Apostila Sociologia da Educação

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  • 7/29/2019 Apostila Sociologia da Educao

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    Mdulo: Sociologia da Educao

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    PLANO DA DISCIPLINA

    EMENTA: Sociologia e teoria das organizaes. A escola como organizao social. Sociologia aplicadaeducao e gesto da escola. Cultura organizacional e gesto de recursos humanos na escolCriatividade e inovao nas organizaes e na escola.

    OBJETIVO GERAL: Discutir com os diversos profissionais a complexidade do estudo da sociedadcultura organizacional e gesto de recursos humanos na escola do sculo XXI.

    OBJETIVOS ESPECFICOS: Possibilitar aos acadmicos condies de reflexo crticresponsabilidade, criatividade nas organizaes, compromisso com a educao, democracia e cidadan

    para a melhoria da qualidade de ensino, no contexto do atual estgio da sociedade capitalista.

    JUSTIFICATIVA: Vivemos instantes de grandes complexidades (pessoais e sociais) em que os coletivoperderam as dimenses de valores, ao passo que os processos de subjetivao enaltecem o particular eindividual. As relaes sociais vividas nesse paradigma competitivo, trazem grandes questes para ointerior das organizaes escolares. Em espao de pluraridade de idias e concepes, preciso pensar earticular os coletivos, as buscas por espaos humanitrios dentro de uma proposta pedaggicaemancipatria.

    CONTEDO PROGRAMTICO:1. CONCEITOS E RELAES DA SOCIOLOGIA

    2. OS PENSADORES CLSSICOS DA SOCIOLOGIA3. EDUCAO, DEMOCRACIA E CIDADANIA4. A VIDA E A LIDERANA NAS ORGANIZAES HUMANAS

    PROCEDIMENTOS METODOLGICOS: Exposio dialogada; Leitura e debate coletivo sobre textos; Trabalhos em grupos (seminrio) Anlise de texto (individual)

    AVALIAO DA APRENDIZAGEM:

    Produo escrita (individual e coletiva) 5,0Debate temtico a partir dos textos escolhidos (grupo) 5,0

    BIBLIOGRAFIA:

    ADRIO, T. M. F; GARCIA, T. O. G; SILVEIRA, A. A. D. Ensino Mdio em Escolas Pblicas Paulistaindicaes de qualidade.Educao e Sociedade. Porto Alegre, v. 33, n. 2, p. 253-26, jul/dez 2008.

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    Bauer, Ruben. Gesto da mudana :. So Paulo: Atlas. 1999. ( 7 ex.).

    CARBONELL, J. A aventura de inovar: a mudana na escola. Traduo: Ftima Murad. Porto AlegrArtmed, 2002. (Coleo inovao pedaggica)

    DEMO, P. Professor do futuro e reconstruo do conhecimento. In: MACIEL, L. S. B; NETO, A. S(orgs).Formao de professores: passado, presente e futuro. So Paulo: Cortez, 2004, p. 113-127.

    Lyotard, Jean-Franois. A condio ps-moderna. 5. ed.. Rio de Janeiro: J. Olympio. 1998. ( 3 ex.).

    MORIN, E. Os sete saberes necessrios educao do futuro. Traduo: Catarina E. F. da Silva e JeannSawaya. So Paulo: Cortez, 2000.

    http://www.guiarh.com.br/PAG21M.htm/ data de acesso: 31/07/2007

    1. CONCEITOS E RELAES DOS CLSSICOS DA SOCIOLOGIA PARA EDUCAO

    http://www.guiarh.com.br/PAG21M.htm/http://www.guiarh.com.br/PAG21M.htm/
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    Autores clssicos da Sociologia

    Marx (1818-1883) Engels (1820-1895)Totalidade do contexto socialInteresse da classe trabalhadoraBase terica na historia = formas de produzirConceito de classesTransformao da realidadeAnalise da sociedade capitalista emergente atravs do principio explicativo da contradio (Lnin,Trotski, Rosa Luxemburgo, Lukacs, Gramsci)Para o pesquisador no basta descrever a realidade social, mas como se produz e reproduz estetipo de sociedade

    Weber (1864-1920)Compreenso das aes individuaisMotivos/intenes /valores nas aes sociaisRelaes significativas (tipos de sentido entre varias aes sociais) = Relaes sociaisNormas e regras sociais so o resultado das aes individuais= existem escolhas de formas decondutaPesquisador tem um papel ativo em face da sociedade= no h neutralidade na cincia

    Durkheim (1858-1917)Ordem social (em virtude do perodo marcar grandes contradies/misria/desemprego/riqueza)

    Integrao socialFragilidade da moral contemporaneaInteresse de estudo nas InstituiesAnalise dos fatos sociais como coisas/ neutralidade do pesquisador (sem que suas opiniesinterfiram na observao dos fatos)

    2. A VIDA E A LIDERANA NAS ORGANIZAES HUMANAS(Capra,, 2002)

    Administrao da mudana

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    Complexidade e mudana

    Metforas da administrao Redes sociais Comunidades de prtica A organizao viva Aprender com a vida O aprendizado nas organizaes O surgimento espontneo de coisas novas Surgimento espontneo e planejamento Dois tipos de liderana Como dar vida s organizaes

    Duplo desafio das organizaes: precisam passar por uma mudana fundamental, tanto para seadaptar ao novo ambiente empresarial quanto para tornar-se sustentveis do ponto de vistaecolgico.Organizaes tm natureza dual: instituies sociais (criadas em vista de objetivos especficos) ecomunidades de pessoas (relacionamentos).Sempre ouvimos que, nas organizaes, as pessoas resistem mudana. Na realidade, porm, no mudana que elas resistem; resistem, isto sim, a uma mudana que lhes imposta. Na medidaem que esto vivos, os indivduos e as comunidades so ao mesmo tempo estveis e sujeitos mudana e ao desenvolvimento; mas seus processos naturais de mudana so muito diferentes dasmudanas organizativas projetadas por especialistas em reengenhariae determinadas pelo chefesupremo.

    Precisamos compreender os processos naturais de mudana para, ento, projetar de acordo com essacompreenso, os processos de mudana organizativa e criar organizaes humanas que reflitam aversatilidade, a diversidade e a criatividade da vida. Capra prope a soluo sistmica ao problemada mudana das organizaes.Por que a compreenso sistmica importante para as organizaes?

    Resoluo de um nmero maior de problemas na organizao. A concepo das organizaes como sistemas vivos (redes no-lineares complexas) pode

    nos dar outras idias sobre a natureza da complexidade e nos ajude a lidar com ascomplicaes do ambiente empresarial.

    Essa concepo pode nos ajudar a projetar organizaes ecologicamente sustentveis

    (princpios da organizao dos ecossistemas = princpios de organizao de todos ossistemas vivos).

    Tendo em vista o surgimento de uma nova economia (moldada pela TI e comunicao),onde o processamento de informaes e a criao de conhecimentos cientficos e tcnicosso as fontes principais da produtividade. Para a teoria econ6omica clssica, as fontesprincipais da riqueza so os recursos naturais (Terra),capital e trabalho. A produtividaderesulta da combinao entre estes elementos atravs da administrao e da tecnologia.Atualmente, administrao e tecnologia esto fortemente ligadas criao do conhecimento.

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    Surge aqui novo elemento e conceitos importantes na teoria da administrao: a

    administrao do conhecimento, o capital intelectual e o aprendizado nas organizaes.As organizaes hoje so fundamentalmente orientadas para a criao de conhecimentos(dinmica da cultura/redes).Metforas da administrao: organizaes como mquina (controle e eficincia), comoorganismos (desenvolvimento, adaptao), como crebro (aprendizagem organizativa), comocultura (valores,crenas) e como sistema de governo (conflitos de interesse, poder). Capra vai almdas metforas para ver em que medida as organizaes humanas podem ser compreendidasliteralmente como sistemas vivos. A metfora da mquina no deixa espao para as adaptaesflexveis, para o aprendizado e para a evoluo. Para superar a crise, os administradores precisammudar suas prioridades e passar a administrar empresas, a fim de otimizar as pessoas, ao invs deotimizar o capital (De Geus).Redes sociais: as redes tornaram-se um dos principais fenmenos sociais do nosso tempo. Osocilogo Manuel Castells afirma que a recente evoluo da informtica deu origem a uma novaeconomia, toda ela estruturada em torno de fluxos de informao, poder e riqueza nas redesfinanceiras internacionais. Ele cunhou o termo sociedade em rede (network society) para designar eanalisar essa nova estrutura social.Comunidades de prtica: termo inventado por Etienne Wenger (terico da comunicao). Ascomunidades de prtica so redes sociais autogeradoras e caracterizam-se por:

    um compromisso mtuo assumido entre os membros; um empreendimento comum; um repertrio comum de rotinas, conhecimentos e regras tcitas de conduta.

    As organizaes humanas tm natureza dual frente a essa questo: de um lado, a natureza decomunidades jurdicas e econmicas; de outro, a natureza de comunidades de pessoas. Diversascomunidades de prtica inevitavelmente surgem e se desenvolvem dentro das estruturas formais daorganizao.A organizao viva: essencial que os chefes e administradores compreendam a interao queexiste entre as estruturas formais e explcitas da organizao e suas redes informais e autogeradoras(redes de comunicaes fluidas e oscilantes). A vida de uma organizao sua flexibilidade, seupotencial criativo, sua capacidade de aprendizado reside em suas comunidades informais deprtica. As partes formais da organizao podem ser vivas em diversos graus, dependendo daintimidade do seu contato com as redes informais.Aprender com a vida: de acordo com a compreenso sistmica da vida, o sistema vivo s pode ser

    perturbado. As organizaes, nesta tica, podem ser influenciadas atravs de impulsos, no deinstrues. Perturbaes significativas podem chamar a ateno da organizao e desencadearmudanas estruturais. Lealdade, inteligncia e criatividade so os maiores insumos dasorganizaes atuais (voltadas para o conhecimento).O aprendizado nas organizaes: a viso sistmica do aprendizado das organizaes refora alio que aprendemos com a compreenso da vida das organizaes humanas. O meio mais eficazpara intensificar isso apoiar e fortalecer as comunidades de prtica. H duas formas deconhecimento segundo Nonaka e Takeuchi: o conhecimento explcito e o conhecimento tcito. O

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    conhecimento pode ser explcito (pode ser comunicado e documentado atravs da linguagem). O

    conhecimento tcito aquele adquirido pela experincia e nem sempre se manifesta exteriormente(criado pela dinmica cultural).O surgimento espontneo de coisas novas: a gerao constante de novidades uma propriedadefundamental de todos os sistemas vivos (Whitehead). As coisas novas surgem aps algumaperturbao significativa, ocasionando uma nova ordem. Os estgios desse processo so: aberturada organizao para as perturbaes, o ponto de instabilidade e um novo estado de ordem(novidade). Nas organizaes humanas as solues emergentes criam-se dentro do contexto de umadeterminada cultura organizativa e, em geral, no podem ser transplantadas para outra organizaodotada de outra cultura.Surgimento espontneo e planejamento: as organizaes humanas contm estruturas projetadas(estruturas formais) e estruturas emergentes (proporcionam novidade, criatividade e flexibilidade).Os administradores hbeis compreendem a interdependncia entre o planejamento e o surgimentoespontneo. Sabem que, no ambiente econmico turbulento em que vivemos atualmente, o desafiopara eles o de encontrar o equilbrio entre a criatividade do surgimento espontneo e aestabilidade do planejamento.Dois tipos de liderana: para encontrar o equilbrio mencionado anteriormente, Capra diz sernecessria a fuso de dois tipos de liderana. A liderana tradicional (lder que valoriza oplanejamento sistemtico) e a liderana que facilita o surgimento da novidade. Ambos os tipos deliderana tm uma relao com a criatividade. Situaes adversas exigem diversos tipos deliderana. s vezes, preciso criar redes informais e canais de comunicao; s vezes, as pessoasprecisam de estruturas firmes com objetivos concretos e um cronograma definido em torno do qualpossam organizar-se. O lder experiente far uma avaliao da situao e assumir o comando seisso for necessrio, mas ser ,depois, flexvel o suficiente para abdicar do poder supremo.Como dar vida s organizaes: a valorizao da vida e da auto-organizao fortalece e capacita oindivduo. preciso criar ambientes de trabalho sadios, que preservem a integridades das pessoas(comunidade de prtica). O novo conhecimento surge de processos caticos de surgimentoespontneo, que levam tempo. Cuidado com a tecnologia da informao. Ser criativo ser capaz depermanecer tranqilo em meio incerteza e confuso. Isto muito difcil no ambienteorganizacional, pois, as coisas andam muito rpido. A longo prazo, as organizaes realmente vivass podero florescer quando mudarmos nosso sistema econmico de modo que, em vez de destruira vida, ele passe a apia-la.

