Arquitetura Antes Da Primeira Guerra Mundial

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Arquitetura Antes Da Primeira Guerra Mundial

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  • 3 Arquitetura Antes da Primeira Guerra Mundial

    No final do sculo XIX, alm de direcionar seus esforos para o

    desenvolvimento da indstria, a Alemanha esforava-se tambm para se

    desenvolver no campo cultural. Novos movimentos surgiram por todo o pas, que se

    tornou o mais receptivo de idias estrangeiras ao longo das trs dcadas seguintes.

    As obras de William Morris e John Ruskin despertaram forte admirao, assim como

    as do austraco Adolf Loos - para quem o ornamento deveria ser eliminado da

    arquitetura - e do belga Henry van de Velde, que acreditava na reforma da

    sociedade atravs do design do meio ambiente1. Pintores e arquitetos estrangeiros

    de idias avanadas eram convidados para expor e para trabalhar lado a lado aos

    arquitetos alemes e em condies iguais.

    Nesse momento, o artesanato constitua um fator de mediao entre a arte e

    a tcnica pura, entre o mundo do significado sem utilidade e o mundo da utilidade

    sem significado2. Todas as artes teis serviram de, certa maneira, como instrumento

    de comunicao. Com a revoluo industrial, tornou-se imprescindvel a

    reordenao radical do trabalho, de suas formas e mtodos de produo. Antigos

    mestres abandonaram suas oficinas e tornaram-se empresrios. O desenvolvimento

    industrial fez com que o artesanato entrasse em decadncia, pois ele estava fora do

    sistema econmico. A substituio do artesanato pela indstria levou, inicialmente,

    ao surgimento de produtos completamente disformes, desprovidos do senso esttico

    do antigo processo artesanal. Essa decadncia esttica atribuda ao

    desenvolvimento industrial e substituio do trabalho humano pela mquina foi

    combatida pelo Romantismo, com idias que clamavam pela volta da pureza da

    produo manual do artesanato.

    O rpido desenvolvimento da indstria provoca a crise do artesanato; a

    indstria repete os seus tipos mecanicamente, destri a espiritualidade do fazer

    artstico, provoca um declnio pavoroso da cultura e do gosto; , portanto, necessrio

    restituir ao artesanato o seu prestgio artstico e a sua funo econmica. Mas a

    concorrncia excessiva no a nica causa da depresso do artesanato; h outra, 1 FRAMPTON, Kenneth. Histria Crtica da Arquitetura Moderna So Paulo: Editora Martins Fontes, 1997. Pg.112.

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    mais antiga e interna, que a concepo classicista e acadmica da arte, a qual

    relegou o artesanato para um plano inferior e secundrio, reduzindo-o a aplicao

    estilstica servil, separando-o da sua antiga idealidade religiosa.3

    Foi nesse sentido que John Ruskin e William Morris lideraram, na Inglaterra

    do sculo XIX, o movimento contra o mau gosto e a decadncia cultural. Ruskin era

    terico, escritor e professor de Arte e Arquitetura e foi um dos primeiros pensadores

    a criticar a desumanidade das condies de vida inglesas em funo da

    industrializao. O seu ideal era o retorno ao modo de trabalho da Idade Mdia e,

    com isso, ele pretendia melhorar as condies de vida atravs de reformas sociais e

    da rejeio do trabalho mecanizado, propondo uma reao contra a mquina, dentro

    de um contexto europeu de industrializao paulatina, e a implantao de um

    universo artificial. Foi uma resistncia contra a cidade industrial moderna, contra a

    mquina que possibilitava a criao de objetos atravs de novas tecnologias,

    fazendo desaparecer o valioso mundo do trabalho artesanal. Ruskin defendia a

    recuperao da arquitetura medieval, mantendo interesse particular pela arquitetura

    de Veneza, e do artesanato no contexto da paixo religiosa. Ele acreditava que a

    natureza era uma revelao direta da verdade de Deus. No seu livro Pintores

    Modernos, que publicou em seis volumes, entre 1843 e 1860, demonstrava a forma

    em que se podiam usar fenmenos naturais como as nuvens, as pedras e as

    rvores para fazer pronunciamento sobre as leis morais.

    Para Ruskin, a arquitetura a arte que planeja e adorna os edifcios,

    separando-a da construo. Mais do que o resultado final, o que verdadeiramente

    importa na arquitetura o esforo empregado na construo de ornamentos

    elaborados. Ruskin, em seu livro As Sete Lmpadas da Arquitetura, apresenta trs

    tipos de engano comuns em arquitetura: os do tipo estrutural, no qual a estrutura

    sugerida diferente da que cumpre a sua funo, os erros de textura, nos quais os

    materiais aparentam serem outros e o emprego de ornamentos de toda a espcie,

    feitos a mquina.4 Um edifcio deve ser, antes de tudo, verdadeiro. Os ornamentos

    no devem ser construdos com moldes e sobrepostos estrutura. Essa a verdade

    2 ARGAN, Giulio Carlo. Projeto e Destino So Paulo: Editora tica, 2000. Pg. 73. 3 Id., Walter Gropius e a Bauhaus Lisboa: Editorial Presena, Coleo Dimenses, 2 edio, 1990. Pg. 24. 4 BENEVOLO, Leonardo. Histria da Arquitetura Moderna. So Paulo: Editora Perspectiva, 3 edio, 2001. Pg. 194.

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    do edifcio. A arquitetura, segundo ele, o meio ideal para transmitir a cultura de um

    povo, porque ela a mais poderosa de todas as artes. As outras no conseguem

    fazer isso, porque ficam guardadas em casas ou museus e no mostram, de

    maneira cotidiana e de qualquer lugar que se admire, a cultura do povo. Os escritos

    de Ruskin converteram-se em importantes fontes tericas e a sua afirmao sobre a

    verdade do edifcio foi usada como base do iderio do movimento moderno em

    arquitetura.

    William Morris, seu aluno e admirador, passou da teoria para a prtica,

    tornando concretos os problemas sociais e estticos do seu tempo. Morris abriu uma

    firma, chamada Morris and Co., para confeco de mobilirio, papel de parede,

    carpetes, vitrais, tapearia, etc. Seus papis de parede foram os produtos mais

    conhecidos, com seus desenhos complexos, incorporando plantas, flores e

    pssaros. O movimento Arts and Crafts refere-se ao grupo de artesos e artistas,

    designers e arquitetos liderados por Morris que desejavam elevar o status da arte

    aplicada ao status das Belas Artes. Vrias organizaes promoveram o Arts and

    Crafts ao longo dos anos de 1880 a 1890. Essas oficinas tiveram tanta influncia na

    arte e na produo, que acabaram desenvolvendo um estilo prprio. Morris

    acreditava que a mquina aniquilaria a arte se o artista no voltasse a ser um

    arteso e o arteso no se convertesse em um artista. Portanto, Morris tinha uma

    hostilidade em relao aos modernos mtodos de produo e o Arts and Crafts

    contribuiu para uma renovao do artesanato artstico e no das artes industriais.

    Assim como Ruskin, ele atribua mquina e diviso do trabalho todos os

    problemas da poca. Por isso, essas oficinas no se limitaram a reproduzir modelos,

    os alunos tinham que ser criativos e o objetivo era a criao de uma cultura do povo

    para o povo. Morris sonhava com uma renovao da sociedade, influenciando

    diversos jovens, artistas e amadores, os quais decidiram dedicar-se inteiramente ao

    artesanato. O ofcio manual, ento, foi recuperado como uma tarefa valorizada e

    autntica, depois de meio sculo sendo considerada uma ocupao inferior. As artes

    aplicadas da era ps-industrial foram uma continuidade dos antigos processos

    artesanais dos mestres do ofcio, que haviam sido relegados a uma posio inferior

    em relao ao universo erudito, a partir do Renascimento, com a diviso das

    manifestaes culturais entre artes eruditas e artes populares, sendo as artes

    populares consideradas menos elaboradas, rsticas e ingnuas.

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    Dessa forma, Morris lanou as bases do Movimento Moderno. Sua teoria

    esttico-social, exposta no final do sculo XIX, tentava reviver a f no trabalho a

    servio da sociedade e denunciava a indiferena dos arquitetos e artistas

    contemporneos ao atendimento das necessidades cotidianas, preocupados apenas

    com a criao artstica feita por pessoas dotadas do raro dom criativo e para um

    pequeno e privilegiado grupo de pessoas, impedindo que as formas artsticas

    pudessem ser compartilhadas por todos. A inteno de Morris era alcanar uma

    melhoria das condies de vida, atravs de reformas sociais, principalmente da

    diviso do trabalho e da rejeio do trabalho mecanizado. A longo prazo, no entanto,

    a alternativa posta era socialmente inadequada, pois o desenvolvimento de um novo

    estilo de projeto sem a considerao ou at em oposio s novas tcnicas

    modernas da sociedade industrial era uma forma de negar o novo tempo e se

    esconder atrs de estilos histricos j desgastados e superados.

    Em termos arquitetnicos, a reforma proposta por Morris era uma luta contra

    o neoclassicismo e seus dogmas: simetria, proporo, ritmo, equilbrio entre cheios e

    vazios, alinhamentos entre portas e janelas e monumentalidade.5 Morris defendia

    uma linguagem descritiva das funes e dos materiais, eliminando elementos

    arquitetnicos do repertorio clssico ou dando novos significados a eles. Em sua

    Casa Vermelha, de 1859, Morris deixou o tijolo mostra, sem recobri-lo com massa,

    para reafirmar a verdade dos materiais e a beleza dessa verdade.

    A Alemanha sofreu forte influncia da Inglaterra no seu desenvolvimento

    intelectual no campo da arte e da arquitetura, no sculo XX. Pevsner6 aponta a

    Alemanha, os Estados Unidos e a Frana como os pases responsveis pelo

    desenvolvimento das idias da arquitetura moderna, sendo que a Inglaterra, contra

    revolues e mudanas drsticas, teve seu progresso bastante reduzido por muitos

    anos. Em 1896, o governo prussiano enviou Hermann Muthesius Londres, com o

    objetivo de trazer para a Alemanha questes contemporneas sobre arquitetura,

    planejamento e design.7 Durante os vinte anos que se seguiram da unificao da

    Alemanha, em 1870, o pas comandado por Bismarck preocupava-se basicamente 5 ZEVI, Bruno. A Linguagem Moderna da Arquitetura Lisboa, Publicaes Dom Quixote, Coleo Arte e Sociedade, 1984. Pg 136. 6 PEVSNER, Nikolaus. Panorama da Arquitetura Ocidental So Paulo: Editora Martins Fontes, 1982. 7 FRAMPTON, Kenneth. Histria Crtica da Arquitetura Moderna So Paulo: Editora Martins Fontes, 1997. Pg. 130.

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    em se desenvolver e expandir sua indstria com base na concorrncia de preos.

