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Universidade Federal de Pernambuco NEHTE / Programa de Pós Graduação em Letras CCTE / Programa de Pós Graduação em Ciências da Computação
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APRENDIZAGEM E CULTURA COLABORATIVA NA WEB: UM OLHAR A PARTIR DOS PORTAIS WIKIA E EASEL.LY
Paulo Ranieri1 (MACKENZIE)
Thais Verdolini2 (MACKENZIE)
Resumo: A evolução tecnológica e o surgimento de uma cultura conectada em rede
alteraram o comportamento dos novos atores sociais, mais reativos e participativos, cujos resultados vemos nas inúmeras possibilidades de reedição e remixagem de informações. Na educação uma das mudanças é a possibilidade de objetos de ensino se tornarem espaços coletivos de aprendizagem e recursos educacionais abertos (REA). Na comunicação a discussão maior está na questão autoral e na credibilidade das informações construídas coletivamente - crowdsourcing. Para saber o que pensam e questionam os futuros professores e jornalistas sobre a cultura colaborativa, propusemos um estudo a partir dos portais Wikia e Easel.ly. Palavras-chave: educação, comunicação, colaboracionismo. Abstract: Technological evolution and the emergence of a net connected culture have changed the behavior of the new social actors, now more reactive and participative, whose results we see in several possibilities of information reediting and remixing. In education, one of the changes is the potentiality of learning objects become collective places for learning and open
educational resources (OER). In the communication field, the most heated discussion is in the authorial issue and in the credibility of information built collectively – crowdsourcing. To know what future teachers and journalists think and question about it, we proposed a study based on the portals Wikia and Easel.ly. Key Words: education, communication, culture of collaboration.
Introdução
Este trabalho nasce em um cenário de muitas novidades, mas também de
incertezas, em relação ao impacto das novas tecnologias no ensino estrutural
tradicional, e busca entender o que pensam os futuros profissionais de Letras e
Jornalismo sobre as práticas colaborativas, a partir de uma experiência
exploratória.
Ao falarmos de coletividade na educação, imediatamente remetemo-nos a
uma semântica distinta da formalidade com a qual nos habituamos ao longo das
décadas, na qual o aprendizado não é mais individual e os amigos ou conhecidos,
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conectados em rede, passam a ser a extensão da nossa própria memória. George
Siemens (2007) começa a tentar organizar em pensamento lógico tantas mudanças,
e fala em conectivismo, como uma das teorias de aprendizagem da era digital.
O surgimento de uma cultura conectada em rede é consequência direta da
grande difusão da Internet, possível graças ao surgimento da World Wide Web
(www), em 1989, que permitiu, por meio de softwares conhecidos como
navegadores, a interligação entre os mais diversos sites por meio de hiperlinks. A
unificação de uma linguagem que permitiu aos computadores se comunicarem
concretizou a ideia de ciberespaço em escala global.
Em quase três décadas de existência, a web ganhou dimensões conectivas por
meio de softwares sociais, que originaram os podcasts, videocasts, wikis e blogs;
por meio de serviços de partilha multimídia, como YouTube, FlickR, BitTorrent e
seus sucessores, e também a partir de serviços de redes sociais, como Orkut, Hi5,
Facebook, MySpace, Twitter, Pinterest, Foursquare, Instagram. Tudo isso
transformou a web em uma plataforma interativa, através de serviços de uso
simples, ao contrário do que ocorria em seus primórdios, quando era necessário
entender de linguagem HTML para interagir com o mundo virtual.
Mas o que fazer a partir do momento em que as redes, as plataformas e os
novos dispositivos, cada vez mais móveis e integrados, passaram a influenciar
diretamente a economia, a política, as artes, a comunicação social e o ensino?
Partimos de três pressupostos: 1- a sociedade híbrida que vive o conectivismo é a
continuação da sociedade da informação e do conhecimento e tem como fruto o
aluno reflexivo, que faz uma imersão na aula, quando perpassa as paredes físicas
da sala, adentra no mundo virtual, extrai o que for relevante para a aula e volta
para interagir e interatuar na construção, no fazer a aula com o professor. (PEÑA;
ALEGRETTI, 2012. p.106); 2- o conectivismo busca respaldo no construtivismo, que
defende a ideia da aprendizagem humana ser um processo contínuo de interação
com o meio e com o outro, construindo e organizando seu próprio conhecimento; e
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3- é emergente conhecer cada vez mais o cenário para que se possa começar a
responder algumas das questões existentes e levantar novas indagações.