    3. UM NOVO PARADIGMA NO DESENVOLVIMENTO DE RECURSOS HUMANOSPaulo Henrique Bolgar1 (Gerente de RH da Delphi Automotive Systems)

    1http://www.guiarh.com.br/PAG21M.htm/ data de acesso: 31/07/2007

    mailto:[email protected]://www.guiarh.com.br/PAG21M.htm/mailto:[email protected]://www.guiarh.com.br/PAG21M.htm/
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    I. INTRODUO

    Muitos pesquisadores tem pesquisado o comportamento humano e constatado suacomplexidade. Por isso o comportamento humano no pode continuar sendo considerado pelosenfoques administrativos e pelas ticas empresariais e gerenciais com a simplicidade mecanicistaainda dominante. Esta tica focou o comportamento humano como se o homem fosse umamquina. Definiu procedimentos para garantir resultados, elaborou rotinas de trabalho com regrasrgidas e um rol de punies para quem no cumprisse seus mandos, ou seja, "padres"estabelecidos. Deu certo por muito tempo e quando deixaram de funcionar, criaram outras maissofisticadas que, pouco tempo depois, tambm no funcionaram.

    Em geral os empresrios e gerentes desejam coisas prticas e rpidas. Como diz Chanlat1,

    tendo instalado o econmico, o quantitativo e as organizaes no centro do universo, nossasociedade parece ter esquecido o resto, isto , tudo o que no redutvel formalizao; por outrolado, como todo recurso a um pensamento externo e forosamente crtico pode sempre ameaar aordem organizacional estabelecida, o mundo das empresas tem preferido as vises que lhe somenos incmodas.

    Esta viso reducionista e mecanicista - e esta vontade de assegurar um sistema de controlede inspirao taylorista ou burocrtica produziram alguns impactos perversos sobre as pessoas quecomearam a ser vistos como um recurso substituvel e manipulvel, incapaz de pensar e participarda concepo do trabalho.

    Apesar de reconhecermos a eficcia destes modelos num determinado momento da histria,temos certeza que estes modelos so ultrapassados para o nosso momento. Precisamos mudar, o

    mundo mudou, nossa sociedade mudou e com isso temos que ver e tratar o indivduo no somentecomo "mo-de-obra", ou ser pensante que , mas tambm como um ser que sente, que fala e quetem desejos.

    Torna-se urgente uma mudana de paradigma pela viso do indivduo dentro deste novocontexto de modernidade e da globalizao, pela viso abrangente e universal do pensamentocomplexo levando-se em considerao o seu todo bio-psiquico-social, pelo seu desenvolvimentocognitivo, e finalmente pela substituio das relaes de autoridade e poder atual por processosargumentativos que procuram o consenso.

    Neste trabalho procuraremos dar este enfoque abrangente e complexo do ser humano tendo-se como base o referencial terico que citamos acima, procurando sempre enfocar a continuidadedos negcios das organizaes atrelada a realizao individual dos seus indivduos atravs do

    trabalho.1 CHANLAT, Jean F. Por uma Antropologia da Condio Humana nas Organizaes, in OIndivduo na Organizao, Volume I e II. Editora AtlasII. O CONTEXTO GLOBALIZADO

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    Nosso objetivo no dissertar profundamente sobre este fenmeno chamado globalizao,

    mas fazer uma abordagem de como este contexto to poderoso influencia nossas vidas e nossasociedade.A globalizao teve como seu grande alavancador a evoluo da tecnologia da informao e

    das telecomunicaes, levando-nos ao redimensionamento dos conceitos de espao e tempo, aeconomias nacionais interdependentes, competio internacional e mudanas tecnolgicasintensivas dentro de um perodo de tempo cada vez mais curto.

    Todas estas mudanas tiveram como conseqncia (para alguns pases) um tremendocrescimento econmico ou estagnao, relaes sociais e de negcios desorganizadas, problemassociais novos ou intensificados tais como: pobreza, desemprego, violncia, riscos e incertezas .

    Mas o que isso afeta a ns como seres humanos? Segundo Giddens 2, A globalizao no um processo nico, mas uma mistura complexa de processos, que freqentemente atua de maneira

    contraditria, produzindo conflitos, disjunes e novas formas de estratificao. Para Giddens, astradies tm que explicar-se, tem que estar abertas aos questionamentos ou ao discurso, ou seja,devem ser repensadas e reformuladas.

    Temos a necessidade de repensar nossa civilizao industrial agora que o antigo sistema desociedade industrializada est se desmoronando no decorrer do seu prprio sucesso e levanta aquesto do surgimento de novos contratos sociais, ou seja, a "modernizao reflexiva" citada porGiddens; que significa a possibilidade de uma autodestruio criativa para toda uma era: aquela dasociedade industrial.

    Neste processo, a sociedade est acabando com sua forma de classe, camadas sociais,ocupao, familiar nuclear e tambm com os pr-requisitos e as formas contnuas de progressotcnico e econmico. A sociedade globalizada insere os indivduos na turbulncia da sociedade do

    risco global. importante ressaltar que nesta insero o indivduo particular desprovido de apoiossociais que se v confrontando e convivendo com uma ampla variedade de riscos globais e pessoaisdiferentes e contraditrios.

    Segundo Giddens, uma outra mudana provocada pela globalizao a reflexividade social,ou seja, os indivduos devem se acostumar a filtrar todos os tipos de informao relevantes para asituao da sua vida e atuar rotineiramente com bases neste processo de filtragem. Segundo ele, ummundo de reflexividade intensificada um mundo de pessoas inteligentes e esta reflexividade umfator fundamental que introduz o deslocamento entre o conhecimento e o controle.

    Seguindo este contexto de destradicionalizao, a responsabilidade no dever, ou seja, ocumprimento do dever nos obriga ao segmento rgido de normas e procedimentos, enquanto aresponsabilidade implica o detalhamento dos motivos, as causas, as razes, a compreenso e no a

    lealdade cega.Neste novo contexto as pessoas tero que ter habilidade para interpretar, modificar, corrigir

    e repensar o conhecimento. Necessitaremos de pessoas com atitudes muito mais proativas,comprometidas, e abertas a novas idias atravs do dilogo como um meio para o entendimento dasemoes em busca de uma maturidade emocional. Pessoas capazes e abertas a reformular novosvalores, estratgias e relaes sociais e de trabalho.2 GIDDENS, A., BECK,U. e SCOTH,L. Modernizao Reflexiva, So Paulo, Editora UNESPIII. O PARADIGMA DA COMPLEXIDADE

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    Talvez no devamos tratar a complexidade como um novo paradigma de cincia, mas talvez

    como uma nova viso de cincia. Porque uma nova viso?Podemos dizer que o pensamento complexo uma nova maneira de ver a cincia, casando osingular com o todo. A teoria da complexidade hologramtica, ou seja, mostrando-nos que no atravs de um nico parmetro que se tem a dimenso da realidade.

    Edgar Morin deixa claro que complexidade no complicao. A ambio do pensamentocomplexo dar conta das articulaes entre domnios disciplinares que so quebrados pelopensamento disjuntivo; este isola o que ele separa e oculta tudo que o liga, interage e interfere. Acomplexidade aparece onde o pensamento simplificador falha, isto , a complexidade conduz eliminao da simplicidade.

    Diante da dificuldade de compreender e dominar o complexo, nossa tendncia de nosadaptarmos a uma atitude reducionista e de nos voltarmos para os pontos de vista mais simplistas.

    A complexidade sempre existiu, mas ela se amplia continuamente. Esta complexificaoincessante o sentido da evoluo da vida. medida que certos aspectos da complexidade soentendidos, outros se manifestam atravs do imprevisto, o incerto ou o ingovernvel.

    Embora no se limite a este aspecto, o termo "complexidade" designa primeiro aquilo quenos escapa, aquilo que temos dificuldade em compreender e dominar, Neste aspecto, complexidadede distingue da complicao de que, com esforo, conseguimos chegar ao fim.

    claro que a empresa no est isenta desta complexidade. Ela se manifesta sobretudo dovolume de teorias e modelos de administrao modismos temporrios e milagrosos, a incertezadas organizaes e a ampliao das interdependncias.

    Adicionado a isto, o impulso rpido das telecomunicaes e de novas tecnologias, aglobalizao da economia, o crescimento das atividades imateriais (servios), e as profundas

    mudanas da cincia tem acelerado ainda mais este movimento a complexidade.O progresso muitas vezes, segundo Genelot 3, obtido por complexificao. a que os

    dirigentes encontram o maior desafio que dotar-se de mtodos de pensamento que lhe permitamao mesmo tempo inventar o progresso e limitar seus efeitos nocivos.A. CARACTERSTICAS DA COMPLEXIDADESegundo Genelot, podemos chamar de complexo o que no podemos compreender e a dominarcompletamente, e que esta se manifesta em 3 nveis:

    a realidade presumida complexa em si mesma; os fenmenos no so complexos se o observador no os v como tal; nossa representaes da realidade, condicionam nosso comportamento, ou seja,

    acomplexidade construda a partir de nossas representaes/repertrio.3 GENELOT, Dominique. Manager Dans La Complexit INSEP Editions, Paris, 1992Num primeiro nvel, podemos concluir que na complexidade:

    a realidade percebida fica sempre inacabada e incompleta; o todos e as suas partes esto ligados em uma dialtica dinmica; os sistemas complexos se auto-organizam; o complexo uma conjuno de ordem e desordem; a instabilidade e a evoluo provocam mudanas de estado nos sistemas complexos;

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    lgicas diferentes, s vezes antagnicas, coexistem em um dilogo no seio de um sistema

    complexo.B. A REPRESENTAO DA COMPLEXIDADEA realidade no independente de quem a contempla, as coisas, os acontecimentos, as

    pessoas , as situaes assumem a forma que lhe damos em virtude de nossa viso de mundo, denossas intenes no momento e do contexto que tudo isto se desenrola. Aqui levantamos um pontoimportante que a dificuldade de representar as realidades complexas.