    Apenas em 1990, com a renncia de Bismarck, a Alemanha passou por uma

    transformao cultural muito grande, na qual o aperfeioamento do projeto, tanto

    nas artes como na indstria, tornou-se uma esperana de levar o pas a competir no

    mercado mundial em condies iguais aos outros pases industriais.

    Muthesius viajou muito e por diversos pases ao longo de sua carreira. Depois

    de completar seus estudos como arquiteto, viajou para Tquio, onde participou no

    desenvolvimento de projetos de edifcios pblicos, como o Parlamento. Foi em

    Tquio que Muthesius projetou e executou o seu primeiro edifcio, uma igreja

    protestante alem. Durante os quatro meses de viagem de volta para Alemanha, o

    arquiteto passou por diversos pases: China, Sian, ndia e Egito. Nesse perodo, ele

    escreveu suas impresses da viagem e dos pases em vrios cadernos. Quando

    retornou Alemanha, tornou-se editor de um Jornal de Arquitetura at 1895.

    Muthesius passou em primeiro lugar no exame estatal para arquitetos e, como

    gratificao, ganhou uma viagem para a Itlia. Em 1896, tomou posse do seu posto

    na Embaixada Germnica, em Londres, onde sua responsabilidade era enviar

    notcias a respeito da arquitetura inglesa, da arte e da vida para o pblico alemo

    interessado nessas questes.

    Na Alemanha, essas notcias eram publicadas em diferentes jornais, desde os

    amadores at os profissionais e por essa razo que o nome de Muthesius foi muito

    associado com a cultura inglesa e o modo de vida ingls desse perodo. Arquiteto e

    tcnico, trabalhando na Embaixada Alem em Londres, sua principal atividade nos

    sete anos de permanncia foi conhecer profundamente a arquitetura local e estudar

    as origens do sucesso do desenho ingls. Assim, podemos dizer que se deve a

    Muthesius o pensamento alemo que se formou a partir dessas informaes vindas

    da Inglaterra. Seguindo o modelo ingls, por toda Alemanha proliferava a criao de

    pequenas oficinas privadas, que fabricavam utenslios domsticos, mobilirios,

    textos e objetos de metal.

    Em 1904, Muthesius retornou Alemanha e assumiu o posto de conselheiro

    na Junta Comercial da Prssia, com a tarefa de reformar o programa nacional de

    educao em artes aplicadas. Nesse mesmo ano, construiu a sua primeira casa de

    campo, em Berlim, onde as pessoas iam em peregrinao para ver a casa inglesa,

    que se tornou grande sensao. Durante esses anos, tambm trabalhou pela

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    preservao e recuperao dos monumentos, dentre eles a Catedral de Colnia e o

    Castelo de Heidelberg.

    Contra o movimento Art Nouveau da Blgica, que tambm recebeu influncia

    do Arts and Crafts ingls, Muthesius acusava o Art Nouveau de ignorar a estrutura

    interna do material, afirmando que as suas linhas sentimentais no levavam em

    considerao as caractersticas materiais e naturais dos produtos. O ornamento de

    um livro, de um candelabro ou de qualquer moblia seguia regras da mesma forma.

    Diferentes materiais evidentemente devem ser manipulados de diferentes

    maneiras. A pedra no pode ter as mesmas dimenses e formas que a madeira,

    assim como a madeira no pode ser tratada como se fosse um metal. Do mesmo

    modo, em relao aos metais, o ferro fundido deve ser trabalhado diferentemente da

    prata. Formas devem ser desenvolvidas de acordo com sua funo e com as

    caractersticas dos materiais empregados. O novo respeito pela natureza dos

    materiais, naturalmente, leva a uma correspondente preocupao em relao

    melhor forma de juntar partes diferentes. Funo, material e estrutura passaram

    ento a ser os princpios bsicos que guiam o trabalho dos artesos. 8

    Muthesius, portanto, condenava arquitetos que colavam ornamentos

    vegetais ou motivos em forma de rvore em edifcios antigos, sem mudar a

    estrutura interna destes. Ele via soluo na correspondncia entre o contedo e a

    forma do edifcio: uma casa, por exemplo, deveria ser projetada para servir

    exatamente para a funo que ela serve.

    A beleza esttica dos antigos ideais teve que ser deixada de lado

    momentaneamente; mas talvez em algum tempo um novo tipo de beleza vai tomar

    seu lugar, a beleza do propsito refinado e prtico.9

    Muthesius lutou por isso, acreditando que a Alemanha no tinha uma casa

    alem, assim como a Inglaterra possua uma casa inglesa e, para ele, alm de ser

    uma tarefa oficial, segundo sua posio, tambm era um desejo prprio, como

    arquiteto, desenvolver o projeto dessa casa alem. At a sua morte, Muthesius

    desenvolveu dezenas de casas de campo, casas na cidade e casas para negcios.

    8 MUTHESIUS, Hermann. The Meaning of the Arts and Crafts,1907 In: BENTON, Tim e Charlotte; SHARP, Dennis. Form and Function A source book for the History of Architecture and Design 1890-1939 Londres, Granada Publishing, 1980. Pg. 38. 9 Id., The English House _1904-05. In: op. cit., Pg. 35.

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    Depois da queda do Imprio, suas atividades diminuram bastante, mas seu trabalho

    literrio permaneceu como referncia da discusso arquitetnica na Alemanha.

    Enquanto na Inglaterra o Arts and Crafts havia recusado a produo

    mecanizada, na Alemanha, a produo industrial era defendida e estimulada. O ano

    de 1907 foi decisivo para a arquitetura alem. Algumas atitudes se modificaram em

    relao aos problemas contemporneos. As exposies e discusses entre

    arquitetos e pessoas relacionadas com desenvolvimento do projeto dedicaram-se a

    implementar programas e organizaes de ao imediata. A questo examinada

    nesse momento era o relacionamento entre a esfera da arquitetura, incluindo arte e

    design, e a produo mecnica em todas as suas fases. Para os alemes, a questo

    era introduzir esttica na produo industrial, tornando-se independentes dos

    antigos estilos arquitetnicos. Para os futuristas, como explica SantElia, em seu

    texto de 1914, a nova esttica deveria surgir da mquina.

    Os clculos da resistncia dos materiais, o uso de concreto armado e ferro

    excluem a "arquitetura" do modo como ela sempre foi entendida no sentido clssico

    ou tradicional. Os materiais estruturais modernos e nossos conceitos cientficos no

    se prestam, em absoluto, s disciplinas dos estilos histricos. (...) No mais sentimos

    que somos os homens das catedrais e das antigas assemblias do povo, mas sim

    homens de Grandes Hotis, ferrovias, estradas gigantescas, portos colossais,

    mercados cobertos, arcadas reluzentes, reas de reconstruo e saneamento de

    bairros miserveis. Precisamos inventar e reconstruir ex novo nossa cidade moderna

    como um imenso e agitado estaleiro, ativo, mvel e dinmico por toda parte, e o

    edifcio moderno como uma mquina gigantesca. Os elevadores de hoje no devem

    ocultar-se como vermes solitrios nos poos de escada, mas as escadas - agora

    inteis - devem ser abolidas, e preciso que os elevadores subam pelas fachadas

    como serpentes de vidro e ferro. A casa de cimento, ferro e vidro, sem ornamentos

    pintados ou esculpidos, rica apenas na beleza intrnseca de suas linhas e seu

    modelado, extraordinariamente brutal em sua simplicidade mecnica, to grande

    quanto o ditem as necessidades, e no apenas conforme o permitam as leis de

    zoneamento, deve erguer-se dos limites de um abismo tumultuoso; a rua que, em si,

    no mais se estender como um capacho no nvel dos umbrais, mas ir mergulhar

    profundamente na terra, concentrando o trfego da metrpole, organizado para as

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    transferncias necessrias para as passarelas metlicas e as esteiras

    transportadoras de alta velocidade.10

    Em junho de 1907, Muthesius fez um discurso no Colgio Comercial de

    Berlim, do qual ele era diretor, queixando-se da superficialidade do estilo alemo, o

    que, segundo ele, acarretava uma recesso econmica devido baixa qualidade

    dos produtos.11 Muthesius deixou claro que considerava a produo industrial alem

    muito ruim, exigindo um trabalho mais slido e mais interessante.

    Na Alemanha, uma pessoa levada ao limite do desespero pelo esforo que

    um homem bem educado na questo do gosto tem que fazer para ter sua casa

    mobiliada, diante da total falta de entendimento por parte dos nossos homens de

    negcio a respeito do simples e do bom.12

    Alguns profissionais da indstria, artistas e artesos conservadores e

    protecionistas reclamavam de Muthesius, acusando-o de ser amigo da Inglaterra e,

    assim, protestando que ele continuasse a falar e escrever para o pblico alemo. No

    entanto, um outro grupo de pessoas acreditou que o conhecimento de Muthesius

    poderia ser utilizado a favor da indstria. Assim, em 1907, Friedrich Naumann e Karl

    Schmidt uniram-se a Muthesius e fundaram a Deutscher Werkbund13. Entre os

    primeiros membros da associao estavam: Peter Behrens, Theodor Fischer, Josef

    Hoffmann, Wilhelm Kreis, Max Laeuger, J.M.Olbrich, Bruno Paul, Paul Schultze-

    Naumburg e Fritz Schumacher. As firmas associadas eram: Peter Bruckmann &

    Shne, Deutsche Werksttten fr Handwerkskunst.14 Mies van der Rohe, Walter

    Gropius, Hans Poelzig, Max Berg, entre outros arquitetos ligaram-se imediatamente

    Werkbund.

    O empenho do pas que se tornou rico e progressivo em apenas trs dcadas

    teve como marco a criao da Associao de Artes e Ofcios - Deutscher Werkbund

    -, que tinha como finalidade a cooperao entre a arte, a indstria e o artesanato. 10 SANTELIA, A. Messagio In: FRAMPTON, Kenneth. Histria Crtica da Arquitetura Moderna So Paulo: Editora Martins Fontes, 1997. Pg. 99. 11 BANHAM, Reyner, Teoria e Projeto na Primeira Era da Mquina So Paulo: Editora Perspectiva, Coleo Debates n 113, 3 edio, 2003. Pg. 97. 12 MUTHESIUS, Hermann. The English House _1904-05. In: BENTON, Tim e Charlotte; SHARP, Dennis. Form and Function A source book for the History of Architecture and Design 1890-1939 Londres, Granada Publishing, 1980. Pg. 35. 13 Werk obra, trabalho; fbrica, usina; Bund associao; aliana.

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    Foi um dos eventos mais significativos para a relao entre arte e vida cotidiana,

    realizado neste perodo que antecedeu a Primeira Guerra. O objetivo era que

    empresrios, arquitetos e designers se encontrassem e trocassem experincias e

    aspiraes para o desenvolvimento das suas atividades, produzindo um trabalho

    com qualidade. Todo esforo se daria no sentido de colaborar para a fabricao de

    produtos com valor artstico, atravs do aprimoramento da produo industrial e do

    refinamento da mo-de-obra trabalhadora.