O que sabemos é que nesta nova cultura não se vê mais a distinção entre
distribuição e produção ou entre emissão e recepção. (MIRANDA, 2008. p.119). Ou
ainda que o público dessa nova cultura busca integrar-se coletivamente a uma
realidade de produção livre e colaborativa em rede, que aumenta as possibilidades
e a liberdade para obter informações a partir das mais diversas fontes, dando ao
cidadão a capacidade crítica de escolhas até então impossíveis com as tecnologias
análogas ou as mídias de função massiva (LEMOS; LÈVY, 2010; TORRES, 2008).
Em um ambiente de inteligência coletiva (LÈVY, 1996), a busca por integrar-
se a uma realidade de produção livre e colaborativa aumenta as possibilidades e a
liberdade para obter informações a partir das mais diversas fontes, dando ao
cidadão a capacidade crítica de escolhas até então impossíveis com as tecnologias
análogas ou as mídias de função massiva.
A necessidade de participação do ser humano nas mais diversas manifestações
sociais (família, comunidade, trabalho, luta política, manifestações culturais e
artísticas, comunicação social) é natural, e nesse contexto o surgimento das redes
e da interligação entre elas torna-se fundamental. As pessoas participam, segundo
Bordenave (2008. p.11), porque nenhum homem é uma ilha e desde as suas origens
vive agrupado com seus iguais. Há duas bases, complementares entre si, possíveis
de serem percebidas na participação: uma base afetiva (o prazer de participar) e
uma instrumental (fazer coisas com os outros é mais eficiente que fazer sozinho).
O Jornalismo e os recursos educacionais abertos na cultura
colaborativa
Notícias, segundo Okada et.al (2011), são recursos de informação aberta, já
que, na preparação de textos ou materiais didáticos para a aprendizagem formal ou
informal, em qualquer área do conhecimento, o início é a busca de referenciais
teóricos seguida de reflexão e aprofundamento, como faz o bom jornalismo.
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Tomamos ainda, como base, o fato de que o conhecimento pessoal é
composto por uma rede, que alimenta organizações e instituições (jornalísticas ou
não), que por sua vez retroalimentam a rede, provendo novo aprendizado para os
indivíduos. Este ciclo de desenvolvimento do conhecimento, segundo Siemens
(2007), pessoal à rede, da rede às organizações e das organizações às pessoas e
novamente à rede, permite aos “aprendizes” estar sempre atualizados em sua área
mediante as conexões formadas. É o que ocorre com as redes de notícias.
Em Hackear el Periodismo, o argentino Pablo Mancini (2011) afirma que a
audiência é peça fundamental para a distribuição de conteúdos jornalísticos. Se por
um lado o público busca credibilidade nos textos produzidos por jornalistas, por
outro já é notável o fato destes textos não serem diretamente acessados, em boa
parte das vezes, em sites de notícias, mas compartilhados em espaços virtuais que
não são exatamente noticiosos, como redes sociais.
Segundo Mancini, o leitor chega aos textos escritos por jornalistas por meio
dos próprios leitores, que nesta nova cultura funcionam como motores da
distribuição. “A circulação de conteúdos, nunca antes esteve tão otimizada, foi
tão precisa e esteve tão expandida quanto alinhada com os interesses da própria
audiência como agora” (MANCINI, 2011. p.42). O público agora é capaz de difundir
conteúdo onde quiser e recebê-lo da mesma forma, apenas o que realmente
interessar, sem importar os canais de distribuição que um meio de comunicação
utilize ou queira fortalecer. “A circulação está totalmente fora do controle tal e
como era entendido durante o século passado” (ibid.).
Outro ponto importante que promove transformações consideráveis no campo
jornalístico é a criação de textos pela própria audiência, que vai muito além da
simples colaboração, que conhecemos como jornalismo participativo. Neste existe
um incentivo por parte do jornalista para que o público envie o seu material a ele,
jornalista.
Na educação, os recursos educacionais abertos (REAs) podem ser definidos3
como materiais ou objetos de ensino, aprendizado e pesquisa em qualquer suporte
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ou mídia, que estão sob domínio público, ou licenciados de maneira aberta,
permitindo que sejam utilizados ou adaptados por terceiros.
