8
Armandinho Neves Pesquisar Web samba-choro.com.br Página principal » Artistas Este texto foi originalmente publicado no "Urubú Malandro", caderno do Clube do Choro de São Paulo, em edição especial de Agosto de 1978, e é de autoria de Rodrigues Nunes. ARMANDINHO, CHORÃO PAULISTA, CORAÇÃO BRASILEIRO "Eu? Nasci em dois. Em Campinas. Rua General Ozório. Minha Mãe? Uma italiana bonita, com olhos azuis de bicho d'água. Meu pai, negrão barbudo, bonzinho como ele só, dizia sempre, com muito jeito, que eu não era grandes coisas. E olha, não era mesmo. A bola estava sempre perto de mim. E bola, naquela época, era assunto que não prestava. Ainda mais para preto. "Aquele negócio? Ah! foi em vinte. Violão sempre foi mais fácil que violino. Peguei o seis- cordas e fui atrás do mestre. Encontrei um cara enjoado que pisava numa cadeirinha de meio palmo. Falei que queria aprender violão até fazer bonito, igual aos camaradas que tocavam olhando a música no papel. Ele disse que eu era orelhudo. E que orelhudo não dá em nada. E que isso...e que aquilo e aquilo outro. "E eu? Saí de lá feito um louco. Chutei uma pedra da rua, olhei para trás e falei pra mim mesmo: eu mostro pra esse fiadaputa!" Armando Neves nasceu em Campinas, São Paulo, em 28 de novembro de 1902 e morreu na cidade de São Paulo em 12 de outubro de 1976. Armandinho nunca deu importância a comentários de quem quer que fosse. Rapazinho ainda, lidou trabalhou, até conseguir fazer uns treinos na Ponte Preta. Apesar de feliz na tentativa, não conseguiu vencer a imposição situacional da família que, de mala e cuia, dirigiu-se para São Paulo. E ele veio. Recém transferido, filiou-se à Associação de Sports Athléticos como

Armandinho Neves

Embed Size (px)

DESCRIPTION

life of Armandinho Neves

Citation preview

  • Armandinho Neves

    Pesquisar

    Web samba-choro.com.br Pgina principal Artistas

    Estetextofoi

    originalmente publicado no "Urub Malandro", caderno do Clube do Choro de So Paulo,em edio especial de Agosto de 1978, e de autoria de Rodrigues Nunes.

    ARMANDINHO, CHORO PAULISTA, CORAO BRASILEIRO

    "Eu? Nasci em dois. Em Campinas. Rua General Ozrio. Minha Me? Uma italiana bonita,com olhos azuis de bicho d'gua. Meu pai, negro barbudo, bonzinho como ele s, diziasempre, com muito jeito, que eu no era grandes coisas. E olha, no era mesmo. A bola estavasempre perto de mim. E bola, naquela poca, era assunto que no prestava. Ainda mais parapreto.

    "Aquele negcio? Ah! foi em vinte. Violo sempre foi mais fcil que violino. Peguei o seis-cordas e fui atrs do mestre. Encontrei um cara enjoado que pisava numa cadeirinha de meiopalmo. Falei que queria aprender violo at fazer bonito, igual aos camaradas que tocavamolhando a msica no papel. Ele disse que eu era orelhudo. E que orelhudo no d em nada. Eque isso...e que aquilo e aquilo outro.

    "E eu? Sa de l feito um louco. Chutei uma pedra da rua, olhei para trs e falei pra mimmesmo: eu mostro pra esse fiadaputa!"

    Armando Neves nasceu em Campinas, So Paulo, em 28 de novembro de 1902 e morreu nacidade de So Paulo em 12 de outubro de 1976.

