica-discursiva se
estabelece”. Verón (2004, apud FAUSTO NETO, 2008, p. 93) afirma que “as
mídias seriam o lugar (...) em que no plano da sociedade global ‘ter-se-ia o
26
‘trabalho’ sobre as representações sociais”. Assim, “as mídias perdem este
lugar de auxiliaridade [em relação às outras instituições e sujeitos sociais] e
passam a se constituir uma referência engendradora no modo de ser da própria
sociedade, e nos processos de interação entre as instituições e os atores
sociais” (FAUSTO NETO, 2008, p. 93).
Ou seja, somando a este cenário de concentração dos meios, temos
ainda o fenômeno de maior centralidade e autoreferenciação destes, os quais
passam a se tornar lugar de inteligibilidade para os demais sujeitos e
instituições sociais. Bom exemplo é quando as pessoas não mais falam de
ideias a partir de situações do dia-a-dia, mas se referenciando na temática da
novela ou programa televisivo, sobre assuntos como diversidade sexual,
políticas públicas e tantos outros. Ou ainda quando as instituições políticas
tomam decisões em parte baseadas na repercussão midiática positiva ou
negativa que estas terão.
Este cenário implica que as comunicações no Brasil não são
democráticas, pois não são meios para a expressão da imensa diversidade do
Brasil, desde a riqueza das culturas regionais, as diversidades étnicas,
religiosas e culturais, pontos de vista dos diversos grupos sociais que
compõem a sociedade brasileira, as inúmeras possibilidades de interpretação
da realidade, da história e dos acontecimentos que permeiam nosso cotidiano.
Mas antes são o domínio de alguns poucos grupos políticos e
econômicos, que historicamente têm determinado o que e como nós vemos o
mundo, e nos explicado, conforme os critérios destes grupos, quais as origens,
fundamentos e finalidades dos acontecimentos sócio-políticos, econômicos e
históricos.
2.4. RELAÇÃO ENTRE MÍDIA, COMUNICAÇÃO E EDUCAÇÃO
A influência desta mídia concentrada, dominada por alguns poucos
grupos políticos e econômicos pode ser percebida em nosso dia-a-dia, pois
estamos em constante e inevitável relação com a mídia em suas mais diversas
formas. Por meio da roupa que vestimos que estampa diversas marcas, do
telejornal na hora do café-da-manhã, do outdoor que visualizamos assim que
saímos de casa, dos programas radiofônicos no carro, no ônibus ou dispositivo
27
portátil, no panfleto distribuído nos sinais, no portal de notícias online ou no site
de buscas que auxilia em cada dúvida.
Guareschi e Biz assinalam que “a mídia (notícias, divertimento, novelas,
filmes, shows...) modifica a forma como as pessoas se relacionam, como
aprendem, compram, namoram, votam, consultam médico, fazem sexo” (2005,
p. 38). Nossos comportamentos, opiniões, posições políticas, interpretações
do mundo, são transformados cotidianamente a partir deste consumo dos
produtos midiáticos.
Há, inclusive, relações de afetividade e identidade entre os indivíduos e
a mídia, seus programas, apresentadores, personagens favoritos. Torcem,
vibram, se alegram e choram pelo mocinho ou mocinha da novela ou do filme,
chegando até a dar boa noite ao âncora do telejornal. A relação entre a mídia
e, mais especificamente, os jovens, é explicada por José Manuel Moran
quando afirma que eles “se identificam com o vídeo, a televisão, o videogame e
o computador. Os meios eletrônicos respondem à sensibilidade dos jovens: são
dinâmicos, rápidos, tocam primeiro o sentimento, a afetividade, depois a razão”
(1993, p. 21).
Percebemos, assim, que nossa relação com a mídia é uma relação de
comunicação/educação, pois estamos o tempo inteiro aprendendo com as
imagens, fotografias, textos escritos, audiovisuais e radiofônicos. Os meios de
comunicação de massa, desta forma, também educam.
Sendo assim, os papéis sociais das instituições escolares, da Mídia e
das demais instituições sociais estão em constante transformação, em intensa
relação no cotidiano das pessoas e da sociedade. Nossa principal fonte de
informação, referenciais, pontos de vista, opiniões, visões de mundo não é
mais a Escola, mas difunde-se por meio dos veículos de comunicação de
massa e das novas tecnologias. Sobre essa relação entre a Educação
enquanto instituição e os meios de comunicação, Belloni (2005, p. 33) explica
que:
Do ponto de vista da socialização das novas gerações, a cultura e a comunicação (mediatizadas por tecnologias cada vez mais sofisticadas e de funcionamento opaco para a maioria dos usuários) vão se transformar: cresce a importância das “interações mediatizadas” e das mensagens simbólicas mundializadas, de um lado, enquanto de outro, tende a ocorrer uma perda de importância, ao menos relativa, das principais instituições modernas de socialização: a família, a escola e a religião.
28
O fenômeno do desenvolvimento e presença das Tecnologias da
Informação e da Comunicação (TICs) nas sociedades modernas é outra peça
importante na compreensão de nosso convívio com a comunicação. Nas
últimas décadas, o celular, o computador, a internet, os novos dispositivos
eletrônicos e demais tecnologias, têm transformado intensamente as relações e
comunicações interpessoais, nosso contato com o conhecimento, nossos
processos de ensino-aprendizagem, nossa percepção do mundo e nosso lugar
nele.
Essas tecnologias, inclusive, podem mudar, às vezes, nossa relação
com os meios de comunicação de massa, já que agora dispomos de mais
fontes de informação e pontos de vista. Existe ainda a possibilidade de, nós
mesmos, produzirmos e publicarmos na rede textos, fotografias, vídeos,
imagens, tudo, editados segundo nossos pontos de vista, interesses e
perspectivas, compartilhando-os com pessoas de todo mundo em tempo real.
Podemos dialogar com elas, realizar trabalhos colaborativamente com equipes
que estão a milhares de quilômetros, trocar informações e notícias, fazer
amizades com pessoas que nunca vimos.
O conceito da cibercultura ajuda-nos a entender esses acontecimentos e
transformações. Definido por Pierre Lévy (1999, p. 17) como “o conjunto de
técnicas (materiais e intelectuais), de práticas, de atitudes, de modos de
pensamento e de valores que se desenvolvem juntamente com o crescimento
do ciberespaço”, que ele descreve como:
Novo meio de comunicação que surge da interconexão mundial dos computadores. (...) Não apenas a infraestrutura material da comunicação digital, mas também o universo oceânico de informações que ela abriga, assim como os seres humanos que navegam e alimentam esse universo. (LÉVY, Pierre, 1999, p. 17).
Compreendemos a partir desta análise que a Comunicação e a
Educação são áreas de conhecimento e práticas indissociáveis. “A educação
só é possível enquanto ‘ação comunicativa’, uma vez que a comunicação
configura-se, por si mesma, como um fenômeno presente em todos os modos
de formação do ser humano”, afirma Soares (2011, p. 17). E também “toda
comunicação – enquanto produção simbólica e intercâmbio/transmissão de
sentidos – é, em si, uma ação educativa” (Ibid.).
Chegamos à conclusão que a Mídia, tanto os meios de comunicação de
massa quanto as TICs são espaços e/ou agentes educativos. Como pode,
29
então, a escola ignorar este fato tão integrante da realidade de todos os seus
sujeitos, estudantes, professores, funcionários, equipes pedagógicas, pais,
comunidade? Martin-Barbero (2002, apud VIVARTA, 2004, p. 58) acrescenta
que:
Nada empurra mais os adolescentes a se deixarem absorver pelos meios do que a abismal distância que existe entre a atividade, diversidade, curiosidade, atualidade, abertura de fronteiras que dinamizam hoje o mundo da comunicação, e a passividade, uniformidade, redundância, anacronismo, provincianismo, que se alastram dentro do modelo e do processo escolar.
Na visão de Martin-Barbero, o problema “está na prática comunicativa da
escola que, de maneira dominadora, vê nos diversos meios de comunicação de
massa os piores inimigos, quando na realidade é ela que acaba sendo sua
mais perversa aliada” (VIVARTA, 2004, p. 58). Aliada tanto porque costuma
não motivar o estudante na sua relação com o conhecimento e seu processo
de ensino-aprendizagem, como também porque, se negando a olhar para o
universo das mídias e processos comunicativos de maneira crítica, deixa os
estudantes frequentemente à mercê das intenções sedutoras, emotivas e
sensoriais que buscam induzir ao consumo e à aceitação de valores e
representações de mundo que estão de acordo com aqueles que são
proprietários e/ou dominam os veículos de comunicação de massa.
Para mudar esta realidade, a escola precisa ressignificar sua função e
papel social, inserindo-se neste contexto midiático e digital sob uma
perspectiva ativa, transformadora e libertadora, em que os estudantes e a
comunidade educativa sejam sujeitos comunicativos neste universo, lendo este
mundo e escrevendo nele a partir das inúmeras linguagens disponíveis e
utilizadas. Freire defende que:
Aprender a ler e a escrever deve se constituir numa oportunidade para que os homens [e mulheres] conheçam o verdadeiro significado da expressão ‘dizer a palavra’: um ato humano que implica reflexão e ação. Como tal, trata-se de um direito humano primordial, e não privilégio de poucos. Dizer a palavra não é um ato verdadeiro a menos que esteja simultaneamente associado ao direito de auto-expressão e expressão do mundo, de criar e recriar, de decidir e escolher, e em última análise, de participar do processo histórico da sociedade (1970, apud LIMA, 1981, p. 66).
A educação só poderá ser prática da liberdade quando puder auxiliar os
indivíduos e grupos a apropriarem-se e engajarem-se no próprio processo de
ensino-aprendizagem e também puderem expressar suas culturas, identidades,
30
modos de ver, ser e estar no mundo de maneira ampla e irrestrita. Uma
educação e comunicação integradas, articuladas, pensadas sob uma
perspectiva transformadora e exercidos como:
Instrumentos de luta por emancipação dos indivíduos e das classes, e não apenas como meras estruturas de dominação e reprodução das desigualdades sociais. É decorrência desta perspectiva (...) acreditar na escola pública como locus privilegiado de formação para a cidadania e como meio de compensação das desigualdades sociais (BELLONI, 2005, p. 2-3).
2.4.1. COMUNICAÇÃO COMO DIREITO HUMANO E CIDADANIA
Dialogando sobre a necessidade de se aprender a ler a mídia e se
expressar por meio das inúmeras linguagens e técnicas (audiovisual,
radiofônico, digital, imagético, corporal, entre outras), destacamos outro
princípio fundamental, o direito humano à comunicação.
Freire afirma que “o mundo do ser humano não existiria se não fosse um
mundo capaz de comunicar – o mundo dos seres humanos é um mundo de
comunicação” (1973, apud LIMA, 1981, p. 63). E completa que:
Os homens não podem ser verdadeiramente humanos sem a comunicação, pois são criaturas essencialmente comunicativas. Impedir a comunicação equivale a reduzir o homem à condição de coisa. Somente através da comunicação é que a vida humana pode adquirir significado (Freire, 1970, apud LIMA, 1981, p. 63).
Se o ser humano é essa criatura “essencialmente comunicativa”, que
impedido de se comunicar, se reduz “à condição de coisa”, logo podemos
entender a comunicação como um direito humano, pois sem poder exercer sua
expressão nos mais diversos meios, o ser humano tem sua condição
fundamental negada, como explica Bertrand (1999, p. 68):
Sendo a comunicação uma necessidade essencial do ser humano, o “direito à comunicação” impõe-se: o direito reconhecido aos indivíduos, aos grupos e nações de trocar qualquer mensagem por qualquer meio de expressão. E consequentemente, a obrigação para a coletividade de fornecer os meios desta troca. O direito à educação não significaria grande coisa se não houvesse escolas, nem o direito à saúde sem hospitais.
É fundamental ao ser humano a “conquista de seu direito de voz, o
direito de pronunciar sua palavra”, declara Freire, completando que a pessoa
que tem ‘tem voz’ é sujeito de suas próprias opções, pois pode projetar
livremente seu próprio destino (FREIRE, 1970, apud LIMA, 1981, p. 66).
31
Diante desta constatação, nos colocamos em conflito com a realidade
social contemporânea, marcada pela grande concentração dos meios de
comunicação no Brasil, América Latina e nos demais países, cenário de
oligopólios, coronelismo eletrônico, da falta de diversidade e pluralidade de
opiniões, pontos de vista e representações do mundo, da falta de visibilidade
das produções e identidades regionais e locais, enfim, da riqueza cultural e
social do país e do continente.
É importante frisar que o direito a comunicação e a democratização dos
meios de comunicação, dois princípios e objetivos da Educomunicação na
perspectiva adotada neste trabalho, são imprescindíveis para o pleno exercício
da democracia, participativa e plural. Tal direito fica claro quando se percebe
que “sociedades que dependem de um pequeno grupo de indivíduos ou
empresas, para a narrativa de seu próprio presente, podem ser mais facilmente
controladas”, como afirma o site de mídia alternativa Outras Palavras (2012).
Completam que:
A possibilidade de sermos todos comunicadores, de trocarmos com o mundo, sem intermediação, nossos relatos, opiniões, inquietações e utopias é imensamente transformadora. Mas a comunicação é, também, um conjunto de éticas, linguagens, técnicas e tecnologias cujo conhecimento pode ser decisivo para receber, interpretar,
reprocessar criticamente e retransmitir ideias. (OUTRAS PALAVRAS, 2012)
A comunicação como ferramenta transformadora remete ao exercício da
cidadania, por meio da qual cada cidadão, individual e coletivamente, atua,
intervém e participa dos rumos de sua sociedade. Maldonado (2011, p. 2)
relaciona o direito à comunicação com a cidadania, na expressão cidadania
comunicativa e Mattelart contextualiza o cenário atual desta cidadania
afirmando que:
A cidadania comunicativa na América Latina tem sido negada pelos modelos comerciais burgueses de concentração dos bens, sistemas, instituições, tecnologias e poderes midiáticos. Nos países latino-americanos, com exceção de Cuba, poucas famílias, possuidoras de um alto poder econômico, controlam os grandes meios de comunicação. Esse fato, conhecido pelo conjunto da sociedade, foi naturalizado como a forma adequada de estruturação dos sistemas midiáticos nas sociedades ditas modernas; as ideologias midiáticas os apresentam como o modelo de liberdade de comunicação e informação, oferecendo uma intensa programação cotidiana de entretenimento mercadológico e informação restrita, muitas vezes manipulada (MATTELART, 2009, apud MALDONADO, 2011, p. 2).
32
Ou seja, exatamente o contexto anteriormente descrito e que se mostra
claramente antagônico à livre expressão social e ao exercício pleno da
cidadania. Cidadania, na perspectiva de Maldonado, está relacionada a uma
“produção cultural que articula comportamentos de fraternidade, solidariedade,
cooperação, colaboração e empatia na busca de uma vida gratificante em
comum” (2011, p. 2). É o viver em coletivo, em sociedade, mas como sujeito
histórico-cultural, que atua na transformação, na criação de “modos de vida
social” e em busca de “novos mundos possíveis de estruturação social, cultural,
política e comunicativa” (2011, p. 5).
Vamos além da concepção que basicamente resume-se a “direitos e
deveres”, a cidadania liberal (MALDONADO, 2011, p. 3), um entendimento
puramente individual, que visa “reduzir o conceito a marcos da vida jurídico
política burguesa, moderna, capitalista” (Ibid.). É preciso “ampliar e aprofundar
a noção de cidadania”, afirma o autor, no sentido de “viver em comum de
modos construtivos, gratificantes, produtivos e solidários” (Ibid.).
O desenvolvimento da cidadania em cada sujeito é uma
responsabilidade que deveria ser central no espaço escolar. Mas isto só é
possível a partir de uma reflexão e ação que compreenda e atue na realidade
como um todo, de forma complexa e integrada, como reitera Belloni:
A educação para as mídias ou a mídia-educação [ou ainda educomunicação], como preferem alguns, constitui-se, neste contexto (...) saturado de tecnologias da informação e comunicação, como uma condição sine qua non para a realização de uma cidadania plena (2005, p. 44).
