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Artigo - Federal - 2010/1951 Construção civil também é afetada pelas novas normas contábeis Carla Cristina Tasso* A contabilidade imobiliária no Brasil sempre conflitou com as normas fiscais brasileiras, em função das particularidades da atividade, sua complexidade e prazo de duração. Uma das maiores provas deste conflito é a Instrução Normativa SRF 84/79 que até o momento estabelecia as normas de reconhecimento do resultado da incorporação imobiliária tanto pelo regime de caixa quanto por competência. As receitas eram reconhecidas pelo seu efetivo recebimento e os custos proporcionalmente aos valores recebidos e as demais despesas e receitas apropriadas pelo regime contábil de competência. Importante ressaltar que o reconhecimento efetuado conforme IN 84/79 leva a um resultado contábil distorcido no decorrer do empreendimento. Se uma empresa vendesse todo seu empreendimento a vista o lucro seria todo reconhecido sem nenhum custo. O que na prática não é verdade. A IN SRF 84/79 determina que se os valores diferidos de custo e receita fossem controlados no grupo de resultado de exercícios futuros, em contas de custo diferido e receita diferida, respectivamente. Em 2003 o Conselho Federal de Contabilidade publicou a Resolução 963, substituída em 2009 pela Resolução 1266/2009, onde estabeleceu as regras a serem aplicadas as entidades imobiliárias observando as normas e princípios contábeis. A Lei 11.638/2007 alterou a Lei 6.404/76, principalmente no que tange as posições de natureza contábil, com objetivo principal de alinhar a contabilidade brasileira as normas internacionais de contabilidade. O CFC aprovou posteriormente a Resolução 1.171/09 que tornando mais sólida esta posição. Importante destacar que a Lei 11.638/2007 não alcança as pequenas e médias empresas, muito embora todas as empresas devam seguir as resoluções do CFC. O RTT foi criado com o objetivo de dar uma blindagem fiscal as empresas que modificarem o critério de reconhecimento do resultado, de modo que este resultado não sofrerá efeitos fiscais, opção esta que deveria ter sido efetuada em até junho de 2009 na entrega da DIPJ. Com a publicação da IN 1023 da SRF as empresas que não fizeram a opção em 2009 poderão retificar a DIPJ e fazer a opção. Devido ao tipo de atividade e ao produto gerado por ela, um bem produzido para entrega num prazo longo com recebimento em sua maioria

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Artigo - Federal - 2010/1951

Construção civil também é afetada pelas novas normas contábeisCarla Cristina Tasso*

A contabilidade imobiliária no Brasil sempre conflitou com as normas fiscais brasileiras, em função das particularidades da atividade, sua complexidade e prazo de duração. Uma das maiores provas deste conflito é a Instrução Normativa SRF 84/79 que até o momento estabelecia as normas de reconhecimento do resultado da incorporação imobiliária tanto pelo regime de caixa quanto por competência. As receitas eram reconhecidas pelo seu efetivo recebimento e os custos proporcionalmente aos valores recebidos e as demais despesas e receitas apropriadas pelo regime contábil de competência.

Importante ressaltar que o reconhecimento efetuado conforme IN 84/79 leva a um resultado contábil distorcido no decorrer do empreendimento. Se uma empresa vendesse todo seu empreendimento a vista o lucro seria todo reconhecido sem nenhum custo. O que na prática não é verdade.

A IN SRF 84/79 determina que se os valores diferidos de custo e receita fossem controlados no grupo de resultado de exercícios futuros, em contas de custo diferido e receita diferida, respectivamente.

Em 2003 o Conselho Federal de Contabilidade publicou a Resolução 963, substituída em 2009 pela Resolução 1266/2009, onde estabeleceu as regras a serem aplicadas as entidades imobiliárias observando as normas e princípios contábeis. A Lei 11.638/2007 alterou a Lei 6.404/76, principalmente no que tange as posições de natureza contábil, com objetivo principal de alinhar a contabilidade brasileira as normas internacionais de contabilidade. O CFC aprovou posteriormente a Resolução 1.171/09 que tornando mais sólida esta posição.