O uso de formatos técnicos abertos facilita o acesso e o reúso potencial dos
recursos publicados digitalmente. Recursos Educacionais Abertos podem incluir
cursos completos, partes de cursos, módulos, livros didáticos, artigos de pesquisa,
vídeos, testes, software, e qualquer outra ferramenta, material ou técnica capazes
de apoiar o acesso ao conhecimento.
No Brasil, o Projeto sobre Recursos Educacionais Abertos: Desafios e
Perspectivas, em 2008, foi um dos pioneiros no Brasil que tenta apropriar à
realidade e às perspectivas brasileiras a discussão internacional sobre o assunto.
(Comunidade REA-Brasil, 2011, online).
De acordo com Okada et.al. (2012), o processo de recriação de novos
conteúdos a partir dos recursos existentes abertos através das mídias sociais
oferece oportunidade para aprendizagem aberta coletiva, na qual coaprendizes
podem aprender juntos não só através do acesso aos conteúdos, mas também da
experiência de reconstruí-los, integrando a sua própria interpretação, bem como
obtendo o feedback dos coaprendizes de suas redes sociais (OKADA, et.al., 2012).
Os autores explicam que a riqueza de meios é decisiva para ajudar os usuários
a transformar o conhecimento tácito em conhecimento explícito e compreensível
para os outros através da capacidade de partilhar uma ampla quantidade de sinais
não verbais, traços de personalidade, feedback rápido, bem como o uso de uma
linguagem natural. Interpretando as questões fundamentais desse estudo, o
conteúdo significativo compartilhado através de mídias sociais pode permitir o
discurso reflexivo, uma nova experiência e a aprendizagem participativa.
Informações educacionais abertas referem-se a mensagens de acesso público
relacionadas com eventos, notícias, referências bibliográficas, tecnologias e
produção de REA. Estas mensagens também incluem sugestões, perguntas,
recomendações e reflexões. Além disso, podem conter conexões com conteúdos em
vários formatos, por exemplo, imagens, textos e videoclipes.
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“Imagens educacionais abertas são arquivos em diversos formatos (JPG, GIF, PNG, …) com licença aberta produzidos com uma intencionalidade educacional explícita que é apresentada junto com o arquivo. Estas imagens de acesso aberto e uso educacional referem-se a fotos, figuras, gráficos, pinturas abstratas, composições e colagens que podem ser
reutilizadas por outros usuários seguindo as indicações da licença Creative Commons. Estes usuários podem utilizar estes arquivos com outros propósitos. No entanto, ao ter acesso também às idéias, aos métodos e aos aplicativos utilizados para criar a imagem podem aproveitar também estas informações para ampliar suas novas produções(...) Videoclipes educacionais abertos são arquivos curtos de vídeo em diversos formatos (MOV, AVI, M4V, …). (...) Os videoclipes podem referir-se a entrevistas, apresentações, trechos de palestras, tutoriais sobre tecnologias, curtas histórias e demais produções audiovisuais para aprendizagem que podem ser reutilizadas por outros usuários seguindo as indicações da licença. Estes usuários podem utilizar estes arquivos com outros propósitos tanto selecionando trechos específicos do videoclipe como também remixando com outros. Os usuários também têm acesso às idéias, aos métodos e aos aplicativos utilizados para produzir videoclipes e podem aproveitar também estas informações para ampliarem suas novas produções (...). Os mapas educacionais abertos são representações gráficas que podem representar conceitos (mapa conceitual), argumentos (mapa argumentativo), tempestade de ideias (mapa mental) e informações da
web (mapa web). Estes tipos de mapa disponibilizados com licença creative commons podem talvez estar disponíveis em repositórios abertos, deste modo, outros usuários podem editar e adaptar seus conteúdos” (OKADA, ET.AL., 2012, online).
Para TORRES, et.al. (2012, online), na preparação de textos ou materiais
didáticos para a aprendizagem formal ou informal, em qualquer área do
conhecimento, o estágio inicial é a busca de referenciais teóricos seguida de
reflexão e aprofundamento. O pensamento do escritor interage com o pensamento
dos diversos autores selecionados, representados neste momento pelas suas obras,
e o resultado dessa interação concretiza-se em sua própria elaboração.
Na Web 2.0, os participantes interagem, sugerem, criticam, contrapõem ideias, exercitam a colaboração de forma a superar o comportamento anteriormente verificado na Web 1.0, onde as informações configuravam-se em fonte (repositório) para o consumo dos aprendizes, sem interação, restringindo-os a um auto-estudo de conteúdo digital. (TORRES, et.al., 2012, online).