Trazer a ênfase na comunicação para a escola é ação fundamental para
que ela se torne espaço de cidadania e transformação social, não se reduzindo
a reproduzir o sistema social vigente, mas buscando garantir a cada um a
possibilidade de “assumir-se como ser social e histórico, como ser pensante,
comunicante, transformador, criador, realizador de sonhos, capaz de ter raiva
porque capaz de amar” (FREIRE, 2006b, p. 41). E também procure tornar
todos sujeitos “da produção do saber, [que] se convençam definitivamente de
que ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a
sua produção ou a sua construção” (ibid, p. 22).
33
2.4.2. EDUCOMUNICAÇÃO
A educomunicação define-se como “um conjunto de ações inerentes ao
planejamento, implementação e avaliação de processos, programas e produtos
destinados a criar e fortalecer ecossistemas comunicativos” (BARBERO, 2002,
apud SOARES, 2011, p. 44), conceito definido como um “ideal de relações,
construído coletivamente em dado espaço, em decorrência de uma decisão
estratégica de favorecer o diálogo social, levando em conta, inclusive, as
potencialidades dos meios de comunicação e suas tecnologias” (SOARES,
2011, p. 44).
Onde quer que seja aplicada, na escola, na família, no trabalho ou
alguma organização social, a educom atua problematizando com todos os
envolvidos os processos comunicativos estabelecidos nos convívios e relações
sociais existentes. Perceber, avaliar e transformar essas relações sociais é
uma das tarefas do grupo mediado pela educomunicação, fazendo uma opção
“pela construção de modalidades abertas e criativas de relacionamento,
contribuindo, dessa maneira, para que as normas que regem o convívio
passem a reconhecer a legitimidade do diálogo como metodologia de ensino,
aprendizagem e convivência” (SOARES, 2011, p. 45), seguindo o exemplo da
pedagogia freireana.
Promover relações dialógicas significa entender que o convívio, a
apreensão e produção do conhecimento e a gestão das decisões é um
processo que precisa ser participativo e horizontal, na medida que se dá na
construção e realização da autonomia de cada um. Freire destacou que “o
Sujeito pensante não pode pensar sozinho; não pode pensar sem a co-
participação de outro Sujeito no ato de pensar sobre o objeto. Não há um
‘penso’, mas um ‘pensamos’. É o ‘pensamos’ que estabelece o ‘penso’ e não o
contrário.” (FREIRE, 1977, p. 66), o que demonstra a necessidade da
construção coletiva das decisões e saberes. Não basta ou faz sentido, nesta
perspectiva, o professor ou algum órgão governamental definir o que milhares
de seres humanos, sujeitos de direitos, devem aprender ou pensar.
Sendo assim, o ecossistema comunicativo ideal promovido pela
Educomunicação é democrático e horizontal, “reconhecendo
fundamentalmente a igualdade radical entre as pessoas envolvidas” (SOARES,
2011, p. 37) criativo, valorizando e estimulando as expressões individuais e
34
coletivas das identidades, culturas e sonhos, em busca de suas realizações, é
também inclusivo, já que todos os sujeitos envolvidos precisam ser inseridos na
relação dialógica, além de ser fundamentalmente midiático, percebendo e
atuando nas mediações geradas pelas TICs e pelos MCM, e aberto às
possibilidades, a outras maneiras de ver, fazer, imaginar e pensar.
Consequentemente, os relacionamentos são também saudáveis, prazerosos,
solidários e motivadores.
A partir da compreensão de como as vivências, subjetividades e saberes
estão permeados pelas mídias em seus vários formatos, tipos, escalas e
dimensões, desde as tecnologias que rodeiam nosso dia a dia, os vários
discursos promovidos pelos veículos de comunicação hegemônicos como
também o fenômeno da internet e da cibercultura, a Educomunicação
compreende que além de perceber e desenvolver o ecossistema comunicativo,
precisa também ler e refletir sobre o contexto dos meios de comunicação de
massa, das TICs e da cultura digital/ciberespaço.
Objetiva com isso formar o leitor “ativo, crítico e criativo de todas as
tecnologias de informação e comunicação” (Belloni, 2005, p. 13), que aprenda
“maneiras (...) [de] decodificar e avaliar criticamente a produção midiática”
(Vivarta, 2004, p. 260). Busca-se também a garantia do direito a comunicação
por meio da apropriação dos meios e linguagens, para “produzir seus próprios
veículos e desenvolver suas formas de expressão” (COSTA, apud Soares,
2011, p. 54) como forma de engajamento dos indivíduos e grupos em seus
próprios processos educativos (SOARES, 2011, p. 15).
Esta prática e teoria baseadas na leitura crítica da comunicação, na
apropriação dos meios (tecnologias, linguagens, etc.) bem como na reflexão e
construção do ecossistema comunicativo é o que entendemos como
Educomunicação. Dedica-se, então, na realização desta educação e
comunicação libertadora, democrática, popular, para a concretização de novos
modos de vida, sociedade e sociabilidades mais justas, igualitárias,
cooperativas, amorosas.
A partir dessas práticas e conceitos, a escola se reinventa e reforça seu
papel de emancipação social, além de caminhar decisivamente em direção à
democratização das comunicações e, consequentemente, a uma sociedade
mais democrática. A prática educomunicativa na escola também luta contra a
35
invisibilidade das experiências sociais, que as desperdiça, por torná-las
desacreditadas, como explica Santos (2007, p. 24):
O mais preocupante no mundo de hoje é que tanta experiência social fique desperdiçada, porque ocorre em lugares remotos. Experiências muito locais, não muito conhecidas nem legitimadas pelas ciências sociais hegemônicas, são hostilizadas pelos meios de comunicação social, e por isso têm permanecido invisíveis, “desacreditadas”. A meu ver, o primeiro desafio é enfrentar esse desperdício de experiências sociais que é o mundo; e temos algumas teorias que nos dizem não haver alternativa, quando na realidade há muitas alternativas.
A possibilidade de apropriar-se dos meios de comunicação e expressão
faz saltar aos olhos infinitas outras percepções do mundo e ressalta inúmeras
experiências alternativas ao sistema político-econômico vigente, iniciativas que
buscam a emancipação e transformação social. Comunicar esse outro mundo é
imprescindível.
36
3. O PERCURSO DO VIR-A-VILA
Para que este trabalho possa auxiliar o máximo possível a todos os
educadores e comunicadores populares que tenham interesse em realizar
ações semelhantes com educomunicação e educação dialógica, como também
a qualquer pessoa interessada na temática, escrevemos este relato como um
diário de campo, descrevendo de forma detalhada cada passo e cada atividade
que realizamos. Assim, esperamos que nosso percurso, nossas ações,
escolhas, possam ser visualizadas pelo leitor, compreendendo-as de forma
concreta, prática, de maneira que possa ser aplicado e adaptado a outras
realidades.
Freire, sobre a experiência humana afirma que:
Herdando a experiência adquirida, criando, recriando, integrando-se às condições de seu contexto, respondendo a seus desafios, objetivando-se a si próprio, discernindo, transcendendo, lança-se o homem num domínio que lhe é exclusivo – o da História e o da Cultura (FREIRE, 1973, apud LIMA, 1981, p. 61-62).
E nós, como seres de cultura e história, sentimos concretamente que,
consequentemente, também transformamos a história e a cultura ao menos
daqueles com quem trabalhamos e a de nós mesmos.
Como primeiro ano de um projeto inspirado por um grupo de estudantes,
com apoio e orientação de diversos professores que se constituíram em uma
rede de suporte e estímulo, 2012 pode e deve ser entendido como um ano de
descobertas e desbravamentos.
Em primeiro lugar, porque apenas dois integrantes do grupo naquele
momento tinham experiências na comunidade da Vila, adquirida, em 2010 no
projeto Interart Multimídia, e em 2011 na tentativa inicial de estabelecer um
projeto de educomunicação de maneira informal no espaço do Centro de
Cultura da Vila de Ponta Negra. Em segundo, porque ninguém no grupo
possuía experiência na atuação pedagógica em sala de aula, em especial em
uma escola pública estadual, salvo algumas ações pontuais como palestras e
oficinas.
Sendo assim, estávamos entrando em um ambiente novo. A Escola
Estadual Professor José Fernandes Machado (EEPJFM), ou Machadão, como
é conhecido popularmente pelos estudantes, localizada na rua Praia de
37
Genipabu com Praia de Muriú, bairro de Ponta Negra, foi escolhida por uma
questão de afinidade e facilidade de acesso. Trata-se da única escola pública
de ensino médio do bairro e tínhamos contato com o professor de português da
escola, professor Ladmires Carvalho, o que facilitava nossa entrada na
instituição.
Escolhemos trabalhar com o ensino médio em razão da idade de 15 a 19
anos ser um período em que o contato e o uso das mídias se intensifica, como
também porque nesse período de adolescência e juventude ser um período de
formação da personalidade, fortemente influenciado pelas mídias. Preferimos
uma turma de primeira série pensando na continuidade, pois cada grupo ainda
teria mais dois anos na escola para participar de nossas atividades ou
implementar iniciativas próprias inspiradas nos trabalhos e reflexões do projeto.
Além disso, nossa experiência anterior em Educomunicação estava mais
centrada na ação com jovens, a exemplo do projeto Interart Multimídia que
envolvia esta faixa etária.
Antes de submeter o projeto ao edital Proex 2011, realizamos uma visita
à escola, à direção e coordenação pedagógica, para apresentar a proposta e
consultar interesse da instituição em acolher e apoiar sua realização, o que
prontamente aconteceu. Tanto as diretoras Neide Barbosa e Maria de Jesus
Pinto Parente como os professores de português, Ladmires Barbosa, de Artes,
Lilian Araújo, de Geografia e Sociologia, Tadeu Araújo e de História e Filosofia,
Verbena Nidiane, se interessaram pela proposta. Incentivavam-nos dizendo
que uma iniciativa que viesse para ajudar e contribuir com a escola sempre
seria bem-vinda.
Descobrimos nesse primeiro momento que a escola, em especial no
turno vespertino, sofria principalmente com o problema da evasão escolar, com
o qual também nos depararíamos ao longo do ano. Foi-nos relatado que o
Machadão outrora já fora uma escola exemplar, mas que no decorrer dos anos
problemas com drogas e violência prejudicou o desempenho dos estudantes,
levando muitos a saírem da escola.
Ao longo de conversas com os quatro professores, chegamos a
conclusão que a melhor maneira de trabalharmos seria fazermos uma parceria
com a professora de Artes, atuando com ela em seu horário de aula, que
consistia em uma aula de 50 minutos por semana. Pensávamos em ampliar
nosso tempo em sala de aula, mas no início não era possível, em razão da
38
existência do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID)
atuando junto as disciplinas de história e português, o que impedia os
professores de abrir mais espaço de sala de aula conosco, e dos horários de
geografia e sociologia não nos serem convenientes.
Também reafirmamos a parceria que tínhamos em 2011 com o Centro
de Cultura da Vila de Ponta Negra, para trabalhar junto com eles, utilizando o
espaço do Centro para atividades complementares, aos fins de semana, no
que tivemos pronta colaboração.
Ainda em 2011 preparamos as bases para a realização do Vir-a-Vila. É
preciso frisar que desde o princípio tínhamos a convicção de que o Projeto Vir-
a-Vila, além de extensão, também envolvia, por suas características e
objetivos, necessariamente a pesquisa e o ensino. Ao longo do tempo,
percebemos também a dimensão de movimento social que o projeto ganhou, a
partir de suas ações dentro e fora da universidade, discutindo e promovendo os
conceitos de direito a comunicação, democratização da comunicação e
educomunicação, nossos três pilares que são intrinsecamente políticos, por
buscarem transformações na sociedade.
Por se tratar de uma área de atuação não discutida disciplinarmente no
curso de comunicação social da UFRN, a interface Comunicação/Educação,
em especial a Educomunicação, precisávamos construir nosso próprio
arcabouço teórico que fundamentaria nossa prática. Em 2011.2 iniciamos
nossas primeiras leituras, sob a orientação do professor João Tadeu Weck, do
Departamento de Práticas Educacionais e Currículo (DPEC / CE).
No final de 2011 tivemos a confirmação da aprovação do projeto, a
obtenção de duas bolsas de extensão e mil reais em recursos para
equipamentos. Tínhamos nesse momento o primeiro grande desafio, montar a
equipe e prepará-la, teórica e metodologicamente, para atuar nas ações do Vir-
a-Vila na EEPJFM.
3.1. PREPARAÇÃO E FORMAÇÃO
No final de novembro de 2011 iniciamos o que chamamos de Encontros
de Formação. O objetivo era dialogar com os novos membros sobre o que era
o projeto, seus objetivos, seus conceitos principais, quais os conhecimentos e
39
ideias de cada um sobre Comunicação e Educação, sobre direito humano a
comunicação e democratização da comunicação.
Em janeiro a equipe contava com quatro pessoas, as quais iniciaram
coletivamente a leitura dos livros O que é Mídia-Educação? (BELLONI, 2005),
para dialogar entre a relação Comunicação e Educação, Educomunicação: o
conceito, o profissional, a aplicação: Contribuições para a reforma do Ensino
Médio (SOARES, 2011), para entender o conceito com o qual trabalharíamos e
o contexto brasileiro no qual estamos inseridos.
Lemos também capítulos do livro Remoto Controle: linguagem, conteúdo
e participação nos programas de televisão para adolescentes (VIVARTA,
2004), nos quais se aborda as tensões entre o universo escrito da escola e o
audiovisual da mídia, como são as linguagens da televisão voltadas para os
adolescentes, quais as relações dos adolescentes e jovens com a tevê, quanto
assistem e porquê, além de discutir também sobre a comunicação na escola e
educomunicação. E, para completar, lemos os primeiros capítulos de
Pedagogia da Autonomia, de Freire (2006b).
Também assistimos aos filmes Mera Coincidência (EUA, 1997) e Rede
de Intrigas (EUA, 1976) para refletir e dialogar sobre a mídia, nosso contexto
brasileiro e a relação das pessoas com as produções midiáticas, como notícias
e produtos culturais, como também assistimos ao programa Sala de Notícias,
da Futura, cuja temática era Cultura Digital – Produção e Distribuição Cultural,
para ampliar nossas reflexões ao universo da internet e as mudanças no
cotidiano provocadas por ela. Nesse período de novembro a janeiro, tivemos
seis Encontros de Formação, lendo cerca de duzentas páginas e realizando
uma oficina de zine para a apropriação de todos da primeira técnica que
utilizaríamos na escola.
A pesquisa que realizamos ao longo do ano teve por objetivo principal
nos dar subsídios teóricos para fundamentar nossa prática, a metodologia que
estávamos desenvolvendo. Inicialmente consistiu em pesquisa bibliográfica e
filmográfica e posteriormente incluiu pesquisa de campo com visitação de
experiências em comunicação e educação dialógica, democrática,
educomunicação e áreas afins no RN e outros estados e também realização de
diálogos com professores/as referências nessas áreas.
Nossas conclusões e aprendizados foram decorrentes da confrontação
das teorias com as vivências concretas na escola, na universidade, nos
40
movimentos sociais e demais espaços. Não se tratou, assim, de uma pesquisa
convencional, com levantamento de dados para comprovação de hipóteses ou
teorias abstratas, mas, ao contrário, era uma busca por conhecimentos e
reflexões que nos auxiliassem no dia-a-dia do projeto. Nossas hipóteses
giravam em torno dos resultados de nossas ações, as melhores maneiras de
abordar as temáticas e obter os resultados desejados, as quais se mostravam
eficazes ou não no ato da aplicação, demandando de nós adaptações e
mudanças.