    Diante desta dificuldade, ns nos enganamos e deixamos de lado o sombrio, o incerto econstrumos representaes artificialmente simples, compreensveis e transmissveis.

    Cada pessoa tem uma forma diferente de compreender a realidade, e este sistemaindividual que transforma a realidade que chamamos de sistema de representao. Segundo anatureza deste sistema, certos aspectos da realidade sero selecionados e ordenados de um certo

    modo em nossa representao.H uma parte no nosso sistema de representao que no podemos modificar, que inata a nossapersonalidade, mas h outra parte sobre a qual podemos agir, que podemos ao menos controlar. Oscomponentes deste sistema de representao so:

    os paradigmas presentes, a viso geral do mundo qual nos referimos; o contexto no qual nos encontramos e; a inteno pessoal, o projeto ntimo que condiciona nossa interpretaes.Este enfoque nos mostra uma dimenso importante das pessoas que por mais parecidas que

    sejam, trabalhando na mesma empresa, na mesma rea, fazendo o mesmo tipo de trabalho podemter vises completamente diferentes da realidade e inclusive, com medo do incerto e das mudanas,buscam no intencionalmente vises simples e reducionistas da realidade.

    IV. A ORGANIZAO COMPLEXAOnde se misturam e se sobrepe lgicas muito diversas, o prprio pensamento deve se

    complexificar para apreender as situaes e melhor orientar as organizaes. O reconhecimento dasparticularidades, at mesmos dos antagonismos, a articulao de lgicas diferentes, devemsubstituir a excluso que separa a realidade uma parte se sua riqueza.

    Lgicas diferentes que podem ser ao mesmo tempo complementares, concorrentes e atmesmo antagnicas, se encontram reunidas e coexistem em uma mesma unidade, sem que suasdiferenas no sejam por isso coladas por esta unidade.

    Edgar Morin 4 propem o processo de "disjuno-conjuno" como alternativa a este modo

    mono-varivel de assumir os problemas: as lgicas so distinguidas uma das outras e suasdiferenas so afirmadas, mas no so separadas da problemtica global a que pertencem. Semnegar suas respectivas existncias, articula-se uma outra em virtude de uma lgica superior que asintegra sem reduzir suas especialidades. Essa tentativa se opem completamente quela queconsiste em tirar um elemento de seu contexto, e exclu-lo do todo no qual ele toma sentido.

    O principal que se defende a anlise do todo, atualmente a tendncia considerar ohomem ao mesmo tempo fora de trabalho, inteligncia, afetividade e individualidade nolimitando sua vida s fronteiras das empresas, levando-se em considerao tambm sua unidade e,

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    na relao com os demais a combinao de bio-psiquico-social distinguindo uma das outras sem

    separ-las da viso global do indivduo.4 MORIN, E. Introduo ao Pensamento Complexo. Lisboa, Instituto Piaget, 1990.

    V. SER HUMANO UM SER PLURALA obsesso pela eficcia, pelo desempenho, pela produtividade, pelo rendimento a curto

    prazo que esto presentes nas nossas organizaes e na sociedade, levou a maioria dospesquisadores a concentrar seus interesses nestas questes e reduzir seus esforos a simples tcnicasde controle e a ocultar ou desprezar certas dimenses humanas, tais como: a dimenso cognitiva eda linguagem, a dimenso espao-temporal, a dimenso psquica e afetiva, a dimenso simblica, adimenso da alteridade e a dimenso psicopatolgica.Podemos ento compreender porque, cada vez mais contestam-se esta concepo instrumental,

    adaptativa, e mesmo manipuladora da ser humano, interrogando-se sobre as dimenses esquecidas eoutras perspectivas tericas. Deste modo, procuram tornar compreensvel a experincia humana ecaptar cada vez mais sua complexidade e riqueza."O ser humano sujeito e no objeto da ao".

    A UNIDADE FUNDAMENTAL DO SER HUMANOA cincia em geral e mais particularmente as cincias humanas tem sido submetida at o

    momento s leis da diviso intelectual do trabalho e as cincias do comportamento organizacionalno escaparam a esta regra. Tal disperso teve por conseqncia fechar os pesquisadores nummundo intelectual relativamente estreito tendo igualmente como conseqncia uma imagemfragmentada do ser humano.

    Esta concepo de pessoa em pedaos provocou um duplo efeito: no plano disciplinar,conduziu ao reducionismo e do imperialismo psicolgico, biolgico ou sociolgico e, no planoorganizacional, desembocou em prticas e aes sociais que ocultam grande nmero das dimenseshumanas. A concepo dominante de um ser humano racional, reagindo a estmulos externos deveser inteiramente revista e questionada.

    O ser humano muito mais complexo para se deixar resumir em uma tal concepo (EdgarMorin, 1973). o momento de restituir a unidade e a especificidade ao ser humano, destacando-setambm as dimenses fundamentais e os diversos nveis de anlise.O SER HUMANO, AO MESMO TEMPO GENRICO E SINGULAR

    O ser humano, acima das diversidades das disciplinas que o estudam, uno. nico

    enquanto espcie e enquanto indivduo. Se, por razes bem evidentes, os cientistas fragmentam osaber em partes distintas biologia, psicologia, sociologia, etc. no menos verdadeiro dizer queele aparece como um todo cujos diferentes elementos esto intimamente interligados. Baseado nestaposio, torna-se evidente que todo reducionismo, quer seja de ordem psicolgica, sociolgica oubiolgica no tem nenhum sentido.

    O seu humano que acabamos de definir um ser genrico, ou seja, uma pessoa que se definepor pertencer a uma espcie humana, pelas caractersticas que so sua conseqncia pensamento,linguagem, personalidade. Alis, este ser genrico se encarna sempre em um ser concreto: homem

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    ou mulher, pai ou marido, operrio ou executivo. uma existncia singular do indivduo no mundo

    que lhe confere sua especificidade. Ou seja, se o homem abstrato existe enquanto representao ecategoria intelectual, em troca ele aparece sempre na realidade quotidiana sob uma forma concretaparticular, numa situao de fato. Toda pessoa tem assim ao mesmo tempo o genrico e oespecfico.

    O SER HUMANO, ATIVO E REFLEXIVOUma das caractersticas do ser humano pensar e agir. A reflexo e a ao so duas das

    dimenses fundamentais da humanidade concreta, ou seja, negar a reflexividade do ser humanoseria jogar o homem no mundo pavloviano onde os reflexos condicionados exercero a tarefa desocializao.

    Vale ressaltar que em todo sistema social, o ser humano dispe de uma autonomia relativa.

    Marcado por seus desejos e aspiraes, ele dispe de um grau de liberdade, sabe o que pode atingire que preo estar disposto a pagar para consegu-lo no plano social.

    O SER HUMANO, UM SER DE PALAVRAA construo da realidade e as aes que pode empreender o ser humano no so concebidas

    sem se recorrer a uma forma qualquer de linguagem. graas a esta faculdade de expressar empalavras a realidade, que se pode aceder ao mundo das significaes.

    A linguagem constitui um objeto de estudo privilegiado e sua explorao no contextoorganizacional permitir que se desvendem as condutas, as aes e as decises. Reduzir portanto acomunicao humana nas empresas a uma simples transmisso de informao, elidir todoproblema do sentido e das significaes. condenar-se a no poder apreender em profundidade

    nem simblico organizacional nem a identidade individual e coletiva.

    O SER HUMANO, UM SER DE DESEJO E DE PULSOO ser humano no pode reduzir-se a uma organismo submetido a um bombardeamento de

    estmulos. Ele tambm um ser de desejo, de pulso e de relao. A constituio de todo serenquanto sujeito passa por esta relao poliforme com o outro. atravs dele que ele se constitui,se reconhece, sente prazer e sofrimentos, satisfaz ou no seus desejos e pulses.

    O SER HUMANO, UM SER SIMBLICOO Universo humano um mundo de signos, de imagens, de metforas, de emblemas, se

    smbolos e de mitos. Todo ser humano e toda sociedade humana produziram uma representao domundo que lhe confere significao.A organizao enquanto espao particular da experincia humana, uma lugar propcio a

    emergncia do simblico. Segundo Schein, este modismo de busca da cultura da empresa sinal deum desconforto existencial em relao ao trabalho e do carter eminentemente simblico daatividade humana.

    Por esta razo que a parte fundamental considerada neste trabalho o reconhecimento dapessoa, do indivduo, no como simples recurso a ser manipulado, mas em seu todo bio-psquico-

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    social, que tem condies de aprendizado atravs da problematizao e no somente pelo

    adestramento condicionado, que pode ter seu desenvolvimento cognitivo para a participao efetivae consciente do processo que o cerca.

    VI. O DESENVOLVIMENTO DAS ESTRUTURAS COGNITIVASAps o reconhecimento do indivduo como prioridade das organizaes e a necessidade de

    uma viso pluralista deste ser, vamos nos questionar se tal indivduo tem efetivamente participaoconsciente, intelectual no processo decisrio das aes que lhe afetam diretamente ou que elepoderia ser capaz de colaborar.

    Vamos recorrer as teorias de Piaget 5 sobre o processo de desenvolvimento cognitivo, maspara nos concentrarmos no indivduo dentro da organizao, consideremos que tal indivduodesenvolveu-se perfeitamente at o nvel operatrio concreto ( importante ressaltar que o tal

    desenvolvimento depende do meio no qual o indivduo est inserido) prximo de onde se encontrao nvel mais complexo e elaborado do sistema cognitivo o operatrio formal.Neste nvel o indivduo tem condies de anlise no somente ao que tem-se de concreto,

    sendo uma das caractersticas principais a aplicao das operaes em hipteses formuladas empalavras mas tambm a possibilidade combinatria que a relao de quaisquer proposies eoperaes com outras. A cognio um processo com vistas aquisio de novos conhecimentos eabrangem a percepo, a memria, a imaginao, o raciocnio e a soluo de problemas.

    A grande questo entretanto, como ajudar, como possibilitar que o indivduo ingresse nesteltimo degrau do desenvolvimento cognitivo, ou por outro lado, o que no fazer para ajudar taldesenvolvimento. Neste caso entramos nas organizaes que...(...) explicitam os seus objetivos atravs de normas, regulamentos, instrues de trabalho,

    programas de treinamento que podero ser estimuladores ou bloqueadores de desenvolvimentocognitivo de seus membros. (AGUIAR, 1997-192).

    A condio fundamental para que seja possvel o crescimento cognitivo dos indivduos naorganizao mais do que simplesmente alguns treinamentos. a adoo de uma posturaempresarial adequada e compatveis com a aquisio de conhecimentos, com o desenvolvimento doraciocnio e com a ao inteligente dos indivduos.