Importante destacar que a Lei 11.638/2007 não alcança as pequenas e médias empresas, muito embora todas as empresas devam seguir as resoluções do CFC.

O RTT foi criado com o objetivo de dar uma blindagem fiscal as empresas que modificarem o critério de reconhecimento do resultado, de modo que este resultado não sofrerá efeitos fiscais, opção esta que deveria ter sido efetuada em até junho de 2009 na entrega da DIPJ. Com a publicação da IN 1023 da SRF as empresas que não fizeram a opção em 2009 poderão retificar a DIPJ e fazer a opção.

Devido ao tipo de atividade e ao produto gerado por ela, um bem produzido para entrega num prazo longo com recebimento em sua maioria a prazo e dificuldade na mensuração dos custos. Nessa atividade a contabilidade sempre teve suas particularidades e uma dificuldade na publicação dos resultados com base nas normas societárias e até fiscais.

As atividades imobiliárias que afetam as Normas antes citadas são:

1) Compra e venda de imóveis;

2) Incorporação imobiliária

3) Loteamento

4) Intermediação na compra ou na venda de imóveis

5) Administração de imóveis, e

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6) Locação de imóveis.

Atividade imobiliária é a atividade empresarial que tem por objeto a construção e comercialização, durante a obra, de unidades imobiliárias autônomas integrantes de um empreendimento, bem como a constituição de condomínio edilício, mediante instituição registrada no Cartório de Registro de Imóveis.

A empresa que promove e que efetua a venda das unidades é chamada de incorporadora. A construtora, que é a responsável pela execução da obra. Algumas vezes uma empresa acumula as duas atividades.

Com todas as modificações na contabilidade societárias, mesmo as empresas que não são obrigadas ao cumprimento, mas têm parceria com empresas da área imobiliária acabam que por absorver todas essas modificações e se vendo obrigadas a seguir as novas normas.

Nesse contexto, podemos considerar um fato positivo apesar da complexidade das informações, pois as demonstrações contábeis serão mais transparentes, resultando numa valorização do profissional de contabilidade.

Sob o ponto de vista do incorporador a incorporação, é caracterizada:

1. Pela coordenação dos fatores de produção inerentes a essas tarefas;

2. Pela assunção dos riscos do negócio;

3. Envolve a captação de recursos do público destinados à execução da obra;

4. Providências para regularização da propriedade ante as autoridades administrativas e Registro de Imóveis

Há alguns aspectos relevantes na contabilização dessa atividade.

- Formação do custo

- Critério de reconhecimento de despesas com vendas

- Permutas físicas

- Provisões para garantia

- Juros a receber

- Critério de reconhecimento do resultado da obra.

Formação do custo

O custo é formado por todos os gastos incorridos para obtenção do produto. Neste caso específico são contabilizados como custo:

- Preço do terreno, inclusive gastos necessários à sua aquisição e regularização;

- Custo dos projetos;

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- Custos diretamente relacionados à construção, inclusive aqueles de preparação do terreno, canteiro de obras e gastos de benfeitorias nas áreas comuns;

- Impostos, taxas e contribuições não recuperáveis que envolvem o empreendimento imobiliário, incorridos durante a fase de construção;

- Encargos financeiros diretamente associados ao financiamento do empreendimento imobiliário

O importante além da observância do tipo de gasto a ser contabilizado como custo é a inclusão do mesmo para reconhecimento da receita.

Alguns comentários sobre os itens de custo e seu critério de reconhecimento.

Encargos financeiros

Consideram-se encargos financeiros os diretamente associados ao financiamento da construção, aqueles encargos vinculados desde o início do projeto, devidamente aprovado pela administração da entidade de incorporação imobiliária, desde que existam evidências suficientes de que tais financiamentos, mesmo obtidos para fins gerais, foram usados na construção do empreendimento.

Os encargos devem ser contabilizados em rubrica representativa de estoque de imóveis a comercializar e devem ser apropriados no custo do empreendimento conforme a execução da obra (POC), os valores apropriados no custo não devem compor o custo para critério de reconhecimento de receita.