Por suas características o projeto é entendido como uma pesquisa-ação,
por esta tratar-se de um processo:
no qual se aprimora a prática pela oscilação sistemática entre agir no campo da prática e investigar a respeito dela. Planeja-se, implementa-se, descreve-se e avalia-se uma mudança para a melhora de sua prática, aprendendo mais, no correr do processo, tanto a respeito da prática quanto da própria investigação (TRIPP, 2005, p. 445-446).
O autor acrescenta que “pesquisa-ação é uma forma de investigação-
ação que utiliza técnicas de pesquisa consagradas para informar a ação que se
decide tomar para melhorar a prática” (Ibid, p. 447). No caso do Vir-a-Vila,
utilizamos a pesquisa bibliográfica, filmográfica e a pesquisa de campo para
dialogar com experiências existentes em nossa área de atuação como técnicas
de pesquisa, como também a aplicação de questionários para levantar dados
quantitativos e qualitativos sobre o uso das mídias pelos adolescentes e
jovens, o entendimento e envolvimento nas atividades propostas, como
também sobre as preferências e interesses deles.
É importante ressaltar a importância da pesquisa-ação na extensão
universitária para que esta não se resuma a prática rotineira, pragmática, não
reflexiva. Deve-se lembrar também que a pesquisa-ação diferencia-se da
pesquisa científica convencional principalmente porque “ao mesmo tempo
altera o que está sendo pesquisado e é limitada pelo contexto e pela ética da
prática” (TRIPP, 447).
Paralelamente a essas reuniões de formação, começamos em janeiro a
nos preparar para a primeira ação prática do projeto na escola, uma oficina de
introdução à Educomunicação para a comunidade pedagógica da escola,
professores e funcionários. Entendíamos que para podermos atuar no
ambiente escolar da maneira mais eficiente, precisaríamos contar com a
41
compreensão e apoio de toda a comunidade escolar e para tanto seria preciso
uma conversa onde pudéssemos trazer essa explicação sobre o conceito da
interface Comunicação/Educação, o contexto social em que estamos inseridos
que motiva levar a comunicação para a escola, como seriam nossas ações,
etc. Assim, começamos a elaborar o primeiro material do projeto, os slides da
Oficina de Introdução a Educomunicação para os professores do Machadão.
Contudo, em razão das dificuldades de horários e demandas administrativas da
escola, não conseguimos realizar este encontro em 2012.
Em fevereiro, com o início do semestre letivo da UFRN, o Vir-a-Vila
participou da Recepção dos Calouros de Comunicação Social, divulgando sua
proposta e convidando-os a participarem. Nesta ocasião, nove calouros se
mostraram interessados. Fizemos uma conversa com eles explicando mais
detalhadamente do que se tratava o projeto, quais ações realizaria e como.
Neste momento nos deparamos com mais um desafio, como dialogar e
equilibrar dois processos distintos, que precisavam ser complementados, a
pesquisa e preparação do grupo inicial, que trabalhava desde
novembro/dezembro de 2011, já lera diversos livros, discutira materiais,
refletira sobre a metodologia, com este grupo de estudantes recém-chegados,
que precisariam começar seus estudos e reflexões sobre o tema a partir de
suas experiências anteriores.
Com o início do semestre e das aulas, a organização de nosso tempo
mudou. Passamos a ter dois encontros semanais na UFRN, sendo um para
planejamento da metodologia do projeto, a medida em que este acontecia, às
terças-feiras pela manhã, e o outro para pesquisa e oficinas, alternadamente,
às quintas pela manhã. Um mês depois, no fim de março, se somaria a
atividade na escola à tarde, totalizando três encontros por semana.
Nossa pesquisa acontecia em dois momentos, o primeiro buscando
quais os autores e obras que poderiam contribuir com nossas reflexões e
práticas, a partir das orientações dos professores, na busca nas bibliotecas,
sites especializados, referências bibliográficas de nossas leituras, entre outras
fontes.
O segundo momento era efetivamente fazer a leitura e discussão dos
textos tanto escritos como audiovisuais, refletindo como aplicar esses
conhecimentos à prática. Pesquisar para aplicar é um dos diferenciais que a
extensão universitária pode e deve possuir. O conhecimento produzido na
42
academia deve refletir-se na sociedade de forma prática, concreta,
transformadora. Restringir-se aos círculos acadêmicos é subtrair da
Universidade uma de suas funções sociais mais importantes que é fazer-se
presente na sociedade, contribuindo para seu desenvolvimento.
Nesse primeiro momento com o grupo ampliado, que consistia em onze
pessoas (as quatro iniciais mais sete dentre os calouros ingressantes),
resolvemos realizar a pesquisa conjuntamente, todos lendo o mesmo texto de
cada vez para discussão coletiva dos pontos mais importantes para cada um.
Retomamos então os textos lidos em janeiro, acrescentando a leitura da obra
de Venício de Lima, Comunicação e Cultura: As ideias de Paulo Freire, 1981.
Contudo, nesse primeiro sistema de pesquisa que realizamos, com
leitura simultânea dos mesmos textos por todos, nos deparamos com um
entrave: os diferentes ritmos de leitura e comprometimento dos envolvidos.
Quinzenalmente nossa reunião de pesquisa consistia em discutir as leituras
nos seus pontos mais interessantes, relacionando-os com a prática pedagógica
a ser realizada na escola e neste ponto se observava que alguns haviam lido e
faziam apontamentos, mas outros não, o que atrasava o desenvolvimento da
pesquisa. Precisávamos avançar para outros textos, mas alguns não
conseguiam acompanhar.
Para essa dificuldade em encontrar a harmonia entre todos na leitura e
discussão podemos apontar quatro razões. Além da velocidade da leitura
diferente de cada indivíduo e o fato da leitura de textos acadêmicos ser mais
difícil, ainda mais para estudantes não habituados com estes, também há a
necessidade de equilibrar a ação extensionista e de pesquisa com as
disciplinas obrigatórias dos cursos. Em períodos de provas ou trabalhos, alguns
davam prioridade às avaliações, por possuírem notas, deixando para segundo
plano as outras atividades acadêmicas, não avaliativas.
A necessidade de trabalhar de maneira remunerada por restrições
financeiras também é um fator que impediu que alguns conseguissem
acompanhar e mesmo permanecer no projeto. Ou seja, há diversos fatores
limitantes que podem prejudicar a pesquisa acadêmica.
Se se diz que a Universidade Pública tem no ensino, na pesquisa e na
extensão seus três pilares fundamentais, é preciso que estes sejam
complementares, cada um fortalecendo e sendo fortalecido pelo outro. Por
exemplo, a extensão pode levar experiências para a sala de aula, que pode
43
gerar reflexões para a pesquisa, que, por sua vez, fundamenta a prática
extensionista, ou seja, diversos fluxos que conectam os três pilares.
Ao invés disso, o que se observa, em nossa experiência, é uma
desconexão e mesmo concorrência entre os três. As diversas cargas de
trabalho geradas nas disciplinas em vários casos acabam dificultando a
participação em projetos de pesquisa e/ou extensão. Frequentemente a
extensão não realiza pesquisa para subsidiar-se, baseando-se mais em
conhecimentos técnicos, nem a pesquisa busca aplicar-se na realidade
concreta com fins a levar o conhecimento acadêmico para a sociedade,
restringindo-se às publicações em eventos e periódicos especializados.
Paralelamente, o descompasso entre os vários membros na pesquisa
gerava obstáculos no planejamento coletivo. Esperava-se que semanalmente
pudéssemos refletir sobre o trabalho feito na escola e elaborar ou adaptar a
metodologia pensada para a semana seguinte. Mas sem a apropriação dos
conceitos e das reflexões da pesquisa, como pensar a prática? Resultando que
alguns poucos contribuíam com ideias e comentários para o planejamento.
As oficinas que ocorriam alternadamente com a pesquisa tinham por
objetivo capacitar a todos da equipe universitária nas técnicas que
trabalharíamos na escola ao longo do ano. No primeiro semestre realizamos
oficina de fanzine, de intervenção, produzindo cartazes, de teatro, para
exercitar a desenvoltura e relação interpessoal, de fotografia e de leitura de
imagens, assistindo e discutindo sobre vídeos e documentários. Realizamos
também a filmagem de um pequeno curta, para praticar a produção em vídeo.
Nas oficinas também tínhamos o problema de ausências e não
dispúnhamos de tempo para fazer várias edições de cada oficina. Desta
maneira, sem acompanhar a pesquisa e nem participar de oficinas, muitos não
se sentiam seguros nem capazes para realizar o trabalho na escola.
Outra iniciativa de formação e pesquisa que realizamos no mês de
março, em caráter experimental, foi um intercâmbio em Fortaleza (CE) com a
ONG Catavento Comunicação e Educação e a Agência de Notícias Frei Tito
para a América Latina e Caribe (Adital). Queríamos conhecer uma experiência
concreta de Educomunicação, como trabalhava, quais ideias aplicava, e
conhecer um exemplo de mídia alternativa, que atuava de forma colaborativa
com comunicadores populares de toda a América Latina e Caribe. Este
intercâmbio foi possível graças à Articulação Vira Nordeste – Rede de
44
Comunicação e Educação Popular e Alternativa2 / Rede Nacional de
Adolescentes e Jovens Comunicadores/as (Renajoc)3, redes das quais o grupo
de Natal faz parte, assim como a ONG Catavento. Já o diretor da Adital, Padre
Ermanno Allegri já estabelecera contato conosco, pois foi nosso convidado no I
Enformae (Encontro Nordestino de (in)Formação em Mídias Alternativas e
Educomunicação).
Este intercâmbio era um desenrolar de um trabalho que nós em Natal já
realizávamos desde 2009, buscando aproximar as pessoas, grupos, iniciativas
e organizações no Nordeste que trabalham com Comunicação e Educação
Popular e Alternativa, que resultou na construção da AVN em 2010, no
Enformae em 2011 e nessa experiência piloto em 2012 que deu as bases para
escrevermos no segundo semestre deste mesmo ano o projeto de extensão
Virando o Nordeste: Intercâmbio de Práticas Alternativas em Comunicação e
Educação.
A motivação principal deste encontro de trocas na capital cearense foi a
necessidade de conhecer experiências semelhantes com a nossa com as quais
pudéssemos dialogar, buscar apoios e também compartilhar nossas soluções e
dificuldades, criando assim laços de solidariedade e construção coletiva do
conceito e da prática educomunicativa, da defesa, garantia e exercício do
direito a comunicação e democratização das comunicações no Brasil
(democom).
Sentimos no RN um certo isolamento, pois desconhecemos ou
simplesmente são realmente escassas as iniciativas que atuam diretamente
com Comunicação e Educação, ao passo que em estados como o Ceará,
Pernambuco e Bahia existes diversas organizações e pessoas atuando na
área. Queríamos nos aproximar e dialogar com as demais experiências
nordestinas e para isso fizemos o primeiro intercâmbio piloto e escrevemos o
projeto de extensão para transformar esta iniciativa em uma ação institucional.
Neste contexto, o Vir-a-Vila atua como ponto focal de difusão do
conceito e da ideia no estado, buscando, além de trazer mais pessoas
2 Rede que começou a ser articulada a partir dos núcleos da Viração no Nordeste em 2010, que em 2011
organizou o Encontro Nordestino de (in)Formação em Mídias Alternativas e Educomunicação em Natal, na UFRN. Foi a partir desta rede que se possibilitou a realização do projeto de extensão Virando o Nordeste. 3 Rede criada em 2008 a partir dos núcleos da Viração e Ongs parceiras em todo o Brasil com o objetivo
de reivindicar o direito humano à comunicação de adolescentes e jovens e articulá-los no exercício deste direito.
45
interessadas para o projeto, também multiplicar o número de projetos,
iniciativas e organizações no RN atuando com educomunicação. Este trabalho
que nós realizamos de promoção e multiplicação será melhor descrito no tópico
Articulação, Movimento Social e Promoção da Educomunicação.
Ao final do primeiro semestre a maior parte do grupo de onze já havia
tomado outros caminhos, restando apenas quatro pessoas, três do grupo inicial
e uma que entrou no início do semestre. No segundo semestre optamos por
outra estratégia de formação e pesquisa, buscando melhorar nosso
desempenho e fortalecer a participação de todos. No início deste semestre
elaboramos o minicurso “Educomunicação: Num mundo midiatizado, comunicar
é direito de todos!”, divido em três encontros de 3h cada, totalizando 9h.
O programa consistia em: 1º encontro: Contexto da Educação e Mídia
Tradicional / Midiatização / Sociedade do Espetáculo / Cibercultura; 2º
encontro: Comuncação e Cultura em Paulo Freire / Educação e Mídia: Mídia-
educação, Leitura Crítica da Mídia e Educomunicação / Ecossistema
Comunicativo / Formação Integral dos sujeitos / Alfabetização Múltipla; 3º
encontro: Políticas Públicas para a Comunicação e Educação / Relato sobre o
projeto de extensão Vir-a-Vila, Revista Viração4, Articulação Vira Nordeste
(AVN) – Rede de Comunicação e Educação Popular e Alternativa do Nordeste,
Rede Nacional de Adolescentes e Jovens Comunicadores (RENAJOC), projeto
Virando o Nordeste: Intercâmbio de Práticas Alternativas em Comunicação,
Educação e Cultura / A educomunicação como campo profissional.
Elaboramos também uma apostila com capítulos dos livros Pedagogia
do Oprimido, (FREIRE, 2005), Comunicação e Cultura: As ideias de Paulo
Freire (LIMA, 1981), República de Crianças. Sobre experiências escolares de
resistência (SINGER, 2010), Educomunicação: o conceito, o profissional, a
aplicação - Contribuições para a reforma do Ensino Médio (SOARES, 2011) e
Remoto Controle: linguagem, conteúdo e participação nos programas de
televisão para adolescentes (VIVARTA, 2004).
O objetivo do minicurso era garantir uma base teórica sobre interface
Comunicação/Educação e sobre o contexto em que está inserida, de modo a
permitir aos novos interessados uma compreensão mais aprofundada já no
primeiro momento. Dos dezoito estudantes de comunicação que participaram
4 Publicação coordenada pela Ong Viração Educomunicação, em São Paulo, que trabalha com a
articulação de grupos de adolescentes e jovens em todo o Brasil para produzirem comunicação sob um olhar crítico e transformador. Edições disponíveis em versão digital no site www.issuu.com/viracao.
46
deste primeiro minicurso, três ingressaram no projeto. Mas nós queríamos,
mais do que atrair interessados ao projeto, difundir e ampliar o conhecimento
dos estudantes da UFRN na temática.
Na pesquisa alteramos o sistema de leitura e socialização. Como
vivíamos a realidade de haver pessoas com várias cargas de leitura sobre a
temática, alguns que já leram vários dos textos da bibliografia, outros que ainda
estavam por começar, resolvemos não mais fazer as leituras simultaneamente.
Cada membro do projeto faria seu próprio percurso de leitura, de acordo com
seus conhecimentos anteriores e suas necessidades e nos encontros de
pesquisa, cada um socializaria sua leitura, realizando um repasse aos demais
dos principais pontos do texto, fazendo as relações entre a teoria e a prática.
Desta forma podíamos equilibrar os vários ritmos de leitura e percursos
de conhecimento de cada um, além de ampliar a variedade de textos que o
grupo lia, pois não necessariamente todos liam os mesmos textos. Era aberta a
possibilidade de se trazer textos das disciplinas do curso que tivessem
afinidade com a temática para serem lidos e socializados.
Outra abordagem desenvolvida ao longo do ano foi não restringir a
pesquisa apenas a leitura bibliográfica, mas ir em busca de conhecer e
conversar com pessoas e ações em Natal sobre comunicação e educação
popular e democrática, educom, gestão democrática, construção da autonomia
e outros temas relacionados.