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Se tanto os referenciais teóricos, quanto as interações com os diversos
autores estão disponíveis nos ambientes virtuais e nas diferentes redes sociais, esta
elaboração de conteúdo pode tornar-se colaborativa em sua essência, ou seja,
mediada pela efetiva interação entre os pares, pesquisadores e profissionais que
detêm relevantes contribuições para compartilhar.
Contos Abertos no Wikia: a aprendizagem no colaboracionismo
O projeto Contos Abertos foi realizado com 30 alunos de quarto semestre do
curso de Letras, na disciplina de Produção de Textos em Língua Inglesa. No início
desse período do curso normalmente aborda-se a estrutura do conto “short story“,
e, por isso, foi solicitado aos alunos que pensassem um enredo para um conto
curto, que seria construído de maneira colaborativa, em duas semanas.
No laboratório de informática os alunos foram divididos em pares, e cada
dupla iniciou a escrita de um conto, continuado por outra dupla na aula seguinte e
finalizado por um terceira na aula subsequente (em organização definida por
sorteio). O professor acompanhou cada fase, monitorou os trabalhos e observou as
reações sem interferências, sem corrigir os textos ou opinar em sua construção. Na
última aula do projeto, os alunos puderam abrir suas histórias iniciais e analisar
como foram continuadas e finalizadas.
Para a experiência, foi escolhido o site de criação coletiva Wikia, definido em
sua própria página como “the world’s largest network of collaboratively published
video game, entertainment, and lifestyle content on the web through a trusted and
customizable platform designed to help people share what they know and love”. 4
Wikis são sites que permitem aos usuários inserir, modificar ou apagar
conteúdo (textos, fotos, vídeos etc.), normalmente usando uma linguagem
simplificada markup ou editor de textos rich-text. As wikis funcionam de maneira
colaborativa e servem a diferentes propósitos, que vão do entretenimento ao
gerenciamento de conhecimento, além da possibilidade de estabelecer nexos entre
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textos (a wiki mais famosa é a Wikipedia, a enciclopédia virtual colaborativa). Para
criar algo no Wikia é preciso realizar um breve cadastro e criar um login.
Antes de iniciar o projeto, foi aplicado um questionário aos alunos com
perguntas abertas relativas a experiências anteriores em aprendizagem
colaborativa, às impressões que tinham sobre o fato de outras pessoas interferirem
na história e à possibilidade ou não de o experimento contribuir para o aprendizado
da língua estrangeira5.
Em sua grande maioria (em torno de 90%), os alunos não sabiam definir
aprendizagem colaborativa e afirmaram nunca ter participado de uma atividade do
gênero. Os poucos que arriscaram uma resposta disseram que seria algo como
“trabalhar em grupos”, “um ciclo de aprendizagem” ou “uma maneira de contribuir
com o trabalho de outro por meio da troca de ideias”.
Quanto ao fato de ter alguém intervindo na história, grande parte dos
envolvidos se mostrou bastante positiva, afirmando ser interessante ter diferentes
opiniões e que implicaria em estarem mais atentos aos erros gramaticais. Por outro
lado, alguns declararam que não se sentiriam à vontade em ter outras pessoas
julgando suas criações e seus erros, ou ainda que outros participantes
“bagunçariam” suas histórias e “destruiriam” seus contos com criações ruins.
Ao longo da experiência, à medida que se puseram a escrever, notou-se que o
discurso apresentado no questionário inicial de que o projeto seria muito produtivo
e interessante, para muitos se desfez. Para cerca de um terço da sala, a introdução
do conto criado pelos colegas era pobre, clichê, mal-escrita, ou sem gancho para
uma boa continuidade. Para os demais, ainda a maioria, a história parecia boa e
estava fácil e prazeroso continuá-la.
O questionário final com perguntas abertas6 e fechadas7 nos possibilitou
compreender mais a experiência. Cerca de 95% dos alunos afirmaram ter gostado
da experiência e disseram ter aprendido bastante com a tarefa, melhorando
vocabulário, técnicas narrativas, atenção às normas da língua inglesa (por conta do
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receio de errar e ser corrigido pelos colegas) e, principalmente, a criatividade e a
habilidade de improviso.
Quase todos responderam que gostariam de realizar atividades semelhantes
futuramente; e somente um aluno apontou que era muito exaustivo e, portanto,
não gostaria de fazer parte de outro projeto desse tipo.
