20
PORTA VOZ Instrumento antigo semelhante a uma trombeta, destinado a fazer ouvir ao longe a voz humana

Aprendiz de sonhador - Caderno I

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Uma coletânea de artigos de: Nelson Morais Membro da Academia Arcoense de Letras

Citation preview

Page 1: Aprendiz de sonhador - Caderno I

PORTA VOZ

Instrumento antigo semelhante a uma trombeta, destinado a fazer

ouvir ao longe a voz humana

Page 2: Aprendiz de sonhador - Caderno I

Aprendiz de sonhador

APRESENTAÇÃO

A indústria do turismo gera renda e surpresas. Já foi provado que, em algumas comunidades, o ganho da população aumentou em até dez vezes. Um assombro!

O resgate da história, através do turismo, sempre foi um grande tema, uma grande atração. O turismo histórico agora ganhou mais força e fôlego. O mega-projeto “Estrada Real”, abraçado pelo Governador Aécio Neves, é uma feliz iniciativa. Tal projeto poderá “contaminar” positivamente o restante do estado, sobretudo onde está escondido “um mar de histórias”.

O potencial turístico do município de Arcos é sobejo. Mesmo diante de tantas possibilidades ainda não vimos uma política municipal voltada para esta área. Ainda não vimos surgir nenhum projeto. A exceção fica por conta do natimorto trem-turístico que deveria ligar Arcos à Formiga. Tal projeto foi concebido pela Faculdade de Turismo de Formiga. Tudo indica que a iniciativa não encontrou interlocutores.

Em Arcos, a mineração vai continuar minerando. A mineração do calcário é uma atividade legítima, que traz enormes benefícios financeiros para o município.

É possível conciliar o turismo com a atividade mineradora? Onde existe diálogo e equilíbrio tudo é possível. A Vila do Corumbá – (1.760), fazia parte da rede de quilombos comandada pelo

lendário Negro Ambrósio. Aquele Corumbá deveria receber mais atenção da municipalidade. Naquela Vila está a oportunidade para se resgatar a nossa história, através do turismo.

Reuni neste primeiro caderno, alguns artigos inéditos e outros que foram publicados na imprensa local ao longo dos anos. Todos voltados para a ecologia, o meio ambiente e a possibilidade turística da minha Arcos. São temas que acredito e defendo.

Arcos, janeiro de 2006 Nelson Morais Membro da Academia Arcoense de Letras Vice-Presidente da ONG Sociedade Amigos de Arcos

O MEGATÉRIO

Tivemos a grata satisfação de receber o primeiro exemplar de “O Megatério”, órgão do 1º ano clássico noturno do Instituto Champagnat, em Belo Horizonte e cujo redator é o nosso conterrâneo Nelson Morais. A ele nossos parabéns e votos de progresso.

Jornal O Arqueano 19/Nov/1968

Page 3: Aprendiz de sonhador - Caderno I

Megatério – (do grego, mégas, grande e theríon, fera) mamífero desdentado

que excedia 5 metros de comprimento e 2 metros de altura. Esta grande fera habitava a região de Arcos.

POLUIÇÃO

“Em questão de Ecologia, o que é bom para a

Suíça é bom para o Brasil. A verdade é que o Rio São Miguel está sendo poluído, e a principal responsável é a NESTLÉ. Centenas de caixas de papelão (embalagem de manteiga uruguaia importada por essa firma), estão sendo lançadas no rio, bem como milhares de latas imprestáveis. É certo que o competente gerente mandará apurar tudo para apagar esta mancha, que em nada enobrece a poderosa empresa...”

Jornal O Arcos – Fevereiro 1978 – Pág 07

MORTE ANUNCIADA

Aquele bando de garças, socós, marrecos e paturis ainda povoam a minha memória. Naquela visão de adolescente, parecia que a vida brotava ali no belo pomar do Sr. Clotário Alves. Ali éramos os senhores de todas as frutas e da guloseima saída da cozinha farta. Pertinho dali estava a extensão daquele paraíso, a bela e majestosa Lagoa das Piranhas.