Adiantamentos

Os adiantamentos para aquisição de bens e serviços devem ser controlados, separadamente, em rubrica específica de adiantamentos a fornecedores (grupo de estoques de imóveis a comercializar) e considerados como custo incorrido à medida que os bens e/ou serviços a que se referem forem obtidos e efetivamente aplicados na construção.

Provisão para garantia

As empresas ao entregarem um empreendimento devem contabilizar o valor estimado das garantias referentes ao período posterior à sua conclusão e entrega (por exemplo: entrega das chaves ou outro evento de transferência da posse do imóvel). Este valor é normalmente considerado no custo orçado do empreendimento imobiliário e é desembolsado após entrega do empreendimento.

A contabilização deverá ser efetuada no ANC no grupo de despesas a apropriar e contrapartida no PNC.

O efeito da provisão para garantias não deve impactar no cálculo da evolução da obra para fins de apropriação da receita.

Na existência de seguros contratados e/ou terceiros envolvidos com a responsabilidade pelos custos relacionados as garantias (por exemplo, empreiteiras contratadas para a construção do empreendimento, empresas responsáveis pela produção e instalação de bens como elevadores, etc.), o registro de provisão deve estar fundamentado por avaliação da probabilidade de uma saída de recursos.

Despesas com vendas

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Comissão sobre vendas

As despesas com comissões de vendas incorridas pela entidade de incorporação imobiliária devem ser ativadas como pagamentos antecipados e apropriadas ao resultado em rubrica relacionada a despesas com vendas, observando-se os mesmos critérios de apropriação da receita de incorporação imobiliária.

Na elaboração de cada balanço patrimonial, mesmo que intermediário, a entidade de incorporação imobiliária deve analisar as comissões a apropriar e reconhecê-las imediatamente como despesa, no caso de cancelamento de vendas ou quando for provável que não haverá pagamento dos valores contratados.

Estande de vendas e apartamento modelo

Os gastos incorridos e diretamente relacionados com a construção de estande de vendas e do apartamento modelo, bem como aqueles para aquisição das mobílias e da decoração dos estandes de vendas e do apartamento modelo de cada empreendimento, possuem natureza de caráter prioritariamente tangível e, dessa forma, devem ser registrados em rubrica de ativo imobilizado, e depreciados de acordo com o respectivo prazo de vida útil estimada desses itens.

A vida útil é o período durante o qual se espera que o ativo seja usado pela entidade de incorporação imobiliária.

Quando a vida útil estimada for inferior a 12 meses, os gastos devem ser reconhecidos diretamente ao resultado como despesa de vendas.

A despesa de depreciação desses ativos deve ser reconhecida em rubrica de despesas com vendas, sem afetar o lucro bruto.

Esse reconhecimento não deve causar impacto na determinação do percentual de evolução financeira dos empreendimentos imobiliários. As eventuais parcelas recuperadas com a venda das mobílias ou das partes do estande de vendas devem ser registradas como redutoras do custo desses itens.

Ao fim de cada exercício social, a empresa deve verificar se há alguma indicação de que um ativo possa ter sofrido desvalorização, caso positivo a entidade deve estimar o valor recuperável do ativo.

Por exemplo, consideram-se desvalorizados os estandes de vendas no momento em que parte substancial das unidades estiverem vendidas ou por ocasião do término de seu uso.

Permuta física

Quando unidades imobiliárias de mesma natureza e valor são permutados entre si (apartamentos por apartamentos, terrenos por terrenos, etc.). Essa troca não é considerada uma transação que gera ganho ou perda. Porém, quando há a permuta de unidades imobiliárias que não tenham a mesma natureza e o mesmo valor (por exemplo, apartamentos construídos ou a construir por terrenos), esta é considerada uma transação com substância comercial e, portanto, gera ganho ou perda.

Neste último a receita deve ser mensurada pelo seu valor justo. Neste tipo de operação, a receita é determinada pelo valor de venda dos imóveis ou terrenos recebidos.