    Armandinho nunca deu importncia a comentrios de quem quer que fosse. Rapazinho ainda,lidou trabalhou, at conseguir fazer uns treinos na Ponte Preta. Apesar de feliz na tentativa,no conseguiu vencer a imposio situacional da famlia que, de mala e cuia, dirigiu-se paraSo Paulo. E ele veio. Recm transferido, filiou-se Associao de Sports Athlticos como

  • jogador de futebol. E foi jogar bola no meio dos marmanjos. Como nada fosse possvel com abola em termos de renda, no encontrou outra sada seno a de biscatear pela So Paulo dascasas sujas, oferecendo seus prstimos de pintor de paredes, ajudante de pedreiro, fazedor decoisas que jamais havia feito, enfim, "virador" profissional. E nunca deixando que escapasseuma chance de parar para aguar as orelhas quando ouvia algum mexendo com msica,fosse numa roda qualquer de boteco, fosse em residncias finas onde emprestava seustrabalhos. E foi tocando seu barco pra frente.

    Em 1919, ouviu muita gente falar de um trio que andava por So Paulo a dentro, rasgandocorao de quem gostava de msica bonita. Eram Canhoto-Abigail-Viterbo, violonista,cantora, folclorista. Armandinho foi cutucando a situao, at que conseguiu v-los em plenovigor de suas amostras. Caiu-lhe o queixo. Recordou Campinas, onde, um dia, ouvira dealgum que precisava estudar violino. Afastou, com habilidade, o pensamento. E, com amalcia de quem nasce com um corao j cheio de promessas harmonizadas, arranjou nacara um sorriso maroto, desses que cheiram amor misturado com dengo e malandragem.Falou baixinho, de si para si: "Violino uma conversa. Meu assunto violo".

    ARMANDINHO VAGOU PRO A, COM OS PS NA BOLA E A MO NO VIOLO

    Arranjou um violo. Para ele que j havia tentado toc-lo algumas vezes, no foi difcil desegurar o pequeno monstro de seis cravelhas. Amizade. Que s terminaria com a morte de umdos dois. E ps-se a compor umas emboladas sem graa. A bola no deixava muito tempopara o pinho. Insistiu. Foi em 1920 que procurou professor. O mestre achou que para criarcoisas bonitas era preciso que o aluno entendesse de msica, notas, pautas, que fosse doutorem um negcio chamado teoria. No recebeu Armandinho com respeito. Ento ele saiu e, fuloda vida, chutou uma pedra na rua...

    Armandinho vagou por ali. Glicrio, Brs, I piranga e Cambuci, com os ps na bola e as mosno violo at que chegou o ano de 1923. Conheceu na Glicrio dois violonistas: Gustavinho,que tocava violo por msica e f-lo chorar ao ouvir um trecho de Beethoven, e Jos AlvesSilva, orelhudo como ele. O Zezinho mostrou alguma coisa de choro: o mulato acendeu. Tantofez e aconteceu que no mesmo ano de 1923, no dia 10 de julho, apareceu no palco do "CineOberdan - o mais confortvel do Brs", no meio de uma turma composta por WalkiriaMoreira, Paraguass, Nestor Amaral e outros sucessos da poca. Foi a sua estria comoartista de verdade. No ano seguinte, j no precisou mais pintar paredes porque tinha umaocupao melhor: acompanhar Paraguass em suas cantorias. E com a mesma constnciacom que grudava mais e mais, a cada dia que passava, o violo ao peito magrelo, ele noconseguia dar trgua aos ps: jogava bola no Santo Amaro F.C.

    ROMUALDO E FRAZO ERAM BONS DEMAIS. MAS NO IMPRESSIONARAMARMANDINHO

    Mil novecentos e vinte e sete. Ano bravo, agitado para a msica e msicos paulistas. Sem queningum esperasse tal surpresa, surge, vindo do Norte do pas, uma pequena poro derapazes, tocando, cantando e fazendo um sucesso de se tirar o chapu. "Os Turunas daMauricia". Era um grupo que trazia, entre outros, um flautista de som bonito, chamado

  • Atlio Grany e um sujeito que tocava muito bem bandolim, um tal de Luperce Miranda. Semcontar os dois violes, Romualdo e Frazo, bons demais, mas que j no impressionaramArmandinho. Aquela gente trouxe minhoca brava pra dentro das cabeas dos nossos msicos.E contagiou, nos ideais de seus lderes, a vontade de criar conjuntos.