Meu pai, Pedrinho Sapateiro, homem de uma visão incomum e grande amante da natureza, acompanhava-me desfiando um rosário de informações às margens daquele Santuário Ecológico. Ali aprendi o nome das árvores, pássaros e peixes. Desconfio que papai foi um dos primeiros ambientalistas de Arcos.

Passados mais de trinta anos, retorno àquelas paragens. No caminho, a memória como em um filme revive aquela fase de adolescente onde toda a realidade parecia um sonho. Lembrei-me que ali estava eu, a caminho de um funeral. Mas como?

A dificuldade de se aceitar o desaparecimento de um ente querido ainda é o drama de todos nós, mortais. O ciclo da vida ainda encerra no seu final a dor, a saudade e aquela sensação de perda. Ali estava, eu e a saudade.

A paisagem, modificada com o passar dos anos, deixava a incerteza do caminho. O bem-te-vi solitário repetia o cantar quase agourento.

Desci do carro e tomei um trilho indicado por um morador ali perto. “A Lagoa das Piranhas é logo ali”, disse ele. No final do trilho, os passos na terra recém-arada não rendiam; dali avistei ao longe um espelho d’água. Seria aquela, a lagoa da minha adolescência? Teria ela encolhido ou os meus olhos de garoto me traíram?

Desapontado, aproximei-me o bastante para ver aquilo que meus olhos não queriam acreditar. Onde estaria aquela lagoa da minha vida? Fechei os olhos

Page 4: Aprendiz de sonhador - Caderno I

marejados e me transportei junto aos imagináveis bandos de garças, paturis, marrecos e socós. A algazarra da passarada, fruto da imaginação, foi quebrada com a chegada daquele morador que indicara a mim o caminho. No seu radinho de pilha, no meio daquele silêncio tumular, ouvia-se baixinho um Réquiem de Mozart.

TREM BÃO

O fascínio exercido pela viagem de “trem de ferro” ainda povoa a mente de

muitos arcoenses. O projeto do “Trem Ferroviário Turístico”, ligando Formiga a Arcos é uma iniciativa que merece aplausos. A estrada de ferro chegou a Arcos em 1907, transportando passageiros, mármore, mercadorias e gado.

A “linha de passageiros”, desativada há muitos anos, poderá renascer entre Formiga e Arcos, percorrendo um trajeto de 30 quilômetros. No percurso, havia a simpática “Estação da Loanda”, onde hoje é pura desolação.

Page 5: Aprendiz de sonhador - Caderno I

O objetivo principal do Ministério dos Transportes é incentivar o turismo local nos finais de semana e o transporte de passageiros nos dias úteis.

A idéia de se criar o “Trem Ferroviário Turístico”, certamente fará com que todas as entidades de Arcos, capitaneadas pela Prefeitura, se mobilizem para viabilizar o projeto. O projeto só sairá do papel com a união das forças locais. É exatamente aí que mora o perigo: as forças locais são dispersas e nunca tiveram o saudável hábito da mobilização. Outro perigo: as mineradoras não têm o mínimo interesse de que o turismo prospere nestas montanhas.

Outra coisa: falta visão e sensibilidade à FEAM (Fundação Estadual do Meio Ambiente) e ao IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente). Estes órgãos interditaram as grutas do Corumbá com exigências descabidas, só não interditaram aquela mineradora, que funciona dentro da Reserva Ecológica.

As dificuldades para se implantar o turismo em Arcos não param por aí. A parte central da cidade não possui uma única lixeira e a praça principal está aos pandarecos. Talvez até não tenhamos condições de dar o pontapé inicial para novos tempos, voltados para o turismo. Se quisermos realmente a implantação do “Trem de Ferro Turístico” e receber turistas no futuro, teremos agora, no presente, de nos prepararmos.

Sonhar não é proibido. Quem sabe, daqui a poucos anos, veremos uma “Maria Fumaça” cortando os caminhos do Corumbá? Em 2007 a linha férrea completará um século...