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Entende-se como valor justo a quantia pela qual um ativo poderia ser trocado, ou um passivo liquidado, entre partes conhecedoras e dispostas a isso em uma transação em que não existe relacionamento entre elas.

Reconhecimento do lucro imobiliário

Este item faz toda a diferença entre as normas anteriores, as novas normas e a legislação fiscal.

O reconhecimento da receita neste tipo de atividade antes da Lei 11.638/2007 e das Resoluções 1266 e 1171 do CFC eram efetuados pelo regime de caixa especial nas pequenas e médias empresas.

A modificação advêm da internacionalização das normas contábeis e merece atenção.

O reconhecimento da receita será através do POC- Percentagem de Obra Completada, que aplicado corretamente, com orçamento aprovado, se torna uma importante ferramenta de muita utilidade e que proporciona uma visão bem ampla do resultado do empreendimento, podendo ainda ser utilizado como uma ótima ferramenta de gestão da empresa.

A base principal do POC é o custo incorrido, realizado mensalmente na contabilidade.

O reconhecimento da receita na demonstração do resultado será de acordo com a execução do empreendimento independendo do seu recebimento efetivo.

Início do Reconhecimento do lucro

O início do reconhecimento do lucro imobiliário se dá quando ocorre a Receita de vendas do empreendimento. Quando as obras não estão concluídas o montante das receitas de vendas apuradas, incluindo a atualização monetária, líquido das parcelas já recebidas, são contabilizados como contas a receber, ou como adiantamentos de clientes.

O registro dos contratos de vendas das unidades não concluídas limita-se à parcela relativa à receita apurada pela Evolução da Obra (POC).

A parcela da receita de vendas relativa ao percentual de obra (POC) ainda não incorrido NÃO está refletido nas demonstrações contábeis.

Obras não concluídas. Percentual de evolução da obra (POC)

É apurado o percentual do custo incorrido das unidades vendidas (incluindo o terreno), em relação ao seu custo total orçado, sendo esse percentual aplicado sobre a receita das unidades vendidas, ajustada segundo as condições dos contratos de venda, e sobre as despesas comerciais, sendo assim determinado o montante das receitas e das despesas comerciais a serem reconhecidas.

Obras acabadas POC 100%. (Receita de vendas)

Nas vendas a prazo de unidades concluídas (POC = 100%), o resultado é apropriado no momento em que a venda é efetivada, independentemente do prazo de recebimento do valor contratual.

Contas a receber na incorporação imobiliária

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Conforme CPC 01 nas vendas a prazo de unidades concluídas, deve ser avaliado se a taxa de juros imputada ao fluxo de recebimentos é compatível com a taxa usual de uma negociação similar.

Os recebíveis com atualização monetária, inclusive a parcela das chaves, sem juros, devem ser descontados a valor presente, uma vez que os índices de atualização monetária contratados não incluem o componente de juros.

A atualização monetária incorrida durante a fase de construção das unidades imobiliárias compõe o preço total do contrato de compra e venda e deve ser registrada como um componente da receita de incorporação imobiliária até o momento da entrega da unidade concluída aos clientes.

A atualização monetária e os juros sobre os saldos em aberto das unidades concluídas deve ser registrada como receita financeira no período, por regime de competência.

Não se aplica AVP aos adiantamentos de clientes e as transações de permuta.

O AVP é uma forma de se obter o valor efetivo da transação. Considera-se data da transação o dia da assinatura do contrato.

Estoques

Os ativos não podem estar registrados contabilmente por um valor superior àquele possível de ser recuperado por uso ou por venda. " Impairment Test".

Os estoques devem ser mensurados ao menor valor entre custo e líquido realizável. Aos imóveis recebidos de clientes como parte do pagamento, que estiverem superavaliados em relação ao que se espera realizar (vender), deve-se registrar "Impairment Loss" no resultado.

O valor realizável líquido é o preço de venda estimado para o curso normal dos negócios, deduzidos os custos de execução e as despesas de vendas e os tributos.

Impostos diferidos

As empresas devem provisionar os impostos sobre os valores reconhecidos como receita e ainda não tributáveis independente da tributação ser pelo Lucro Presumido ou pelo Lucro Real.