No entanto, na pergunta relacionada à narrativa, a maioria dos envolvidos
mostrou-se descontente. Cerca de 80% disseram não gostar da sequência dada aos
contos. Muitos julgaram o texto pobre, sem criatividade ou sem real esforço para
ser interessante. Quase todos afirmaram que a história terminou de modo
completamente diferente do que se a tivessem escrito inteira, mas não saberiam se
a narrativa seria melhor ou pior caso a tivessem feito eles mesmos.
Na questão referente aos problemas da cultura colaborativa, a falta de
comprometimento dos envolvidos foi a mais apontada. Foram quase unânimes ao
afirmar que o desinteresse e o pouco comprometimento com a colaboração
impediram um melhor aproveitamento da atividade. Para estes alunos de Letras, a
cultura colaborativa pode ser definida como junção de ideias, troca, tolerância,
participação, imaginação, comprometimento, empatia, união, coletividade,
inovação e paciência.
Quase 70% dos envolvidos atribuíram nota 4 ao valor das práticas colaborativas
para a aprendizagem; os outros 30% marcaram nota 3. Em torno de 56% consideram
nota 3 o valor da eficácia da prática colaborativa para a experiência com
narrativas; 10% julgam-no nota 2 e os demais, nota 4.
O uso do Easel.ly como construção infográfica coletiva
Assim como no projeto Contos Abertos, o projeto Infografia Coletiva foi
realizado com 30 alunos, mas, aqui, todos de jornalismo, na disciplina laboratorial
de Interatividade Digital, utilizando o portal de criação de infografias Easel.ly.
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Na página inicial do portal, pode-se ler: “create and share visual ideas online;
vhemes are visual themes; drag and drop a vheme onto your canvas for easy
creation of your visual idea! easel.ly is currently in beta.”8
No laboratório de informática os alunos foram divididos em duplas ou trios, e
cada grupo iniciou a construção de um infográfico para uma notícia escolhida
aleatoriamente na mídia impressa (jornais e revistas). A infografia iniciada por um
grupo foi continuada por outro na aula seguinte e finalizada por um terceiro.
As atividades foram monitoradas pelo professor, que tratou de observar as
reações sem interferências, sem corrigir as infografias, interferir na criação dos
alunos, ou opinar em sua construção. Na última aula do projeto, os alunos
compararam a maneira como inciaram seu infográfico com a versão final.
Para iniciar a utilização do Easel.ly é necessário um cadastro gratuito (login e
senha). O portal oferece modelos pré-produzidos como referências que podem ser
continuados; caso o aluno queira iniciar seu infográfico sem as referências, ele
pode. Ao escolher uma das opções indicadas pelo portal, o usuário é levado a uma
tela de edição para iniciar a construção. O portal é de simples entendimento, fácil
acesso e interação, mas há algumas limitações: durante a elaboração dos textos da
infografia não é possível colocar acentuação, e a tabela de cores é restrita.
Por outro lado, existe a possibilidade de tornar a sua criação salva e
disponível para que qualquer pessoa acesse e edite, basta selecionar a opção
“public” na edição do seu infográfico. Também é possível fazer o download como
imagem .PNG e copiar um código de incorporação em HTML.
Antes de iniciar os trabalhos no portal Easel.ly, ao responder a um
questionário com perguntas abertas9 e fechadas10, dois terços dos alunos afirmaram
ter conhecimento médio em relação às práticas da cultura colaborativa e 70% dos
consultados disseram já ter passado por alguma experiência colaborativa
relacionada ao jornalismo.
As opiniões dos alunos sobre a cultura colaborativa foram as mais diversas:
para alguns, “este é o futuro das mídias, e o que vai fazer o jornalismo
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sobreviver”; ou ainda “é uma prática pela qual todo conhecimento pode ser
ampliado e qualquer pessoa pode ajudar o “todo” com a sua contribuição na
“parte”; para outros, “trata-se de um sistema aberto para envio de informações
com a finalidade de complementar dados”; “circulação e troca de informações que
vai modificar a lógica do pensar e agir a que estamos acostumados“; ou “uma ação
que precisa ser bem pensada e produzida, pois sem controle pode gerar
informações imprecisas”.