    A centralizao do poder, o processo de deciso centralizado nas esferas superiores, osistema gerencial autocrtico, as normas e procedimentos rgidos, as ms condies de trabalho, oestresse do dia-a-dia, os processos de treinamento fundamentados na aprendizagem porcondicionamento esto entre os vrios fatores que explicitam a incoerncia entre as polticas ediretrizes da organizao e o crescimento mental dos seus membros. Temos que nos questionar e

    buscar maneiras prticas e simples de desenvolver o raciocnio, a inteligncia, a criatividade, enfimtudo que levar ao crescimento cognitivo dos indivduos dentro das organizaes.EVANS, R. Jean Piaget, o Homem e suas idias, So Paulo, Editora Forense

    VII. FORMAO TICA TICA DISCURSIVA DE HABERMASComo a ltima, mas no menos importante das abordagens deste trabalho, somente poderia

    caminhar para a resoluo de problemas e oportunidades atravs do consenso. Sendo que, se os

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    indivduos so vistos dentro de uma viso complexa e respeitados como um todo bio-psquico-

    social, se tais indivduos tm o desenvolvimento cognitivo em seu ponto mais elevado, podendoelaborar as possibilidades combinatrias e finalmente tenham o pensamento complexo comodiretriz, no h como trabalhar com tais indivduos atravs da imposio de idias ou demanipulao, somente ser aceito e considerado como vlido o processo argumentativo, o DiscursoPrtico.

    Segundo Habermas 6, a tica discursiva est centrada em dois princpios da moralidade Justia e Solidariedade. A nova norma tica s poder ser aceita, quando as conseqncias soantecipadas, analisadas e aceitas por todos, assegurando o bem estar do grupo e a garantia dadignidade e integridade de cada participante, como participantes autnomos de uma sociedade.

    O que se apresenta no um programa para que se obtenha resultados individuais ou dealguns grupos seletos na organizao, vai alm das vises simplistas e de pensamento linear, pois

    em tal cenrio no ser cabvel a utilizao de fora, seja violncia fsica, ou qualquer forma demanipulao. Os pilares dos relacionamentos estaro sob a influncia da justia, da verdade e daveracidade.

    Uma organizao que trabalhe com estes princpios, transformar seus indivduos em co-participantes do processo decisrio e com isto passaro de apenas executores de tarefasdirecionadas, a colaboradores do processo produtivo e organizacional, substituindo o Dever dofazer pela Responsabilidade do assumir [...]

    Mas ser que tal processo fcil de se alcanar? muito mais cmodo que as decisessejam tomadas por quem detm o poder e que os nveis hierrquicos inferiores sejam apenasobreiros de aes predeterminadas. Mas este o caminho que deve ser seguido pelas organizaesque desejem ter a continuidade de suas operaes, pois os indivduos evoluem, e organizaes que

    permanecerem no paradigma antigo (atual) de Recursos Humanos no trabalho, tero como resposta,a baixa produtividade, falta de engajamento e falta de responsabilidade e sendo assim, comocontinuar?

    A prtica de tal processo argumentativo nas organizaes, se dar quando os indivduosestiverem conscientes da importncia e da razo de cada uma de suas responsabilidades dentro doprocesso, quando as mudanas tiverem envolvimento dos indivduos, para que estes coloquem assuas opinies, quando tais indivduos questionarem processos e polticas tenham como respostas osargumentos (a razo) de existirem e que justifiquem o funcionamento destes.

    As dificuldades de tal processo, ser compensada imensamente, pelo aumento decomprometimento entre os indivduos e a organizao, e pelo reconhecimento da importncia dosindivduos para a empresa.

    6 HABBERMAS, J. Conscincia Moral e Agir Comunicativo

    VIII. CONCLUSOContrariamente idealizao que se propem com freqncia no mundo do negcios, a

    organizao aparece freqentemente como um lugar propcio ao sofrimento, violncia fsica epsicolgica, ao tdio e ao mesmo tempo ao desespero no apenas nos nveis mais baixos comotambm nos nveis intermedirio e superior. Em um mundo essencialmente dominado pelaracionalidade instrumental e por categorias econmicas rigidamente estabelecidas, os homens e

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    mulheres que povoam as organizaes, na maioria das vezes, so considerados apenas recursos, isto

    , como quantidades materiais cujo rendimento deve ser satisfatrio do mesmo modo que asferramentas, os equipamentos e a matria-prima. Associado ao universo das coisas, as pessoasempregadas nas organizaes transformam-se em objetos. Em alguns casos s acontecimentosextraordinrios fazem emergir sua condio humana.

    Acontece que no mundo das pessoas, os acontecimentos no seguem uma ordem previsvel.O ser humano pela sua essncia e caractersticas peculiares, tem uma natureza que o faz diferente enico. No fcil prever suas reaes nem estabelecer uma cadeia de atividades a ser seguida comoum autmato. Por isso, o comportamento humano no pode continuar sendo considerado pelosenfoques administrativos e pelas ticas empresariais e gerenciais com a simplicidade mecanicistaainda dominante.

    Reunir o que estava at agora separado, colocar em evidncia as dimenses esquecidas,

    reafirmar o papel do indivduo, da experincia, do simblico nas organizaes e ao mesmo temporestitui-los ao seu quadro scio-histrico, a ambio desta complexidade do seres humanos nasorganizaes que procuramos construir.

    A verdade que pouco se mudou nestes ltimos anos, e um dos fatores que contribuiu paraeste cenrio foi o fato de que durante muito tempo se valorizou o capital financeiro como principalrecurso das empresas. Pensava-se que as empresas fossem constitudas principalmente de dinheiro ecapital. Contudo muitas empresas com elevado nvel de capital financeiro simplesmentedesapareceram do mercado nestes tempos de instabilidade e turbulncia.

    A realidade que algumas empresas comearam a perceber que elas eram basicamenteconstitudas de pessoas, mas estas nunca foram adequadamente utilizadas e motivadas e, por isso, amaior parte das empresas administra hoje uma pesada herana do passado; pessoas acomodadas e

    acostumadas a um baixo desempenho sem nenhuma criatividade ou inovao, preocupadasexclusivamente com a rotina cotidiana e a garantia no emprego, submetidas a uma culturaempresarial inflexvel e com lideres igualmente despreparados. So empresas "burras" ou combaixo capital intelectual.

    O caminho desta mudana de paradigma se dar com as caractersticas da RecursoOrganizacional j apresentada, pois ser com a evoluo dos indivduos que haver a evoluo dasorganizaes, estas por sua vez far com que os indivduos evoluam e este ciclo no ter fim.

    E tal processo, invariavelmente evoluir tambm as relaes sociais como um todo, pois osindivduos no existem somente dentro dos quadros das organizaes e assim a sociedade como umtodo ter modificaes no relacionamento pessoal e o prprio questionamento de poder, normas econceitos gerais se daro.

    Como resultado espera-se a continuidade e evoluo dos negcios das organizaes e assima garantia da subsistncia dos indivduos que a adquirem seus recursos materiais, mas sem dvidao que ser de grande importncia neste novo paradigma ser o reconhecimento dos indivduoscomo sendo o grande diferencial a receber investimento nas organizaes e o principalreconhecimento ser o respeito a viso de todo (bio-psquico-social) que eles tero, alm de teremsuas opinies sendo ouvidas, sendo atendidas ou quando no, recebendo argumentaes quedefendam os padres e aceitao pelo consenso e pela tica discursiva.

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    Finalizando, as organizaes no tm vida prpria, so os indivduos que l esto que do a

    ao e a cultura a elas, o que se tem ento so vrios nveis de poder, e os processos decisrios semantm apenas em nveis mais altos, e assim para a aplicao e aceitao deste novo paradigmadever fazer o reconhecimento de todo o grupo de trabalho, de todos os indivduos, para que seevite a imposio de uns em relao aos outros. E para reforar, tais modificaes so urgentes edelas depender o sucesso das organizaes que existem hoje, pois sem a valorizao do indivduo,no se pode garantir como elas estaro no futuro.

    Conclumos ento que, administrar pessoas vem antes, durante e depois da administrao docapital ou qualquer outro recurso empresarial. Segundo Thomas A. Stewart 7, as empresas que sederam conta disso e voltaram-se para seus funcionrios, so hoje as mais bem sucedidas domercado."o verdadeiro investimento na sociedade do conhecimento no em mquinas e ferramentas, mas

    no conhecimento do trabalhador do conhecimento...- o trabalhador industrial precisavainfinitamente mais do capitalista do que o capitalista precisava dele... Na sociedade doconhecimento, o pressuposto mais provvel das organizaes e certamente aquele que elas temque se guiar que as empresas precisam muito mais dos trabalhadores do conhecimento do queeles precisam delas"Peter Drucker"The Age of Social Transformation"7 STEWART, T.A. Capital Intelectual A Vantagem Competitiva das Empresas, Rio de Janeiro,Ed.Campus, 1998.

    MESTRADO EM ADMINISTRAO, PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DE SO

    PAULOPROGRAMA DE ESTUDOS DE PS-GRADUADOS EM ADMINISTRAO.

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    4. CRIATIVIDADE E INOVAO NAS ORGANIZAES E NA ESCOLA

    Texto 1:

    Universidade Federal do Rio GrandeLicenciatura em Geografia DidticaDra. Vnia ChaigarAs escolas e o conhecimento inovador humanizado: H luz no final do tnel?2

    Este texto tem como objetivo apontar algumas consideraes sobre a investigao

    Conhecimento inovador e humanizado na Escola, conceito apropriado de Demo (2004), realizado

    por estudantes de Licenciatura em Geografia, na disciplina de Didtica. O autor, no qual se inspirou

    a proposta investigativa, alerta para duas questes sobre o tema. O primeiro que no podemos

    desconstruir o conhecimento vorazmente e rapidamente, pois o ser humano s pode ser

    reconstrudo a partir do passado, precisamente para ser humano (2004, p. 117) e o segundo de

    que caberia Universidade e Escola capturar o conhecimento, precisamente para educ-lo (id,

    p. 118).

    O autor critica o excesso de tcnica, sem que a mesma tenha uma funo emancipatria e ao

    mesmo tempo, a Universidade por consider-la anacrnica - guardi do conhecimento

    2 Sntese sobre a investigao realizada por acadmicos de Geografia na disciplina Didtica. Rio Grande, junho de2009.

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    ultrapassado (id, ibid), entretanto, considera que esta mesma Universidade e a Escola que

    podem e tm a tarefa de reconstruir o conhecimento, educando-o para torn-lo mais humano. ParaDemo, portanto, o conhecimento para ser inovador deve ser tambm, necessariamente, humanizado.

    Neste sentido prope que o princpio educativo utilizado para educar o conhecimento seja o

    da pesquisa, pelo meio do qual professores e alunos se formam de modo permanente . E

    acrescenta: Estaria implicado a no apenas o progresso da cincia, mas igualmente da cidadania

    que seria especfica da escola e da universidade, ou seja, fundada na reconstruo do

    conhecimento, com qualidade formal e poltica (ibid).

    Tomando a pesquisa como princpio educativo, o profissional professor deixa de ter no ensino

    o eixo do seu trabalho, tornando-se um profissional da aprendizagem em que fazendo uso da

    investigao promove o desenvolvimento do saber pensar e do aprender a aprender (id, p. 120).