Jornal de Arcos – Pág. 3

Dezembro – 2003

LOBOS, ONÇAS E PEQUIZEIROS

A bacia do Rio Jacaré, afluente do Velho Chico, quase desapareceu do mapa. No município de Lagoa da Prata, o rio foi alvo do grande equívoco ambiental chamado Provárzeas. Nos anos 70, enormes áreas úmidas foram drenadas para o plantio, ocasionando um impacto ambiental sem procedentes. Até hoje, O Rio Jacaré sofre as conseqüências daquela agressão. Todos os municípios desta região foram alvos do malfadado programa. Em Arcos, o Rio Preto foi uma das vítimas do Provárzeas, mas com um agravante: a antiga indústria Quimbarra despejou toneladas de cal no seu leito, dizimando milhares de peixes. Foi uma triste história de dupla agressão.

Enquanto as indústrias de calcinação queimavam literalmente as matas, o empresário Antônio Luciano, de Lagoa da Prata (açucareira), desviava o Rio São Francisco, encurtando-o em 8 quilômetros, no município de Luz.

Se juntarmos todos os impactos ambientais e somarmos com o “estrago”

Page 6: Aprendiz de sonhador - Caderno I

proporcionado pela mineração do calcário em Arcos e Pains, teremos aí um quadro desolador. Não é à toa que lobos guarás estão visitando os galinheiros da cidade com tanta frequência. A “trocal”, ou pomba do bando, já faz seu ninho na porta da nossa casa. As pedreiras, habitat natural da onça, são invadidas e dinamitadas; acuadas, elas procuram alimento nas fazendas, devorando porcos e bezerros. Fora a matança de capivaras na região, desconfia-se que também as onças estejam na mira das armas. Quantas já foram abatidas?

Em outubro do ano passado, a bacia do Rio Jacaré foi alvo de mais uma agressão. Desta vez, 321 pequizeiros, alguns seculares, foram derrubados. O pequizeiro é a árvore símbolo do cerrado e é protegido por lei. A autorização para a “carnificina vegetal”, que deixou os ambientalistas revoltados, partiu do Instituto Estadual de Florestas – IEF, com sede em Arcos.

Aqui na região, parece não haver mais lugar para lobos, onças, mas... até pequizeiros?

Folha Regional – 2ª Quinzena – Janeiro/2004

REVIRANDO NA COVA

Conheço gente que já foi à Ribeirão Preto unicamente para tomar chop no

Pingüim, o lendário restaurante daquela cidade. Muitas pessoas vão à cidade de Holambra para admirarem plantas e flores. Tem gente que visita até museu de caixinhas de fósforo. No caso de Arcos, quando se fala em turismo, aparecem logo os pessimistas de plantão com as suas teorias beirando o absurdo.

Minas Gerais já possui 36 Circuitos Turísticos, abrangendo 10 regiões. As cidades vizinhas de Formiga, Bambuí, Pains e outras, já fazem parte dos roteiros. Arcos, até o momento, não reservou tempo para discutir com seriedade o potencial turístico. Arcos não está, até agora, incluída em nenhum circuito.

As atrações naturais que Arcos oferece, somadas às estruturas já existentes, fazem do nosso município uma área privilegiada. No ano de 1819 Auguste de Saint-Hilaire esteve nesta região e ficou impressionado com o que viu. Os naturalistas Spix e Von Martius estiveram por aqui e se encantaram com “os aspectos singulares da natureza”. O sábio barão alemão Schwege veio há mais de um século conhecer as cavernas da região.A vocação turística de Arcos é fácil de ser percebida, ela está diante dos nossos olhos. A majestosa gruta da Cazanga é sem sombra de dúvida, uma grande atração. A região do Corumbá, ligada por 9 quilômetros de asfalto é outra dádiva.

No Corumbá se encontra a Loca Posse Grande, com pinturas rupestres datadas de milênios. Temos também no Corumbá a Estação Ecológica, Núcleo Museológico e o Centro de Educação Ambiental. O Museu, apesar da pouca divulgação, atrai muitos visitantes. Outra atração do Corumbá são os fantásticos paredões calcários, ideais para a prática de rapel. A Vila do Corumbá é um capítulo à parte. Construída aos pés de um paredão imenso, encanta a todos que a visitam, fazendo daquela localidade um ponto de encontro, onde não faltam os barzinhos, ainda que simples e pouco estruturados. A Vila do Corumbá não possui ainda meios de hospedagem, nem mesmo uma área de camping.