    Em abril de 1927, surge, criado por Canhoto, o grupo "Os Turunas Paulistas" considerado oprimeiro "grande conjunto regional" da histria do Rdio Paulista. Nada deteria a marcha deorganizao de novos grupos. E foi pela metade do mesmo ano que Armandinho entrou paraa Rdio Educadora Paulista onde logo arranjou cargo de chefe de regional. No contente coma funo, resolveu ser solista de banjo. Durou pouco tempo como banjista. Esqueamos o fato,com a mesma habilidade que ele esqueceu de cont-lo a muita gente.

    Ainda em 27, Armandinho conseguiu uma das coisas que tanto pretendia: jogar em time denome pomposo. Entrou para o Corinthians. Foi do primeiro time e fez gols que devem estarpor a, nos arquivos de quem pesquisa o assunto. Porm, fora do campo, a msica borbulhavabuliosamente, exalava perfume, tinha forma. J no estava sendo possvel a conciliaoentre a beleza do tal aroma e os chutes que dava e recebia a troco de quase nada. Parou parapensar. Pensou, bolou e colocou em uso seu dengo de moo alinhadinho, em prol de seuprprio benefcio: conseguiu, com ajuda dos influentes diretores do Corinthians, um emprego- redigo: emprego! - pblico. E desde ento, passou a entregar parte de seu tempo Ptria. Ea Ptria - coitada! - a receber os prstimos do Sr. Armando Neves. Existem males que surgempara o bem: muito perderia a msica brasileira se Armandinho tivesse que...trabalhar deverdade.

    E o ano de 27 continuava como dinamite de infindveis explodires. Os conjuntos foramaparecendo. Amrico Jacomino organiza suas "Noites Brasileiras", das quais Armandinhoparticipava ativamente. Raul Torres organiza os "Batutas Paulistanos". Surgem trios,quartetos e outras modalidades de conjuntos, tendo sempre Armandinho em seu meio ou emsua liderana. Multiplicam-se os compromissos e Armandinho, amante da tranquilidadecomo sempre foi, mantm o desejo de formar um grupo bem estruturado, que no fosse topassageiro como os demais. De conversa com Raul Torres, fortificada a idia e no anoseguinte surgia o conjunto regional que mais poca marcou na msica da dcada: "OsChores Sertanejos". Compunham-no, Raul Torres (Bico Doce), Antonio Del Bagno (NhoLo), Jos Alves Silva - o futuro Aymor - (Ranzinza), Armando Neves (Lampeo) e ArturSantana (Azulo). Sucesso sem precedentes. Viagens pelo interior. E at gravao de disco deum lado s: "Jacar t no caminho", com selo Parlophon. Na Capital, as casas de ento solotadas com a presena dos Chores. Eis algumas: Cine So Carlos (Rua Guaicurs, 123), CineRoma (Rua Barra Funda, 62), Cine Paulistano (Rua Vergueiro, 140), Cine Glria (Rua doGasmetro, 47), Circo Piolim-Alcebades (Rua So Joo, 162 - prximo ao Paissand), CineSanta Helena (Largo da S), Cine Victria (Rua Turiass, 263) e Cine Central (PraaWashington Luiz, 5).

    Muito se recordava 1926, Ano em que Armandinho conheceu Joo Pernambuco e, juntos,durante uma viagem a Santos junto de Catulo, compem o choro "Serrano". E o sucesso dos"Chores Sertanejos" continuou at que, em fins de 1930, foi decaindo o ritmo dos trabalhos.Os membros do conjunto foram se afastando, sendo substitudos a princpio; depois,

  • causando o fim do grupo. Armandinho, j desligado da Rdio Educadora Paulista, passou aprestar seus servios Radio Sociedade Record em outubro de 1930, sem ser, mo entanto,contratado. Junho de 1931. oficialmente integrado ao "cast" daquela Organizao. Entrega-se, lentamente, ao vcio do comodismo, dando incio a uma etapa semi-morta da sua carreirade compositor, etapa que, sem que ele mesmo soubesse, haveria de durar trinta anos.