Houve ainda quem pensasse nas questões de autoria que estamos
acostumados: “nesta cultura, diversas pessoas têm o poder de produzir um mesmo
trabalho de forma democrática, embora prejudique a noção de autoria em relação
ao original”; ou ainda “a cultura colaborativa representa a modificação no sentido
de autoria para algo mais amplo, onde o original continua sendo original a cada
complemento, e esse modelo consolida o sentido de coautoria”.
No geral, a grande maioria julgou ser válido o fato de “outra pessoa” alterar
aquilo que foi iniciado, mas com restrições em relação ao conteúdo e direitos
autorais: “acho válido desde que sirva como modo de complementação do
conteúdo abordado, sem que se altere a natureza da criação”; “é complicado, já
que a outra pessoa pode não ter o mesmo conhecimento sobre determinado assunto
e alterar de modo incorreto, mas entendo e aceito as mudanças”; “ninguém detém
um nível de conhecimento tão alto que não possa admitir novas ideias a respeito de
algo”; “não me sinto confortável com a ideia alterar a minha criação, mas
reconheço os pontos positivos; “não vejo problema, desde que os direitos autorais
sejam creditados”; “a questão da autoria é muito importante. É preciso que se
deem os créditos sempre e haja consenso de todos sobre as alterações”.
Duas semanas após participarem da experiência, os alunos responderam a um
questionário final11 e as percepções em relação ao que se pode construir de forma
colaborativa permaneceram positivas com restrições. Novamente, dois terços dos
alunos indicaram que as práticas coletivas são muito eficazes para se criar uma
narrativa melhor e mais elaborada e quatro alunos indicaram ainda ser excelente.
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Outro ponto interessante foi o fato de todos demonstrarem interesse pleno
em ter uma nova experiência colaborativa no futuro e afirmarem que as práticas
colaborativas não só auxiliam no enriquecimento da construção narrativa, mas
também no aprendizado sobre o tema que se trabalha no texto.
Figura 1: Uma Vida Putinesca
Infografia criada coletivamente por alunos de jornalismo de 7º semestre na disciplina Interatividade Digital, utilizando o portal Easel.ly12.
Conclusão
Este trabalho não teve como pretensão desenvolver uma nova teoria, mas
entender, a partir de uma pesquisa exploratória, o que pensam os alunos imersivos
sobre as práticas colaborativas na aprendizagem. Partindo de três pressupostos,
entre eles a teoria conectivista, e atendendo a uma característica interdisciplinar,
que cruzou tecnologia, educação e comunicação, verificou-se que, apesar dos
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percalços e algumas frustrações, a tarefa colaborativa produziu resultados
expressivos em termos de aprendizagem.
Ainda que talvez não tenha contribuído tão fortemente para a aprendizagem
de uma disciplina específica (não se comprovaram resultados significativos relativos
ao aprimoramento da língua inglesa somente com uma atividade desse tipo,
realizada em curto período de tempo), certamente coopera na formação dos alunos
para as habilidades exigidas aos profissionais da era digital.
Ressaltamos que a proposta de experiência com práticas colaborativas de
construção textual não pretendeu também estimular a reflexão sobre direitos de
autor e propriedade intelectual, embora seja uma discussão importante e tenha
sido lembrada pelos alunos.
Os novos instrumentos de comunicação em ambiente hipermidiático
possibilitam mais do que níveis de interatividade entre objeto e leitor, chegando à
plena participação, como abertura à edição de conteúdo e as possibilidades de
alteração visual e estética.
Na sociedade híbrida dos alunos imersivos, todo mundo pode ser autor e ao
mesmo tempo ninguém é autor; todos são produtores e ao mesmo tempo
consumidores do mesmo conteúdo. Já não há mais fronteiras entre quem faz e
quem recebe ou compartilha informação, e todos se equivalem em extensões
conectivas memoriais. Os novos alunos de uma estrutura de ensino que foge ao
estrutural buscam na construção coletiva do conhecimento o próprio
conhecimento. Estamos ainda longe de uma leitura definitiva do cenário.
Referências
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MANCINI, Pablo. Hackear el periodismo: manual de laboratorio. 1.ed. Buenos Aires: ICRJ
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MIRANDA, José B. O fim da distância: a emergência da cultura telemática. In: Felice,
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Colearning and professional development. 2012, online. In: http://oer.kmi.open.ac.uk/.
PEÑA, Maria de los Dolores; ALEGRETTI, Sônia. Escola Híbrida: Alunos Imersivos. Revista
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SIEMENS, George. Conectivismo: Una teoría de aprendizaje para la era Digital. Diego E.