Os impostos correntes, do período em curso e de períodos anteriores, enquanto não forem pagos, devem ser reconhecidos como passivo. Se o montante já pago, referente ao período em curso e anteriores, exceder ao devido nesses mesmos períodos, o excesso deve ser reconhecido como ativo (impostos a recuperar).

Contingências

As contingências devem ser provisionadas de acordo com a situação do processo. Quando o processo estiver em andamento o valor deve ser contabilizado no passivo em contrapartida com PL, caso o processo esteja em execução final, deve-se levá-lo direto ao resultado.

Passivos contingentes são provisionados quando as perdas forem avaliadas como Prováveis e os montantes envolvidos forem mensuráveis com suficiente segurança.

As Provisões devem ser reconhecidas quando:

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- Uma entidade tem uma obrigação presente (legal ou constituída) como resultado de um evento passado;

- É provável que uma saída de recursos envolvendo benefícios econômicos seja requerida para liquidar a obrigação;

- Uma estimativa segura pode ser efetuada em relação ao montante da obrigação que será liquidada;

- Se estas condições NÃO FOREM atendidas, nenhuma provisão deverá ser reconhecida.

A empresa NÃO deve contabilizar NEM divulgar um Passivo Contingente quando, não houver obrigação presente legal ou constituída, não houver expectativa de saída de recursos e os montantes não puderem ser estimado com razoabilidade.

Conclusão

Concluí-se com todas essas modificações que a contabilidade imobiliária demanda do profissional contábil uma maior aproximação da empresa e um estudo aprofundado e permanente da legislação pertinente.

Tendo em vista que o primeiro ano de reconhecimento do resultado imobiliário é 2009, deve-se efetuar todos os ajustes decorrentes do mesmo dentro do próprio exercício, como p. ex., o reconhecimento de toda receita diferida e de todo o custo diferido das obras concluídas, assim como os tributos diferidos.

Importante destacar que todos os critérios de contabilização efetuados devem estar descritos em nota explicativa, dando maior visibilidade e transparência aos registros contábeis.

Dado as inúmeras particularidades da atividade imobiliária quanto a sua contabilização, exige-se a entrega do profissional contábil para a sua perfeita compreensão e acertada contabilização.

Incorporação imobiliária e regras contábeisAdriano Ferraz, Bernardo Freitas e Paulo Machado 

Desde 2007, o Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC) aprovou pronunciamentos técnicos cujo objetivo é convergir o sistema contábil brasileiro ao padrão internacional, o International Financial Reporting Standards (IFRS), o que pode gerar problemas de adequação aos departamentos financeiros e contábeis das empresas do ramo imobiliário.

Em relação ao setor imobiliário, a principal questão refere-se ao tratamento contábil dado às receitas e despesas. Para isso, houve a classificação dos contratos em: (i) contrato de construção - aqueles negociados para a construção de um ativo único (ex. edifício) ou de diversos ativos relacionados (ex. planta industrial); (ii) contrato de prestação de serviços - aqueles em que a entidade não é obrigada a comprar ou fornecer os materiais de construção,

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sendo sua obrigação apenas a prestação dos serviços relacionados à construção; e (iii) contrato de venda de bens - aplicáveis aos contratos de venda decorrentes da incorporação de unidades imobiliárias.

Diante dessa classificação, é importante observar a diferença das atividades das construtoras e das incorporadoras. As primeiras necessariamente realizam a obra ao passo que as incorporadoras poderão realizar a construção do imóvel diretamente ou contratar terceiros - as construtoras - para fazê-lo. A incorporadora, por sua vez, deverá ser proprietária do terreno, promitente compradora, construtora ou corretora de imóveis (art. 31 da Lei nº 4.591, de 1964). A construtora poderá ser qualquer sociedade ou profissional qualificado.