    O contraste entre os valores dinmicos e anrquicos do Futurismo e o

    pensamento mais organizado da Deutscher Werkbund bvio. No entanto,

    importante ressaltar que, em ambos os movimentos, no se dissocia o esprito do

    tempo da evoluo da mecanizao. A arquitetura moderna deve considerar, alm

    disso, os mtodos construtivos, a esttica, a funo e as formas simblicas.15

    O movimento ingls Arts and Crafts via uma contradio entre a arte e os

    mtodos industriais da produo da arte. A Werkbund, por sua vez, desejava, em

    primeiro lugar, criar uma ponte entre essas duas fontes. Sua atitude diante das

    mquinas era basicamente positiva e sua inteno era realizar uma reforma esttica

    atravs da indstria. A Qualitt, a idia central do grupo era definida no apenas

    como um trabalho bem feito, duradouro e com emprego de materiais perfeitos e

    autnticos, mas definida tambm como a possibilidade de se atingir um todo

    orgnico que fosse sachlich16, nobre, e artstico. Esta declarao mostra claramente

    que desde o incio a Werkbund no se opunha produo mecnica. 17

    A Werkbund alargou e aprofundou a idia morrisiana da arte como produto de

    uma colaborao. Uma vez que a mquina no permite a interveno do operrio

    durante o processo de produo, todos os problemas referentes utilidade,

    tcnica, matria e economia devem ser resolvidos a priori, na ideao,

    resultando na coordenao de experincias e competncias diversas. Embora

    parea um paradoxo, o tipo uma garantia do respeito pelo projeto, uma vez que a 14 FRAMPTON, Kenneth. Histria Crtica da Arquitetura Moderna So Paulo: Editora Martins Fontes, 1997. Pg. 131. 15 COLLINS, Peter. Changing Ideals of Modern Architecture, 1750-1950 London, 1965. Pg. 74. 16 O equivalente alemo do praticismo britnico a Sachlichkeit. Enquanto o emprico praticismo britnico dava lugar comodidade da vida, a Sachlichkeit objetividade e concretizao, correspondncia exata e calculada da coisa funo, da forma ao uso. ARGAN, Giulio Carlo. Walter Gropius e a Bauhaus Lisboa: Editorial Presena, Coleo Dimenses, 2 edio, 1990. Pg. 25.

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    mquina reproduz milhares de cpias sem alterar a identidade do produto. A

    mquina no faz mais do que receber e multiplicar a marca da ideao; o momento

    executivo est implcito, e totalmente previsto, no momento ideativo.18

    A idia por trs da Werkbund no era nova. Em 1847, na Inglaterra, Sir Henry

    Cole props despertar o gosto pblico atravs da aplicao da beleza aos produtos

    produzidos mecanicamente.19 A gerao seguinte de William Morris fez as pazes

    com a indstria e passou a seguir a linha de Cole, estimulando a formao de

    associaes semelhantes s do movimento Arts and Crafts. Sessenta anos depois

    das idias de Sir Henry Cole, a Alemanha estava finalmente preparada para

    absorver as idias dos estrangeiros e unir a arte com a indstria.

    As tentativas de unir a indstria, os artesos e os artistas em uma

    organizao nica e eficaz, que pudesse contribuir com o desenvolvimento da

    indstria e da economia nacional, foram consideradas, em alguns meios, um ataque

    arte alem. O choque de opinies marcou a Werkbund desde o incio, dada a

    natureza heterognea dos seus membros. No entanto, foi atravs das controvrsias

    que o grupo conseguiu abrir espao para os novos talentos, que tivessem uma viso

    sinttica dos problemas da cultura moderna. Outros setores, como algumas grandes

    indstrias alems, comearam a se interessar por produtos de qualidade e melhor

    design. Mesmo nos anos aps a guerra, no perodo de grande inflao na

    Alemanha, a Werkbund foi capaz de aes que asseguraram seu lugar na histria,

    apesar de todas as dificuldades com o empobrecimento da Alemanha e a falta de

    materiais.

    No mesmo ano da fundao da Deutscher Werkbund, o arquiteto alemo

    Peter Behrens foi convidado pelo presidente da companhia eltrica Allgemeine

    Elektrizitts-Gesellschaft, A.E.G., para assumir um projeto pioneiro e audacioso. A

    A.E.G. foi fundada em 1883 e cresceu muito nesse perodo, tornando-se um grande

    complexo industrial, com uma vasta gama de produtos. Behrens foi o responsvel

    pelo projeto arquitetnico das novas edificaes e pelo design de seus produtos,

    17 PEVSNER, Nikolaus. Os Pioneiros do Desenho Moderno De William Morris a Walter Gropius. So Paulo: Editora Martins Fontes, 1995. Pg 22. 18 ARGAN, Giulio Carlo. Walter Gropius e a Bauhaus Lisboa: Editorial Presena, Coleo Dimenses, 2 edio, 1990. Pg. 26. 19 KRUFT, Hanno-Walter. A History of Architectural Theory from Vitruvius to the Present. New York: Princeton Architectural Press, 1994. Pg. 369.

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    suas embalagens e seus impressos. Com essa contratao, a profisso de arquiteto

    reassumiu uma posio de destaque ao lado do engenheiro, pois o arquiteto no

    mais podia negar o poder da indstria, unindo-se a ela para o crescimento da nao

    alem. Behrens foi o arquiteto alemo de maior importncia antes da Primeira

    Guerra. Desde o incio do sculo, comeou a fugir do Art Nouveau e substitu-lo pelo

    novo ideal de uma nova arte honesta e s.20 Behrens no estava sozinho em sua

    revolta contra o Art Nouveau e uma aproximao do classicismo.

    Os dois eventos, a contratao de Behrens pela A.E.G. e a fundao da

    Deutscher Werkbund, esto relacionados entre si, pois tratam da relao entre

    design e indstria. E essa no foi a nica indstria que se props a isso, muitas

    outras indstrias alems voltaram-se para o design, pelo menos para a produo do

    seu material publicitrio.

    Esse foi um evento (contratao de Behrens pela A.E.G.) que serviu de

    exemplo para a indstria como um todo e outros no perderam tempo em copi-lo.

    Com interesse crescente, est se tornando mais e mais comum encontrar um

    arquiteto em reunio com seu empregador. Os novos edifcios fabris, como o Coffe

    Marketing Company em Bremen (construdo por H. Wagner), o Delmenhorster

    Anker, fbrica de linleo (construda por Stoffregen), as fbricas qumicas em Luban,

    perto de Posen (por Hans Poelzig), para mencionar apenas alguns que converteram

    a impresso de uma arquitetura coerente que finalmente descobriu a imagem

    correta para o estilo de vida dos novos tempos e rejeita firmemente o resduo

    romntico dos estilos do passado, como covardes e irreais.21

    Karl Schmidt, fundador e diretor da Deutscher Werksttten22, produzia, com

    seu cunhado e importante projetista, Richard Riemerschmid, j em 1899, uma linha

    de moblia barata. Em 1905, eles apresentaram esse trabalho em uma exposio,

    explicando-o como o produto do esprito da mquina.23 O prprio Karl Schmidt

    advertia, em 1903, que os produtos industriais alems eram muito inferiores aos

    20 PEVSNER, Nikolaus. Os Pioneiros do Desenho Moderno De William Morris a Walter Gropius. So Paulo: Editora Martins Fontes, 1995. Pg. 203. 21 GROPIUS, Walter. The Development of Modern Industrial Architecture,1913. In: BENTON, Tim e Charlotte; SHARP, Dennis. Form and Function A source book for the History of Architecture and Design 1890-1939 Londres, Granada Publishing, 1980. Pg. 54 22 Werksttten oficina. 23 PEVSNER, Nikolaus. Origens da Arquitetura Moderna e do Design. So Paulo: Editora Martins Fontes, 1996. Pg. 147.

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  • 54

    produtos produzidos em outros pases, reforando que a situao econmica alem

    poderia ser alterada se o povo alemo, alm do governo, se preocupasse com essa

    questo.24 A preocupao com a qualidade dos produtos comeou a se espalhar e

    em vrios lugares surgiram associaes que pudessem lidar mais facilmente com

    esse problema. Na ustria, Josef Hoffmann e Koloman Moser afirmavam, no

    Programa de Trabalho da Wiener Werksttte25, em 1905, que:

    O mal sem limite, causado pela produo em massa sem valor de produtos e

    pela imitao gratuita de estilos antigos, como um maremoto varrendo o mundo.

    Ns fomos retirados da cultura dos nossos antepassados e deixados a esmo e

    lanados em todas as direes por milhares de desejos e consideraes. A mquina

    substitui largamente as mos e os homens de negcio suplantaram os artesos.

    Tentar estancar essa torrente parece loucura.

    por isso tudo que fundamos nosso workshop. Nosso desejo criar uma ilha

    de tranqilidade no nosso pas, que, em meio da alegre atividade do Arts and Crafts,

    possa ser bem vindo para qualquer um que tenha f em Ruskin e Morris. (...)

    Ns desejamos criar uma relao ntima ligando o pblico, o designer e o

    trabalhador e queremos produzir artigos bons e simples do uso dirio. Nosso

    princpio guia funo, nossa primeira condio a utilidade e nossa fora deve

    estar em boas propores e no tratamento correto dos materiais. Ns poderemos

    procurar decorar quando parecer necessrio, mas ns no devemos nos sentir

    obrigados a adornar a qualquer preo.26

    O movimento alemo Kunstgewerbe27 comeou a desenvolver mveis para

    produo em massa desde 1906 e se associou Deutscher Werkbund desde seu

    incio. Portanto, essa unio dos artesos e da indstria era de interesse nacional, em

    funo da situao econmica da Alemanha, mas foi apenas em 1907 que

    Muthesius tornou pblica essa necessidade no seu discurso.

    24 BANHAM, Reyner, Teoria e Projeto na Primeira Era da Mquina So Paulo: Editora Perspectiva, Coleo Debates n 113, 3 edio, 2003. Pg. 99. 25 Associao fundada em 1903, na ustria, por Fritz Wrndirfer. PEVSNER, Nikolaus. Os Pioneiros do Desenho Moderno De William Morris a Walter Gropius. So Paulo: Editora Martins Fontes, 1995. 26 HOFFMANN, Josef, MOSER, Koloman. Programa de Trabalho da Wiener Werksttte, 1905. In: BENTON, Tim e Charlotte; SHARP, Dennis. Form and Function A source book for the History of Architecture and Design 1890-1939 Londres, Granada Publishing, 1980. Pg. 36. 27 Kunst arte; Gewerbe negcio, comrcio, pequena e mdia indstria.