Leal Fonseca (trad.). Este trabajo está publicado bajo una Licencia Creative Commons 2.5.
2007.
TORRES, P. L.; et.al. Construção coletiva do conhecimento: desafios da co-criação no
paradigma da complexidade. In: Open Educational Resources and Social Networks:
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TORRES, Julliana C. Cyborgcracia: entre gestão digital dos territórios e redes sociais
digitais. In: Massimo Di Felice (org.) Do Publico para as redes: a comunicação digital e as
novas formas de participação social. São Paulo: Difusão, 2008. pp. 227-286.
1 Paulo RANIERI, Prof. Doutorando
Universidade Presbiteriana Mackenzie (MACKENZIE) Centro de Comunicação e Letras - CCL [email protected] 2 Thais VERDOLINI, Profa. Dra.
Universidade Presbiteriana Mackenzie (MACKENZIE) Centro de Comunicação e Letras - CCL thaishelena@mackenzie. br 3 Definição para REA da Unesco/Commonwealth of Learning com colaboração da Comunidade REA-Brasil
(2011). In: http://rea.net.br/site/rea-brasil. 4 A maior rede mundial de conteúdo colaborativo publicado em videogame, entretenimento e estilo de vida
através de uma plataforma customizada projetada para ajudar as pessoas a partilharem o que elas conhecem e amam. Fonte: www.wikia.com.
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5 Perguntas do questionário inicial: Você conhece algo sobre aprendizagem colaborativa? Em caso afirmativo,
conte o que sabe.; Você já realizou algum tipo de tarefa colaborativa em sala de aula?; Como você se sente em saber que alguém vai interferir em seu conto?; Você acha que a experiência vai ajudá-lo a melhorar sua redação em inglês? Por quê (não)? 6 Perguntas abertas do questionário final: O que você achou do projeto?; Você acha que essa tarefa colaborativa
o ajudou a aprender algo? Em caso afirmativo, o quê?; Como você avalia a sequência que outras pessoas deram à sua história?; Você a teria terminado do mesmo modo? Se você tivesse feito sozinho, teria saído melhor ou pior?; Você gostaria de ter mais experiências como essa no futuro? Por quê (não)?; Qual o principal problema da cultura colaborativa em sua opinião?; Como você define a cultura colaborativa em uma única ou em poucas palavras? 7 Perguntas quantitativas: Numa escala de 0 a 4 (sendo 0 muito ruim e 4 excelente), que valor você atribui: 1. Às
práticas colaborativas para a aprendizagem?; 2. Á eficácia da prática colaborativa para a sua experiência com narrativas?; 3. Ao comprometimento com o coletivo de quem participa de atividades colaborativas? 8 Crie e compartilhe ideias visuais online; ‘vhemes’ são os temas visuais; arraste e solte um vheme em sua tela
para iniciar uma fácil criação de sua ideia visual! Easel.ly é atualmente um formato beta”. 9 O que você pode dizer sobre a cultura colaborativa com o conhecimento que você tem?; O que você pensa
sobre o fato de alguém alterar a sua criação? 10
Numa escala de 0 a 4 (sendo 0 muito ruim e 4 excelente), como você avalia seu conhecimento sobre a cultura colaborativa?; Numa escala de 0 a 4 (sendo 0 muito pouco e 4 muito) Você já teve alguma experiência colaborativa relacionada ao jornalismo?; Numa escala de 0 a 4 (sendo 0 nada e 4 muito) O que você sabe sobre o portal Easel.ly? 11
Questão aberta: Qual é o principal problema da cultura colaborativa, agora que você passou por uma experiência? Questões fechadas: Você acha que as práticas colaborativas auxiliaram no seu aprendizado sobre o tema? (SIM) ou (NÃO); Você gostou da infografia que deixaram para que você continuasse? (SIM) ou (NÃO); Você gostaria de ter nova experiência colaborativa no futuro (SIM) ou (NÃO); Numa escala de 0 a 4 (sendo 0 muito ruim e 4 excelente) Que valor você atribui à eficácia da prática colaborativa para a construção de narrativas?; Que valor você atribui ao comprometimento de quem participa de atividades colaborativas? 12
Uma Vida Putinesca. Reportagem de Tatiana Gianini em edição impressa de VEJA.
http://veja.abril.com.br/blog/ricardo-setti/vasto-mundo/russia-a-vida-nababesca-quer-dizer-putinesca-do-tirano-vladimir-putin/.