No dia 27 de novembro participamos da palestra “A construção do
sujeito autônomo a partir da Educação”, promovida pelo Centro Acadêmico de
Pedagogia e ministrada pelo professor Walter Pinheiro Júnior. Neste momento
travamos contato com os estudantes de pedagogia, para melhor articular a
participação deles nas ações sobre Comunicação e Educação.
Realizamos no dia 10 de dezembro visita à Escola Estadual Hegésippo
Reis, autodenominada Casa de Saberes. A escola pratica um modelo
educacional inspirado na escola moderna (da qual Freinet é grande expoente)
e na educação democrática, onde os estudantes não são divididos por séries,
nem o currículo é fragmentado em disciplinas, realizam assembleias semanais
para decidir coletivamente sobre assuntos da escola e se estimula a
construção da autonomia tanto política quanto do conhecimento do discente.
Dois dias depois, no dia 13 de dezembro, conversamos com o professor
aposentando do Centro de Educação da UFRN, Dr. Arnon Andrade, um dos
47
principais docentes a discutir sobre Comunicação e Educação na UFRN.
Dialogamos com ele sobre concepções e experiências na área, aprofundando
nossos conhecimentos e estabelecendo uma relação de parceria com o
professor.
Também tínhamos a intenção de, na medida em que pesquisávamos,
pudéssemos sistematizar os conhecimentos e discussões em artigos
científicos, contribuindo assim com a comunidade acadêmica em geral e
garantindo mais esta experiência ao projeto. Mas as descontinuidades no
grupo e na pesquisa não permitiram a conclusão deste objetivo. Contudo, em
2013 continuamos com o objetivo de produzir artigos científicos para
sistematizar nossas reflexões e práticas, a exemplo deste trabalho.
3.2. METODOLOGIA E PLANEJAMENTO
O planejamento da metodologia, das ações, dos materiais, dos projetos
complementares, teve como base o método Paulo Freire de Educação
Dialógica e a Educomunicação, que organiza as ações em 1) construção do
ecossistema comunicativo, 2) leitura críticas dos meios de comunicação e 3)
produção de comunicação / apropriação das linguagens.
Na submissão ao edital PROEX 2011, disponível no SIGAA (Sistema
Integrado de Gestão de Atividades Acadêmicas)5 declaramos que o projeto
“estará norteado pela Comunicação enquanto processo integral de diálogo,
abrangendo quatro níveis de realização: pessoal (do/a indivíduo consigo
mesmo), interpessoal (do/a indivíduo com o outro), ambiental (do/a indivíduo
com o seu meio, a natureza) e social/midiático (do/a indivíduo com a
comunidade/sociedade)”. Opomo-nos ao conceito de comunicação como
técnica, algo fragmentado, utilitário, funcional. Ao contrário, é um processo
amplo e que permeia toda a subjetividade humana, como também suas ações
concretas e objetivas.
Tem como metas gerais: “Explorar coletivamente as potencialidades
expressivas e criativas dos participantes, desenvolvendo a leitura e
interpretação do mundo e escrita de diversas linguagens (escrita, oral, corporal,
audiovisual, digital); Discutir criticamente sobre os meios de comunicação
tradicionais, especialmente a representação do adolescente e do jovem nos
5 Sistema informatizado da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
48
veículos e como estes se sentem representados; Estimular a produção e
gestão participativa de produtos comunicacionais (jornal mural, fotografia, vídeo
e blog) a partir de oficinas sobre as técnicas”.
Tínhamos claro que nosso objetivo ou o resultado de nossos esforços
era “fomentar o exercício consciente e integral do direito humano à
comunicação junto aos estudantes da Escola Estadual José Fernandes
Machado, através da Educomunicação e da Mídia-Educação, exercitando a
cidadania capaz de atuar na sociedade e gerar transformações sociais”.
As reflexões de Freire foram bastante determinantes nessa construção
da metodologia. Sabíamos a importância de valorizar e trazer para a sala as
vivências e conhecimentos de cada um, equilibrando teoria e prática.
Queríamos fazer uma prática reflexiva/reflexão prática, “entendendo teoria e
prática como indissociáveis e compreendendo também que a vivência dos
adolescentes e jovens já é um campo de sabedoria a ser trabalhada
coletivamente para o desenvolvimento do grupo”, como dizia o projeto inicial do
Vir-a-Vila.
A partir disso fomos identificando as temáticas e as práticas que iríamos
realizar no dia-a-dia da escola. Queríamos discutir no primeiro semestre: O que
é comunicação; O processo comunicativo; Quem faz comunicação e por quê; -
Criatividade e expressão: a nossa visão do mundo que é e que será; As
Tecnologias da Informação e Comunicação e o cotidiano; Representações
sociais na televisão / Estereótipos; Visão de mundo dos meios de
comunicação; A comunicação do sujeito e si mesmo e com o outro; A
comunicação do sujeito com a comunidade e o ambiente; Leitura das imagens:
a expressão visual; Cultura, identidade e comunidade; Os meios de
comunicação: hegemônicos e alternativos; As novas tecnologias e a educação:
Como aprendemos? Qual a nossa relação com o conhecimento?; A
comunicação e direitos humanos: comunicação é um direito? e a televisão e
nossos comportamentos. E, paralelamente, pincelar oficinas de fanzine,
fotografia, jornal mural, texto jornalístico e blog.
No segundo semestre nosso foco seria colocar em prática de forma mais
intensa as discussões e técnicas vistas no primeiro semestre. Então,
esperávamos que o grupo pudesse escolher quais técnicas tinham interessado
mais a eles para que montássemos um ou mais grupos de comunicação
escolar, atuando ou com fanzine ou jornal mural ou blog. Desenvolver a
49
autogestão dos grupos era uma das preocupações nessa etapa, para que eles
pudessem ir além do projeto, de forma independente e autônoma, contribuindo
para a comunidade escolar e a Vila de Ponta Negra.
E nesse período discutiríamos: História dos meios de comunicação;
Censura e liberdade de expressão, imprensa e empresa; Propriedade dos
meios de comunicação no Brasil: análise do projeto Os Donos da Mídia; A
legislação sobre comunicação no Brasil e América Latina; Sensacionalismo na
mídia e Comunicação e Cidadania.
Sabíamos que eram muitos temas, ideias, discussões. Não tínhamos a
dimensão real do tempo em sala de aula, de quanto conseguiríamos discutir e
render em cada encontro, se iria faltar ou sobrar tempo. Esse era apenas um
organograma geral, dividido mês a mês, para auxiliar-nos no planejamento
semanal, realizado após cada encontro.
Logo no começo percebemos que o fator tempo era crucial, que se
mostrava bastante difícil cumprir todas as atividades e temas planejados para
cada encontro e que tínhamos que nos adaptar de duas formas: repensando o
que e como trabalhar em cada encontro, mas também buscando mais tempo.
Mas antes de tudo era preciso apresentar o projeto e sua proposta,
conceitos, ideias, para que os estudantes pudessem começar a compreender o
que pretendíamos. Em seguida, era imprescindível conhecê-los, saber quem
eram e tínhamos bastante interesse naquele primeiro contato para conhecer a
relação dos adolescentes e jovens com a mídia, para o que elaboramos um
questionário, que será descrito mais detalhadamente no tópico Em Sala de
Aula.
Uma característica fundamental de como lidávamos com a metodologia
era ter em mente que planejar cada encontro, o que seria feito e discutido, era
um processo dinâmico, que dependia sempre de como tinham sido os
encontros anteriores, o que tínhamos percebido na relação com os estudantes,
o que precisávamos melhorar, reforçar ou mesmo mudar. Afinal, nossa prática
foi também objeto de nossa pesquisa para aprimoramento constante, pois “a
reflexão crítica sobre a prática se torna uma exigência da relação
Teoria/Prática sem a qual a teoria pode ir virando blábláblá e a prática,
ativismo” (FREIRE, 2006b, p. 22).
Prender-se a uma ideia fixa, uma concepção de prática fechada, é um
erro, pois se ignoram as mudanças constantes que acontecem ao longo dos
50
encontros, dos aprendizados tanto dos estudantes secundaristas como de nós
universitários, esquecendo-se que sempre se podem encontrar formas
melhores de trabalhar e dialogar. A busca por um ecossistema comunicativo
aberto implica, principalmente, considerar sempre as múltiplas possibilidades
de atuação, de métodos, de abordagens.
Desde o começo considerávamos a importância de partir da vivência, da
experimentação, para se chegar à prática. Registramos em nossa oficina de
introdução a Educomunicação, que fizemos primeiro para os professores, mas
depois adaptamos para os estudantes da UFRN e outros públicos, que era
parte de nossa metodologia a “teoria pela vivência, pela pergunta,
experimentação, prática, intervenção, transformação, multimídia”.
Contudo, este ponto, ao final do processo, avaliamos que precisa ser
mais trabalhado, reforçado e praticado. A metodologia das oficinas das
técnicas comunicativas ainda tendeu para o modelo tradicional de exposição
teórica dos conceitos e características de cada linguagem para só então chegar
a prática.
Mas no próprio processo já pudemos perceber justamente a importância
de fazer o contrário, deixar que a prática anteceda a teoria, que a brincadeira, o
experimental, o manuseio livre dos equipamentos segundo as intuições e
impulsos crie uma bagagem inicial, guardada no corpo, nos sentidos, na
dimensão lúdica da cada um, para que então todo esse conhecimento prévio,
vivido, seja teorizado.
Sem a vivência prévia, as teorias tornam-se destituídas de sentido, pois
não se refletem na realidade pessoal dos educandos. Nada mais são do que
informações abstratas. A prática dá corpo e sentido a teoria, que por sua vez,
aprimora e dá teor crítico a prática.
Outra característica de nossa metodologia era o uso de múltiplas
linguagens e tecnologias para trabalhar as ideias e reflexões, o que Belloni
chama de mediatização, definido como “a seleção dos meios mais apropriados
para determinada situação de ensino-aprendizagem, considerando os objetivos
pedagógicos e didáticos previamente definidos, as características da clientela e
a acessibilidade aos meios”, como também a “elaboração de um discurso
pedagógico adequado a esses componentes e às características técnicas dos
meios escolhidos” (2005, p. 26). Utilizamos sempre vídeos, tirinhas como
Kalvin e Haroldo e Mafalda, músicas, filmes, fotografias, slides, dinâmicas de
51
grupo, para ilustrar, provocar reflexões, trazer os conhecimentos e pontos de
vista que cada um possuía.
Tentamos ao máximo ir além do modelo tradicional que prega o ensino
apenas como a verbalização docente, o quadro, o giz e o silêncio apático dos
estudantes, confundido com atenção e concentração. O uso das tecnologias e
das múltiplas linguagens no ensino e aprendizagem de qualquer ideia,
conteúdo, comportamento, é imprescindível no mundo contemporâneo, em que
estamos cercados por todas essas técnicas modernas e linguagens atraentes.
A arquitetura de sala de aula foi outro ponto importante de nossa
reflexão e metodologia. A organização das salas tradicionais inspira-se no
estilo do palco italiano, em que todas as cadeiras estão voltadas para um único
ponto que detém a propriedade e o domínio da fala. Esta posição privilegiada e
vertical em que é colocado o professor, que em muitas salas ainda está sob um
batente que o torna mais alto em relação ao nível geral da turma, cria uma
separação e distanciamento entre professor e estudante, que, como vimos
antes, é considerado como tábua rasa pela educação tradicional, no que Freire
chamou de Educação Bancária (2005, p. 65).
A filósofa Mosé (2009) faz a analogia da escola como fábrica e esta sala
tradicional não deixa de ser uma linha de produção de conhecimento
homogêneo e padronizado, onde o operário professor “fabrica”, transmite o
conhecimento para gerar um padrão de estudante, cujo conhecimento padrão
será testado pelos processos seletivos para as universidades, seja ele o
Vestibular, o Exame Nacional do Ensino Médio ou qualquer sistema
semelhante que possam inventar.
“Como assim as escolas são salas pequenas, isoladas, corredores
imensos, pátios totalmente vigiados, convivência apertada? Falta às escolas
espaços amplos, arejamento aos processos” (2009, 18’40”), declara Mosé. Ao
contrário, nós demos grande importância a organização em círculo das
cadeiras, em que todos podem olhar para todos de forma igual, centrando a
atenção no grupo inteiro, uma estrutura que incentiva a visão de todo e o
respeito coletivo. Contudo, era sempre um grande esforço ter que arrumar a
sala que estava no modelo tradicional no formato circular e após o encontro ter
que reorganiza-la como estava antes. Torna-se uma tarefa cansativa e
desgastante, um empecilho ao início dos trabalhos.
52
Tão mais eficiente e produtivo se cada sala, e porque não toda a escola,
já não fosse organizada de forma colaborativa, que motivasse a construção
coletiva dos ensinos e aprendizagens. Não se perderia tanto tempo e energia
afastando cadeiras e empilhando mesas, mas antes cada sujeito passaria a
estabelecer relações de afetividade e cuidado com os espaços, se estes lhe
fossem acolhedores e agradáveis.
Essa preocupação arquitetônica, de organização do espaço foi uma
preocupação nossa, que foi ganhando mais força ao longo do ano e gerou
diversas reflexões para o segundo ano do Vir-a-Vila. O diálogo com os vários
professores e disciplinas, tendo a interdisciplinaridade e complexidade do
conhecimento como paradigma, também era referência desde o início.
Mas a prática da interdisciplinaridade e a relação com os professores e
equipe pedagógica em geral não foi tão fluída como imaginado. E nisso
novamente entra o conceito e ideal do ecossistema comunicativo. Como todos
os sujeitos desse processo de ensino-aprendizagem dialogam? Quais são as
predisposições e estímulos de cada um para compartilhar ideias e propostas?
Como criar esse ambiente de relações agradáveis e leves, em que
qualquer um, independente de sua posição na estrutura organizacional, possa
sugerir, opinar, colocar sua forma de ver, seus anseios e desejos? Nós, como
elementos externos aquela comunidade, sentíamos dificuldade em estabelecer
esses laços.
Um agravante desta perspectiva interdisciplinar é que a própria relação
com o conhecimento de cada disciplina é vista, muitas vezes, de forma fechada
e fragmentada, como exposto na reflexão teórica. Os professores em geral
sofrem com “o inevitável prazo para cumprimento do programa escolar, que
inclui uma série de assuntos previamente determinados” (GAIA, 2001, p. 40).
Há, para reforçar isto, a pressão dos órgãos gestores e reguladores por metas,
prazos, notas em avaliações do sistema educacional, a demanda de pais e
pares por “dar o conteúdo”, que é volumoso demais para a escassez de tempo.
Neste cenário, como conseguir tempo e espaço para a interdisciplinaridade?
Consideramos que é um processo contínuo a construção de relações,
laços e ambiências favoráveis a essas perspectivas, a transformação da
relação com o espaço, a diversificação do uso e aprendizado de múltiplas
linguagens na expressão, produção e apropriação do conhecimento, a prática
53
de um diálogo aberto e horizontal entre todos os sujeitos que compõem a
comunidade escolar e que cerca a escola.
A metodologia utilizada precisa constantemente levar em conta todos
esses objetivos, realidades, mudanças e princípios, de modo a alcançar o
ecossistema comunicativo desejado e gerar transformações.
3.3. EM SALA DE AULA
No dia 21 de março de 2012, quarta-feira, foi nosso primeiro encontro na
escola com os estudantes do 1º série B do ensino médio vespertino. Nesse dia
a turma tinha quinze estudantes. Nos mais de três meses de pesquisa,
formação e planejamento pela qual tínhamos passado, criamos uma grande
expectativa em relação a esse dia.
Foram tantos encontros imaginando como aconteceria, como eles
reagiriam a esta ou aquela dinâmica, se renderiam tais discussões ou não, se
eles estariam dispostos a fazer tal atividade ou se seria muito cedo, sendo
melhor amadurecermos nossa relação com eles antes de sugerir certas
demandas.