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  • 55

    Peter Behrens tornou-se famoso

    rapidamente por transformar a planta

    industrial em um problema arquitetnico,

    transformando conscientemente a

    fbrica em um lugar digno para o

    trabalho. Quando foi contratado pela

    A.E.G., iniciou o seu projeto pela Fbrica

    de Turbinas em 1908 e 1909 (Figuras 5

    e 6), combinando a geometria

    proporcionada da forma clssico-

    romntica com a dramatizao dos

    materiais mecnicos.28 O romantismo da mquina ainda no havia aparecido e a

    grande inovao do arquiteto foi introduzir um valor arquitetnico na construo de

    edificaes para indstria, o que nunca tinha sido feito anteriormente. Uma

    comparao pode ser feita entre Behrens e Auguste Perret. Este incorporou o uso

    do concreto aos cnones do pensamento arquitetnico da mesma forma que

    Behrens incorporou os novos programas funcionais, no caso os industriais,

    arquitetura.

    A fbrica no s o lugar onde se trabalha, mas um instrumento enorme,

    uma mquina colossal em cujo interior, milhares de homens atuam segundo uma

    disciplina inflexvel: a sntese suprema de mquina e homem. (...) Esta arquitetura

    funda uma experincia formal realmente nova no que diz respeito arquitetura

    tcnica. A nova concepo do espao j no se baseia nas qualidades intrnsecas

    de elasticidade, tenso, presso dos novos materiais, mas na organizao, na

    coerncia, na mecnica do trabalho humano. 29

    Segundo Frampton30, Behrens utilizou o telhado facetado em duas guas

    como smbolo de uma propriedade rural, na tentativa de dar produo industrial

    um sentido igual ao que a parcela da populao recm-urbanizada, que constitua a

    mo-de-obra fabril, encontrava na agricultura. Behrens projetou um estilizado fronto

    28 SCULLY JR.,Vincent. Arquitetura Moderna So Paulo: Editora Cosac & Naify, 2002. Pg.49 29 ARGAN, Giulio Carlo. Walter Gropius e a Bauhaus Lisboa: Editorial Presena, Coleo Dimenses, 2 edio, 1990. Pg. 28. 30 FRAMPTON, Kenneth. Histria Crtica da Arquitetura Moderna So Paulo: Editora Martins Fontes, 1997. Pg. 132.

    Figura 5

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  • 56

    macio, expondo a curvatura do telhado, conformado por perfis metlicos. Abaixo do

    fronto, no centro, foi pendurada uma cortina de ferro e vidro. Nas laterais, paredes

    de alvenaria tambm macias apareciam, recuadas em relao ao plano do fronto

    e ao pano de vidro. Apesar de apresentar caractersticas da esttica clssica, foi o

    projeto de maior expresso no pensamento arquitetnico, que serviu como modelo

    at mesmo para a arquitetura expressionista do ps-guerra. Isso apesar dele ter

    feito desenhos mais elaborados na segunda fase, em que ele adotou estruturas mais

    leves de ferro e vidro.

    Apenas em 1911 e 1912, quando passou ao projeto das oficinas da A.E.G.,

    Behrens compreendeu as foras expressivas dos novos materiais como ferro e vidro

    e descobriu que as paredes e o teto eram somente um invlucro, fechando o espao

    que seria utilizado pela atividade industrial e, assim, era indiferente que elas fossem

    envidraadas ou slidas. Deste modo, essa fase do seu trabalho se parece pouco

    com as paredes slidas de qualquer um de seus trabalhos industriais anteriores.

    Mesmo assim, Behrens conservava um invlucro padro de um templo clssico,

    guiado pela necessidade industrial de se criar um espao livre para movimentao

    das mquinas dentro da fbrica. Apesar de combinar materiais novos e tipos

    compositivos antigos na Fbrica de Turbinas da A.E.G., Behrens inaugurou uma

    espcie de templo da indstria moderna. O mesmo princpio foi aplicado, mas

    devidamente atualizado por Walter Gropius, na Fbrica Fagus, anos depois.

    Behrens tambm se dedicou ao desenho de

    pequenos objetos de uso cotidiano, como uma

    chaleira, de 1910, alm de objetos utilitrios, que

    nunca ningum havia pensado em melhorar seu

    design, como as luminrias de rua, de 1907-1908.

    H neles o mesmo princpio da simplicidade e

    sobriedade da forma, alm da clara opo pelas

    formas geomtricas.

    O ateli de Peter Behrens foi o mais importante na Alemanha e nessa mesma

    poca, antes da guerra, entre 1907 e 1910, muitos arquitetos, que depois se

    tornaram figuras importantes da arquitetura moderna, trabalharam no seu escritrio

    como projetistas, como Adolf Meyer, Ludwig Mies van der Rohe, Walter Gropius e Le

    Corbusier. Nesse mesmo perodo, Behrens estava trabalhando para a A.E.G. e as

    Figura 6

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  • 57

    importantes discusses sobre este trabalho, alm das discusses realizadas na

    Werkbund, ajudaram Gropius a sedimentar suas idias sobre a natureza do edifcio.

    O primeiro projeto de importncia na carreira de Gropius, depois de abrir seu

    prprio escritrio, foi a Fbrica Fagus (Figuras 7, 8, 9 e 10), em Alfeld-an-der-Leine,

    perto de Hanover, planejada e construda no perodo entre 1911 e 1914, em

    associao com Adolf Meyer. Alguns historiadores consideram esse conjunto de

    edifcios como realmente participante do movimento moderno. No entanto, essa

    modernidade visvel somente em algumas de suas partes, onde Gropius

    abandonou o classicismo de Peter Behrens da Fbrica de Turbinas e aplicou seus

    novos objetivos para a arquitetura.

    Figura 7 Figura 8

    Figura 9 Figura 10

    DBDPUC-Rio - Certificao Digital N 0210198/CA

  • 58

    Enquanto na fbrica da A.E.G., Behrens utilizou a alvenaria nas extremidades

    do edifcio e o painel de vidro no centro, Gropius e Meyer avanaram e fizeram com

    que o ferro e o vidro se unissem nos cantos e as superfcies envidraadas,

    elevando-se em continuidade por trs andares, se sobressassem em relao aos

    suportes da estrutura. Gropius claramente queria mostrar que as paredes de vidro

    eram apenas proteo contra o clima, no mais suporte do edifcio. A oficina e a

    casa de fora apresentavam paredes envidraadas para o sul, fazendo um enorme

    contraste com o resto dos edifcios. As superfcies planas dominavam a construo.

    Na Fbrica de Turbinas de Behrens, a estrutura macia era preponderante

    sobre o vidro, pois os pilares estruturais visveis nas laterais da fachada tinham mais

    fora que a cortina de vidro do centro. Na fachada de Gropius, esses pilares de

    suporte quase desaparecem, indo para trs dos painis de vidro, que parecem estar

    pendurados no telhado. Essa composio inverte a proposta de Behrens, mas ainda

    apresenta um certo classicismo de teor romntico ao revestir os suportes de tijolo.

    Reyner Banham, no livro Teoria e Projeto na Primeira Era da Mquina,

    acredita que essa parte da edificao pode ter sido planejada no comeo de 1913,

    no final da construo da fbrica, quando os arquitetos Gropius e Meyer j estavam

    trabalhando no Pavilho da Werkbund, para a Exposio de 1914, em Colnia

    (Figuras 11 e 12). No h nenhum registro da experincia acumulada na Werkbund

    referente esttica dos invlucros envidraados, apesar de Muthesius possuir,

    nesse mesmo perodo, uma pesquisa terica em andamento. Muthesius h muito

    tempo estudava as obras primas construdas em ferro e vidro do sculo XIX, entre

    elas o Palcio de Cristal, as bibliotecas de Labrouste, a Galerie des Machines e a

    Torre Eiffel. Alm dessas obras, Muthesius incluiu nos seus estudos os sagues de

    estaes ferrovirias, os mercados cobertos, os ptios envidraados de museus e as

    lojas de departamento.

    Figura 11

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  • 59

    A Fbrica Modelo possua duas fachadas importantes. Na primeira, Gropius

    fez uma diviso horizontal criando duas ordens, a inferior com pilares baixos de tijolo

    e a superior, toda envidraada. Na outra fachada, dois semi-cilindros de vidro, dentro

    dos quais encontravam-se escadas em espiral, foram colocados nas extremidades

    de uma cortina compacta de alvenaria, percorrida por delgados pilares.31

    As novas potencialidades do ferro, do vidro e do concreto, o tratamento mais

    limpo das paredes, a iluminao natural do interior do edifcio foram importantes

    alteraes no conceito de projetar. A dualidade que marcava este perodo foi

    superada com o equilbrio entre os meios arquitetnicos e os meios construtivos na

    expresso do edifcio. A inovao tcnica importante de Gropius foi a introduo do

    sistema de estrutura de ao para sustentar os pisos, liberando as paredes externas

    para serem simples vedaes, logo, poderiam ser de vidro e contnuas, sem

    interrupo. As paredes foram concebidas como planos, como cortinas entre o

    espao interno e o externo, expressando a funcionalidade e a continuidade espacial.

    Os pilares foram deslocados para trs das cortinas de vidro, demonstrando essa

    liberdade estrutural.

    Um dos focos principais de interesse nos escritos tericos de Gropius era a

    questo da habitao padronizada que, seguindo o exemplo americano, poderia ser

    manufaturado e pr-fabricado em partes, tornando possvel colocar disposio do

    pblico produtos de excelente qualidade tecnolgica e artstica. Em 1910, Gropius

    escreveu um importante texto a respeito da produo racionalizada de casas,

    baseado nas casas para operrios que ele mesmo projetou em 1906. Esse texto 31 ARGAN, Giulio Carlo. Walter Gropius e a Bauhaus Lisboa: Editorial Presena, Coleo

    Figura 12

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  • 60

    tornou-se uma referncia muito importante em relao s condies para a pr-

    fabricao, a montagem e a distribuio das unidades habitacionais padronizadas,

    considerando ainda consistentes princpios estticos.32

    Logo no incio, Gropius apresentou sua idia bsica da seguinte forma: O

    princpio fundamental da indstria a subdiviso do trabalho. O criador concentra

    todas as sua energias para fazer a sua idia, sua criao tomar vida; o produtor

    concentra-se na produo durvel e barata; o comerciante concentra-se na

    distribuio organizada dos produtos. A utilizao destes especialistas a nica

    maneira segundo a qual a criao essencial, isto , espiritual, pode funcionar

    economicamente e o pblico pode ser suprido com produtos de boa qualidade

    esttica e tcnica. 33

    Em 1913, Gropius mostrava uma preocupao social quando falava das

    fbricas que deveriam ser construdas no apenas como um lugar que abrigasse o

    trabalhador como um escravo da moderna indstria de produo, mas sim um lugar

    iluminado, limpo, arejado, que fornecesse ao trabalhador uma distino e

    grandeza.34

    Ainda sobre o vidro, em 1914, Gropius explorou ainda mais a transparncia

    deste material, ao projetar escadas helicoidais revestidas por semi-cilindros

    envidraados para a Fbrica Modelo da exposio da Werkbund, em Colnia

    (Figuras 11 e 12). Esse semi-cilindro transparente converteu-se em um trao

    expressionista, repetido diversas vezes por Erich Mendelsohn, na dcada de 1920,

    em Stuttgart. Tambm na mesma exposio de 1914, Bruno Taut construiu o

    Pavilho da Indstria do Vidro (Figura 13).35 Alguns arquitetos passaram, ento, a

    construir seus edifcios utilizando esse material to antigo, mas usado agora de uma

    maneira diferente. Mies van der Rohe desejava construir uma edificao cuja

    Dimenses, 2 edio, 1990. Pg. 61. 32 GROPIUS, Walter. Programme for the establishment of a Company for the provision of housing on Aethetically Consistent Principles In: BENTON, Tim e Charlotte; SHARP, Dennis. Form and Function A source book for the History of Architecture and Design 1890-1939 Londres, Granada Publishing, 1980. Pg 188. 33 Ibid., Pg. 188. 34 Id., The Development of Modern Industrial Architecture, 1913. In: BENTON, Tim e Charlotte; SHARP, Dennis. Form and Function A source book for the History of Architecture and Design 1890-1939 Londres, Granada Publishing, 1980. Pg. 53. 35 BANHAM, Reyner, Teoria e Projeto na Primeira Era da Mquina So Paulo: Editora Perspectiva, Coleo Debates n 113, 3 edio, 2003. Pg 117.