    "Na Record? Ah! Passou rpido. Aquela chateao de durante o dia na Repartio ficava paratrs quando eu ia noite para a Rdio. Teve gente que saiu por a, fez sucesso. O Rago, oAymor, o Zezinho, o Garotinho do banjo, o Laurindo, e mais uma turma grande...E passoutanta gente pela minha mo, rapaz!"

    Armandinho sente, jogada no rosto, a imagem da mgoa. E fala, tentando encobrir a tristezacom seu dengo natural, fracassando na tentativa e s conseguindo aument-la:

    "Pois baixinho! A nica coisa que no me conformo at hoje com o Vassourinha.Coitadinho! Se no tivesse ido to cedo, seria melhor, mas muito, muito mesmo, superiorquele cavalo do chico Alves.Quantas vezes aquele menino cantou ali naquele canto - apontacom a piteira para um canto decorado com teias de aranha - e pediu para que eu lhe ensinassemais bossa, mais molejo. No foi, Alpio?"

    "Voc burro de pensar que eu sou velho, baixinho. Eu estou na minha. Voc que umfedelho, bunda suja, que s presta para ficar a me enchendo o saco com perguntas de milnovecentos e nada. Eu,no! Fico s na minha. De vez em quando aparece um Preldio, umChoro, uma Cano...Ento eu canto, passo pra "cera". E depois algum escreve ele para mim.Depois que eu morror, isto , se voc no morrer antes de tanta cachaa, v se te vira e juntatudo".

    Armandinho sorri. Um sorriso brando, dcil, infantil, imperceptvel aos sentimentos de umhomem medocre, como muitos que o cercavam.

    A estada de Armandinho na Rdio Record durou, oficialmente, de 01/06/1931 at30/09/1961. Remunerado como qualquer outro msico, no era tido nem aproveitado comotal. Dado ao seu extraordinrio ouvido, sua enorme capacidade de memorizar melodias eharmonias, ele sempre teve aqueles dons naturais, de certa forma, esplorados. E com a estriade ser melhor dotado que outros, l ia o Armandinho cumprir o papel de arranjador,preparador de grupo, opinador respeitado nas orquestras e fonte inesgotvel de resposta paraqualquer tipo de instrumentista ou vocalista individual. Respeitavam-lhe as opinies desde omaestro at o modesto tocador de tringulo. Politicamente, ele quase inexistia. Ausente dasrodinhas, cenas costumeiras em qualquer ambiente, parecia ignor-las de tal forma que quempouco o conhecia chegava a outorgar-lhe o qualificativo de "Negrinho Enjoado". Nessesentido, foi muito bem qualificado por Aymor, ao depor que "Armandinho era diferente dosoutros, diferente para melhor, dono de um no-sei-o-qu que todo mundo respeitava". NelsonCruz completou, certa feita, afirmando que "Ele tinha algo de bom dentro de si, algo que nose podia ver mas era impossvel no sentir".

    QUEM MENOS SE IMPORTAVA COM SUA OBRA ERA ELE MESMO

  • Armandinho, que comeara a compor l pelo ano de 1923, jamais forou a inspirao emfavor da criatividade quantitativa. No fazia uso de sua extraordinria capacidade de criaomusical em prol do engrandecer numrico de sua obra. Na verdade, quem menos seimportava em mant-la ordenada, era ele prprio. Achava que era suficiente o trabalho decriar. No entanto, chegava a ficar furioso quando caia em si e via que poucos tocavam suamsica. Empurrado por um comportamento que muito tinha de pueril, riscava dedicatriasque havia feito, por motivos pessoais. E no raras vezes, substituia-as por outras, havendomesmo casos em que, depois de algum tempo, recolocava o primeiro nome que havia riscado.