Em toda a história municipal, prefeito algum quis voltar os olhos para o turismo – é bom repetir: nunca se discutiu esta atividade que cresce no país em ritmo acelerado, gerando emprego e renda. Arcos não tem também o seu Conselho Municipal de Turismo, que seria o primeiro passo para a entrada de verbas do

Page 7: Aprendiz de sonhador - Caderno I

Programa Nacional de Municipalização do Turismo. Ainda, através do Sebrae, seria feito o diagnóstico do potencial turístico. As fontes de recursos para se montar uma estrutura turística são muitas; dentre elas, o Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID, que firmou convênio com o Sebrae, BNDES, Fungetur, Embratur, Geraminas, etc.

Muitas prefeituras já são beneficiadas e a população tem um retorno altamente positivo. Apesar de tudo, nada se fará se não houver a vontade política e a visão necessária.

Os sábios europeus que nos visitaram no passado, certamente revirariam na cova ao saberem que, até hoje, o município de Arcos ainda não acordou para o seu potencial. Pedra não dá segunda safra.

Jornal da Cidade - Pág. 2

20 de setembro – 2001

Os naturalistas Spix e Martius, vindos da Baviera (hoje Alemanha), chegaram ao Brasil em 1817 e percorreram Minas, Rio, São Paulo, Bahia e Norte do País. Acharam fósseis em cavernas de Arcos. (Jornal Estado de Minas – Caderno Gerais pág. 26 - 04/09/2005)

BANHO DE CIVILIZAÇÃO

Bosque das Aroeiras Arcos-MG Onde era brejo, viam-se jardins floridos. As ruas eram impecavelmente pavimentadas. Em 1644, a cidade de Recife era a mais avançada da América do Sul. Ali fora inaugurada uma colossal ponte com 314 metros de comprimento, a maior do país. O Conde Maurício de Nassau talvez tenha sido o melhor

Page 8: Aprendiz de sonhador - Caderno I

administrador, e o político mais competente de toda a história do Brasil. Nassau tirou o país do chão.

Saindo do Recife de 1644, chegamos à nossa Arcos, no ano de 2001. São 357 anos a separar a história. A competência e a visão, tão escassas abaixo da linha do Equador, ainda não produziram um Nassau por essas bandas. O que Arcos produz é calcário e muito ranço político. O banho de civilização fica para depois.

Enquanto a Câmara Municipal diz Amém e tudo parece ter sido feito com a melhor das intenções, Arcos vai perdendo o trem da história. Construções antigas são destruídas e as últimas reservas de área verde fazem a festa dos loteadores.

Nem tudo está perdido. Arcos não é um deserto de idéias, difícil é implementá-las, principalmente quando a boa idéia é produzida pela outra ala política. Aí, nem pensar.

Ultimamente, o espírito de Nassau parece ter baixado em Arcos. Já existe uma nítida preocupação com os grandes temas, como a qualidade de vida, cultura e meio ambiente. Já se discute até o turismo como fonte de emprego e renda.

“Precisamos acordar e dispensar os debates legislativos inúteis”. “Se descuidarmos, tornaremos quase um deserto”. As frases entre aspas são contundentes e expressam uma ansiedade, uma

grande preocupação. São palavras de um grande padre arcoense, culto e viajado. Este padre, em artigo na imprensa, defende a criação de um Parque Florestal Municipal em Arcos. Vozes de diferentes matizes políticas defendem também a criação deste Parque. A criação do Parque Municipal atenderá ao anseio de toda a população e certamente será a concretização de um grande sonho. Ali está a última reserva florestal da cidade. Lá, aroeiras centenárias ainda encontram proteção; precisa falar mais alguma coisa?