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  • 61

    dimenso vertical fosse dominante e desenvolveu o projeto de edifcios de estrutura

    metlica e fachada de pele de vidro, ainda quando trabalhava no escritrio de

    Behrens. Esse novo conceito arquitetnico produziu uma nova estrutura

    arquitetnica, o arranha-cu de vidro, construdo pela primeira vez em 1922. Gropius

    projetou o edifcio da Bauhaus em Dessau, em 1924, utilizando uma extensa

    superfcie de vidro no corpo das oficinas. No Pavilho de Barcelona, (Figura 14)

    construdo por Mies, em 1929, o vidro tambm foi um dos materiais mais importantes

    e ao final dos anos 20, o Estilo Internacional consolidou definitivamente a utilizao

    deste material.

    O livro anual da Werkbund de 1913, o Jahrbuch, apresentou escritos tanto de

    Muthesius quanto de Gropius sobre a relao entre indstria e arquitetura.36 Gropius

    tinha uma viso clara sobre a importncia da relao entre tecnologia, design e

    esttica, como ele mesmo escreveu:

    No apenas na manufatura dos produtos do dia-a-dia, mas tambm na

    construo de mquinas, veculos e edifcios industriais que existem simplesmente

    para um determinado propsito, uma ateno deve ser dada aos valores estticos

    do exterior do produto em relao a unidade da forma, cor e elegncia como um

    todo. Hoje no mais suficiente simplesmente aumentar a qualidade dos produtos

    com o objetivo de alcanar o sucesso nas competies internacionais um produto

    tecnicamente exemplar em todos os sentidos deve ser permeado de contedo

    intelectual, se for para assegurar a posio de excelncia dentre a massa de

    produtos semelhantes. Assim, a tarefa da indstria hoje se dedicar seriamente s

    36 KRUFT, Hanno-Walter. A History of Architectural Theory from Vitruvius to the Present. New York: Princeton Architectural Press, 1994. Pg. 370.

    Figura 13 Figura 14

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  • 62

    questes artsticas.37

    Gropius defendia que a indstria poderia lidar seriamente com as questes

    artsticas. Mquinas, veculos e edificaes construdos para servir a um

    determinado propsito deveriam ser projetados levando-se em considerao

    tambm os valores estticos de sua forma. No era suficiente apenas elevar a

    qualidade tcnica em todos os aspectos dos produtos para se obter sucesso no

    mercado internacional. A diferenciao em relao massa de produtos oferecida

    no mercado seria conseguida ao dar aos produtos uma forma que fosse o resultado

    de um processo intelectual antenado com os novos tempos.

    Giulio Carlo Argan38 afirma que a corajosa e comovedora defesa da indstria

    por Gropius no se trata de um elogio exagerado da tcnica moderna, contra o

    tradicionalismo do artesanato. Trata-se de uma defesa da indstria entendida

    humanisticamente como potencializao da capacidade produtiva, contra o

    rebaixamento do homem no sistema de produo. A arte poderia contribuir para

    eliminar a contradio entre o artesanato e a indstria se soubesse tornar seus os

    meios da indstria, passando da fase histrica do artesanato fase da indstria.39

    Muthesius, em seu artigo O Problema da Forma na Engenharia, de 1913

    afirmava que todos os profissionais relacionados com a produo de qualquer

    produto deveriam estar atentos igualmente satisfao de dois pr-requisitos, a

    funo e a esttica, sem que um impedisse o outro.

    Todas as suposies sobre o efeito artstico do trabalho de engenharia,

    entretanto, funcionam na condio e aqui estamos chegando no ponto chave da questo de que o sentimento artstico est contido nele. Esta afirmao pode parecer bvia, mas deve ser enfatizada. A idia de que suficiente para o

    engenheiro projetar um edifcio, um dispositivo, uma mquina, somente para cumprir

    um propsito equivocada; e a afirmao recentemente dita com freqncia que se

    o objeto cumpre seu objetivo ele bonito, ainda mais equivocada. Utilidade no

    tem nada a ver com beleza. A beleza uma questo de forma e nada mais; ser til

    cumprir totalmente um objetivo. claro que um objeto bonito tambm pode ser til, e

    37 Ibid., Pg. 370 38 ARGAN, Giulio Carlo. Walter Gropius e a Bauhaus Lisboa: Editorial Presena, Coleo Dimenses, 2 edio, 1990. Pg. 12. 39 Ibid., Pg. 24.

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  • 63

    um til, bonito. Mas o fator determinante para o nosso objeto o princpio que a

    beleza no precisa impedir a utilidade. Combinar beleza com utilidade e conseguir

    de fato a mais completa satisfao nos dois objetivos , como se sabe, a principal

    tarefa da arquitetura. Mas seria totalmente errado supor que essa tarefa no exista

    fora da arquitetura. Pelo contrrio, pode-se generalizar e afirmar que no conjunto de

    todas as atividades humanas, na fabricao de ferramentas, na construo, nos

    projetos de construo, em todas as atividades visveis esto sujeitas, de uma forma

    geral, ao mesmo princpio que a arquitetura em particular tem que obedecer, que a

    unio do til com o belo.40

    A Werkbund aplicava o mesmo critrio para a arquitetura e o design

    comercial.41 Permanecia um vcuo entre o funcionalismo puro e uma forma apenas

    criativa. A principal tarefa era construir uma ponte entre o artista e o arteso. Um

    exemplo claro da unio entre artista, arteso e designer Peter Behrens, que

    trabalhou para a A.E.G. e sua responsabilidade ia desde o planejamento

    arquitetnico, passando pelo design e pela propaganda. Gropius apontou este

    trabalho como exemplo de que a beleza artstica em edificaes para a indstria

    tinha um valor publicitrio.42 Esse foi um dos princpios formais que Gropius utilizou

    para projetar a fbrica de sapatos, em Alfeld.

    Um ou dois empresrios que recentemente contrataram arquitetos, com

    treinamento em Belas Artes, esto usufruindo plenamente da incalculvel

    recompensa por sua sagacidade. E agora que outros crculos fora do mundo de

    negcios esto ouvindo falar de suas atividades, suas reputaes por perseguirem

    um ideal que vai alm da mera gratificao material das massas, esto se

    espalhando mais e mais rapidamente. O primeiro e mais importante passo dado

    nessa direo foi quando a General Electric Company de Berlim contratou Peter

    Behrens como um consultor artstico para todos os aspectos do negcio. Nos cinco

    anos da feliz unio de organizao e excepcional talento artstico, a empresa obteve

    vitrias que por sua ousadia e, algumas vezes valores totalmente novos at ento,

    parece ser o exemplo mais poderoso e puro de todo o pensamento da nova 40 MUTHESIUS, Herman. The Problem of Form in Engineering, 1913 In: BENTON, Tim e Charlotte; SHARP, Dennis. Form and Function A source book for the History of Architecture and Design 1890-1939 Londres, Granada Publishing, 1980. Pg.117. 41 KRUFT, Hanno-Walter. A History of Architectural Theory from Vitruvius to the Present. New York: Princeton Architectural Press, 1994. Pg. 371. 42 Ibid. Pg. 370.

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  • 64

    arquitetura europia. Simplesmente por basear seu design em princpios

    elementares da tectnica, a A.E.G. construiu edifcios que so o monumento da sua

    fora soberana, comandando seu entorno com uma verdadeira grandeza clssica,

    por onde ningum consegue passar sem ser envolvido emocionalmente.43

    A Werkbund apresentava duas alas: uma formada por Behrens, Gropius e

    Muthesius e outra formada por arquitetos expressionistas como Bruno Taut, Hans

    Poelzig e Erich Mendelsohn. Peter Behrens, Muthesius, Mies van der Rohe e

    Gropius eram os arquitetos intimamente associados com a clarificao da funo,

    enquanto a ala expressionista, Poelzig, Berg, Max projetava suas formas com base

    no sentimento. Todos esses arquitetos estavam ligados Werkbund e a diferena

    na abordagem terica dos dois grupos no interferia na participao deles na

    organizao.

    Bruno Taut construiu dois edifcios industriais, o Pavilho da Indstria do

    Ferro, em Leipzig, em 1913, e o Pavilho do Vidro, para a Exposio de Colnia, em

    1914. O Pavilho de Vidro (Figura 15) de 1914 tem a maior parte de seu volume

    envolvido por um alto domo de estrutura geodsica, com travessas de ao e painis

    de vidro. Esse domo apia-se sobre um andar mais baixo, com dezesseis lados, no

    qual escadas com degraus de vidro ascendem em curvas, por entre paredes de

    tijolos de vidro. Para Reyner Banham, tanto estrutural como visualmente, essa a

    mais brilhante combinao de vidro e ferro realizada por qualquer arquiteto antes de

    1914.

    Outra obra importante foi o Jahrhunderthalle, de Max Berg (Figura 16),

    tambm em Breslau, em 1913, onde a estrutura de concreto reforado deve ser

    apontada como um dos mais brilhantes usos desse material realizado por qualquer

    pessoa naquela poca. Seu entendimento do concreto enquanto material que pode

    ser despejado e moldado e suas possibilidades plsticas para dar forma

    tridimensional a abbadas e arcos introduzidos nesse edifcio fez com que o

    Jahrhunderthalle fosse um edifcio exemplar em termos de escala, originalidade e

    explorao do material. Berg viabilizou uma esttica que desafiava o uso do

    material, onde a verdade do material era dogma fundamental da filosofia do

    43 GROPIUS, Walter. The Development of Modern Industrial Architecture, 1913. In: BENTON, Tim e Charlotte; SHARP, Dennis. Form and Function A source book for the History of Architecture and Design 1890-1939 Londres, Granada Publishing, 1980. Pg. 54.