    Essas habilidades so especialmente relevantes se considerarmos a rapidez em que ocorre a

    renovao do conhecimento cientfico e as consequentes e profundas alteraes que o mesmo

    provoca nos modos de vida das sociedades contemporneas.

    Considerando os argumentos dos pargrafos anteriores que colocam desafios Universidade,

    Escola e aos professores, ser que j est ocorrendo nas instituies escolares a produo desse

    conhecimento inovador? Haver, ao menos, alguns indcios ou condies para o seu

    desenvolvimento? Quais so?

    Questes como essas so especialmente importantes se considerarmos que a instituio

    Escola vive uma profunda crise de desconfiana como lugar de produo de conhecimento. Sendo

    vista, no raro, como um espao defasado e/ou ineficaz, segundo um vocbulo caro sociedade

    mercantilizada. O senso comum no teria dvidas em responder no pergunta que d ttulo a este

    texto. Entretanto, um olhar investigativo confirmar essa suspeita?

    Vejamos alguns dados a respeito.Foram realizadas investigaes nas seguintes escolas riograndinas:

    Escola Jos Maria Becker (CIEP So Joo), Escola Municipal Vanda Rocha, Escola

    Municipal Frana Pinto, Colgio Estadual Lemos Jr., Instituto de Educao Juvenal Muller, Escola

    Estadual de Ensino Fundamental Miguel Couto, Escola Estadual Mate Amargo, Escola Estadual

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    Llia Neves, Escola Estadual Silva Gama e o Instituto Estadual de Educao So Jos, este

    localizado na cidade de So Jos do Norte.Este olhar por dentro da escola que Virssimo3, em sua investigao, denominou de escola

    vivida em dilogo com a teoria, compreendida, por ele, como a escola percebida trouxe algumas

    questes que merecem reflexes, pois se a Escola no apresentou inovaes bvias, tambm no

    revelou o to decantado quadro da dor, por vezes, to evidenciado nas mdias do cotidiano.

    Cruzando as observaes, realizadas nas escolas, com o pensamento de autores europeus

    como Carbonell (2002) e Morin (2000), alm de brasileiros como Demo (2004) e Adrio, Garcia e

    Silveira (2008), considerando o contexto local e suas singularidades foram tomados como

    indicativos de conhecimentos inovadores ou processos rumos inovao alguns projetos, tais

    como:

    A- Os que envolvem as equipes diretivas: Adoo de projetos governamentais que estimulam

    mudana; postura de abertura e dilogo com discentes; construo de PPP voltado ao contexto da

    comunidade; relao de confiana e afeto com familiares dos estudantes; sentimento de

    pertencimento escola; apoio ao trabalho docente.

    B- Os que envolvem a comunidade na qual se insere: Bandas Musicais; conselhos escolares

    compostos por todos os elementos da comunidade escolar; desenvolvimento de trabalhos

    ambientais, como coleta de pilhas, prottipo de aquecedor solar; palestras sobre temas como

    drogas, sexualidade e outros; festival de artes, etc.

    C- Os que envolvem os discentes: Invernadas artsticas; grmio estudantil; bandas escolares;

    teatro; horta; sadas de campo; investigaes sobre culturas locais; etc.

    D- Os que envolvem docentes: Parcerias interdisciplinares; visitas orientadas; experimentos

    ambientais; gincanas educativas; envolvimento em projetos de incluso de crianas com

    necessidades especiais; incluso nos programas de sala de aula sobre histria de vida e identidade;trabalhos sobre gnero e sexualidade, outros.

    3 Bruno Wally Virssimo, acadmico de Geografia. Paper.

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    Ganharam destaque na pesquisa projetos relacionados a temas como meio ambiente, cultura,

    sexualidade, incluso e arte. Estes, por sua vez, do mostras de que os currculos das escolas estosintonizados com preocupaes contemporneas?

    Cabe destacar que os indicativos encontrados no mostraram adeses coletivas inovao,

    tanto entre docentes quanto entre discentes, assim como tambm sinalizaram que as iniciativas

    inovadoras so pontuais e/ou fruto de vontades individuais, sem estarem vinculadas,

    necessariamente, a um Projeto de escola.

    Um nico Projeto Poltico Pedaggico construdo em direo ao conhecimento inovador foi

    observado, pois seu currculo, de um modo geral, est organizado para atender as demandas que a

    frequentam, oriundas da zona rural. Mesmo se tratando de uma escola urbana projeta aes, atravs

    do tema meio ambiente, visando tornar mais significativas e contextualizadas as aprendizagens. Os

    projetos docentes e escolares apresentados demonstram um desejo por inovao ou como refletiu

    Freitas4: O que se percebe analisando a prtica a escolar... um esforo da direo e

    coordenao de inserir na educao prticas e pensamentos que auxiliem os alunos na

    compreenso e cada um sobre a vida e sobre instrues mais imediatas (2009).

    Os trabalhos investigativos foram praticamente unnimes em refletir sobre a necessidade de

    uma reforma do pensamento (MORIN, 2000) como condio para produzir um conhecimento

    inovador e que modernizao na escola, como a existncia de laboratrios de informtica, no quer

    dizer inovao concordando com Carbonell (2002), visto que modernizar por si s no garante

    mudana de concepes, pois podemos fazer velhas coisas com coisas novas. Segundo Rodrigues

    Jr.5o processo de inovao s dar certo quando for criado de baixo para cima, de acordo com

    cada escola, ou seja, devem-se criar bases inovadoras conforme as caractersticas de cada escola

    (2009).

    Assim, na brevidade e provisoriedade deste estudo responder pergunta que abre este texto no tarefa fcil, nem simples, mas indica que as escolas so multifacetadas e dentro de seus limites

    4 Dbora Las Freitas, acadmica de Geografia. Paper.

    5 Luiz Carlos Rodrigues Junior, acadmico de Geografia. Paper.

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    histricos no parecem imobilizadas frente ao conhecimento, mas inventam com o que tm mo

    movimentos em direo vida como ela se apresenta - e a sua significao.E neste contexto histrico de pragmatismo e solido, ir ao encontro da vida no ser uma

    grande inovao?

    REFERNCIAS:

    ADRIO, T. M. F; GARCIA, T. O. G; SILVEIRA, A. A. D. Ensino Mdio em Escolas PblicasPaulistas: indicaes de qualidade. Educao e Sociedade. Porto Alegre, v. 33, n. 2, p. 253-26,jul/dez 2008.

    CARBONELL, J. A aventura de inovar: a mudana na escola. Traduo: Ftima Murad. PortoAlegre: Artmed, 2002. (Coleo inovao pedaggica)

    DEMO, P. Professor do futuro e reconstruo do conhecimento. In: MACIEL, L. S. B; NETO, A. S.(orgs).Formao de professores: passado, presente e futuro. So Paulo: Cortez, 2004, p. 113-127.

    MORIN, E. Os sete saberes necessrios educao do futuro. Traduo: Catarina E. F. da Silva eJeanne Sawaya. So Paulo: Cortez, 2000.

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    Texto 2:

    E QUANDO A SEMENTE GENTE? A FORMAO DE PROFESSORES E ASGENTETUDES NO CHO DA ESCOLA PBLICA6

    Vnia Alves Martins Chaigar Universidade Federal do Rio [email protected]

    O nome ReDE substantivo polissmico em suas tramas de significados, metfora relacionala indicar a presena de mltiplos Ns na sua feitura, assim como sigla de um projeto formativoocorrido no cho de Escolas pblicas pelotenses: Repensar a Docncia em Exerccio!

    O projeto transcorreu entre os anos 2000 e 2002 e envolveu cinco escolas da rede municipalde ensino de Pelotas, RS. Gerado no interior da Escola Municipal de Ensino Fundamental Dr. BrumAzeredo e Colgio Municipal Pelotense, atravs de iniciativas das respectivas coordenaespedaggicas, do ReDE tambm fizeram parte a Escola Municipal de Ensino Fundamental Bibianode Almeida (2001 e 2002), a Escola Municipal de Ensino Fundamental Fernando Osrio (2001) eEscola Municipal de Ensino Fundamental Joo da Silva Silveira (2002).

    6 Parte dos estudos enunciados pela tese Com quantos Ns se faz um rede: um estudo sobre formao deprofessores/as no cho de Escolas Pblicas pelotenses, orientada pela Profa. Dra. Maria Isabel da Cunha.Unisinos, 2008.

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    Durante os trs anos de sua durao o Projeto envolveu cerca de trezentos e cinqenta

    professores e promoveu quarenta e oito relatos de experincias apresentadas por cento e umdocentes.Acompanhado, no papel de coordenadora pedaggica do Colgio Pelotense, o desabrochar do

    ReDE e os movimentos produzidos nas docncias dos professores que nele teceram fios deinterlocuo com outros pares - atravs de relatos de experincias, oficinas e conferncias - em meuimaginrio havia a tese que o Projeto tivesse se constitudo num exerccio emancipatrio. Foi esseimaginrio, em boa parte, que me levou, a investig-lo e registr-lo no doutorado do Programa dePs-Graduao em Educao da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), concludoem 2008.

    Como sujeito-ReDE - algum profundamente envolvido com a feitura de suas tramas - aotentar destran-las procurei dialogar com ferramentas plurais tais como entrevistas comprofessores, coordenadores pedaggicas e diretores, anlise de documentos do ReDE, como anaisdo evento, artigos sobre o Projeto, fotografias, cartas, cartes, entre outros, alm dos ProjetosPolticos Pedaggicos das Escolas. Procurei sobretudo conduzir-me pelo rigor ao longo de todo oprocesso. Rigor que para Freire uma atitude compromissada de recriao de si e da sociedade(2003), no/com o mundo, e no uma postura sisuda e fria ou, ainda, autoritria. Concordando com oautor de que educar sempre educar-se desdobro que pesquisar descobrir-se!

    Entrevistei onze sujeitos-redes, isto , professores que teceram o ReDE fosse atravs da suaorganizao, da socializao de experincias docentes ou da participao em alguma das suasedies em trs das escolas cuja parceria foram mais constantes. Na Escola Brum Azeredo7 eColgio Pelotense foram entrevistados quatro professores e na Escola Bibiano de Almeida, trs.Essas entrevistas produziram narrativas que destacaram o carter artesanal da comunicao, comodiz Benjamin (1993), revelando memrias ressignificadas pela brisa fresca da interlocuo efenmenos que, pela voz do outro, revelam-se em ns (CUNHA, 1997).

    Escolhi para relatar neste artigo questes relativas s gentetudes, conceito e vocbulo deFreire, que fazem a Escola e emergiram durante o processo de construo da tese Com quantos Nsse faz um ReDE: um estudo sobre a formao de professores/as no cho de Escolas Pblicaspelotenses.

    Comearia com uma indagao que considero bastante pertinente: Algum pode imaginarescola sem professoras e professores? No seria o mesmo que imagin-la sem estudantes?

    Apesar de correr o risco de estar perguntando obviedades, tenho compreendido que o bvios o na aparncia; basta levantar o vu da sua aparente transparncia, para sentir a enormedificuldade que v-lo ou descrev-lo adequadamente.