Se aquela área, como tantas outras, for transformada em mais um loteamento, será talvez uma das maiores violências que se perpetrarão contra o povo de Arcos. Não é concebível que nos arranquem o único pulmão verde. Não é concebível que tolham os nossos sonhos. Padre Luciano, esta luta é de todos nós.

Até breve, no parque ou no deserto?

Jornal da Cidade – Maio 2001 2ª Quinzena

S.O.S CAZANGA

Nós, os habitantes do centro-oeste mineiro, mansos por natureza, nos contentamos com o velho ditado: “Antes tarde do que nunca”. A recente “Operação Calcário”, que agitou Arcos e região, já veio tarde. Os órgãos responsáveis pela fiscalização das mineradoras vieram em peso. Vieram, fiscalizaram, multaram e ficaram estarrecidos. O resultado de tamanha operação será a assinatura, por parte das mineradoras, de Termos de Ajustamento.

O tal termo é o eufemismo usado para punir as mineradoras que “pisaram na bola”. O Museu, lá no Corumbá, construído pela CSN, é resultado de um Termo de Ajustamento.

Arcos e região são locais onde se concentra o maior número de grutas e cavernas de Minas Gerais. Temos mais de seiscentas, todas elas ameaçadas pela mineração.

A magnitude da “Operação Calcário” deixou bem claro que sempre houve uma certa displicência das autoridades. Algumas mineradoras já funcionavam há bastante tempo, na mais completa ilegalidade.

Page 9: Aprendiz de sonhador - Caderno I

Será que tudo isso vai mudar? As áreas degradadas serão finalmente recuperadas? As grutas e cavernas serão preservadas? Não seria todo esse aparato, um simples “fogo de palha”?

A “mãe” de todas as cavernas da região está aqui em Arcos, é a Gruta da Cazanga.

Estão dádiva da natureza estão “fechada ao público”. Não pretendemos questionar se é legal ou não a proibição do acesso àquela caverna. Afinal, grutas e cavernas pertencem à União. O que pretendemos é estimular o proprietário daquelas terras, para que ele tenha sensibilidade e torne a gruta da Cazanga símbolo da preservação e respeito ao meio ambiente.

Em Arcos já existe uma certa mentalidade voltada para o turismo. Uma das idéias seria a criação do Pólo Turístico do Corumbá. Esta idéia poderá ganhar novos contornos com a criação da Trilha de Trekking, ligando o Corumbá à Gruta da Cazanga. Aos pés da Cazanga há um represa quase irreconhecível. Já imaginaram aquela represa totalmente limpa e recuperada? Uma represa de águas cristalinas, ao lado da principal caverna da região? Já imaginaram quantos empregos o turismo poderia gerar em Arcos? Aliás, falando em turismo, o que anda fazendo o Conselho Municipal de Turismo? Ainda não saiu do papel? Grutas e cavernas não dão segunda safra.

Barão de Eschwege, primeiro sábio europeu a

visitar a Gruta da Cazanga

Page 10: Aprendiz de sonhador - Caderno I

CIDADE DO INTERIOR FICA SEM ÁREA VERDE

“A preocupação com o meio ambiente, felizmente já está dando furtos em nosso país, principalmente nas áreas rurais. Já na urbana, o tema ainda não tem sido tratado com a devida atenção. A falta de um Plano Diretor tem permitido um crescimento desordenado das cidades do interior. Em Arcos, loteamentos proliferam por todos os lados. A última área verde que existia, onde há também nascentes, coberta de árvores centenárias, será transformada em mais um desses loteamentos. Será que existirá um meio para impedir tamanha agressão?”

Nelson G. de Morais

Arcos - MG Jornal Estado de Minas – Primeiro Caderno

Pág. 08 18/07/2004

CARNIFICINA VEGETAL

Page 11: Aprendiz de sonhador - Caderno I

Mataram o Bosque das Aroeiras. Situado na área central de Arcos, o bosque abrigava milhares de aroeiras adultas, algumas centenárias. Naquele bosque, eram também comuns os pequizeiros e as majestosas sucupiras pretas. Naquele local surgirá mais um loteamento.