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  • 65

    desenho. Depois da guerra, os movimentos artsticos que surgiram tornaram-se mais

    fortes com sua esttica abstrata do que a esttica de Bruno Taut e Max Berg de

    antes da guerra.

    Hans Poelzig foi, tambm, um dos

    grandes arquitetos de Breslau e um dos

    desenhistas alemes mais coerentes e

    persuasivamente mais inventivos de sua

    gerao, cujos edifcios para indstria

    (Figuras 17 e 18) produziram novas formas,

    para novas necessidades. Poelzig foi um

    representante da ala expressionista da

    Werkbund, tambm chamada de

    individualista e, aps 1918, a fase

    expressionista da arquitetura alem inspirou-se em suas obras.

    Nos ltimos quatro anos antes da guerra, Poelzig e Berg foram responsveis

    pelo projeto e construo de muitos edifcios industriais, criando uma escola de

    design fabril, nascida do Expressionismo e refletindo a mesma situao histrica.

    Eles quase no eram afetados pelas preferncias clssicas da ala de Behrens na

    Werkbund, evitando a decorao e tratando formas escultricas com grande

    ousadia, comparveis aos projetos futuristas da mesma poca. Poelzig possua algo

    da sensibilidade mecnica dos futuristas, mesmo em 1910, poca em que o

    manifesto futurista ainda no tinha sido amplamente divulgado. Imediatamente aps

    a guerra, essa escola poderia ter continuado do ponto onde tinha parado, pois havia

    Figura 15

    Figura 16

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  • 66

    uma atmosfera expressionista at mesmo influenciando Gropius, Mies van der Rohe

    e as primeiras obras de Erich Mendelsohn. No entanto, esse movimento foi

    rapidamente inibido pela esttica do abstracionismo russo e holands, que chegou

    Alemanha.

    Ao longo da existncia de Werkbund, a meta a ser atingida era a qualidade.44

    A importncia da organizao foi unir a produo manual e a produo mecnica

    alem em um nico corpo, chamando a ateno da indstria para a disponibilidade

    dos designers e artesos e levando-os para trabalhar na indstria. No entanto, ainda

    faltava uma direo esttica especfica. Essa direo veio em 1911, com o prprio

    Muthesius. No congresso da Werkbund desse ano, o arquiteto fez um discurso onde

    introduziu a idia de que a esttica podia independer da qualidade material,

    defendendo a padronizao e a forma abstrata como base da esttica e do design

    de produtos.45

    Na platia, ouvindo seu discurso, estavam os jovens que formaram a gerao

    de arquitetos alemes do ps-guerra: Mies van der Rohe, Walter Gropius e Bruno

    Taut, alm de Le Corbusier, que tinha ido para a Alemanha em 1910, pela Escola de

    Arte de Chaux de Fonds, para fazer um estudo do progresso alemo e do design,

    especialmente da Werkbund. Le Corbusier no estava mais trabalhando com Peter

    Behrens, na poca do congresso, mas ainda estava dentro da esfera da Werkbund.

    As publicaes de Le Corbusier do incio da dcada de 20 mostram grande

    44 MUTHESIUS, Hermann. Where do we Stand?, 1911. In: BENTON, Tim e Charlotte; SHARP, Dennis. Form and Function A source book for the History of Architecture and Design 1890-1939 Londres, Granada Publishing, 1980. Pg.48. 45 BANHAM, Reyner, Teoria e Projeto na Primeira Era da Mquina So Paulo: Editora Perspectiva, Coleo Debates n 113, 3 edio, 2003. Pg. 101.

    Figura 17 Figura 18

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  • 67

    influncia do que Muthesius havia dito, mas de forma modificada46. O discurso de

    Muthesius tambm teve o objetivo de demonstrar a decadncia da arquitetura do

    sculo XIX, afirmando que o destino do povo alemo era fazer reviver as artes do

    design no sculo XX, relembrando Alemanha a importncia da cultura artstica em

    comparao com a cientfica.

    A Deutscher Werkbund foi fundada numa poca em que era necessria uma

    ntima associao de todos os homens de boa vontade contra as foras hostis. Seus

    dias de campanha, nesse sentido, agora so passados, as idias que ento eram

    colocadas em questo no so negadas hoje em parte alguma e gozam de

    aprovao geral. Ter sua existncia, portanto, se tornado suprflua? S se poderia

    pensar assim se se tivesse uma viso estreita das Artes e Ofcios. ( ...) Na verdade,

    a tarefa especfica da Werkbund apenas comea. At agora, preocupaes com a

    qualidade situavam-se na primeira fila de nossas atividades e podemos agora estar

    certos de que, na Alemanha, ganhou rapidamente importncia o sentido de bons

    materiais e mtodos; mas, exatamente por essa razo, segue-se que a obra da

    Werkbund no est terminada. Muito mais alto do que o material, est o espiritual;

    muito mais alto do que funo, material e tcnica, encontra-se a Forma. Esses trs

    aspectos materiais podem ser manipulados impecavelmente, porm se a Forma no

    o fosse, ainda estaramos vivendo em um mundo meramente animalesco. Assim,

    permanece como objetivo nossa frente uma tarefa muito maior e mais importante:

    despertar uma vez mais uma compreenso pela Forma e reviver as sensibilidades

    arquitetnicas.47

    Muthesius define a forma de muitas maneiras, menos como uma frmula

    matemtica, pois a forma no o resultado de clculos matemticos e no tem nada

    a ver com o pensamento sistemtico. Forma uma questo do esprito. Forma

    acima de tudo arquitetnica. Sua criao um segredo do esprito humano, assim

    como a poesia e a religio. Segundo Banham, a forma, para Muthesius, era uma

    espcie de essncia geomtrica destilada do design neoclssico.48 Muthesius tinha

    uma admirao pelo sculo XVIII e especialmente por Schinkel. No final do seu

    discurso, o arquiteto manifestou um desprezo instabilidade e mutabilidade do 46 BANHAM, Reyner, Teoria e Projeto na Primeira Era da Mquina So Paulo: Editora Perspectiva, Coleo Debates n 113, 3 edio, 2003. Pg 103 47 Ibid., Pg. 104. 48 Ibid., Pg 105.

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  • 68

    gosto de sua prpria poca, criticando os ismos, em contraste com a essncia da

    arquitetura. Era evidente que Muthesius buscava integrar os argumentos desta nova

    esttica da arquitetura, mas ainda estava preso aos princpios bsicos da arquitetura

    clssica como proporo, lgica e ritmo.

    Muthesius admirava as obras do passado, uma vez que elas seguiam o

    caminho da homogeneidade. Naqueles tempos o sentimento pelo rtmico e pelo

    arquitetnico estava universalmente vivo e governava todas as obras do homem,

    enquanto que em tempos mais recentes a arquitetura tem sido arrastada na esteira

    de suas artes irms49, a pintura e a escultura. Assim, ele acreditava que o

    restabelecimento de uma cultura arquitetnica era condio bsica de todas as artes

    e que, sob a liderana da arquitetura, todas as artes do design deveriam

    desenvolver-se em direo ao estabelecimento de padres, tipos e normas de estilo

    homogneo, entendendo que a homogeneidade e o tpico tm um sentido mais

    amplo do que o esttico.

    A insistncia na espiritualizao e na boa forma era uma ttica para tornar a

    Alemanha mais competitiva na guerra comercial. O pas era visto como uma

    potncia na organizao de seus negcios, no desenvolvimento da indstria e das

    instituies sociais e apontava a disciplina militar como base disso. Portanto, seria

    vocao da Alemanha resolver o problema da forma arquitetnica. No entanto,

    Muthesius acreditava que a arquitetura ainda dependia de firmas como a A.E.G. e

    de associaes como a Werkbund, para se sustentar.

    Somente quando cada membro de nossa nao revestir instintivamente

    suas necessidades com a melhor Forma que atingiremos, como raa, um nvel de

    gosto digno dos anteriores esforos progressistas da Alemanha. Esta evoluo do

    gosto. a fruio da manipulao da Forma, tem um significado decisivo para o futuro

    status da Alemanha no mundo. Primeiro, devemos colocar em ordem nossa prpria

    casa e, quando tudo for claridade e luz, dentro, podemos comear a ter algum efeito

    no exterior. S ento apareceremos ao mundo como uma nao digna de confiana,

    dentre outras coisas, para lidar com esta tarefa: restaurar, para o mundo e a poca

    49 MUTHESIUS, Hermann. Where do we Stand?, 1911. In: BENTON, Tim e Charlotte; SHARP, Dennis. Form and Function A source book for the History of Architecture and Design 1890-1939 Londres, Granada Publishing, 1980. Pg. 50.

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  • 69

    contempornea, os benefcios perdidos de uma cultura arquitetnica.50

    Nesse mesmo Congresso da Werkbund de 1911, a forma e o tipo dominaram

    o discurso de Muthesius, levantando uma questo importante: o tipo ou a

    individualidade? A questo sobre tpico no era completamente nova, uma vez que

    os desenhos de Bruno Paul para a produo em massa de mobilirio tinham sido

    produzidos no ano anterior. Muthesius estava convicto da necessidade de se

    desenvolver um tipo padro em arquitetura e, dessa forma, defendia que a idia de

    uma arquitetura nacional era um engano.

    De todas as artes, a arquitetura a que mais tende em direo ao tipo

    (typisch) e apenas isso pode realmente satisfazer seus objetivos. 51

    Um setor da Werkbund aceitou essa idia da codificao, da padronizao,

    incluindo at a tipificao de casas. Mas em 1914, na Exposio da Deutscher

    Werkbund, em Colnia, esse tema tornou-se crtico e quase houve um racha na

    associao, quando Muthesius reforou sua tese de padronizao e a necessidade

    nacional de se produzir em grandes quantidades no s para consumo interno,

    como para exportar. Dessa forma, a pequena produo de objetos individuais,

    criados por artistas, no seria suficiente para suprir a demanda. Artistas, como o

    belga Henry van de Velde, viram na teoria da tipologia uma traio individualidade

    do artista, colocando-se contra uma arte para exportao. Para Muthesius, a

    tipologia rejeitava o anormal e procurava o normal. Muthesius publicou seus

    argumentos a favor da tipologia e Van de Velde publicou o que podemos chamar de

    contra-princpios, para combater as idias do primeiro. A Werkbund era uma

    associao liberal de artistas, artesos e industriais e tinha uma influncia

    considervel no design industrial, mesmo sem ter desenvolvido um estilo particular.

    O objetivo principal da Werkbund era a combinao dos interesses nacionais,

    econmicos e artsticos, enobrecendo o trabalho do arteso, em conjunto com a

    indstria e a arte, atravs da educao, formulando uma resposta nica para essas

    questes.