O primeiro encontro foi de apresentação. Como dito no tópico
Metodologia e Apresentação, tínhamos grande preocupação em trazer o
prático, o concreto, a vivência, para só então refletir sobre. Então, após
apresentarmos nossos nomes e dizermos que éramos estudantes de
comunicação social da UFRN e que estávamos ali por meio de um projeto de
extensão que discutiria comunicação com eles, fomos para a prática/diversão.
Começamos com o jogo da bolinha. Todos em círculo, em pé, uma
bolinha de plástico sendo jogada de um para o outro de várias formas, fraco,
forte, rápido, lento, com precisão ou displicência, com calma ou alvoroço. Ao
jogar a bolinha, cada um dizia o próprio nome e idade. E refletimos: isso é se
comunicar. Compartilhar algo (no caso, uma bolinha, uma informação, um
sentimento, uma emoção), com o outro e também receber partilhas. Mas
comunicar-se é um processo, ou seja, um ato complexo que envolve tanto a
maneira como o fazemos (se agressivamente, tranquilamente, com cuidado,
ignorando o fato de o outro estar ou não nos entendendo, etc.), como o que
dizemos (uma bola grande, pequena, pesada, leve, uma palavra, uma
expressão, um gesto).
54
Ou seja, começávamos com a reflexão mais originária que pudemos
imaginar sobre o que é a comunicação, a partir de uma vivência, um jogo, uma
brincadeira, para então podermos refletir melhor sobre esse ato tão cotidiano.
Em seguida, distribuímos papéis com a pergunta: O que é comunicação? E
cada um respondeu e colocou em uma caixa.
Então mostramos o vídeo “Quem faz a Comunicação?”6, produzido pelo
Vir-a-Vila. Nele a pergunta que lhe dá nome era respondida por várias pessoas
com a resposta “você”, para reforçar a ideia de que todos nós comunicamos,
somos comunicadores.
Após o vídeo, cada um pegou uma resposta anônima anteriormente
produzida. Todos leram as respostas e tivemos um primeiro contato com as
ideias e representações deles. Responderam que comunicação “é uma forma
de se expressar”, “Televisão e jornal”, “é expressar alguma ideia e fazer com
que o outro a compreenda”, entre várias outras definições, o que demonstra
vários níveis de compreensão sobre o termo, desde os veículos midiáticos a
que estamos acostumados no cotidiano, até o processo mais simples de se
fazer entender.
Em seguida distribuímos um fanzine feito pela equipe do Vir-a-Vila onde
se falava sobre direito a comunicação e educomunicação, para darmos uma
primeira ideia dos conceitos com os quais trabalharíamos. Mostramos a todos
um jornal mural que falava e detalhava mais o projeto, com pequenas “notícias”
contando o que acontecerá durante o projeto, com uma entrevista sobre
nossas ações, etc. E por fim, demos a eles o endereço do blog onde podiam
encontra informações extras, materiais, links, etc.
6 Disponível no youtube com o nome Quem faz a Comunicação – Vir-a-Vila
(http://www.youtube.com/watch?v=ipkeNFRNBro)
55
(Conteúdo parcial do fanzine de apresentação do Vir-a-Vila, contendo os
principais conceitos da Educomunicação e do Ecossistema Comunicativo) Ou seja, queríamos mostrar concretamente os diversos produtos que
eles produziriam com o projeto, fanzine, vídeo, blog, jornal mural, para que
sentissem as diversas possibilidades que vinham pela frente. No segundo
encontro falamos sobre a revista Viração, distribuindo uma para cada um,
novamente dando exemplos concretos onde poderíamos atuar.
(Jornal Mural produzido para apresentar o projeto, exposto no corredor da escola)
56
Começamos a discutir o porquê de estarmos ali. Por que falar sobre
comunicação na escola? Um vídeo do Chaves7 nos ajudou a ilustrar que se
comunicar não é algo tão simples quanto parece e que vale a pena pensar a
respeito. O questionário sobre os hábitos pessoais deles em relação às mídias
que passamos em seguida fazia perguntas como “você gosta de tevê?”,
“quantas horas por dia você assiste a tevê?”, se eles têm internet em casa e
que tipo de mídias eles têm acesso, se têm computador, notebook, tablete,
mp3, videogames, perguntas desta natureza.
Quando todos terminaram, fizemos uma conversa descontraída sobre
esses hábitos e por fim uma tirinha de Kalvin e Haroldo e outra da Mafalda
levou-nos a conversar sobre a influência de todas essas mídias em nosso
cotidiano.
Na semana seguinte já nos deparamos com um problema frequente ao
longo do ano. Perdemos o encontro da semana porque os horários de aula da
escola haviam mudado. A aula de artes que era na quarta-feira passou para a
segunda, ou seja, nesta semana, não houve aula de artes.
Nos encontros seguintes discutimos sobre direito à comunicação e a
importância de todos poderem se comunicar, a partir do vídeo Levante sua
Voz8, produzido pelo Intervozes9 – Coletivo Brasil de Comunicação Social,
sobre a diferença entre o poder de expressão e influência de um cidadão
comum e de um proprietário de veículo de comunicação, sobre a realidade da
concentração dos meios de comunicação no Brasil e no RN, sobre como os
meios de comunicação tentam nos influenciar e sobre as representações que
produzem, como por exemplo como os programas policiais mostram as
comunidades, como a própria Vila de Ponta Negra.
Nesse momento eles nos relataram que esses programas são o único
espaço em que eles podem se ver na televisão, ver pessoas conhecidas,
lugares conhecidos. E decidimos problematizar isso. Trouxemos um trecho do
documentário pernambucano TV Alma Sebosa, que trata sobre como os
programas policiais atuam, representando as realidades de forma
sensacionalista, focando-se nos lados negativos.
7 Chaves é um programa infantil mexicano antigo e famoso na televisão brasileira. O vídeo utilizado foi
“A importância de uma boa comunicação” disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=LV1EKg-M8zg. 8 Disponível em http://www.youtube.com/watch?v=KgCX2ONf6BU.
9 Mais informações no site http://www.intervozes.org.br/
57
No sexto encontro trabalhamos a primeira técnica, o fanzine. Tratava-se
da dinâmica Zine-se, em que cada um devia fazer um zine sobre si mesmo.
Queríamos assim trabalhar a compreensão, expressão e valorização da
identidade de cada um. Na semana seguinte, em nossa reunião de
planejamento, analisamos as produções deles, discutindo as representações
de si que cada um realizou.
Esse foi o primeiro encontro em que tivemos dois horários de aula para
trabalhar. Nos primeiros fomos sentindo grande dificuldade em dispor de
apenas 50 minutos. E pior, era menos, pois se tratava de horário após o
intervalo, o que implicava grande perda de tempo até que os estudantes
viessem para a sala. Sendo assim, buscamos a professora Verbena Nidiane,
de história e filosofia, para combinar com ela a possibilidade de fazermos a
parceria com a disciplina de filosofia, o que ela aceitou.
Analisando nosso percurso meses depois, avaliamos que demoramos
muito até trazer a primeira técnica. Que fazer produtos comunicativos é um dos
elementos que mais motivam os adolescentes e jovens, que gostam de ver o
que fazem e mostrar uns aos outros. Faltou-nos ter explorado mais a produção
de zine, discutido mais, brincado com a técnica, e, principalmente, feito com
que zines circulassem pela escola, fossem vistos, lidos e discutidos por outros
estudantes e professores.
Refletimos também sobre a forma com que expomos a técnica. Ao invés
de deixá-los chegar a suas próprias conclusões sobre o que era aquele papel
dobrado cheio de informações, colagens, etc. já trouxemos um conteúdo, o que
impediu esse processo de investigação e construção do conhecimento sobre o
material.
Notamos que alguns deles não compreenderam bem a ideia e a estética
do fanzine, reproduzindo o modelo tradicional de cartaz escolar, com imagens
seguidas de legendas, algo mais formal e rígido, diferente da espontaneidade,
criatividade e experimentação comum desta mídia. Contudo, preocupados com
seguir com as discussões e com a limitação de tempo, não fizemos essa
análise mais aprofundada e continuada com eles sobre essa observação que
fizemos.
Na semana seguinte perdemos novamente um encontro, em decorrência
da greve dos ônibus. Ao longo de todo o ano diversas semanas se perderam
58
por motivos diversos, de falta de água na escola até a ausência da merendeira,
o que quebrava nosso ritmo e gerava descontinuidade dos trabalhos.
Demos prosseguimento discutindo a comunicação da comunidade por
meio do filme Uma Onda no Ar10, que retrata a história verídica de uma rádio
comunitária de Belo Horizonte criada por jovens em uma periferia, chamada
Rádio Favela.
Estávamos então no 8º encontro e já no fim do semestre. O 9º foi o
último e neste trouxemos a questão da identidade, para aliar com a discussão
sobre expressão e comunidade. Ao longo desse semestre sempre tivemos a
dificuldade de participação dos estudantes. Eles mostravam-se ora apáticos,
ora tímidos. Às vezes diziam não ter nada para falar ou comentar. No encontro
anterior um dos estudantes, dos quais se destacava mais e era o mais
participativo, nos disse que aquela turma era considerada a “pior, mais
problemática” da escola.
Freire (1977, p. 48), sobre a dificuldade de dialogar buscou entender
quais as possíveis razões para o silêncio e a apatia em face da intenção
dialógica. Ele coloca que “há razões de ordem histórico-sociológica, cultual e
estrutural” (Ibid.) que explicam esta recusa. Por exemplo, o fato de a
experiência existencial de muitos sujeitos nesta sociedade se constituir “dentro
das fronteiras do antidiálogo” (Ibid.).
Ele aponta que em “relações estruturais rígidas e verticais, não há lugar
realmente para o diálogo” (Ibid.). Nessas relações, os sujeitos tornam-se “em
grande parte inseguros de si mesmos. Sem o direito de dizer sua palavra e
apenas com o dever de escutar e obedecer” (Ibid). Nesta obra Freire está
tratando da realidade dos camponeses na década de 70, mas essas
características e observações claramente se repetem no ambiente escolar de
muitas escolas em pleno século XXI, pela influência e aplicação da Educação
Tradicional.
Consideramos então que este silêncio em parte denota a falta de
confiança e autoestima deles por se encontrarem neste sistema de educação
onde o conhecimento é restrito a informações memorizadas e sempre se
esperam “respostas certas”. Dar a resposta “errada” é motivo de vergonha e
deboche. Logo, na “dúvida”, é preferível ficar calado à arriscar-se a “errar”.
10
Disponível em http://www.youtube.com/watch?v=NeNI_WCT-0Y.
59
Podemos afirmar também que muitas vezes falta, no processo
pedagógico tradicional, espaços para experimentação, expressão das ideias e
opiniões pessoais, sendo respeitado cada sujeito como detentor de
conhecimento, cultura e posicionamentos próprios, de modo a elevar a
autoestima. Sendo assim, em todos os momentos fazíamos o máximo esforço
para incentivá-los e se colocarem, sem medo de reprovações ou julgamentos,
pois se tratavam de diálogos, não testes.
E neste último encontro do semestre demos destaque ao
reconhecimento da história pessoal de todos, para que cada um pudesse se
conhecer e conhecer melhor ao outro, inclusive a nós, universitários, para,
assim descobrir, respeitar e estimar a si e ao outro. Outra observação que nos
mostrou a importância de fazer este momento de conhecimento mútuo foi
quando notamos que os estudantes não sabiam sequer o nome de todos na
turma.
A partir deste esforço esperávamos que eles pudessem se aproximar
mais deles mesmos e de nós, que perdessem parte da timidez e/ou medo, que
se sentissem mais seguros para se colocarem. Esta percepção, ocorrida já no
fim do primeiro semestre, é também um dos grandes aprendizados que tivemos
neste ano pioneiro do projeto e influenciará nossa abordagem e metodologia no
ano seguinte.
Temos mais clareza hoje da importância desses laços entre eles e entre
nós e o grupo, desta afetividade, amizade, confiança, para que surja o espírito
de grupo, de companheirismo, de colaboração e participação que desejamos
incentivar, para que eles se tornem senhores da própria voz, ideias, opiniões e
conhecimento e possam expressar-se coletivamente, autogerindo seus
processos de ensino-aprendizagem e suas formas de comunicação, sejam
veículos escolares e comunitários, sejam ideias manifestadas em sala de aula.
Esta compreensão pode ser estendida à análise do ecossistema
comunicativo da sala de aula e da gestão da escola. Como são tratados e que
condições são dadas para que todos os sujeitos que participam da comunidade
escolar se conheçam, valorizem, respeitem, participem dos processos de
decisão e ensino-aprendizagem? O modelo tradicional de educação e escola
está preocupado ou permite tal participação? Como se pode melhorar e/ou
mudar isso?
60
No primeiro ano, por estarmos chegando à escola, conhecendo os
estudantes, os professores, a equipe pedagógica, o ambiente, a comunidade,
não chegamos a propor ações que mexessem nesse ecossistema maior que é
a gestão escolar, a direção, a coordenação pedagógica, a comunidade no
entorno.
Esperamos no segundo ano ter uma ação mais próxima destas esferas,
buscando refletir e provocar reflexões sobre a importância ou possibilidade de
pensar e atuar de outras formas, baseadas nos princípios do direito à
comunicação, ou seja, a condição e garantia de voz de todos sobre os
assuntos da escola, da gestão democrática, em que todos os sujeitos são
importantes na tomada de decisões, no ecossistema comunicativo, para que as
ideias, opiniões, necessidades, vontades e sonhos tenham condições férteis
para serem expressos e coletivamente realizados.
Assim, busca-se a efetiva prática de uma Educação e Comunicação
Popular e Democrática, libertadoras, que permitam aos indivíduos alcançarem
sua autonomia, emancipação social e transformação das realidades em que
vivem.
Após voltarmos das férias de meio de ano, analisamos que não
tínhamos conseguido alcançar todos os objetivos do primeiro semestre.
Esperávamos que todas as técnicas comunicativas fossem trabalhadas de
forma geral nessa metade do ano para no segundo os estudantes pudessem
escolher com qual se identificavam mais e assim discutíssemos a construção
autogestionária de grupos de comunicação. Contudo, não conseguimos, devido
às restrições de tempo, as perdas de aulas por problemas diversos, e a
inexperiência nossa no planejamento e prática lidando com este tempo corrido
e fugidio.
No segundo semestre, então, precisamos reavaliar e nos adaptar.
Decidimos que este período seria dedicado à prática da fotografia e do vídeo e
investiríamos atenção total na aplicação, já que o período anterior acabara
tornando-se excessivamente teórico.
Nessa altura do ano mudamos a intenção inicial de trabalhar com jornal
mural e blog por não nos sentirmos seguros quanto ao uso do texto escrito com
os adolescentes e jovens. Entendíamos que existiam muitas dificuldades no ato
de escrever e o tempo escasso e nossas limitações pessoais tornavam essa
opção não muito estratégica.
61
Já a fotografia e o vídeo, por serem imagens, fixa e em movimento,
superavam essa dificuldade, ainda que pudéssemos pincelar o exercício da
escrita na produção das legendas e títulos das fotografias e na organização de
roteiro e áudios que comporiam o vídeo.
Assim iniciamos o 10º encontro, em fins de julho. Primeiramente era
preciso retomar com os estudantes o semestre anterior. Fizemos uma conversa
e um questionário de avaliação dos trabalhos passados, onde questionávamos
se tinham gostado do projeto até aquele momento, se tinham ficado claras as
reflexões sobre comunicação, o que consideravam mais importante, o que
queriam aprender na segunda etapa, se consideram válido e necessário
discutir comunicação na escola.
Tivemos respostas bastante favoráveis e felizmente também respaldo na
intenção de atuar com fotografia e vídeo, pois quando perguntados sobre quais
linguagens mais os interessava, 14 responderam vídeo e 10 fotografia, o que
representando a maioria da turma.
Em seguida iniciamos o processo de oficina e produção de fotografias. O
momento inicial foi teórico, sobre a linguagem fotográfica, os conceitos básicos,
planos, dicas e manuseios, em sala de aula, seguido de uma experiência
prática no ambiente da Vila, a primeira do ano, no sábado.