Anteriormente, as sociedades brasileiras que atuavam no setor imobiliário obedeciam ao critério do percentual de conclusão da obra (Percentage of Conclusion - POC) na elaboração das demonstrações financeiras, sendo as receitas reconhecidas de acordo com o desenvolvimento do empreendimento imobiliário. Após os novos pronunciamentos, há sugestões no sentido de que a maior parte das receitas das incorporadoras deverá ser reconhecida apenas no momento da entrega da unidade imobiliária.

De acordo com estudo feito pelo Credit Suisse essa mudança proporcionaria uma baixa média de 43% no ganho líquido e uma redução de 25% no patrimônio líquido para essas empresas. A questão que motivou essa alteração refere-se ao momento da transferência dos riscos e benefícios para o comprador do imóvel. De acordo com o padrão internacional, isso ocorreria na entrega da unidade imobiliária, devendo as receitas serem reconhecidas nessa ocasião. Contudo, esse entedimento não pode ser visto como absoluto.

As promessas de compra e venda no setor imobiliário são irrevogáveis e irretratáveis. Isso significa que as partes não poderão desistir do negócio. Apesar de consideradas como promessas, por não haver a efetiva transferência jurídica da propriedade (essa só ocorre com o registro da escritura pública no Cartório de Imóveis), são contratos com grande potencial de eficácia jurídica.

Com efeito, os contratos decorrentes de incorporações imobiliárias são irretratáveis por própria disposição do artigo 32, parágrafo 2º, da Lei 4.591, de 1964. Inclusive, a lei confere ao promissário comprador o direito real oponível a terceiros, com possibilidade de adjudicação compulsória do imóvel, mesmo no caso de insolvência do promitente vendedor após o final da obra.

Por sua vez, o Código Civil estabelece que a promessa de compra e venda sem arrependimento confere ao promissário comprador direito real sobre o imóvel, se a promessa for registrada no Cartório de Imóveis. Não obstante, o direito conferido ao promissário comprador é tão relevante que a Súmula nº 293 do Superior Tribunal de Justiça (STJ) determina que o direito de adjudicação compulsória sequer se condiciona ao registro do compromisso da compra e venda no cartório de imóveis.

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Há ainda outros aspectos que demonstram que o promissário comprador assume os benefícios e riscos mais relevantes no que se refere à propriedade do imóvel. O STJ já definiu ser possível que o promissário comprador ajuíze embargos de terceiro para proteger seus direitos sobre imóvel penhorado por dívida que não é sua (AgRg no REsp nº 643.445). Além disso, o STJ também entendeu que o promissário comprador é quem tem o direito de receber a indenização em caso de desapropriação do imóvel (REsp nº 290.066).

Neste sentido, fica notório que o promissário comprador assume os benefícios e riscos mais relevantes durante a construção e não ao final, quando da entrega do bem, haja vista que a natureza da atividade da incorporadora é uma obrigação de fazer, consubstanciada numa prestação de serviços, fato gerador do ISS.

A transferência dos benefícios e riscos decorrentes da transação imobiliária ocorrem com a evolução da obra. Diante disso, a receita deve ser reconhecida com base na evolução do percentual de conclusão do empreendimento por satisfazer todas as condições inerentes.

Não se pode esquecer que a principal função das Demonstrações Contábeis (DC) é fornecer informações sobre a posição patrimonial e financeira da entidade, que sejam úteis a um grande número de usuários em suas avaliações e tomadas de decisão econômica. Assim, o registro equivocado de uma receita fará que a principal função das DCs não seja plenamente cumprida.

Ante o exposto, conclui-se que tanto o CPC 17 como o CPC 30 estão em perfeita sintonia com a estrutura conceitual, a qual define que qualquer receita deve ser registrada quando gerar aumentos nos benefícios econômicos sob a forma de entrada de recursos que resulta em aumento do patrimônio líquido.

Contudo, a questão é complexa e precisa ser discutida amplamente para que não seja adotada uma postura que cause prejuízo às incorporadoras e as obriguem a elaborar as suas demonstrações financeiras de maneira que não venha a refletir a realidade.

Adriano Ferraz, Bernardo V. Freitas e Paulo Machado são, respectivamente, advogados e consultor do Junqueira de Carvalho, Murgel & Brito Advogados e Consultores

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações

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