    Em 1901, o arquiteto belga Henry Van de Velde passou a ser consultor das 50 BANHAM, Reyner, Teoria e Projeto na Primeira Era da Mquina So Paulo: Editora Perspectiva, Coleo Debates n 113, 3 edio, 2003. Pg 110. 51 MUTHESIUS, Hermann. Where do we Stand?, 1911. In: BENTON, Tim e Charlotte; SHARP, Dennis. Form and Function A source book for the History of Architecture and Design 1890-1939 Londres, Granada Publishing, 1980. Pg. 50.

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  • 70

    indstrias de artesanato do Gro Ducado de Saxe-Weimar e, em 1904, foi nomeado

    professor da escola de Artes e Ofcios. Foi ento encarregado de projetar os

    edifcios para a sua escola e para a Academia de Belas Artes (Figura 19). Essas

    duas instituies iriam fundir-se depois da Guerra, para formar a Bauhaus.

    Van de Velde atuou como um

    catalisador das idias inglesas no continente,

    particularmente nas cidades germnicas,

    tendo sido considerado um precursor da

    Bauhaus. Segundo Frampton52, ele foi

    claramente influenciado pelos preceitos pr-

    rafaelistas do grupo vanguardista Les Vingt,

    do qual fazia parte. Esse grupo de artistas

    belgas, fundado em 1889, tinha fortes influncias inglesas, principalmente de Walter

    Crane, um discpulo de William Morris. O grupo voltava-se para o design da

    totalidade do meio ambiente, ao invs de ocupar-se apenas com as belas artes. O

    ponto de partida de Van de Velde foi a unio das artes. Em 1895, projetou e

    construiu uma casa para si mesmo em Uccle, onde pretendia demonstrar a sntese

    de todas as artes ao projetar a arquitetura da casa, os mveis, os utenslios e at os

    vestidos para sua esposa. Portanto, a teoria geral da arte de Van de Velde, que

    inclui a arquitetura, vem da tradio direta de John Ruskin e William Morris,

    diferenciando-se em alguns aspectos e, em outros, seguindo em uma direo similar

    da Deutscher Werkbund. Ruskin culpava o Renascimento por ter separado as

    artes, mas ao mesmo tempo acreditava que a volta ao Gtico no era soluo para

    o problema de estilo, pois a arte moderna teria de dar conta da mecanizao e da

    produo em massa, apostando que a cincia da indstria poderia aumentar a

    qualidade esttica destes produtos.

    Apesar de influenciado pelos militantes do Partido Socialista Belga, Van de

    Velde no deixava de acreditar na reforma da sociedade atravs do design do meio

    ambiente, apostando na primazia da forma fsica sobre o contedo programtico.53

    52 FRAMPTON, Kenneth. Histria Crtica da Arquitetura Moderna So Paulo: Editora Martins Fontes, 1997. Pg. 111. 53 Ibid. Pg. 112.

    Figura 19

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  • 71

    A feira corrompe no apenas os olhos mas o corao.54

    Van de Velde aceitava todos os novos materiais e os mtodos de construo,

    alm de colocar os engenheiros e os empreendedores no mesmo nvel que os

    arquitetos. Design a unio orgnica de funo, construo, materiais e ornamento.

    Van de Velde pode ser considerado, at certo ponto, um precursor do funcionalismo

    moderno, pois para ele a utilidade conduz beleza. O desejo de criar um objeto til

    em todos os detalhes levaria a uma beleza pura. No entanto, seu funcionalismo no

    conduzia a uma rejeio de todo ornamento, apenas daquele aplicado, o ornamento

    inorgnico. O arquiteto fazia uma distino sutil entre ornamentao e ornamento,

    na qual a primeira, devido ao fato de ser aplicada, no tinha relao com o objeto e

    o segundo, por pertencer funcional ou estruturalmente, integrava-se a ele.

    Ele tambm estava preocupado com o novo, o ornamento moderno. Van de

    Velde rejeitava todo ornamento simblico do passado, considerando-o irrelevante

    para os propsitos modernos, pois considerava que eles tinham perdido seu efeito

    para hoje. Quando voltou de uma viagem Grcia e ao Oriente Mdio, em 1903,

    adotou mais ainda uma postura anti-decorativa e purista.

    Diferentemente de Muthesius, a quem ele antecipou em alguns aspectos e

    que era a favor da padronizao do design, Van de Velde, no entanto, continuava

    fiel ao ideal da individualidade. Apenas depois da guerra, sob a influncia do

    movimento moderno, que Van de Velde comeou a aceitar o conceito de estilo

    universal, destitudo de ornamento. Depois da 1 Guerra, a destruio econmica

    dos pases obrigou que apenas os problemas mais urgentes obtivessem a ateno

    de todos, como por exemplo a moradia.

    Van de Velde acreditava que no seria o homem de seu tempo se no

    conseguisse adaptar aos mtodos mecnicos e industriais modernos de produo

    os objetos que foram produzidos por artesos, utilizando apenas as suas mos.

    Essa foi a direo utilizada pelo arquiteto na sua Kunstgewerbeschule, em Weimar,

    uma combinao de escola com oficina, mas com o craft design dando lugar ao

    design para a mquina. O Kunstgewerbeschule no teve um departamento de

    arquitetura. Quando deixou a direo da escola, Van de Velde sugeriu Gropius como

    seu sucessor, mas isso s ocorreu em 1919, quando essa escola foi unida a uma

    54 Ibid. Pg. 112.

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  • 72

    outra, para dar lugar a Bauhaus. Desde as primeiras negociaes com as

    autoridades cvicas a respeito do seu compromisso, Walter Gropius deu

    arquitetura um lugar de destaque dentro dos seus planos para o currculo da escola,

    o que torna surpreendente o fato da Bauhaus, assim como a escola de Van de

    Velde, no ter tido um Departamento de Arquitetura at 1927.

    No havia uma paz constante na Werkbund. Alguns conflitos eram abertos,

    outros latentes. A tenso entre economia e arte nunca desapareceu, tornando-se

    mais evidente na primeira exposio da Werkbund, em 1914, em Colnia. Essa

    exposio mostrou a fora do trabalho germnico, apesar da surpreendente marca

    nacionalista e econmica, de forma nenhuma consoante com as aspiraes

    artsticas da Werkbund. Quando a guerra deflagrou-se, levando a exibio a um fim

    prematuro, muitos chegaram concluso de que tinham se envolvido demais com

    as questes polticas e econmicas. Apesar disso, uma das caractersticas principais

    dessa exposio foi a tolerncia artstica, apresentando uma multiplicidade de

    caractersticas como o nacionalismo, a folk art e o neoclassicismo. Muitos

    consideraram essa exibio um fracasso.

    A obra de Frank Lloyd Wright era bastante conhecida na Europa por volta de

    1913 e 1914 e produziu grande influncia nos crculos da Werkbund, no s atravs

    das publicaes da Wasmuth, mas tambm atravs de Berlage. Gropius e Meyer

    sofreram influncia de Wright, mas sua disposio neoclssica de esprito no foi

    suficientemente forte diante da influncia de Muthesius, em relao transparncia.

    Segundo Scully55, a fachada da Fbrica Modelo em Colnia, de 1914, deriva

    do City National Bank de Wright, de 1909. (Figura 20) Gropius ficou claramente

    encantado com os planos horizontais contnuos de Wright, mas trabalhou-os com

    uma pele de vidro para obter o efeito de continuidade espacial.

    55 SCULLY JR.,Vincent. Arquitetura Moderna So Paulo: Editora Cosac & Naify, 2002. Pg. 50. Figura 20

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  • 73

    No final dos anos 1890, um outro impulso para novos movimentos

    arquitetnicos veio da ustria, com os arquitetos Otto Wagner e Adolf Loos. Dos

    arquitetos vienenses da gerao seguinte Otto Wagner, apenas Adolf Loos deixou

    escritos que se aproximam de um sistema. Adolf Loos considerado como aquele

    que mais contribuiu para a formao do corpo de idias do Movimento Moderno.56

    Sofreu influncia de Gottfried Semper, arquiteto e revolucionrio liberal, que

    escreveu em Londres, por ocasio da Exposio de 1851, o seu famoso ensaio

    Wissenschaft, Industrie und Kunst (Cincia, Indstria e Arte) no qual analisava o

    impacto da industrializao e do consumo de massa sobre todo o campo das artes

    aplicadas e da arquitetura.57

    A fase mais importante de sua carreira caracteriza-se por uma intensa

    atividade como professor, ensasta e construtor, em Viena, quando produziu seus

    textos mais influentes e suas construes mais importantes. Loos escreveu sobre

    muitas coisas como vesturio, costumes, moblia, msica e, sobretudo, arquitetura.

    Inicialmente, eles foram publicados em jornais e peridicos de Viena e, depois, em

    outras cidades e at pases, como a Frana. Herwarth Walden, proprietrio de uma

    galeria e de uma revista, ambos denominados Der Sturm (A Tempestade), foi

    responsvel pela publicao, em 1912, dos trabalhos de Loos em sua revista,

    impedindo que esses textos se perdessem ou fossem esquecidos na Viena do ps-

    guerra. Walden foi um dos principais representantes da arte revolucionria,

    especialmente do expressionismo em Berlim e foi ele quem apresentou o futurismo

    ao pblico alemo, em 1912. Sua revista foi fundada em 1910 e sua galeria

    funcionou at 1924.

    O texto mais importante de Adolf Loos, Ornamento e Delito, foi escrito em

    1908 e publicado em 1912, na revista Der Sturm. Provavelmente, Walden entrou em

    contato com os artigos de Loos atravs de Arnold Schoenberg, que se relacionava

    com os pintores expressionistas alemes, uma vez que ele era membro do grupo

    Der Blaue Reiter (Cavaleiro Azul), de Munique. O acesso do pblico a essa revista

    56 BANHAM, Reyner, Teoria e Projeto na Primeira Era da Mquina So Paulo: Editora Perspectiva, Coleo Debates n 113, 3 edio, 2003. 57 FRAMPTON, Kenneth. Histria Crtica da Arquitetura Moderna So Paulo: Editora Martins Fontes, 1997. Pg. 129.

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  • 74

    era limitado, mas sua audincia era internacional. Esse ensaio, Ornamento e Delito,

    foi reeditado na Frana em 1920, na revista LEsprit Nouveau, a mais influente

    publicao no momento, preparando a chegada de Loos a Paris, em 1923. Nesse

    momento, esse ensaio reforou a idia de Le Corbusier de uma reforma da

    arquitetura, abandonando os estilos de catlogo, apoiando tambm a campanha dos

    dadastas contra as belas artes, tornando possvel a entrada de Loos para o crculo

    de Tristan Tzara e outros dadastas. O assunto do ensaio Ornamento e Delito no

    era novo e, nos primeiros anos do sculo, ele foi exaustivamente discutido.