Os antigos amaldiçoavam a aroeira. Diziam até que, debaixo das aroeiras não nascia capim. Pura lenda. Curiosamente, os antigos também lhes rendiam graças. Quase todas as construções centenárias têm os pilares e o engradamento construídos com a aroeira. Calcula-se a durabilidade dessa madeira em mais de 300 de anos. A aroeira é agressiva na conquista de espaço e forma bosques com paisagens notáveis.

O pequizeiro é a árvore símbolo do cerrado. É protegido por lei. O pequi, fruto do pequizeiro, faz parte da culinária. É também alimento da fauna silvestre. O licor de pequi produzido no norte de Minas é produto de exportação.

Mataram o Bosque das Aroeiras. A devastação daquele bosque não foi causada pelas moto-serras, manuseadas pelas mãos calejadas daqueles homens simples e assalariados. Um deles, confessou-me que aquela derrubada era “uma dó”. Na verdade a destruição do Bosque das Aroeiras foi causada pela falta de sensibilidade, pela falta de visão daqueles que mais deveriam tê-las. Aqueles que deveriam proteger o meio-ambiente o destroem em nome do lucro fácil. Ali, a natureza foi duramente foi agredida, mas não morreu totalmente. Ainda existe lá uma grota, repleta de árvores. Aquela pequena área, ainda devastada, poderá quem sabe, torna-se um símbolo. Seria a Grota das Aroeiras?

Aquele desmatamento constará, com certeza, dos anais da história municipal como uma vergonha e uma barbárie. Uma afronta à nossa Lei Orgânica, uma afronta à população de Arcos.

Julho/2005

Page 12: Aprendiz de sonhador - Caderno I

CANÇÃO DO OLEIRO O animal andando em círculo A pipa vomitando argila Lá se faziam tijolos Um a um, dois a dois. Telha? O Olaria também fazia, Daquelas antigas e curvas, Hoje nos velhos telhados. A marca dos dedos na telha De barro do Olaria. Lá embaixo o oleiro vê as casas Ao longe a mancha verde Rodeada de cidade. Floresta de aroeiras mil Inquieta o velho duende Desmatar? Preservar? Deserto ou oxigênio? Uma carnificina vegetal? Nos tijolos e telhas a dor As marcas das mãos do oleiro Na mata a marca da mão de Deus. Nelson Morais No rosto do homem insensato Dois olhos fitam cifrões.

Jornal Os Pequeninos – Maio / 2005 – Pág. 11

CRIME E CASTIGO

Até os anos 50, Arcos era a terra dos fazendeiros, coronéis e senhores da terra. Quando se queria a cal, amontoavam-se as pedras e cobriam-nas com madeira e

ateavam fogo. A calcinação assim se fazia. Comumente, a cal sobrava por falta de maiores construções.

Com o passar dos anos, a exuberante vegetação da região virou cinzas. Angicos, aroeiras, jacarandás, cedros, sucupiras, ipês e outras árvores, chamadas “madeira de lei”, foram dizimadas pela calcinação. O que vimos em Arcos e na região foi uma verdadeira carnificina vegetal. Para queimar a cal, queimaram toda a reserva florestal da mias alta qualidade. A famosa Mata de Pains transformou-se em combustível fácil e barato. Com a exaustão daquela imensa reserva, o próximo passo foi seguir em direção às matas ciliares, reduzidas hoje às espécies de baixo poder de combustão. Sabe-se que importantes indústrias da cidade queimaram madeiras nobres para alimentar a calcinação. Sabe-se que o volume transformado em cinzas ultrapassou em muito a mínimas regras de respeito à ecologia e ao meio ambiente. Árvores centenárias foram tombadas em nome da industrialização.

Page 13: Aprendiz de sonhador - Caderno I

O Rio São Francisco agoniza e pede socorro. O Rio São Miguel, com um curso de 60 quilômetros, está sendo reduzido a um fio d’água. A pesca predatória dizima cardumes. O Dourado já é raro nesta região. O Piabão do Rio do São Miguel corre para a extinção. Não estamos tímidos demais perante tamanha destruição?