Sobre isso avaliamos o mesmo que no caso do fanzine, de que
deveríamos ter invertido, fazendo fotografias, expressando-se por meio das
imagens primeiro para só então parar e pensar sobre o feito, como foi
realizado, porque se faz deste jeito e não deste, o que significa cada ação no
ato fotográfico.
Também consideramos que foi tardia esta primeira atividade na Vila de
Ponta Negra. Queríamos ter efetivado mais fortemente nossa parceria com o
Centro de Cultura da Vila de Ponta Negra antes, fazendo sessões de cinema e
discussões extras aos sábados, mas a pouca assiduidade dos estudantes no
próprio horário de aula e a falta de motivação em vários momentos nos fazia
crer que uma atividade fora do horário obrigatório teria ainda menos
participação.
O problema das faltas e da pouca participação foi um obstáculo durante
todo o ano, problema este não particular de nossa turma, mas da escola como
um todo, como relatado anteriormente. As ausências eram tão graves em
alguns casos que vários estudantes só começaram a frequentar as aulas após
62
semanas, outros após meses já transcorridos do ano letivo. O ápice foi o caso
de uma estudante que fez sua aparição única no ano no final de agosto e
nunca mais apareceu. A evasão também é frequente, tendo muitos dos
estudantes de nossa turma estado presente na escola apenas nas primeiras
semanas do ano.
A primeira e única atividade até então que realizamos no sábado, como
imaginávamos, só contou com a presença de três estudantes. Mas é preciso
destacar que muitos anunciaram trabalhar aos fins de semana, o que os
impedia de comparecer. Alguns trabalhavam inclusive durante a semana,
situação que às vezes prejudica bastante o desempenho escolar.
Apesar do pequeno grupo, foi um momento bastante produtivo.
Experimentamos vários elementos discutidos em sala, produzindo diversas
fotos que serviriam de exemplo para toda a turma. No encontro seguinte
fizemos justamente a leitura das imagens produzidas por eles, relembrando e
reforçando os conceitos teóricos.
Em seguida assistimos o documentário Nascidos em Bordéis11, que
relata um trabalho de Educomunicação a partir da fotografia com crianças filhas
de prostitutas na Índia. A obra mostrava a inesgotável capacidade de
expressão e criatividade daquelas crianças, mesmo nas condições mais
adversas e serviu para discutirmos as inúmeras possibilidades do olhar de
cada um, de como podemos ver e retratar nossas realidade, de como essa
prática pode mudar a realidade que nos cerca e a nós mesmos.
O encontro seguinte, o 15º do ano, foi novamente dedicado à prática,
mas desta vez em sala de aula. Levamos três câmeras fotográficas para a
escola e uma das estudantes levou equipamento próprio. Divididos em grupos
e com nossa orientação, saíram para mostrar a escola de acordo com seus
olhares e perspectivas. Foi um momento bastante lúdico e de experimentação,
no qual eles puderam brincar de fazer fotografias, de forma leve, divertida.
No mesmo dia projetamos na parede as fotos de todos para fazermos
leituras e discussões coletivas sobre as produções, sempre dialogando a
prática com as teorias e reflexões e, satisfeitos com os resultados alcançados,
decidimos coletivamente fazer uma exposição fotográfica na escola. Os
encontros seguintes foram dedicados a selecionar e editar as fotos, produzir as
11
Disponível em http://www.youtube.com/watch?v=_uDpE4K25tc&playnext=1&list=PLDEA70E05FE7BD624&feature=results_main.
63
legendas, títulos e textos descrevendo cada foto e a exposição, para que
pudéssemos expô-las na Feira de Cultura da escola, que aconteceria em
novembro.
Demos prosseguimento às atividades iniciando a oficina de produção de
vídeo. Primeiro assistimos ao primeiro episódio da série “No Estranho Mundo
dos Seres Audiovisuais”12, veiculado na TV Futura, que discutia o que era o
audiovisual. Em seguida iniciamos a discussão sobre vídeo e seus conceitos
teóricos a partir de diversos vídeos ilustrativos, inclusive um produzido pelos
estudantes do Machadão em 2010 no projeto Internart, juntamente com a
exposição dos conceitos do audiovisual.
Incitamos desde já a imaginação deles para colocarem-se em situação
semelhante aos colegas de 2010, para que pensassem que tipo de vídeos e
quais assuntos gostariam de produzir, inspirados nos exemplos que
mostramos. Fizemos exercícios de tempestades de ideias para pensarmos
juntos o que a turma poderia produzir, esboçando temas, histórias, roteiros.
Após dois encontros nesse processo de inspiração, discussão e criação,
decidimos falar da Vila, como se fossemos mostrá-la a alguém que nunca a viu
nem a conhece. E passamos ao planejamento necessário para executar as
filmagens e entrevistas. Decidimos o que iríamos filmar, que lugares, que
pessoas, com quem falaríamos, quem conhecia quem e poderia ficar
responsável por fazer os contatos, que perguntas poderíamos fazer,
organizando roteiros de entrevistas, ou seja, as diversas etapas para a
produção de um documentário.
Nesse processo passamos por altos e baixos. A participação deles ora
aumentava, ora diminua. Alguns se mostravam mais interessados, em seguida
sumiam. Diversas descontinuidades e entraves dificultavam o trabalho. Era um
esforço constante de incentivo e motivação que nos provocou muitas
indagações. Como superar o desânimo que parecia ser comum neles?
A reflexão sobre o modelo tradicional de educação nos deixava claro
que o ambiente escolar era, em geral, desmotivador, mas mesmo que nós
buscássemos fazer diferente, trazendo várias linguagens, fazendo daqueles
dois horários lugares livres e abertos para a participação deles, tentando
resgatar e valorizar o que para eles poderia ser divertido, o que fosse cotidiano,
12
Disponível no http://vimeo.com/search?q=no+estranho+planeta+dos+seres+audiovisuais
64
suas vivências e conhecimentos próprios, mesmo assim aparentavam
desinteresse em vários momentos, alguns menos do que outros.
É verdade que outros exemplos nos motivaram bastante e mostraram o
contrário. Foi o caso de um estudante que no início do ano era bastante tímido
e parecia isolado do resto da turma, não saia para o pátio ou a quadra no
intervalo, permanecendo na sala ou sentando-se em algum lugar tranquilo e
solitário. Os demais diziam que ele nunca falava e quando ele abria a boca, era
imediatamente alvo de brincadeiras e chacotas.
Mas, ao longo dos meses, sentimos mudanças sensíveis tanto na
postura dele como na turma em relação a ele. Ele mostrava-se cada vez mais
interessado e participativo, ao passo que a turma reduzia progressivamente as
zombarias, até que ao final do ano elas desapareceram, ele se tornou mais
sociável, fazendo amizades na turma, jogando bola no intervalo, e destacando-
se no projeto por sua iniciativa e disposição. Tanto que uma das vozes de
narrador do documentário é deste estudante.
Outro exemplo é de um estudante que era considerado por uma das
professoras o pior da turma, que menos vinha para as aulas, menos ajudava,
ao passo que nos nossos encontros era o oposto, o mais participativo, falante,
opinativo e presente, colaborando e motivando os demais colegas.
Após os planejamentos, fizemos duas filmagens na Vila de Ponta Negra
e duas no EEPJFM, totalizando quatro entrevistas e produção de cerca de três
horas de imagens gravadas. Dentre os problemas que encontramos, a
desmotivação era um dos mais constantes. Muitos não queriam participar ou
operar o equipamento. Tinham medo, timidez, insegurança, imaginavam que
não poderiam ou conseguiriam filmar. Aos poucos fomos incentivando a
prática, mostrando que eles eram capazes de produzir imagens.
A participação deles na gestão da produção também foi difícil. Quando
ficava acordado quem iria entrar em contato com as pessoas a serem
entrevistados na comunidade, poucos realizam suas tarefas, o que dificultava a
produção.
O apoio da escola e Secretaria Estadual de Educação também foi um
obstáculo durante esse processo, pois quando precisamos de um ônibus para
deslocarmos o grupo da escola até a comunidade, obtivemos resposta
negativa, ainda que tenhamos solicitado com antecedência.
65
(Entrevista com Marcos Vinícius, articulador cultural da Vila de Ponta Negra, realizada na EEPJFM para o documentário Venha Ver a Vila)
As experiências de campo, estar na comunidade, em seus lugares
cotidianos captando imagens, permitiam que dialogassem com pessoas que
provavelmente eles viam diariamente, mas não conheciam, como era o caso
das rendeiras que entrevistamos, desconhecidas pela maioria.
(Entrevista com as rendeiras do bairro da Vila de Ponta Negra, na primeira filmagem na comunidade)
66
A prática experimental e lúdica do vídeo, da entrevista em vídeo, do
manejo dos equipamentos também se mostrou fundamental antes de ir a
campo. E a leitura das imagens produzidas é uma forma concreta de refletir
sobre as teorias, sobre os porquês das técnicas e da linguagem audiovisual.
Para a Feira de Cultura da escola, que estava marcada para 08 de
novembro, havíamos preparado a mostra fotográfica, chamada “A Escola vista
por outros olhos” e feito um vídeo com as fotografias e legendas. O
documentário não estaria pronto até esta data, então resolvemos preparar um
trailer para ser exibido no evento com imagens produzidas na Vila e na escola,
somado a um texto escrito e gravado pelos estudantes.
(Exercício na EEPJFM, como forma de experimentar a prática da entrevista em vídeo)
67
(Exposição fotográfica “A Escola vista com outros olhos” exposta durante a Feira de Cultura da escola)
Eles tiveram a oportunidade de ver seus trabalhos e serem vistos e
elogiados, o que representou um momento significativo para os que estiveram
presentes. Apesar da dificuldade de realmente se identificarem com aquele
trabalho, de acreditarem que foram eles que fizeram as fotos, as imagens, a
exibição foi marcante.
O último mês do projeto foi bastante corrido. As aulas acabariam na
semana de 17 a 21 de dezembro. A segunda-feira, dia 17, então, seria nosso
último encontro. Planejávamos concluir o documentário para exibi-lo na escola
neste dia. Na semana anterior tivemos uma atividade importante, a visita de
campo à Universidade Federal, ao Laboratório de Comunicação do
Departamento de Comunicação. Os estudantes puderam conhecer o estúdio
de rádio, de televisão e de fotografia, onde servidores explicaram o que
acontecia nesses espaços.
68
(Estudantes da EEPJFM na Redação B do Laboratório de Comunicação da
UFRN produzindo texto a ser gravado para áudio final do documentário)
Em seguida tivemos o momento final do documentário, pesquisar
informações para escrever o texto a ser narrado e gravado para o
documentário. Dividimos o texto em quatro partes para que eles escrevessem
em duplas. Ao final, quatro estudantes gravaram o áudio, obtendo um resultado
bastante satisfatório.
O último encontro na escola infelizmente foi prejudicado por ser semana
de entrega de notas/resultados e recuperação, o que acarretou que os que não
tinham provas no dia ou estavam livres não estiveram presentes, isso
impossibilitou a avaliação geral do projeto pelos estudantes. Neste dia alguns
poucos puderam assistir o resultado final, o minidocumentário, chamado Venha
Ver a Vila13 pronto. E o momento derradeiro de todo o ano foi nossa
participação no Auto de Natal da Vila de Ponta Negra, no dia 23 de dezembro,
na praça da igrejinha da Vila. A partir da professora Lilian, que nos
acompanhou e auxiliou durante todo o ano, entramos em contato com o
conselho comunitário da comunidade e inserimos a exibição do
minidocumentário na programação.
Infelizmente, ninguém do grupo esteve presente neste dia, mas muitos
moradores puderam vê-lo e conhecer um pouco mais da história e cultura
13
Disponível no youtube no link: https://www.youtube.com/watch?v=qHdX2x8dg2Y
69
registrada pelos olhares e pontos de vista dos adolescentes e jovens do
Machadão. Com o encerramento do ano, em que as presenças tornam-se
escassas, alguns dos participantes não puderam assistir ao resultado final de
seus trabalhos, o que será remediado em 2013, no início do ano letivo.
“A cultura precisa ser produzida, como vocês estão produzindo”, declara
Antônio Leal em sua entrevista sobre os adolescentes e jovens, destacando
quanta riqueza existe em comunidades como a Vila que precisam ser
registradas. A educomunicação busca a possibilidade de que cada indivíduo ou
grupo possa produzir comunicação, registrar o mundo de acordo com suas
perspectivas, revelar o que está a sua volta de bom e de ruim, expor suas
opiniões, vontades e sonhos, sendo assim um dos caminhos para o exercício
do direito a comunicação. Um mundo mais comunicado, com diversidade de
vozes e ideias, é também mais democrático.
3.4. ARTICULAÇÃO, MOVIMENTO SOCIAL E PROMOÇÃO DA
EDUCOMUNICAÇÃO
A Educomunicação não se restringe a sala de aula, mas ao contrário,
pode ser aplicado em qualquer relação social, entre um casal, amigos, no
trabalho, em uma empresa, cooperativa, instituição ou comunidade, de modo a
transformar essas relações para torná-las mais democráticas, horizontais,
abertas, inclusivas, criativas e conscientes das mídias que as perpassam. Por
se tratar de ação e conceito que pretende transformar a realidade, não se
contentando com analisá-la e/ou criticá-la, é, pois, essencialmente política,
como bem descreve Donizete Soares (2006, p. 4), do Instituto Gens de
Educação e Cultura:
É um espaço político entendido também como campo de ação prática. Não de experimentações ou ensaios como acontece nos laboratórios. O objetivo das práticas de Educomunicação não é submeter a teste essa ou aquela teoria, visando, assim, a generalização ou a criação de modelos a serem seguidos. Não é a universalização de um ou alguns conteúdos e/ou métodos o que se pretende com a prática educomunicativa. A ação que se desenvolve nesse campo de multirrelação é política porque, essencialmente, ela se dá num espaço de realizações. Isto é: de atualização ou concretização de projetos que nascem dos sonhos e/ou necessidades dos grupos sociais em processo de formação e organização.
70
Julgamos, por isso, que não bastava nossa atuação na EEPJFM.
Precisávamos estar em outros espaços, difundindo e provocando as práticas
educomunicativa também na Universidade, em outras instituições públicas e na
sociedade civil organizada, como também realizando a defesa e a promoção do
direito humano à comunicação e da democratização das comunicações no
Brasil, por meio das transformações das relações e expressões sociais e das
políticas públicas.
Nosso envolvimento com a Rede Nacional de Adolescentes e Jovens
Comunicadores (Renajoc), a Articulação Vira Nordeste – Rede de
Comunicação e Educação Popular e Alternativa do Nordeste (AVN) e a Revista
Viração, promovida pela ONG Viração Educomunicação foram muito influentes
no percurso do Vir-a-Vila, implicando que nossa atuação era também parte
deste contexto nacional e regional de luta por direitos e transformações.
O movimento estudantil de comunicação também era um espaço de
participação para nós, colaborando sempre com o Centro Acadêmico Berilo
Wanderley (CABW), do curso de Comunicação Social da UFRN. E no início de
2012, nós, Vir-a-Vila e CABW, começamos a discutir e mobilizar o coletivo
potiguar da Executiva Nacional de Estudantes de Comunicação Social
(Enecos)14, mais uma instância de organização social pelo direito à
comunicação e democratização das comunicações.
A Enecos tem ainda, como prioridades de ação, o combate às opressões
sociais, como os sexismos e racismos, e a qualidade da formação do
comunicador, entendida como a formação crítica e reflexiva necessária ao
comunicador de fato “social”, ou seja, comprometido com a realidade social e
sua transformação.
Por meio deste coletivo da Enecos, fortaleceu-se o movimento social de
comunicação em Natal, ampliando as articulações com outros movimentos
nacionais, como o Coletivo Brasil de Comunicação Social – Intervozes e o
Fórum Nacional pela Democratização das Comunicações (FNDC)15.