    Sua luta contra o ornamento tida como ponto essencial e sua obra prtica e

    terica. Loos muitas vezes apontado como um guerreiro puritano lutando pela

    purificao tica da arquitetura. No entanto, talvez essa luta contra o ornamento no

    tenha sido fundamental para ele. Ela faz parte de uma lgica que conduz a obra do

    arquiteto e o eixo central da sua reflexo terica sobre arquitetura. A grande

    revoluo em arquitetura a soluo de uma planta no espao. A rejeio do

    ornamento por Loos bem diferente da que entendida comumente. Ele no era

    unilateralmente contrrio ao ornamento, apenas se opunha ao ornamento moderno

    que nada tivesse a ver com os materiais utilizados, nem expressasse o esprito de

    seu tempo.

    Como o ornamento no est mais relacionado organicamente com a nossa

    cultura, ele no mais tambm a expresso da nossa cultura. O ornamento que

    criado hoje, no tem nenhuma relao conosco, no tem de modo nenhum uma

    relao humana, nenhuma relao com a ordem mundial. No suscetvel ao

    desenvolvimento.58

    Durante sua estadia nos EUA, de 1893 a 1896, Loos entrou em contato com

    arquitetos como Luis Sullivan e Root, para quem o falso uso dos materiais e o

    excessivo uso do ornamento era um crime e a renncia decorao possibilitaria

    que a arquitetura encontrasse sua expresso prpria. Loos defendia a linguagem

    formal prpria de cada material, valorizando a simplicidade da forma como uma

    virtude em si mesma. Como arquiteto, ele procurou construir seguindo esse

    princpio. A arquitetura no era apenas construo, mas espao, com a funo de

    estimular o humor e o estado de esprito do homem.

    58 LOOS, Adolf. Ornamento e Delito, 1908. In: www.eesc.usp.br/babel. Traduo de Anja Pratschke, 2001-2002.

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  • 75

    Loos, contudo, colocava a arquitetura e a arte em esferas muito separadas e

    afirmava que o delrio da inveno no tinha sentido na arquitetura. O gesto

    inventivo e gratuito no seria capaz de suprir as necessidades s quais a arquitetura

    tem que dar respostas. Um objeto uma obra de arte apenas quando ele no tem o

    uso como caracterstica preponderante, isto , quando ele for intil e no tiver que

    satisfazer nenhuma necessidade. Ao contrrio de Morris, que propunha restituir ao

    arteso a produo de utenslios, unindo arte e artesanato, Loos refere-se arte

    como um complemento vida e no como um constituinte da vida. A produo de

    objetos no deve ser feita por artistas e sim por aqueles que saibam lidar com os

    objetivos e as necessidades dos objetos, evitando, dessa forma, que os artistas

    tornem os objetos menos prticos e banalizem a arte, introduzindo ornamentos que

    no fazem parte do objeto.

    Uma casa deve mostrar-se para todo mundo, diferente do trabalho de arte,

    que no deve se mostrar para ningum. O trabalho de arte um prazer privado do

    artista. Uma casa no . Um trabalho de arte colocado no mundo sem que haja

    uma funo para ele. Uma casa supre uma necessidade. (...) Ento uma casa no

    tem nada a ver com arte e a arquitetura no deve ser classificada como arte. Apenas

    uma pequena parte da arquitetura pode ser classificada como arte: a tumba e o

    monumento. Todo o resto, tudo o que serve a um propsito deve ser excludo do

    campo da arte. (...) O artista serve apenas a ele mesmo; o arquiteto deve servir ao

    pblico em geral. A fuso da arte e do artesanato causou aos dois e humanidade

    um grande problema.59

    nesse ponto que Loos mais diverge de Gropius, para quem a substituio

    dos produtos artesanais pelos produtos industrializados era inevitvel. Alm disso,

    Gropius defendia que o artista tinha o poder de dar ao produto industrializado uma

    alma60 E, assim, sua contribuio no somente um luxo, generosamente

    acrescentado como extra, mas uma parte indispensvel no processo industrial. No

    entanto, Gropius concordava com Loos que a ornamentao abundante de estilos

    anteriores ao estilo do seu tempo no estava mais de acordo com as condies do

    59 LOOS, Adolf. Architecture, 1910. In: BENTON, Tim e Charlotte; SHARP, Dennis. Form and Function A source book for the History of Architecture and Design 1890-1939 Londres, Granada Publishing, 1980. Pg. 45. 60 GROPIUS, Walter. The Development of Modern Industrial Architecture, 1913. In: BENTON, Tim e Charlotte; SHARP, Dennis. Form and Function A source book for the History of Architecture and Design 1890-1939 Londres, Granada Publishing, 1980. Pg. 53.

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  • 76

    mundo moderno em relao aos materiais, ao dinheiro, ao tempo e ao trabalho

    manual empregado na produo de tais objetos. A aplicao do ornamento pelo

    homem moderno era um desperdcio de trabalho, dinheiro e material.

    O imenso dano e as destruies que a ressurreio do ornamento ocasiona

    no desenvolvimento esttico, poderiam ser facilmente suportados, porque ningum,

    nem nenhum poder supremo, pode deter a evoluo da humanidade. Somente pode

    ser retardada. Podemos esperar. Mas um crime para a economia, pois por causa

    disso o trabalho humano, o dinheiro e a matria so arruinados. Esse dano, o tempo

    no pode reequilibrar.61

    Ornamento fora de trabalho desperdiado e, assim, sade desperdiada.

    Foi sempre assim. Mas hoje tambm significa material desperdiado e ambos

    significam capital desperdiado.62

    Loos tratou do tema sobre ornamento diversamente, contrariando, inclusive,

    algumas doutrinas como a da Werkbund. As discusses da Werkbund procuravam

    estabelecer uma distino entre o ornamento relevante e o ornamento

    desnecessrio. O Congresso da Werkbund em 1911, declarou que o ornamento

    estava fora de moda, afirmando que a beleza da forma agradvel, mesmo sem

    ornamentao, quando concebida com qualidade. A indstria tinha uma tendncia

    a cobrir com ornamento formas pobres e sem valor e, assim, o ornamento fora

    vinculado ao objeto de pouca qualidade.

    Os objetivos da Deutscher Werkbund, assim como estabelecidos por

    Muthesius, podem ser resumidos em duas frases: excelncia do trabalho manual e a

    criao de um estilo contemporneo. Esses objetivos so um nico objetivo, pois

    qualquer um que trabalhe em um estilo do nosso tempo, trabalha bem. E qualquer

    um que no trabalhe em um estilo do nosso tempo, trabalha mal. E assim que

    deve ser. Uma forma ruim com o que eu denomino qualquer forma que no esteja

    de acordo com o estilo do nosso tempo pode ser desculpada se acreditarmos que

    ela desaparecer logo. o desejo da Werkbund de produzir objetos para a

    posteridade que no est de acordo com o estilo da nossa poca. Isso ruim. Mas

    Muthesius tambm afirma que atravs do trabalho cooperativo que a DW ir

    61 LOOS, Adolf. Ornamento e Delito, 1908. In: www.eesc.usp.br/babel. Traduo de Anja Pratschke, 2001-2002. 62 Ibid.

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    descobrir o estilo do seu tempo. Isso um gasto de energia. Ns j temos o estilo do

    nosso tempo. Ns o temos em qualquer lugar onde o designer ou qualquer outro

    membro desse movimento ainda no tenha interferido.63

    Loos faz uma diferena entre uso e funo, no desejando criar um espao

    apenas para servir a um fim e sim, em termos de usos, de interrelaes entre o

    objeto arquitetnico e aquele que utiliza esse espao, o fruidor. Esta a grande

    questo dentro do seu discurso. Loos no acredita que o arquiteto seja onipotente e

    que caiba a ele interferir no modo como as pessoas habitam suas casas. O homem

    dono da sua casa e ela deve ser parte do homem, alm de todos os objetos que a

    constitui. Ao contrrio de Van de Velde, Loos no deseja projetar a casa e tudo que

    tem dentro dela, porque esta s se realiza quando habitada, isto , a arquitetura

    no termina apenas na construo da obra, ela s tem sentido quando usada e

    preenchida de outros significados alm do prprio objeto arquitetnico. Arquitetura

    o conjunto homem-construo.

    Nenhum homem ou associao, como a Werkbund, seria capaz de criar os

    roupes, as caixas de cigarro e as jias para o homem. O tempo iria cri-los. Os

    objetos modificam-se de um ano para o outro, de um dia para o outro, de hora em

    hora e o homem modifica todo tempo seu comportamento e hbitos. E assim que a

    cultura se transforma. Loos acusava a Werkbund de confundir causa e efeito.64 Um

    homem no sentaria de uma determinada maneira apenas condicionado pela

    cadeira construda pelo carpinteiro. O carpinteiro que deve construir uma cadeira,

    respeitando o modo como desejamos nos sentar.

    65 Hermann Muthesius, (...) a quem devemos agradecer por estabelecer os

    objetivos da Deutscher Werkbund e possibilitar a sua existncia. Os objetivos so

    bons, mas a Deutscher Werkbund nunca os alcanar. (...) Os membros dessa

    confederao esto tentando substituir nossa cultura atual por outra. Por que eles

    esto fazendo isso, eu no sei. Mas eu sei que eles no tero sucesso.66

    Dentro da Deutscher Werkbund no havia a priori qualquer inadequao na

    63 LOOS, Adolf. Architecture, 1910. In: BENTON, Tim e Charlotte; SHARP, Dennis. Form and Function A source book for the History of Architecture and Design 1890-1939 Londres, Granada Publishing, 1980. Pg. 41. 64 Id., Cultural Degeneracy, 1908. In: op.cit. Pg. 40. 65 Ibid. Pg. 41. 66 Ibid. Pg. 40.

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    ornamentao de maquinaria, estruturas de engenharia e produtos de mquinas.

    Muthesius determinava a eliminao daquilo que no tinha importncia, referindo-se

    especificamente a ornamentao. No entanto, observando os produtos da

    Werkbund, conclumos que Muthesius estava se referindo apenas ornamentao

    suprflua. Seria muito difcil privar todos os artistas e designers que faziam parte da

    associao do nico elemento que eles eram capazes de produzir e de contribuir,

    portanto Muthesius no era contra o ornamento enquanto tal, assim como Gropius.

    Behrens agia de duas maneiras diferentes: uma para seus produtos de uso industrial

    no decorados e outra para os seus produtos de uso domstico, como fornos

    eltricos, que possuam ornamentos.

    Equiparar a arquitetura arte significaria uma negao da prpria arquitetura,

    uma negao daquilo que a constitui: a sua utilidade, a sua participao no cotidiano

    do homem e o fato de ela satisfazer os seus desejos e as suas necessidades. A arte

    para Loos deseja incomodar, provocar, ir alm do seu tempo, ambicionando uma

    revoluo, uma mudana radical no modo de ver e sentir, ambicionando o tempo

    futuro. A arquitetura, ao co