Enquanto o bicho-homem faz suas trapalhadas criminosas, a natureza revida e se enfurece. Nunca se viu um janeiro e fevereiro tão secos. Não seria para expiarmos os nossos pecados?

Jornal da Cidade

Fevereiro / 2001 – Pág. 2

O CASARÃO

Ele é alto, simples e forte, mas confessa que, com o peso da idade, suas paredes

já estão caindo e sua madeira apodrecendo. Muitas vezes, na calada da noite, solta soluços, transformados em pedaços de reboco desprendidos de suas paredes. Nem por isto o casarão deixa de ser imponente e simples. É a nossa própria história, ali contida.

Ajoelhado, quase que aos pés da Igreja Matriz de Nossa Senhora Carmo, testemunho soberbo de toda a vida de nossa comunidade, ali está o casarão. Seus esteios de aroeira, qual pernas de aço, ainda preservam para o nosso convívio as características das habitações senhoriais.

Hoje, pessoas representativas da comunidade querem que o casarão seja resgatado, restaurado e preservado. E mais: querem que ali se faça uma Casa de Cultura.

Infelizmente, não que eu seja pessimista, o casarão vai mesmo é desabar. Segundo palavras do Professor Roulien, “Arcos não possui até agora uma consciência visando preservar sua memória”. Outra opinião formada e dita com muita com muita propriedade é a do poeta arcoense João Evangelista, no seu “O desafio do Rio”, onde diz textualmente: “E a cidade caminha / parece mesmo feliz / bebendo da mesma vinha / do vinho que eu não quis / carro, motoca, lagoa / quanta gente numa boa / nesse louco almofariz”.

E o brado do poeta foi levado pelas brisas, até sumir lá atrás do morro... Realmente, nesse mundo conturbado, nossa cidadezinha ainda não teve

“Tempo” para se dar ao luxo de uma consciência coletiva.

Page 14: Aprendiz de sonhador - Caderno I

Todavia, deveríamos arranjar um tempinho, um pouquinho de esperança e uma pitadinha de amor pela nossa terra! Talvez consigamos resgatar o casarão, como patrimônio e memória desta cidade. Seria muito bom que as futuras gerações vissem ali, naquele casarão, um marco de história e cultura preservado.

Com a palavra, o Sr. Prefeito Plácido Vaz, senhores vereadores, órgão municipal de educação e cultura.

Com a palavra, o Dr. José de Magalhães Pinto, que viveu muitos anos naquele casarão.

Com a palavra, o Dr. José Aparecido de Oliveira, nosso futuro Secretário de Cultura, a quem particularmente deposito um pouquinho de esperança.

“Jornal de Arcos”

Abril 1983 Nº 36

Page 15: Aprendiz de sonhador - Caderno I

DE VOLTA AO PASSADO

A surpresa veio através daquele pequeno folheto. Ricamente colorido, “o folder” sugeria uma volta ao passado. O veículo, uma “Van” da agência de turismo, sairia na sexta-feira à tarde. Lá fomos nós, de volta ao passado.

A poucos quilômetros do destino, já estávamos boquiabertos e contemplávamos a profusão de plantas e flores colorindo as margens da estrada. O guia, solícito, adiantou-nos que aquelas plantas recebiam irrigação e adubação por gotejamento. Ali, as flores eram perenes e transformavam-se em uma atração a parte. Do lado esquerdo da estrada, surgia aos nossos olhos, majestosas montanhas de pedra calcária. A comitiva, devidamente informada pelo atencioso guia, mal acreditava que estava ali diante de detritos marinhos, datados de milhões de anos.

A “van” estacionou ao lado de um agradável quiosque, bem em frente daquele imenso paredão de pedras. Ali, nos foram servidos limonada e um caldo de cana inesquecível. Ali iniciamos uma volta ao passado.

Page 16: Aprendiz de sonhador - Caderno I

Através de uma grande passarela de madeira, deitada sobre um pequeno “canyon”, margeamos aquela pedreira. Dali era possível tocá-la. Impressionou-nos a todos, a profusão de orquídeas e bromélias. Aquilo ali era um verdadeiro orquidário natural. O sol se punha e já estávamos bem próximos da grande surpresa.