Além de construir coletivamente essas diversas redes e movimentos, o
Vir-a-Vila se colocou como divulgador e realizador da educomunicação em
cada um desses espaços, realizando oficinas de educomunicação em
14
Mais informações no site http://enecos.com.br/ ou http://enecos.org/ 15
Mais informações no site http://www.fndc.org.br/
71
atividades na UFRN e fora dela, dialogando e promovendo o conceito e prática
na Enecos e demais espaços.
O primeiro semestre foi voltado para a construção do movimento
estudantil de comunicação na UFRN, junto ao CABW e participando da
Enecos. Neste período, realizamos intervenções nas turmas de calouros de
jornalismo e rádio e TV, trazendo reflexões sobre direito à comunicação e
democratização da comunicação. Também participamos do Encontro Nacional
de Estudantes de Comunicação Social (Enecom), realizado pela Enecos, em
Brasília-DF, em julho de 2012, além de contribuir na organização de três
encontros preparatórios para o Enecom, no qual se discutiram temáticas como
mídia e construção da verdade, as redes sociais e protestos populares.
No segundo semestre ampliamos nossas atividades externas.
Organizamos em agosto o minicurso já mencionado, “Educomunicação: Num
mundo midiatizado, comunicar é direito de todos!”, resultado de um esforço de
sistematização dos conteúdos e estudos que já havíamos realizado,
sistematizando nossa bagagem teórica e conceitual. O minicurso faz parte do
intendo de divulgar e fazer compreender aos estudantes de comunicação e
pedagogia e demais interessados na universidade do que se trata a
Educomunicação, em que contexto de comunicação hegemônica e educação
tradicional ela está inserida, além de relatar experiências concretas em Natal,
Nordeste, Brasil e outros países.
É importante ressaltar que o minicurso teve um período de três dias de
divulgação e inscrição, alcançando um total de 36 inscritos, o que
consideramos um número bastante expressivo considerando-se o tempo curto
e a divulgação restrita ao facebook. Notamos, a partir deste e outros indícios,
que havia uma curiosidade e interesse por parte de muitas pessoas sobre
educomunicação.
No fim do primeiro semestre tivemos outra prova do interesse que paira
nos dias atuais. Recebemos o contato de uma gestora da Secretaria Municipal
de Educação de Natal (SME) que nos conhecia a partir de uma oficina
ministrada por meio do projeto de extensão Fotojornalismo Experimental em
Comunicação – Agência Fotec16, em 2011. Tratou-se de oficina de fanzine para
professores e estudantes do ensino fundamental. Ela nos convidou para
participar da formação continuada da SME, ministrando oficina de fanzine
16
Projeto de Extensão da UFRN – para mais informações, acesse: www.fotec.ufrn.br
72
novamente e aproveitamos a oportunidade para oferecer uma oficina de
introdução à Educomunicação.
No mês de setembro ministramos oficina para professores de inglês e
em novembro para professores de matemática. Concluímos o ano de 2012 com
a intenção e expectativa tanto deles quanto nossa de realizarmos mais oficinas
de introdução à Educomunicação, além de atividades mais aprofundadas como
minicursos, para mais professores de outras áreas, realizando este trabalho
interdisciplinar.
Este diálogo com o poder público é fundamental para levar o conceito e
a prática para a compreensão dos gestores e órgãos públicos, para que
experiências como a que estamos realizando na Escola Estadual e tantos
outros exemplos de Educomunicação aplicada possam se tornar políticas
públicas na área de educação e comunicação. Este é um dos resultados
buscados quando queremos que o direito à comunicação tenha condições de
ser exercido para todo cidadão, ou seja, que lugares como a escola
compreendam a importância de ações nessa direção e as implementem.
Outra ação do Vir-a-Vila foi participar da organização da Semana de
Comunicação (Secom), juntamente com o CABW, o Coletivo Enecos Potiguar,
a empresa júnior de publicidade e propaganda 59 mil, o Departamento de
Comunicação da UFRN e o Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes
(CCHLA). Realizada nos dias 1, 2 e 3 de outubro, a Secom tinha como principal
objetivo ampliar a discussão sobre direito à comunicação, democratização e
marco regulatório das comunicações no âmbito do curso. Para isso, trouxemos
o radialista João Brant, do Intervozes, e o professor Lalo Leal, da USP e da TV
Brasil, entre outros convidados, para enriquecer os debates e movimentos.
Na Semana aconteceu, além das conferências, oficinas, mesas
redondas, um momento inspirado nas práticas da Enecos, os Núcleos de
Vivência (NVs), que conhecemos durante o Enecom. Trata-se de fazer com
que os estudantes entrem em contato com realidades distintas das suas,
dialogando com comunidades, organizações, experiências concretas.
Aconteceram dois NVs, um na comunidade quilombola de Capoeiras, em
Macaíba, e outro no assentamento de reforma agrária Rosário, em Ceará
Mirim. Lá entramos em contato com o Movimento dos Trabalhadores Rurais
Sem Terra (MST), com o qual conversamos sobre parcerias futuras,
especialmente no campo da educomunicação.
73
(Roda de conversa sobre a realidade do assentamento de reforma agrária Rosário, articulado com o MST, em Ceará Mirim-RN)
Durante o evento também oferecemos as oficinas de fanzine e
educomunicação, sempre buscando dialogar de maneira simples e acessível o
que significa o conceito e como aplicá-lo. Vale ressaltar que no evento e
também na oficina de educom estiveram presentes estudantes de comunicação
social da Universidade Estadual do Rio Grande do Norte. Eles vieram a Natal a
partir de um esforço do Coletivo Enecos Potiguar para articular estudantes de
comunicação de outras universidades, inclusive, de fora de Natal.
A participação deles em nossa oficina foi decisiva para nossa intenção
de levar a discussão sobre Comunicação e Educação para o interior do Estado.
Sobre esse objetivo é importante dizer que no primeiro semestre já havíamos
travado contato com a publicitária Camila Paula, de Mossoró, que fazia
mestrado em Educação, justamente estudando Educomunicação. O contato
que iniciamos com ela perdurou ao longo do ano, de modo a criarmos um
vínculo forte entre Natal e Mossoró.
Tanto foi que a convidamos ainda no mês de outubro para participar de
outra atividade nossa, o Dia C – Dia Nacional da Juventude Comunicadora, dia
17/10. O Dia C é uma iniciativa da Renajoc e no RN as atividades foram
realizadas tanto pelo Vir-a-Vila, quanto pelo CABW e Enecos Potiguar.
Fizemos uma Conferência Livre sobre Direito à Comunicação e Juventude, no
qual, além de discutir estes temas, iniciamos a mobilização de um comitê
estadual da campanha Para Expressar a Liberdade, do FNDC.
74
Em seguida, aconteceu uma palestra sobre Educomunicação e Ensino
Médio Inovador, ministrada por Camila Paula e ainda neste dia nós fomos ao
bairro de Mãe Luiza conhecer a ONG Casa do Bem onde acontece o projeto
TV do Bem, no qual adolescentes produzem comunicação de maneira
autônoma. Conversamos com eles sobre a importância dos adolescentes e
jovens se comunicarem e terem as condições necessárias para isso.
(Atividade realizada na ONG Casa do Bem, no bairro Mãe Luiza, Natal-RN, sobre direito humano à comunicação)
Na segunda quinzena desse mês participamos em Campinas (SP) do
Curso de Formação Política em Comunicação da Enecos (CFPCom). Lá
fizemos um importante diálogo sobre a necessidade da Educomunicação entrar
na pauta de discussão da entidade, a nível nacional, como forma de
implementar e reivindicar o direito à comunicação e a democratização das
comunicações, o que foi bem recebido por todos. Voltamos de Campinas com
o compromisso de articular com todos em Natal a organização de nosso
próprio CFPCom, para ampliarmos a formação política dos estudantes
potiguares.
75
Ainda em outubro tivemos mais uma ação. Em parceria com professores
do Decom e do Centro de Educação e a partir de nossa experiência piloto de
intercâmbio em Fortaleza com a ONG Catavento Comunicação e Educação e a
Agência de Notícias (Adital), submetemos o projeto de extensão Virando o
Nordeste ao Edital da Pró-Reitoria de Extensão da UFRN, juntamente com a
renovação do Vir-a-Vila para 2013, ambos os projetos aprovados no mês
seguinte.
Em novembro realizamos outra iniciativa conjunta Vir-a-Vila, Enecos,
CABW e Renajoc, o I Diálogos sobre Comunicação Pública, espaço criado para
refletir e problematizar a realidade dos veículos de comunicação públicos do
estado e do Brasil, sua democratização e atuação como forma de garantir o
direito à comunicação da população. Também neste período, como parte desta
construção coletiva em prol da comunicação pública, articulamos junto ao
Departamento de Comunicação Social da UFRN a oferta da disciplina
Comunicação e Cidadania, para tratar desta temática em 2013.1, a partir de
ementa e programa produzido por nós, estudantes, mobilizando professores do
curso.
Por fim, nossa última atividade de articulação com os movimentos
sociais e promoção da Educomunicação de 2012 aconteceu no dia 21 de
dezembro, quando eu e Isadora Morena participamos de encontro da Rede de
Educação Cidadã, uma articulação nacional de educadores populares. Fomos
convidados por Mylena Alves que já havia participado de atividades
promovidas pelo Vir-a-Vila, Renajoc, Enecos Potiguar e CABW, como o Dia C.
Fomos para iniciarmos relacionamento com esta rede e fazer o diálogo entre a
Recid, a AVN, a Renajoc, nosso trabalho com o Vir-a-Vila e as várias
experiências existentes em cada um desses espaços.
Ou seja, ao longo de todo o ano, o Vir-a-Vila atuou em diversos espaços
e esferas, em nível local, na universidade, na sociedade, em organizações
públicas e movimentos sociais, como também em nível regional e nacional.
Compreendemos que cada ação que realizamos serviu, antes de tudo, para
nosso aprendizado individual e coletivo, agregando a nossa bagagem teórica e
prática novas experiências e saberes que fortalecerão nossas ações
posteriores.
Totalizando, foram beneficiados pelo o projeto, 15 estudantes
secundaristas, 70 estudantes universitários e 30 professores do sistema
76
municipal de educação a partir das 12 oficinas oferecidas na Universidade e na
Secretaria Municipal de Educação.
Mas, além disso, nossas ações também serviram para fazer o conceito e
a prática da educomunicação mais conhecida, alvo de curiosidades e
interesses, semeando assim alicerces para o surgimento de mais iniciativas
tanto da sociedade civil organizada como do poder público. Temos a convicção
de que só neste trabalho articulado e integrado entre a sala de aula tanto no
nível básico como superior, entre os espaços institucionais e articulações
políticas e sociais, tanto na localidade em que estamos, como em outros
horizontes, poderemos alcançar o objetivo de “fomentar o exercício consciente
e integral do direito humano à comunicação”, como nos propomos no projeto
inicial, democratizando as comunicações, diversificando as vozes na
sociedade, pluralizando os pontos de vista, praticando a cidadania e a
transformação social.
77
4. O QUE APRENDEMOS E PARA ONDE VAMOS
Experimentação, descoberta, comprovação ou mudança das hipóteses
iniciais que tínhamos em relação à metodologia, materiais pedagógicos (vídeo,
tirinhas, músicas, etc.), organização, atuação, foram estes sentimentos que
envolveram nossos trabalhos neste primeiro ano. Desde o princípio, estávamos
imbuídos da tarefa de refletir e analisar cada passo dado por meio das reuniões
de planejamento, conversas informais, relatórios, para que neste ano
pudéssemos aprender o máximo possível com cada erro e cada acerto.
Aprendemos com os estudantes com quem trabalhamos neste ano a
praticar a educomunicação. A cada encontro eles nos ensinavam como
dialogar com eles, como despertar neles e em nós as identidades, culturas,
expressões e inquietações para lutar por direitos, como incentivar a empatia e
o espírito coletivo.
Concretizar as teorias e conceitos na prática pedagógica e dialógica
cotidiana não é fácil, pois a matéria prima com que lidamos é a própria vida, o
espírito humano, seus desejos, sonhos e necessidades. Assim, cada
concepção prévia que tínhamos desenvolvido foi se moldando a realidade
concreta com que nos deparávamos semanalmente.
Se em 2011 e no início de 2012 sentíamos que a Educomunicação era
algo pouco conhecido e discutido na universidade e outros espaços, ao final do
ano podemos dizer que isto mudou, que mais pessoas dentro e fora da
academia reconhecem agora no conceito e na prática um processo importante
para a transformação social, para o desenvolvimento individual e coletivo.
Se antes tínhamos muitas dúvidas e expectativas sobre como seria estar
em sala de aula com adolescentes e jovens refletindo sobre educomunicação
com eles, hoje temos ainda mais dúvidas, vontades e ideias, mas temos
também uma experiência no qual podemos nos referenciar, a partir da qual
queremos continuar avançando, testando nossas hipóteses, metodologias e
caminhos para o exercício do direito à comunicação.
Podemos afirmar que inserimos a educomunicação nas metodologias e
reflexões de diversas pessoas e movimentos na busca de outros mundos
possíveis. Este resultado para nós já é bastante animador. Mas não podemos
nos contentar com as conquistas. Ao longo do ano percebemos muitas atitudes
78
e métodos que precisam ser reformulados, abordagens a serem alteradas,
atuações que precisam ser reestruturadas.
A começar pela formação da equipe do Vir-a-Vila, o grande desafio é
como inserir e subsidiar novos participantes das teorias e práticas que possam
ser úteis ou mesmo essenciais para a ação educomunicativa em sala de aula e
nos demais espaços. Percebemos que o minicurso não era o bastante para
fundamentar inicialmente os novos participantes. À dimensão teórica, é preciso
integrar a dimensão prática-técnica, e unir ambas na dimensão da aplicação
concreta nas circunstâncias de atuação, como a sala de aula, a universidade,
os movimentos sociais.
Antes fazíamos de maneira fragmentada. Havia o momento de pesquisa
e reflexão teórica, as oficinas sobre as técnicas trabalhadas (fotografia, fanzine,
vídeo, teatro, rádio, entre outras) e a aplicação diretamente na realidade, tudo
diluído ao longo do ano. Percebemos que para quem acabava de ingressar,
tínhamos que condensar em um momento conciso e integrado de formação
todas estas dimensões.
Não que nossa formação continuada deixe de existir, que paremos de
realizar oficinas ao longo do ano e a pesquisa sistemática, mas que para quem
inicia no projeto com as atividades em andamento, às vezes parece intimidador
conseguir acompanhar o ritmo, ocasionando desmotivação e abandono.
Desta forma, decidimos para 2013 realizar um curso de formação
integrado para ingressantes, composto de três módulos e doze encontros no
total, no decorrer de dois meses e meio. O primeiro módulo será teórico, nos
moldes do minicurso, mas atualizado com um aprofundamento da
Comunicação e Educação Dialógica de Paulo Freire. O segundo é prático, com
oficinas técnicas (relação interpessoal, fanzine, fotografia e vídeo) voltadas
para a perspectiva educomunicativa, E o terceiro momento é um laboratório de
experiência, em que os ingressantes deverão reformular e resignificar os
conhecimentos teóricos e práticos adquiridos para a aplicação. Ou seja, como
concretizar a teoria e a técnica no cotidiano do projeto. Mas os módulos
teóricos e práticos acontecem alternadamente, mesclados e integrados,
seguidos pelo de aplicação.
Só então, passado esse período, quem tiver chegado ao fim poderá
ingressar nas atividades rotineiras na escola, nas reuniões de planejamento e
pesquisa, nas articulações sociais. Temos como inspiração para nosso curso a
79
formação realizada pelo Programa de Extensão Motyrum, (antes denominado
Lições de Cidadania), promovido por estudantes de direito da UFRN e outras
áreas, grupo com o qual pretendemos dialogar, os quais realizam uma
formação ampla de duração semelhante a que pretendemos, sem a qual o
estudante não pode participar das demais ações.