    Percebo que nos ltimos anos, com a intensificao da mercantilizao da vida social e daproduo de culturas centradas no ter, sob o ponto de vista material, parcela da sociedade passou aver e tratar os profissionais professores com desdm. Todos e todas tm lies a ensinar a essesprofissionais e muitos so os dados que comprovam, estatisticamente, a enorme ineficcia ou faltade qualidade nas nossas produes, ou melhor, produtos aos olhos dos quantitativos paradigmas deordem liberal.

    7 A professora Denise, embora no faa mais parte da rede municipal de ensino, foi entrevistada e includacomo parte do Brum, pelo seu protagonismo na gerao do ReDE.

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    Quem sabe faz, quem no sabe ensina, ainda jargo com esprito de fbrica presente no

    senso comum. Entretanto, a apartao entre fazer e ensinar desconsidera o carter cognoscente doensino, por isso mesmo um ato criador, um ato crtico e no mecnico (FREIRE, 2003, p. 81).Ao mesmo tempo a proletarizao da profisso, associada a sua precarizao (LDKE e

    BOING, 2004), tem contribudo desvalorizao, afinal no ganhamos em euro como algunsjogadores de futebol, no somos idolatrados como celebridades do mundo fashion ou festejadoscomo autores de livros de auto-ajuda. No mundo do espetculo permanente, das produesmiditicas de impacto, dos holofotes dos paparazzis, de fato, ficamos reduzidas quase a p,pozinho como canta o Zeca Baleiro. Isto, entretanto, no um privilgio dos professores eprofessoras, diga-se de passagem, mas de tudo o que, no universo da cultura, no comercializvelou de consumo fcil.

    Refletindo sobre esse pouco prestgio, Arroyo diz que: Os mestres da escola so vtimas da mesma viso e cultura elitista que s v contedo histrico,progresso e avano nos grandes feitos e seus heris, que despreza o povo, o popular, o homem e amulher comuns que reproduzem sua existncia silenciosamente. Densas existncias (2000, p. 236).

    Professores representam essas pessoas comuns, as ordinrias, segundo Certeau (1998) que,pelo senso comum, no possuem saberes validados como de outras profisses.

    Voltando s perguntas iniciais, vez por outra, parece-me que a escola seria bem melhor sem apresena das professoras e professores, assim como em alguns debates, s vezes tambm parece queas crianas e os jovens que so os problemas da instituio. Alis, essas crianas e jovens so, dizArroyo (2000, p. 15), o nosso retrato seu rosto desfigurado to parecido com o nosso rostodesfigurado.

    Contou-me uma ex-colega da escola que, no primeiro dia de aula, com alunos da quarta sriedos anos iniciais, costumava colocar no quadro de giz a seguinte questo: O que uma professora?Dizia-me ela que as crianas ficavam perplexas com a pergunta e, mais ainda, quando ela comeavaa contar que dormia, comia, tomava banho, fazia coc, ria, tinha dor de dente, etc., etc., etc. Deposse dessas novas informaes sobre a professora, ento construam textos reconfigurando aimagem da docente.

    Essa memria, produzida a partir de contextos infantis, ajuda-me a refletir sobre a dificuldadeque temos de pensar na nossa profissionalidade - que entre outras interpretaes, segundo Ldke eBoing (2004), corresponde s instabilidades e ambigidades da profisso. Na dificuldade emlidar com esse conjunto de imagens sobre a profisso que, mesmo constantemente ressignificado,do ponto de vista terico, conforme os contextos e os tempos histricos, esto profundamentemarcados e atravessam imaginrios sociais. Perpassa a idia de que o Magistrio coisa demulheres (ao menos no ensino bsico) afeioadas a crianas, concilivel com o trabalho do lar,prescindvel de grandes estudos ou formao, destitudo de historicidade. Resumindo, umaprofisso que tem sexo: o feminino!Esta espcie ainda envergonhada8...

    So mulheres em busca, muitas vezes, dissimulada de rastros, pensares, sentimentos... Deepistemologias que dem conta de explicar o complexo mundo feminino e das cargas que nos

    8 PRADO, Adlia. Com licena potica. In: Poesia Reunida. So Paulo: Siciliano, 1996, p. 11.

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    fizeram, por tanto tempo, cidads de segunda categoria, espcies de Pandoras a abrirem caixas de

    desassossegos sobre mundos to masculinos (CHAIGAR e REDIN, 2005, p. 04).So muito fortes as representaes e estigmas que pendem sobre as cabeas das mulheres

    professoras, assim como as razes que as levam at o Magistrio. Pesquisa realizada por Martins(2000), a partir de histrias de vidas, trouxe superfcie influncias de mes, tias e outros gruposparentais na opo pela profisso. Motivadas por desejos de mobilidade social, sentimentos deruptura com modos de vida, necessidades de acessar bens materiais, entre outros, levaram mulheresa influenciarem outras mulheres na aproximao da profisso professora. Sobre esses motivosponderou Martins:

    A escolha da profisso, nas quatro entrevistas realizadas, foi marcadamente uma condio externaimposta e aceita, constituindo uma negao do direito de escolha. Inclusive existia um sentimentode oposio a essa possibilidade numa das entrevistas, cuja exposio de sua contrariedade motivo de pensar sobre a prpria profisso. A questo de ser uma profisso mais adequada paramulheres foi argumentada pelas mes, tias e avs, no sentido de mostrar um caminho mais segurocomo profisso [...]As narrativas tambm indicam o quanto significou vitria pessoal estar naprofisso ou ter uma profisso, passando pelo reconhecimento e possibilitando uma abertura defronteiras/mundos, distintos dos vividos na infncia. A descontinuidade com uma situao de faltade pertena seja de gnero, seguindo os exemplos de suas mes, sem direito a uma profisso, sejapor questes de raa ou classe social (MARTINS, REDIN e CHAIGAR, 2006, p. 03).

    Mulheres professoras constitudas e se constituindo no redemoinho das memrias demultides - passadas e presentes - vestindo-as como a prpria pele, contendo negaes eafirmaes, reconhecimentos e possibilidades. Os modelos existem, so atravessamentos/interpenetraes/ casuais/ imprevisveis (id., p. 04).

    So grandes paradoxos de natureza epistemolgica e ontolgica, com os quais apenasrecentemente temos feito alguns enfrentamentos e responder o que e para que serve umaprofessora ou um professor no me parece que esteja sendo nem um pouquinho fcil ou bvio.

    Arroyo tenta ajudar nesta elaborao, sustentando que

    somos a imagem que fazem do nosso papel social, no o que teimamos ser. Teramos de conseguirque os outros acreditem no que somos. Um processo social complicado, lento, de desencontrosentre o que somos para ns e o que somos para fora. Entre imagens e auto-imagens (2000, p. 29).

    Bem, talvez no estejamos sabendo nos comunicar muito bem com os de fora. ConcordocomNvoa (2004a), ao dizer que no temos sabido dizer sociedade sobre o nosso trabalho eimportncia. Muitas vezes, os processos comunicativos da escola com familiares de estudantes, porexemplo, no so bem claros. No sabemos explicar muito bem a relevncia de determinadas aes,atitudes ou conhecimentos trabalhados na instituio. Parte dessa objeo nesse processocomunicacional pode advir das nossas prprias dificuldades em compreender os contextos nosquais estamos inseridos. Num tempo de fluidez, de pragmatismo e pouco afeito a reflexes, aporo gentetude (FREIRE, 1997) tem pouco espao para ganhar corporeidade.

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    Nesse sentido, foram os estudos sobre o carter biogrfico de ser ou estar sendo professor que

    reconheceram a sua poro pessoa, seu pedao gente... gentes como a gente! Gosto de ser genteporque, inacabado, sei que sou um ser condicionado mas, consciente do inacabamento, sei queposso ir mais alm dele (FREIRE, 1997, p. 59).

    Inacabamentos que apontam o carter processual da histria e das nossas vidas, dos nossospercursos pessoais, portanto nicos. Esses percursos assumem, segundo Nvoa (2004b, p. 16) umadupla perspectiva: caminhada do formador enquanto eu pensante e sensvel que se convoca nasua construo pessoal e caminhada do formador na sua relao com os outros, ajudando-os amobilizarem-se para o processo formativo. Estudos como o de Nvoa, tm mostrado a ligaoentre construo de si e envolvimento ou aprofundamento na formao e na profisso.

    H que se considerar no percurso da formao os Ns (e eu) de uma teoria de formaoconstituda pelo aprendente adulto atravs de uma aprendizagem experiencial, conforme Josso(2004). As experincias formadoras so muito variadas, de tal modo que a autora as agrupa emacontecimentos, atividades e situaes ou encontros que

    podem durar alguns instantes ou alguns anos, so quadros que colocam em cena um ou vriosprotagonistas em transaes9 numa dramaturgia singular; numa brusca interrupo de durao ou deintensidade, numa observao, num exerccio sistemtico, numa simpatia, num afeto ou numaaverso por um alter ego (id., p. 45).

    Essa transao, onde pessoas influenciam e so influenciadas, moldam e so moldadas,em quadros de vida, tanto ocorrem em ambientes formais quanto informais de educao e se do aolongo da vida. Numa mistura de subjetividades e intersubjetidades, num processo incerto e frgil, aformao vai-se constituindo.

    Arroyo chama a ateno para o reducionismo ao qual a educao tem sido submetida,transformando-se em ensino e o professor, meramente em ensinante ou, em sntese, simplesmentereduzindo a formao docncia. Entretanto, diz ele, ao perceber crianas e jovens como gentetambm nos compreendemos como humanos, ensinantes de algo mais do que nossa matria...reaprendemos que nosso ofcio se situa na dinmica histrica da aprendizagem humana, doensinar e aprender a sermos humanos... Descobrimos que nossa docncia uma humanadocncia (2000, p. 53).

    Nesta perspectiva de perceber, reaprender, descobrir na experincia formadora do ReDEencantou-me, por exemplo, a declarao da professora Lcia de que, embora, falte seis anos paraaposentar-se ainda est investindo na sua formao e pretende fazer uma especializao emalfabetizao e letramento, rea em que gosta de atuar. O desejo de Lcia contraria inclusiveestudos como o de Huberman (1992), que aponta essa fase como de desinvestimento na carreira,embora o autor tambm alerte que isto no uma regra, j que a carreira processo e no umasrie de acontecimentos (id., p. 38). Ela ainda quer aprender sobre seu ofcio e no pensa em pararde trabalhar, pois uma professora que vive sua docncia. Ela no d aulas; faz aulas e isto,suponho, uma grande diferena. Fazer que est relacionado concepo da oficina, com

    9 A autora prefere o termo transao interao por entender que o mesmo expressa melhor asimultaneidade entre sendo modelada por e modelando (2004, p. 43).

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    identidades construdas entre fazeres e saberes, na produo de objetos materiais e imaterialidades

    simblicas, poisem outras palavras, a realizao de um ofcio no interior de uma dada oficina cria, dentre outrascoisas, uma identidade entre os indivduos e os objetos que eles manipulam, as ferramentas quemanuseiam, os processos com os quais interagem. E ainda mais, cria uma identidade entre osindivduos que so parceiros de rituais comuns, realizadores de um dado ofcio e situados noambiente da mesma oficina (SOUSA NETO, 2005, p. 250).