Solenemente, o nosso guia comunicou-nos que estávamos chegando ao passado. A única rua, toda pavimentada com enormes placas de pedras estava ali, moldurada por dezenas de casinhas brancas. Aquela rua fora totalmente reconstituída. Lampiões acesos nas fachadas compunham um cenário antigo e cinematográfico.

“A pousada é logo ali, no final da rua”, disse o nosso guia. A pousada era um local simples e aconchegante. Muito limpa, banho quente e uma roupa de cama cheirando a jasmim. Ali todos os empregados passavam por um programa de treinamento na arte de receber o turista. Naquela noite, fomos informados de que poderíamos jantar na própria pousada ou escolher um dos seis restaurantes locais.

Jantamos ali mesmo uma galinha caipira, acompanhada de arroz branco e canjiquinha de milho. Um vinho Malbec, devidamente encorpado, ajudou-nos a espantar o friozinho daquele final de abril.

Estávamos ansiosos para que se iniciasse um novo dia. Queríamos ver e sentir se era mesmo possível voltar ao passado.

Bem cedinho, após o café, saímos a percorrer aquele imenso cenário. A rua era paralela a uma colossal montanha de pedras. Do outro lado, os quintais enormes terminavam em um imenso espelho d’água. O estacionamento, localizado no princípio da rua, estava apinhado de carros. O movimento de pessoas já era grande; muitos munidos de binóculos e máquinas fotográficas. Uma turma jovem trazia equipamentos de escalada e rapel. Antecipando a nossa curiosidade, o guia nos disse que ali estava um dos melhores paredões para a prática de tais esportes.

O Escritório de Turismo, uma pequena cabana de pedras, ficava na entrada do estacionamento. Ali recebemos mapa e o roteiro da região.

A simpática atendente nos sugeriu que lêssemos primeiro o “folder” maior. Nele, estava a verdadeira história daquele local.

Há mais de dois séculos, formou-se ali uma comunidade negra, um Quilombo. Naquela época, a região era um verdadeiro esconderijo, um local de difícil acesso; daí vem o nome CORUMBÁ.

Nós não acreditávamos ainda, mas com a profusão de roteiros em mãos, estávamos realmente de volta ao passado. Você acredita?

Jornal da Cidade

Abril / 2001 - Pág. 2

Page 17: Aprendiz de sonhador - Caderno I

Corumbá

Eram muitos os quilombos. Um estava aqui.

Local de difícil acesso escolhido por Ambrósio.

A montanha de cálcio

Fóssil anônima, vê a degradação, a mineração,

a falta de atenção.

As grutas “interditadas”... - para onde querem nos levar?

Do presente, nos levem ao passado não escondam o mar de história

desta vida bucólica, moradia de homens calcários.

Do presente nos levem ao passado

através das pinturas rupestres na loca de Posse Grande.

Contem a história dos cataguases, hábeis ceramistas

Contem também que, em 1760

Bartholomeu Bueno “Consumio e abrazou” toda a multidão

de negros aquilombados. Neste Corumbá.

Este Caderno é dedicado aos meus filhos

Janine, Guilherme e Nelsinho

Page 18: Aprendiz de sonhador - Caderno I

Ilustração da capa e página 3 – Dicionário Lello - Sob direção de Jaime de Séguier – Lello & Irmão – 1961

Porto-Portugal

Carnificina vegetal Copyright by Nelson Morais

Revisão

Gilberto Vieira da Cunha Júnior

Concepção e organização Nelson Morais

Page 19: Aprendiz de sonhador - Caderno I

PORTA VOZ

Instrumento antigo semelhante a uma trombeta, destinado a fazer

ouvir ao longe a voz humana

Page 20: Aprendiz de sonhador - Caderno I

Leia em Breve:

GINGA (Portugal)

Espécie de remo que, apoiado num encaixe sobre a popa, faz

andar a embarcação