Apesar das dificuldades, dos erros, das alterações realizadas na
metodologia, consideramos os resultados de 2012 bastante satisfatórios. Os
estudantes da EEPJFM desenvolveram habilidades de interação, trabalho em
equipe, expressão e criatividade, reflexão e leitura dos meios de comunicação
e produção das linguagens do fanzine, da fotografia e do audiovisual.
A autoestima, o autoreconhecimento e reconhecimento do outro, a
identidade e a cultura popular foram aspectos incentivados e estimulados pelo
projeto a partir da prática dialógica inspirada na pedagogia freireana. Foi
também estimulado um novo olhar sobre os ambientes de convívio dos
estudantes, como a escola e a comunidade da Vila de Ponta Negra, a partir da
produção e leitura de fotografias e filmagens.
Novas perspectivas de atuação e execução de projetos foram
acrescentadas à gestão da Escola, na medida em que a educomunicação se
tornou algo constante no cotidiano deste ambiente. Os estudantes e docentes
universitários envolvidos aprenderam a ação pedagógica, as relações com o
grupo, os aspectos da motivação e da organização coletiva, além de terem a
oportunidade de concretizar as teorias e práticas da educomunicação, da
pedagogia freireana, da educação democrática e também das técnicas
comunicativas na sala de aula e outros espaços sociais.
A organização de eventos e a articulação com diversos atores sociais,
como gestores públicos, movimentos sociais, ONGs, redes, entre outros,
representou grande aprendizado e desenvolvimento dos participantes do Vir-a-
Vila.
Sabemos que todos esses resultados podem e devem ser aprofundados,
ampliados, melhorados no segundo ano do projeto e este é nosso objetivo.
Para tanto, fizermos diversos apontamentos no planejamento de 2013
realizado no fim de 2012 e durante janeiro, fevereiro e março de 2013.
Além da já citada reflexão sobre a importância de partir da prática, da
vivência, para então teorizar, aliado ao lúdico, o dinâmico, como forma de
fortalecer e tornar alegres e prazerosos os saberes, iremos atuar em
80
dimensões que ignoramos ou não soubemos implementar de maneira
satisfatória no primeiro ano.
São elas a corporeidade, a relação com o espaço e a reflexão sobre
identidade, autoexpressão e cultura dos estudantes do grupo, a construção do
ecossistema comunicativo e também nossa relação com a equipe pedagógica
e comunidade escolar.
A primeira questão, a corporeidade, advém da discussão sobre as
relações corpo e mente, emoção e razão, sensação e cognição, entre o conflito
entre a educação hegemônica e o sujeito composto das várias dimensões
humanas. A escola tradicional dá importância unicamente ao racional, ao
conteúdo, a informação, a memorização e repetição de dados para teste e
aprovação/reprovação. Tanto não se preocupa com a criatividade e expressão
individual, como ignora as emoções, sensações, o saber corpóreo, o
aprendizado e memória muscular, material, espiritual.
Nossa reflexão sobre isso é fruto de experiências teatrais de alguns
membros da equipe, onde o pensar e o exprimir são fundamentais, a fala e o
gesto, a expressão do rosto e do corpo. Implementar ações nesta direção
exigirá de nós pesquisas e referências nessas áreas, tanto por parte das artes
cênicas como da educação física.
A relação com o espaço implica nos laços de afetividade ou estresse, de
cuidado ou descuido, de vontade ou desmotivação, de querer ou resistir, que
se estabelecem com os ambientes em que convivemos. Por exemplo, a sala de
aula tem em sua estrutura arquitetônica tradicional uma característica
repressora. Primeiro porque o estudante é obrigado a permanecer rígido em
uma cadeira por horas a fio, aprisionando o corpo e ignorando a necessidade
de movimento, de expansão e contração muscular, de ação e repouso.
Segundo porque a organização das cadeiras objetiva impedir a
comunicação entre os sujeitos, restringindo suas atenções a um único ponto, o
professor, em uma concepção que “pensa de forma homogênea, imaginando
os estudantes todos iguaizinhos, aprendendo do mesmo jeito de acordo com o
que o professor verbaliza” (ROSA, 2013, p. 12-13). Não é um espaço solidário,
que une, que amplia o diálogo, mas ao contrário, o evita.
Terceiro, porque para além das cadeiras e organização dos móveis, a
sala de aula, os corredores, o pátio, as salas administrativas costumam ser
lugares pretensamente assépticos, frios, incolores, impessoais. Ou seja,
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produzidos para gerar distanciamento e passividade. E quarto, o espaço da
escola vai muito além do universo limitado da sala. O espaço educativo é
também o corredor, o pátio, a quadra, a biblioteca, o laboratório de informática,
a área verde que circunda, a rua, todos os espaços de vivência e interação.
Aprendemos que é preciso sim estabelecer relações afetivas e
emocionais com o espaço. Ocupar as paredes com expressões das múltiplas
culturas que cada sujeito carrega e produz, fazer do chão um espaço flexível,
em que se sente, se deite, se faça roda, ciranda, diálogo, fazer do espaço um
lugar acolhedor e coletivo. Ir além da sala, mas percorrendo e estabelecendo
relações de cuidado e transformação de todos os espaços.
A construção do espírito coletivo, do sentimento de grupo também foi um
ponto no qual nos debruçamos tanto no início como ao longo de todo o ano.
Nossa intenção original era no segundo semestre organizar a turma em grupos
para que eles autogerissem veículos de comunicação de acordo com suas
afinidades, decidindo que produtos produziriam, temáticas abordariam,
estéticas expressariam.
Contudo, ao longo do ano percebemos que a turma tinha vários
problemas em relação a diálogo e entrosamento, onde eles só conversavam
em pequenos grupos, não tendo contato com o restante da turma, às vezes
desconhecendo até o nome do colega, problemas de brincadeiras e chacotas
com alguns, outros isolados do grupo, sem amizades ou contatos.
Para conseguir o espírito de grupo necessário para a autonomia e
autogestão precisávamos superar os isolamentos, os desconhecimentos, fazer
com que eles se conhecessem e aos outros, valorizassem a todos,
respeitassem e criassem laços de solidariedade, amizade, colaboração.
Consideramos que para isto, primeiro é preciso dialogar sobre as identidades
histórias e culturas pessoais, para gerar empatia, afinidade, vínculos afetivos a
partir da partilha de quem somos e queremos ser.
Em 2012 trabalhamos esta dimensão em alguns momentos, na oficina
de fanzine, por exemplo, fizemos a atividade “Zine-se”, em que a temática do
zine que cada um produziria era a si mesmo, ou seja, expressar as identidades,
gostos, vontades, sonhos, através da mídia zine. No final do primeiro semestre
fizemos também um encontro especialmente dedicado a pensar a temática, no
qual, a partir de um vídeo onde um senhor mostrava sua vida, quem era e o
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que pensava sobre si e sobre o mundo, provocamos o grupo a contarem suas
próprias histórias.
Divididos em duplas, cada um tinha dez minutos para contar sua história
ao outro e novamente o mesmo tempo para ouvir o colega, sem conversar,
apenas contar e ouvir. Após, grupo reunido novamente, cada um teve que
recontar a história do parceiro na primeira pessoa, ou seja, como se fosse o
próprio. Neste momento conseguimos quebrar várias barreiras entre eles, pois
passaram a conhecer coisas uns sobre os outros que de outra forma jamais
saberiam.
O compartilhamento de quem somos cria laços, gera respeito e
aprendemos em 2012 que isto é fundamental. Contudo, nesse ano não
soubemos equilibrar bem esse processo coletivo e individual. Ou seja, o
percurso do projeto não soube conectar as reflexões sobre identidade, sobre
comunicação e educação, sobre leitura da mídia e produção de comunicação
da forma mais eficaz. O que se tornou questão central de nosso planejamento
para 2013.
Sobre a promoção do ecossistema comunicativo horizontal, aberto,
criativo, inclusivo e midiático, refletimos que faltou de nossa parte ações mais
direcionadas para provocar essa transformação nas relações sociais
estabelecidas na sala de aula e na escola. Pensar sobre espaço, corpo, ritual,
laços, espírito coletivo, faz parte dessa nova abordagem que
experimentaremos no ano que chega, focando na promoção do ecossistema.
Uma das ações que esperamos implementar é uma estrutura de
encontro que fomente o diálogo, a relação com o corpo, o ritual e os laços
afetivos. Esperamos organizar o tempo da seguinte forma: Dinâmica para
acordar, informes do projeto, resgate do encontro anterior, prática, reflexão
teórica, momento de troca de impressões e ideias em grupos e ritual de
encerramento.
É preciso unir as pontas, um encontro ao outro, cada ideia de modo
encadeado, as sensações e reflexões como que somando um texto emocional
macro. Assim, é preciso despertar para começar, em seguida conversarmos
sobre as decisões e planejamentos para o encontro e para as semanas
seguintes, para decidirmos coletivamente o que fazer, envolvendo-os também
na gestão do projeto, em seguida precisamos conectar nossas memórias com
a vivência do dia, para então partir para a prática/teórica.
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Os grupos de trocas são inspirados nos Núcleos de Base (NBs) ou
Brigadas da Enecos, uma metodologia que aprendemos no Enecom e no
CFPCom. Ao final de cada discussão, conferência, vivência ou momento de
formação, o grupo maior se divide em pequenos grupos para dialogar, trocar
percepções e ideias, em um ambiente mais intimista que facilita a fala e a
partilha. E por fim, precisamos saber encerrar, ao invés de simplesmente todo
mundo debanar ao sinal do fim do horário.
O ritual de encerramento é parte da promoção desta atmosfera
acolhedora, fraterna, coletiva. Precisamos nos sentir parte de um grupo, de
algo que nos envolve, nos apoia, com o qual podemos contar e queremos
colaborar.
A interdisciplinaridade a que nos propúnhamos, não só em nossa
atuação em sala de aula, mas unindo os vários professores da escola para
refletir sobre como conectar os conteúdos com as discussões
educomunicativas também foi alvo de nossa avaliação geral sobre o ano.
Como primeiro momento na escola, em que estávamos conhecendo os
estudantes e professores, ou seja, o lugar onde nos encontrávamos, nós
começamos a estabelecer relação com todos, criando intimidades, tecendo
confianças, construindo nossa imagem diante da comunidade.
Sendo assim, acabamos nos concentrando mais no trabalho com nosso
grupo, de modo a fazer o melhor possível, pois não considerávamos viável
simultaneamente fazer as parcerias que imaginávamos com as demais
disciplinas, articulando os vários saberes e conteúdos com nossas atividades.
Sentimos que agora que temos mais familiaridade com o ambiente e
com todos que nele convivem e nos sentindo também parte desta comunidade.
Teremos, então, bases para exercer este diálogo interdisciplinar com os
docentes. Além disso, esperamos conseguir realizar a apresentação e
conversa sobre Educomunicação com todos os professores nos encontros
pedagógicos da escola que antecedem o início das aulas. Esperamos, desta
maneira, fortalecer nossa experiência com formação de professores, iniciada
com as oficinas de introdução a educomunicação para professores da rede
municipal e termos um diálogo fluído e produtivo com toda a comunidade
escolar.
Em dezembro de 2012 começamos então a nos reunir para fazer a
avaliação geral do ano para nos prepararmos para 2013. Observamos que no
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primeiro ano do projeto organizamos nossa metodologia semestralmente,
alternando discussões teóricas com atividades práticas. Como constatamos no
dia-a-dia, esse planejamento não conseguiu ser aplicado como imaginado
pelas várias razões já discutidas, como desmotivação da turma, tempo curto de
aula e dias perdidos devido a falta de água na escola ou greve de ônibus,
inconstância nas presenças dos estudantes, em que participavam de um
encontro e depois faltavam vários dias, etc. Então, para 2013 resolvemos fazer
organizar o ano de outra forma.
Pela experiência adquirida, temos agora uma compreensão melhor do
tempo ao longo do ano, considerando os problemas que aparecem e o tempo
que se perde. Tivemos em 2012 vinte e oito encontros. Podemos assim melhor
distribuir nossas ações e planos no ano letivo, avaliando quanto iremos dedicar
a cada assunto, prática e atividade.
Decidimos em 2013 trabalhar em módulos, quatro no total, de maneira a
estruturar o percurso do projeto, em uma ordem lógica de temáticas e
produções. Serão eles: Módulo I – Comunicação, Identidade e Representações
Sociais, Módulo II – Comunicação, Ecossistema e Comunidade, Módulo III –
Comunicação, Cidadania e Democracia e Módulo IV – Sujeitos integrados /
educomunicativos.
Essa estrutura propõe um caminho epistemológico: Primeiro semear o
espírito coletivo, dando ênfase às identidades, a partilha, a solidariedade, a
troca, a análise de quem somos, como o mundo nos representa ou nos impõe
modos de ser e como queremos ser, de modo a unir e aproximar a todos, para
então pensarmos sobre as relações que estabelecemos nos vários lugares,
seja entre os amigos, na família, na sala de aula, na escola ou na comunidade.
Em cada módulo temos por objetivo desenvolver três eixos, a promoção
do ecossistema comunicativo, a leitura crítica dos meios de comunicação e a
produção de comunicação autogestionada pelos estudantes. Ou seja, em cada
encontro, cada percurso de conhecimento e produção, estaremos sempre nos
norteando sobre como realizar e equilibrar essas três metas.
Consideramos hoje esses dois temas, identidade e ecossistema, pilares
do momento seguinte, a reflexão crítica sobre o papel político e social do
sujeito na sociedade, ou seja, a atuação cidadã, a participação social, a
expressão de opiniões e pontos de vista, a ação coletiva para transformar a
realidade.
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A partir da compreensão de sujeitos responsáveis por construir a
realidade, ao invés de apenas aceitá-la, a intervenção social na escola e na
comunidade se torna muito mais efetiva, uma prática do dia-a-dia para os
estudantes e para nós. Este ano esperamos, justamente, conseguir
transcender as paredes da sala de aula.
E, ao final, queremos fechar a roda ao refletir sobre todo esse percurso
de forma integrada, ou seja, percebermos as interrelações, as conexões entre
nosso eu, as relações sociais em que estamos envolvidos e nosso “ser e estar
no mundo”, como diz Freire.
Fizemos, afinal, uma reflexão bastante abrangente sobre o que fizemos
em 2012 e como queremos 2013, que envolveu muitos aspectos e níveis de
relações sociais, do processo de ensino-aprendizagem, de afetividade e
sentimento, de metodologias que provoquem mudanças, pensamentos e
emoções críticas e transformadoras.
Esperamos, com isso, dar um salto qualitativo, mas também quantitativo,
para nossos trabalhos. Tanto aprofundar e fortalecer os resultados concretos
em cada sujeito envolvido, mas fazer com que cada um se torne também um
agente na luta por direitos, na construção social da realidade, na mobilização
comunitária e na realização de sonhos e desejos, chegando assim a mais e
mais pessoas.
O segundo ano do projeto terá como foco também fortalecer a
Articulação Vira Nordeste (AVN), por meio do Virando o Nordeste, da
realização do II Enformae, da interação com mais comunicadores e educadores
populares e alternativos, como também com outras pessoas interessadas na
transformação social.
Aprofundaremos o trabalho de dialogar com o poder público, de
continuar experimentando metodologias de formação de professores, de
reflexão crítica sobre as didáticas e fundamentos da educação tradicional a fim
de transcendê-las, subvertê-las, libertá-las.
E temos a certeza de que exercer a educomunicação e a luta pela
garantia e exercício do direito à comunicação e democratização das
comunicações é uma tarefa incessante, demandando sempre novos
aprendizados e pesquisas, criatividade, análise crítica das ações e teorias,
humildade, persistência, dedicação e afetividade.
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5. REFERÊNCIAS
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6. BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR
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