    O ofcio e a oficina ocorrem num lugar social onde so reconhecidos por suas especialidades,aquilo que de melhor sabem fazer. No caso das professoras e professores, esse lugar a escola,onde parceiras e parceiros de rituais comuns em alguns momentos, pelo menos, tambmcompartilham paixes, camisetas, desejos e aes. Dizendo de outro modo, nesses movimentos einteraes vai-se realizando o desenvolvimento profissional e se constituindo a carreira deprofessor. Da, Arroyo (2000) denominar de ofcio de mestre a estes e estas profissionais daeducao.

    Dentre os sujeitos que fizeram o ReDE, quase cem por cento tm produzido suas carreirasnas mesmas escolas/oficinas. exceo de Denise, hoje atuando no ensino superior, os demaisesto h um longo tempo interagindo nos mesmos lugares. Na Escola Bibiano de Almeida, Aliceest desde 1989, Aline desde 1998 e Lcia desde 1990. No Brum Azeredo, Andra entrou em 1992,Dbora em 1987 e Margarete em 1995. J no Colgio Municipal Pelotense, Ana Cludia chegou em1997, Dlson em 2000, Mariza em 1993 e Suzele chegou escola em 1983.

    Estas gentes - que escolhi escrever no plural para tentar dar conta da pluralidade ediversidade de tipos, histrias, memrias, desejos, sonhos, vidas circulantes pelos corredores e salasdas escolas fazem muita diferena e num trocadilho com Adlia Prado, diria que professoras sodesdobrveis e, na ousadia desses desdobramentos, foi possvel sonhar um ReDE. Cumpro a sina.Inauguro linhagens, fundo reinos dor no amargura, escreveu a poetisa em Com licenapotica.

    Penso ser relevante esmiuar algumas tessituras dessas gentes desdobrveis ou ver de novo osmesmos fios de um outro jeito. Sousa Santos (2007) prope contra uma sociologia das ausncias, naqual produes humanas so desconsideradas e silenciadas, em nome de um nico conhecimentovalidado como cincia, uma sociologia das emergncias, onde sejam evidenciadas, visibilizadastoda e qualquer ocorrncia de conhecimento forjado na contramo do pensamento nico.

    Ir/estar na contramo supe desconsiderar padres nicos e externos para validarexperimentaes docentes ou, neste caso, formativas. No se trata de uma olimpada, ou mesmo deuma gincana, onde concorrentes devem chegar em primeiro lugar ou darem conta de tarefasidnticas. No, aqui os parmetros so construes dadas pelas prprias instituies, e as gentes queas fazem e so feitas por elas (influenciam e so influenciadas). Visveis so alguns fios que fazemparte de um artesanal trabalho que, unidos, ganham forma e cor mesmo que mantenham suascaractersticas e propriedades individuais. Fullan e Hargreaves (2001) apontam sobre a importnciado trabalho colaborativo, mas tambm da valorizao da dimenso individual, para proporcionarcrescimento ao grupo e prpria pessoa.

    A primeira evidncia (e no diz respeito a nenhum critrio quantitativo) gostar do lugar. Olugar verificado nas narrativas ocupa um tipo de dobra ou bainha na memria, existindo pela

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    ausncia. Est ali, mas no se v. Certeau diz que os lugares vividos so como presenas de

    ausncias e continua afirmando queo que se mostra designa aquilo que no mais: aqui vocs vem, aqui havia..., mas isto no se vmais. Os demonstrativos dizem do visvel suas invisveis identidades: constitui a prpria definiodo lugar, com efeito, ser esta srie de deslocamentos e de efeitos entre os estratos partilhados que ocompem e jogar com essas espessuras em movimento (1998, p. 189).

    Entre os estratos partilhados, a relao afetiva entre a pessoa e seu local de trabalho, que umavez significado ganha o nome de lugar, traduziu-se sob denominaes tambm plurais: sentir-sebem, fazer parte da prpria vida, vestir a camiseta, brigar pela escola, pegar junto, terpaixo. Sentimentos colados pele de Andra, Dlson, Lcia, Margarete, Mariza, Susele que, sobas luzes de suas prprias memrias, descortinam pequenas mostras da impossibilidade de separar osentir do fazer, ou do quanto a ao depende de componentes emocionais.

    O que a memria ama, fica eterno, escreveu Prado (1996, p. 99), ajudando a compreender arelao de cada uma ou cada um com o que vive e faz, com a produo do acontecimento comouma obra particularizada, que tem conexes com modos pessoais de viver a escola, a docncia e aformao. Rubem Alves (2000, p. 155) disse que o olhar da pessoa apaixonada que cria aimagem do objeto da paixo.A imagem da escola refletida, por esses olhares, atravessada pormomentos significativos que, neste estudo, ganha o nome de formao. O cho da escola, paraessas gentes, revelou-se como possibilidade de apropriao ou recriao de si, dada,principalmente, pelo reconhecimento do valor da sua produo docente.

    Considero esse movimento - apropriao/recriao de si - a segunda assero sobre a tessituradeste grupo de sujeitos-redes: mudar comportamentos, elevar auto-estima, falar por si,saber-se criativa, enfrentar medos, assumir riscos, abrir portas, reconhecer-se capaz deproduzir, encarar novos desafios, foram algumas das mltiplas e variadas expresses extradasdas falas de Ana, Andra, Dlson, Lcia e Mariza que, em meu entender, podem ser resumidos pelaafirmativa de Alice de que somos capazes de produzir outra escola. Trata-se de uma apropriaocom um duplo sentido pois , ao mesmo tempo, social (intersubjetiva) e individual (subjetiva). uma trajetria individual, mas feita num caminho coletivo. Eu-e-escola. Eu-e-Ns! No umprojeto apenas para qualificar nossa forma de ensinar ou lidar com situaes da escola; um projetosobre nossa prpria vida!

    Freire e Shor, na dcada de 80, analisando movimentos semelhantes, pensavam queformao e atualizao no significavam apenas participar de seminrios, manter-se beminformado, ler revistas educacionais, etc. Para eles, a recriao de si era parte dessa atualizao, enum cenrio de intensos movimentos polticos por democracia e emancipao diziam:

    Os professores podero dizer que lem as revistas e os novos livros tcnicos e se mantmatualizados em sua prpria rea, desse modo renovando-se sempre. Vo a conferncias e seminriosde professores para ouvir novas idias. (...) O processo libertador no s o crescimentoprofissional. uma transformao ao mesmo tempo social e de si mesmo, um momento no qualaprender e mudar a sociedade caminham juntos (2003, p.66).

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    Naquele contexto, os processos caminhavam juntos, havia um projeto maior onde todos os

    demais se incluam. Mesmo considerando as grandes diferenas e perspectivas da sociedade nestesanos 2000, difcil pensar formao sem a dimenso da inveno de si que necessita de umprojetode si, segundo explicao dada por Josso a este processo que existencial e progressivo.

    A inveno de si pressupe como possvel um projeto de si, o que implica uma conquistaprogressiva e jamais terminada de uma autonomia de ao, de uma autonomia de pensamento, deuma autonomia em nossas escolhas de vida e nosso modo de vida. Porque, finalmente, a invenode si uma posio existencial que se desdobra no cotidiano e no somente em situaes econtextos particulares (2006, p. 12).

    Como posio que se desdobra no cotidiano, a inveno de si passa por uma certa abertura,por uma saudvel e necessria vontade de transpor barreiras identificada, algumas vezesexplicitamente, noutras nem tanto, no posicionamento dos professores do ReDE.

    a abertura, ento, a terceira caracterstica percebida nessas gentetudes por mim.Conhecer outras realidades, sair do prprio ambiente, conviver com outras pessoas,

    gostar de ouvir outras pessoas, prazer em participar de eventos, estar aberto a novaslinguagens, foram algumas das manifestaes interpretadas das falas de Ana, Aline e Dbora, porexemplo, assim como nesta comparao feita por Margarete: Muito do pessoal nem tinhafaculdade, como hoje, mas eram abertos a coisas novas, a inovaes (Memrias, 09/7/2007, p.03). Esse gostar de coisas novas, querer experimentar outros saberes e desejar encontrar outrasgentes, incluindo circular por dentro de outra escola e aventurar-se em oficinas como de cinema,teatro, fotografia, charge, HQ, etc., mesmo sem pertencer s Artes, pode ter promovido novosmovimentos tambm em si.

    Alguns desses movimentos, agora congelados em imagens fotogrficas, essa inveno quese inventou para enganar o chronos, pelo congelamento do instante , como disse Alves (2000, p.168), mostram-me para alm dos casacos e bluses sobre pobres corpos congelados, colegas dediferentes escolas e reas, tanto das cincias quanto da arte, comungando de um projeto. Josso,enunciando o projeto como parte da educao de adultos, reflete que, embora esse anuncie o futuro,tanto nos podem dar felicidade como desgosto (2004, p. 261). Tanto pode promover acriatividade, quanto cerce-la ou, ainda, se constituir em experincia sectria ou intolerante. Aautora alerta para algumas questes: se a afetividade for totalmente investida neles, se o ego jogarnele a sua honra ou o seu orgulho, se o desejo impuser a tirania da dedicao (id., p. 260)podem-se transformar em projetos-armadilha.

    Josso considera abertura, quando o projeto a ao de transformar o tempo e as energiasde cada um em experincias, quer dizer, se produzir um valor acrescentado que constitui, por issomesmo, um recurso novo (id., ibid.).

    As consideraes da autora remetem-me instabilidade dos processos biogrficos, dafragilidade da sua natureza e dos riscos permanentes, quando se trata de um projeto de formao depessoas, da que a abertura talvez seja uma certa disponibilidade ao risco. Freire (1997, p. 39)compreendendo-o como a aceitao do novo que no pode ser negado ou acolhido s porque novo, assim como o critrio de recusa ao velho no apenas cronolgico .

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    Percebo, tambm, essa abertura como um desejo por aproximao do outro que , segundo

    Charlot (2000, p. 52), uma busca por si mesmo, pois por sua condio, o homem um ausente desi mesmo. A ausncia de si revela-se sob a forma de desejo, sendo sempre busca porque saci-loaniquilaria o homem enquanto homem" (id., ibid.). A abertura a partir dessas reflexes, seria comouma passagem, um tipo de ponte no caminho percorrido em direo a si.

    Por fim destaco, tambm, em meio a esse emaranhado de fios gentes, o valor do contgio.Assim como vrus de gripes que se espraiam ao primeiro espirro, o processo formativo ReDE foi-seexpandindo a partir do primeiro evento, imprimindo-se nas trs escolas estudadas sob a forma dedesejo e ao. Ver o que outra escola faz, espalhar para os outros, interagir com outrostrabalhos, sentir-se apoiado, brigar para mostrar trabalhos, relatar para colegas, sentir quetem o que contar, estar de igual para igual, foram algumas colocaes extradas das narrativas deAna, Andra, Dlson, Mariza e Susele, as quais mostraram com bastante intensidade a funo dessecontgio na adeso e envolvimento de colegas professoras e professores, no decorrer do processoReDE. Algumas falas que registram de maneira mais explicitada o valor do contgio, suponho quepossam ser percebidas nos destaques a seguir.