    Nunca comps de p ou sentado como o fazem os outros msicos. Via de regra, dedilhava seuviolo sobre o peito, sempre em posio semideitado, preparado para ajeitar-se comodorminhoco quando o sono chegasse de vez. Poucas foram as composies que o animaram afazer uso da pressa. Na sua esmagadora maioria, suas msicas eram compostas em dias,semanas ou at meses. E foi quando criava uma das suas ltimas melodias, que se deu aquelecaso que, quando lembrado, leva ao riso muitos de seus amigos. Recordemos suas prpriaspalavras: "Depois que acabou o futebol, desliguei a televiso e fui deitar. Eu estava bolandouma msica e toquei um pouco antes de dormir. Mas, logo ferrei no sono. Dali a pouco, sentium negcio molhando o colcho. E pensei: Ee! Ser que depois de velho, dei para mijar nacama? Levantei a mo e acendi a luz. Rapaz! O quarto estava cheio de gua. E bem no meiodele, estavam, boiando, meu penico ainda vazio e meu violo! A desgraa da chuva norespeitou nem mesmo a minha composio. E veio pra valer. No foi mesmo, Alpio?"

    A primeira fase de suas composies considerada, grosso modo, a menos frtil e mais longa.De 1925 at 1954, ano em que ele se preparava para deixar o emprego pblico, o queaconteceu no ano seguinte. Durante o perodo descrito por aquelas datas, Armandinhocomps cerca de 15 msicas de que se tm notcia, se pode comprovar. Isso significa apenasvinte por cento da sua obra, trabalho que durou 29 anos. Menos, portanto, de uma por anoem mdia.

    Armandinho sempre foi do tipo que se sente muitssimo melhor quando apoiado moralmente.E assim, ao se ver em companhia de quem valorizava suas msicas, sentia muito mais nimopara compor. Ainda em 1954, tendo sua casa freqentada como sempre foi por amigos,msicos na maioria, ressalta no meio dos demais freqentadores, a figura do msico e poetaElpdio dos Santos. J haviam sido at parceiros. Porm, devido diametral diferena deestilos, chegaram por entender que a coisa no daria certo. E nem por isso aconteceuqualquer tipo de ressentimento. Ao contrrio: foi a poca em que elesmais se incentivarammutuamente. Tanto na Record como nas noitadas de msica ou mesmo nas interminveishoras do jogo de sinuca, foram inseparveis. Com a merecida valorizao dada por Elpdiodos Santos, aconteceu aquela que nos atrevemos a chamar de segunda fase, de fins de 1954at fins de 1956. Pouco mais de dois anos: 11 melodias compostas. O ano seguinte, aps oafastamento de Elpdio por motivos de sade, foi infrutfero ao ponto de no se ter registro denenhuma composio. de se deduzir que 1957 foi, para Armandinho, um ano de gozo de sualiderana na Record, de muito progresso com os canrios - que criava com amor paralelo aoque nutria pela msica - muitos jogos de sinuca...e de bicho tambm.

  • A terceira fase teria o seu incio em fins de 1959 e seria, indubitavelmente, a mais rica eprodigiosa de sua carreira. Teve como ponto de partida o surgimento, em sua vida, do seumaior incentivador, o violonista Geraldo Ribeiro. Verdadeiro fenmeno violonstico, tido commuita justia, como um dos maiores msicos que esta terra j conheceu. Geraldo amou amsica de Armandinho to logo a recebeu, executada pelo autor. E diante do fato absurdo docompositor no as ter registrado por no conhecer msica, ps-se a secrev-las. Armandinho,por sua vez, abandonou por algum tempo a displicncia que de h muito o acompanhava ejorrou msica por sobre o violo, msica que mal era concebida e j estava sendo perpetuadaem papel pelo Geraldo. Convidado por Armandinho, o violonista mudou-se para sua casaonde permaneceu at maio de 1961, quando a displicncia e o tdio voltaram a tomar conta docompositor. Com a sada do Geraldo, encerrou-se a fase que legou msica brasileira nomenos que 19 composies, feitas em pouco mais de 13 meses.