    Isso mexeu com o Colgio, pois, um grupo de professores teve um parmetro sobre o seu trabalhoatravs do relato do colega. Esses que foram ouvintes no I ReDE, pensaram, no, d para mostraro que fazemos, pois, nosso trabalho se assemelha, est no mesmo patamar, que o dos nossoscolegas (Andra).

    Embora fossem alguns professores que se motivaram e no toda a escola, esses acabaramcontaminando outros colegas (Dlson).

    Os comentrios dos colegas sobre o sucesso do ReDE, na primeira edio, e a repercusso daapresentao dos trabalhos de uma escola bem menor do que a nossa, foi uma espcie deempurro e motivao para a participao nos que se sucederam (Mariza).

    A repercusso do ReDE foi grandiosa (...) embora alguns criticassem ou resistissem, todos seenvolveram de alguma forma (Susele).

    a produo de uma espcie de sinergia cujo incio preciso difcil indicar; como aquelapequena pedra jogada no lago a fazer ondas que se expandem, pouco a pouco, por toda a suaextenso. uma impresso semelhante a do poeta: embora eu tenha me fechado como dedos,nalgum lugar me abres sempre ptala por ptala como a primavera abre (tocando sutilmente,misteriosamente) a sua primeira rosa10.

    Penso que cabe destacar a forma de contgio, bem prpria, vivida pela Escola Bibiano deAlmeida, cuja presena e parceria estabeleceu-se em 2001, durante o II ReDE. A memria de Aliceguardou que ela participara de alguns momentos do I ReDE. Ela rememorou que embora a Escolativesse sido convidada a participar do projeto, preferiu conhecer melhor a proposta indo como

    10 BALEIRO, Zeca; CAMPOS, Augusto de; CUMMINGS, E. E. Nalgum lugar. CD Lricas, 2000.

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    ouvinte a alguns momentos do ReDE, no ano de 2000. Nessa aproximao, Alice interessou-se

    muito, porque viu que naquele espao se ouvia a fala da escola. Agradou-lhe observar avalorizao da produo de conhecimento da escola e ver o professor falar por si e no pela voz deestudos feitos sobre ele (Memrias, 26/6/2007, p. 04).

    Com a responsabilidade de ser a diretora da instituio e valorizando a qualidade das relaessociais construdas entre a escola e a comunidade, Alice tomou o cuidado de investigar,primeiramente, se havia semelhanas e interesses comuns entre os projetos do Bibiano com o dasoutras escolas, para s ento propor o envolvimento dos demais colegas professores.

    Foi o que ocorreu a partir do II ReDE, tendo sido a nica das trs escolas que, alm de inseri-lo no calendrio escolar, tambm suspendeu as aulas para que a totalidade de professores pudesseparticipar.

    Em avaliao realizada para o site do ReDE, organizado pela professora Ana Lacau poca,escreveu Alice:

    Atravs da beleza da dvida, da coragem de mudar, que nada mais do que o cansao de ter medo,da certeza de que a escola alm de ser pblica, tem que ser popular e de que nosso trabalho seautovaloriza pela beleza de existir para o desenvolvimento do ser, chegamos ao REDE. Tivemos asatisfao de fazer um relato de experincias, que nos deu a oportunidade de dividir momentos donosso cotidiano escolar com outros parceiros na educao (MONTARDO, 2001, no paginado)11.

    A professora enfatizava, naquele momento, a beleza da dvida e da coragem de mudar.Algumas categorias-chave desse contgio a que o Bibi12, provavelmente, tenha-se deixadocontaminar. Seu depoimento tambm desvela a autovalorizao e o crescimento como parte de umprojeto de si, conforme parece que vo confluindo uma a uma as pistas reunidas sobre estas gentesque gostam do lugar, recriam a si, possuem abertura e contagiam uns aos outros.

    Parece-me fazer parte de um conjunto de regas: internas e externas, atuando emsimultaneidade. Talvez, componentes do paradigma singular-plural, como denomina Josso (2006),as relaes produzidas em simbiose entre subjetividade e intersubjetividade. Ao mesmo tempo emque existem indicativos de desejos particulares, em diferentes escalas e itinerrios, entre os sujeitos-atores desta investigao, havia tambm a intencionalidade de um projeto escolar nascido pararegar subjetividades guerreiras, conforme Sousa Santos (2002a), para a probabilidade doimprovvel, do acaso, da incerteza, do possvel e sob o risco. Sobretudo, para descobertas de outroseu-e-ns (ARRUDA, 1996) interiores e as renovadas capacidades de suas memrias, para crer nospossveis, e de esper-los, vigilante, espreita (CERTEAU, 1998, p. 163). A intencionalidade arega, propriamente, isto , a afirmao dos porqus do projeto articulado pela instituio escola.

    Andra deu um destaque especial para o ReDE como rega, entendendo que deveria havertodo ano um tipo de ReDE, para impulsionar o trabalho docente. necessria uma rega sempre,disse-me ela. Sim, concordo e lembrei-me da declarao do Dlson, ao dizer que da sementeplantada havia brotado uma flor: Ele!! Como isso teria sido possvel se no houvesse regas?

    11 MONTARDO, Alice Maria Szepanski. II ReDE, 2001. Arquivo digital.

    12 Apelido carinhoso dado Escola Bibiano de Almeida, pelos seus professores e estudantes.

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    Como a esttica do lao, que embora delicado, feito para amarrar, percebo que essas regas,

    no mbito da instituio escola, foram possveis pela fora das parcerias estabelecidas e dalegitimidade da causa pela qual foram feitas. Deduzo: quanto mais fortes as parcerias, maiores osriscos que podero ser assumidos. No ter sido por isso que assumimos, ao propor e realizar, comotema do III ReDE afeto, emoo e imaginao na educao? Aparentemente, cada tema isolado jsignifica uma grande complexidade; ao junt-los, maximizamos desafios, mas contvamos com afora das parcerias, alm de realizarmos auto-regas em nossos imaginrios.

    A fora dessas parcerias pode ter-nos encorajado a convidar colegas professoras e professoresa juntar-se a ns na tessitura do ReDE: Sinta-se (a)colhido nesta rede, tua presena nos enche dealegria e tambm da esperana de que sejamos capazes de permitir que nossa semente gentedesabroche enfim13.

    A semente gente era nossa matria-prima e nela fazamos nossos melhores(auto)investimentos. Nessa confluncia de gentes, circulando e trocando, a escola se fortalece comolugar de formao e autoformao, dando corporeidade a uma antiga lio freireana: a que propetrocar a conjugao do verbo educar por educar-se. Uma proposio que, embora possa parecerfcil, no ; ela exige uma troca de posio nada confortvel, isto , passar de uma pessoa ensinantepara uma pessoa educanda, que segundo Brando (2000, p. 454) algum em um momento de suavida melhor educada do que antes, mas dentro de um processo sem-fim de realizao de si mesmaatravs da educao.

    So movimentos autodesafiadores, o que explica que participar de projetos formativos quedestacam a dimenso pessoa das gentes, exige tambm envolvimento e adeso. No me parece queeste tipo de trabalho possa ser imposto ou construdo, sem uma legitimao dos propositores, comocoordenadores pedaggicos e/ou diretores, junto ao grupo de docentes das instituies, segundo foiconfirmado por parte dos sujeitos-redes desta pesquisa.

    Parece-me, sobretudo, ao deslizar meus olhos sob o emaranhado de fios puxados, desta rede,que uma multiplicidade de Ns foram dados na feitura do ReDE. Mesmo em fios decompostos,vem-se a marca dessas ligaes, como salincias impressas da sua verso produto, seu lado A,diria. Entretanto, nada assim to clean, assptico, fcil. Muito suor, investimento, trabalho eestudo demandaram tais processos, da talvez me encantar tanto com eles. Novamente concordocom Freire que

    um acontecimento, um fato, um feito, uma cano, um gesto, um poema, um livro se achamsempre envolvidos em densas tramas, tocados por mltiplas razes de ser, de que algumas estomais prximas do ocorrido ou do criado, de que outras so mais visveis enquanto razo de ser. Porisso que a mim me interessou sempre muito mais a compreenso do processo em que e como ascoisas se do do que o produto em si (2003, p. 18).

    na esperana de ter ajudado a dar visibilidade ao processo formativo ReDE, assim comoum pouco de compreenso sobre as sementes gentes que o geraram e qualidade das suas regasque, renovo e reforo a enorme importncia do lugar Escola como espao de formao de

    13 Carta III ReDE. Anais do seminrioAfeto, emoo e imaginao na educao. Pelotas, set. 2002, p. 04.

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    professores, produtor de conhecimentos socialmente relevantes e de gentes que se descobrem (em)

    flor!

    REFERNCIAS:

    ALVES, Rubem. O amor que acende a lua. 2. ed. Campinas, SP: Papirus; Speculum, 2000.

    ARROYO, Miguel. Ofcio de mestre: imagens e auto-imagens. Petrpolis: Vozes, 2000.

    ARRUDA, Marcos. Globalizao e sociedade civil: repensando o cooperativismo no contexto dacidadania ativa. Rio de Janeiro: Publicaes PACS, 1996.

    BENJAMIN, Walter. Obras escolhidas: magia e tcnica, arte e poltica. 6. ed. So Paulo:Brasiliense, 1993.

    BRANDO, Carlos Rodrigues. Ousar utopias: da educao cidad educao que a pessoa cria. In:AZEVEDO, Jos Clovis de et al (orgs.). Utopia e democracia na educao cidad. Porto Alegre:Ed. Universidade/UFRGS; Secretaria Municipal de Educao, 2000, p. 449-462.

    CERTEAU, Michel de. A inveno do cotidiano: as artes de fazer. Traduo de Ephraim FerreiraAlves. 3. ed. Petrpolis: Vozes, 1998. (v. 1, As artes de fazer)

    CHAIGAR, Vnia Alves Martins; REDIN, Marita Martins. Ladrilho por ladrilho: a memria comoamlgama de modos de ser criana e modos docentes de ser. Anais doIV Congresso Internacionalde Educao. UNISINOS, So Leopoldo, RS, 2005. (CD Room)

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    CHARLOT, Bernard. Da relao com o saber: elementos para uma teoria. Porto Alegre: Artmed,2000.

    CUNHA, Maria Isabel da. Conta-me agora!: as narrativas como alternativas pedaggicas napesquisa e no ensino. Revista da Faculdade de Educao. So Paulo, v. 23, n. 1/2, p. 185-193,jan./dez. 1997.

    FREIRE, Paulo.Pedagogia da autonomia: saberes necessrios prtica educativa. 5.ed. So Paulo:Paz e Terra, 1997. (Coleo Leitura)

    FREIRE, Paulo. Pedagogia da esperana: um reencontro com a Pedagogia do oprimido. 11. ed.Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2003.

    FREIRE, Paulo e SHOR, Ira. Medo e ousadia: o cotidiano do professor. Traduo de AdrianaLopez. 10 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2003.

    FULLAN, Michel; HARGREAVES, Andy.Por que que vale pena lutar? O trabalho de equipana escola. Traduo de Jorge vila de Lima. Porto, Portugal: Porto Editora, 2001.

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    LDKE, Me