    Logo em seguida, viria ocorrer a ltima fase, a segunda mais produtiva: Vital Medeiros. Eraoutro msico freqentador da Glicrio 348, violonista Virtuose ( virtuose com V maisculo.No por nada, seno para caracterizar o seu virtuosismo, diferente do dos garotos que vomas acabam voltando), colocou-se disposio de Armandinho para escrever o que fossecomposto. E trabalhou at 1968, passando para o papel 20% da obra musical de Armandinho.

    1974: ANO DE ADEUS VELHA GLICRIO

    Por volta de 1970, a velha turma de freqentadores da sua casa foi se dissolvendo. comoacontece com tudo na vida. A solido passa a dar o ar da graa por ali. Poucos eram os amigosque por l apareciam para falar com os velhos Armandinho e Alpio. Estando residindo emBraslia, Geraldo Ribeiro passava todas as frias e recessos em So Paulo, na casa deArmandinho. A presena de Geraldo atraiu muita gente. Era o ano do lanamento de umdisco em que gravara 12 msicas do Armandinho e o fato tumultuaria temporariamenteaquela casa. Mas no tardou para que a solido voltasse a reinar nela. Afastaram-se osinteressados em Geraldo Ribeiro, os que mantinham contato com Armandinho apenas pormaior aproximao ao notvel violonista baiano. Alguns, s veriam novamente o velhomulato dentro do caixo que o levou para o tmulo. Outros, "amigos do peito", queprometiam tocar suas msicas por onde quer que fossem, nem isso fizeram. Talvez, porcompromisso maior que ir ao velrio de um orelhudo.

    At princpios de 1974, Armandinho divide seu tempo entre seus canrios e os papos gostososque mantm com os rarssimos amigos que o visitam. E, porque no dizer, com o bicheiroNicolau, pontualidade religiosamente diria. No tem mais nimo nem para ir sinuca. S afastado da velha casa quando convidado. Por volta de maio de 1974, muda-se para o bairrode Santana, deixando a antiga casa da Rua Glicrio, onde residiu quase meio sculo, ondeacolheu muita gente que se imortalizaria na nossa msica popular. O bairro de Santanaaumentou sua solido e, ali, apenas Nelson Cruz, Geraldo Ribeiro e o autor deste ensaio ovisitaram com freqncia. 5 de julho de 1975: morre Alpio Neves, irmo com quem viveu,sozinho, desde 1944, ano do falecimento de sua me. Armandinho, que j no se anima nemmesmo a tirar o violo da capa, adoece. Entretanto, com o acudir de parentes e amigos,fortalece e promete no morrer antes do final do sculo. No cumpre a promessa. Namadrugada de 12 de outubro de 1976, parou de bater o corao de Armandinho. Foi

  • encontrado algumas horas depois, com um semblante calmo, deitado em sua cama desolteiro, no canto de um quarto simples e desarrumado. Prximo aos seus ps, algunscanrios cantavam como se aquela fosse uma manh de clausura e solido normais. Ao ladoda cabeceira, sobre o criado mudo, umas pautas de msica sem nada escrito e algumas fotos,as ltimas, tiradas por Geraldo Ribeiro. Pela parede, alguns retratos de saudade: Canhoto,Oito Turunas, Chores Sertanejos, Lampeo, chapu quebrado na testa, enfim, uma vida. Nooutro canto, um componente da cena que parecia chorar de verdade, ainda dentro da capa,at mesmo com medo de no suportar a saudade. Naquela manh, o violo de Armandinhofoi o nico a lavar suas prprias cordas com o correr de uma lgrima quente, o nico a cair emprofundo lamento pela falta incorrigvel dos dedos amulatados. Era um adeus. Um at breve.Era um choro.

    Notcias | Casas com msica | Artistas | Tribuna Livre | Artigos e debates | Fotos | Partituras | Compras | Amigos do Samba-Choro | Busca

    Contato | Privacidade | Sobre este stioCopyright 1996-2015

    Samba & Choro Servios Interativos LTDA(Todos os direitos reservados).